política industrial – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 13 Nov 2017 14:53:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Vamos continuar a brincar de avestruz? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3094&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=vamos-continuar-a-brincar-de-avestruz https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3094#comments Mon, 13 Nov 2017 14:30:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3094 Políticas de proteção setorial são ótimas quando funcionam. Existem muitos exemplos bem-sucedidos de estímulos para o desenvolvimento de atividades produtivas por meio da concessão de subsídios ou do investimento em desenvolvimento de novas tecnologias.

No caso da Noruega, por exemplo, depois da descoberta de petróleo no país o governo criou uma universidade para formar técnicos, constituiu uma empresa estatal e desenvolveu uma sofisticada governança pública, incluindo uma agência reguladora que estimulou a concorrência e a gestão eficiente da produção. Além disso, foi criado um fundo soberano para garantir renda para a população quando os recursos do petróleo se tornem escassos.

Outros países, como a Coreia, investiram significativamente na educação da sua população e, posteriormente, apoiaram o desenvolvimento de alguns setores de exportação com metas de desempenho e prazo para o término das medidas de proteção.

Existem casos de sucesso também no Brasil. Os grandes investimentos públicos e privados em pesquisa na agricultura nos anos 1970, diversas medidas de estímulo, como crédito subsidiado, e empreendedores que corriam o risco do negócio resultaram no notável crescimento da produtividade nas últimas quatro décadas, e na expansão da oferta e das exportações, além da queda dos preços dos alimentos, para benefício da sociedade.

O problema das políticas setoriais ocorre quando fracassam. O resultado é o desperdício dos escassos recursos produtivos, capital, trabalho e infraestrutura, em atividades em que persistem em ser menos produtivas do que nos demais países. Ao invés de fazer mais o que fazemos bem, condenamo-nos a fazer em demasia aquilo que fracassamos em ser competitivos. A consequência é um país mais pobre do que podia ser.

O custo social do fracasso é ainda maior. Os recursos da sociedade que poderiam estar sendo utilizados em outras atividades não são de fácil mobilidade. O capital, escasso e caro em um país como Brasil, assume a forma de fábricas e infraestrutura que não podem ser imediatamente realocados. O mesmo ocorre com o emprego. O país se descobre refém das políticas equivocadas. Preservar os empregos no curto prazo requer pagar mais caro do que o necessário pelos bens produzidos ou manter subsídios às custas de outras políticas públicas. O fracasso custa caro e é difícil revertê-lo.

Esse tem sido o caso da indústria automobilística nos últimos anos.

Desde o fim dos anos 2000, o setor tem tido dificuldade em competir com a produção de outros países, como China e Coreia, nos automóveis de massa, e alguns europeus, no caso de carros de luxo. Em reação a essas dificuldades, o governo brasileiro criou o programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto), que introduziu uma alíquota adicional de 30% sobre os carros importados desde que o seu produtor não tivesse uma fábrica já instalada no Brasil.

Deve-se ressaltar que o Brasil faz parte da Organização Mundial do Comércio (OMC) que limita as tarifas de importação e tem um conjunto de regras a ser obedecido pelos países signatários. A alíquota máxima de importação deve ser de 35%, o que já é o caso dos automóveis, e há restrição contra o tratamento preferencial para a produção nacional. Com o Inovar-Auto, a alíquota para os importados de produtores que não tinham fábrica no Brasil passou para 65%. A política fere claramente a regra de não discriminação dos importados. Não surpreendente que o Brasil tenha sido condenado pela OMC.

A OMC prevê algumas exceções às suas regras, e o governo brasileiro procurou revestir o Inovar-Auto de alguns propósitos para escapar da norma. Não convenceram.

O fracasso do Inovar-Auto não se resume ao desrespeito aos acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte e aos carros mais caros para a sociedade.  Segundo estudo recente do Banco Mundial1, o Inovar-Auto também fracassou em estimular a pesquisa e desenvolvimento no setor que, oficialmente, seria o seu principal objetivo.

Muitos produtores se viram compelidos a produzir por aqui, mesmo que as suas fábricas fossem improdutivas. Afinal, a eficiência das fábricas de carros depende da escala da produção, em geral bem mais de 100 mil unidades por ano. O mercado brasileiro para diversos modelos, porém, é reduzido e o resultado foi a proliferação de pequenas fábricas para produzir poucos milhares de automóveis. Esse era o preço a pagar para evitar a alíquota adicional de importação.

Em 2013, antes do agravamento da crise econômica, somente Fiat, Ford, GM e VW produziram mais do que 300 mil veículos por planta. No bloco seguinte, tivemos a Renault com 141 mil, Honda com 135 mil e Toyota com 130 mil. Na sequência, Peugeot&Citroen com 72 mil, Mitsubishi&Suzuki com 43 mil e CAOA (Hyundai) com 35 mil. Evidentemente, com a crise, a produção reduziu-se ainda mais, caindo de 3,5 milhões em 2013 para 2,1 milhões em 2016.

O Inovar-Auto estimulou a expansão da oferta local para atender o consumo doméstico. As preferências dos consumidores, porém, requerem uma diversidade incompatível com a escala eficiente de produção, o que resulta na profusão de plantas pequenas e improdutivas, cuja consequência são automóveis mais caros do que o necessário e o desperdício de capital e trabalho que poderiam ser mais bem alocados em outras atividades.

O programa estimulou a instalação de inúmeras montadoras que produzem para o segmento de carros de luxo, com plantas que produzem pouquíssimas unidades. Em 2016, por exemplo, a BMW produziu 8690 unidades; a Mercedes, 3080; e a Jaguar, 753. Por qualquer critério, produzimos em um número excessivo de modelos em demasiadas fábricas. Temos, atualmente, 22 montadoras de veículos produzindo no Brasil. Embora o mercado interno seja grande, ele oferece escala para apenas 6 ou 7 montadoras. A política de atração de diferentes marcas para produzir no país resultou em empresas produzindo em uma escala abaixo da ideal, aumentando o custo unitário dos produtos. Para continuarem lucrativas, elas dependem de benefícios fiscais e subsídios. O resultado, além da condenação pela OMC, são carros mais caros para a população, além do desperdício de capital e trabalho que seriam mais produtivos em outras atividades.

