poupança – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 12 Jul 2022 23:22:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A queda da poupança em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3648&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-queda-da-poupanca-em-2022 Tue, 12 Jul 2022 23:22:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3648 A queda da poupança em 2022

 

Por Roberto Macedo* 

 

O Banco Central acabou de publicar seu relatório mensal sobre a caderneta de poupança, com dados mensais até junho de 2022. Na publicação, esses dados aparecem junto com os dados mensais de 2019, 2020 e 2021, cobrindo assim os três últimos anos e o primeiro semestre de 2022.

Este último semestre mostrou um comportamento atípico, pois se comparado com os primeiros semestres do período 2019-2021, foi o que mostrou mais meses (cinco) de capitalização líquida (depósitos menos retiradas) negativa, mesmo com o aumento dos rendimentos creditados que subiram. Estes voltaram a ser 0,5% ao mês mais o valor da taxa referencial, que voltou a ser positivo, depois de muito tempo com o valor zero. Especificamente, a última remuneração mensal total, divulgada pelo Banco Central em 7 de julho, foi de 0,7008.

O comportamento da poupança no primeiro semestre de 2022 contrastou mais fortemente com o que aconteceu com ela em 2020, que teve apenas dois meses de captação líquida durante todo o ano, e o saldo final de todas as contas passou de R$ 845 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 1,035 trilhão no mesmo mês de 2020, resultado do auxílio emergencial de R$ 600 que o governo federal pagou em 2020, que muitos depositantes preferiram poupar.

Olhando à frente, a perspectiva é de um auxílio adicional de R$ 200, mas em cima dos R$ 400 do Auxílio Brasil. Talvez muita gente optará por poupá-lo no todo ou em parte, mas sem o maior impacto do auxílio emergencial de 2020.

Outro dado interessante é que o saldo final de todas as contas no mês de junho de 2022 foi de R$ 1,013 trilhão, abaixo do valor de R$ 1,030 trilhão em 2021. Ou seja, uma queda de R$ 17 bilhões. Isso apesar de as contas de poupança terem recebido rendimentos de R$ 30,5 bilhões durante do ano 2021 e R$ 33,5 bilhões no primeiro trimestre de 2022. Ou seja, sem esses R$ 64 bilhões o saldo final de todas as contas teria caído muito mais.

Noutra visão, no seu todo e de um modo geral, os depositantes da caderneta de poupança passaram a usá-la para suprir suas carências de renda em 2021 e 2022, na sua média mantendo os seus saldos finais, mas consumindo o que veio de rendimentos mensais. Mas essa é uma das finalidades da poupança, enfrentar tempos de dificuldades. E esses movimentos da poupança sinalizam que elas existem e estão sendo enfrentadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 12 de julho de 2022.

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Economia comportamental e as contribuições de Richard Thaler: um breve resumo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3061&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=economia-comportamental-e-as-contribuicoes-de-richard-thaler-um-breve-resumo Wed, 11 Oct 2017 18:47:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3061 O que é hoje conhecido, dentro da ciência econômica, como “Economia Comportamental”, nada mais é do que uma mistura de (alguma) psicologia com (muita) economia. O propósito é tão nobre quanto simples: utilizar os resultados empíricos bem-estabelecidos na literatura de psicologia para enriquecer e melhorar a descrição do comportamento e dos processos decisórios dos indivíduos que povoam a teoria econômica.

Não se trata portanto de demonstrar a irracionalidade das pessoas nem tampouco a inutilidade dos modelos tradicionais utilizados pelos economistas. Mas de melhorar a parte psicológica dos modelos econômicos – nos mais variados tópicos com que lidam os economistas – na expectativa de melhorar o poder explicativo e preditivo desses modelos.

“ECONOMIA COMPORTAMENTAL”: DEMONSTRAÇÃO DA FORÇA DA ORTODOXIA

Há quem veja a área de economia comportamental (ou tenha visto quando os primeiros trabalhos na área surgiram) como uma espécie de mudança de paradigma dentro da profissão (algo meio heterodoxo, talvez). Mas há razões para acreditar que a área está longe de ser uma mudança radical de paradigma, uma espécie revolução “Lakatosiana” dentro da profissão.

Primeiro porque os trabalhos mais influentes na área abraçam os pressupostos metodológicos do mainstream da profissão — (a) o individualismo metodológico, (b) articulação de hipóteses em um modelo matemático, (c) derivação lógica das implicações dessas hipóteses e (d) teste empírico cuidadoso tanto das hipóteses quanto das conclusões do modelo.

Segundo porque a preocupação com o realismo psicológico e mesmo uma série de conceitos e formulações exploradas nos chamados modelos com uma pitada “comportamental” (aversão à perda, preocupações com “fairness”) já apareciam nos trabalhos dos economistas antigos pioneiros da profissão – sobre isso, ver, por exemplo, o trabalho de Nava Ashraf e colegas sobre Adam Smith. Nesse sentido, “economia comportamental” poderia ser visto como um retorno aos clássicos em bases mais sólidas (seja porque os economistas estariam melhor organizados em termos metodológicos, seja porque elementos psicológicos agora seriam provenientes de uma análise rigorosa de uma massa mais volumosa de dados – e não de introspecção e evidência anedótica).

