políticas públicas – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 02 Jun 2022 15:44:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Fragmentação política e políticas públicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3617&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=fragmentacao-politica-e-politicas-publicas Thu, 02 Jun 2022 15:44:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3617 Fragmentação política e políticas públicas

Para Marcos Mendes, o atual sistema político-eleitoral é o principal fator por trás do fracasso dessas políticas.

 Por Roberto Macedo*

Marcos Mendes é um economista de destaque entre seus pares e tem recebido merecida atenção da mídia, como neste jornal e na Folha de sábado passado, ao lançar outro livro. Tem graduação e mestrado em Economia pela Universidade de Brasília e doutorado na mesma área pela Universidade de São Paulo (USP). É consultor legislativo do Senado Federal – cargo obtido por concurso público –, e tem se afastado para exercer outras atividades da sua área de interesse, finanças públicas. Em 2016, no governo Temer, tornou-se assessor especial do ministro da Fazenda.

Seu livro mais conhecido é Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil? (Elsevier, 2019). Adotei-o como livro-texto do curso de Economia Brasileira que atualmente leciono na USP. Fui atraído pela pergunta que intitula o livro, pois sei dessa dificuldade, procurando entendê-la e buscar soluções, conforme se depreende de artigos meus neste espaço.

O livro começa examinando a dificuldade de que trata seu título, inclusive internacionalmente, ao abordar exemplos de vários países, como Índia e México. Dedica um capítulo à coesão social, cuja ausência dificulta o processo de reforma, no que examina o caso da Austrália.

Ensina que “(…) a maior propensão a fazer reformas liberalizantes, voltada à estabilidade fiscal e aumento da produtividade, ocorre em países que: são pequenos; fizeram reformas antes da abertura política; estão num dos extremos da escala de democracia – plenamente democráticos ou autoritários –; têm sistemas político-eleitorais que facilitam a formação de maiorias no Parlamento; têm clara delimitação e separação dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo; são países com governos unitários; têm Constituições pouco detalhistas ou facilmente alteráveis; são vizinhos de outros países que foram bem-sucedidos na promoção de reformas; têm oportunidade de aderir a blocos econômicos com países vizinhos que tenham economias maiores e mais desenvolvidas; e têm elevado nível de coesão social, representado por baixa desigualdade de renda e baixos índices de violência, que levam a alto nível de confiança mútua. O Brasil não possui essas características”.

Contudo, Mendes não desiste e busca o enfrentamento dos difíceis problemas. Ressalta que “(…) precisamos estar preparados para mais de duas décadas de debates e resistência ao novo (…), não sendo uma corrida de 100 metros, e mais uma maratona”. Dedica um capítulo à dificuldade para fazer reformas no Brasil e o capítulo final, com o título O que fazer, tem 20 seções temáticas que se desdobram num grande número de propostas específicas.

No novo livro, Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil, que ainda não li, Mendes organizou uma coletânea em que especialistas discutem políticas que fracassaram. Na entrevista a este jornal, citada no início deste meu artigo, indagado sobre o principal fator por trás da baixa qualidade das políticas públicas, apontou o sistema político-eleitoral que gera representação muito fragmentada, com muitos partidos que, de sua parte, também têm interesses muito pulverizados. E, muitas vezes, os parlamentares respondem mais ao interesse de grupos específicos – quando não ao próprio interesse, acrescento – do que ao de uma programação político-partidária.

No momento, por exemplo, estão focados na sua reeleição ou na eleição de outros, recorrendo, inclusive, a mecanismos espúrios, como as emendas de relator, que cevam clientelas políticas municipais em troca de votos. Essas emendas constituem um financiamento indireto de campanhas eleitorais, beneficiando desigualmente os incumbentes, e estes sendo também beneficiados relativamente a candidatos sem mandato, embora a Constituição, no seu artigo 5.º, estabeleça que todos são iguais perante a lei. Mas o que ocorre é um show de desigualdades mediante essas emendas.

Em que pese a fragmentação política, Mendes argumentou, no primeiro livro citado, que uma reforma política não seria a “mãe de todas as reformas”. Após examinar as dificuldades de uma reforma rápida desse tipo, propôs uma gradual e citou a dos regimentos internos da Câmara e do Senado Federal, elaborados à época do regime militar, com seu sistema bipartidário. E argumentou que: “Sua extensão para o contexto multipartidário (…) torna a tramitação dos projetos morosa e muito sujeita a chicanas e obstruções excessivas”. Em conversa recente, contudo, ele disse que os regimentos foram revistos, infelizmente com maus resultados, pois o Centrão os tornou mais expeditos para passar suas boiadas, também impulsionadas pelas sessões remotas trazidas pela pandemia de Covid.

Mas ao menos uma obstrução ainda ocorre pela prerrogativa que o presidente da Câmara tem de decidir isoladamente sobre o andamento de pedidos de impeachment do presidente da República. Soube que há muitos pedidos desse tipo, mas ele não coloca o assunto em discussão. É um presente do Centrão ao presidente da República. E que custa muito caro para o País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de junho de 2022.

 

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Uma questão absorvente https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3534&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=uma-questao-absorvente Mon, 06 Dec 2021 19:25:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3534 Uma questão absorvente[1]

 

 Por Marcos Mendes*, Henrique Moreira Rizzolli, Herly Xiao, Laura Guarnier, Leonardo Baran, Lucas Dalto Pizarro, Octávio Ferro Indio da Costa, Roberto Felize e Thiago Souza de Oliveira[2]

 

 Introdução

O presente texto utiliza a proposta de distribuição gratuita de absorventes íntimos a mulheres de baixa renda como estudo de caso de política pública. O intuito é mostrar a importância de se ter um diagnóstico adequado, definindo-se exatamente qual é o problema que se deseja resolver, as diferentes restrições, os impactos colaterais e as diferentes possíveis soluções.

Houve intenso debate na sociedade brasileira sobre a aprovação e veto parcial do Projeto de Lei 4.968/19, transformado na Lei 14.214/21. Seu objetivo principal era instituir o Programa de Proteção e Promoção de Saúde Menstrual (PPSM), que consistiria na entrega gratuita de absorventes ao seguinte público:

a) estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino;

b) mulheres em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema;

c) mulheres apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal; e

d) mulheres internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa.

Também propunha a inclusão de absorventes como itens da cesta básica entregues no âmbito do já existente Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

O Programa seria implementado de forma integrada pela União, estados e municípios, mediante atuação, em especial, das áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública.

Os recursos viriam do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) e do Sistema Único de Saúde (SUS). No primeiro caso, seriam recursos inteiramente do Governo Federal, que é o responsável pelo financiamento do FUNPEN. No segundo caso, o financiamento seria realizado pelos três níveis de governo, que custeiam solidariamente o SUS.

De forma adicional, propunha-se que os absorventes higiênicos femininos feitos com materiais sustentáveis teriam preferência de aquisição, em igualdade de condições, como critério de desempate, pelos órgãos e pelas entidades responsáveis pelo certame licitatório.

Os vetos por parte da Presidência da República atingiram os artigos 1º (que assegurava a distribuição gratuita), 3 º (que definia o público alvo), 5º (tratamento preferencial aos absorventes produzidos com material sustentável), 6º (financiamento pelo SUS) e 7º (inclusão dos preservativos na cesta básica). Somente os artigos 2º (que institui o PPSM) e 4º (implementação pelos 3 níveis de governo) foram mantidos, os quais declaram apenas intenções.

Após os vetos instaurou-se choque de opiniões na imprensa e nas redes sociais que reproduz a polarização política vigente no país. Quem é contra o Governo Bolsonaro passou a criticar os vetos e propor sua derrubada. Os defensores do Presidente passaram a desqualificar o mérito da proposta.

Políticas públicas decididas por embates ideológicos ou eleitorais correm sérios riscos de levarem a maus resultados. Elas devem ser desenhadas a partir de uma identificação clara do problema a ser resolvido, da análise da experiência nacional e internacional em lidar com o problema, explorando-se diferentes possibilidades que possam ser adotadas conjuntamente. Custos e benefícios precisam ser adequadamente mensurados.

Por que intervir?

O ponto de partida para a discussão de uma política pública deve ser sempre a pergunta: por que o governo tem que intervir? O setor privado e os mecanismos de mercado não são capazes de resolver o problema sozinhos? No jargão econômico a pergunta é: qual a falha de mercado que se quer solucionar?

Isso porque toda intervenção estatal tem custos para a sociedade, pelo aumento de tributos e pelos custos administrativos e regulatórios que a ação estatal gera.

A principal falha de mercado, no caso, parece ser a existência de pessoas sem renda suficiente para adquirir um bem de primeira necessidade. Não há igualdade de oportunidade às mulheres pobres no acesso à saúde, educação e mercado de trabalho. Em sendo uma questão de política redistributiva há, a princípio, espaço para a entrada do governo visando facilitar o acesso da população em situação desfavorecida ao bem essencial.

Seria essa falha de mercado relevante? A julgar pela mobilização das agências internacionais voltadas a questões de equidade, o tema parece ser, de fato, relevante. A UNICEF desenvolve em uma das vertentes de sua campanha mundial “Water, Sanitation and Hygiene” (WASH), a conscientização e a distribuição de itens de higiene menstrual para regiões de baixa e média renda, além de localidades em estado de emergência. O tema também é abordado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, com o recorte de reivindicação para o acesso de serviços de saúde.

Há diversas políticas públicas voltadas ao acesso a absorventes ao redor do mundo. O exemplo mais significativo é o da Escócia, a qual após um período praticando parcerias locais para o fornecimento de absorventes em instituições de ensino, começou em novembro de 2020 distribuir esse item gratuitamente para “quem precisar deles”, além de 500 mil libras (valores de 2020) destinados à instituição de caridade FareShare para a distribuição de produtos de higiene menstrual para famílias de baixa renda. Essa é uma experiência relevante porque se baseou em cuidadosa avaliação ex-ante das diferentes opções para a provisão do serviço público, de custos e de benefícios.[3]

Outra falha de mercado pode estar na estrutura de produção e oferta de absorventes. Havendo concentração da oferta em poucas empresas, não haveria concorrência perfeita e, com isso, surgiria a possibilidade de lucros extraordinários e oferta do bem inferior ao ótimo social. De fato, mais de 50% do mercado é atendido por três grandes empresas: Johnson & Johnson, Kimberly-Clark e Procter & Gamble[4]. Trata-se, portanto, de um mercado oligopolizado.

Nesse caso, haveria espaço para medidas diferentes e não cobertas pelo projeto de lei em análise: ações regulatórias tais como a redução de imposto de importação ou a verificação de eventuais práticas anticompetitivas das empresas do setor, visando melhorar a eficiência de mercado para que houvesse maior oferta e menor preço.

Os absorventes estão classificados na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) no código “96.19.00.00 – Absorventes e tampões higiênicos, cueiros e fraldas para bebês e artigos higiênicos semelhantes, de qualquer matéria”.

A alíquota da Tarifa Externa Comum do Mercosul é de 16%, mas a classificação está na lista de exceções com alíquota de 12%. Em decorrência de todo o debate sobre a questão dos custos dos absorventes, a Câmara de Comércio Exterior decidiu, em 19/11/21, reduzir a alíquota de importação de 12% para 10%. Também foi reduzida de 8% para 7% a alíquota incidente sobre produtos químicos essenciais à produção de absorventes[5]. Pode-se dizer que, embora tenha vetado o projeto de lei, o Governo Federal está se movendo em outra frente, visando o objetivo de tornar os absorventes mais acessíveis.

