políticas sociais – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 15 Jun 2016 14:06:14 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Como as universidades públicas no Brasil perpetuam a desigualdade de renda: fatos, dados e soluções https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2793&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-solucoes https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2793#comments Wed, 15 Jun 2016 14:06:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2793 SUMÁRIO EXECUTIVO

  • Níveis educacionais melhoraram sensivelmente nos últimos 20 anos no país, mas o Brasil continua com resultados comparativamente baixos em relação a seus pares latino-americanos.
  • Em gastos por aluno, o setor público escolheu por priorizar a educação superior. Para cada estudante em uma universidade pública, em média, seria possível manter quatro estudantes de ensino médio ou fundamental na escola.
  • Essa priorização beneficia os mais ricos. Estudantes de universidade pública têm uma renda familiar per capita duas vezes maior do que aqueles que não vão para a universidade. A representação proporcional da classe alta nas universidades públicas é quase o dobro daquela observada na sociedade como um todo.
  • A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês estudar em universidade pública é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que têm uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública.
  • Existe uma desigualdade também no acesso a cursos mais concorridos. Em universidades públicas, cursos com nota de corte mais alta no SISU tendem a ter uma presença menor de negros. Negros são também sub-representados no Ciência sem Fronteiras.
  • Transferir renda para financiar a educação dos mais ricos com impostos ajuda a perpetuar desigualdades, pois anos adicionais de estudo incrementam a renda de quem recebeu o benefício. Para cada ano adicional de estudo, adultos têm um aumento de sua renda entre 6,5% e 10%.
  • Mudar o foco das universidades públicas para outros níveis de ensino amenizaria essas desigualdades. Retornos ao investimento em educação, em termos econômicos para a sociedade e cognitivos para as crianças, são maiores quando esses investimentos são direcionados à educação de base.
  • Algumas alternativas em políticas públicas seriam: (a) permitir e financiar a criação de escolas públicas de administração autônoma; (b) criar o ProUni do ensino básico e distribuir vale-escola para estudantes pobres se matricularem em escolas privadas; e (c) estimular a educação na primeira infância, eliminando impostos sobre creches e pré-escolas, facilitando seu processo de criação e registro.
  • Para financiar essas mudanças, seria necessário instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante.
  • Com a limitação dos recursos transferidos pelo governo federal, seria necessário reformar a legislação para facilitar e incentivar a captação autônoma de recursos pelas próprias universidades em complementação à cobrança de mensalidades. Entre essas medidas, poderiam se incluir, dentre outras: (a) a reforma na legislação para permitir às universidades receber doações diretas; (b) a ampliação da cooperação existente entre universidades públicas e o setor privado, que deve passar a ser mensurada de forma adequada pelo Ministério da Educação; e (c) a flexibilização da legislação de modo a permitir às instituições de ensino superior licenciar suas marcas e experimentar individualmente métodos distintos de financiamento.
  • Em termos regulatórios, é necessária uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Na educação superior, a instituição de mensalidades proporcionais à renda familiar do estudante e a flexibilização dos métodos de captação de recursos por universidades reduziria o fardo de impostos necessários para o financiamento dessas instituições. Na educação de base, alternativas de descentralização da educação pública e empoderamento dos pais de crianças pobres na escolha da educação de seus filhos, seja por meio de escolas públicas autônomas ou por vales educacionais, contribuiriam com a melhoria da educação recebida pelos grupos economicamente desfavorecidos.

 

INTRODUÇÃO

Na última década, o Brasil deu passos importantes na expansão do nível educacional da população. Num espaço de dez anos, a proporção de pessoas que tem ensino médio ou superior completo subiu de 30% para 42% da população. Esse incremento de 12% corresponde a, aproximadamente, 24 milhões de pessoas a mais com o ciclo do ensino básico terminado.

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Tal avanço não se restringiu a um grupo específico de municípios, mas ocorreu de forma generalizada. Contudo, ainda há uma dispersão muito grande nos resultados. Enquanto em municípios como Florianópolis (SC) mais de 65% da população adulta concluíram o Ensino Médio, em outros, como Chaves (PA), apenas 4% o fizeram. Os avanços ao longo do tempo, bem como a desigualdade entre os municípios, podem ser observados na Figura 2 abaixo, com as curvas progredindo para a direita.

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Apesar dessas melhorias, o país ainda apresenta números comparativamente baixos em relação aos seus pares latino-americanos. Entre os maiores países do continente, somente a Colômbia apresenta níveis educacionais semelhantes aos brasileiros. O hiato entre os níveis brasileiros e os líderes da região chega a quase três anos de estudo.

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Mesmo com mais da metade da população sem ensino médio e com índices de educação básica comparativamente baixos, o investimento por aluno no Brasil prioriza o ensino superior. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), gasta-se quatro vezes com cada aluno do ensino superior público o valor que se investe em estudantes do ensino fundamental ou médio. Em média, países da OCDE gastam com cada estudante de ensino superior 1,5 vezes o gasto do ensino médio – o que indica que a priorização brasileira ao ensino superior é mais evidente.

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Apesar de um estudante de ensino superior custar muito mais que o de uma educação básica e mais da metade da população não ter terminado o ensino médio, o país observou uma expansão forte das universidades públicas na última década. Se nos 20 anos entre 1980 e 2000 as vagas cresceram 80%, no período mais curto entre 2000 e 2014 as vagas em instituições públicas aumentaram 120%.

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Priorizar o ensino superior público em um país em que mais da metade da população não termina o ensino médio significa uma transferência de renda para os mais ricos. Não apenas os estudantes de famílias mais ricas têm uma probabilidade maior de estudar nas universidades públicas, como também pessoas que são beneficiadas por essas políticas e estudam mais anos tendem a ter salários maiores no futuro, perpetuando as desigualdades.

 

A ESTRUTURA SOCIAL E DEMOGRÁFICA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Quase toda política pública é uma forma de transferência de renda. Quando os custos de uma política estão dispersos por toda a sociedade e os benefícios estão concentrados em um grupo específico, aqueles que ajudam a financiar uma política, mas dela não se beneficiam, estão subsidiando os que recebem os serviços prestados pelo governo.

