política fiscal – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 07 Jul 2022 15:36:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Mais e graves pecados fiscais e eleitorais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3646&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-e-graves-pecados-fiscais-e-eleitorais Thu, 07 Jul 2022 15:36:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3646 Mais e graves pecados fiscais e eleitorais

 

PEC do ‘estado de emergência’ descumpre mandamentos de uma adequada política fiscal e de regras eleitorais sem privilégio.

 

Por Roberto Macedo*

 

Tendo como pretexto o forte aumento do preço dos combustíveis, o desgoverno Bolsonaro se excedeu imaginando um “estado de emergência” com sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada no Senado, com apenas um voto em contrário, do senador José Serra, que honrou o seu mandato.

Entre outros gastos, ela contempla ampliação do Auxílio Brasil, aumento do vale-gás e bolsa-caminhoneiro e para motoristas de taxi. Quando eu escrevia este texto, essa PEC estava na Câmara dos Deputados e a previsão é de que ali será também aprovada por larga margem, pois a dita oposição não quer ir contra um pacote de benesses na proximidade de eleições, ainda que muito defeituoso, populista, oportunista e favorável ao seu adversário. Segundo o jornal O Globo de 1/7/2022, “parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente”.

Esta “emergência” da referida PEC só existe, mesmo, é nas hostes governistas, pois seu candidato presidencial à reeleição corre alto risco de perdê-la, conforme as pesquisas de intenção de voto. E, assim, ele partiu para a violência fiscal e eleitoral. Só não digo que partiu para a ignorância porque sabe muito bem o que está fazendo.

As instituições fiscais e eleitorais são como mandamentos que regem um Estado Democrático de Direito, e a PEC atua contra um desses mandamentos ao promover a gastança num momento em que o governo não dispõe de recursos, o que aumenta a desconfiança de agentes econômicos na gestão fiscal do governo. Isso traz consequências que não foram ponderadas pelos senadores, como o fato de que as incertezas desses agentes pressionam a taxa de câmbio, um dos ingredientes da alta dos preços dos combustíveis.

Manchete deste jornal ontem mostrou, também, outro efeito: Risco fiscal eleva juro pago pela União. A inflação, que já é alta, será pressionada para cima por essa expansão de gastos, o que vai contra a política anti-inflacionária do Banco Central, que será pressionada por juros altos, prejudiciais aos gastos dos consumidores e aos investimentos em geral.

No plano eleitoral, um mandamento moral e ético é o de que as leis não podem favorecer este ou aquele candidato, e a PEC em questão viola esse mandamento ao beneficiar claramente o presidente e candidato Jair Bolsonaro num período eleitoral. É como uma compra de votos. Espero que os eleitores brasileiros não caiam nessa.

Diante do quadro social, alguém poderia perguntar: mas você não está se mostrando insensível ao sofrimento dos mais pobres? Ora, sempre defendi uma política social em favor deles e desde que nasceu o Bolsa Família sempre o elogiei, mas o desgoverno atual andou mexendo no programa. Entre outras coisas, passou a oferecer um valor mínimo por família, o que estimula a separação delas para receber benefícios em dobro.

Soube que o número de famílias “de um só integrante” beneficiárias do Auxílio Brasil saltou de 2,2 milhões para 3,7 milhões entre novembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o economista Marcelo Neri, reconhecido especialista em políticas sociais, o “valor de R$ 600 é bom de divulgação, mas não de desenho” (Folha de S.Paulo, 3/7/2022). É esse valor que virá com a citada PEC.

Sigo vários especialistas em políticas sociais que apontam que o conjunto de políticas sociais do governo, alegadamente em benefício dos mais pobres, precisa de uma revisão quanto ao cumprimento de seus objetivos e ao desenho de seus cadastros. Também sou favorável a uma expansão seletiva dessas políticas, financiada a partir de impostos diretos mais altos e mais progressivos. Mas isso não se faz às pressas e caberia fixar um prazo suficiente para que um projeto a respeito fosse subsidiado por estudos de especialistas quanto ao seu desenho e impacto distributivo de renda.

Acrescento que esta PEC também pode prejudicar o crescimento econômico. Embora aumente os gastos no período de sua duração, isso, como já dito, poderá ter impactos desfavoráveis nas finanças públicas, ampliando incertezas quanto à obediência do mandamento de uma gestão fiscal equilibrada, com efeito desfavorável nas taxas de câmbio e de juros.

Outro problema é que os R$ 200 a mais do Auxílio Brasil cessariam em dezembro deste ano, ou seja, é um “estado de emergência” com duração definida. Haverá pressão para a manutenção deste e de outros benefícios em 2023, ano para o qual as previsões de crescimento são desanimadoras, em particular porque o governo vindouro se verá diante de um cenário econômico altamente complicado para a sua gestão.

Cabe destacar o voto isolado do senador José Serra. Entre outras justificativas, ele disse que “esta PEC viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”. Estes são, também, mandamentos da boa gestão fiscal, que eticamente deveria ser em prol do bem comum. Mas a maioria dos congressistas não se revela preocupada com isso nem com o crescimento econômico do País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 7 de julho de 2022.

 

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“Eu sou você amanhã”. De novo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3526&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=eu-sou-voce-amanha-de-novo Thu, 04 Nov 2021 14:04:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3526 Brasil e Argentina: “Eu sou você amanhã”. De novo?

 

Por Luiz Alberto Machado*

 

“Enquanto o Brasil sonha com um futuro que não chega, a Argentina sonha com um passado que não volta”.

Roberto Macedo

 

Houve um período relativamente longo, na década de 1980, em que as economias do Brasil e da Argentina se alternavam em situações críticas, ora com uma em situação mais difícil, ora com outra nessa indesejável posição. Numa analogia com um memorável comercial de uma marca de vodca, costumava-se utilizar a expressão “eu sou você amanhã”, para se referir a essa triste alternância.

Nesse período, as equipes econômicas, tanto no Brasil como na Argentina, fizeram diversas tentativas, lançando mão de planos para conter a inflação que assolava os dois países.

Na Argentina, o Plano Austral, de junho de 1985, optou pelo congelamento de preços, tarifas e salários. O congelamento acabou por distorcer os preços relativos da economia e afetar o abastecimento de produtos básicos, entre os quais a carne, produto essencial na dieta dos argentinos. Alguns ajustes ao plano foram feitos em fevereiro de 1986, mas já em agosto do mesmo ano estava claro que o congelamento de preços não funcionara. Em 1987, houve o agravamento da crise econômica, com a inflação se acelerando rapidamente, o que levou o governo argentino  a enfrentar grandes dificuldades fiscais. Em agosto de 1988, foi lançado o Plano Primavera, última tentativa do governo de Raúl Alfonsín de controlar a inflação, mas também sem sucesso.

Quase ao mesmo tempo, o Brasil seguia uma trajetória muito parecida com a dos hermanos. No final de fevereiro de 1986, foi anunciado o Plano Cruzado, que também congelava preços e salários. Assim como na Argentina, a desordem provocada nos preços relativos gerou graves distorções e desabastecimento. Ajustes ao Plano Cruzado foram feitos em novembro de 1986 (Plano Cruzado 2) e, depois da troca da equipe econômica, um novo plano foi adotado em junho de 1987 (Plano Bresser), repetindo a estratégia do controle de preços, igualmente sem resultado. A crise econômica se agravou em 1987 e o governo brasileiro, com dificuldades para pagar a dívida externa, recorreu a uma moratória. Depois de nova troca da equipe econômica, em janeiro de 1989, foi anunciado o Plano Verão, última tentativa do governo de José Sarney para controlar a inflação pela via do controle de preços, novamente sem sucesso[1].

Como o Brasil demorou mais do que outros países sul-americanos para conseguir reduzir a inflação[2], os planos heterodoxos adentraram a década de 1990 com o Plano Brasil Novo (mais conhecido como Plano Collor), anunciado logo a posse do presidente Fernando Collor em março de 1990, e o Plano Collor 2, de janeiro de 1991.

A sequência de insucessos compartilhados pelos dois países ficou conhecido como efeito Orloff: “Eu sou você amanhã”.  Ou seja, para saber o que iria acontecer no Brasil, bastava ver o que tinha acontecido na Argentina ou vice-versa. Em realidade, no comercial o alerta “eu sou você amanhã” vinha seguido da recomendação “pense em você amanhã, exija Orloff hoje”. A mensagem da propaganda de vodca vinculada na década de 1980 era evitar a ressaca do dia seguinte.

A partir do êxito obtido com o Plano Real, que, ao contrário dos planos heterodoxos anteriormente tentados, conseguiu estabilizar consistentemente a nossa moeda, a diferença com a situação econômica da Argentina foi se tornando cada vez mais nítida. Embora o Brasil também tenha testemunhado oscilações em sua economia nas duas últimas décadas e o crescimento médio esteja muito abaixo do observado entre 1870 e 1986[3], a inflação foi mantida sob controle em níveis considerados baixos para nossos padrões. Enquanto isso, a economia argentina passou a maior parte desse tempo envolvida em grave crise, com a perversa combinação de baixo crescimento, elevada inflação, alto desemprego e forte endividamento, tanto interno quanto externo, fazendo com que o país fosse obrigado a recorrer mais de uma vez ao Fundo Monetário Internacional.

Para favorecer uma comparação mais ampla entre o Brasil e a Argentina, vou me estender no exame da longa deterioração do país vizinho.

Nasci em 1955 e, graças ao basquete, a partir dos 13 anos de idade tive oportunidade de realizar uma série de viagens ao exterior, numa época em que tal prática não era tão comum como é nos dias de hoje. Mesmo tendo conhecido diversos outros países antes de conhecer a Argentina, o que aconteceu apenas em 1977, ouvi diversas referências ao elevado nível de desenvolvimento do país que, em meados do século passado, ostentava indicadores socioeconômicos superiores inclusive aos de diversos países da Europa.

Quando estive na Argentina pela primeira vez, o quadro já não era o mesmo e o processo de deterioração já se encontrava em curso. De lá para cá, tive a chance de retornar ao país mais de uma dezena de vezes e, a cada nova visita, constatava o agravamento da situação.

Embora, a exemplo do que ocorreu também no Brasil, tenham se observado algumas oscilações, a tendência declinante foi uma característica marcante da economia argentina nos últimos 60 anos. Marcos Aguinis, brilhante sociólogo argentino, descreve de forma contundente essa trajetória declinante num livro intitulado ¡Pobre patria mía!:

Fomos ricos, cultos, educados e decentes. Em poucas décadas nos convertemos em pobres, mal educados e corruptos. Geniais! A indignação me tritura o cérebro, a ansiedade me arde nas entranhas e enrijece todo o sistema nervoso. Adoto hoje [neste livro] o subgênero do panfleto – elétrico, insolente, visceral – para dizer o que sinto sem ter que por notas de rodapé ou assinalar as citações. O que quero transmitir é tão forte e claro que devo esculpir. Ao leitor que já me conhece só peço, como sucedia com os panfletos do século XIX, que considere minha voz como a voz dos que não têm voz. Ou que, se a tem, não sabem como nem onde transmiti-la. Não se trata de arrogância, mas sim de pedir permissão.[4]

Mais adiante, numa clara manifestação de inconformismo pela pouca importância que a comunidade internacional atribui atualmente a um país que já foi considerado o mais desenvolvido da América do Sul, Aguinis assinala:

Cada vez que regresso de uma viagem ao estrangeiro, alguém me pergunta: “Que opinam a nosso respeito?” Existe ansiedade por obter a aprovação alheia, como se fôssemos conscientes da culpa que carregamos por haver corrompido o presente argentino. Minha resposta, por muitos anos, tratava de refletir os conceitos que haviam chegado a meus ouvidos. Agora já não preciso me esforçar. Respondo sem anestesia: “Crês que opinam mal? Não te iludas! Nem sequer mal: já não falam de nós”.

O casal Kirchner ocupa posição de destaque no rol dos responsáveis pela situação ter chegado até o ponto em que se encontra. O trecho que se segue, extraído já da parte final do livro deixa isso claro:

Nunca o casal K entendeu que o mundo é uma imensa oportunidade, onde nossos produtos seriam avidamente devorados. Que teríamos tudo para abastecer o mercado. Nunca entendeu que se devem respeitar os direitos da propriedade privada porque, ao contrário do que supunha o desinformado Proudhon, constituem a raiz da riqueza e um estímulo ao respeito pelo outro e por si mesmo. Aristóteles demonstrou que “o que é de todos, não é de ninguém”. A carência de hierarquia da propriedade privada permite o avanço da depredação. O famoso “modelo K”, apesar de obscuro, pelo menos deixa entrever que ama a depredação.

A conclusão de Aguinis não deixa margem a qualquer dúvida. É dentro, e não fora do país, que se encontram as razões dessa prolongada decadência.