Uma consulta à base de dados da Organização Mundial do Comércio permite verificar as tarifas de importação impostas pelo Brasil em comparação com o restante do mundo. A figura abaixo mostra que o movimento recente colocou nossa tarifa de importação abaixo da média mundial e da América Latina. Mas ainda é alta em relação à dos países desenvolvidos e dos emergentes asiáticos.

Haveria, portanto, mais espaço para avançar nessa liberalização. O Brasil, contudo, tem limitações decorrentes do acordo do Mercosul. Em geral, nossa política externa está atada a princípios protecionistas que impedem que as importações elevem a concorrência e permitam que bens de consumo cheguem à população mais pobre a preços mais acessíveis. Pode-se dizer que, em parte, a necessidade de subsidiar produtos aos mais pobres vem de outra política pública, voltada a preservar a margem de lucro das empresas que atuam no País.

Absorventes e similares: tarifa preferencial média para grupos de países: 2020 ou 2021 (%)

 

Fonte: OMC (http://tariffdata.wto.org/ReportersAndProducts.aspx)

Nota: classificação de produtos = “Sanitary towels (pads) and tampons, napkins
 and napkin liners for babies, and similar articles, of any material”)

Fenômeno similar se dá no caso da chamada “margem de preferência” em compras públicas. Reproduzindo regra existente na antiga Lei de Licitações (Lei 8.666/93), a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21), em seu art. 26, prevê que bens manufaturados nacionais possam ser adquiridos por preços mais altos que seus concorrentes estrangeiros. Ou seja, o intuito de proteger a produção no país – como no caso das alíquotas de importação – pode levar ao aumento de custos na aquisição dos absorventes, caso venha a ser ativada, na licitação pública, a cláusula de “margem de preferência”.

Quais as possíveis falhas de governo?

Toda política pública está sujeita a “falhas de governo”. A compra e distribuição de absorventes em grande escala, pelo Governo Federal, teria grandes desafios de logística de armazenamento e distribuição, o que poderia elevar os custos totais. Licitações públicas também são frequentemente assoladas por atrasos e casos de corrupção.

Uma forma de evitar esses custos é buscar canais alternativos de provisão e distribuição. O Brasil já dispõe do Programa Farmácia Popular, que utiliza a rede privada de farmácias para ofertar medicamentos e produtos de higiene a preços subsidiados. Nesse sentido, parece mais eficiente e lógico atender parte do público alvo por meio de programa já existente, em vez de criar uma nova estrutura de distribuição pela aprovação de uma nova lei. Note-se que o Farmácia Popular já oferta bens similares a absorventes, como fraldas geriátricas.

O Programa já foi objeto de avaliações[6] e, já tendo um histórico de execução, pode ser objeto de melhorias marginais, o que parece mais eficiente que a instituição de um programa totalmente novo. Uma possibilidade seria o novo programa se restringir a públicos específicos que não têm acesso às farmácias, como as presidiárias, ou ter distribuição suplementar nas escolas públicas (como, por exemplo, absorventes disponíveis para casos de emergência, em vez de distribuição ampla para todas as alunas).

A questão federativa

O art. 4º do Projeto de Lei, que não foi vetado, estabelece que o programa “será implementado de forma integrada entre todos os entes federados”. Trata-se, portanto, de uma legislação federal criando obrigação para todos os estados e municípios.

Do ponto de vista da organização federativa do País, não parece uma medida adequada. Uma das grandes vantagens de se ter uma federação é que cada governo local pode dar atenção às prioridades locais. Uma vez que o legislador federal toma uma decisão unificada para todo o país, perde-se essa flexibilidade.

É certo que em todos os lugares do país há mulheres de baixa renda necessitando de absorventes. Mas não necessariamente essa é a primeira ou uma das primeiras prioridades locais. Por exemplo, em um estado estudantes que recebam absorventes podem continuar faltando aulas por não terem transporte adequado ou porque não há professores na escola. Em um estado o foco da política pode estar mais na população carcerária, em outro, na população escolar e, em outro, nas mulheres que têm dificuldade de buscar emprego ou comparecer ao trabalho por falta de absorventes. Ao gestor local, que conhece melhor a realidade da sua comunidade, deve ser dada flexibilidade de escolha e ação.

Nesse sentido, em vez de uma lei unificadora nacional, medidas infralegais de inclusão de fornecimento de absorventes e outros produtos de higiene via SUS, poderiam ser oferecidos de forma voluntária aos estados e municípios. Uma forma de fazê-lo seria, por exemplo, mediante o compartilhamento de custos, por meio de transferência vinculada com contrapartida: a cada R$ 1 destinado pelo estado ou município para a provisão de absorventes, dentro de programa desenhado no âmbito do SUS, a União custearia, digamos, R$ 0,50. Isso equivaleria a um subsídio ou redução do custo da política para o governo local, induzindo, porém não obrigando, a participação no programa.

Um aspecto interessante da autonomia local é que os diferentes programas e diferentes abordagens poderiam ser submetidos a avaliações, de modo a se verificar qual das políticas locais se mostrou mais efetiva, constituindo caso de sucesso a ser copiado e adaptado por outros estados e municípios. Isso ampliaria a eficácia da política pública ao longo dos anos.

As formas alternativas ou adicionais de atingir o mesmo objetivo

O projeto de lei em análise escolheu o caminho da distribuição direta de absorventes. Quais seriam os caminhos alternativos para se atingir o objetivo final de tornar o produto acessível a mulheres de baixa renda? Obviamente as diferentes opções não são mutuamente excludentes. Juntas podem levar a efeito mais intenso que a simples distribuição. Mas, ao mesmo tempo, é preciso avaliar benefícios e custos.

Já se mencionou, acima, os mecanismos regulatórios de averiguação e prevenção de eventuais práticas anticompetitivas de mercado e de redução do custo de importação do produto acabado e de seus insumos. Também já foi apresentada a opção de venda na rede privada de farmácias, a custos subsidiados, no âmbito do Programa Farmácia Popular. A seguir, avaliam-se outras opções. 

Transferência de dinheiro

Outra possibilidade é simplesmente dar o dinheiro à família. De fato, um questionamento muito frequente à distribuição de absorventes foi o de que já existe o Programa Bolsa Família (PBF). E que esse Programa é elogiado justamente por deixar a opção de consumo nas mãos das famílias, não impondo um padrão único de consumo a partir de uma decisão do legislador ou da burocracia.

Um contra-argumento seria o de que as adolescentes não controlam o orçamento da família. São os pais e responsáveis que decidem por elas. E estes podem ter outro conjunto de preferências e prioridades. Esse argumento, usualmente utilizado para justificar a obrigação de matricular crianças na escola, também pode ser usado para justificar a distribuição direta dos absorventes.

Mas há os que apontam que o Bolsa Família tem entre as suas condicionalidades a presença na escola. Se uma adolescente está faltando por não dispor de absorvente, a família pode ser punida com a perda do benefício, o que faria os pais privilegiarem o atendimento da necessidade da adolescente. Somente o reconhecimento da ineficácia dos condicionantes do Bolsa Família ou a percepção de que as faltas em período menstrual não seriam suficientes para decretar a perda do benefício poderiam desmontar esse argumento.

Nesse caso, o esforço poderia ser o de prover as escolas com estoques de absorventes para atender a demanda eventual pelas adolescentes (em vez de provisão obrigatória a todas) e de melhorar o monitoramento das condicionalidades do PBF. 

Redução de impostos

Outra possibilidade seria a redução da tributação sobre o consumo de absorventes (não confundir com o imposto de importação, acima tratado). A experiência internacional mostra que vários países optaram por esse caminho.  Há registro de tratamento tributário preferencial na Alemanha, Austrália, Canadá, Colômbia, Jamaica, Líbano, Índia, Malásia, Nigéria, Uganda e Quênia[7].

Em 2004, o primeiro país a eliminar a tributação sobre produtos de higiene menstrual foi o Quênia. Em 2018, a Índia também eliminou a sua taxa de 12%. Em 2016 os países membros da União Europeia entraram em um acordo acerca da flexibilização sobre a taxação de produtos sanitários, mas não incluem uma regulamentação formal para a tributação como realiza com diversos outros produtos, estipulando alíquotas mínimas e máximas. Com isso, por exemplo, em 2019, a Alemanha conseguiu retirar a taxação de 19%, dado que os absorventes eram considerados um item de luxo pelo parlamento[8].

No Brasil, os absorventes (e tampões) são isentos do Imposto de Produto Industrializado, porém continuam com a incidência de outros impostos, como o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e possuem uma alíquota de tributação média de 34,48%.

O problema de se utilizar a redução de impostos é a falta de focalização nos mais pobres. A redução da arrecadação, que fará falta para financiar outras políticas públicas, subsidiará os absorventes comprados pelos pobres e pelos ricos. Esse é o problema típico de se tentar fazer política de atenção aos mais pobres através de benefícios tributários[9]. Um estudo sobre os benefícios fiscais do ICMS no Rio Grande do Sul mostrou que os 30% mais pobres receberam menos de 14% do benefício, enquanto os 30% mais ricos se apropriaram de 50%32.

De modo similar, o Ministério da Fazenda, em 2017, estimou que destinar R$ 1 bilhão ao Bolsa Família produz um impacto 12 vezes maior para a queda da desigualdade do que desonerar em R$ 1 bilhão a cesta básica[10] . Isso porque, por um lado, acabam entrando no conceito de “cesta básica” produtos não consumidos pelos mais pobres, como carne de primeira. Por outro lado, os produtos têm variações de qualidade que não podem ser discriminadas na tributação: no caso dos absorventes, por exemplo, acabariam sendo desonerados tanto os mais baratos quanto os mais sofisticados. E a variação de preços e qualidade nesse mercado é ampla. Pesquisar o valor de uma unidade de absorventes nos seguintes sites: Amazon, Droga Raia, Drogaria São Paulo e Pague Menos. Notou-se que a variação de preço pode chegar a 10 vezes: a marca Tena-Maxi Night era vendida a R$ 2,42 a unidade, enquanto a marca Cottonbaby saia a R$ 0,26.

Deve-se notar a diferença entre reduzir impostos de importação e reduzir impostos sobre consumo. O imposto sobre importação não tem por finalidade principal arrecadar recursos para financiar políticas públicas. Sua função é regular o fluxo de entrada de produtos no país e o grau de proteção às empresas que atuam dentro do país. Embora a redução de ambos os impostos leve à diminuição do preço ao consumidor, os canais são diferentes. A redução do imposto sobre consumo resulta em perda de receita relevante para o governo, limitando sua capacidade de financiar outras políticas públicas. Já a redução do imposto de importação, não causa perda relevante de receita e atua sobre os preços ao aumentar a concorrência e diminuir margens de lucro e custos de produção.