Com as universidades públicas isso se torna ainda mais claro: todos pagam pelas instituições, mas somente alguns têm acesso ao serviço educacional que elas oferecem. Por causa da alta concorrência das universidades públicas e da baixa qualidade das escolas públicas brasileiras, aqueles em situação econômica mais vulnerável têm pouca chance de conseguir uma vaga para estudar em uma universidade financiada pelo contribuinte.

Em média, a renda familiar per capita de jovens que frequentam universidades públicas (R$1422) é mais de duas vezes maior do que a daqueles jovens que não frequentam universidade (R$690)1. As famílias 20% mais pobres têm várias dificuldades. Uma boa parte deles (50,8%) sequer termina o ensino médio. Além disso, a pressão que eles têm por trabalhar para contribuir com o orçamento familiar diminui a possibilidade que eles têm de se preparar para os altamente concorridos vestibulares ou mesmo se dedicar a um curso integral (e, na maior parte das vezes, diurno) que vai limitar sua possibilidade de trabalho.

Por isso, as universidades públicas tendem a beneficiar os ricos de forma desproporcional. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), a classe alta corresponde a 24,8% da população. Mas, nas universidades públicas, a classe alta ocupa 45,5% das vagas. Do outro lado dessa equação, as pessoas que estão hoje na classe baixa são 23,1% da população brasileira, mas apenas 8,4% da população universitária.

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A probabilidade de um jovem estudar em uma universidade pública está diretamente relacionada a sua renda familiar. A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês – por exemplo, uma chefe de família que recebe R$1000 ao mês e sustenta um cônjuge e dois filhos – é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que vêm de famílias muito ricas, tendo uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês – digamos, o filho de um diretor de uma multinacional – têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública2.

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O acesso desproporcional de grupos privilegiados à universidade pública é mais pronunciado em determinados cursos. Não há dados de renda familiar disponíveis para a composição de cursos das universidades públicas, mas as tendências de desigualdade são evidenciadas por diferenças nas composições de cor/raça. Enquanto cursos como Pedagogia e Serviço Social são majoritariamente negros, em outros, como Engenharia Mecânica e Relações Internacionais, negros são menos de um terço do corpo discente3.

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Essa tendência mantém um padrão: quanto mais difícil o ingresso em um curso, menor a presença de negros entre os estudantes – e, presumivelmente, isso também se correlaciona com a renda familiar. Como pode-se observar na Figura 9 abaixo, dentre os 90 cursos de universidades públicas com mais de 10 mil estudantes, a correlação entre porcentagem de negros dentre os alunos e a nota de corte média de cursos no Sistema de Seleção Unificada (SISU) do Ministério da Educação é negativa e estatisticamente significante.

Do modo como está desenhada atualmente, a política de cotas raciais em nada altera essa existente desigualdade entre cursos. Embora ela possa alterar a presença de negros em todos os cursos, empurrando a linha da regressão na Figura 9 para cima, não há nenhum efeito esperado na inclinação da linha – ou seja, na relação esperada entre notas do SISU e queda na proporção de negros.

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Novos programas de investimento em universidades públicas, como o Ciência sem Fronteiras (CsF), exacerbam essas desigualdades. Isso acontece por uma confluência de fatores. De início, como evidenciado anteriormente, negros têm menos acesso a cursos mais competitivos – que tendem a ser aqueles contemplados pelo CsF. Além disso, dentre os cursos elegíveis4, negros estão sub-representados no grupo que é escolhido para ir ao exterior. Enquanto brancos são cerca de metade do corpo discente dos cursos elegíveis para o CsF, dentre aqueles selecionados para, de fato, ir ao exterior, eles são 70%.

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Subsidiar a educação superior dos mais ricos enquanto os mais pobres sequer terminam o ensino médio resulta em transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Enquanto os filhos da elite são educados com o dinheiro dos contribuintes (no Brasil, majoritariamente negros e pobres), os filhos dos mais pobres terão pouquíssimas chances de conseguir entrar na universidade pública.

Transferir renda para financiar a educação dos mais ricos com impostos ajuda a perpetuar desigualdades, pois anos adicionais de estudo incrementam a renda de quem recebeu o benefício. Para cada ano adicional de estudo, adultos têm um aumento de sua renda entre 6,5% e 10%5. Por isso, as universidades públicas brasileiras são um dos mais importantes mecanismos de perpetuação das desigualdades de renda que já existiu na história brasileira.

 

NOVAS ALTERNATIVAS DE POLÍTICA EDUCACIONAL

Como as universidades públicas beneficiam desproporcionalmente os mais ricos, os gestores públicos deveriam reverter a priorização do ensino superior. Há vastas evidências científicas que demonstram que retornos ao investimento em educação, em termos econômicos para a sociedade e cognitivos para as crianças, são maiores quando esses investimentos são direcionados à educação de base – em especial na primeira infância6.

Desigualdades na educação de base são determinantes para desigualdades econômicas e sociais futuras. Diversas pesquisas já demonstraram que desigualdades de renda, nível de desemprego, encarceramento, gravidez na adolescência e saúde entre brancos e negros, por exemplo, são, em sua maior parte, explicadas por diferenças na qualidade da educação de base recebida7. No Brasil, a redução das desigualdades na educação de base na década de 2000 explicam 40% da redução da desigualdade de renda no período8.

O governo federal tem autoridade para reverter parte do dinheiro investido nas universidades públicas para o Fundo Nacional da Educação Básica e alterar este para financiar novos modelos de educação. Algumas possibilidades políticas de tais novos modelos são:

  • Permitir e financiar, com os recursos repriorizados, a criação de escolas públicas de administração autônoma (charter schools).Essas escolas, apesar de públicas, têm maior autonomia em sua administração. No lugar de currículos rígidos determinados pelas capitais, seus gestores têm capacidade para desenhar currículos individuais que atendam às demandas específicas daquela escola. Além disso, as escolas também têm independência administrativa para sua organização interna e contratação e demissão de pessoal. Ao mesmo tempo, como o financiamento é condicional à performance, isso dá aos gestores públicos maior capacidade de fiscalização e maior espaço para uma saudável competição e trocas de boas práticas entre as escolas. Diversos estudos experimentais9 demonstraram que essas escolas têm um efeito positivo sobre a performance acadêmica, em especial ao desempenho de matemática10. Seria viável alterar o artigo 20 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação para enquadrar tais escolas públicas de administração autônoma como “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”, previstas pelo artigo 213 da Constituição, ou, ainda, estabelecer parcerias público-privadas para a administração dessas escolas.
  • Criar o ProUni do ensino básico e distribuir vales educacionais para estudantes pobres se matricularem em escolas privadas.O modelo de vales educacionais (também conhecido como “vouchers”) foi aplicado já em diversos países, como os Estados Unidos, a Colômbia, o Chile e a Suécia. A ideia é substituir uma estruturação centralizada da política educacional por uma descentralizada. Como no Bolsa Família, no lugar de os governantes distribuírem produtos diretamente para a população, dá-se aos indivíduos a possibilidade de escolher no mercado aquilo que eles entendem como melhor. Por exemplo, os pais que prefiram uma educação mais generalista e humanista podem escolher uma escola de tal linha. Já os que prefiram uma educação mais tradicionalista e focada em resultados em termos de notas e provas também o podem fazer. Não haveria um modelo centralizado com todas as respostas. Estudos empíricos demonstraram dois efeitos positivos dessas políticas11. Em termos diretos, sendo as escolas privadas mais eficientes, os estudantes que receberam vales educacionais viram uma melhora na sua performance acadêmica, em especial na parte de exatas. Indiretamente, como esses programas inicialmente se focalizaram em regiões de pior desempenho educacional, ao retirar o fardo nessas regiões dos profissionais da rede pública, as escolas públicas tradicionais também responderam positivamente, beneficiando estudantes que não participaram do programa.
  • Estimular a educação na primeira infância, eliminando impostos sobre creches e pré-escolas, facilitando seu processo de criação e registro junto ao Ministério da Educação e/ou criando benefícios fiscais similares aos existentes para as Instituições de Ensino Superior que se beneficiam do ProUni. Estudos experimentais demonstraram de forma causal que crianças que recebem atenção na primeira infância tendem a ter melhores resultados escolares e a ter uma probabilidade menor de cometer crimes ou engravidar na adolescência12.

 

Para financiar essas mudanças, seria necessário instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante. Esse modelo já existe no mundo. Por exemplo, a Universidade da Califórnia, que é uma universidade pública, adota um modelo em que as bolsas podem cobrir desde três quartos do custo total da educação (incluindo habitação, alimentação, livros, etc.) para estudantes mais pobres mas converge para zero à medida que a renda familiar aumenta. É importante frisar que, em tal modelo, é possível que aqueles estudantes que tenham renda familiar mais baixa, na verdade, recebam mais recursos do que hoje recebem com universidade sem mensalidade e com sistemas de assistência estudantil. De fato, o custo da mensalidade é apenas um terço do total13 e, ao focalizar recursos naqueles que não podem pagar, foi possível aumentar os benefícios para os que mais precisam. Ao mesmo tempo, as famílias ricas quase não recebem nenhum subsídio do governo, limitando a transferência de renda de pobres para ricos que existiria se eles adotassem um modelo como o brasileiro.

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Há um projeto de lei apresentado no Senado Federal que pretende instituir a cobrança de mensalidade para filhos de famílias cuja renda familiar mensal for superior a R$ 26.40014. Como essa proposta atingiria tão-somente uma parcela muito pequena daqueles que, pertencentes à classe alta, hoje se beneficiam das universidades públicas, um sistema proporcional, conforme o mencionado acima, seria mais eficiente em levantar recursos para amenizar transferências de renda de pobres para ricos. Caso haja dúvidas sobre a constitucionalidade desse projeto, seria necessário emendar o Art. 206 da Constituição para levar essa reforma adiante.

Adicionalmente, com a limitação dos recursos transferidos pelo governo federal, seria necessário reformar a legislação para facilitar e incentivar a captação autônoma de recursos pelas próprias universidades em complementação à cobrança de mensalidades. Entre essas medidas, poderiam se incluir, dentre outras:

  • A reforma na legislação para permitir às universidades receber doações diretas, o que atualmente é proibido.Atualmente, doações para universidades públicas têm de ser feitas por meio de depósitos na Conta Única do Tesouro, utilizando-se Guias de Recolhimento da União e subsequentes saldos de aporte liberados pelo Tesouro Nacional. Na prática, esse tipo de centralização torna burocraticamente improvável que essas doações sejam efetivadas. Uma alternativa já apresentada no Congresso Nacional15 é a criação de fundos patrimoniais (endowment funds), que facilitariam doações e fariam investimentos em nome das universidades. Nos Estados Unidos, em 2015, o valor total sob administração dos fundos patrimoniais das universidades públicas chegava 165 bilhões. Desse total, cerca de 5% (ou 8 bilhões de dólares) são utilizados pelas universidades ao ano para financiar pesquisa, ensino e extensão16. Esses recursos poderiam, se efetivados, contribuir com a substituição do uso de impostos em universidades públicas.
  • A ampliação da cooperação existente entre universidades públicas e o setor privado, que deve passar a ser mensurada de forma adequada pelo Ministério da Educação.Mudanças na legislação nas últimas duas décadas regulamentaram a possibilidade da criação de fundações públicas de direito privado para apoiar o ensino, a pesquisa e a extensão em universidades públicas17. Essas fundações podem receber verba de empresas privadas e outras instituições da sociedade civil para execução de projetos e devem repassar parte dessa verba para as universidades. Além disso, professores que façam pesquisa em alguma área que demande recursos muito altos podem utilizar uma dessas fundações para conseguir financiamentos específicos em parceria com setor privado. Em 2013, 74 fundações de apoio foram credenciadas/recredenciadas pelo Ministério da Educação18, com um prazo usual de dois anos para a vigência de cada credenciamento. Atualmente, não existe uma base de dados pública e de fácil acesso que consolide as informações quanto ao volume de financiamento dessas fundações e que facilite a análise de custo benefício destas. O Ministério da Educação poderia organizar e disponibilizar tais dados para facilitar a racionalização do desenho de políticas públicas.
  • A flexibilização da legislação de modo a permitir às instituições de ensino superior licenciar suas marcas e experimentar individualmente métodos distintos de financiamento.Entre possibilidades que já foram experimentadas em outros países, incluem-se o licenciamento da marca de universidades em produtos distintos (como peças de roupa, indumentária esportiva, peças decorativas e outros produtos) e a possibilidade de batismo de prédios, salas e cátedras da universidade em nome de empresas ou pessoas físicas que estejam dispostas a financiá-las. Mais importante, ao descentralizar esse tipo de planejamento, as universidades poderão experimentar com possibilidades diversas e aprender com as falhas e sucessos umas das outras – melhorando, assim, o sistema de financiamento da educação superior pública.