CETICISMO COM A ÁREA: “IN MARKETS WE TRUST”

Claro que, como quase como todo trabalho acadêmico inovador, os primeiros trabalhos na área – aí inclusos os de Thaler – enfrentaram o ceticismo de muitos economistas. Não é que os economistas acreditassem que as pessoas não cometiam erros ou que adotassem condutas que pareciam desprovidas de racionalidade. Nem tampouco que os modelos de então fossem quase perfeitos em sua capacidade explicativa e preditiva. Mas a parca atenção dada ao tipo “anômalo” de comportamento – que desafiava os modelos padrões na área – era em geral justificada pela crença de que experiência e competição (elementos típicos entre agentes de um mercado minimamente competitivo) tornaria irrelevante, ou eliminaria por completo, esses comportamentos – numa louvor ao poder disciplinador (e, porque não, educador) dos “mercados” (acrônimo para a interação livre de um número arbitrariamente grande de pessoas com interesses, preferências e conjunto de informações heterogêneos).

Não é que os trabalhos na área de economia comportamental, como alguns parecem acreditar, têm a intenção de demonstrar que as pessoas não são racionais – um conceito modelo-específico e, portanto, (que pode ser feito) consistente com uma ampla variedade de comportamentos. Longe disso, os trabalhos seminais na área documentaram uma série de “atalhos” mentais que as pessoas utilizam que, conquanto funcionem em vários contextos, nos levam em muitos outros contextos a produzir escolhas, argumentavelmente, sub-ótimas (uma lista desses “atalhos”, ou heurísticas de decisão, foi originalmente compilada e discutida no artigo seminal de Kahneman e Tversky “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases”, Science 1974). Veja que não se trata de, por isso, abandonar o paradigma dominante da profissão, mas de reformulá-lo, aperfeiçoando a parte descritiva de seus modelos. Não é por acaso, como discutirei mais à frente, que o “rótulo” “economia comportamental” tende a cair em desuso – um claro sinal do grau de desenvolvimento da área e de sua (completa) incorporação ao mainstream da profissão.

O PRÊMIO NOBEL – AS CONTRIBUIÇÕES DE RICHARD THALER

Ninguém sabe os critérios exatos de seleção do Comitê do Prêmio Nobel na seleção dos agraciados. A impressão geral é a de que Richard Thaler esteja sendo agraciado com o Prêmio Nobel pelo conjunto de sua obra: seus artigos acadêmicos, seus trabalhos de divulgação da área, em livros como “Nudge” e “Misbehaving”, e até mesmo sua contribuição na formulação de política pública, por exemplo, como conselheiro da “Unidade de Insights Comportamentais” do governo britânico.

É razoável, todavia, acreditar que o prêmio, como acontece em outras áreas, seja bastante influenciado pela parte acadêmica de suas contribuições e, nessa dimensão, pela originalidade, pela inovação e pelo impacto que tais trabalhos tiveram na profissão – um impacto medido tanto pelas citações que tais trabalhos tiveram quanto pelas áreas e novas frentes de pesquisa que tais trabalhas contribuíram para abrir. Nesse sentido, pode-se dizer que Richard Thaler foi agraciado por contribuições sobre quatro tópicos.

 

1) Finanças comportamentais

Em um artigo publicado em 1985, Thaler e Werner Bondt documentam evidência de “overreaction” – compra ou venda excessiva de ações provocada por uma reação exagerada às notícias recentes (boas ou ruins), produzindo um aumento ou queda exagerados do preço das ações. Consistente com a hipótese de “overreaction”, Thaler e seu coautor, analisando as ações ao longo de cinco anos da bolsa de valores de Nova York, mostram que movimentos extremos nos preços das ações será sistematicamente seguido por movimentos corretivos na direção em oposta. Como o apreçamento “incorreto” das ações sobrevivia à arbitragem (movimento de outros compradores de explorar esses erros) por um tempo considerável, o resultado desafiava a ideia de os mercados financeiros eram eficientes – embora não fosse claro à época, e ainda não é, o quanto disse se deve à existência de traders que não são inteiramente racionais (falhariam, por exemplo, em fazer uma atualização Bayesiana de suas crenças à luz da nova informação) e quanto se deve à existência de limites à atividade de arbitragem.

Trabalho seminal: De Bondt, W., and R. Thaler (1985), “Does the stock market overreact?”, Journal of Finance 40:793−808

 

2) Contabilidade mental

Thaler propôs que as pessoas – ou pelo menos a maior parte delas – usam um processo psicológico de codificação de seus ativos que se assemelharia à criação de uma série de balanços contábeis (ou conta-caixa) que, muito embora tenham seus recursos provenientes da mesma fonte (renda salarial, por exemplo), não seriam transferíveis entre si – isto é, o dinheiro colocando na conta “jantares de fim de semana” não seriam transferível para cobrir déficits na conta mental “gastos com manutenção do veículo”, por exemplo.

Como os “balanços” teriam dimensões distintas, a propensão marginal a consumir de cada “balanço” não é idêntica, muito embora os recursos sejam provenientes da mesma fonte “fungível” (a renda mensal, por exemplo). Essa “rotulação” subjetiva heterogênea da nossa renda explicaria, por exemplo, porque nossa disposição a comprar com dinheiro na carteira é menor do que nossa disposição a comprar a mesma coisa com cartão de débito/crédito ou porque compramos algo parcelado com juros mensais maiores do que o rendimento mensal do dinheiro que temos guardado na poupança com o qual poderíamos ter comprado o bem ou serviço.