O Inovar-Auto não atacou o problema estrutural da indústria que é a falta de competitividade. A entrada de montadoras chinesas, que atuam no segmento de carros mais simples, no qual a indústria nacional é mais forte, resultou em um ajuste ainda mais severo na produção do que seria necessário. Afinal, como consequência do programa passaram a existir mais produtores locais que podem apenas vender para o mercado doméstico, dada a pouca produtividade da nossa indústria. O resultado foi a imensa capacidade ociosa dos últimos anos. Caso os carros desses novos produtores ainda fossem produzidos no exterior, o ajuste poderia ter ocorrido com a queda da importação. A regra que induziu produção local resultou apenas, porém, em fábricas e trabalhadores ociosos.

O Inovar-Auto não promoveu nenhum ajuste. A indústria simplesmente se beneficiou de uma anestesia de seis anos – de 2012 até 2017 – sem enfrentar as suas dificuldades. De quebra, estimulou a instalação de fábricas que mal produzem 10 mil unidades ao ano. Tática de avestruz, que enfia a cabeça no buraco para não enfrentar o problema.

O tamanho do buraco foi o imenso custo de oportunidade do programa. Nosso escasso capital foi alocado a fábricas que ficaram com cerca de 50% de capacidade ociosa na crise, ao invés de terem sido utilizados em outras atividades, como infraestrutura, que poderiam ter sido expandidas para benefício do restante da sociedade. Não temos apenas carros mais caros, em meio a fábricas a meia capacidade e a trabalhadores demitidos. Temos menos estradas e portos que poderiam ter sido construídos com esses mesmos recursos.

Esse problema deve se agravar nos próximos anos. Inúmeras economias na Ásia além da China têm apresentado crescimento elevado – casos da Índia, Mianmar, Camboja, Filipinas, Indonésia e Vietnam. Segundo o FMI, esses países deverão crescer entre 2017 e 2022 ao redor de 6,5% ao ano. Amanhã teremos a competição, digamos, das montadoras indianas, e teremos que aumentar ainda mais as alíquotas de importação.

Existem, essencialmente, dois modelos de produção de automóveis. Há os países que sediam as grandes montadoras mundiais – EUA, Alemanha, Japão, França e Coreia do Sul – que, além das plantas de montagem, mantem as atividades mais nobres, como pesquisa e inovação. Ressalte-se que, desde o pós-guerra, a Coreia é o único caso de ingresso nesse seleto clube.

O segundo modelo de inserção é estimular o desenvolvimento de setores da indústria em que o país tem vantagens competitivas, sendo o restante da produção importado de outros países. Essa tem sido a opção da Malásia, da Turquia e da Tailândia, entre outros países. O México, por exemplo, produziu, em 2015, pouco menos de 3,5 milhões de unidades, sendo 2 milhões de veículos de passageiros e 1,4 milhão de veículos comerciais leves. Quase metade da sua produção de veículos de passageiro foi destinada ao mercado externo, principalmente a outros países, como EUA e Canadá. Adicionalmente o México tem 12 acordos bilaterais e alguns acordos de comércio preferencial.

Foi noticiado na imprensa que o governo prepara o programa Rota 2030 em substituição ao programa Inovar-auto. Esse programa deveria, diferentemente do Inovar-Auto, atacar os problemas de competitividade que afligem a indústria e tentar aumentar a especialização do Brasil em alguns tipos de veículos e componentes em meio a abertura da economia para que passemos a integrar as Cadeias Globais de Valor (CGV), como ocorre no caso do México. Essa também foi a opção que viabilizou a Embraer no Brasil.

Desistir da estratégia do avestruz poderá reduzir a produção local de automóveis, melhor do que insistir na velha política de proteção que fracassou sistematicamente nas últimas décadas na esperança que, desta vez, será diferente. Essa foi a escolha da Austrália, cujo resultado, entretanto, foi a sua desindustrialização. Deve ser possível manter uma produção doméstica expressiva em função da distância que temos dos maiores centros produtores, caso distinto da Austrália que fica próxima à Coreia e ao Japão, e com mercado interno bem menor do que o do Brasil.

Outra opção seria tentarmos o desenvolvimento completo de uma indústria de capital nacional, um caminho que foi adotado pela Coreia e pelo Japão, bem antes das CGV. Em ambos os casos, essa opção, adotada em tempos muito diferentes, necessitou de muito esforço e de uma eficiente coordenação do setor público, com metas objetivas de desempenho, penalidades em caso de fracasso, além de, principalmente, muita poupança e educação básica de qualidade.

Nunca perseguimos esse caminho. Não sabemos se após 60 anos seria o momento de tentarmos. A China, por exemplo, tenta desenvolver as suas montadoras. Em que pese as elevadíssimas taxas de poupança, qualidade do sistema educacional e a coordenação do setor público, o seu resultado não tem sido muito animador. Até o momento 2/3 das exportações chinesas de manufaturados deve-se a empresas de capital externo. A montadora Chery procura-se integrar-se com as CGV – como no caso da Embraer.2

Tendo em vista os nossos fracassos – indústria naval, construção de plataformas e fábricas de microprocessadores – não se recomenda insistirmos em um caminho que sistematicamente não tem funcionado. Somente com a indústria naval foram três insucessos nos últimos 60 anos: nos 50, com JK; década de 70, com os militares; e, recentemente, com Lula e Dilma.

Não parece que temos as condições necessárias ao modelo asiático de desenvolvimento. Afinal, não conseguimos prover a educação básica para a maioria da sociedade e temos uma baixa taxa de poupança. Adicionalmente o Estado brasileiro não tem apresentado as características necessárias para o sofisticado papel coordenador de programas dessa natureza: conseguir avaliar o desempenho das políticas; estabelecer prazos e metas; e, principalmente, ser capaz de descontinuar as políticas que não tem funcionado. Por outro lado, o que muitos defendem como políticas de construção das vantagens comparativas dinâmicas pode resultar apenas na distribuição de benefícios a grupos de interesse.3

Não há nenhuma evidência que o desenvolvimento de Japão e Coreia seja o único caminho possível. Certamente a economia americana percorreu um caminho mais liberal4, o mesmo ocorrendo com o Chile, Canadá, Nova Zelândia, Portugal e Espanha.