 

Em uma transição, o financiamento das universidades públicas pode combinar o atual regime de impostos com fontes alternativas de financiamento. Excluindo-se os gastos com servidores inativos, o gasto por aluno necessário para financiar as universidades federais é de aproximadamente R$ 29 mil ao ano (ou cerca de R$ 2,4 mil ao mês)19. Até que um sistema de financiamento privado via doações e cooperação com o setor privado seja construído, é provável que o financiamento exclusivamente por mensalidades seja politicamente inviável. Por isso, um novo regime de financiamento deve incorporar uma transição suave de médio prazo.

 

CONCLUSÕES

A atual priorização do ensino superior em termos de gasto por estudante, em uma média muito maior do que a dos países da OCDE, contribui para a perpetuação de desigualdades sociais no Brasil. Como políticas públicas, universidades estatais transferem rendas de pessoas relativamente pobres para aquelas relativamente ricas.

Reverter essa priorização focando-se na educação de base traria importantes retornos em termos cognitivos para as crianças, econômicos para a sociedade e contribuiria para reduzir as desigualdades sociais e de renda. Uma vez que desigualdades de performance sócio-econômica na vida adulta tendem a estar relacionadas diretamente com a qualidade da educação de base, uma equalização de oportunidades na educação de base tenderia a amenizar desigualdades futuras.

Em termos regulatórios, é necessária uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Na educação superior, a instituição de mensalidades proporcionais à renda familiar do estudante e a flexibilização dos métodos de captação de recursos por universidades reduziria o fardo de impostos necessários para o financiamento dessas instituições. Na educação de base, alternativas de descentralização da educação pública e empoderamento dos pais de crianças pobres na escolha da educação de seus filhos, seja por meio de escolas públicas autônomas ou por vales educacionais, contribuiria com melhoria da educação recebida pelos grupos economicamente desfavorecidos.

 

Os autores agradecem a Cássio Ribeiro, Ronald Barbosa e Irapuã Santana pela ajuda fundamental na compreensão da legislação que regula doações e financiamento em universidades e por seus comentários e críticas; e a Marília Mareto por sua cuidadosa revisão. Enfatizamos que qualquer erro e omissão do presente estudo é nossa responsabilidade.

 

Versão completa deste texto foi publicada no site do Instituto Mercado Popular, em 18 de maio de 2016.

 

___________________

1 O conceito de jovens abarca indivíduos que têm entre 18 e 24 anos. Essa é a divisão etária que a Pesquisa Mensal de Empregos do IBGE utiliza para caracterização de desemprego juvenil.

2 Essas probabilidades são valores preditos por uma regressão logística que tem a probabilidade de se estudar em uma universidade pública como variável dependente e o logaritmo da renda familiar per capita como variável independente. Ver Anexo 3 para detalhes da estimação.

3 O critério do IBGE para cor/raça faz uma divisão entre “pretos” e “pardos”. Neste estudo, decidiu-se por fazer uma agregação das duas categorias sob o rótulo de “negros”.

4 Como o período 2012-2014 era um período de transição quanto à elegibilidade de curso para o Ciência sem Fronteiras, definimos “cursos” elegíveis como aqueles que têm ao menos um estudante listado no Censo da Educação Superior de 2014 como participante do Ciência Sem Fronteiras.

5 Estimações resultantes de uma regressão linear que utiliza dados da PNAD de 2013. Veja Anexo 4 para detalhes metodológicos.

6 Heckman, James. 2008. “School, Skills, and Synapses”. Economic Inquiry. Volume 46, Issue 3, pages 289–324, July 2008

7 Ver, por exemplo, Fyer Jr., Roland. 2010 “Racial Inequality in the 21st Century: The Declining Significance of Discrimination.” NBER Working Paper No. 16256.

8 Menezes Filho; Naercio; Oliveira, Alison. 2014. “A Contribuição da Educação para a Queda na Desigualdade de Renda per Capita no Brasil”. Insper Policy Paper n. 9.

9 Nós mencionamos prioritariamente estudos experimentais comorandomized control trials ou loterias para ascensão às escolas. Isso porque, ao adicionar aleatoriedade ao processo de seleção, eles permitem uma inferência causal mais forte, indo além de mera correlação.

10 Betts, Julian & Y. Emily Tang. 2014. “A Meta-Analysis of the Literature on the Effect of Charter Schools on Student Achievement.” CRPE Working Paper. August 2014.

11 Forster, Greg. 2013. “A Win-Win Solution: The Empirical Evidence on School Choice.” The Friedman Foundation. April 2013.

12 Heckman, James, et al. 2013. “Understanding the Mechanisms through Which an Influential Early Childhood Program Boosted Adult Outcomes.” American Economic Review, 103(6): 2052-86.

13 University of California. “How Aid Works: Student Scenarios”. http://admission.universityofcalifornia.edu/paying-for-uc/how-aid-works/student-scenarios/index.html. Acessado em 7/4/2016.

14 Projeto de Lei 782/2015, do Sen. Marcello Crivella, que “dispõe sobre o pagamento, pelo estudante universitário, de anuidade em instituições públicas de ensino superior”.

15 Projeto de Lei 4643/2012, da Dep. Bruna Furlan, que “autoriza a criação de Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino superior”.

16 National Association of College and University Business Officers. 2015. “NACUBO-Commonfund Study of Endowments.” Disponível em: http://www.nacubo.org/Research/NACUBO-Commonfund_Study_of_Endowments/Public_NCSE_Tables.html. Acessado em 13/4/2016.

17 Ver Lei 8.958/1994 e Lei 12.349/2010, que regulamentam as fundações de apoio às universidades públicas.

18 Secretaria de Educação Superior, Ministério da Educação. 2014. “A democratização e expansão da educação superior no país 2003 – 2014”.