Outra observação relevante é que o Programa Farmácia Popular, acima apontado como uma alternativa interessante de veiculação da política, também carece de focalização na população mais pobre. A princípio, qualquer indivíduo pode se beneficiar da aquisição de medicamentos subsidiados pelo Programa. No entanto, a forma segmentada de oferta e as exigências burocráticas para a aquisição subsidiada tendem a afunilar a busca pelo programa pelas pessoas que obtêm maior benefício marginal dos descontos. Não é, contudo, objeto desse texto uma avaliação pormenorizada da focalização efetiva do Programa Farmácia Popular.

Por fim, é importante chamar atenção para a importância de se fazer uma reforma tributária. A elevada tributação dos absorventes pelo ICMS decorre de distorções no nosso sistema tributário, que tributa muito os bens e pouco os serviços. Sendo os serviços mais consumidos por pessoas de alta renda, o sistema se torna regressivo. A introdução de um imposto sobre valor agregado (IVA), com alíquota única para todos os bens e serviços, corrigiria esse viés e reduziria o custo dos absorventes.

Adicionalmente, a reforma tributária reduziria a guerra fiscal e, com isso, o subsídio que os estados dão às empresas. Esses subsídios acabam sendo compensados por altas alíquotas nos bens tributados. Se extintos, viabilizariam alívio para todos os bens que hoje têm alíquotas elevadas.  Por fim, um IVA permite que se identifique claramente o montante total de impostos embutidos em um bem ou serviço comprado pelo consumidor final. Pessoas de baixa renda poderiam receber restituição total ou parcial de seu consumo via identificação pelo CPF, o que reduziria a necessidade de alíquotas diferenciadas para produtos específicos.

Produção comunitária de absorventes

Chamou atenção internacional uma bem-sucedida iniciativa do empreendedor indiano Arunachalam Muruganantham, que conseguiu criar um método simples de manufatura de absorventes[11]. Frente ao alto custo dos absorventes, em um mercado dominado por grandes empresas oligopolistas, ele identificou a necessidade de ofertar absorventes a baixo custo para a população indiana de baixa renda. Seu método padronizado, com maquinário simples e de baixo custo, permitiu criar nas comunidades rurais pequenas fábricas, que ocupam a mão de obra local, em especial feminina, produzindo itens que acabam sendo comercializados e consumidos localmente.

Esse tipo de experiência pode ser válido para o Brasil, seja para comunidades rurais, seja para favelas em áreas urbanas, e pode ser implantada de forma descentralizada e baseada em doações privadas, com pouca ou nenhuma participação do setor público. Não se está afirmando que funcionaria automaticamente. Como qualquer outra iniciativa de política pública, o sucesso desta estaria sujeito aos detalhes de desenho e implementação. Mas a experiência indiana é internacionalmente reconhecida como bem-sucedida. Logo, uma avaliação de possível adaptação ao Brasil mereceria ser avaliada.

Esse é mais um argumento que aponta para a relevância de soluções descentralizadas, tornando pouco eficiente a aprovação de uma lei uniformizadora e de aplicação obrigatória em todo o território nacional.

Os vetos presidenciais fazem sentido?

No ambiente de polarização em que estão sendo debatidas todas as políticas públicas, o Presidente da República foi fortemente criticado por vetar o projeto em análise. Os defensores da iniciativa legislativa tendem a afirmar que as justificativas dos vetos seriam “desculpa” para não implementar o projeto. Cabe analisar cada um dos argumentos usados nos vetos e verificar a sua consistência.

O primeiro argumento é de que o projeto de lei seria incompatível com a “autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”. De fato, trata-se de ponto já assinalado acima: ao obrigar todos os governos e suas redes de ensino a implementarem um programa uniforme, definido pelo legislador federal, teríamos não só a anulação da autonomia das redes de ensino como dos próprios governos subnacionais. Não basta que se tenha uma causa nobre para desconsiderar essa autonomia, pois tal desconsideração também pode ser usada para finalidades menos elogiáveis. É preciso preservar as regras do jogo democrático e de funcionamento das instituições, e não se justifica quebra-las em função de um objetivo meritório.

Outro argumento é o de que se trata da criação de uma despesa obrigatória de caráter continuado. A Lei de Responsabilidade Fiscal exige, nesses casos, que se aponte uma nova e perene fonte de recursos ou o corte permanente de despesas para garantir o financiamento do programa. O projeto não foi claro a esse respeito, apenas atribuindo o custeio ao SUS e ao Fundo Penitenciário Nacional.

Mais uma vez, há que se preservar as regras fiscais, não cabendo flexibilizá-las em função do mérito da proposta em análise. Afinal, o mérito é sempre relativo a depender das preferências e interesse de quem o avalia. E a estabilidade fiscal é, em si, um bem público importante para proteger os mais pobres de fenômenos como a inflação, que corrói sua renda.

Há um veto específico à inclusão de absorventes na cesta básica que também é consistente. Argumenta o Poder Executivo que “o Projeto de Lei introduziria uma questão de saúde pública em uma lei que dispõe sobre segurança alimentar e nutricional”.

Por outro lado, há argumentos menos defensáveis ou que poderiam ser contornados. Alegou-se que não se pode fazer no âmbito do SUS um programa que seja voltado para clientelas específicas, pois o SUS tem caráter universal. Haveria espaço para, no âmbito do SUS, desenhar programas de subsídios ou fornecimentos nos postos de saúde e outras dependências públicas que não frustrassem o caráter universal. Mas isso teria que ser feito por instrumento infralegal. A proposição do programa na forma de lei, de fato, cria rigidez e maior dificuldade para uma adoção de caráter universal.

Outro argumento é o de que “absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, portanto não se encontram na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME”. Esse parece um argumento formalista e passível de ser superado, uma vez que se pode considerar a importância de medidas preventivas para a saúde, e o risco de uso de instrumentos inadequados e nocivos à saúde em substituição aos absorventes.

Conclusões

Esse texto procurou apontar diversas alternativas existentes para lidar com o problema do baixo acesso a absorventes por mulheres de baixa renda. Seu intuito foi mostrar que não há uma única maneira de solucionar a questão. Portanto, o ambiente de confronto entre os que são favoráveis e contrários ao PL 14.214/21 empobrece o debate público, pois não permite explorar as melhores soluções possíveis.

O projeto tem como ponto negativo o fato de não estar ancorado em estudos de avaliação ex-ante que tenham buscado identificar as melhores formas de atingir seus objetivos (formas de provisão, financiamento, parcerias, amplitude do programa, instrumentos de mercado para redução de custos dos produtos, etc.) como ocorreu, por exemplo, no caso escocês, citado no texto. Ademais, o PL propôs um modelo único, obrigatório, possivelmente de alto custo. Ao fazê-lo, feriu pontos importantes de instituições relevantes, como a autonomia dos entes subnacionais e das instituições de ensino ou as regras de responsabilidade fiscal.

Esse padrão único nacional desestimularia o surgimento de diferentes alternativas, subsidiadas ou não pelo Governo Federal, de governos subnacionais ou do terceiro setor, gerando diferentes soluções, passíveis de serem replicadas e adaptadas em diferentes partes do país. Avaliações ex-post indicariam os modelos mais efetivos e permitiriam a melhoria dos diferentes programas.

Por outro lado, o PL teve o mérito de abrir a discussão de um problema relevante e que tem sido objeto de políticas públicas em vários países. Ao fazê-lo, já induziu o Governo Federal a se mexer para, por exemplo, reduzir tarifas de importação de absorventes e de insumos necessários à sua produção.

O episódio também foi importante para mostrar como políticas protecionistas prejudicam os mais pobres. Altas tarifas de importação diminuem o grau de competição e elevam custos de produção, encarecendo os bens de consumo final, que se tornam menos acessíveis aos mais pobres. Já a margem de preferência para empresas nacionais nas licitações públicas encarece as políticas públicas de distribuição de bens aos mais pobres, como no caso dos absorventes.

Outro ponto relevante é a importância de uma reforma tributária para a redução do custo da cesta de bens consumida pelos mais pobres, com a possibilidade de mecanismos de devolução dos impostos pagos de forma focalizada na população carente.

Como em qualquer política pública, existem diferentes formas de atingir um mesmo objetivo. Explorar todas as possibilidades, avaliando-as cuidadosamente, além de agir de forma cooperativa (entre governos e com o setor privado) parece ser uma opção superior a simplesmente aprovar um projeto top-down, sem prévia avaliação de custos, benefícios e detalhes de implementação.

 

[1] Esse texto reflete esforço coletivo de análise da disciplina “Política Fiscal” dos cursos de graduação em Economia, Administração e de Engenharia do Insper. Marcos Mendes é o professor da disciplina e os demais autores são alunos.

[2] Os autores agradecem a Sandra Rios e Lucas Ferraz por informações que auxiliaram na elaboração do texto, sem implicá-los em eventuais erros ou associá-los às opiniões aqui emitidas.

[3] Ver: Access to free sanitary products: BRIA – gov.scot (www.gov.scot).

[4] Fonte: http://novo.febrafar.com.br/fabricantes-disputam-o-setor-de-higiene-pessoal/

[5] O Estado de S. Paulo 20/11/21: “Após veto de Bolsonaro, tributo para importação de absorvente é reduzido”.

[6] Ver, por exemplo, Luiza, V.L et al. (2018) Applying a health system perspective to the evolving Farmácia Popular medicines access programme in Brazil. BMJ Global Health. Disponível em: Applying a health system perspective to the evolving Farmácia Popular medicines access programme in Brazil (bmj.com)

[7] Fonte: BBC Brasil 26/11/2020  Escócia se torna primeiro país do mundo a oferecer absorventes e tampões de graça – BBC News Brasil

[8] Fonte: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/11/13/alemanha-acaba-com-taxa-do-absorvente-e-item-deixa-de-ter-19-de-imposto.htm

[9] Ver, por exemplo, Lisboa, M. et al (2020) Uma agenda econômica pós-pandemia:

parte I – qualidade do gasto público e tributação. Insper. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2020/07/Uma-agenda-econ%C3%B4mica-p%C3%B3s-pandemia-parte-I-1.pdf

[10] Kanczuk, Fábio. https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/apresentacao_equilibrio-geral-e-avaliacao-de-subsidios_fabio-kanczuk.pdf/view. Acesso em 26/9/2020.

[11] Ver sua apresentação em TED Talks em https://www.ted.com/talks/arunachalam_muruganantham_how_i_started_a_sanitary_napkin_revolution?language=pt-BR#t-56788. A Netflix oferece uma versão romanceada do episódio no filme “Pad Man”.

 

* Marcos Mendes é pesquisador associado e professor do Insper, além de ser membro do Instituto Fernand Braudel; os outros autores são alunos de graduação do Insper.

 

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Restituição do PIS-Cofins sobre ICMS caberia principalmente ao consumidor https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3442&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=restituicao-do-pis-cofins-sobre-icms-caberia-ao-consumidor Fri, 21 May 2021 19:52:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3442 Restituição do PIS-Cofins sobre ICMS caberia principalmente ao consumidor

Cabe recorrer ao STF para reparar toda a injustiça social de sua decisão

Por Roberto Macedo

O Supremo Tribunal Federal (STF) de novo decidiu quanto ao assunto, determinando que a restituição fosse para recolhimentos a partir de 2017, quando foi tomada sua primeira decisão. O governo federal reivindicava que a restituição só contasse desde a última sentença, mas não teve sucesso. E mais: empresas que entraram com ações antes de 2017 também foram vitoriosas.