Adicionalmente não é verdade que o desenvolvimento de São Paulo se deveu à instalação da indústria automobilística. Pelo contrário. São Paulo já era a economia mais rica e o maior mercado consumidor bem antes dos anos 1950. Além disso, a evidência indica que os municípios de São Paulo que receberam imigrantes com maior escolaridade no começo do século XX, independente da sua especialização produtiva, ainda hoje apresentam maior renda por habitante.5 A educação e as condições locais resultaram em maior desenvolvimento econômico que, em alguns casos, resultou em industrialização; em outros, não.

O programa Rota 2030 não deve ser mais uma tentativa de editar uma versão recauchutada do Inovar-Auto, uma nova tentativa de avestruz em reação às vedações da OMC. O pouco que se conhece do Programa, porém, indicar que ele repete os velhos erros, além de criar novos problemas. Continua a haver discriminação de importados na competição com os nacionais, além de aumentar os custos de conformidade para o pagamento de impostos e os custos de fiscalização, dada a criatividade tributária do Rota 2030.

Há um injustificável benefício para o segmento de veículos de luxo, a título de estimular a inovação, mas que parece apenas subsidiar um segmento que trabalha com custos baixos ao produzir em escala reduzida. São concedidos benefícios tributários para fins de maior eficiência energética e maior segurança veicular. As mesmas metas poderiam ser obtidas mediante regulação que obrigasse padrões mínimos de consumo e segurança, sem a necessidade de renúncia fiscal.

Restam muitas dúvidas: por que se faz necessária uma política que força o contribuinte nacional a transferir renda para a indústria automobilística? Quais os seus custos e os seus benefícios? Quantos gastos sociais são sacrificados com a renúncia fiscal decorrente do incentivo à indústria automobilística? Por que esse setor e não outros?

Corrigir os equívocos do Inovar-Auto não será fácil. Teremos que viabilizar uma transição que reduza os custos do ajuste de trabalhadores e de empresas que investiram em um país que cavou o seu próprio buraco. Podemos insistir na estratégia do avestruz. Alternativamente, podemos começar a enfrentar os nossos difíceis problemas para que, finalmente, a indústria possa caminhar com as suas próprias pernas.

 

Versão resumida deste texto foi publicada no jornal Folha de São Paulo, edição de 10 de novembro de 2017.

 

REFERÊNCIAS

Carvalho Filho, Irineu de e Renato P. Colistete 2010. “Education Performance: Was It All Determined 100 Years ago? Evidence from São Paulo, Brazil”, https://mpra.ub.uni-muenchen.de/24494/.

Justin Lin and Ha-Joon Chang 2009. “Should Industrial Policy in Developing Countries, Conform to Comparative Advantage or Defy it? A Debate Between Justin Lin and Ha-Joon Chang”, Development Policy Review, 27 (5): 483-502.

Mehri, Darius Bozorg 2015. “The role of engineering consultancies as network-centred actors to develop indigenous, technical capacity: the case of Iran’s automotive industry”, Socio-Economic Review, 13(4): 747-769.

Sturgeon, T.; Leonardo Lima Chagas e Justin Barnes 2017. “Rota 2030: Updating Brazil’s Automotive Industrial Policy to Meet the Challenges of Global Value Chains and the New Digital Economy”, https://ipc.mit.edu/sites/default/files/documents/Brazil%20in%20Automotive%20Global%20Value%20Chains%204%20October%202017-final.pdf.

Whittaker, D. Hugh, Tianbiao Zhu, Timothy Sturgeon, Mon Han Tsai e Toshie Okita 2010. “Compressed Development”, Studies in Comparative International Development, 45(4): 439–467.

Wright, Gavin, 1990. “The Origin of American Industrial Success,” American Economic Review, 80(4): 651-668.

_______________

1 Ver Sturgeon e colaboradores (2017).

2 Ver Whittaker e colaboradores (2010) página 451-3, e Bozorg Mehri (2015) para a curiosa tentativa de desenvolvimento da indústria automobilística no Irâ..

3 Justin Lin no texto em que trava produtivo de bate com Ha-Joon Chang [Justin Lin e Ha-Joon Chang, (2009)] argumenta que a vantagem comparativa estática de um país pode ser alterada profundamente em caso de rápida acumulação de capital humano e elevada poupança. Uma política industrial, nesse caso, pode auxiliar a economia a encontrar a sua nova vantagem comparativa.

4 Gavin Wright (1992).

5 Carvalho Filho e Colistete (2010).

 

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O que é o Plano Brasil Maior? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2029&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-o-plano-brasil-maior Wed, 23 Oct 2013 12:11:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2029 I) Introdução

O governo atual já adotou três políticas industriais. O Plano Brasil Maior (PBM) do início do governo Dilma sucedeu a Política de Desenvolvimento Produtivo (a PDP), de 2008, e a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004.

O objetivo deste artigo é fazer uma radiografia dos tipos de medidas do PBM.

II) Objetivos e Diretrizes do Plano Brasil Maior

O PBM está organizado de acordo com cinco “Diretrizes Estruturantes”(DEs).

1)    Fortalecimento das cadeias produtivas com “enfrentamento” do processo de substituição da produção nacional em setores industriais intensamente atingidos pela concorrência das importações.

2)    Ampliação e Criação de Novas Competências Tecnológicas.

3)    Desenvolvimento das Cadeias de Suprimento em Energias.

4)    Diversificação das Exportações e Internacionalização Corporativa.

5)    Promoção de produtos manufaturados de tecnologias intermediárias com consolidação de competências na economia do conhecimento natural.

A Diretriz Estruturante 1 (DE 1) indica uma postura mais reativa à concorrência de importados. As DEs “2” e “4” são as mais associadas a uma política industrial centrada na inovação, o que é considerado uma intervenção mais adequada. A DE 3 diz respeito às questões energéticas/ambientais, não sendo exatamente uma política industrial. A DE 5 é a mais confusa, pois é uma “consolidação de competência na economia do conhecimento natural”, com o objetivo de “ampliar o conteúdo científico e tecnológico dos setores intensivos em recursos naturais”.

Sugere-se que se aplicará ciência e tecnologia às áreas mais extrativas ou agrícolas. No entanto, os exemplos principais de setores citados são comércio e serviços, o que deixa dúvida sobre o seu real propósito.