 Trabalho seminal: Richard Thaler, 1985. “Mental Accounting and Consumer Choice,” Marketing Science, vol. 4(3), pages 199-214.

 

3) Valor da vida

Trabalho que Richard desenvolveu como parte de sua tese de doutoramento – e depois publicado em coautoria com seu orientador, Sherwin Rosen – e que inaugura as técnicas para estimar o valor da vida a partir da relação entre salário e risco das várias ocupações – a ideia aqui é que se, o mercado de trabalho remunera R$ X reais a mais para que um trabalhador aceite uma ocupação com um risco adicional de mortalidade de p%, então o valor estatístico da vida é de R$ X / p. É uma parte pouco salientada do trabalho de Thaler mas que teve enorme influência na avaliação de políticas públicas e no Direito.

A ideia de mensurar a vida parece repugnante para muitos mas é absolutamente essencial para decidirmos quais políticas públicas merecem serem implementadas – fosse o valor da vida infinito, faria sentido proibir o uso de veículos, uma política de custos elevados com a qual poucos concordariam.

Richard Thaler & Sherwin Rosen, 1976. “The Value of Saving a Life: Evidence from the Labor Market“, NBER Chapters, in: Household Production and Consumption, pages 265-302

National Bureau of Economic Research, Inc.

 

4) Efeito dotação (endowment effect)

O “endowment effect” diz respeito ao fato, já amplamente documentado, de que as pessoas tendem a atribuir mais valor às coisas quando elas são proprietárias dessas coisas do que quando essas mesmas coisas são propriedades de outras pessoas. Embora esse efeito tenha aparecido nos trabalhos de Kahneman e Tversky (pois que seria manifestação da nossa aversão à perda), Thaler já havia notado o fenômeno em seu trabalho sobre o valor da vida. Ao indagar as pessoas sobre o quanto de dinheiro elas estariam dispostas a pagar para eliminar um risco de morte (de 1 em 1 milhão, digamos), Thaler percebeu que os valores em resposta a essa pergunta eram muito menores do que os valores apontados em resposta à pergunta similar mas envolvendo o quanto elas estariam dispostas a receber para eliminar tal risco.

Pelo menos à luz da teoria econômica padrão de então, não há razão para que as respostas fossem distintas. Mas a constatação está nas origens do que é hoje um dos resultados – outrora visto como anomalia – mais bem-estabelecidos em economia comportamental cuja universalidade, implicações e até suas origens evolucionárias tem sido amplamente investigada.

Os trabalhos em torno desse tópico nos ajudaram a entender, por exemplo, nossa preferência pelo status quo, da qual se origina, junto com a pesquisa sobre problemas de autocontrole, a recomendação pela inscrição automática em planos de previdência. O efeito dotação também ajuda a compreender a rigidez dos salários (para baixo) mesmo em períodos de recessão da economia e o porquê das pessoas se revoltarem com o aumento de preço de água e alimentos em supermercados em áreas que sofreram algum desastre natural.

Trabalho seminal:

(a)    Thaler, Richard, 1980. “Toward a positive theory of consumer choice,” Journal of Economic Behavior & Organization, Elsevier, vol. 1(1), pages 39-60, March.
(b)    Daniel Kahneman & Jack L. Knetsch & Richard H. Thaler, 1991. “Anomalies: The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias,” Journal of Economic Perspectives, American Economic Association, vol. 5(1), pages 193-206.

SURPRESAS?

Há quem esteja surpreso com o prêmio. Primeiro porque não parecia que trabalhos de “primeira geração” da área de economia comportamental receberiam outra premiação – por trabalhos desse tipo, Kahneman foi premiado em 2002. Segundo porque, condicional a premiar a área, é argumentável que outros economistas tinham contribuições tão importantes quanto a de Thaler que talvez o tornassem merecedores do prêmio juntamente com Thaler – cito, a título de exemplo, os trabalhos sobre cooperação de Ernst Fehr (University of Zurich), os desenvolvimentos de teoria comportamental dos jogos de Colin Camerer (Caltech) e as várias contribuições teóricas nos tópicos de consumo, autocontrole e risco de Mattew Rabin (U of Harvard).

A ÁREA NO BRASIL

Muitos perguntam porque a área de economia comportamental é pouco desenvolvida no Brasil. Não há muito segredo aqui: (1) há poucas pessoas com treino na área (o Brasil absorve poucas pessoas formadores no exterior, onde essas áreas são mais desenvolvidas) e (2) a área tem uma sinergia com investigação experimental, que custa relativamente caro. Como as agências de fomento no Brasil não são exatamente ricas, pesquisar nessa área pode ser muito difícil no país.

O FUTURO DA ÁREA

A área de “economia comportamental” era, inicialmente, um punhado de tópicos com algumas dezenas de papers. Com o tempo, a ideia de trazer insights da psicologia para melhorar os modelos econômicos foi sendo aplicado em vários tópicos de pesquisa. A área foi se adensando horizontalmente (mais tópicos) e verticalmente (mais trabalhos teóricos e empíricos dentro de cada tópico). Há hoje apenas um link muito vago entre os trabalhos com uma “pegada” comportamental. Fora isso, a área já está incorporada ao mainstream da profissão – trabalhos “comportamentais” aparecem regularmente nas principais revistas científicas da profissão. O rótulo vai cada vez mais fazendo menos sentido – tudo em economia, afinal de contas, é comportamental. O que parece um sinal de estagnação da área, é antes um sinal de desenvolvimento e maturidade da área.   O rótulo pode desaparecer mas, quando olharmos para o passado da profissão, Thaler será lembrado como um dos que promoveu o avanço do conhecimento na disciplina e, em certo sentido, reconectou a profissão com suas origens.