No sábado 15/5, este jornal publicou lista de 12 grandes empresas nessas condições e que já receberam em 2020 um total de R$ 23,6 bilhões. A lista é encabeçada pela Petrobrás, com R$ 16,3 bilhões de créditos a partir de outubro de 2001. Assim, a devolução ainda custará muitos bilhões de reais a mais para a União. Vi estimativas de um custo total de até R$ 258 bilhões, mas antes da última decisão.

Não acompanhava esse assunto de perto, mas em 12 de maio li importante artigo sobre o tema, de Eliseu Martins, profissional da área contábil, que fez carreira docente na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, da USP, onde chegou a professor titular. Entre outros cargos, foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por duas vezes, diretor do Banco Central e representou o Brasil na ONU para assuntos de contabilidade e divulgação de informações.

Martins abordou o tema sob a perspectiva de políticas públicas e com um olhar “pressupostamente de justiça social.” Apontou que toda a discussão sobre o assunto se centrou em aspectos jurídicos e técnicos, e numa disputa entre empresas e governo. E fez esta pergunta: “… quem de fato pagou por esse tributo a maior durante todo esse período?”. E respondeu: “… não terá sido o consumidor? Não teriam sido as empresas… apenas veículos dessa transferência que agora está sendo considerada indevida do Tesouro para o consumidor… que de fato… suportou… o ônus?”.

Ele aponta que a teoria econômica convencional diz, em resumo meu, que esse raciocínio não é correto, não sendo verdade que somente o consumidor teria arcado com o custo. Se o preço subiu por causa do imposto, a demanda por ele, e de seus componentes na cadeia produtiva, terá diminuído e, assim, as empresas também terão arcado com um pedaço do custo ao perder receitas.

Agora entro com meu economês. Essa diminuição da demanda dependerá muito de sua elasticidade ou resposta relativamente aos preços, que será tanto mais forte quando mais houver produtos que substituam os que receberam tributação. Mas essa tributação foi generalizada, o que reduz muito a elasticidade. E mais: no caso dos derivados de petróleo, por exemplo, praticamente não há alternativas para o consumidor. E ele cita, com aplausos, que a Aneel, a agência de energia elétrica, “… deliberou descontar na tarifa dos consumidores o que as empresas de energia receberem”.

Martins discute ainda outras questões interessantes, mas também preciso apresentar outras ponderações e sugestões minhas. Pelo que já li sobre tributação, a visão predominante na distribuição dos impostos indiretos entre vendedores e consumidores é que esses tributos sejam transferidos para os preços e, assim, repassados a quem consome. Um caso relacionado com isso é o do imposto na nota, conforme a Lei 12.741, de 8/12/2012. No seu artigo 1.º ela determina que deverá constar dos documentos fiscais ou equivalentes a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda. Em seguida, ela lista sete tributos que integram esse valor total, entre eles a contribuição PIS-Cofins. O leitor poderá ver o cupom fiscal de uma compra sua em supermercado para verificar como isso funciona e se certificar de que pagou esses impostos. Ou seja, se essa própria lei reconhece que o consumidor paga a contribuição do PIS-Cofins, por que não teria agora o direito à restituição?

No caso de outros serviços públicos, em que a opção do consumidor não existe, o exemplo da Aneel deveria ser generalizado como obrigação legal. Nos demais casos, não vejo condições práticas de devolver aos consumidores o que pagaram a mais. Seria o caso de o STF definir que, ressalvados os casos de empresas que realmente pudessem provar que arcaram com o ônus do imposto sem repassá-lo aos consumidores, os recursos do ônus do Tesouro fossem transferidos para o programa Bolsa Família e/ou ao de renda básica, que esse tribunal determinou que fosse instituído.

Ignoro se a defesa governamental utilizou os argumentos que Martins defendeu no seu artigo, e sobre os quais me estendi. Se não, foi um erro, mas pelo que sei ainda é possível recorrer ao STF, pleiteando reparar toda essa injustiça social que sua decisão envolveu.

Volto a Martins. Ele também aponta que o consumidor, além de não receber a restituição se a decisão for mantida, como cidadão arcará com o ônus dela sobre as finanças públicas. Ou seja, pagaria duas vezes.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 20 de maio de 2021.

 

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A esquina do futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3430&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-esquina-do-futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3430#comments Tue, 30 Mar 2021 22:24:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3430 A esquina do futuro

O exercício pleno da cidadania está atrelado à educação, ao conhecimento

Por Luís Eduardo Assis

Já dizia o escritor inglês H. G. Wells: a história da civilização é uma disputa entre a educação e a barbárie. A ideia de que é preciso desvendar mistérios através de métodos científicos é relativamente recente na história da humanidade, mas sem ela não teríamos conseguido os extraordinários avanços dos últimos séculos. Demoramos milhares de anos para aprender que o avanço do conhecimento nos torna melhores. O método científico – que ainda hoje alguns apalermados refutam – é indissociável da ideia de progresso, algo também recente do ponto de vista histórico. Há enorme correlação entre o índice de desenvolvimento humano e o nível de educação dos países. Soa como uma platitude, mas aqui em terras tabajaras a necessidade de fazer avançar o nível educacional só encontra consenso na sua manifestação genérica e superficial.

Ninguém se diz a favor da ignorância, mas as políticas públicas para combatê-la acabam esbarrando na falta de recursos, na incúria da elite e na cristalização de interesses corporativos. Gastamos pouco, gastamos mal e os resultados beiram a calamidade. O exame Pisa, realizado a cada três anos, teve sua última edição em 2018 e avaliou o desempenho acadêmico de jovens de 15 anos em 79 países. O Brasil ficou em 59.º em leitura, 67.º lugar em ciências e 73.º em matemática.

Tudo sugere que a pandemia teve um impacto devastador sobre um esforço que já rendia poucos frutos. Estudo da Unicef divulgado em janeiro mostra que aumentou a evasão escolar durante a pandemia. Em 2019, o IBGE identificou uma taxa de abandono de 2,2% entre crianças e jovens de 6 a 17 anos. Já em outubro de 2020, o porcentual registrado pela Unicef foi de 3,8%, ou seja, 1,38 milhão de pessoas não frequentavam a escola. A este contingente devem ser acrescentados outros 4,1 milhões que afirmaram estarem matriculados, mas não participaram de nenhuma atividade nas escolas. O abandono escolar atinge mais os alunos pobres, cujo atendimento já era insatisfatório e que não tiveram acesso ao ensino remoto. Uma tragédia dentro de um drama.

Em estudo divulgado em julho de 2020 (Consequências da Violação do Direito à Educação), o Insper estimou que, em 2018, 557 mil jovens com 16 anos não concluíram a educação básica. Isto vai provocar uma perda de renda ao longo de toda a vida laboral de cada um destes jovens de R$ 395 mil, o que significa que o custo total do abandono escolar para esta faixa etária alcança a cifra astronômica de R$ 220 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do MEC para a Educação Básica em 2020 foi de R$ 42,8 bilhões (aliás, 34% menor que o de 2012).

O problema das consequências é que elas chegam depois, já dizia Marco Maciel. O que o governo tem a dizer sobre o abandono escolar provocado pela pandemia? Se o sistema educacional brasileiro já vinha mal antes como evitar que fique ainda pior? O Ministério da Educação não tem planos – nem sequer diagnóstico. No meio da tragédia da covid-19, gastou tempo e esforços na busca da regulamentação do ensino domiciliar, uma abjeta excrescência ideológica. Para um governo que recusa o passado e não reconhece o presente, pensar a longo prazo é um luxo inacessível. A propósito, qual é mesmo o nome do atual ministro da Educação? Quando a pandemia arrefecer, malgrado o descaso do presidente, voltaremos a frequentar pizzarias, mas os jovens que nos entregam as pizzas hoje não voltarão para as escolas.

Haverá uma geração a quem será privado o conhecimento e, desta forma, o exercício pleno da cidadania. Não se trata apenas de fomentar a ignorância; é a barbárie que está à espreita. Há um despacho na esquina do futuro, já dizia Marcelo Yuka.

 

Luís Eduardo Assis é economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e FGV-SP. E-mail : luiseduardoassis@gmail.com.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo dia 29 de março de 2021.

 

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Como a economia comportamental pode contribuir para as políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-economia-comportamental-pode-contribuir-para-as-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691#comments Mon, 30 Nov 2015 11:49:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2691 O Estado é cada vez mais exigido e questionado no desempenho de suas funções. As ações estatais devem ser pensadas e construídas de forma a serem mais eficientes e efetivas para a melhoria da realidade socioeconômica, em especial no Brasil, onde existem tantas carências. Para atingir os objetivos em prol da população, os governos, em seus vários níveis, devem desenhar suas políticas públicas de forma que sejam criados os incentivos corretos para o atingimento do que se pretende.

Existem ferramentas e metodologias para se construir uma política pública adequada de forma a se alcançar o resultado desejado. No entanto, para qualquer metodologia utilizada, há que se ter em mente que o sucesso de qualquer atuação governamental depende de como as ações escolhidas vão influenciar o comportamento do cidadão, que, em muitos casos, não age de forma “racional” (basta ver quantos de nós dirigem enquanto enviam uma mensagem pelo celular, mesmo sabendo de todos os riscos envolvidos). Mais ainda, sua eficácia depende das hipóteses sobre o comportamento humano feitas pelos formuladores das políticas.

Nesse ponto é que se destaca a contribuição da Economia Comportamental, pois o estudo dessa área disponibiliza uma série de novas ferramentas que frequentemente permitem o alcance dos resultados almejados com menos custos ou menos efeitos colaterais, quando comparados com os conseguidos por meio da tributação ou da regulação, por exemplo.

Como ilustração, pode-se citar a aplicação da Economia Comportamental nas políticas públicas na área de educação. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Se o aluno pensasse de forma puramente racional, ele se empenharia para ficar na escola, pois os retornos futuros do estudo seriam altos o bastante para compensar seu esforço. No entanto, existem fatores que desviam os estudantes dessa racionalidade como valorizar o presente muito mais do que o retorno esperado no futuro, o contexto em que vivem, os modelos de comportamento que tem como inspiração, questões de saúde que possam impactar a sua assiduidade, o esforço exigido para chegar até a escola, entre outros. Assim, as políticas educacionais devem estar atentas a vieses comportamentais observados nos jovens, considerando que a tomada de decisão quando falamos de educação vai muito além de pesar custos e benefícios materiais a serem obtidos no futuro.

Os gestores públicos têm o desafio de incorporar a Economia Comportamental no ciclo das políticas e transformar esse desafio em oportunidades para gerar intervenções governamentais mais efetivas e eficientes.

Conforme mencionado no Relatório de 2015 do Banco Mundial (World Development Report, 2015),as pessoas, independentemente de sua classe social, em algum momento fazem escolhas contrárias ao seu próprio bem-estar, principalmente quando agem de forma automática. Elas podem também agir em decorrência de hábitos ou por inércia.  Existe ainda uma diferença entre ação e intenção (conflitos intertemporais) com consequências econômicas negativas para indivíduos, grupos e toda a sociedade. Isso abre um enorme espaço para a atuação do governo.