O PBM também apresenta uma “dimensão sistêmica”, “de natureza horizontal e transversal”. Isto quer dizer medidas cujos benefícios valem para todos ou grande parte dos setores. Esta dimensão sistêmica orientaria ações para “reduzir custos, acelerar o aumento da produtividade e promover bases mínimas de isonomia para as empresas brasileiras em relação a seus concorrentes internacionais”. Aqui se misturam elementos de incremento da eficiência com uma linguagem que pode sugerir simplesmente mais protecionismo.

A “dimensão sistêmica”, por sua vez, estaria conectada à questão da inovação ao buscar “consolidar o sistema nacional de inovação por meio da ampliação das competências científicas e tecnológicas e sua inserção nas empresas”.

A conexão destas dimensões com cada medida concreta do PBM não é muito clara. Menos evidente ainda é como este conjunto de medidas respeita as DEs e se articula entre si de forma a compor esta última dimensão sistêmica. Ou seja, não se vislumbra no PBM um plano integrado de política industrial.

III) PBM Setorial

O PBM Setorial, assim como as medidas anteriores de política industrial, constitui um plano com ênfase em medidas setoriais, o que lhe dá um perfil de uma política industrial clássica. Foram “eleitos” dezenove setores a receber estímulos especiais. São um total de 287 medidas distribuídas conforme o quadro abaixo.

Quadro I – Distribuição do Quantitativo de Medidas segundo os Setores do PBM

Quase ¼ das medidas do PBM são direcionadas à agroindústria. Este foco justamente no setor com reconhecido sucesso exportador pode indicar que o PBM é mais “seguidor” do que “definidor” dos setores economicamente mais competitivos. Em seguida vêm os setores automotivo (10% das medidas) com 29 medidas, e o complexo da saúde (também 10%). Merece destaque também a ênfase no setor de defesa, aeronáutica e espacial, com 9,76% das medidas (28), muito na esteira do bom desempenho do cluster de São José dos Campos com proeminência da Embraer. Por fim, bens de capital com 8,36% das medidas (24) e o setor de tecnologia da informação e complexo eletrônico (TICs) com 8,01% (23) têm papel destacado, em linha com as políticas industriais clássicas.

O PBM, tal como a PDP, vai além de uma política industrial strictu sensu, abarcando comércio atacadista e varejista e serviços. No complexo da saúde, por exemplo, há medidas que dizem respeito ao serviço e não à atividade manufatureira. Os itens 15,17,18 e 19 da tabela acima não pertencem à indústria.

Naturalmente, a quantidade de medidas constitui indicador imperfeito da avaliação da ênfase do PBM, até porque não mede cifras envolvidas de investimento/gasto público ou renúncia fiscal. No entanto, estes números não parecem destoar do que se ouve do discurso oficial sobre a importância relativa dos setores.

IV) Os Tipos de “Medidas” do PBM

As medidas do PBM, em grande parte, integram a agenda natural do respectivo órgão responsável. Isso quer dizer que é possível que boa parte das medidas não tenha sido construída de cima para baixo, como sugere o governo, mas de baixo para cima. As “Diretrizes” do PBM, portanto, seriam mais uma consequência da agenda de trabalho existente dentro de cada ministério do que um farol da atual política industrial brasileira.

Classificamos dois tipos de “medidas” do PBM. Uma parte delas é, na verdade, declaração de intenções,  “objetivos” ou simples “agendas de trabalho” para se fazer algo. Por exemplo, no caso de serviços, há a medida que na verdade é um objetivo muito vago de “implementar projetos direcionados ao setor de serviços”. No caso de “bens de capital’ também há a “medida” de “identificar oportunidades nos segmentos que compõem a cadeia produtiva dos bens de capital”, que naturalmente é mais uma agenda de trabalho. A medida concreta pode decorrer deste trabalho de identificação, mas não se pode confundir com a própria medida.

Há inclusive a programação de estudos ou simplesmente organização de simpósios e seminários. Por exemplo, no caso do setor “serviços” há a “medida” de “elaborar atlas de serviços” e “realizar o II Simpósio de Políticas Públicas para Comércio e Serviços”. As mesmas se repetem para o setor “comércio”, sendo o Simpósio, inclusive, o mesmo (Comércio e Serviços).

Desta forma, separamos o que consideramos como “medidas” do que seriam objetivos, intenções ou agendas, definidos como “não-medidas”.

Quadro II – Medidas e Não Medidas do PBM

Das 287 “medidas” do PBM, 69 ou 24,04% seriam objetivos, estudos ou agendas. Em alguns setores, chega-se a ter mais “não-medidas” do que “medidas” como são os casos do comércio (60%) e serviços logísticos (57,14%). Na indústria de mineração (50%) e no complexo da saúde (48,28%) também há um percentual significativo de “não medidas”. Setores com intervenção mais objetiva por não se verificarem “não medidas” seriam papel e celulose, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos e construção civil.

V) Novidades, Extensões e Ampliações nas Medidas do PBM

Nem todas as medidas são realmente novas. Há aquelas que apenas estendem para outros setores, regimes especiais ou benefícios que já existem ou simplesmente ampliam ou mantêm o que já existe no próprio setor. Assim, fizemos uma divisão das medidas em “novos”, “extensões” e “manutenção/ampliação”, gerando o quadro III.

Quadro III – Novidades, Extensões e Ampliações do PBM

Cumpre esclarecer que tudo que não se explicita constituir extensão ou ampliação, foi considerado como “novo”. Implementações de programas que já existem, regulamentações de leis ou decretos também pré-existentes, são todos considerados “novos”. Assim, uma definição mais restritiva do que se considera “novo” pode reduzir bastante o número de novidades.

São 60 medidas (21,51%) que correspondem a extensões para outros setores (8,96%) ou manutenções/ampliações do que já existe (12,54%). Papel e celulose é o setor com mais manutenções/ampliações do que já existe, e petróleo, gás e naval é o que tem percentualmente mais extensões (60%). As novidades, de qualquer forma, compreendem quase 80% do programa.

VI) Medidas com Viés Protecionista

Das 287 medidas setoriais do PBM, 40 (13,93% do total de medidas) contém viés protecionista. O setor de tecnologia da informação (TIC) é o que mais contém medidas protecionistas alcançando 22,5% do total deste tipo (9). Seguem os setores automotivo (8) e bens de capital (8) com 20% das medidas protecionistas cada, seguidos de defesa, aeronáutica, espacial (6) com 15% do total.