Versão deste texto foi publicada em O Economista X, em 10 de outubro de 2017.

 

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Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=incentivar-o-consumo-ou-a-poupanca-para-estimular-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898#comments Fri, 02 Dec 2011 16:49:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=898 Há certo consenso entre os economistas de que é necessário investir mais para garantir taxas mais altas de crescimento no longo prazo. Afinal, uma das maneiras mais efetivas de aumentar a produção de bens e serviços da economia é estimulando os investimentos em capital fixo (máquinas, equipamentos, estradas, etc.).

Os números variam, mas estima-se que uma taxa de investimento equivalente a 25% do PIB parece ser o mínimo necessário para garantir que o PIB possa crescer em torno de 5% a.a., sem superaquecer a economia (situação em que as empresas não conseguem produzir tudo o que é demandado pelos compradores, havendo falta de mercadorias, e na qual as empresas não conseguem encontrar trabalhadores para seus postos vagos; o que acaba por elevar salários e preços, gerando aumento da inflação).

Sabemos que uma das identidades básicas da economia é que a poupança deve igualar o investimento. Logo, se a intenção for investir 25% do PIB, é necessário que haja uma poupança também equivalente a 25% do PIB. Sabe-se também que a poupança total é a soma da poupança doméstica (poupança das famílias e do governo) com a poupança externa. Ocorre que a poupança doméstica brasileira tem se situado em torno dos 17% do PIB. Logo, seria necessário tomar emprestado uma poupança externa de uns 8% do PIB para sustentar investimentos de 25% do PIB.

Aí começa a dificuldade, pois a poupança externa corresponde ao saldo em transações correntes (TC) no balanço de pagamentos. Assim, mantidas as condições atuais, precisaríamos de um déficit em transações correntes equivalente a 8% do PIB para financiar o investimento. Ou seja, precisaremos ter um déficit nas transações com os outros países, o que exigiria a entrada de moeda estrangeira no país, decorrente de empréstimos e investimentos estrangeiros, para que tivéssemos divisas internacionais para cobrir o tal déficit em transações correntes (afinal, os parceiros externos não aceitam o Real como meio de pagamento, pois a nossa moeda não tem curso no mercado internacional).

Apesar de não existir uma “lei” estipulando limites máximos para déficits em TC, na prática, dificilmente países conseguem financiamento externo superior a 5% do PIB por períodos prolongados. Em geral, quando o déficit em TC passa dos 4%, a luz amarela já acende e os países passam a ter problemas de financiamento (é preciso garantir constantemente a entrada moeda estrangeira no país para pagar os compromissos em moeda estrangeira, o que deixa os credores do país, em moeda estrangeira, temerosos de não receber seus créditos, havendo uma redução da oferta de empréstimos internacionais ao país, ou o aumento do custo cobrado por esses empréstimos).

Por outro lado, a imprensa muitas vezes noticia que poupar é ruim em um cenário de crise. Ao poupar, as pessoas e o governo não gastam, o que reduz a demanda agregada, o que gera desemprego, reduzindo ainda mais a demanda, etc. Ou seja, estariam criadas as condições para um ciclo perverso: o governo e as famílias não consomem, as indústrias e demais empresas não vendem, há redução no ritmo de produção, aumenta o desemprego e ocorre nova rodada de encurtamento da atividade econômica.

Como resolver essa questão? Deve-se aumentar ou diminuir a poupança? Essa discussão é antiga e passa pela disputa entre keynesianos e clássicos.

A Escola Clássica tem por princípio o liberalismo, isto é, todos os agentes, em busca de obter o máximo de satisfação pessoal, promovem a obtenção do bem-estar de toda a sociedade. De maneira geral, privilegiam o equilíbrio do orçamento público, o controle da expansão da moeda para conter a inflação e um baixo grau de intervencionismo estatal. Consideram que a insuficiência de demanda agregada não é a regra na economia, ocorrendo apenas em momentos de crise. Também argumentam que os investimentos levam um longo período para aumentar a capacidade produtiva da economia (por exemplo, uma máquina precisa ser construída, vendida e ter sua operação iniciada; uma estrada leva um longo tempo para ficar pronta). Por isso, tal Escola considera que a expansão da demanda agregada, baseada em ampliação do consumo (e consequente redução da poupança), pode até estimular a economia e o investimento, porém tenderá a gerar inflação antes de provocar a expansão da atividade econômica, tendo em vista que entre o aumento da demanda agregada e a ampliação da capacidade produtiva da economia haverá um largo intervalo de tempo, em que a maior demanda enfrentará uma oferta rígida, gerando aumento de preços.

Já o Keynesianismo defende que a solução para o problema do desemprego viria com uma forte intervenção do Estado por meio do incremento dos investimentos públicos, que garantiriam o pleno emprego e influenciariam positivamente a demanda agregada. Para essa escola a demanda agregada gera, automaticamente, maior oferta de bens e serviços (implicitamente, ou não se considera o hiato de tempo entre o estímulo a investir criado pela demanda mais alta e a entrada em funcionamento dos novos ativos decorrentes do investimento ou se supõe haver ociosidade permanente na economia, que permite a contratação de fatores de produção sem aumento dos custos), não havendo o impacto inflacionário previsto pela Escola Clássica.