A firme defesa dos princípios defendidos pelo socialismo bolivariano e o fortalecimento das relações com a Venezuela, a Bolívia e o Equador que se verificaram nos últimos anos serviram apenas para agravar uma situação que já era difícil.

Considerando um horizonte temporal mais reduzido, é possível afirmar que a economia argentina encontra-se em recessão desde 2011. Conseguiu, graças a alguns resultados iniciais obtidos pelo governo do presidente Mauricio Macri, levar a situação com altos e baixos por algum tempo. Porém, quando ficou claro que as metas prometidas por Macri não seriam atingidas, a situação se deteriorou, obrigando o país a contrair um empréstimo de US$ 56,3 bilhões junto ao FMI em 2018. A vitória do peronista Alberto Fernandez no primeiro turno das eleições de outubro de 2019 trouxe alguma esperança a uma parcela da população argentina.  A falta de resultados imediatos e a chegada da pandemia, em março do ano passado, tornaram as coisas ainda mais difíceis.

Não é fácil enumerar todos os problemas que afligem a nação vizinha. Alguns deles, porém, chamam a atenção: (i) a economia argentina permanece dependente da exportação de produtos agrícolas, de baixo valor agregado, enquanto seu parque industrial apresenta sinais alarmantes de obsolescência; (ii) a inflação segue num patamar elevado para os padrões internacionais, apesar de sucessivas tentativas de mantê-la controlada por meio de congelamento e/ou tabelamento dos preços de determinados produtos; (iii) continua existindo na Argentina uma perigosa convivência da moeda local com o dólar, com um ativo mercado paralelo que reflete enorme desconfiança na moeda local; (iv) o país apresenta forte vulnerabilidade por não dispor de reservas internacionais suficientes para lhe permitir condições favoráveis no enfrentamento das pressões ou mesmo na negociação com os credores.

Em conversa recente com Norberto Vidal, ex-cônsul da Argentina em São Paulo,  sobre problemas vividos por nossos países, ele revelou que em consequência da derrota nas primárias realizadas em 12 de setembro, o governo argentino passou a adotar ações desesperadas, com farta distribuição de recursos públicos, com o objetivo de tentar evitar uma derrota ainda maior nas eleições legislativas que serão realizadas no próximo dia 14 de novembro.

Considerando a gravidade da situação vivida pela Argentina e esse comportamento descontrolado do governo, imaginei que a diferença com a situação da economia brasileira se ampliaria ainda mais.

Ledo engano. Num prazo muito mais curto do que eu poderia supor, deparei-me com uma série de ações que, também por motivos eleitoreiros, comprometeram rapidamente nossos indicadores econômicos, com elevação da inflação, deterioração do câmbio e violação do teto de gastos. O argumento, falacioso em minha opinião, foi a necessidade de priorizar aspectos sociais, como se houvesse incompatibilidade entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal.

As medidas adotadas provocaram, entre outras coisas, a demissão de dois dos mais importantes assessores do ministro Paulo Guedes, num raro exemplo, nos dias de hoje, de obediência aos padrões de decência por parte de integrantes do Executivo[5].

Com isso, além de nos aproximarmos da situação da Argentina, estamos caminhando celeremente para um passado em que, diante do descontrole na área fiscal, toda a responsabilidade pela contenção da inflação fica com a política monetária. Em outras palavras, com o Banco Central e sucessivas elevações da taxa de juros.

Como bem observa Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central:

Quando um governo irresponsável eleva os gastos sem ter os recursos, impõe ao Banco Central uma dura escolha. Ou este exerce sua independência, elevando a taxa de juros o que for necessário para cumprir seu mandato, ou se submete aos objetivos políticos do governo, tornando-se prisioneiro da dominância fiscal.

Sua conclusão é bem objetiva: “O que resta, diante da irresponsabilidade fiscal do governo e de sua base de apoio no Congresso, é a esperança de que o Banco Central exerça sua independência e cumpra seu mandato”.

 

 

Referências e indicações bibliográficas e webgráficas 

AGUINIS, Marcos. O atroz encanto de ser argentino. São Paulo: Editora Bei, 2002. 

_______________ ¡Pobre patria mía!: Panfleto. 9ª ed. Buenos Aires: Sudameris, 2009.

CHAGUE, Fernando. Eu (não) sou você amanhã. Folha de S. Paulo, 26 de dezembro de 2019. Disponível em https://porque.com.br/eu-nao-sou-voce-amanha. 

DEPOIS das pedaladas, a obscenidade fiscal. O Estado de S. Paulo, 23 de outubro de 2021, p. A3.

FRANCO, Gustavo. O teto e o precipício. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B6.

GOLFAJN, Ilan. ‘Responsabilidade social não significa irresponsabilidade fiscal’. Entrevista a José Fucs. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B4.

KUNTZ, Rolf. Bolsonaro e a privatização do Orçamento. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. A8.

MEIRELLES, Henrique. ‘Estou vendo uma volta para trás. Um retrocesso’. Entrevista a Adriana Fernandes. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B4.

MENDONÇA DE BARROS, José Roberto. Descendo a ladeira. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B3.

MING, Celso. O Brasil. Mais parecido com a Argentina. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B3. 

PASTORE, Affonso Celso. Só restou o Banco Central. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B2. 

RICUPERO, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização. São Paulo: Editora SENAC. Série Livre Pensar, 2001. 

SCHUETTINGER, Robert Lindsay; BUTLER, Eamonn. Quarenta séculos de controles de preços e salários: o que não se deve fazer no combate à inflação. Tradução de Anna Maria Capovilla. São Paulo: Visão, 1988.

 

 

[1] Lamentavelmente, os responsáveis pela condução da política econômica do Brasil e da Argentina jamais leram o livro Quarenta séculos de controles de preços e salários, que tem o sugestivo subtítulo o que não se deve fazer no combate à inflação.

[2] Em 1992, a inflação anual na Argentina foi de 17%, enquanto no Brasil atingiu 1.178%. Em 1993, ano anterior ao da adoção do Plano Real, a inflação brasileira foi de 2.567%, ao passo que a inflação média no continente foi de 22%.

[3] No consagrado trabalho World Economic Performance Since 1870, Angus Maddison, um dos mais respeitados analistas de ciclos longos de desenvolvimento, identificou o Brasil como o país que apresentou melhor desempenho de 1870 a 1986, numa amostra que reunia os cinco maiores países da OCDE (EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Japão) e os cinco maiores de fora da OCDE (Rússia, China, Índia, México e Brasil). Nesse estudo, publicado em 1987 e apontado pelo embaixador Rubens Ricupero (2001, p. 103) como “o mais impressionante de todos, por comparar grandes economias, portanto entidades pertencentes mais ou menos à mesma ordem de grandeza, e por cobrir duração de tempo tão extensa”, Maddison concluiu que “o melhor desempenho tinha sido o brasileiro, com a média anual de 4,4% de crescimento; em termos per capita, o Japão ostentava o resultado mais alto, com 2,7%, mas o Brasil, não obstante a explosão demográfica daquela fase, vinha logo em segundo lugar, com 2,1% de expansão por ano”.

[4] Todas as citações do livro ¡Pobre patria mía! foram traduzidas para o português pelo autor.

[5] Os dois assessores que pediram exoneração de seus cargos no dia 21 de outubro foram Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, e Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

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Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3421&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-pessimismo-com-a-pec-emergencial-aprovada-no-congresso https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3421#comments Sat, 13 Mar 2021 15:14:30 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3421 Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso?

Por Alexandre Manoel

Se olharmos o “filme”, e não a fotografia do atual desequilíbrio fiscal brasileiro, inferiremos que a PEC Emergencial (recentemente aprovada no Senado e na Câmara) pode ser entendida de duas formas: i) “compromisso final” de que o governo federal fará (pela PRIMEIRA VEZ) o ajuste fiscal pelo lado da despesa; ii) PRIMEIRA participação conjunta dos entes federativos no esforço de ajuste fiscal, no intuito de recuperar a poupança pública nacional.

A fim de raciocinarmos sobre o filme do desequilíbrio fiscal atual, vale mencionar, inicialmente, que os dados históricos sobre contas públicas sugerem que o desequilíbrio fiscal no Brasil não é conjuntural, e sim estrutural, e vige desde o início da República. A última década do século XIX e o século XX são marcados por crises de dívida e de inflação, decorrentes do excesso de gasto público.

Nesse sentido, destaque-se que as intenções de ajuste fiscal no Brasil foram sempre transitórias e de curta duração, buscando frequentemente onerar o setor produtivo (de maneira desorganizada), sem NUNCA ter sido feito um ajuste pelo lado da despesa.

A propósito, considerando apenas os ajustes fiscais recentes (para não me alongar muito), vale lembrar que o Plano Real foi um plano de estabilização monetária, trazendo consigo um forte endividamento (a dívida bruta saiu de 34% do PIB em 1995 para 76% do PIB em 2002) e um grande aumento de carga tributária (aumento de uns 4 pontos percentuais do PIB de 1995 a 2002). Em outras palavras, em virtude de não termos conseguido fazer o necessário ajuste fiscal (pelo lado das despesas) para complementar a estabilização monetária, trocamos, ao longo da consolidação do Plano Real, inflação por maior endividamento e maior carga tributária.

Vale também mencionar que, em 2003, o ajuste fiscal no governo Lula I foi feito em cima de aumento de carga tributária (aumento de uns 2,5 pontos percentuais do PIB entre 2003 e 2006) e pedaladas nas despesas primárias por meios de crescentes restos a pagar (variação positiva e crescente dos restos a pagar – a monografia ganhadora do primeiro prêmio SOF de Finanças Públicas, realizado em 2007, documenta bem isso).

Ademais, relembremos que a política fiscal expansionista do período 2007- 2014 (que levou ao déficit primário vigente desde 2014) decorreu de gastos primários crescentes (aumento de 2,3 pontos percentuais do PIB na despesa primária federal), de forte aumento das renúncias (gastos ou subsídios) tributárias (cerca de 2,3 pontos percentuais do PIB) e de intensificação das pedaladas fiscais, que redundaram no impeachment da presidente Dilma.

Portanto, para aqueles que querem cortes IMEDIATOS na despesa primária em plena pandemia, lembremos: até 2016, o Brasil NUNCA tinha feito ajuste fiscal pelo lado das despesas.

De fato, em 2016, quando foi aprovado o teto dos gastos públicos, houve a primeira tentativa e sinalização de ajuste pelo lado das despesas. Nesse sentido, pergunto aos navegantes que tiveram paciência de ler o texto até aqui: foi feito ajuste de imediato nas despesas primárias concomitantemente à implantação do teto? NÃO.

Pelo contrário, em 2016, foi dado (ou ratificado) um forte aumento real nas despesas com pessoal, que perdurou até 2020. Vale também lembrar que o teto somente abrangia as despesas federais, assim como não possuía regras claras que apontassem como ele seria furado, de maneira que as travas para trazer a despesa de volta ao teto fossem acionadas.

De qualquer forma, todos devem ter MUITO orgulho da construção do TETO, pois foi a PRIMEIRA vez que se fez (ou se começou a fazer) ajuste fiscal pelo lado das despesas. Entre 2016 e 2018, os ajustes feitos foram a diminuição dos benefícios financeiros e creditícios (especialmente reforma no FIES, início da devolução dos empréstimos da STN ao BNDES e troca da TJLP pela TLP), levando-os de 1,8% do PIB para aproximadamente 0,6% do PIB. Contudo, é preciso ser dito que quase NENHUM daqueles ajustes tinham efeito imediato – eles viriam ao longo do tempo, como de fato vieram.

Aliás, esta me parece (a evidência tem mostrado) a forma viável e correta de se fazer ajuste pelo lado da despesa no Brasil. E foi a forma utilizada e reforçada pela PEC emergencial recentemente aprovada no Congresso Nacional, que trouxe mecanismo claro (95% da despesa obrigatória) para acionar o teto, garantindo constitucionalmente que o ajuste será feito pelo lado da despesa. Isso (definitivamente) não é pouco, embora muitos teimem em achar que seja. Mas, com o tempo, verão que não é.

Por que não é pouco? Ora, temos o teto garantido CONSTITUCIONALMENTE até 2036. Se ousarem mudar, terão de enfrentar dois turnos em cada casa, com 3/5 em cada uma. Antes de a mudança se efetivar, o mundo desabará nas costas do governo de plantão. Dado o histórico brasileiro, se a PEC Emergencial fizesse somente isso, já seria um GRANDE avanço. Em tese, somente isso deveria ser suficiente para alinhar as expectativas relativas à sustentabilidade da dívida.

Mas, insistem em diminuir a potência da PEC. Por exemplo, tenho ouvido analistas falarem de risco fiscal por conta do protocolo emergencial. Isso também é fantasia. Com a PEC Emergencial, o Presidente da República terá que propor a calamidade pública ao Congresso Nacional, que a decretará. Se o pedido de calamidade não estiver alinhado, o mundo também desabará sobre o governo de plantão; haverá tempo suficiente para o mercado corrigir eventuais desvios de rota do governo.