Quadro IV Quantitativo de Medidas com Viés Protecionista do PBM

VII) As Medidas de Fomento

O PBM inclui medidas de desoneração tributária e de crédito subsidiado, além do que chamamos de provisão de bens coletivos para um determinado setor como, por exemplo, a implantação de centro de treinamento e qualificação profissional em equipamentos médidos e hospitalares e produtos farmacêuticos. Sua distribuição setorial no PBM é apresentada abaixo.

Quadro V – Medidas do PBM de Desoneração Tributária, Crédito Subsidiado ou Provisão de Bens Coletivos

A grande parte das desonerações (pouco mais de ¼ com 12 medidas) do PBM está na agroindústria, seguida do setor automotivo (19,15% com 9 medidas) e TICs (17,02% com 8 medidas). No caso de crédito subsidiado, o setor com mais medidas é o de “energias renováveis” que representa 15,63% do total. O setor com maior percentual de medidas de provisão de bens coletivos, cujos efeitos tendem a ser apropriados de forma menos particularizada, é a agroindústria, que representa quase metade (48,05%) do total deste tipo de medida.

Uma grande parte das medidas do PBM está diretamente associada à inovação, investimento, produção, exportação ou emprego. Para efeito do esforço de classificação, colocamos o item “produção” de forma residual, ou seja, toda medida de fomento que não for para apoiar inovação, investimento, exportação e emprego/qualificação.

Quadro VI – Variável Fomentada no PBM

Dessas medidas de fomento, pouco mais de 1/3 (34,59% ou 55 medidas) são direcionadas às inovações, 15,09% para investimentos (24), 20,13% (32) para produção, 23,27% (37) para exportações e 6,92% para emprego e qualificação de mão de obra. Ou seja, há, de fato, alguma ênfase em inovação no PBM, mas que está longe de ser absoluta, pois restam 2/3 de medidas com outros objetivos de fomento.

Nos setores fomentados, em geral, não se constata um foco em uma única variável fomentada. Por exemplo, em petróleo, gás e naval são 20% das medidas para inovação, 20% para investimento, 40% para produção e 20% para exportação. No complexo da saúde há uma maior concentração de medidas (50%) destinadas à inovação, mas há também quase 30% em produção. Nos TICs há proeminência em inovação (50%) como esperado, secundado por medidas em favor do investimento (1/3). Não havendo um foco, torna-se mais difícil definir qual o objetivo principal da política industrial nestes setores. O objetivo genérico parece ser simplesmente o “crescimento” e “desenvolvimento” dos setores contemplados.

De outro lado, em energias renováveis em que se esperava mais inovação, não há nenhuma medida para tal objetivo, sendo metade em investimento e metade em exportações. Será mais relevante exportar do que inovar neste setor?

Curiosamente, todas as medidas de fomento na construção civil são na área de inovação. A maior parte das medidas de inovação vão para a agroindústria (15). Depois da construção civil, o setor com maior percentual de medidas de fomento baseados em inovação é o de defesa, aeronáutico, espacial seguido de, também curiosamente, couro, calçados, têxtil, confecções, gemas e joias e móveis.

VIII) Conclusões

As principais críticas ao PBM são comuns às duas políticas predecessoras. Não há exigência de contrapartida e nem desempenho dos beneficiários, com ausência de qualquer sinalização de que as vantagens serão removidas no caso de uma má performance. Na verdade, não está claro quais variáveis são relevantes em cada setor para o PBM dado, no mais das vezes, haver mais de uma variável sendo fomentada. É possível que o objetivo seja simplesmente “fazer crescer” o setor.

Há pelo menos ¼ das medidas que classificamos como “não medidas” por serem mais objetivos e estudos do que ações concretas. A grande maioria das medidas (80%) são “novas”. Outros critérios mais restritivos de “novidade” podem, no entanto, diminuir este percentual.

Quase 14% das medidas do PBM apresentam viés protecionista. Canedo-Pinheiro (2013) e Almeida (2013) realçam que um dos principais fatores explicativos para o fracasso das politicas industriais brasileiras anteriores teria sido a ênfase em proteção excessiva por tempo indeterminado. Menezes Filho e Kannebley Junior (2013) mostram que a produtividade total dos fatores no país aumentou em período de relativa abertura econômica (1990/97) e declinou no período de fechamento (1985/90). Assim, o conjunto de medidas protecionistas pode acabar tendo um efeito oposto ao esperado sobre o crescimento econômico.

A crítica fundamental parece ser o fato de que o PBM se baseia apenas em incentivos positivos (a cenoura), mas não em negativos (o chicote), originando uma estrutura assimétrica. A criança ganha o doce quando se comporta bem, mas não deixa de jogar vídeo game quando se comporta mal. Pior, a conexão dos incentivos positivos com a performance é fraca. Se a criança ganha sempre o doce, independente de seu comportamento, por que não prosseguir na malcriação?

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Referências

Almeida, M.: “Padroes de Politica Industrial: a velha, a nova e a brasileira”. In “ O Futuro da Industria no Brasil”. Eds. Bacha, E. e Bolle, M. B. Civilizacao Brasileira. Rio de Janeiro. Brasil. 2013.

Canedo-Pinheiro, M.: “Experiencias Comparadas de Politica Industrial no pos-guerra: licoes para o Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Menezes Filho e Kannebley Junior, S. : “Abertura comercial, exportacoes e inovacoes no Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Plano Brasil Maior: www.brasilmaior.mdic.gov.br

Politica de Desenvolvimento Produtivo: http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/sitio/inicial

Politica Industrial, de Comercio Exterior e Tecnologica: http://investimentos.mdic.gov.br/public/arquivo/arq1272980896.pdf

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Quais as origens da desaceleração da indústria brasileira? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1966&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quais-as-origens-da-desaceleracao-da-industria-brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1966#comments Mon, 26 Aug 2013 13:02:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1966 Desde o governo Lula foram lançadas três políticas industriais de grande relevância com objetivo central de alterar a dinâmica microeconômica entre os setores produtivos, de maneira a alcançar em seguida resultados no agregado da economia. Essas políticas industriais foram um importante instrumento de estímulo ao setor principalmente no que se refere ao desenvolvimento tecnológico e preparação do ambiente institucional. Entretanto, mesmo com várias medidas adotadas, nota-se no Brasil uma crescente desaceleração da indústria, a qual é frequentemente julgada maléfica à economia como um todo. As razões e os pontos que estrangulam a indústria são diversos e variam de acordo com o marco teórico adotado. O texto a seguir procura fazer uma análise crítica das políticas implantadas focando nos principais pontos de estrangulamento que não foram e não têm sido atacados pelo Governo.