19 O orçamento das universidades públicas federais em 2014 foi de, aproximadamente, 34 bilhões de reais e o número de vagas foi de, aproximadamente, 1,2 milhões.

 

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A desigualdade de renda parou de cair? (Parte III) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-iii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041#comments Tue, 29 Oct 2013 13:44:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2041 O texto da semana passada mostrou como o mercado de trabalho atuou no sentido de reduzir a desigualdade de renda desde pelo menos o início da primeira década do século XXI. Argumentou-se, naquele texto, que as condições que levaram à redução da desigualdade podem não se reproduzir nos próximos anos, o que faria com que a trajetória de queda se interrompesse.

O presente texto analisa o impacto das políticas sociais mostrando que, também nesse caso, os ganhos mais fáceis em termos de redistribuição já foram obtidos, podendo-se prever redução do seu efeito redistributivo nos próximos anos.

De acordo com IPEA (2013)1, aproximadamente 40% da queda da desigualdade entre 2002 e 2012 decorreu de políticas governamentais, sendo os seguintes os impactos individuais de cada política: aumento do valor real das aposentadorias de menor valor, indexadas ao salário-mínimo (21%); expansão do Bolsa Família (12%) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) (6%). Souza e Medeiros (2013)2, analisando a variação da desigualdade entre 2002 e 2009, chegam a números similares.

Trata-se de impacto significativo: as políticas sociais estão, de fato, ajudando a reduzir a desigualdade. Todavia, o governo poderia ter feito muito mais em termos de redução da desigualdade e da pobreza sem, ao mesmo tempo, ter prejudicado tanto as perspectivas de crescimento econômico, no curto e no médio prazo.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que o Bolsa Família, entre os instrumentos de políticas públicas de redução de pobreza e desigualdade, é o mais eficiente, pois reduz a desigualdade a baixo custo. Já os benefícios previdenciários indexados ao salário-mínimo e o BPC (que também é reajustado de acordo com o mínimo) têm elevado custo fiscal. Outros programas públicos, como o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial, além de impacto pífio sobre a desigualdade, também têm custo mais alto que o Bolsa Família.

Não obstante isso, o governo insiste em manter programas sociais menos eficientes e de alto custo, em vez de ampliar as intervenções de menor custo, na linha do Bolsa Família. Em especial, insiste nos aumentos reais do salário-mínimo, que provocam grandes aumentos de despesa pública, gerando desequilíbrio fiscal (além do problema citado na parte II, publicada na semana passada: elevação de custos e perda de competitividade das empresas).

Os aumentos reais do salário-mínimo são uma importante ferramenta eleitoral, o que torna difícil alteração de rota em tal política, a despeito de seus impactos adversos. O resultado é a expansão do gasto público, que pressiona a taxa de juros e a carga tributária. Ambos desestimulam o investimento e o crescimento econômico.

Em segundo lugar, é preciso considerar que a Previdência Social como um todo (considerando-se não só os benefícios de um salário-mínimo mas todas as aposentadorias, pensões e demais benefícios pagos) é fortemente concentradora de renda. De acordo com IPEA (2012)3, em 2011 a Previdência era responsável por 18% de toda desigualdade de renda. Ou seja, se não existissem os pagamentos feitos pela Previdência Social, o Índice de Gini seria aproximadamente 18% menor.

Isso ocorre porque são pagos benefícios de valor mais elevado para segmentos de renda mais alta. Uma reforma da previdência que reduzisse os privilégios hoje existentes (como, por exemplo, a concessão de pensões por morte sem qualquer limitação do prazo de concessão ou restrições de valores), diminuiria esse efeito concentrador de renda. No entanto a reforma da previdência saiu da agenda política, tendo sido aprovada apenas uma versão mitigada da previdência complementar dos servidores públicos.

Em terceiro lugar, houve no período 2007-2010 (segundo mandato do Presidente Lula) significativos aumentos salariais para os servidores públicos, o que também tem impacto concentrador de renda, pois o funcionalismo está no topo da distribuição de renda. Houve aumento real da folha de pessoal da União da ordem de 8% ao ano naquele período4, com posterior estabilização ao longo do Governo Dilma.

De acordo com o texto de Souza e Medeiros (2013), acima citado, entre 2003 e 2009 quase toda a redução de desigualdade promovida pelo Bolsa Família (12%) foi desfeita pelo aumento da remuneração dos servidores públicos, que aumentou a desigualdade em  10%. Note-se que também nesse caso houve deterioração das contas fiscais e necessidade de aumento de impostos e juros, com prejuízo para o crescimento da economia.

Em quarto lugar, duas políticas públicas fundamentais para melhorar as condições de vida da população e ao mesmo tempo elevar a produtividade dos trabalhadores, têm apresentado pouco progresso ou estagnação. Trata-se do saneamento e da saúde.

No caso do saneamento, IPEA (2013, p. 7) apresenta a  informação de que “o percentual de pessoas que tiveram acesso simultaneamente a energia elétrica, coleta de lixo, esgotamento sanitário adequado e acesso adequado à rede geral de água aumentou 1 ponto percentual em 2012, atingindo o universo de 59,2%”. Este é um dado muito ruim: 40,8% da população brasileira não têm acesso a serviços públicos básicos.

É relevante ressaltar que enquanto houve farta distribuição de desonerações tributárias nos últimos anos, as empresas de saneamento básico continuaram a ser taxadas integralmente pelo PIS/COFINS e CSLL, a despeito de haver no Congresso diversos projetos propondo tal isenção.

Na saúde, conforme registra Médici (2011)5, houve descontinuidade de importantes políticas de ampliação de atenção à saúde dos mais pobres. Entre 1992 e 2002 a cobertura do Programa Saúde da Família expandiu-se a uma taxa anual de 25,5%, depois, entre 2002 e 2009, essa taxa reduziu-se para 8% a.a.. A mesma desaceleração foi verificada no Programa de Agentes Comunitários de Saúde, que crescia a 72,6% ao ano entre 1994 e 2002 e desacelerou para 2,5% ao ano no período 2002-2009.