A aplicação de políticas keynesianas fora de um contexto de crise, ou seja, sem que a economia esteja em depressão, com grande ociosidade nos seus meios de produção, tende a gerar pressões inflacionárias.

Frente a essa disparidade de visões, o que se deve fazer para garantir crescimento econômico: controlar as despesas das famílias e do governo, para aumentar a poupança e consequentemente os investimentos; ou ampliar os gastos públicos e das famílias para estimular a demanda agregada, gerando redução da poupança?

Se a economia não estiver em situação de crise, com alto grau de capacidade ociosa (situação ideal para a aplicação de política keynesiana), é preciso encontrar caminhos para expandir a capacidade de crescimento sem gerar inflação ou desequilíbrio no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos.

Podem-se fazer algumas conjecturas continuando a explorar as identidades básicas da teoria econômica. Sabe-se que a poupança é a parte da renda que não foi utilizada no consumo. Assim, para aumentar a poupança interna, há duas possibilidades imediatas: ou baixar o consumo ou aumentar a renda.

O ideal é que se consiga aumentar a renda sem ter que restringir o consumo.

Para tanto, pode-se aumentar a produtividade do trabalhador, ou seja, criar condições para que ele produza mais com menos insumos. Isso abre uma janela para que se aumente o salário real, sem gerar inflação, pois o incremento na renda está calcado no incremento da produtividade.

Outra possibilidade para conseguir ganhos na renda é aumentar a produtividade do capital investido na produção pelas empresas e pelo governo. Isso permite a geração de lucros maiores, ou seja, novamente tem-se mais renda, sem inflação, pois os preços não tiveram que subir para gerar os lucros maiores.

A pergunta que fica é como aumentar a produtividade dos fatores de produção, como conseguir mais eficiência no processo produtivo. Para isso há dois caminhos. O primeiro é aumentar o investimento, para agregar novas tecnologias, mais eficientes, ao processo produtivo. Mas aí voltamos ao ponto inicial: como aumentar o investimento sem mexer com a poupança. Como no curto prazo a renda é limitada pela disponibilidade de fatores de produção, se não houver  recursos ociosos, o aumento do investimento exigirá o aumento da poupança, e o aumento da poupança necessariamente passa pela redução do consumo. Nessa situação, portanto, é mais importante conter o consumo no curto prazo, para que se tenha mais poupança e se possa financiar mais investimentos.

Outra forma de se conseguir ganhos de produtividade é redirecionar os gastos (do governo e das famílias) para atingir uma educação de qualidade em todos os níveis (apesar de a literatura já reconhecer que gastos com educação são investimento em capital humano, as contas nacionais continuam a classificá-los como gastos correntes).

A recomendação de cunho keynesiano,  de poupar menos e gastar mais, pode até ser eficaz em sustentar o PIB no curto prazo, em situações de grande ociosidade de fatores de produção. Mas, no longo prazo, não existe mágica. É preciso criar condições para aumentar a produtividade do capital e dos trabalhadores, aumentar a poupança para poder financiar mais investimentos sem impacto inflacionário e sem desequilíbrio no balanço de pagamentos. Apenas expandir gastos de consumo, mantendo baixa a poupança, bem como a produtividade dos trabalhadores e capital, é a receita certa para ter alta inflação e baixo crescimento.

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Para ler mais sobre o tema:

Jones, Charles: Introdução à teoria do crescimento econômico. Campus. 2000.

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Por que o real se valoriza em relação ao dólar desde 2002? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=620&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-real-se-valoriza-em-relacao-ao-dolar-desde-2002 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=620#comments Mon, 20 Jun 2011 12:15:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=620 Este texto é uma resenha do estudo “O câmbio no Brasil: perguntas e respostas”, de autoria de Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti, apresentado no XXIII Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos – INAE. O texto resenhado pode ser obtido na íntegra, em versão pdf,  no endereço: http://www.forumnacional.org.br/sec.php?s=400&i=pt . A publicação da presente resenha em www.brasil-economia-governo.org.br foi autorizada pelos autores e pelo INAE.

Por que o câmbio no Brasil se valoriza continuamente desde 2002? Não há uma causa única, mas uma explicação muito importante está associada a uma característica dominante da economia brasileira, que é o nível baixo das poupanças domésticas – pública e privada. Isto torna o crescimento econômico dependente da absorção de poupanças externas, na forma de importações líquidas, cujo aumento ocorre através da valorização do câmbio real. Se todas as demais causas apontadas para a valorização do real não existissem, essa dependência com relação às poupanças externas já seria suficiente para transformar o real em uma moeda forte.

O propósito deste trabalho é enfatizar a importância desse efeito, bem como indicar caminhos para superar a limitação que ele impõe ao crescimento econômico. Mas antes de atingir esse ponto é preciso avaliar as outras forças por trás do comportamento da taxa cambial. Para fazê-lo há que se responder a cinco perguntas.

i)                    qual é o verdadeiro regime cambial brasileiro?

ii)                  o que está por trás da contínua valorização do real desde 2002?

iii)                por que cresceram as pressões para a valorização do real a partir de 2010?

iv)                por que mesmo diante das intervenções e de controles aos ingressos de capitais o câmbio real se valoriza?

v)                  como os ganhos de relações de troca afetam as exportações de commodities e de produtos manufaturados, e que consequências isto acarreta sobre as importações?