A Economia Comportamental surge mostrando em seus estudos empíricos que diversas variáveis, muitas vezes ignoradas, permitem influenciar decisivamente a forma como fazemos escolhas.  Fatores como a maneira de apresentação de uma opção ou o seu contexto podem, inclusive, ter impacto maior do que ações baseadas em incentivos financeiros

Para se ter ideia da importância da Economia Comportamental, importa saber que existe uma organização vinculada ao Governo Britânico, Behavioural Insights Team1, mais conhecida como Nudge Unit, cuja função é testar novas abordagens para se alcançar os objetivos das políticas públicas. Vários países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França e Arábia Saudita, vêm utilizando o modelo dessa organização para desenhar políticas que consideram o enfoque comportamental.

Outro fato que ressalta a importância do tema nos programas governamentais constitui-se a publicação de um conjunto de normas constantes na Executive Order2, de 15/09/2015, emitida pelo Presidente Barack Obama, que cria diretrizes para os órgãos públicos utilizarem o enfoque comportamental nas políticas públicas.

Thaler e Sunstein3defendem que a mudança de comportamento pretendida pode ser alcançada muitas vezes apenas com o correto desenho e aplicação de nudges. Um nudge(“empurrãozinho”) é um aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem criar proibições ou alterar os incentivos econômicos. Por exemplo, colocar as frutas da lanchonete da escola em uma prateleira que fique no nível dos olhos dos alunos de forma que eles comprem e comam mais frutas é um nudge. Por outro lado, criar uma regulamentação que encareça ou obrigue o banimento de comidas não saudáveis nas lanchonetes escolares não é.

O relatório MIND SPACE, divulgado pelo Cabinet Office e o Institute for Government da Inglaterra, propõe nove aspectos que podem interferir quando se fala em influenciar o comportamento das pessoas via políticas públicas. No relatório, buscam reunir de forma simplificada os principais aspectos que devem ser apropriados pelos formuladores de políticas públicas para se conseguir mais efetividade em suas ações. A seguir, tem-se uma síntese desses novos aspectos considerados principais para gerar uma mudança real de comportamento das pessoas frente a diferentes intervenções:

a) Mensageiro

Quem passa a informação e o modo como ela é passada tem implicação na força com que a mensagem é assimilada. Por exemplo, observa-se que a efetividade das intervenções aumenta quando os locutores são pessoas que detêm autoridade formal ou informal sobre o assunto, assim como pessoas ligadas àárea geográfica e de condição socioeconômica similar aos dos receptores.Pesquisa empírica4 no universo dos alunos de duas escolas canadenses observou estatisticamente que, num programa de prevenção de obesidade e doenças relacionadas, o resultado foi muito mais efetivo quando alunos mais velhos (treinados pelos professores) passavam as informações para os alunos mais novos sobre alimentação saudável, mostrando como a interação entre os pares facilitou a assimilação de hábitos alimentares melhores.

b) Incentivos

O mecanismo de incentivos deve ser usado pelos governos como uma estrutura que motiva a mudança de comportamento. A economia comportamental contribui para o tema ao revelar alguns instintos humanos. No geral, as pessoas preferem evitar perdas a ter ganhos de valor equivalente, assim, as políticas públicas devem focar não nos prêmios, mas nas perdas que acontecerão se determinado comportamento não for adotado.

Uma aplicação desse fato está detalhada em trabalho acadêmico5, no qual se comprova que a produtividade dos professores é mais incrementada quando eles ganham antecipadamente um bônus, com a possibilidade de o perderem caso os alunos não se saiam bem, do que uma política em que o bônus é dado em decorrência da melhoria da aprendizagem do aluno.

c) Normas sociais

As pessoas tendem a repetir o que os outros fazem. A utilização dessa constatação nas intervenções comportamentais tem dado resultado em diversas áreas e é um instrumento poderoso à disposição dos formuladores dos programas governamentais6. Primeiro, as campanhas devem focar o quanto a norma é aceita. Por exemplo, se o objetivo é incentivar o cinto de segurança, deve-se divulgar que um percentual alto de pessoas já o usam.É importante também considerar as redes sociais, pois as normas serão assimiladas quanto mais “contagioso” for seu efeito.

Um fator ainda subestimado por economistas, a Economia Comportamental tem explorado amplamente o poder da aplicação das normas sociais. Simplesmente invocar princípios relacionados à economia de dinheiro, ser sustentável ou mesmo ter uma atitude exemplar, não foi o suficiente para fazer com que as pessoas mudassem de atitude.

d) Padrões

Muitas das decisões que são tomadas na nossa rotina envolvem uma opção pré-selecionada caso nenhuma escolha seja feita. As pessoas, no geral, agem de forma preguiçosa aceitando o padrão. Isso é um mecanismo importantíssimo para as políticas públicas, pois estruturar os padrões de forma a garantir o máximo de benefício para a sociedade é uma maneira de influenciar o comportamento das pessoas sem restringir suas escolhas. Por exemplo, todos têm o direito de decidir se são doadores de órgãos ou não, mas a lei pode dispor que, caso a escolha não seja feita, o padrão é ser doador.

Acerca desse tema, pesquisa7procurou entender o fato de que países vizinhos como Dinamarca e Suécia tinham uma quantidade tão discrepante de doadores de órgãos – 4,25% e 85,9% respectivamente –, sendo que as suas bases culturais são muito parecidas. O que se descobriu foi que o método utilizado para que o cidadão declarasse se era ou não efetivamente um doador desencadeava um efeito divergente entre o número de doadores dos países. Em seus experimentos, os pesquisadores descobriram que a diferença residia na variação do desenho dos formulários em que as pessoas eram questionadas sobre serem doadores ou não.

e) Ressaltar o que interessa

Nossa atenção é desviada para a informação que vem destacada, que está acessível e que é simples. Isso facilita o registro mental. Como frisamos mais as perdas do que os ganhos, uma aplicação interessante disso é dar destaque ao valor dos impostos junto das mercadorias. Isso fará o consumo cair. Tal medida pode ser utilizada, por exemplo, numa política para diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.

f) Primeiras impressões

O comportamento das pessoas muda conforme algumas sugestões são passadas a elas preliminarmente, como determinadas palavras ou imagens. Por exemplo, pesquisas mostram que a leitura de expressões que tragam a mensagem de vida atlética e saudável na entrada de um prédio faz com que as pessoas usem mais as escadas do que os elevadores.

g) Emoções

O estado emocional da pessoa interfere em como ela tomará suas decisões. Experimentos mostram que cartas enviadas com a oferta de empréstimo são mais aceitas quando trazem figuras atrativas em vez de simplesmente o lado financeiro da questão. Provocar determinado estado emocional no público alvo pode facilitar o atingimento do que se pretende. Como ilustração, houve uma campanha pública em Gana para se incentivar que as pessoas lavassem as mãos. Num primeiro momento, a campanha abordava o benefício de lavar a mão. Em uma segunda etapa, associou-se o não-lavar as mãos com um sentimento de nojo. Essa segunda campanha teve muito mais efetividade.

h) Compromissos públicos

As pessoas tendem a procrastinar ações mais relacionadas com médio e longo prazos. Uma maneira de aumentar o custo da procrastinação é fazer um compromisso público que envolva outras pessoas ou instituições. Por exemplo, uma ideia de compromisso que se comprovou eficaz é a utilização de uma conta de poupança para fumantes que tentam largar o vício. Mensalmente é feito um depósito pelo fumante e, ao final de seis meses, se ele passar num teste de nicotina, pode sacar o dinheiro, caso contrário, o dinheiro é confiscado.

i) Ego

Todos nós tendemos a tomar ações que nos façam parecer pessoas melhores. Trabalhar uma política pública de forma que o resultado venha associado com a melhoria da imagem positiva do cidadão ajudará muito o atingimento dos objetivos.

Concluindo, o campo da Economia Comportamental tem atraído uma crescente atenção dos governos no mundo todo, tanto para ajudar a explicar os resultados aparentemente irracionais quanto por suas implicações diretas na efetividade das políticas públicas. Seus estudos,baseados em experimentos e evidências empíricas, fornecem insights valiosos que podem e devem ser integrados ao ciclo das políticas públicas.  Além disso, intervenções com baixo custo, como pequenas mudanças na forma de as opções serem apresentadas ou na forma de como a informação é transmitida, podem levar a grandes mudanças no comportamento dos cidadãos.

No Brasil, a ciência comportamental ainda é pouco utilizada na formulação das políticas públicas. No entanto, aos poucos, tal arcabouço começa a ganhar espaço. Recentemente, na discussão da Medida Provisória nº 676, de 2015, que promoveu mudanças nos planos de benefícios da previdência, foi aprovada emenda na qual se utiliza uma opção pré-selecionada (padrão ou default). O texto enviado para a sanção da Presidência dispõe que os servidores públicos serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar, podendo, a qualquer tempo, requerer o cancelamento de sua inscrição, ou seja, se o servidor nada fizer, ele integrará a previdência complementar.

Iniciativas como essa são exemplos de que os instrumentos da economia comportamental aqui destacados, ao serem disseminados e utilizados de forma adequada entre os gestores governamentais, ajudam a entender e a mudar o comportamento das pessoas para melhorar o bem-estar social. No caso brasileiro, onde há forte restrição orçamentária e enormes demandas sociais da população, a economia comportamental pode contribuir com a acurácia da atuação do governo, agregando eficiência e efetividade às ações do Poder Público.

 

Este texto consiste numa versão resumida do artigo “A Economia Comportamental aplicada a políticas públicas”, dos mesmos autores, publicado no Guia de Economia Comportamental e Experimental. Para acessar o trabalho completo, veja o link www.economiacomportamental.org/guia

 

___________

1http://www.behaviouralinsights.co.uk/

2https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american

3Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness

4Stock, Miranda, Evans, Plessis and Ridley. (2007) Healthy buddies: a novel, peer-led health promotion program for the prevention of obesity and eating disorders in children in elementary school. Pediatrics 120:e1059-68.

5Fryer, Roland G., Steven D. Levitt, John List, and Sally Sadoff (2012) “Enhancing the Efficacy of Teacher Incentives through Loss Aversion: A Field Experiment.” National Bureau of Economic Research Working Paper 18237

6Dolan, P.; Hallsworth, M.; Halpern, D.; King, D.; Vlaev, I. (2010). MINDSPACE: Influencing Behaviour through Public Policy. Institute for Government and the Cabinet Office. Disponível em 21/09/2915, http://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/mindspace

7Johnson, Eric J. e Goldstein, D.; (2003). “Do Defaults Save Lives?”. Science (November 21). Disponível em 21/09/2015, http://www.dangoldstein.com/papers/DefaultsScience.pdf

 

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O que é economia da felicidade e como ela pode ser aplicada às políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2309&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-economia-da-felicidade-e-como-ela-pode-ser-aplicada-as-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2309#comments Mon, 13 Oct 2014 18:04:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2309 INTRODUÇÃO

A Economia da Felicidade investiga os fatores por trás da felicidade das pessoas, usando não apenas conceitos e ferramentas da economia, mas também da sociologia, da ciência política, e, especialmente, da psicologia. Os estudos em Economia da Felicidade são fundamentalmente empíricos e baseados em surveys (pesquisas de opinião) sobre o nível de felicidade das pessoas: a relação entre as características econômicas, sociais e demográficas – entre outras – e o nível de felicidade reportado pelos entrevistados é analisado estatisticamente, para que se compreenda o que torna alguns indivíduos mais felizes do que outros (com técnicas de econometria, por exemplo).