A propósito, risco fiscal é o que existe hoje (sem a PEC Emergencial) em que uma leitura atenta do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mostrará que o Congresso Nacional pode de uma hora para outra acionar a Calamidade e jogar a conta nas costas do Poder Executivo. Por que ninguém tem atentado publicamente para isso?

Ouvi também de analistas e jornalistas que a PEC “só” será acionada em 2024/25. Ainda bem, não é? Essa análise pressupõe que o governo até lá será minimamente responsável, pois, se ousar não ser, praticando ativismo populista, com aumentos exacerbados de despesa obrigatória, a PEC emergencial disparará os gatilhos antes. Por que ninguém comenta isso? Por que não comenta que a PEC Emergencial IMPEDE arroubos populistas. Será que é pop ser pessimista?

Além disso, a PEC Emergencial (que considero o PRINCIPAL marco fiscal até hoje estruturado no País) possui ao menos quatro outros significativos avanços, do ponto de vista fiscal.

Primeiro, a PEC Emergencial sinaliza o retorno dos subsídios (gastos) tributários para o mesmo nível de 2007, contribuindo, inclusive, para o retorno do superávit primário. Alguns “analistas exigentes” têm sugerido que ficaram de fora os principais (SIMPLES, ZFM, etc) e que com isso restam pouco mais de 1,9% do PIB. Como isso pode ser motivo para tristeza?

Pensemos de outra forma. Isso pode significar que não haverá renúncia adicional com o Simples, por exemplo. Pode significar também que os que restaram (1,9% do PIB) terão que ser extintos ao longo do tempo. Enfim, significa que, de alguma forma, o montante total de subsídios tributários, pouco mais de 4,3% do PIB, diminuirá ao longo do tempo, de modo que o ajuste será feito, ou, no mínimo, que teremos uma discussão no Congresso no assunto, baseado na Constituição.

A propósito, somente a garantia ou a sinalização de que o governo não poderá fazer nada (ou não terá estímulos para isso) ao longo dos próximos oito anos JÁ é uma GRANDE vitória. Quem passou pelo governo sabe as recorrentes tentativas (por parte de vários setores) de aumentá-los; agora, a Constituição irá impedir, diminuindo-os ao longo do tempo, ou, ao menos, sinalizando sua diminuição. O governo tentou fazer isso em 2018 por meio da LDO, que infelizmente se mostrou um instrumento legal fraco para tanto. Fico contente de ver que isso subiu para a Constituição e que a caça aos subsídios tributários virou uma “caçada constitucional”.

Segundo, a PEC Emergencial traz “fortes incentivos” (praticamente deixando os entes desajustados sem relação com o governo federal) para que Estados, Municípios e Distrito Federal participem do ajuste fiscal. Claro que seria interessante que o Judiciário e o Legislativo dos entes subnacionais também participassem do ajuste. Ocorre que a participação destes é mais uma questão moral, pois pouco representam (em termos financeiros e fiscais) relativamente à necessidade de ajuste. Neste caso, a imprensa, principalmente a nacional, deveria ou deverá cobrar a participação destes 4 outros poderes quando algum Poder Executivo subnacional entrar na regra das restrições devido à regra de o gasto superar 95% das receitas correntes.

Terceiro, pela PRIMEIRA vez a Avaliação de Políticas Públicas está sendo constitucionalizada. Isso é um “canhão”. Muitos ainda não perceberam, ou não querem se dar conta (é pop ser pessimista no Brasil) do que isso pode significar em termos de enforcement para o Executivo utilizar a Avaliação no necessário corte de despesas futuro para cumprir o teto até 2036. A propósito, a Avaliação era a única parte das quatro etapas do Ciclo Orçamentário (Planejamento, Execução Orçamentária/Financeira, Controle e Avaliação) que não estava na Constituição.

Quarto, a PEC Emergencial impõe a criação de Lei Complementar que harmonize as regras fiscais (primário e teto) com o objetivo de sustentabilidade da dívida pública, determinando a trajetória do superávit/déficit primário, desfazimento de ativos, etc, que garantam a sustentabilidade da dívida. Isso aqui é assunto para um texto. Outro “canhão fiscal” na constituição.

Ademais, existem vários outros avanços pontuais na PEC (como a desvinculação dos fundos e de receitas, assim como a constitucionalização de itens da LRF) que merecem um texto cada um deles.

Ouso dizer, inclusive, que, com essa PEC e a independência do Bacen, não dá mais para falarmos de Dominância Fiscal (DF) no Brasil, pois basicamente estamos constitucionalizando o regime de Dominância Monetária no Brasil. Para voltar à possibilidade de DF, teremos de alterar a Constituição.

Por fim, resta torcer para que os artigos da PEC sejam crescentemente compreendidos ao longo do tempo, considerando não apenas a desidratação que existiu em relação à versão inicial, mas sobretudo o avanço que ela representa em relação à situação fiscal atual e a perspectiva que existia no final do ano passado. E, como tenho fé em Deus, sempre creio que a verdade se estabelecerá um dia, de modo que esta Emenda Constitucional ainda há de ganhar o devido respeito que ela merece, de fato.

 

Alexandre Manoel é sócio e economista-chefe da MZK Investimentos e ex-secretário de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria dos ministérios da Fazenda e da Economia (2018-2020).

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O efeito do Poder Judiciário na (ir)responsabilidade fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3038&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-efeito-do-poder-judiciario-na-irresponsabilidade-fiscal Tue, 22 Aug 2017 18:34:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3038 É de se preocupar que, em um contexto de severa crise fiscal do Estado, não haja meio eficaz de coibir estratégia eleitoral de governantes impopulares que, em final de mandato, editam leis irresponsáveis concedendo benefícios ao funcionalismo público sem qualquer respaldo orçamentário.

Na verdade, isso ocorre não por falta de normas, mas em razão da interpretação que o Supremo Tribunal Federal tem dado a um dos principais dispositivos constitucionais que regulam o aumento de despesas com pessoal: de que a prévia dotação orçamentária na Lei Orçamentária Anual (LOA) e autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), exigidas pelo artigo 169, §1º, da Constituição Federal, não constituem requisitos de validade, mas meros pressupostos de eficácia. Em consequência, leis que aumentam despesas com pessoal em desconformidade com a capacidade financeira dos entes públicos não podem ser declaradas inconstitucionais. Cria-se, portanto, expectativa de pagamento de despesas com pessoal acima da capacidade do Estado.

Por essa razão, um novo governante que herda obrigações de leis editadas pelo governante anterior, enfrenta elevado desgaste político, porque tem que lidar a um tempo com a insatisfação do resto da população com o aumento do déficit fiscal, e com a pressão das categorias de servidores que não percebem os benefícios prometidos no prazo previsto. Essa situação se traduz em impopularidade crescente do novo governante. E é justamente daí que exsurge maior incentivo para que um governante impopular em fim de mandato manipule a política fiscal a ser entregue ao oponente, de forma a dificultar a gestão desse opositor e, assim, aumentar suas próprias chances de voltar ao poder no futuro.

De modo contrário, se o STF passar a considerar os requisitos do artigo 169, §1o, no plano da validade, o novo governante terá alívio na gestão fiscal e terá reduzida a pressão política dos servidores públicos, uma vez que atribuirá à interpretação constitucional o fundamento para não implementar os benefícios inconstitucionais. Assim, reduzir-se-ão os incentivos para que um governante impopular tome medidas irresponsáveis. Ademais, a punição do governante irresponsável por ato de improbidade administrativa, trará ainda maior eficácia na coibição do comportamento oportunista.

Comprovação dos efeitos prejudiciais da atual interpretação do Supremo vislumbra-se no caso do Distrito Federal, em que o ex-governador, Agnelo Queiroz, concedeu, no penúltimo ano de seu mandato, aumento para 32 categorias de servidores públicos em completa desconformidade com o artigo 169, §1o, da CF/88 e com a LRF, representando um impacto total de mais de R$ 2 bilhões, cujas parcelas invadiam o próximo mandato.

No mandato seguinte, as leis que concederam os referidos aumentos tiveram sua constitucionalidade questionada no TJDFT1, mas o Tribunal sequer admitiu a ação, fundamentando-se na jurisprudência do STF. Por essa razão, o governador atual, Rodrigo Rollemberg, enfrenta tanto o custo político da piora da situação fiscal, quanto a pressão política das categorias de servidores, que não receberam até hoje a terceira parcela dos aumentos previstos, por não haver situação fiscal favorável para inclusão dos R$ 1,2 bilhão na lei orçamentária anual.

Além disso, estão em trâmite uma série de ações individuais na Justiça pleiteando-se a implementação dos aumentos, com alguns dos pedidos estão sendo deferidos enquanto outros não, em razão da diversidade de entendimento entre os magistrados, o que incrementa insegurança jurídica ao processo.

Destarte, é preciso repensar os atuais nortes interpretativos do STF no âmbito da implementação de gestão fiscal responsável pelo Estado, porquanto não bastam leis bem elaboradas, se o entendimento subsequente não garantir seu cumprimento, moldando adequados incentivos aos agentes aos quais se destinam tais leis.

Confira-se o estudo completo em:http://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td241

 

Texto publicado originalmente no Jornal Correio Braziliense em 7 de agosto de 2017.

 

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1 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ADI n. 20150020055176.

 

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O Copom e a Dominância Fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2594&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-copom-e-a-dominancia-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2594#comments Wed, 02 Sep 2015 12:17:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2594 Nesta semana, o Banco Central irá se reunir para definir a taxa de juros básica da economia, que atualmente se encontra em 14,25% ao ano. A maior parte do mercado espera que o Copom mantenha inalterada a taxa de juros nesta reunião, assim como não faça qualquer alteração até o final do ano. Neste ano, o Banco Central elevou a taxa Selic de 11,75% para 14,25% ao ano, uma alta de 2,5 pontos percentuais. Em relação aos indicadores de atividade, com a divulgação do péssimo resultado do PIB do 2º trimestre, o mercado reduziu a projeção do PIB para retração de 2,3% do PIB neste ano e de retração de 0,4% em 2016. Além disso, foi divulgada a elevação da taxa de desemprego para 8,3% no 2º trimestre, maior taxa desde o início da série em 2012.

Em condições normais, a decisão de elevação das taxas de juros pela autoridade monetária promove efeitos sobre a economia para combater a inflação por pelo menos três canais. O primeiro é o impacto da Selic sobre as taxas de crédito ao consumidor e às empresas. Por esse canal, o aumento tende a reduzir o consumo e os investimentos e, por conseguinte, o nível da atividade econômica. O segundo canal é sobre o câmbio, onde o aumento da Selic torna as aplicações financeiras no país mais atrativas para o capital estrangeiro, incentiva o ingresso de capitais, tende a valorizar o real e, por conseguinte, reduz a pressão inflacionária. Por fim, existe o componente das expectativas. Por meio da credibilidade da autoridade monetária e seu comprometimento em alcançar as metas estabelecidas, a elevação da taxa de juros diminui as expectativas de inflação futura e, consequentemente, reduz a pressão sobre reajustes de preços.

Existe uma situação, no entanto, em que a efetividade de parte dos canais da política monetária deixa de funcionar. Trata-se da dominância fiscal. O termo cunhado pelos economistas para descrever a circunstância onde a política monetária perde liberdade e a efetividade de sua estratégia por causa dos seus efeitos sobre as contas públicas. Em uma situação onde o nível de endividamento é elevado, há alto custo de carregamento e as contas públicas não estão equilibradas, o aumento da taxa de juros pode elevar a probabilidade de default da dívida pública, tornar o mercado de títulos menos atrativo ao investidor estrangeiro ou local, causar depreciação cambial e pressão inflacionária. Nessa circunstância, a política fiscal (e não a política monetária) é o melhor instrumento para controlar a inflação por meio da redução das despesas públicas.

Olivier Blanchard, Economista Chefe do FMI, publicou o artigo Fiscal Dominance And Inflation Targeting: Lessons From Brazil em 2004, onde indica que o país se encontrou na situação de dominância fiscal na crise enfrentada pelo país em 2002 e 2003, após as incertezas do processo eleitoral. De acordo com o autor, o fator determinante para a formação da dominância fiscal do período foi o elevado nível de endividamento, sua composição, com alta participação de títulos atrelados ao dólar, e o ambiente de aversão ao risco de investidores. Nessa circunstância, o aumento dos juros provavelmente levou a uma depreciação cambial.