Após responder a essas cinco questões, na última seção o trabalho discute as sugestões sobre como reagir à nova realidade externa. Não há controvérsias sobre as reações aos movimentos de curto prazo, que temporariamente valorizam o real: usam-se os instrumentos das intervenções e de taxações sobre os ingressos de alguns tipos de capitais. A controvérsia está no que fazer para evitar forças que a longo prazo tornam o real uma moeda mais forte. A primeira ação deveria ser a promoção de reformas que levem à elevação das poupanças domésticas, tornando o crescimento econômico menos dependente da absorção de poupanças externas.

I – QUAL É O REGIME CAMBIAL BRASILEIRO?

O Brasil aderiu à flutuação cambial no início de 1999. Mas se caracterizarmos o regime cambial brasileiro não pelo comportamento da taxa cambial, e sim pela intensidade das intervenções, desde janeiro de 2006 o Brasil vem praticando um regime cambial muito distante do câmbio flutuante puro.

Quando a trajetória do câmbio é pré-fixada (assim como no regime de câmbio fixo), o Banco Central tem que estar pronto a comprar ou a vender quaisquer que sejam os fluxos cambiais de entrada e de saída para manter o câmbio preso àquela trajetória. Já no regime puro de câmbio flutuante, o Banco Central nem compra, nem vende: o aumento de fluxos de entrada leva à valorização do câmbio, e o aumento dos fluxos de saída leva à sua desvalorização.

Desde a implementação do Plano Real, podemos identificar três períodos no que diz respeito ao comportamento do Banco Central no mercado de câmbio. Durante o período de câmbio com trajetória pré-fixada (1994-1999), eram frequentes as intervenções de compra e venda. Já no regime de câmbio flutuante, após 1999, há dois períodos distintos. No primeiro, entre 1999 e o final de 2005, as intervenções eram muito pequenas. Havia nesse período uma flutuação cambial quase pura. Já a partir de 2006, as intervenções são mais intensas do que no período entre 1994 e 1999. Por esse critério, o regime cambial recente se assemelha ao que existia quando o real seguia uma trajetória pré-fixada. Entretanto, contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, apesar da intensidade das intervenções, o câmbio não deixou de se valorizar. Também contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, quando havia uma alternância de compras e vendas, neste período mais recente, em quase todos os meses (a exceção são os quatro meses mais agudos da crise mundial de 2008), somente ocorreram compras. Foram compras tão intensas que, de janeiro de 2006 até o presente, o Brasil acumulou um adicional de mais US$ 274 bilhões de reservas.

Qual o motivo dessas intervenções intensas? A explicação oficial é que com isso buscava-se a acumulação de reservas. Esse é, de fato, um objetivo de política econômica, mas não era o único. O outro, não declarado, é a busca de, pelo menos, evitar uma valorização mais intensa do real.

II – O QUE ESTÁ POR TRÁS DA CONTÍNUA VALORIZAÇÃO CAMBIAL DESDE 2002?

Não há uma única causa por trás da contínua valorização cambial desde 2002, mas uma delas, muito importante, é o aumento progressivo da demanda por ativos brasileiros a partir de 2002, derivada da adesão do país à disciplina macroeconômica, junto com a melhora do cenário internacional.

A grande queda da percepção de riscos macroeconômicos ocorreu quando o governo Lula, logo no seu início, se comprometeu a manter o mesmo tripé implantado no governo anterior: superávits fiscais primários; metas de inflação; e flutuação cambial. Buscava, com isso, a redução da dívida publica; a sua desdolarização; o controle da inflação; e o aumento da liquidez externa do país. A percepção da seriedade do compromisso com esses objetivos reduziu drasticamente a percepção de riscos, elevando a demanda por ativos brasileiros.

O aumento da demanda no mercado financeiro internacional eleva os preços dos bônus brasileiros no mercado secundário, o que reduz seus rendimentos (yelds) e, consequentemente, o prêmio de risco[1]; e o aumento da demanda no mercado financeiro por parte de estrangeiros eleva o ingresso de dólares para permitir as compras, valorizando o real. Ou seja, a queda na percepção de riscos macroeconômicos produz, ao mesmo tempo, uma baixa dos prêmios de risco e uma valorização cambial: é a melhoria da percepção de riscos, por sua vez decorrente de uma maior disciplina macroeconômica, que permite queda no prêmio de risco e apreciação da taxa de câmbio.

Há quem argumente que a forte demanda por ativos brasileiros decorre das altas taxas de juros. É verdade que em todo este período há ingressos de capitais de curto prazo, mas há, também, um forte ingresso de capitais de longo prazo, que não são diretamente estimulados pelo diferencial de taxa de juros. Por exemplo, nos doze meses encerrados em maio de 2011, a entrada de investimentos estrangeiros diretos e em portfólios, que não é induzida pelo diferencial de juros, atingiu em torno de US$ 100 bilhões. São capitais atraídos pelas boas perspectivas econômicas do Brasil, em um contexto de abundante liquidez no mercado financeiro internacional.

III – POR QUE A PARTIR DE 2010 CRESCEU A PREOCUPAÇÃO COM A VALORIZAÇÃO?