Apesar de novo, o campo conta com contribuições de acadêmicos importantes. Vários estudos em Economia da Felicidade se baseiam em trabalhos de vencedores do Prêmio Nobel em economia, como Daniel Kahneman, Amartya Sen e Gary Becker. O professor Bruno Frey, um dos principais expoentes da área, é listado entre os cinquenta economistas mais influentes do mundo, à frente de macroeconomistas conhecidos1. Assim, o ramo vem se consolidando como uma área emergente, cada vez mais distante de ser apenas uma mera curiosidade.

Compreendendo o que torna os cidadãos mais felizes, uma análise cuidadosa dos resultados das pesquisas em Economia da Felicidade pode prescrever mudanças em algumas políticas públicas, com a cautela de não sugerir uma atuação paternalista por parte do Estado. Vários dos serviços que um governo busca prover aos seus cidadãos, principalmente em países democráticos, já são serviços que se relacionam com o nível de felicidade e bem-estar das pessoas, como os serviços de saúde. Por outro lado, a Economia da Felicidade traz insights de áreas que estão ligadas à felicidade dos indivíduos e onde ainda há espaço para atuação do governo.

Neste texto, apresenta-se de uma maneira geral a Economia da Felicidade e os principais resultados das pesquisas, dividindo os fatores econômicos e não econômicos por trás da felicidade. Ainda, discute-se como esses resultados se encaixam na realidade brasileira, tão diferente da dos países em que muitos dos estudos foram realizados, e como as descobertas se inserem no âmbito das políticas públicas.

FATORES ECONÔMICOS

Naturalmente, as pesquisas em Economia da Felicidade analisam como variáveis econômicas afetam o bem-estar subjetivo (felicidade) dos indivíduos, dando particular atenção à influência da renda e do emprego na felicidade – mas também da desigualdade e da inflação.

Renda

De fato, encontrou-se em vários estudos uma correlação positiva entre renda e felicidade. No entanto, os estudos demonstram que mais do que a renda absoluta, o que importa para a satisfação das pessoas é a renda relativa, baseada na comparação com alguns grupos específicos próximos do indivíduo. Verificou-se também que a influência do dinheiro na felicidade é cada vez menor à medida que a renda cresce. Assim, a relação entre renda e felicidade é não linear, com as pesquisas confirmando, por outro lado, que a pobreza é uma importante fonte de infelicidade.

O nível de bem-estar subjetivo nos países ricos tende a ser maior do que nos países pobres, mas, entre países em um mesmo patamar de renda, a variação nos níveis de felicidade não se correlaciona com a renda, o que ocorreria tanto entre países ricos quanto entre países pobres. Essa relação pode ser bem visualizada na Figura 1, retirada de Borrero et. al (2013): os autores relacionaram o nível de bem-estar subjetivo e a renda nacional bruta per capita para 197 países. No mesmo sentido, Easterlin (1974) observou que, no período pós-Segunda Guerra, o nível de felicidade dos países desenvolvidos se manteve constante ao longo das décadas, mesmo com o grande crescimento da renda real – fato estilizado que é conhecido na literatura como “Paradoxo de Easterlin”.

Figura 1 – Satisfação com a vida e Renda nacional bruta per capita

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Fonte: Borrero et. al (2013)

 

Também os estudos em Economia da Felicidade que focam na comparação em nível individual encontraram limites para o efeito da renda sobre a felicidade.  As pesquisas mostram que, na média, pessoas com renda maior têm um nível de bem-estar subjetivo também maior. Entretanto, o impacto da renda adicional no nível de felicidade diminui à medida que a renda aumenta. Frey (2008) ressalta que essa descoberta coaduna com a teoria econômica tradicional, que considera decrescente a utilidade marginal (incremental) da renda. Na teoria, a utilidade é um conceito próximo do de “satisfação” no sentido comum.

Há uma preocupação nesses estudos em resolver o problema da direção da causalidade entre renda e felicidade, já que uma possibilidade para explicar a correlação entre as variáveis é de que indivíduos mais felizes tendem a possuir características que levam a uma renda maior. A solução de parte dos estudos em Economia da Felicidade foi analisar o efeito de variações na renda não associadas ao trabalho, e, portanto, não associadas a características pessoais dos indivíduos, como o recebimento de heranças e de prêmios de loteria2. Outras variáveis independentes controladas nesses estudos incluem idade, escolaridade, emprego e gênero, entre outras.

A felicidade é mais afetada pela posição relativa da renda do que pela renda absoluta de um indivíduo. O economista brasileiro André Lara Resende reflete nessa linha: “não é a riqueza absoluta, mas a riqueza relativa que importa. Não nos basta ser apenas ricos, mas, sim, mais ricos do que nossos pares”3. No mesmo sentido, Kahneman (2011) explica que a relação entre satisfação e renda depende de “pontos de referência” estabelecidos pelos próprios indivíduos. Os grupos de comparação incluem a família, colegas de trabalho e outras pessoas com a mesma faixa etária e escolaridade do indivíduo.

Da psicologia vem um conceito que explica o porquê de ganhos de renda não trazerem sempre ganhos proporcionais em bem-estar. Não apenas os indivíduos se comparam, mas também se “adaptam” a seus níveis de renda. Lyubomirsky (2010, pág. 201) define “adaptação hedônica” como “o processo psicológico pelo qual as pessoas se acostumam com um estímulo positivo ou negativo, de forma que os efeitos emocionais do estímulo são atenuados ao longo do tempo”. Assim, mais renda não traria mais felicidade porque as pessoas se acostumariam com a renda maior. Algumas pesquisas sugerem que o efeito da adaptação eliminaria entre 60 e 80% do efeito da renda no bem-estar4.

Compreendido o conceito de adaptação, chegamos à “teoria dos níveis de aspiração”5, que explica de maneira mais ampla a ligação entre renda e felicidade. Frey e Stutzer (2002, pág. 414), explicam que “De acordo com a teoria dos níveis de aspiração, o bem-estar individual é determinado pela distância entre aspiração e realização”. Dessa forma, tanto a noção sobre a renda relativa e o processo de comparação entre os indivíduos quanto à ideia de adaptação hedônica em relação à renda anterior fazem parte de uma teoria mais ampla, a dos níveis de aspiração.  Frey (2008) conclui que, juntos, os dois processos fazem os indivíduos buscarem aspirações maiores. Seria esta teoria a explicação para o Paradoxo de Easterlin.

Entretanto, a relação entre renda e felicidade é não linear, e a renda tem sim efeitos significativos em níveis menores de renda. Para Kahneman (2011, pág. 396), “ser pobre torna uma pessoa miserável” e ele ressalta ainda que “a pobreza extrema amplifica os efeitos e de outros infortúnios da vida. Em particular, doenças são muito piores para os muito pobres”. Já Frey (2008, pág. 76) afirma que “a noção de que as pessoas em países pobres são mais felizes porque vivem em condições mais “naturais” e menos estressantes é um mito.”

Desemprego

Com a importância da renda sobre a felicidade relativizada, focamos a atenção para outra variável econômica que tem impacto devastador nos níveis de satisfação individual: o desemprego. Frey (2008) ressalta que a forte influência negativa do desemprego no bem-estar subjetivo é uma das descobertas mais robustas da Economia da Felicidade e que as pessoas nessa condição se tornam “muito infelizes”. Clark e Oswald (1994) observaram que nada diminui mais o bem-estar individual do que o desemprego, nem mesmo uma situação de divórcio ou separação.

O que muda na vida de um indivíduo que passa da situação de empregado para a de desempregado? O custo individual é, a princípio, a perda de renda. Em compensação, esses indivíduos também têm mais tempo livre, que pode ser despendido com mais lazer. Entretanto, o que os estudos indicam é que mesmo quando controlada a mudança de renda, o bem-estar individual é afetado negativamente de maneira significativa pelo desemprego.

Como antes, também na relação entre desemprego e felicidade existe o desafio de se determinar a direção da causalidade1. Afinal, pessoas infelizes podem ter uma atuação inferior no mercado de trabalho e essas características indesejáveis poderiam levar ao desemprego. Como no caso da renda, “experimentos naturais” foram usados para solucionar esse problema de endogeneidade, isto é, fatos exógenos que levaram a situação de desemprego, que não têm relação com características individuais: um exemplo é o desemprego causado pelo fechamento de uma fábrica.

Segundo Frey, se a queda de bem-estar não é explicada pela mudança de renda nem pela autosseleção de pessoas que já eram infelizes, o desemprego possui custos não financeiros, sendo o principal o “custo psicológico”.

Inflação

De acordo com Frey (2008, pág. 56), “O estudo da felicidade encontra que a inflação sistemática e marcadamente reduz o bem-estar individual reportado”. Como a experiência brasileira ensina, o autor ressalta que as pessoas precisam despender muitos esforços em se informar sobre a alta de preços esperada, e também em se proteger  dela. Do histórico brasileiro com a inflação também sabemos que a renda real dos mais pobres é a que mais é corroída – vimos que a pobreza extrema é um determinante importante da infelicidade dos indivíduos. Di Tella et. al (2001b), no entanto, consideram o efeito da inflação na felicidade “substancial, mas não tão grande”. Frey (2008) afirma que, segundo os economistas, seria perigosa apenas uma inflação rampante, mas uma inflação de até 5% ao ano (“baixa”) não causaria maiores problemas.

Desigualdade

Ao contrário das pesquisas sobre o efeito da renda, do desemprego e da inflação na felicidade, as pesquisas sobre o efeito da desigualdade não levam a uma conclusão consensual. Observam-se impactos diferentes de acordo com o país pesquisado. Para Alesina et. al (2004, 2005) a diferença seria explicada por percepções diferentes em relação às possibilidades de ascensão social e das convicções acerca da origem da desigualdade.

Consumo

A Economia da Felicidade também analisa o papel do consumo na satisfação das pessoas. Como lembra Frey (2008), o dinheiro é valorizado pelo status que gera, mas principalmente porque permite a aquisição de mais bens materiais e serviços. No entanto, vários conceitos da psicologia desafiam a ideia de que mais consumo gera mais bem-estar.

Para o psicólogo agraciado com o Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, o conceito de “ilusão de foco” (focusing illusion) é um conceito científico tão importante que deveria ser amplamente popularizado6. Também conhecido como “focalismo” (focalism), esse conceito se refere a um viés cognitivo que ocorre quando muita atenção é dada a um único aspecto de uma situação, gerando uma previsão errada sobre o bem-estar futuro7. Na presente discussão, este aspecto seria o consumo de um bem material e a situação, de maneira ampla, a satisfação de um indivíduo com a sua vida. A ilusão de foco seria uma das causas do que Wilson e Gilbert (2003) chamam de “erro de previsão afetiva” (affective forecasting error), que ocorre quando os indivíduos erram ao imaginar o seu futuro estado emocional, e que pode ter como consequência más escolhas ou decisões (miswanting no termo criado por Wilson e Gilbert). Tais conceitos explicariam porque o consumo de vários bens materiais não eleva os níveis de felicidade: os indivíduos superestimam a importância que a aquisição de bens materiais, por exemplo, o carro do ano, terá em seu bem-estar8.