Também foi interrompido o processo de organização da rede de atendimento ambulatorial de forma regionalizada. Por esse meio, postos de atendimento básico filtravam os pacientes mais graves para unidades capacitadas para atendimento mais complexo, geridas pelos estados e cobrindo vários municípios. O sistema regrediu para o modelo anterior de hospitais municipais pequenos, sem economia de escala, baixa capacidade operacional e alta ociosidade.

Pouca ênfase foi dada às experiências de gestão hospitalar por Organizações Sociais, em contratos de gestão mais flexíveis que, comprovadamente, reduzem o custo e aumentam a resolutividade e qualidade dos atendimentos.

Ainda na saúde interrompeu-se a implantação do Cartão SUS, que agregaria qualidade ao atendimento, ao armazenar o histórico clinico dos pacientes. Ao mesmo tempo, o Cartão permitiria a criação de uma câmara de compensação financeira, para que os estados e municípios que prestassem o atendimento fossem por ele remunerados, além de permitir a cobrança, junto a planos de saúde, pelo atendimento de seus clientes que viessem a ser atendidos pelo SUS.

Tais medidas, se levadas adiante, reduziriam a iniquidade no atendimento à saúde, melhorariam a gestão, a produtividade e a qualidade dos serviços prestados. Em última instância, elevariam a capacidade laboral do trabalhador, sua produtividade e as perspectivas de crescimento da economia.

Ou seja, com políticas mais focadas na população pobre teria sido possível diminuir a pobreza e a desigualdade de forma mais intensa do que realmente aconteceu. Esse tipo de aperfeiçoamento da política social se torna cada vez mais importante, pois há motivos para se crer que o atual conjunto de política tende a ter menor efeito sobre a desigualdade nos próximos anos, uma vez que os resultados mais fáceis já foram obtidos. Isso porque:

a) o Bolsa Família e os demais programas sociais estão próximos de esgotar o seu processo de expansão (praticamente toda clientela elegível já é atendida pelos programas) e só continuarão a ter efeito redistributivo se houver aumento real no valor dos benefícios, o que se defronta com a delicada situação fiscal do país;

b) o processo de elevação do valor real do salário-mínimo parece já ter chegado a um ponto de esgotamento, tanto por produzir aumentos artificiais de salários, reduzindo a competitividade das empresas, quanto pela pressão que exerce nas contas públicas via previdência social.

c) Segundo Ferreira et al (2013)6, 32% da população brasileira, em 2009, podia ser classificada como “vulnerável”. Essas pessoas deixaram de ser pobres, mas têm razoável chance de voltar a sê-lo. Uma desaceleração da economia pode levar parte desse grande contingente de volta à pobreza, com possível ampliação dos  índices de desigualdade.

Para evitar que a desigualdade e a pobreza parem de cair é preciso ir além dos ajustes nas políticas sociais referidos ao longo desse texto (inclusive nos setores de saúde e saneamento). Deve-se fazer uma reforma da previdência social que, ao mesmo tempo, reduza a iniquidade daquele sistema e promova ajuste estrutural das contas públicas, o que elevará a poupança agregada e, consequentemente, o potencial de crescimento da economia. Portanto, a reforma da previdência combinaria queda de desigualdade com aumento do crescimento.

Da mesma forma, é fundamental dar prioridade à melhoria da qualidade da educação que é o meio mais garantido de gerar, simultaneamente, redução de desigualdade e crescimento econômico no longo prazo. A oferta de educação de qualidade faz com que o futuro das crianças deixe de depender do nível sócio-econômico dos pais. Um sistema educacional equitativo cria igualdade de oportunidades e promove mobilidade social de uma geração para outra. Sem investimentos em educação as famílias podem até melhorar de vida, mas seus horizontes estarão limitados pelo histórico familiar, pois as suas oportunidades de educação tendem a ser similares ou pouco melhores do que as que seus pais tiveram.

Políticas públicas e reformas que combinem redução da desigualdade com remoção de barreiras ao crescimento devem ser as prioridades governamentais.

__________

1 IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013

2 Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

3 IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

4 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2013. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

5 Médici, A. (2011) Propostas para Melhorar a Cobertura, a Eficiência e a Qualidade no Setor Saúde. In: Bacha, E.L. e Schwartzman, S. (Orgs.) Brasil: a nova agenda social. LTC editora.

6 Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

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A desigualdade de renda parou de cair? (Parte I) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2010&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-i https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2010#comments Wed, 16 Oct 2013 15:16:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2010 O governo tem comemorado, ano após ano, a redução da desigualdade de renda no país. O Índice de Gini, uma das formas de mensurar tal desigualdade, tem caído sistematicamente desde o início da década de 2000, como pode ser visto no Gráfico 1. Criou-se um forte discurso oficial em torno da melhoria desse indicador: política social inclusiva, entrada dos pobres na classe média, expansão da classe C, crescimento da renda dos mais pobres em ritmo chinês, etc. Não seria exagero dizer que a queda da desigualdade é um dos carros-chefes da popularidade dos presidentes Lula e Dilma.

Usar o Índice de Gini tem sido muito útil para fins de propaganda oficial, pois a queda da desigualdade, medida por esse índice, aproximadamente coincide com a entrada do Partido dos Trabalhadores no governo. Essa coincidência temporal se torna uma importante ferramenta de propaganda do tipo “antes” e “depois”. Mostra-se o Gráfico 1 e fala-se: antes de o PT entrar no governo a desigualdade não se mexia; depois que o PT entrou no governo a desigualdade começou a cair.

Gráfico 1 – Evolução da Desigualdade de Renda no Brasil (Índice de Gini para a renda domiciliar per capita): 1977-2012

A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2012, contudo, traz um dado preocupante. Pela primeira vez em mais de dez anos não há redução no Índice de Gini, que ficou praticamente estagnado. Em 2011 registrou o valor de 0,527 e em 2012 ficou em 0,526, como pode ser visto no Gráfico 1.

Em anos anteriores, quando o Índice de Gini caía fortemente, o governo se apressava a divulgar a boa nova, por meio de comunicados técnicos. Mais recentemente essa tarefa tem ficado a cargo do IPEA que, em 2012, analisando o resultado da PNAD 2011, publicou o Comunicado nº 155 (A Década Inclusiva: desigualdade, pobreza e políticas de renda), que centrou toda sua análise da evolução da desigualdade no Índice de Gini, comemorando os resultados virtuosos.