O tema da dominância fiscal está muito presente das discussões econômicas no pós-crise 2008. Como vários países tiveram que se endividar fortemente para evitar o colapso do sistema econômico, há preocupação sobre a solvência das contas públicas no momento em que os bancos centrais tiverem que aumentar juros novamente. Michael Woodford no seu artigo Fiscal Requirements for Price Stability analisa o papel da política fiscal na determinação da estabilidade inflacionária. Chega-se a um regime ótimo em combinar uma regra de Taylor (regra que define a política de juros com base no desvio da inflação em relação à meta e no hiato do produto) para a política monetária com uma meta de comprometimento para o déficit nominal como regra fiscal.

Analisando a atual conjuntura do Brasil, observa-se que, em relação a alguns indicadores, o país está mais preparado para enfrentar crises que no ano de 2002. Primeiro, o Tesouro Nacional realizou um importante trabalho de reduzir a participação da dívida atrelada ao dólar nos últimos anos, o que deixou a dívida menos vulnerável a variações cambiais. Ademais, o montante de reservas internacionais acumuladas hoje é bem superior. No caso da política monetária, o choque de juros implementado pelo Banco Central para o processo de retomada da convergência da inflação à meta, neste ciclo, foi bem inferior ao necessário em 2003, quando a Selic chegou a atingir 26,5% a.a.

No entanto, há outros fatores fiscais que são mais desafiadores neste ciclo em relação à crise de 2002. Primeiramente, a situação fiscal brasileira se encontra em um processo contínuo de deterioração desde 2011, sem que se tivesse tomado medidas efetivas para mitiga-lo. Acumulou-se um montante enorme de despesas represadas que teve seu processo de regularização iniciado no final de 2014. Em relação às receitas, o baixo dinamismo econômico traz um cenário futuro desafiador para esse componente. Quanto ao perfil do gasto público, as despesas obrigatórias assumiram uma tendência expansionista recente que surpreendeu vários analistas. Destaco as despesas previdenciárias, que muitos imaginavam que era um problema apenas de médio-prazo, mas que resolver bater em nossa porta já neste ano.

Por fim, e talvez o mais importante, a forte crise política que vivemos neste momento é um fator de forte instabilidade. Por um lado, o regime “presidencialista de coalisão” mostra sinais de esgotamento, por outro, a baixa popularidade do governo faz com que os parlamentares se distanciem da agenda governamental, votando, inclusive, medidas que deterioram a situação fiscal, como na votação do fim do fator previdenciário e nas propostas de aumento salarial dos servidores públicos. Dessa forma, o necessário processo de ajuste fiscal torna-se extremamente custoso e eleva o nível de incerteza dos agentes econômicos.

É nesse ambiente de deterioração fiscal, com o déficit nominal atingindo 8,8% do PIB em 12 meses, sem perspectivas de o Congresso cooperar e elevado nível de incerteza dos agentes econômicos que a situação de dominância fiscal pode ocorrer. Essa é uma avaliação que deve estar na mesa na reunião do Copom desta semana. Como a atividade econômica já se encontra em retração e o desemprego em alta, será que o aumento ou manutenção da taxa Selic neste patamar irá contribuir para reduzir as expectativas de inflação ou para gerar mais incertezas sobre as condições de solvência da política fiscal? No meu ponto de vista, essa é a questão mais importante da agenda monetária nos próximos meses.

 

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Por que a economia brasileira foi para o buraco? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2585&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-economia-brasileira-foi-para-o-buraco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2585#comments Tue, 25 Aug 2015 18:12:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2585 Até poucos anos atrás havia grande otimismo em relação à economia brasileira. Chegamos a crescer 7,6% em 2010. Os salários cresciam, o desemprego ia para zero, a pobreza e a desigualdade caiam. A ascensão da classe C era festejada com a ampliação do consumo. De repente tudo mudou: a economia entrou em recessão em meados de 2014. As previsões para os próximos anos, coletadas junto ao mercado pelo Banco Central, são sombrias: uma recessão de 2% esse ano e crescimento zero em 2016. E mesmo quando a luz no final do túnel aparecer, o que se espera são medíocres taxas de crescimento do PIB de, no máximo, 2% ao ano. A taxa de desemprego calculada pelo IBGE não para de subir, passando de 4,3% em dezembro de 2014 para 7,5% em julho de 2015. Os dados sobre o déficit e a dívida do Governo Federal só mostram deterioração: festejados programas de governo, como o Fies e o Pronatec, tiveram que ser encolhidos por falta de dinheiro. A inflação disparou. Alguns governos estaduais não conseguem sequer pagar o funcionalismo, e estão parcelando os contracheques. Afinal, o que aconteceu para que caíssemos do nirvana para o buraco tão rapidamente?

A crise econômica atual tem causas antigas, que remontam ao início do atual  período democrático (iniciado em 1985), bem como causas recentes, ligadas a uma política econômica equivocada e inconsistente, adotada por volta  de 2005/2006 e aprofundada a partir de 2011.

As causas antigas

Quando o Brasil transitou de um regime ditatorial para uma democracia, em 1985, surgiram fortes pressões sociais para expansão do gasto público. Isso levou ao aumento do déficit público e exigiu a expansão da carga tributária. Esses fatos estão na base da nossa crise atual, como veremos a seguir. Vejamos, primeiro, porque o gasto público passou a crescer após à transição para a democracia.

Houve um acúmulo de necessidades sociais não atendidas ao longo dos 21 anos de regime militar. Praticamente não havia políticas públicas para atendimento aos mais pobres. Os indicadores sociais e educacionais estavam em níveis africanos.

Durante a ditadura os governantes não se sentiam premidos a atender a população mais pobre pelo simples fato de que o direito de voto era restrito. Havia eleição direta apenas para os cargos de senador, deputado e prefeitos de pequenas cidades. Ter uma carreira política de sucesso em muitos casos não dependia de ter votos. Com a redemocratização e a instituição de eleições diretas em todos os níveis, a sobrevivência de um político no poder passou a depender diretamente do voto.

Sendo os pobres a maioria do eleitorado (lembrando que até mesmo os analfabetos passaram a ter direito a voto), nada mais natural de que os políticos no poder passassem a oferecer políticas públicas a favor dos mais necessitados. Houve uma explosão de políticas de assistência social, educação e saúde pública. Diversos indicadores sociais passaram a melhorar, ainda que muito dessas políticas sejam caras e pouco eficientes.

Ocorre que não apenas os pobres se beneficiaram. A classe média também encontrou maior espaço para reivindicação. Afinal, com a redemocratização recobrou-se o direito de greve e o direito de associação em sindicatos e outras instituições formadas por pessoas com interesses comuns (associações de aposentados, de consumidores, de pacientes de doenças raras, etc.). Esses grupos passaram a ter grande poder de pressão para reivindicar políticas públicas a seu favor.

Frente ao ganho de poder político dos pobres e da classe média, seria de se esperar que os mais ricos perdessem espaço no orçamento público, com o governo direcionando os recursos antes gastos em favor deste para programas voltados aos pobres e à classe média. Mas isso não aconteceu. Os mais ricos também ganharam poder de reivindicação. Afinal, eleições custam caro, e alguém tem que financiá-las. Por meio do financiamento eleitoral, grandes empresas (em especial aquelas que têm contrato com o poder público) passaram a garantir o atendimento de seus interesses.

Ou seja, com a redemocratização, o Estado brasileiro passou a ser pressionado para atender aos pobres, à classe média e aos ricos. Com vários segmentos sociais tendo acesso aos recursos públicos, instituiu-se um cenário de forte disputa pelos recursos orçamentários. Para que isso não resultasse em expansão da despesa pública, teria sido necessário criar regras eficazes de limitação do gasto público: um orçamento consistente, que refletisse a real expectativa de receitas e despesas; limites legais para o déficit público; vedação ao financiamento do Tesouro pelo Banco Central.

Essas regras fiscais ou não foram instituídas, ou foram contornadas. Criaram-se, também, regras na direção contrária ao controle fiscal. Na nossa frágil democracia, pressionada por diferentes grupos sociais e de interesses, foram sendo construídas regras que protegiam a fatia do bolo dos grupos que conseguiam fazer mais pressão sobre instâncias decisórias do poder público. Assim, foram criadas regras que instituíam despesa mínima para os setores de educação e saúde, regras benevolentes de aposentadoria, crédito subsidiado para grandes empresas por meio de bancos públicos, regras de aumento real para o salário mínimo, etc.

Ou seja, em vez de haver regras fiscais que impusessem um limite ao gasto público total e forçassem os políticos a fazer escolhas entre beneficiar o grupo A ou o grupo B, o que se criou foram regras que obrigavam o setor público a beneficiar todo mundo, ao mesmo tempo, o tempo todo. Como bem sabe qualquer pessoa que administra um orçamento doméstico, uma hora a despesa fica maior que a receita e o endividamento explode.

No caso de governos, ao contrário dos orçamentos domésticos, há uma saída (perigosa) para evitar o endividamento: emitir moeda para pagar a despesa. E foi isso que se fez entre 1985 e 1994. O resultado foi a hiperinflação. Como os grupos sociais não conseguiam chegar a um consenso sobre o controle dos gastos públicos e como não havia regras fiscais que garantissem um orçamento equilibrado, a inflação fazia o serviço, corroendo o valor real dos gastos públicos e da renda das pessoas.

O problema é que a inflação tem efeitos perversos: além de incidir mais fortemente sobre os mais pobres (que não têm acesso a bancos, para proteger seu dinheiro por meio de aplicações financeiras), ela cria um ambiente de incerteza e insegurança que desestimula o investimento, levando a baixo crescimento econômico. Tivemos uma década perdida, em que tentamos nos livrar da inflação. Tentávamos fazê-lo sem abrir mão da prodigalidade fiscal. Queríamos resolver o problema (inflação) sem extinguir a causa (déficit público).

O esgotamento fiscal induziu a realização de algumas reformas. A principal delas foi o Programa Nacional de Desestatização, iniciado em 1990, que afastou o setor público da gestão de empresas então deficitárias e operadas de forma ineficiente em vários setores, como siderurgia, telefonia e mineração. Essas empresas funcionavam como um segundo cofre do Tesouro e como ferramenta de política econômica, muitas vezes sendo induzidas a tomar decisões que prejudicavam seu desempenho. Tomavam empréstimos no exterior quando era necessário fechar as contas do balanço de pagamentos; tinham os preços de seus produtos congelados, para segurar a inflação; etc.

Embora importantes, as privatizações não foram capazes de mudar o deficitário regime fiscal brasileiro. Passamos quase uma década, de 1985 a 1994, em que sete planos de estabilização da moeda falharam, porque não conseguiram impor limites ao gasto público. Somente em 1994 tivemos um plano de sucesso. O Plano Real correu o mesmo risco de dar errado, como os seus antecessores, pois não foi acompanhado de medidas para controlar os gastos públicos. Mais uma vez os esforços de ajuste fiscal não foram suficientes para equilibrar as contas públicas. Destaca-se nesse período a criação, em 1994, do Fundo Social de Emergência (posteriormente rebatizado de “Desvinculação de Receitas da União” – DRU), para tornar a despesa orçamentária menos rígida e viabilizar a redução de despesas obrigatórias (Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994). Esse é o exemplo típico de ajuste fiscal limitado, fazendo-se aquilo que as restrições políticas permitiam fazer: ajustes marginais, jamais reformas amplas, que assegurassem o equilíbrio fiscal e a solvência de longo prazo das contas públicas.

Novas crises de balanço de pagamentos surgiram em 1997 e 1998, nas quais a frágil situação fiscal brasileira somou-se ao contágio de crises ocorridas em outros países emergentes. Naquele momento ficou claro que o sucesso da estabilização dependia de mudanças profundas no regime fiscal brasileiro. As crises econômica e política forçaram os agentes políticos a aceitar limitações fiscais. Ajudou o fato de que um empréstimo do FMI ficava condicionado a medidas de ajuste fiscal: se os diversos grupos sociais e políticos do país não conseguiam se entender sobre como conter o gasto público, uma imposição externa ajudava a formar o consenso.

O ajuste fiscal “meia boca”

O país começou, então, a trilhar um caminho de mais responsabilidade fiscal. Assim, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano 2000. Um pouco antes, entre 1997 e 1998, fez-se uma importante renegociação da dívida dos estados e municípios junto ao mercado financeiro. Essa dívida era impagável e alimentada por déficits crônicos desses governos. O Governo Federal assumiu a dívida e passou a pagá-la em dia aos credores privados. Em troca disso, os estados e municípios se comprometeram a pagar o débito de forma parcelada ao Governo Federal ao longo de trinta anos. Para conseguir pagar essa dívida, foram forçados a ajustar suas contas. Quem não pagasse em dia, tinha as suas receitas confiscadas pelo Governo Federal. O esquema deu certo, e os estados e municípios se ajustaram rapidamente. Pela primeira vez na história recente começamos a ouvir palavras como “eficiência”, “gestão” e “equilíbrio fiscal” no âmbito dos governos estaduais e municipais. Tudo isso porque estava fechada a porta ao socorro federal: ou os estados e municípios se ajustavam ou quebravam.