A relevância da indústria para o crescimento econômico é amplamente reconhecida pelas mais diversas correntes da teoria econômica. Uma linha de raciocínio neste sentido seria o fato de o setor secundário ter um efeito positivo sobre todo o conjunto da economia, uma vez que permite dinamizar o sistema de produção através de encadeamentos produtivos forward e backward, potencializando efeitos multiplicadores em toda a produção da economia. Ainda, ressalta-se que este efeito de encadeamento não é observado com a mesma intensidade nos setores primário e terciário.

Também no contexto da relevância do setor secundário para o crescimento, a produção da indústria pode ser convertida em ganhos de produtividade superiores aos dos demais setores que se traduzem em aumentos da renda real. Neste sentido, a combinação entre os efeitos de encadeamento e a produtividade crescente no setor gera um ambiente propício para a difusão tecnológica e a inovação. Ou seja, a produtividade da indústria é uma função crescente da própria produção industrial. O resultado é um efeito cíclico em que o aumento do aprendizado e a inovação se traduzem em aumentos de produtividade que, por sua vez, em um efeito derrama, alcançam os demais setores da economia.

Há também de se reconhecer que o processo de inovação é a principal maneira pela qual um país ganha espaço no comércio internacional.

Se assumirmos que a indústria tem um papel crucial para o crescimento da economia, é motivo de preocupação a recente desindustrialização vivenciada pelos mais diversos países, em especial pelo Brasil.

Por um lado, a perda relativa da produção e do emprego industriais não constitui por si só um problema, dado que o processo de crescimento econômico naturalmente levaria todas as economias a convergir neste aspecto. Efetivamente, os EUA, Canadá e os países da Europa ocidental passaram e têm passado por um processo de perda relativa do setor sem que isso a princípio fosse encarado como um retrocesso. Por outro lado, em alguns casos esta desindustrialização pode representar um problema, principalmente quando referente aos países em desenvolvimento. Alguns teóricos diferenciam, então, a desindustrialização positiva da negativa utilizando como referência a balança comercial. Economias em que além do aumento de bens primários na pauta exportadora experimentam uma redução da participação de produtos com maior conteúdo tecnológico e de maior valor agregado, estariam passando por uma desindustrialização maléfica a economia.

Surgem destas considerações a necessidade e a grande relevância de se promover a indústria através de políticas industriais em países que possuem uma diminuição do valor agregado de suas exportações, como no caso brasileiro. Assim, com objetivo central de alterar a dinâmica microeconômica entre os setores produtivos de maneira a alcançar em seguida resultados no agregado da economia; as políticas industriais têm sido um importante instrumento de estímulo ao setor e, consequentemente, ao crescimento econômico.

No Brasil, as políticas industriais foram tradicionalmente direcionadas para a substituição de bens manufaturados, processo conhecido como Industrialização por Substituição de Importação (ISI). Já no segundo Governo Vargas instituiu-se modelo de proteção no qual se determinavam taxas de câmbio valorizadas para importação de bens de capitais e outros utilizados na produção industrial, concomitantemente, se determinava taxas desvalorizadas para importação de bens produzidos internamente. A Lei do Similar Nacional do período JK é outro exemplo bem ilustrativo de política de ISI na qual foi proibida a importação de bens que pudessem ser produzidos nacionalmente. O Governo Militar aprofundou esse modelo, protegendo um conjunto mais amplo de setores, desde a petroquímica até a informática.

Como lado positivo, tal modelo gerou um setor industrial dinâmico e bem integrado, com grande crescimento da década de 30 até 70. E assim foi durante todo o período, com exceção de algumas políticas industriais voltadas para exportação de manufaturas, como o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).

Contudo, tais estratégias também geraram sérios problemas para a indústria e desenvolvimento nacional. Elas implicaram baixa competitividade internacional, baixa produtividade e padrões tecnológicos relativamente atrasados. A existência de baixíssimos níveis de investimentos em P&D, de criação de patentes e de estratégias focadas para a inovação das empresas era nítido (e ainda é) no Brasil. Dado tais fatos, não é surpreendente o grande número de falências que se seguiu à abertura da economia na transição da década de 1980 para 1990, durante o Governo Collor.

A partir de meados dos anos 1990, a política que tomou conta da agenda econômica foi a estabilização macroeconômica, deixando de lado as políticas industriais, que apenas no Governo Lula voltaram a compor a agenda nacional. Assim, desde o Governo Lula até o atual Governo Dilma, foram lançadas três políticas industriais diferentes.

Uma vez que se iniciou um intenso processo de desaceleração da indústria, o Governo Lula lançou em março de 2004 o programa de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), o qual se estendeu até 2008. Visando dar continuidade à PITCE, foi lançada a Política Desenvolvimento Produtivo (PDP), que durou de 2008 até 2010. Já no Governo Dilma, foi lançado em 2010 o Plano Brasil Maior, também focado para a Indústria e que durará até 2014.

A PITCE objetivou estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico com maior inserção externa e modernização do ambiente institucional e aumento da capacidade produtiva. Com este objetivo, diversas medidas foram tomadas. A Lei de Inovação (Lei nº 10973 de 2004), que estabelece um marco regulatório para incentivar a pesquisa científica no âmbito produtivo através de parceria entre institutos tecnológicos, universidades e empresas inovadoras, é um exemplo bem ilustrativo. Outras leis implantadas como a Lei do Bem (Lei nº11. 196 de 2005) e a Lei de Biossegurança (Lei 11.105 de 2005) também visavam estimular a inovação tecnológica através de incentivos à pesquisa científica e garantias de propriedade intelectual. Tais medidas revelam um claro foco da PITCE em relação ao marco regulatório e melhoria das instituições para a promoção de um ambiente favorável ao investimento em P&D e também de estímulo às inovações. Ademais, a PITCE desenvolveu linhas de financiamento  baixo custo para setores chaves como o Prosoft, que foca a indústria de software e serviços de tecnologia da informação (TI) e o Profarma, que foca o complexo industrial de saúde e de fármacos,  através de desembolsos do BNDES e também desonerações tributárias. Como resultado, houve um aumento dos desembolsos do BNDES, que atingiram um crescimento de 35,2% nos primeiros oito meses de 2007.