Curiosamente, agora que tal índice parou de cair, o IPEA mudou seu enfoque. No novo documento Comunicado IPEA nº 159 (Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela PNAD/IBGE), aquele órgão técnico coloca a análise do Índice de Gini em segundo plano, e passa a avaliar outras medidas de desigualdade que, ao contrário do Gini, continuaram a cair em 2012.

O IPEA passa a olhar para outros índices, como o de Theil ou a razão de 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres, que apresentaram queda de 2011 para 2012. Com base nisso, passa a adotar um tom otimista, de que a desigualdade continuou a cair e o sol continua a brilhar.

Não há nenhum problema em se avaliar a evolução de vários índices para se aferir com mais certeza a trajetória da desigualdade. Ademais, o fato de o Índice de Gini ter se estabilizado em um ano não quer dizer que ele não volte a cair mais adiante.

Contudo, ao adotar índices alternativos, o governo perde o discurso de que a desigualdade começou a cair quando o PT chegou ao poder, pois os demais índices de desigualdade já estavam caindo desde pelo menos meados da década de 1990. O Gráfico 2 mostra que entre o início e final dos anos 1990 houve uma queda significativa no Índice de Theil, e não tão acentuada no Índice de Gini. Além disso, já a partir dos últimos anos daquela década observa-se uma nítida tendência de queda para o Índice de Theil, e uma não tão nítida tendência de queda para o Gini.

Outro problema que distorce os resultados é escolher um ano base inadequado para comparação. Especificamente, o Comunicado Ipea usou o ano de 1992 como base para o cálculo da evolução da desigualdade no período pré-PT (vide Tabela 3, à pg. 11 do Comunicado IPEA nº 159). Com isso, aquele documento argumenta que a desigualdade teria crescido antes de 2003.

Ocorre que, como pode ser visto nos Gráficos 2 e 3, abaixo, o ano de 1992 representou um ponto de abrupta queda em todos os indicadores de desigualdade (vide pontos indicados por uma seta nos gráficos abaixo), que logo no ano seguinte voltou a subir.

Assim, se tomarmos 1992 e compararmos com 2002, teremos a impressão que houve aumento da desigualdade no período 1992-2002, como quer fazer crer o documento do IPEA, pois em 1992 ela era muito baixa. Mas 1992 não é um ponto representativo. Se mudarmos a base de comparação para o ano seguinte (1993) veremos que a desigualdade, em vez de subir, teve expressiva queda na comparação de 1993 com 2002 em todos os quatro índices apresentados nos Gráficos 2 e 3.

Usar o ano de 1992 como base leva, portanto, à errônea conclusão de que a desigualdade não caiu até 2002, antes de o PT chegar ao poder.

Gráfico 2 – Índices de Desigualdade no Brasil: Gini vs. Theil (1981-2009)

Gráfico 3– Índices de Desigualdade no Brasil: Razão entre 10% mais ricos e 40% mais pobres vs. Razão 20% mais ricos e 20% mais pobres (1981-2009)

Mas, por que não devemos utilizar 1992 como ano base? As melhores práticas nos ensinam que não se deve usar um ponto atípico como base de comparação. Nota-se, nos dois gráficos acima, forte oscilação das diferentes medidas de desigualdade ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Isso parece ser resultado de erros de medida na estatística. Com a inflação em níveis elevadíssimos, ficava difícil mensurar com precisão a renda das pessoas, em uma pesquisa como a PNAD que simplesmente pede aos entrevistados que lembrem, de cabeça, qual a sua renda no mês de referência. Como para 1992 a desigualdade é significativamente inferior à dos anos que o antecederam e que o sucederam, sem haver qualquer fator real que nos levasse a justificar sua queda, reforça-se a hipótese de erro de mensuração.

A Tabela 1, abaixo, coloca a questão em números. Ela mostra que na comparação de 1992 com 2002, todos os índices de desigualdade subiram, a exceção da relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, com o que o IPEA conclui que a desigualdade antes de o PT assumir o governo estava em tendência de alta.

Porém, se mudarmos a base de comparação para 1993 veremos que a desigualdade caiu em todos os índices.

Tomar como base um ano atípico, dentro de um período cuja estatística tem baixa qualidade, parece ser um procedimento pouco ortodoxo. Por isso, nem 1992, nem 1993, são bases adequadas de comparação. O mais prudente é tomar como base um ano após o fim da hiperinflação. Assim, a Tabela 1 adota como bases tanto o ano de 1995, quanto o de 1996. Nos dois casos temos que, para todos os índices, a desigualdade era menor em 2002 do que nos respectivos anos de comparação.  Note, ainda, que, coincidentemente, o Índice de Gini, até recentemente o preferido do governo, foi justamente aquele que menos melhorou antes de 2002.

Tabela 1 – Variação nos índices de desigualdade de renda em diferentes períodos de comparação

É verdade que a queda da desigualdade foi mais intensa a partir de 2002/2003 do que no período anterior. Isso não se discute. Porém tal queda não foi integralmente decorrente de políticas do governo. Segundo cálculos do próprio IPEA, a dinâmica da economia privada, em grande parte impulsionada pela alta internacional no preço das commodities, foi responsável por mais da metade da queda da desigualdade. Ademais, quando as políticas de governo influenciaram na queda da desigualdade, criaram efeitos colaterais negativos, reduzindo o crescimento da economia.

Esse, porém, é um assunto que será tratado em outro texto, a ser publicado na próxima semana.

Por ora, resta lamentar que, diante da importância do Índice de Gini para avaliar a distribuição de renda, o Comunicado nº 159, do IPEA, não tenha analisado se a estagnação daquele índice é um sinal preocupante ou se está ocorrendo somente um simples desvio de percurso Lamenta-se também a mudança de enfoque, do Índice de Gini para outros indicadores de distribuição de renda, com o uso de uma base de comparação conveniente à conclusão que se desejava chegar. Isso só reforça a hipótese de que tal mudança foi motivada para sustentar o discurso político do governo.

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Por que não regionalizar o salário mínimo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=440&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-nao-regionalizar-o-salario-minimo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=440#comments Mon, 11 Apr 2011 09:00:54 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=440 Apesar dos esforços econômicos e dos avanços significativos obtidos com as políticas que conduziram à estabilidade de preços e à distribuição de renda, via programas sociais, nos últimos 16 anos, a desigualdade ainda persiste no Brasil. Nosso país ainda precisa avançar muito na composição de políticas econômicas e sociais que atendam ao objetivo de melhorar a vida dos brasileiros de forma perene.