Em 2010 o Federal Reserve iniciou Quantitative Easing 2 – QE2, um programa de recompra de títulos de longo prazo do Tesouro dos Estados Unidos que aumentou a quantidade de dólares em circulação. Isso acentuou a desvalorização do dólar com relação a praticamente todas as moedas, inclusive o real.

Uma primeira reação do governo brasileiro a essa valorização foi retomar os controles nos ingressos de capitais, elevando para 6% o IOF para os ingressos em portfólio de renda fixa. Em segundo lugar, intensificaram-se as intervenções no mercado à vista, tendo as compras no primeiro quadrimestre de 2011 atingido a média de US$ 7,3 bilhões por mês.

IV – POR QUE APESAR DO ESFORÇO CONTRÁRIO O CÂMBIO REAL SE VALORIZA?

Essa valorização é uma consequência de duas forças. A primeira são os ganhos de relações de troca. A segunda é o fato de que o Brasil é um país no qual o aumento dos investimentos depende da complementação de poupanças externas, porque as poupanças domésticas são baixas. A absorção de poupanças externas se faz com o aumento das importações líquidas, mas, para tanto, é necessário que se tornem mais baratas, o que exige a valorização do câmbio real.

Olhemos primeiramente para as relações de troca, mas antes de analisar o caso brasileiro, concentremo-nos por um momento no comportamento do dólar australiano, que foi a moeda que mais se valorizou depois de implantado o QE2. Não se pode atribuir a apreciação do dólar australiano ao diferencial de juros, simplesmente porque a taxa de juros daquele país é muito próxima da dos Estados Unidos. O canal de transmissão relevante, no caso da Austrália, foi a elevação dos preços de commodities.

Os ganhos de relação de troca, ao estimular as exportações e ampliar a oferta de divisas, tendem a valorizar o câmbio real em países cujas exportações de commodities são elevadas. No caso brasileiro, tanto quanto no caso da Austrália, ganhos de relações de troca ocorrem quando os preços das commodities se elevam. A partir de 2009, o Brasil teve ganhos de relações de troca da ordem de 30%.

Olhemos agora para o fato de que no Brasil as poupanças domésticas são baixas, e que os investimentos dependem da absorção de poupanças externas, na forma de aumento das importações líquidas. Contabilmente um déficit nas contas correntes (exportações líquidas negativas) é o excesso de importações sobre exportações de bens e serviços, mas economicamente ela pode ser vista: ou como o excesso da absorção (a soma da formação bruta de capital fixo e dos consumos das famílias e do governo) sobre a renda; ou como a escassez das poupanças totais domésticas para financiar os investimentos[2]. Outra forma de entender a dependência de nossa economia pela poupança externa é constatar que o aumento dos investimentos provoca o crescimento da absorção acima do PIB, porque não ocorre nem uma queda suficientemente grande do consumo das famílias, nem do consumo do governo, que provocariam a elevação das poupanças domésticas. É necessária então a poupança externa para completar o financiamento do investimento doméstico. Com isso fica estabelecido o fato empírico de que no Brasil o aumento dos investimentos requer a complementação de poupanças externas. Mas por que isso levaria á valorização do câmbio real?

O câmbio real é um preço relativo, entre bens tradables e non-tradables[3], e o aumento da absorção relativamente à renda provoca a sua apreciação. Para mostrar esse ponto partimos de uma situação inicial na qual os investimentos são iguais às poupanças domésticas (a absorção é igual à renda), com importações líquidas nulas. Admitamos que a partir desse ponto a absorção doméstica se eleva acima da renda (os investimentos crescem acima das poupanças domésticas), levando a um aumento nas importações líquidas. Expansão da demanda doméstica significa um aumento quer da demanda por bens tradables, quer da demanda por bens non-tradables. Mas com um dado valor do câmbio nominal o preço nominal dos bens tradables não se altera (ele é o produto do câmbio nominal pelo preço internacional, e lembremos que este último não se altera, porque o Brasil é um “tomador de preços” no mercado internacional). Em contrapartida, o aumento da demanda de bens non-tradables leva a um aumento de seu preço relativo (os salários, por exemplo), e, como o câmbio real é o preço relativo entre bens tradables e non-tradables, este se valoriza. A valorização do câmbio real é necessária para levar ao aumento das importações líquidas, que conduzem ao aumento da taxa de investimentos.

Por que canais essa valorização ocorre? Ela pode ser tanto decorrente de uma apreciação do câmbio nominal sem que os preços dos bens non-tradables se alterem no mercado doméstico; quanto de uma elevação dos preços dos bens non-tradables, isto é, através de uma inflação. Observem que em ambos os casos os bens non-tradables tornam-se mais caros em relação aos bens tradables.

Desde 2002 tem ocorrido apreciação do câmbio real. Em grande parte, essa apreciação é explicada pela apreciação do câmbio nominal. Mas a inflação (de bens non-tradables) também teve a sua parte, especialmente depois de 2010, quando se intensificaram as intervenções do Banco Central no mercado à vista, buscando evitar uma apreciação do real com relação ao dólar. Ou seja, nesse período mais recente, a tentativa de impedir uma apreciação do câmbio nominal tem feito com que a apreciação do câmbio real necessária para equilibrar o excesso de absorção doméstica em relação ao produto tenha de ser obtida por meio de maior inflação de non-tradables, como os serviços.