Mais medidas foram tomadas visando ao equilíbrio fiscal. Estabeleceram-se metas de resultado primário e de redução da dívida nos três níveis de governo. Pouco depois se propôs uma reforma da previdência, com foco no regime dos servidores públicos (Emenda Constitucional nº 20/1998).

A aprovação dessas reformas ajudou bastante, mas não alterou o modelo instaurado nos anos 1980: continuava a pressão por aumento dos gastos públicos. A aprovação de cada reforma representava grande custo político para o Governo, em especial devido à aguerrida resistência dos interesses estabelecidos, apoiada pelos partidos de oposição da época. Não havia nada próximo a um consenso social em torno da reforma do Estado. Somente a visão da beira do precipício, representada pelas ameaças e concretizações de crises cambiais, é que davam estímulo e cacife ao Poder Executivo Federal para propor, e ao Legislativo para aceitar, pequenos avanços na agenda de reformas.

Em função dessa resistência, não  se reformou a previdência do setor privado ou o processo de elaboração e execução do orçamento federal. Para piorar, foram tomadas medidas fiscais em direção contrária, das quais se destacam a aceleração dos reajustes do salário mínimo (que tem grande impacto na despesa da previdência) e a vinculação das despesas em saúde ao ritmo de crescimento do PIB (Emenda Constitucional nº 29, de 2000). O apelo eleitoral desse tipo de medida é evidente.

Naquele momento a carga tributária ainda não era tão elevada. Em 1998, por exemplo, estava na casa de 27% do PIB. Por isso, havia espaço para fazer o ajuste fiscal via aumento de receitas. E assim se fez, com a criação de novos tributos e a majoração dos antigos, para dar conta do crescimento acelerado da despesa. Para a classe política era mais fácil dispersar o custo entre todos os contribuintes do país, do que comprar brigas com grupos organizados que defendiam seu quinhão no orçamento. Ademais, cada aumento de impostos vinha embalado com uma nobre causa a ser atendida: a CPMF era para financiar a saúde, o aumento das contribuições sociais era para financiar as aposentadorias, etc.

Passamos, então, de um regime cronicamente inflacionário (devido ao alto déficit público) para um regime de gastos públicos altos financiados por alta carga tributária. Já não tínhamos mais a hiperinflação, mas a economia não conseguia crescer, sufocada pela alta carga tributária.

Outra característica do nosso ajuste fiscal foi o radical corte nos investimentos públicos. A criação de regras de despesas obrigatórias em diversos setores, como educação, previdência e saúde, não foi acompanhada de regras de despesa mínima em infraestrutura. Estas ficaram expostas a cortes, para que se pudesse ampliar despesas que beneficiavam diretamente grupos bem organizados. A infraestrutura do país tornou-se cada vez mais precária, passando a representar um gargalo adicional para o crescimento econômico.

E o problema não estava só nas contas públicas

O fato de a nossa jovem democracia não ter conseguido construir instituições para conter o poder de influência dos diferentes grupos de interesse (ricos, pobres e de classe média) sobre as decisões públicas criou outros problemas além do desequilíbrio fiscal crônico, que passaram a minar a nossa capacidade de crescimento. Assim como reivindicavam gastos públicos ou benefícios tributários a seu favor, cada um desses grupos organizados também lutava por regulação econômica que protegesse suas rendas. E isso se fazia à custa da eficiência e competitividade da economia, resultando em menor potencial de crescimento.

A indústria conseguiu influenciar a política comercial do país, mantendo altas barreiras à entrada de produtos estrangeiros. Isso diminuiu a entrada de novas tecnologias no país, reduzindo o ritmo de inovação e de ganho de produtividade. Ademais, deu sobrevida a empresas ineficientes que, não tendo que competir com estrangeiros, conseguiram se manter vivas. Essas empresas utilizam recursos produtivos (mão de obra, capital, financiamentos) que poderiam ser mais bem empregados em empresas mais produtivas, gerando mais renda e produto.

Os sindicatos de empregados de empresa do setor formal conseguiram manter regras trabalhistas rígidas, que garantem benefícios a quem está empregado, mas que induzem as empresas a contratar menos. Assim, tais benefícios têm, como contrapartida, perdas para os trabalhadores que não conseguem emprego formal, e se mantêm no setor informal, sem acesso aos benefícios. Com regras trabalhistas rígidas, as empresas não têm flexibilidade para se ajustar a variações no ritmo da economia. Muitas, para evitar entrar no radar dos órgãos de fiscalização, optam por se manter pequenas, sem registrar seus trabalhadores. Perde-se oportunidade para que empresas talentosas cresçam, pois empresas informais não têm acesso a crédito e têm poucos incentivos a treinar seus trabalhadores. Mais uma vez, prejudica-se o crescimento econômico.

Os servidores públicos e seus sindicatos, com crescente influência, conseguiram obter ou manter diversos benefícios para as diferentes categorias, colocando em segundo plano o interesse dos usuários de serviços públicos. Greves intermináveis, nunca punidas com demissões ou desconto de remuneração, passaram a paralisar escolas, universidades, policiamento, vigilância sanitária, justiça e serviços de saúde. Os serviços públicos terceirizados, em uma comunhão de interesses das empresas concessionárias e de seus empregados, passaram a paralisar frequentemente os transportes públicos, a coleta de lixo e serviços funerários.

A justiça morosa sempre beneficiava quem tinha mais tempo e dinheiro para ingressar em juízo e manter causas de longa duração. O respeito aos contratos, em tal situação, fica ameaçado, o que desestimula investimentos.

Em função dessas dificuldades, o país navegou, entre 1994 e 2003, com baixa capacidade de crescimento, mas com estabilidade de preços, garantido pelo ajuste fiscal precário, baseado em aumentos de impostos.

As sucessivas crises externas, associadas a esse equilíbrio instável das contas públicas, infraestrutura deficiente e regulação econômica ineficiente, não abriam muito espaço para o crescimento.

E o ajuste fiscal necessário não se concretizava

Nos primeiros anos do novo século já estava clara a necessidade de reformas que mudassem o padrão de crescimento do gasto público. Projeções de especialistas em previdência social mostravam que os sistemas dos servidores públicos e do setor privado estavam em rota de déficit crescente. Os gastos em programas sociais cresciam de forma acelerada. A rigidez da despesa com pessoal, saúde e educação também aumentava. O processo de elaboração do orçamento era frágil: as receitas superestimadas, as despesas subestimadas e o controle fiscal feito “na boca do caixa”. Tornou-se lugar comum a frase segundo a qual “o orçamento público, no Brasil, é uma peça de ficção”.

Ou seja, mais de uma década atrás já era evidente que o regime fiscal brasileiro não seria sustentável no longo prazo. Obviamente, a carga tributária não poderia crescer para sempre, pois chegaria um momento em que sufocaria os contribuintes e as possibilidades de crescimento econômico e da própria receita. A crônica falta de investimento em infraestrutura reduzia o potencial de crescimento do PIB e da receita pública. Enquanto isso a despesa crescia, sempre a taxas superiores ao PIB, como pode ser visto no gráfico abaixo. Em 2001, já havia rompido, no caso específico do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), a barreira dos 15% do PIB. Tudo isso projetava um futuro em que a dívida pública cresceria mais que o PIB e, em algum momento, se tornaria impagável.

Gráfico 1 – Despesa Primária do Governo Central: 1997-2014 (% do PIB)

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Chegamos, então, a 2002 com um regime fiscal capenga e insustentável. A associação desse fato com a eleição de Lula para a Presidência da República desencadeou um movimento de temor sobre qual seria a política econômica do PT. O passado recente de oposição à Lei de Responsabilidade Fiscal, às reformas da previdência e a toda e qualquer medida de controle de gastos indicava que se teria um governo populista, que aceleraria o ritmo de deterioração das contas públicas. Em função desse temor, houve fuga de capitais e, mais uma vez, o país se viu em uma crise de balanço de pagamentos, sem dólares para pagar os compromissos externos do governo e das empresas privadas. A cotação do dólar ultrapassou a marca dos R$ 4,00 e  a inflação acelerou-se: nos três últimos meses de 2002 o IPCA acumulou 6,5%, equivalente a uma taxa anualizada de 29%.

Ao tomar posse em meio a forte crise econômica, o Presidente Lula surpreendeu e adotou um conjunto de medidas de ajuste fiscal que confrontava todo o discurso oposicionista do PT. Mandou para o Congresso e aprovou, ainda que de forma mitigada, uma reforma da previdência do setor privado (Emendas Constitucionais nº 41/2003 e nº 47/2005). Controlou com mão de ferro as despesas não obrigatórias e os reajustes do funcionalismo público. Manteve a escalada da carga tributária. Ou seja, intensificou o padrão de equilíbrio fiscal do governo anterior: algumas reformas, supressão do investimento público e elevação da carga tributária.

Assim como no caso do Governo FHC, não conseguiu abrir mão de políticas de alto retorno eleitoral, como os aumentos reais para o salário mínimo. Tampouco reformou o frágil processo orçamentário. O controle da despesa continuava na boca do caixa, a base de “decretos de contingenciamento”. Obteve-se alguma melhoria na qualidade do gasto público ao se reformar um conjunto de programas sociais, criando-se o Bolsa Família.

Outras reformas, fora da área fiscal, foram realizadas com o objetivo de aumentar a eficiência da economia. Destaquem-se a Lei de Falências, a introdução do sistema de crédito consignado e a melhoria das garantias em operação de crédito, facilitando a execução de garantias. Isso melhorou o ambiente de negócios e estimulou o crédito e o investimento.

Já se começava a discutir o aprofundamento das reformas fiscais, visando zerar o déficit público. Aí veio o Mensalão…

O Mensalão e o Maná que Caiu do Céu

Essa orientação de política econômica duraria pouco. Em 2005 estourou o escândalo do Mensalão e a popularidade do Presidente Lula caiu fortemente, ameaçando a sua reeleição. Para costurar uma nova rede de apoio político, o Presidente deu uma guinada na política fiscal. Os cofres públicos foram abertos e generosos aumentos de remuneração foram concedidos a praticamente todas as carreiras do funcionalismo federal. Foram ampliadas as verbas públicas destinadas à UNE, aos sindicatos e confederações de trabalhadores, às universidades, aos estados e municípios, às emendas parlamentares, às campanhas publicitárias do governo.

Tudo indicava que teríamos uma recaída fiscal e voltaríamos para o padrão de crises cíclicas. Porém um fenômeno externo veio em socorro ao Brasil. O forte crescimento da economia chinesa elevou a demanda por commodities no mercado internacional. Os preços de nossos produtos de exportação, como minério de ferro e soja, cresceram sobremaneira. Do final de 2002 até o final de 2010 o preço médio das exportações brasileiras, em dólares, subiu 146%, enquanto o das importações cresceu apenas 85%. Um “maná vindo dos céus” (ou melhor, da China) aumentou fortemente as receitas de exportações e barateou as nossas compras de produtos industrializados – produzidos, em sua maioria, na própria China.

O Brasil, assim como todos os demais exportadores de commodities do mundo e, em especial, da América Latina, passou a acumular grandes superávits comerciais. As reservas internacionais cresceram. O fantasma da crise cambial foi afastado. O aumento de renda nacional decorrente das exportações a preços elevados se traduziu em ganhos de arrecadação de tributos. A receita do Governo Federal passou a crescer a inacreditáveis 7% ao ano, em termos reais. O desemprego caiu. A criação de regimes tributários simplificados estimulou a formalização do emprego, o que contribuiu para melhoria das contas da previdência.

Paralelamente, havia um excesso de liquidez no mercado financeiro internacional. Investidores estrangeiros passaram a aplicar seus recursos nos países emergentes. O Brasil, com boas perspectivas econômicas e uma taxa de juros atraente, passou a ser destino preferencial. Essa entrada de poupança externa, somada às melhorias institucionais no mercado interno de crédito, ajudou na forte expansão dos financiamentos de imóveis e bens de consumo.

Essa lufada de boas notícias afastou o inferno astral político do Presidente Lula, que recobrou a sua popularidade e se reelegeu. O ambiente de bonança abriu espaço para que o PT finalmente adotasse os seus ideais históricos de política econômica, baseados na crença de que é possível estimular o crescimento econômico através de um governo grande, que tenha ingerência nas decisões dos agentes privados, para orientar o mercado em direção ao crescimento.

O governo tomou como sendo permanente o ganho de renda proporcionado pelo boom de commodities. Qualquer pessoa que já gastou trinta segundos olhando um gráfico da evolução histórica da cotação de commodities sabe que esse mercado se caracteriza por alternar períodos de alta e de baixa, com a transição de um para outro se dando de forma abrupta. No entanto, a crença era de que a melhoria do quadro econômico era consequência da política interna, nada tendo a ver com o presente vindo da China. Assim, não havia que temer qualquer reversão do quadro externo.