Nesse sentido, André Lara Resende critica a ênfase dada a esse consumo: “Já não faz mais sentido associar desenvolvimento exclusivamente ao crescimento e ao aumento do consumo material”9. O economista considera que, ultrapassado um determinado nível de renda, “a qualidade de vida não está mais necessariamente associada ao consumo material”. Para ele, as políticas públicas devem ser revistas para que se alcance o bem-estar. Esta revisão não implica a escolha por menos crescimento, mas por “mudança na composição do produto, um aumento do peso dos serviços – mais entretenimento, mais esporte, mais educação, mais saúde, mais música”, concluindo que as indústrias do setor de serviços liderarão o crescimento no futuro10.

O resultado das pesquisas e a realidade brasileira

Boa parte das pesquisas citadas até agora se utilizam de dados amostrais de países desenvolvidos, de modo que é oportuno discutir as aplicações desses estudos ao caso brasileiro. Como os resultados das pesquisas se relacionam com os indicadores brasileiros de renda, desemprego, inflação e com a realidade da desigualdade e do consumo?

A análise conjunta dos resultados das pesquisas e da realidade brasileira indica que, por ora, a Economia da Felicidade tem pouco a acrescentar ao debate de política econômica do país. Neste debate, as principais forças políticas concordam que a renda ainda deve crescer, a desigualdade diminuir e que o atual nível da inflação é desconfortável. Talvez as maiores contribuições da Economia da Felicidade para o caso brasileiro seja em outras políticas públicas e desenhos institucionais – essas contribuições são apresentadas a seguir.

FATORES NÃO ECONÔMICOS

A Economia da Felicidade estuda também, além dos fatores econômicos, a influência de fatores não econômicos no nível de satisfação das pessoas. Destaca-se o efeito, sobre a felicidade, de boas instituições, de uma mobilidade urbana eficiente, de um desenho urbano que privilegie a convivência, e da boa saúde física, entre outros. Ainda no âmbito das políticas públicas, as pesquisas podem contribuir para a sua avaliação.

Instituições

De maneira ampla, instituições são entendidas como os mecanismos que moldam o comportamento dos indivíduos – ou “as regras do jogo”. Assim, em ciências sociais, o termo “instituições” tem uma acepção particular e não deve ser confundido, por exemplo, com órgãos públicos. Muitos pesquisadores descobriram efeitos importantes de boas instituições no bem-estar subjetivo.

Frey (2008, pág. 64) conclui que as instituições democráticas aumentam o bem-estar das pessoas consideravelmente”. Uma parte importante deste efeito se daria na “utilidade processual” (procedural utility), conceito muito difundido na Economia da Felicidade que explicaria o efeito desse e também de outros fatores na satisfação individual. De maneira diversa da utilidade concebida na teoria econômica tradicional, em que predomina a importância de resultados (objetivos), a utilidade processual contempla a satisfação que decorre das situações que levam a um resultado, e não apenas a que decorre do resultado. No caso da democracia, por exemplo, existiriam ganhos porque o processo democrático traria como resultado decisões mais próximas das preferências das pessoas (utilidade “tradicional”) e também porque os cidadãos apreciam participar do processo (utilidade processual).

Outras instituições importantes verificadas pelos estudos incluem honestidade, eficiência, ausência de corrupção e a existência de um Estado de Direito, além de mecanismos de participação democrática mais direta11.

Mobilidade urbana

O estudo da felicidade mostra também que existe uma forte relação negativa entre o tempo gasto no percurso casa-trabalho e os níveis de felicidade. O resultado é observado mesmo quando são controladas outras variáveis, como a renda.

Stutzer e Frey (2007), ao observarem a relação, a definiram como “O paradoxo do deslocamento casa-trabalho” (The commuting paradox)12. Eles argumentam que, apesar de para a maioria das pessoas tal deslocamento ser um fardo mental e físico, na teoria econômica o tempo gasto com o percurso seria apenas mais uma decisão racional tomada pelos indivíduos. De acordo com o prescrito pela Economia Regional e pela Economia Urbana, não deveria haver desutilidade em morar longe do trabalho, já que, em contrapartida, haveria ganhos de utilidade, por meio de um custo de vida menor (imóvel residencial mais barato) ou de um emprego com remuneração maior (em linha com o que o conceito da Economia do Trabalho de diferenciais compensatórios).

Entretanto, a observação empírica foi de encontro com a teoria, e, mantidas outras variáveis constantes, o nível de bem-estar individual é negativamente afetado pelo tempo gasto com a viagem – verificando-se o paradoxo. Também Kahneman et. al (2004) verificou, em uma amostra composta apenas por mulheres, que o período gasto no trajeto matinal casa-trabalho foi o mais associado com emoções negativas, a frente até mesmo do período no próprio trabalho e do período gasto com tarefas domésticas.

As perdas de bem-estar ocorreriam porque, além de estar associado a um maior custo financeiro, um tempo maior no deslocamento casa-trabalho implica menor tempo de lazer. Os efeitos negativos do deslocamento casa-trabalho não se limitam, porém, apenas aos aspectos financeiro e de lazer. Koslowsky et. al (1995) associam um maior tempo no trajeto casa-trabalho a problemas de pressão sanguínea, angina, dores crônicas (transtornos musculoesqueléticos), ansiedade e raiva, além de problemas cognitivos. Entre  as condições que causam reações físicas e emoções negativas estão o desconforto com a temperatura, a existência de multidões, barulho e poluição. Todas são características notórias do transporte público nas grandes cidades do país.

Para Kahneman (2011, pág. 395), as descobertas sobre o efeito do deslocamento casa-trabalho no bem-estar têm implicações para a sociedade e ele defende que “um transporte melhor para a força de trabalho” está entre as maneiras relativamente eficientes de elevar o bem-estar da população.

Desenho urbano

A inserção em comunidades é um dos principais fatores relacionados à felicidade para a Psicologia Positiva – ramo da psicologia que, em vez de focar em patologias, estuda, entre outras coisas, o bem-estar13. Para Frey (2008, pág. 154), existe na Psicologia Positiva um “reconhecimento de que as pessoas e experiências integram um contexto social. Comunidades positivas como a igreja ou a família são consideradas fatores importantes para alcançar a felicidade.” Assim, um desenho urbano que privilegie a convivência e dê espaço a essas comunidades contribuiria positivamente para o bem-estar individual.

Para Helliwell, espaços públicos que permitam a convivência agradável geram cidadãos mais felizes14.   Para Carter e Gilovich (2010), “aquisições de experiências” tendem a deixar os indivíduos mais felizes do que aquisições materiais. Os autores concluem que fortes conexões sociais, como as decorrentes de organizações recreativas e cívicas são “essenciais” para o bem-estar psicológico. Para Gilovich, o resultado sugere que as políticas públicas devem permitir que os cidadãos tenham essas experiências e opina que as comunidades devem ter “parques, trilhas e assim por diante, que promovam experiências que produzam satisfação real”.15

Saúde

Um importante aspecto ligado à felicidade e que é diretamente afetado por políticas públicas é o estado de saúde de um indivíduo. Alguns pesquisadores defendem que, por conta da adaptação hedônica, algumas condições de saúde não influenciam tanto os níveis de bem-estar, que seria mais afetado por condições que retém de forma quase permanente a atenção do doente – mas essa visão é contestada por outros pesquisadores. No entanto, todos concordam que pelo menos alguns estados de saúde têm forte efeito permanente sobre a satisfação com a vida. Ainda, muitos pesquisadores apontam a relevância da saúde mental para o bem-estar individual16.

Outros fatores

O estudo da felicidade encontrou ainda a influência de outros fatores não econômicos no nível de bem-estar subjetivo. Entre eles estão, positivamente, o voluntariado e o convívio social, e, negativamente, a insegurança, a degradação ambiental, a discriminação e a publicidade.

Iniciativas pelo mundo

Vários países e organismos têm dado uma atenção maior tem sido dada aos indicadores de bem-estar. Um exemplo foi a criação,  pelo ex-presidente francês Nicholas Sarkozy, da Comissão para a Mensuração da Performance Econômica e do Progresso Social (Comissão Stiglitz-Sen), liderada pelos vencedores do prêmio Nobel em Economia Joseph Stiglitz e Amartya Sem, e que contou com a participação também de outros acadêmicos ilustres (alguns deles também laureados com o Nobel), como Daniel Kahneman, James Heckman e Kenneth Arrow, Angus Deaton, Alan Krueger e Cass Sunstein. A Comissão estudou os limites do PIB como um indicador desempenho econômico e como poderiam ser produzidos outros indicadores relevantes de progresso social.

Na mesma linha, em 2011, a Assembleia Geral da ONU aprovou unanimemente a Resolução 65/309, convidando os países membros a medir a felicidade de seus cidadãos e a usar os dados para orientar suas políticas públicas. Na Resolução, a ONU coloca a busca da felicidade como um objetivo humano fundamental, reconhece que  o objetivo da felicidade e a sua aspiração encarna o espírito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Os países já contam também com um padrão internacional para a mensuração do bem-estar: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou, em 2013, documento oficial com diretrizes técnicas orientando os países em como mensurar o bem-estar subjetivo17.

Também no âmbito internacional, vários rankings comparam o nível de bem-estar subjetivo entre os países, como o The World Happiness Report, organizado pelos economistas John Helliwell, Richard Layard e Jeffrey Sachs, com a última versão em 2013 – com o Brasil aparecendo em 24º lugar dentre 156 países.

Felicidade Interna Bruta como objetivo?

A mais conhecida iniciativa internacional, entretanto, é a do Reino do Butão, que já nos anos 70 colocou como objetivo do país aumentar a “Felicidade Interna Bruta”, aludindo ao Produto Interno Bruto (PIB).  No entanto, a visão mais dominante na Economia da Felicidade é que, em vez disso, os resultados das pesquisas devem servir de insumos adicionais no debate político, não devendo o Estado se comprometer em maximizar um indicador de felicidade.

Como então a Economia da Felicidade pode se relacionar com as políticas públicas? A Economia da Felicidade traz novas informações empíricas para a discussão política sobre determinadas políticas, como visto no caso da mobilidade urbana. Projetos de mobilidade urbana tendem a ser priorizados por conta de suas vantagens, como o incremento da produtividade na economia ou o combate à poluição, e preteridos quando outras políticas são consideradas preferenciais, como quando o governo estimula a compra de carros ou subsidia o preço da gasolina. Neste exemplo, o estudo da felicidade traz mais um elemento para o debate: a descoberta robusta de que uma mobilidade urbana eficiente contribui diretamente para melhorar o bem-estar da população. O caso ilustra como os achados do estudo da felicidade podem ser incorporados pela esfera governamental sem que o governo necessariamente busque maximizar um indicador de felicidade.