V – COMO AS RELAÇÕES DE TROCA AFETAM AS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES?

Para as exportações como um todo, a valorização do câmbio real com relação à cesta de moedas é compensada pela elevação dos preços das exportações medidos em dólares. Mas os preços dos produtos manufaturados cresceram menos do que os preços dos produtos básicos. Quanto isso representa em termos de perdas de competitividade?

A resposta obviamente não pode ser dada olhando apenas para o câmbio real. Uma medida mais precisa é dada computando-se o produto do câmbio real pelos preços em dólares de manufaturados, semimanufaturados e básicos. Em relação ao câmbio real, podemos tomar como referência o dólar, se considerarmos que as exportações são predominantemente direcionadas para os Estados Unidos ou para países com moedas presas ao dólar (como a China), ou ter como referência uma cesta de moedas, se houver maior diversificação no destino de nossas exportações.

Em relação aos produtos básicos, verificamos que nos últimos anos suas exportações tornaram-se extremamente mais competitivas, pois a elevação de preços de commodities mais do que compensou a valorização das duas medidas de câmbio real. Já para os exportadores de produtos manufaturados para os Estados Unidos e para países com moedas atreladas ao dólar norte americano, a perda de competitividade vem ocorrendo continuamente. Mas ela é bem menor do que a estimada pela valorização do real, e é ainda menor caso se exporte para países cujas moedas também estão em processo de valorização.

O caso das importações é semelhante ao das exportações de produtos manufaturados. Importações provenientes dos Estados Unidos ou de produtos cotados em dólares têm seus preços convertidos em reais mostrando uma queda contínua.

QUAIS SÃO OS CAMINHOS?

Em situações de valorizações transitórias excessivas, como a que vem ocorrendo em resposta à crise internacional, o governo reage intervindo mais pesadamente e/ou “colocando areia nas rodas” dos ingressos de capitais, evitando uma sobrevalorização. A grande maioria dos países lança mão desses instrumentos. O que nos interessa mais de perto, diante da análise exposta neste trabalho, é como reagir ao movimento permanente de valorização do real.

A primeira providência é elevar as poupanças totais domésticas, de forma a tornar o crescimento econômico menos dependente da absorção de poupanças externas. Para isso é necessário redefinir completamente os objetivos da política fiscal. Há alguns anos, quando o Brasil sofria do problema da não sustentabilidade da dívida pública, tinha que gerar superávits primários suficientemente grandes para, dadas a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, produzir o declínio da relação dívida/PIB. Agora teria que dar um passo além, cortando gastos de custeio em relação às receitas de forma a elevar simultaneamente suas poupanças e os seus investimentos.

A segunda providência é tomar medidas no campo tributário para elevar a competitividade das exportações. É preciso, primeiro, que os impostos sobre o valor adicionado permitam a total isenção nas exportações, o que não existe atualmente com o ICMS. É necessário reformar completamente o ICMS, mantendo as receitas nos Estados, mas com legislação federal, de forma a tolher o poder dos Estados na concessão de incentivos e isenções. O ICMS também teria que ser recolhido de acordo com o princípio do destino, e não da origem, de forma a eliminar o problema da não utilização dos créditos tributários. Também são necessárias uma desoneração da tributação sobre a folha de pagamento e uma queda drástica de impostos sobre energia elétrica e bens de capital.

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[1] O yield corresponde ao rendimento de um título, que pode ser expresso pela soma do rendimento de um título sem risco (o que usualmente é aproximado pela taxa de juros de títulos do governo norte-americano para títulos com características semelhantes aos nossos) com o prêmio de risco. Se o rendimento cai e a taxa de juros sem risco não se altera, isso implica redução do prêmio de risco.

[2] Para simplificar admitimos nula a renda líquida enviada ao exterior. A oferta total de bens e serviços é obtida somando o produto, Y, às importações, M, e a demanda agregada de bens e serviços é  obtida somando o consumo das famílias, C, aos investimentos, I, ao consumo do governo, G, e às exportações, X (a demanda externa). O equilíbrio impõe a igualdade Y+M=C+I+G+X, ou (X-M)=Y-(C+I+G), onde as exportações líquidas, (X-M), são iguais ao saldo nas contas correntes (a renda enviada ao exterior é nula), e (C+I+G) é a absorção. Somando e subtraindo a arrecadação tributária, T, obtemos (Y-T)-C – I+(T-G)=(X-M), onde (Y-T) é a renda disponível. A diferença entre a renda disponível e o consumo é a poupança das famílias, e a diferença entre a arrecadação tributária e o consumo do governo é a poupança do setor público. Ou seja a poupança das famílias é St =(Y-T)-C, e a poupança pública é (T-G)=Sp, e fazendo S=St+Sp obtemos S-I=X-M, ou seja, as exportações líquidas (o superávit nas contas correntes) é o excesso das poupanças sobre os investimentos.

[3] Bens tradables, ou comercializáveis, são bens que são fáceis de serem exportados ou importados. Já bens non tradables são bens que apresentam maior dificuldade de comercialização no mercado internacional (seja para exportação ou para exportação). Podemos aproximar, grosseiramente, bens tradables como commodities e manufaturados, e non-tradables como serviços. Câmbio real depreciado significa, portanto, que os bens comercializáveis estão relativamente caros. Quando o câmbio real se aprecia, o preço dos serviços e outros bens não comercializáveis tende a ficar relativamente mais caro.

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