A ordem, agora, era estimular a economia, acelerando-se o gasto público. Trocou-se a equipe econômica e criou-se, em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), baseado no desarquivamento de projetos de investimento do setor público e de empresas estatais, que passaram a ter prioridade e não seriam contabilizados como despesa pública para fins de apuração do déficit público.

Esse mecanismo de não contabilizar investimentos como desepesas, para fins de apuração do déficit público, havia sido instituído anteriormente, a partir de um acordo com o FMI. Nesse acordo criou-se o Programa Piloto de Investimentos (PPI), no qual alguns projetos, previamente selecionados com base em sua qualidade e retorno econômico, ganhavam esse privilégio. A ideia era que bons projetos de infraestrutura tendem a acelerar o crescimento e, com isso, melhorar as contas fiscais no longo prazo.

Com o advento do PAC, generalizou-se a prática de retirar os investimentos do cálculo do déficit. Não importava se os projetos fossem antigos e de baixa qualidade, tampouco se teriam algum impacto econômico relevante. Subverteu-se, portanto, um mecanismo que, se fosse usado com temperança, poderia ajudar a melhorar a infraestrutura e o crescimento econômico.

Não havia foco, nem prioridade nos investimentos: tudo teria que ser feito ao mesmo tempo. Certamente o Brasil precisava ampliar seus investimentos públicos, após décadas de supressão desses gastos em nome do equilíbrio fiscal. Mas fazê-lo dessa forma dificilmente colaboraria para melhorar a eficiência da economia.

Em 2006 o Brasil foi escolhido para ser a sede da Copa do Mundo de 2014. Em 2007 candidatou-se para sediar os jogos Olímpicos. Duas empreitadas de vulto, que exigiriam fortes investimentos em arenas esportivas, previsíveis elefantes brancos de alto custo de construção e manutenção.

A primeira rodada de aumentos reais de remuneração dos servidores públicos, ocorrida em 2006, desencadeou um movimento de reivindicação por parte das carreiras inicialmente não contempladas. Houve aumentos generalizados e os servidores nunca ganharam tanto. Em 2007, os gastos primários do governo central, retratados no gráfico 1 acima, já se aproximavam dos 17% do PIB, quase dois pontos percentuais acima do nível de 2005. Mas não se via problema nisso, pois a receita estava “bombando” e a carga tributária, reforçada pelos aumentos de impostos do período 2002-2004 e pelo crescimento da base de arrecadação, já chegava a 33,2% do PIB.

Os erros de política econômica que agravaram os problemas estruturais

Em 2008 eclodiu a crise no mercado financeiro norte-americano, com a quebra do banco Lehman Brothers. A atividade econômica mundial caiu fortemente e isso, obviamente, teve consequências sobre o Brasil. No ano de 2009 o PIB brasileiro caiu 0,23%. A equipe econômica decidiu, então, que precisava fazer uma “política anticíclica”: aumentar os gastos públicos e reduzir tributos para estimular o consumo e reativar a economia.

Política anticíclica é, por definição, algo passageiro: expande-se o gasto apenas enquanto a economia está precisando de incentivos. À medida que a economia sai da crise, e a capacidade ociosa das indústrias diminui, o governo deve retirar os estímulos.

Porém, a política anticíclica aqui adotada aumentou gastos difíceis de reverter posteriormente, como, por exemplo, a remuneração do funcionalismo e o salário mínimo. E as desonerações tributárias, que poderiam ser revertidas, não o foram em função da pressão política de seus beneficiários. Tornaram-se, isso sim, definitivas, mediante a edição de uma medida provisória posteriormente convertida na Lei nº 13.043, de 2014.

Já em 2010 a economia apresentava forte crescimento, mas os estímulos fiscais não foram retirados. Na verdade, o boom de commodities continuava intenso, pois a China manteve elevado ritmo de crescimento e continuou fortemente compradora no mercado internacional, apesar da crise que afetava os EUA e a Europa.

A partir de 2011, animado com o elevado crescimento de 2010 (que nada mais foi que a recuperação da queda de 2009 e não o prenúncio de um novo patamar de crescimento), a política anticíclica transmutou-se em um conjunto de medidas que veio a ser batizado de “Nova Matriz Econômica”.

Essa “nova” política consistia em forte intervenção governamental na economia visando estimular o investimento privado e o consumo. A ideia básica era de que, havendo mais consumo, as empresas se interessariam em investir e produzir mais. Ao mesmo tempo, se os investimentos fossem incentivados e subsidiados, o ciclo se fecharia, com as empresas ampliando investimentos e produção. A taxa de crescimento se aceleraria. Não seria preciso se preocupar com equilíbrio fiscal, pois o crescimento decorrente da política de estímulos faria a receita pública crescer e fechar as contas do governo.

Também fazia parte do cardápio a redução da taxa de juros básica da economia. Considerada pelos gestores da política econômica como instrumento ineficiente de controle da inflação, ela precisaria ser reduzida para diminuir os custos financeiros das empresas e dos consumidores. A queda dos juros no mercado internacional, em função da crise financeira de 2008, parecia uma oportunidade e tanto para baixar as taxas domésticas.

Outro pressuposto da Nova Matriz era de que o governo sabia melhor do que as empresas quais seriam os bons investimentos para o país. Partia-se do pressuposto de que era preciso proteger e subsidiar as empresas nacionais, para que novos setores produtivos, escolhidos pelo governo, florescessem no país e/ou se tornassem multinacionais de sucesso. Com isso, deixaríamos de ser um simples exportador de commodities e agregaríamos valor à produção nacional.

Essa política estava baseada em diagnósticos errados. Sua pressuposição básica era de que o aumento do consumo das famílias e do governo desencadearia imediato aumento dos investimentos e, consequentemente, do crescimento econômico. Porém, entre o aumento do consumo e a ampliação da capacidade produtiva há grandes obstáculos: o país tem sérios problemas de infraestrutura; o custo do trabalho subiu muito desde o início do século (aumento do salário mínimo e redução da oferta de trabalho decorrente de mudança na composição etária da população); os trabalhadores têm baixa qualificação; fornecedores não conseguem ofertar insumos de qualidade e no prazo demandado (em função da política de proteção e exigência de conteúdo local); a justiça é lenta e o cumprimento dos contratos sistematicamente desrespeitado; há um excesso de burocracia para se abrir e gerir uma empresa; as regras trabalhistas são rígidas; as regras tributárias complexas e requerem alto custo para serem cumpridas. Ou seja, produzir no Brasil é caro, arriscado e não resulta em produtos de qualidade.

Ademais, há uma inconsistência entre aumentar o déficit público e aumentar o investimento privado ao mesmo tempo. Ambos são financiados pela poupança agregada da economia. Se o déficit público aumenta, o seu financiamento (a venda de títulos pelo Tesouro) vai absorver uma parcela maior da poupança disponível, sobrando menos recursos para financiar o investimento privado.

É verdade que podemos recorrer à poupança externa. Mas a entrada de capital externo acaba gerando um excesso de dólares na economia, valorizando o real. Quando o câmbio se valoriza, a indústria nacional fica menos competitiva em relação aos produtos importados. O aumento do consumo, em vez de estimular mais produção doméstica, vai estimular mais importações. E foi o que ocorreu. Apesar de todo discurso de incentivo ao investimento da indústria nacional, essa teve a sua participação no PIB sistematicamente encolhida nos últimos anos. Em 2010 ela estava na faixa de 15% do PIB, chegando a apenas 11% em 2014.

Não bastasse isso, é preciso reconhecer que, entre o aumento do consumo e a ampliação da produção, existe um hiato de tempo, no qual as empresas precisam constatar que o consumo subiu, acreditar que isso é permanente, tomar a decisão de investir e, finalmente, construir e começar a operar as novas unidades produtivas.

Por todos os motivos acima, apesar dos estímulos e desonerações fiscais, a indústria não conseguiu suprir a expansão do consumo. Os ganhos de renda, advindos da expansão fiscal e da bonança no comércio exterior, levaram ao aumento do consumo de bens importados, dada a incapacidade da indústria em prover bens com preço e qualidade capazes de concorrer com os produtores internacionais. Viajar a Miami, para comprar pela metade do preço, virou esporte nacional.

Ao mesmo tempo, os ganhos de renda elevaram o consumo de serviços (construção e reforma, serviços pessoais, refeições fora de casa). Como esses serviços não podem ser importados, os produtores nacionais não enfrentam concorrência externa, e o aumento de demanda elevou seus preços. Isso teve impacto sobre a inflação e sobre a competitividade da indústria: a absorção de mão de obra pelo setor de serviços aumentou os salários de equilíbrio em toda a economia, reduzindo a margem de lucro da indústria. Aumentou, também, o custo de outros serviços consumidos pela indústria, como alugueis, logística, consultoria e fretes.  Ainda que houvesse incentivo fiscal ao investimento, a menor margem de lucro e a baixa eficiência não permitiam à indústria vislumbrar oportunidades de negócios. Ademais, o crédito barato não era para todos, mas apenas para os escolhidos do Governo.

A redução da taxa Selic “na marra” levou ao descontrole da inflação. Ficou evidente mais um erro de diagnóstico: uma política monetária prudente tem sim efeito sobre a taxa de inflação. A atuação sobre os juros não se fez apenas via taxa básica. Houve determinação política para que os bancos públicos reduzissem os juros cobrados em suas operações de crédito e expandissem os seus empréstimos. A ideia era de que isso acirraria a concorrência com os bancos privados e os induziria a reduzir os juros de seus financiamentos. Na prática, os bancos privados não entraram nessa disputa. A carteira de crédito de instituições públicas, como Caixa Econômica e Banco do Brasil, se expandiu e perdeu qualidade (aumento do risco de inadimplência). O custo dessa maior inadimplência já aparece nas perdas provisionadas por esses bancos e, cedo ou tarde, virará gasto público, quando o Tesouro for chamado a fazer um aumento de capital para compensar as perdas. Criou-se um “esqueleto fiscal” a ser pago no futuro. Como, aliás, já aconteceu em diversos momentos da história do país.

O subsídio ao crédito teve sua expressão máxima nos empréstimos subsidiados do Tesouro Nacional ao BNDES, em montante que atingiu inacreditáveis 10% do PIB. A ideia, mais uma vez, era conceder crédito subsidiado a empresas e estimular o investimento. Ocorre que, para emprestar ao BNDES, o Tesouro tem que tomar emprestado dos poupadores nacionais. Afinal, o Tesouro é deficitário e não tem dinheiro sobrando para emprestar a ninguém. Ao tomar dinheiro em mercado, o Tesouro tirou a oportunidade de que aquele dinheiro fosse emprestado por outros bancos a outros tomadores. Ou seja, os créditos criados via BNDES não eram créditos novos dentro da economia. Eram simples realocações da poupança privada, em que o Governo decidiu, via BNDES, escolher quem receberia os créditos, na suposição de que o Governo tem mais capacidade que o mercado para alocar o crédito de forma eficiente.

Há pelo menos dois problemas nessa política. Primeiro, o crédito não é concedido aos melhores projetos (aqueles que têm mais chance de sucesso e de gerar crescimento econômico), mas sim aos projetos que têm maior conexão política. Segundo, o subsídio embutido no crédito aumenta o déficit público e, com isso, a pressão do Tesouro para se financiar no mercado, reduzindo a poupança disponível para financiar outros investimentos. A taxa de juros (preço da poupança disponível) sobe, prejudicando a viabilidade de todos os outros projetos que não têm acesso a juros subsidiados.

Efeito similar tiveram as diversas medidas de proteção das empresas nacionais. A cadeia produtiva de óleo e gás, por exemplo, foi submetida a crescentes exigências de compra de insumos fabricados internamente. Houve grandes estímulos para a instalação de estaleiros em território nacional. Isso se traduziu em insumos mais caros, de pior qualidade e entregues fora do prazo. E tudo isso bancado por mais subsídios públicos. Também daí decorrem baixa produtividade e redução da capacidade de crescimento.

Sempre que o Governo tenta proteger um dos elos da cadeia produtiva (por exemplo, a indústria naval), ele desprotege o elo seguinte (produção de petróleo), pelo simples fato de que obrigará esse setor a comprar insumos mais caros e piores. Não é possível proteger todos os setores da economia nacional ao mesmo tempo. A menos que importemos o modelo econômico da Coréia do Norte.