Um tipo de desigualdade que continua presente em nossa sociedade está relacionada à determinação do salário mínimo. No Brasil, o valor do salário mínimo é determinado pelo Poder Executivo Federal. Na verdade, o valor é previsto no orçamento e vem sendo fixado por Medida Provisória, que tramita no Congresso Nacional, sendo que os parlamentares podem alterar o valor do piso nacional durante as discussões. Havendo alteração, a matéria vai à sanção do Presidente da República, que pode vetá-la.

O salário mínimo serve de base para qualquer contrato no mercado de trabalho. Nenhum trabalhador, independentemente da região, área rural ou urbana, poderá receber menos do que o mínimo estabelecido pelo governo. Ademais, este salário também serve de indexador para outros contratos de trabalho e para o nível básico das aposentadorias do INSS. Mais, o mínimo afeta a folha de pagamento de todos os estados e municípios brasileiros, de modo que os reajustes promovidos conduzem a custos fiscais elevados, a depender da decisão do governo federal e do Legislativo, evidentemente, uma vez que se pode dizer que é uma decisão conjunta. Discordâncias entre os Poderes Executivo e Legislativo conduzem a matéria a uma negociação política cujo resultado dependerá da resultante das forças em jogo.

Um problema claro na determinação de um salário mínimo nacional é não levar em conta as diferentes realidades regionais, tanto de renda quanto de nível de preços. Por exemplo, uma prefeitura que tem poucos recursos pode ter dificuldades em pagar um salário mínimo muito alto, enquanto prefeituras com mais recursos são pouco afetadas pelo mínimo nacional. Este tipo de política, portanto, ajuda a manter os níveis de renda equiparados entre as prefeituras do país, mas cria problemas fiscais para aquelas de menor receita per capita. Quando o salário mínimo federal aumenta, ele eleva os gastos dos estados e municípios ricos e pobres de forma desproporcional. Muitos estados e municípios ficam engessados, com uma folha inchada.

Um segundo problema está relacionado ao fato de que o salário mínimo nacional não leva em conta as desigualdades no nível de preços. Usando os dados da cesta básica do Dieese, podemos fazer comparações simples. A cesta básica, em São Paulo, custava R$ 265,15 em dezembro de 2010. Este valor era de R$ 175,88 em Aracaju. Uma diferença de 50,75%. Isto somente para alimentação. Ou seja, o poder de compra de um indivíduo que recebe o mesmo salário mínimo e que, por hipótese, consuma a grande maioria dos bens componentes da cesta básica, é muito maior em Aracaju do que em São Paulo.

Finalmente, devemos levar em conta os efeitos microeconômicos sobre a oferta e demanda por trabalho em cada região. Certamente, alguns trabalhadores de Aracaju estariam dispostos a trabalhar formalmente por um valor inferior ao mínimo. Mas, talvez, o salário mínimo não afete muito o equilíbrio entre oferta e demanda em São Paulo. Como resultado, o mercado de trabalho estaria equilibrado em São Paulo, mas haveria um excesso de oferta de trabalho em Aracaju. Evidentemente, seria razoável supor que também um piso faria todo sentido em Aracaju, mas muito provavelmente ele não seria, em um ambiente com regras regionais, e não nacionais, idêntico ao de São Paulo.

Uma política mais eficiente seria levar estas desigualdades regionais em consideração. A nossa proposta, então, seria a de criação de um salário mínimo regional, determinado pelos estados. Cada estado elaboraria sua própria política salarial, levando-se em conta as desigualdades de renda. Isto já acontece, parcialmente. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, por exemplo, possuem mínimos regionais acima do piso nacional. Em São Paulo, existem, inclusive, diferentes faixas salariais de acordo com a profissão. O que não acontece é uma mudança no sentido contrário, ou seja, um salário regional abaixo do nacional.

Este tipo de política permitiria uma separação dos problemas gerados pelo salário mínimo nacional: elevados custos para os estados/municípios pobres, desigualdade do poder de compra e efeitos de oferta e demanda no mercado de trabalho. É verdade que, mesmo dentro dos estados, há heterogeneidade quanto à capacidade de remuneração dos municípios. Mas, como a heterogeneidade tende a ser menor no nível estadual, as finanças dos municípios mais pobres serão provavelmente menos afetadas em um contexto de determinação regional do salário mínimo.

Ao primeiro olhar, pode-se pensar que esta política exacerbaria as desigualdades regionais, já que provavelmente o mínimo de São Paulo seria (e de fato é) maior do que o de Aracaju, escolhendo duas cidades como exemplos práticos para que diferenças bastante evidentes possam ser colocadas em destaque nesta breve análise. Mas as pessoas se esquecem das desigualdades de poder de compra. Este é o ponto fundamental. Um aluguel é muito maior em São Paulo do que em Aracaju, e o mesmo vale para a cesta básica, como vimos anteriormente. Sem mencionar que, efetivamente, municípios mais pobres, sob a nova regra regional, passariam a ter maior disponibilidade de receitas para gastar em outros programas. Tais programas poderiam gerar maiores benefícios à população pobre, quando comparado ao pagamento de salários, que muitas vezes beneficiam um seleto grupo de habitantes locais, que recebem rendimentos superiores à realidade da média da população local, sem a devida contraprestação de serviços públicos. Em outras palavras, a população mais pobre poderia ser beneficiada com programas de investimento em educação, transferência direta de renda e outros tantos que poderíamos gastar mais outros milhões de caracteres para descrever!

Essa política regional possibilitaria uma maior organização das finanças públicas de estados e municípios, que poderiam investir mais em serviços públicos e, ao mesmo tempo, permitiria um equilíbrio mais próximo do equilíbrio de mercado em cada um dos mercados de trabalho locais.

No entanto, para elaborar tal política, seria necessário alterar a Constituição Federal, pois o inc. IV do art. 7º da Carta Magna dispõe que o trabalhador tem direito a “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado”. Essa alteração envolve um custo político extremamente elevado, mas que merece ser enfrentado.

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