A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) também focava no desenvolvimento tecnológico, mas com maior ênfase nas micro e pequenas empresas inovadoras. Para tanto, as principais medidas tomadas se referem à crescente expansão de linhas de financiamento a taxas reais nulas para capital de giro das médias e pequenas empresas e também para investimentos em P&D via FINEP (Fundo Nacional de Estudos e Projetos). Isenções fiscais para investimentos em bens de capital também foram amplamente utilizadas.

Com o intuito de dar continuidade à reinserção das políticas industriais na agenda nacional, o Plano Brasil Maior (PBM) foi lançado em agosto de 2011 já no Governo Dilma. O Plano, assim como seus antecessores, tem como foco o estímulo à inovação tecnológica para aumentar a produtividade da indústria nacional e promover o crescimento econômico. O PBM pode ser divido em duas grandes vertentes de ação: estímulos ao investimento e à inovação, e defesa da indústria e mercado interno. Como estímulo à inovação, muitas medidas de desoneração tributária foram adotadas, principalmente no que tange à folha de pagamentos, bens de capital e IPI. Como o Plano ainda está em implementação, seus instrumentos e resultados estão em contínua avaliação.

Mesmo com tantas medidas adotadas, os resultados da economia e da indústria não têm sido otimistas. Passados os efeitos mais severos da crise internacional sobre o Brasil, a economia cresceu 2,7% e 0,9% em 2011 e 2012, respectivamente. Fato que reflete uma contínua perda de dinamismo da economia brasileira. A exportação de bens manufaturados decresceu ao seu nível mais baixo no terceiro trimestre de 2012, atingindo uma queda de -9,4% neste período e -1,7% no ano inteiro. Enquanto a importação de bens de capital aumentou 1,5% por cento neste mesmo ano 1.

Partindo de participações da ordem de 20% do PIB na virada dos anos 1940 para 1950, a indústria aumentou seu peso quase continuamente até meados de 1980, atingindo 35% em 1985. Depois do pico, a perda de participação foi de tal ordem que a indústria respondia por apenas 15% do PIB em 2011, menos da metade do máximo observado.

São várias as explicações para tal perda de participação relativa da indústria. Uma pesquisa realizada pelo IPEA 2 responsabiliza principalmente a persistência de uma taxa de câmbio sobrevalorizada por um longo período de tempo, o que teria estimulado a importação de bens manufaturados desprotegendo a indústria nacional. Segundo o relatório, seriam as dificuldades com o manejo da política macroeconômica, as incertezas decorrentes do cenário externo e as mudanças na divisão internacional do

trabalho os responsáveis pela geração deste processo de retração da atividade industrial brasileira.

No entanto, várias críticas à política industrial brasileira mostram que, mais do que os fatores acima apontados, algumas falhas governamentais e o ambiente institucional no qual a indústria nacional opera tiveram impactos relevantes no que se refere à perda de participação deste setor na economia.

No Brasil, o protecionismo manteve-se ativo por um longo período de tempo e não se transmitiu às empresas nenhuma sinalização de redução da proteção. Conforme previsto pela teoria econômica, setores excessivamente protegidos e sem estímulos à competição tendem a se desenvolver utilizando tecnologias defasadas. Consequentemente, o País não conseguiu alcançar a produtividade necessária para competir internacionalmente.

Jones, um renomado teórico do crescimento econômico, aponta que o aumento da abertura da economia eleva o influxo de tecnologia no país, por meio da incorporação de bens de capital na economia, o que levaria a um aumento da renda e a uma maior proximidade da fronteira tecnológica, refletida na taxa de crescimento. A evidência empírica corrobora este argumento: um estudo realizado em 2008 pelo BID e o FUNDES, com mais de 400 pequenas, micro e médias empresas (PMMES) de países latino-americanos, aponta que as empresas exitosas são, em geral, as que aproveitam a experiência obtida ao operar em mercados estrangeiros, mais exigentes, para orientar e aumentar sua capacidade de inovação. A proteção excessiva e por tempo indeterminado, além de dificultar o processo de absorção de tecnologia, reduz os incentivos para investimento em P&D.

A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e a Política Industrial Tecnológica de Comércio Exterior (PITCE) foram muito importantes por indicarem o reconhecimento de que a estabilidade macroeconômica não é condição suficiente para a retomada do processo de desenvolvimento industrial e econômico como um todo, havendo a necessidade de outras medidas, particularmente as Políticas Industriais.

Ainda, a mudança de concepção sobre política econômica representada pela criação da PITCE não foi suficiente para retomar o processo de crescimento industrial sustentado no Brasil. O Plano Brasil Maior (PBM) é um avanço importante, dando continuidade às medidas da PDP. Apesar de vários pontos favoráveis, as políticas ainda carecem de maior agressividade, tendo em conta os enormes desafios impostos pelo ambiente de negócios.

As medidas de desoneração tributária implementadas nas três últimas políticas industriais, apesar de importantes para incentivar o investimento, representam redução pouco expressiva no custo total enfrentado pela indústria. Uma importante medida para redução do custo do investimento seria uma maior desoneração da folha de pagamentos do setor de bens de capital, cujos encargos representam 2,6% do faturamento, o que significa que sua desoneração poderia reduzir os custos das inversões no mesmo montante, estimulando o investimento e a produção local.

As medidas de financiamento do investimento, materializadas pelos programas do BNDES, são direcionadas especificamente para alguns setores e, portanto seu potencial dinamizador da economia é restrito. Mais ainda, há um elevado número de programas que, no entanto, apresentam objetivos semelhantes. Essa descentralização dificulta a adesão das empresas, que encontram empecilhos para identificar qual programa encaixa-se melhor às suas necessidades.