Numa demonstração de que o controle fiscal era secundário e que o importante era estimular a empresa nacional, a Lei de Licitações foi alterada, para permitir aos órgãos públicos pagar até 25% a mais nas licitações, quando o ofertante fosse empresa nacional. A aquisição de medicamentos pelo SUS deixou de ter como objetivo único atender as necessidades dos pacientes. Acoplou-se a ela uma política industrial de produção de medicamentos nacionais, mantida a base de fortes subsídios públicos, que, obviamente, consumiam recursos que poderiam ir para o atendimento final dos pacientes. Aguardemos para ver os resultados em termos da expansão da tecnologia e da capacidade nacional para produzir medicamentos…

Não menos problemática foi tentativa de induzir a Vale (empresa privada, mas com grande participação de entidades estatais) a investir no beneficiamento de minério (atividade de baixo retorno e excesso de produção internacional) em vez de se concentrar na mais lucrativa atividade de exploração e exportação de minério. A Petrobras fez uma série de maus negócios, desde compra de refinaria a preço superfaturado até construção de refinarias sem viabilidade econômica. Tudo a título de migrar da exploração de recursos naturais para atividades supostamente mais sofisticadas.

No conjunto de interferências equivocadas no processo produtivo merece destaque a mudança do marco regulatório do petróleo. A título de extrair maiores rendas de petróleo para o governo, e reduzir o lucro das petroleiras, foi proposta a mudança do regime de concessão (que vinha funcionando bem) para o regime de partilha (ver mais sobre esse tópico aqui). Aproveitou-se para estabelecer uma reserva de mercado para a Petrobrás, que seria a operadora única dos campos e sócia obrigatória, com pelo menos 30% do capital em cada campo.

A discussão do novo marco regulatório paralisou o setor. Foram quatro anos sem novas licitações para exploração de petróleo. Bilhões de reais de investimentos deixaram de ser feitos, em um período em que o preço do barril superava os US$ 100 e, portanto, as petroleiras estavam dispostas a dar lances elevados pelas concessões. Agora, com o petróleo a US$ 50, o interesse por investir nos campos (de alto custo) do pré-sal caíram bastante. Enquanto o Brasil gastava quatro anos discutindo as regras do pré-sal, o desregulamentado mercado dos Estados Unidos viu florescer o óleo de xisto, tornando-se o maior produtor de petróleo do mundo.

Ademais, a reserva de mercado concedida à Petrobrás se tornou um veneno para a empresa. Endividada, em função de inúmeros investimentos equivocados, interferência governamental e má governança decorrente de corrupção, a empresa não tem capital para participar com 30% de todo o capital da exploração do pré-sal. Por conta disso, atrasa-se ainda mais o cronograma de investimentos do setor, freando o crescimento econômico.

Ainda no setor de combustíveis, destaca-se o congelamento do preço da gasolina. A medida teve por objetivo controlar, “na marra”, a expansão da inflação, após o equívoco em se tentar controlar, “na marra”, a taxa de juros fixada pelo Banco Central. Ou seja, lançou-se mão de uma medida errada (o controle de preços), para corrigir outra medida errada (o controle dos juros). Os efeitos não se compensaram: somaram-se a amplificaram seus efeitos negativos sobre a economia. Como diz o velho ditado: um erro não justifica o outro.

De fato, a intervenção teve diversos efeitos negativos. Em primeiro lugar, arruinou as finanças da Petrobras, que foi obrigada a importar gasolina a um preço mais alto do que vendia no mercado interno (o que também prejudicou o balanço de pagamentos). Em segundo lugar, inviabilizou todo o setor de produção de etanol, que ficou menos competitivo em relação à gasolina, levando usinas à falência. Em terceiro lugar, criou uma inflação reprimida, que os agentes econômicos sabiam que iria aparecer (como de fato apareceu) em 2015, no momento em que se permitisse um reajuste corretivo dos preços: as expectativas inflacionárias ficaram mais rígidas, exigindo política monetária mais restritiva.

A expressão mais evidente do fracasso do novo marco regulatório do petróleo foi o leilão do megacampo de Libra, em 2013. Com reservas estimadas entre 8 e 12 bilhões de barris, o maior campo já licitado no Brasil e um dos maiores do mundo obteve o interesse de apenas um consórcio, que o arrematou pelo preço mínimo. O que gerou esse resultado pífio foram as regras de exploração, que espantaram os potenciais investidores.

No setor elétrico, a intervenção do governo não foi mais feliz. Às vésperas de um período seco, com os reservatórios das hidrelétricas em nível crítico, foi decretada uma redução de tarifas de energia. Estimulou-se o consumo quando se sabia que a oferta não daria conta de maior demanda. O risco de racionamento elevou-se e só não se concretizou porque a economia entrou em recessão e o consumo caiu. Mas não escapamos de uma correção de preços que, em poucos meses, aumentou em 50% a tarifa de energia.

O desarranjo no setor elétrico foi além do problema das tarifas. Uma medida provisória (MP 579) buscou induzir as geradoras de energia a dar desconto no valor da energia produzida. Para tanto, prometia a renovação antecipada das concessões que estavam para vencer nos próximos anos. As geradoras ligadas à Eletrobrás foram induzidas a aceitar o acordo e tiveram perdas de receitas (criando mais “esqueleto fiscal” a ser transferido para o Tesouro no futuro). Outras importantes geradoras não aceitaram o acordo. O seu suprimento de energia deixou de ser vendido em contratos de longo prazo, a crise de abastecimento se agravou e os preços explodiram. Para quem desejava reduzir o custo da energia, o governo conseguiu um belo resultado, porém com o sinal trocado!

A tão necessária recuperação da infraestrutura não escapou do equivocado pressuposto de que o governo conhece e pode mais que as empresas e o mercado. Ao mesmo tempo em que ofereceu ao setor privado a oportunidade de construir e administrar concessões de estradas e aeroportos, o governo decidiu tabelar o lucro máximo que essas empresa poderiam obter. A ideia era fornecer infraestrutura barata para que os usuários pudessem deslocar sua produção a baixo custo e as famílias não fossem oneradas pelos custos de pedágio. Ocorre que esse tabelamento de lucros atraiu empresas de baixa qualidade para a gestão das estradas, inviabilizou a concessão de outras tantas rodovias e diminuiu a concorrência nas concessões aeroportuárias.

Ainda no setor aeroportuário, a insistência em manter forte intervenção governamental, por meio da participação da Infraero como sócia de todos os consórcios, reduziu a agilidade dos consórcios administradores e onerou o erário, uma vez que a Infraero tem que participar com 49% (sua participação no negócio) de todo o custo de investimento na reformulação e ampliação dos aeroportos.

Outra conta que foi jogada para o contribuinte, no âmbito das concessões, foi o subsídio creditício dado nos financiamentos aos consórcios vencedores. Para que a tarifa aos usuários não fosse elevada, dava-se crédito barato aos concessionários. Ou seja, a conta que o usuário dos serviços (eletricidade, rodovias e aeroportos) não pagava, era repassada ao contribuinte. Mais despesa pública em um país com as contas estressadas.

Não menos desastrada foi a política de desoneração da mão de obra. Com o intuito de reduzir os custos das empresas, substituiu-se a base de cálculo da contribuição para a previdência social. Em vez de se calcular a tributação com base na remuneração de cada empregado, passou-se a calculá-la com base no faturamento das empresas. O resultado imediato foi a indução de contratação de mais mão de obra, pois agora a inclusão de mais empregados na firma não aumentava o custo de contribuição previdenciária. Para um mesmo nível de faturamento, não importava se a empresa tinha 10 ou 100 funcionários, a contribuição seria a mesma. Mas isso foi feito em um momento em que o país estava em pleno emprego. Estimular a contratação em uma situação como essa significa induzir aumentos de salários, pois a demanda por mão de obra cresce e a oferta de mão de obra não acompanha, pois há poucos desempregados buscando colocação. Em vez de reduzir custo das empresas, a medida representou aumento salarial: mais uma estocada na capacidade competitiva das empresas frente aos concorrentes externos, que também gerou perdas substanciais de arrecadação tributária.   (em outro artigo há mais detalhes sobre isso).

A falsa sensação de que o Brasil estava engrenando um longo período de crescimento (criada pela renda extra vinda de fora, sob a forma de altos preços e alta demanda por commodities e pelo dinheiro barato circulando no mercado financeiro internacional) levou a grande relaxamento da política fiscal. Um país que, como vimos, permaneceu por  décadas na corda bamba do déficit, equilibrando-se à base de aumento de carga tributária e cortes de investimentos, de repente descobriu-se sem restrições fiscais. Na educação, por exemplo, os gastos federais aumentaram de R$ 14 bilhões em 2004 para R$ 94 bilhões em 2014: um crescimento real de 294%! (mais sobre esses números aqui)

Como um contágio da baixa responsabilidade fiscal, o Governo Federal passou a estimular os estados e municípios a se endividar. Estes aproveitaram a oportunidade para expandir suas folhas de pagamento.

Em suma, houve uma primeira guinada de política econômica em 2005-2006, motivada pelo Mensalão e custeada pelo boom de commodities. Em seguida estabeleceu-se uma política de expansão fiscal com o pretexto de se fazer política anticíclica, posteriormente transformada em “Nova Matriz Econômica”. Tal “matriz”, além de aprofundar a lassidão fiscal, introduziu novos elementos que prejudicariam o bom funcionamento da economia e sua capacidade de crescimento: escolha pelo governo dos setores a serem estimulados, proteção a empresas nacionais ineficientes, interferência na estratégia de investimento das grandes empresas, congelamento de preços de insumos básicos (energia elétrica e gasolina), relaxamento da política monetária, paralisia das licitações de campos de petróleo, elevação do risco de racionamento de energia elétrica e aumento do risco regulatório (a hiperatividade do governo, interferindo em vários mercados, tornava as empresas receosas de investir).

Esses efeitos negativos, contudo, não foram sentidos de imediato. O aumento da renda real, o baixo desemprego, a expansão do consumo ajudada pelo crédito barato, as estatísticas de redução da pobreza e da desigualdade, tudo isso fazia a população crer que seu nível de vida havia mudado definitivamente para melhor.

Como uma cigarra feliz, o Governo Federal estimulou os brasileiros a consumir com vontade toda a renda extra que veio dos ganhos do boom de commodities e do crédito barato vindo do exterior. Impossível não chamar a Nova Matriz Econômica pelo seu nome verdadeiro: “populismo”.

Em 2013 a maré baixou e os problemas começaram a aparecer

Em 2013 o ritmo de crescimento da economia chinesa começou a diminuir. Os mercados de commodities esfriaram. A atividade econômica no Brasil sentiu o baque e os problemas acumulados com os erros da nova matriz, somados à nossa histórica fragilidade fiscal e aos demais problemas estruturais, passaram a cobrar seu preço: o nível de endividamento dos consumidores brecou a expansão do consumo; a escalada da inflação corroeu a renda; acabou o dinheiro que estava bancando o crescimento  insustentável dos gastos primários; os subsídios creditícios dados pelo Tesouro elevaram a dívida bruta e o seu custo; a queda do preço do petróleo somou-se aos escândalos de corrupção e ao previsível fracasso dos produtores nacionais de equipamentos de exploração, colocando a Petrobras na berlinda; as expectativas se deterioraram; as desonerações fiscais ajudaram a derrubar a receita pública e ampliaram o déficit.

O governo passou a maquiar as contas para esconder o déficit, deteriorando ainda mais a confiança e as expectativas dos agentes econômicos em relação à consistência da política econômica. O gráfico abaixo mostra como o resultado primário despencou em 2014. Isso sinaliza para um rápido crescimento da dívida pública e descontrole da inflação.

Gráfico 2 – Resultado Primário do Governo Federal

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O Banco Central, que perdeu credibilidade ao baixar os juros e deixar a inflação escapar da meta, está se defrontando com taxas na casa de 10% ao ano. Para recobrar a credibilidade e fazer as pessoas acreditarem que pretende trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% ao ano, ele precisa “comprar credibilidade”, e o faz com uma elevação de juros bem mais forte do que a que seria necessária caso os agentes econômicos não tivessem perdido a fé nas intenções da Autoridade Monetária. A recessão necessária para colocar os preços nos eixos terá que ser maior.

Diversos programas públicos estão sendo reduzidos ou extintos pela simples falta de dinheiro. Vedetes da propaganda oficial, como Fies, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa Melhor e Ciência sem Fronteira estão encolhendo. Mas os desafios fiscais não param. A elevação da inflação fará com que os reajustes futuros do salário mínimo, corrigidos pelos índices passados mais o crescimento real do PIB, sejam altos, realimentando os gastos públicos e a pressão sobre as empresas.

Apesar da evidente crise fiscal, sucessivos aumentos de gastos presentes e futuros têm sido aprovados, com destaque para a meta de se gastar 10% do PIB na área de educação, a fixação de um piso para o gasto em saúde equivalente a 15% da receita corrente líquida da União, a obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares ao orçamento, a substituição do fator previdenciário por critérios mais frouxos de acesso a aposentadorias.