Para Frey (2008, pág. 167), em uma democracia, o desenho constitucional permite que os cidadãos “revelem suas preferências e forneçam aos políticos (o governo) o incentivo para torná-las realidade”, concluindo que a maximização de um indicador de felicidade não respeita esse processo. Os cidadãos podem distorcer o resultado das pesquisas respondendo a elas de maneira estratégica, em vez de sincera; e o governo pode dar mais importância para políticas populistas que elevem o indicador, ainda que elas não sejam sustentáveis, ou alterar a metodologia do indicador de maneira que lhe seja benéfica (um exemplo parecido é o de governos que “maquiam” a taxa de inflação). Assim, a discussão remeteria à chamada “Lei de Goodhart”, que afirma que, quando uma medida passa a ser um objetivo, ela não é mais uma boa medida do que se está avaliando18.

Conclusão

Conforme Frey, caberia aos resultados do estudo da felicidade prover “inputs” ao processo político: “Esses inputs devem ser colocados à prova na competição política e no debate entre os cidadãos, e entre os cidadãos e os políticos.” (pág. 181).

Dessa forma, a visão das pesquisas em felicidade competiria com outras visões, deixando para o processo político a atribuição de tomar a melhor decisão a respeito de quais resultados devem ser incorporados. Com isso, ainda segundo Frey (2008, pág. 182): “O perigo de paternalismo estatal desaparece e os indivíduos recebem a chance de determinar por si como eles escolhem elevar o seu bem-estar”.

Assim, como mostrado no texto, os resultados de muitas pesquisas podem ser úteis ao debate de políticas públicas de várias áreas no Brasil, sem passar por cima de outros argumentos ou de outras políticas públicas que não se liguem à felicidade. Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, por exemplo, a economia ainda é muito importante, mas ele espera que ela “deixe de ocupar o lugar de proeminência que ocupa hoje no debate brasileiro para que a gente possa focar em questões ligadas à cidadania, à realização humana, à felicidade.19” O pensamento de Giannetti em relação ao crescimento econômico seria ilustrativo: expandido para outras áreas estaria sendo consoante com o estado atual da Economia da Felicidade, que reconhece a importância de temas atualmente em debate, mas ressalta áreas para onde a nossa atenção deve migrar.

(Este texto é baseado no trabalho “Economia da Felicidade: Implicações para Políticas”. O estudo integral consta do Texto para Discussão nº 156 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link: http://www.senado.gov.br/estudos)

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1 Ver, entre outros, Gardner e Oswald (2001).

2  LARA RESENDE, A. Além da conjuntura. Valor Econômico, São Paulo, 21 dez. 2012.

3 van Herwaarden et. al (1977) e van Praag e van der Sar (1988).

4 Ver Irwin (1944).

5 Ver, entre outros, Winkelmann e Winkelmann (1998) e Marks e Fleming (1999).

6 KAHNEMAN, D. 2011: What scientific concept would improve everybody’s cognitive toolkit? Edge. Disponível em: http://edge.org/responses/what-scientific-concept-would-improve-everybodys-cognitive-toolkit. Acesso em 21/07/2014

7 Vass (2012)

8 Outros conceitos relacionados apresentados por Kahneman (2011) são os de “negligência com a duração” (duration neglect) e “regra do pico-fim” (peak-end rule), que explicariam o pequeno efeito do consumo pelo relativamente pouco tempo gasto com os bens adquiridos.

9 LARA RESENDE, A. ‘É preciso crescer com qualidade de vida’, diz Lara Resende. [8 de março, 2014]. São Paulo: O Estado de São Paulo. Entrevista concedida a Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-crescer-com-qualidade-de-vida-diz-lara-resende,179169e. Acesso em: 21/07/2014

10 Cabe observar que o conceito macroeconômico de “consumo” não se refere apenas ao consumo de bens materiais, incluindo também o consumo de serviços.

11 Ver Helliwell e Huang (2007) e Frey e Stutzer (2000)

12 O verbo inglês “to commute” se refere não apenas ao trajeto de casa até o trabalho, mas também a um local de estudo. Por simplificação, adota-se aqui o termo “casa-trabalho”.

13 Ver, entre outros, Seligman e Csikszentmihalyi (2000).

14 Bogota’s Urban Happiness Movement [25 de junho, 2007]. Toronto: The Globe and Mail. Entrevista concedida a Charles Montgomery. Disponível em: http://www.theglobeandmail.com/life/bogotas-urban-happiness-movement/article1087786/?page=all . Acesso em: 06/08/2014

15 GILOVICH, T. Glee from Buying Objects Wanes, While Joy of Buying Experiences Keeps Growing. [31 de março, 2010]. Ithaca: Cornell Chronicle. Entrevista concedida a George Lowery. Disponível em: http://www.news.cornell.edu/stories/2010/03/study-shows-experiences-are-better-possessions. Acesso em: 06/08/2014

16 Ver Kahneman (2011), Easterlin (2003), Helliwell et. al (2013).

17 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (2013). Guidelines on measuring subjective well-being. Paris: OCDE.

18 Ver Goodhart (1975).

19 GIANNETTI DA FONSECA, E.  Programa de Marina será cumprido quando conta fiscal permitir. [8 de setembro, 2014]. São Paulo: Valor Econômico. Entrevista concedida a Denise Neumann e Catherine Vieira.

20 Economist Rankings at IDEAS (RePEc): http://ideas.repec.org/top/top.person.all.html. Acesso em junho de 2014.

 

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Qual a quantidade ótima de intervenção judicial nas políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2123&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-quantidade-otima-de-intervencao-judicial-nas-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2123#comments Mon, 10 Feb 2014 11:31:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2123 Quando uma empresa maximiza seu lucro, o ponto ótimo é aquele em que o custo marginal (custo para produzir uma unidade adicional do produto) e a receita marginal (receita obtida com a venda de uma unidade adicional) se igualam. Isso porque, para a empresa, é bom produzir mais bens até o momento em que o benefício desse bem adicional compense o custo de produzi-lo.

Pode-se adaptar esse raciocínio para o Sistema Judicial de forma a se determinar qual será o ponto ótimo de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, considerando o bem-estar da sociedade.

Parte-se do pressuposto de que a intervenção judicial irá agregar bem-estar por meio do incremento de utilidade dos membros da sociedade. Mede-se a intervenção judicial pelo valor das causas concedidas a favor dos litigantes e em detrimento da Administração Pública, no bojo de alguma prestação social a cargo do Estado. O benefício marginal da intervenção é o incremento na utilidade total por consequência do gasto de um Real a mais decorrente de ordem judicial. Por outro lado, o custo marginal da intervenção é a diminuição no bem-estar social por conta do gasto de um Real a mais oriundo de algum mandamento do Judiciário. O gráfico a seguir ilustra a ideia.

Gráfico I – Quantidade socialmente ótima de intervenção judicial

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A reta denominada BM retrata o benefício marginal para a sociedade resultante da intervenção do Judiciário em uma determinada política pública. Note que a linha é decrescente. Isso denota que o incremento no bem-estar social diminui à medida que a intervenção judicial nas políticas públicas aumenta. Tal tendência decorre do princípio da utilidade marginal decrescente. Parece razoável supor que quanto mais recursos o Judiciário determinar que a Administração repasse aos cidadãos, menor será o bem-estar adicional promovido pelo repasse.

Para facilitar o entendimento, pode-se exemplificar o benefício marginal da intervenção judicial decrescente da seguinte maneira: imagine um hospital público que possui uma unidade de tratamento intensivo (UTI) com uma quantidade determinada de leitos disponíveis. Se a capacidade da UTI está ociosa e uma decisão judicial determina a internação de um cidadão, o benefício marginal da atuação judicial é elevado, pois o benefício para esse cidadão é grande e não há prejuízo para os pacientes que já estavam lá. No entanto, se a UTI está lotada e um juiz determina a internação de mais um cidadão, o bem-estar social será acrescido pelo benefício que esse último internado receberá individualmente, mas cairá pelo efeito negativo que promoverá sobre os demais pacientes que já estavam lá (falta de equipamentos para todos, falta de médicos e enfermeiros em quantidade suficiente para atender o excesso da lotação na UTI, etc.). Se as ordens de internação continuarem a ocorrer muito além da capacidade de atendimento da UTI, o benefício marginal da intervenção judicial pode até ser negativo, pois além da falta de equipamentos e pessoal, há riscos de contaminação, de infecção hospitalar e mesmo de morte de pacientes, uma vez que o sistema de saúde não comportava toda aquela demanda.

Outro exemplo que ilustra o benefício marginal decrescente da intervenção judicial pode ser dado na área de educação. É comum haver decisões judiciais em que uma escola pública é obrigada a matricular um aluno, mesmo não havendo mais vagas. Nesse caso, o benefício marginal dessa decisão do juiz será pequeno, podendo até ser negativo, pois trará um ganho para o aluno extra que foi atendido, mas prejudicará todos os demais que já estavam na escola (a sala ficará mais apertada, o professor não conseguirá dar a atenção devida a todos, etc.).

Discutido o benefício da atuação do Judiciário, há que se tratar dos custos. A reta designada por CM no Gráfico I representa o custo marginal da intervenção judicial. No caso dessa reta, ela apresenta um comportamento ascendente. Isso acontece porque, nas primeiras intervenções, é fácil para o Poder Executivo atendê-las, necessitando pouca mobilização da Administração Pública. No entanto, à medida que cresce a quantidade de intervenção, o custo social aumenta, pois exige mais logística da Administração Pública, bem como maior alocação orçamentária para atender às demandas judiciais, restando menos recursos para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam à sociedade de forma generalizada.

Tal situação é assim revelada por conta de o ordenamento jurídico estabelecer um caráter prestacional aos direitos sociais, mas não prever uma harmonização entre esses direitos e os recursos disponíveis para a concretização das políticas públicas.

Um exemplo desse fato encontra-se na discussão dos subsídios dados para manter baixo o preço das passagens do transporte público nas cidades brasileiras. Quanto mais subsídios, mais custos para a administração pública e para a sociedade, pois o recurso terá que ser tirado de outra parte do orçamento ou terá que haver aumento da arrecadação tributária, causando desvios alocativos e mais custos aos contribuintes.

No encontro da reta do benefício marginal com o  custo marginal, há o ponto ótimo que ilustra o valor ideal de interferência do Poder Judiciários nas políticas públicas. No Gráfico I, este ponto está reprentado por I*.

Até atingir o valor I*, é recomendável que o Poder Judiciário intervenha, pois há uma redução da ineficiência social. No entanto, qualquer intervenção além de I* irá trazer menos benefícios sociais do que o custo associado para executá-la e, portanto, o Judiciário está piorando a alocação de recursos.

Na prática não é simples mensurar esses custos e benefícios. Todavia, os magistrados devem ter em mente que suas decisões implicam não apenas benefícios para os reclamantes, mas também custos para a sociedade.  Nesse sentido, cabe mencionar o dilema entre eficiência e legalidade, já discutido em outro  texto neste site (“As leis podem atrapalhar a eficiência?” )

Tanto o Poder Judiciário quanto o Tribunal de Contas da União já acenam para a possibilidade de afastamento pontual de escolhas normativas que se reputem ineficientes, desde que, harmonizado com o interesse público, sejam asseguradas (i) a inocorrência de prejuízo ao erário; (ii) a boa-fé e a probidade dos agentes envolvidos; (iii) a ausência de violação ao núcleo essencial dos demais direitos e garantias fundamentais (a título de exemplo, o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo, a isonomia, etc); e (iv) a obtenção de resultado prático com preponderância considerável de benefícios sobre os custos, tanto para a Administração, como para os administrados.

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