Apesar dos avanços dos últimos anos, ainda há muito que ser feito para que a indústria se consolide de forma autônoma e possa competir internacionalmente. O ambiente institucional em que as empresas operam é determinante na sua atuação, sendo seu aprimoramento fundamental para a criação de incentivos para o investimento em inovação e a consolidação de uma indústria com grande capacidade tecnológica, capaz de competir internacionalmente.

Observa-se a necessidade de coerência da política macroeconômica com a política industrial como um ponto fundamental a ser perseguido pelo governo. A política industrial não é condição suficiente para garantir a convergência para o nível de renda dos países mais ricos, pois por melhores que sejam, seus resultados serão frustrados na presença da elevada carga tributária concentrada de forma desproporcional no setor, dos grandes custos associados à infraestrutura sucateada, da ausência de mão de obra qualificada e da rigidez do mercado de trabalho, fatores que têm grande peso no chamado Custo Brasil.

Neste sentido, são necessárias políticas horizontais (políticas que afetam o agregado da economia) como provisão satisfatória de infraestrutura, investimentos em capital humano e inovação e um ambiente macroeconômico adequado. Mais ainda, o desenvolvimento do setor depende do compromisso dos atores envolvidos, tais como empresas comprometidas com a inovação.

Segundo sondagem realizada pela CNI 3, sete em cada dez empresas alegaram dificuldades com a escassez de trabalhadores qualificados e 62% delas afirmaram que essa escassez impacta diretamente a área de P&D, o que prejudica a eficiência de todo o processo produtivo.

O problema de qualificação profissional agrava-se pelo alto nível de segmentação do sistema educacional brasileiro, com grandes brechas nos resultados de alunos de diferentes grupos sociais, favorecendo a inserção produtiva de jovens provenientes de famílias ricas, o que reforça a transmissão de desigualdades para as gerações futuras. Os problemas pendentes do século XX se agregam, como desafio para o século XXI, à redução da brecha digital e melhoria da qualidade da educação pública em função de novos requisitos formativos. No entanto, dados do MEC mostram que o país investe 6,7 vezes mais nos universitários do que nos estudantes da educação básica, perpetuando as desigualdades.

Existe uma clara evidência da desintegração entre a política educacional e industrial brasileira ao observarmos dados de patentes e inovação no Brasil. Há um descolamento crescente entre essas variáveis, ao contrário do esperado e do que se observa em outros países. Entre 1985 a 2009, enquanto as publicações apresentaram crescimento médio de 9,5%, as patentes cresceram a um nível bastante inferior de 3,3% 4. O que reflete um isolamento das universidades em relação às necessidades industriais, dificultando ainda mais o alcance dos objetivos dos planos.

No que tange à infraestrutura, os serviços desta área podem ser definidos como um conjunto de ativos-base, essenciais para o desenvolvimento da atividade econômica, tais como: transportes, comunicações, energia e saneamento. Calderón e Sérven comparam o crescimento econômico latino americano com o do leste asiático entre 1980 e 1997, concluem que cerca 37,56% da diferença de crescimento entre o Brasil e os tigres asiáticos pode ser explicada pelo déficit em infraestrutura.

É evidente a insuficiência do investimento nele realizado para sustentar o crescimento econômico brasileiro de longo prazo, o percentual investido tem sido modesto mesmo para repor o capital fixo. Esta situação tem gerado uma brecha crescente de infraestrutura, resultado da evolução díspar entre o estoque disponível (oferta) em relação ao nível necessário de infraestrutura demandado pelas atividades produtivas.

O processo de privatização não foi capaz de expandir significativamente o nível de investimentos. Contudo, com um mercado em expansão, o espaço pra atuação pode ser rapidamente ampliado com a melhoria da qualidade das agências reguladoras, definição de uma estratégia clara de maior envolvimento do setor privado nos setores mais críticos e pela continuidade do processo de transferência de ativos e funções ao setor privado. Nos casos em que a concessão é incapaz de atrair o investimento, as parcerias público privadas parecem ser alternativas interessantes para garantir maior eficiência e minimizar os gastos do Estado.

A importância da indústria para o crescimento é reconhecida na literatura, embora o nível de importância e a relação de causalidade variem dentro das principais correntes. Isso se deve à capacidade do setor de dinamizar o sistema produtivo, à sua relação com a inovação e difusão tecnológica e ao seu papel preponderante em um contexto de restrição de divisas.

A análise das recentes políticas industriais brasileiras, feita a partir da construção de uma pequena síntese histórica das políticas industriais já implementadas no Brasil, permite uma avaliação crítica das medidas atuais e das consequências maléficas deixadas pelo elevado nível de protecionismo e por medidas imediatistas sem foco no longo prazo. O Plano Brasil Maior, ainda que este ainda esteja em andamento, carece de maior agressividade, levando em conta os desafios impostos pelo ambiente de negócios. As medidas de incentivo ao investimento, por exemplo, apesar de importantes, representam pouca redução do seu custo total e, assim, têm pouco impacto na prática.

Assim, há a necessidade de conciliar as políticas macroeconômicas, industriais, aquelas voltadas à inovação, à educação e à construção das condições básicas de operação das indústrias; devido à insuficiência da política industrial para garantir um crescimento sustentado de longo prazo. Ressalta-se a importância do ambiente institucional em que as empresas operam como determinante de sua atuação, sendo seu aprimoramento fundamental para a criação de incentivos para o investimento e a consolidação de uma indústria capaz de competir internacionalmente. Neste sentido, aponta-se o Custo Brasil (e suas várias dimensões constituintes) como ponto fundamental a ser solucionado pelo governo que busca tornar a indústria competitiva internacionalmente.

Finalmente, mais do que uma política industrial consistente, bem formulada e que implemente incentivos suficientes à consolidação do setor, são necessárias políticas horizontais como provisão satisfatória de infraestrutura, investimentos em capital humano e inovação e um ambiente macroeconômico adequado.

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1 IBGE. (2013). Banco Sidra. Retirado em 25 de Junho de 2013 de: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo2.asp?e=c&p=PZ&v=28&z=t&o=22
2 IPEA. Conjuntura em foco, nº 18, março de 2012.
3 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Sondagem industrial. 2011.
4 BANCO MUNDIAL. Dados sobre patentes e inovação no Brasil. Disponível em: http://data.worldbank.org/. Acessado em 19/06/2013.

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