A sociedade brasileira e as lideranças políticas parecem ter se acostumado com os anos recentes, em que a receita pública crescia a 7% ao ano, e não conseguem se adaptar à nova realidade, em que a receita está caindo em termos reais.

As agências de avaliação de risco já sinalizaram o iminente rebaixamento da nota de crédito do país. Esse rebaixamento iminente já está expresso nas elevadas taxas de juros cobrados de empresas e governos brasileiros que buscam crédito no exterior. Quando consumado, o rebaixamento fechará o acesso do país a recursos de fundos de investimento internacionais, cujos estatutos proíbem investimentos em países sem qualificação de crédito. A tendência será a desvalorização adicional do real, mais pressão inflacionária e maior dificuldade para equilibrar o balanço de pagamentos.

Só não vamos para uma crise clássica, de falta de liquidez para pagar nossos compromissos externos, porque acumulamos mais de US$ 350 bilhões em reservas internacionais. Entretanto, o uso extensivo de swaps cambiais está aumentando a exposição do governo ao risco cambial, bem como o custo de manutenção das reservas. Em um cenário de stress, o Banco Central pode ser obrigado a vender parte substancial das reservas, aproximando-nos de uma clássica crise de balanço de pagamentos.

Como toda política populista, a “nova matriz” era inconsistente e termina em crise. Tivemos a oportunidade de usar o período do boom de commodities para fazer reformas fiscais e regulatórias que removeriam fragilidades e entraves ao crescimento da economia. Preferimos a fórmula fácil de torrar a renda extra pela via do gasto público em políticas questionáveis ou de eficiência não comprovada, além de multiplicar o crédito subsidiado.

Temos problemas estruturais, que vêm de longe e precedem a política econômica dos últimos oito anos. Mas esta, sem dúvida, agravou em muito os fundamentos da economia brasileira.

Feita essa longa digressão, estamos em condições de discutir indagações que frequentemente surgem nesse momento de crise e de mudança de rota da política econômica. No próximo post será apresentado um F.A.Q. da crise.

 

O autor agradece os comentários de Alexandre Rocha, Paulo Springer de Freitas e Pedro Fernando Nery, isentando-os de responsabilidade por erros eventualmente contidos no texto.

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Principais itens de despesa primária em 2014 (% da Receita Líquida do Gov. Federal)

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Outro problema fiscal menos debatido é que as regras que determinam esses gastos são pró-cíclicas. Ou seja, induzem o crescimento da despesa pública nos períodos em que a economia e a arrecadação estão crescendo. Isso significa que em períodos de bom desempenho econômico, como 2004-2010, o crescimento do PIB e da receita obrigam, facilitam ou estimulam a expansão da despesa. Justamente no momento em que seria mais fácil poupar (expandindo o superávit), guardando reservas para enfrentar momentos futuros de menor crescimento, há um estímulo a gastar mais, impedindo-se tal poupança. Quando o ciclo econômico se reverte, as despesas estão altas e crescendo rapidamente.

O ajuste fiscal se impõe quando se esgota o ciclo de expansão. Nesse momento, ocorre uma desagradável coincidência entre receitas em queda e despesas no pico. O ajuste se torna mais duro, pois tem que ser feito sem a ajuda do crescimento do PIB, com as restrições aos gastos em programas sociais coincidindo com a alta do desemprego e queda da renda, como temos visto em 2015. A ação do governo, em vez de atenuar os ciclos econômicos, acaba por intensificá-los, gerando tensão política e social.

Vejamos quais são essas regras pró-cíclicas. Na educação, a União é obrigada a aplicar 18% da sua receita de impostos, com o percentual subindo para 25% nos estados e municípios. Isso é calculado em bases anuais: arrecadação subiu, a despesa tem que subir. Na saúde, a despesa dos estados e municípios deve ser de, no mínimo, 12% e 15% da receita de impostos, respectivamente. Mais uma vez: subiu receita, subiu gasto obrigatório. Pela Emenda Constitucional 86/15, a despesa mínima da União em saúde é de 15% da receita corrente líquida (RCL). A RCL é calculada em termos anuais  e, portanto, altamente influenciada pelo ciclo econômico.

Os limites máximos de despesa de pessoal e de endividamento, para os três níveis de governo, são fixados, na LRF e em resoluções do Senado, como proporções da RCL. Em momentos de boom econômico abre-se mais espaço para endividamento e os sindicatos ganham mais argumentos para pressionar por reajustes remuneratórios.

As transferências da União a estados e municípios, e dos estados aos municípios também são pró-cíclicas, pois são calculadas, mensalmente, como um percentual da arrecadação. Com a economia acelerada, transferências crescentes estimulam mais gastos.

O salário mínimo, que indexa os gastos da previdência e diversos programas sociais, é corrigido pelo PIB de dois anos antes. Em momentos de reversão do ciclo econômico, quando a economia começa a cair, o salário mínimo tem correções elevadas, herdadas do período de bonança, o que agrava a crise fiscal, em especial as contas da previdência e a folha de pagamento dos municípios.

A qualidade das políticas também é prejudicada por essas regras pró-cíclicas. Na fase ascendente do ciclo, constroem-se hospitais e universidades e contratam-se mais profissionais. Quando o ciclo se reverte, as verbas obrigatórias para saúde e educação caem junto com a arrecadação e não se consegue dar conta das despesas correntes necessárias para gerir as novas instalações criadas nos anos anteriores. O limite máximo de despesa de pessoal é atingido e não se consegue remunerar adequadamente o quadro (recentemente expandido) de profissionais.

Observe-se que nem a inflação pode contribuir significativamente para reduzir o caráter pró-cíclico dos gastos, pois tanto o salário mínimo quanto os gastos com saúde e educação variam direta ou indiretamente (via aumento da RCL) com o aumento de preços. Como esses gastos são reajustados pela inflação passada, somente uma aceleração inflacionária poderia aliviar as contas públicas (e, obviamente, criar milhões de outros problemas).

Uma proposta simples para começar a reverter esse problema seria a revisão do período de tempo usado para calcular a RCL. Em vez de calculada com base nos doze meses anteriores ao de referência, esta passaria a levar em conta um período mais longo de, por exemplo, 60 meses (com correção pela inflação). Isso englobaria um ciclo econômico completo e arrefeceria a oscilação nas regras e limites referenciados pela RCL.

O Gráfico mostra a receita primária do Governo Central, corrigida pelo IPCA, calculada como uma média de 12, 36 e 60 meses. Fica evidente que a ampliação do período de cálculo torna a série mais suave, evitando saltos nos valores dos limites máximos e mínimos de despesa.

Receita Primária do Governo Central (R$ bilhões de março de 2015)

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Posteriormente se poderia dar passo adicional, discutindo-se mudança similar no cálculo do montante de impostos vinculado aos gastos, nas regras de partilha constitucional e no salário mínimo. Não adianta propor sofisticados modelos de cálculo de déficit estrutural e fixação de meta fiscal levando-se em conta a fase do ciclo econômico, se não for possível, por motivos legais, obter maior poupança na fase positiva do ciclo. É preciso, primeiro, mudar as regras de determinação da despesa. Isso dará mais estabilidade fiscal e mais previsibilidade de verbas para os gestores públicos, com impactos positivos não apenas no equilíbrio das contas, como na qualidade do gasto.

(Artigo publicado no Valor Econômico, em 19/6/2015)

 

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As Finanças Públicas do Governo de Pernambuco no Período Recente e o Processo de Ajuste em 2015 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2504&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-financas-publicas-do-governo-de-pernambuco-no-periodo-recente-e-o-processo-de-ajuste-em-2015 Mon, 11 May 2015 13:05:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2504 Recentemente publiquei neste blog uma análise agregada das contas fiscais dos estados. O presente texto faz avaliação similar, focada no Estado de Pernambuco. Mostro que esse Estado seguiu a mesma rota de deterioração fiscal observada para a média dos estados e que ele já iniciou o processo de ajuste em 2015, com forte redução das despesas de investimentos.

A preços de 2014 (descontando a inflação), o Estado saiu de uma posição fiscal poupadora (superávit) de R$ 280 milhões em 2010 para o registro de um déficit de R$ 2,1 bilhões em 2014.

Gráfico 1: Superávit Primário em R$ bilhões de 2014

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Essa deterioração fiscal ocorreu pela combinação de menor dinamismo das receitas (crescimento médio real anual de 5,9%), principalmente de transferências do Governo Federal, combinada com a manutenção do crescimento das despesas em patamar mais elevado (crescimento médio real de 6,9%).

Ocorreu uma péssima combinação de deterioração do balanço fiscal do governo de superavitário para deficitário, elevação da carga tributária sobre a sociedade (crescimento das receitas tributárias em 7,1% a.a., em comparação com a previsão de crescimento do PIB Estadual médio anual de 4,4% a.a.) e piora do perfil do gasto público.

Em relação às receitas primárias do estado, pode-se observar a perda de participação das receitas de transferências do Governo Federal. O crescimento médio real das receitas de transferências foi de 3,6% a.a. entre 2010 e 2014, ante crescimento de 9,9% a.a. de 2006 a 2009. Esse comportamento também foi observado nos demais estados brasileiros e é justificado pelo menor repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do Governo Federal. O FPE é calculado como uma proporção do Imposto de Renda e Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Nesse período, o Governo Federal realizou uma série de desonerações tributárias com o IPI (exemplo: automóveis e eletrodomésticos) e, além disso, houve redução da base tributária para a arrecadação desse tributo devido ao menor dinamismo do mercado interno.

Gráfico 2: Receitas Primárias, participação em relação ao total, em %

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Em relação às despesas públicas, o primeiro fato importante a ser notado é o crescimento do tamanho do estado na economia pernambucana. As despesas públicas cresceram em média 6,9% a.a. no período de 2010 a 2014, ante crescimento médio estimado para o PIB do estado de 4,4% a.a.. As despesas primárias passaram de 98,8% do total das receitas primárias em 2010 para 107,8% em 2014, o que explica a deterioração da situação financeira do Estado.

O crescimento da participação do estado na economia não é necessariamente ruim. O estado pode ser um importante indutor do crescimento por meio da ampliação dos investimentos em infraestrutura ou em capital humano, com despesas na área de educação. Porém, nesse período analisado, não foi isso que parece ter ocorrido.

Ao analisar o montante das despesas primárias nas três grandes categorias do gasto público: pessoal, custeio e investimentos, observa-se que o componente que mais cresceu no período entre 2010 e 2014 foi a despesa de pessoal, em 5,6 p.p. do total arrecadado pelo estado. Entre 2010 e 2014, o custeio cresceu 4,2 p.p. do total arrecadado e os investimentos1 tiveram uma ligeira retração de 0,5 p.p., após ter atingido seu valor máximo em 2013, possivelmente com os preparativos para a Copa do Mundo.

Gráfico 3: Despesas Primárias, % do Total das Receitas Primárias

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Observa-se, no Gráfico 4, que as despesas na área de educação não cresceram sua participação no total arrecadado pelo Estado de Pernambuco. Em suma, apesar do observado aumento da participação das despesas públicas na economia pernambucana, esse aumento parece não ter sido alocado para os necessários investimentos em infraestrutura e em educação.

Gráfico 4: Despesas em Educação, em % do Total das Receitas Primárias

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Um comportamento observado em Pernambuco, que também ocorreu com os demais estados da federação, foi o aumento do endividamento para compensar a queda das receitas de transferências. O Governo Federal autorizou uma série de operações de crédito para diversos estados entre 2012 e 2014. Pernambuco utilizou esse espaço financeiro apenas parcialmente para expandir os investimentos. Apesar do salto das receitas fruto de endividamento de um patamar de 2,5% das Receitas Primárias em 2011 para uma média de 9,7% das Receitas Primárias entre 2012 e 2014, os investimentos cresceram de 12% em 2011 para uma média ligeiramente maior, de 13,5%. Ou seja, maior parte do espaço financeiro que o estado teve fruto do endividamento foi canalizado para despesas de pessoal, notadamente em 2014.

Gráfico 5: Receitas de Operações de Crédito, em % do Total das Receitas Primárias

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Gráfico 6: Poupança Corrente (Capacidade de Investir), em % das Receitas Primárias

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Outro indicador orçamentário importante para mensurar a capacidade de um ente da federação em ser um propulsor de desenvolvimento, por meio da expansão dos investimentos, é a poupança corrente. Esse indicador mede o quanto de receitas próprias (excluindo endividamento) sobra após o pagamento das despesas obrigatórias (por exemplo, pessoal e custeio) para investir. Pelo Gráfico 6, observa-se que a poupança corrente do Estado apresentou forte deterioração, já que houve crescimento das despesas obrigatórias (com maior disponibilidade financeira pelo endividamento) e menor crescimento das receitas tributárias e de transferência. Ao final de 2014, o que sobra da arrecadação do estado para expandir investimentos, sem se endividar, é apenas 2,4% das receitas.

E temos um novo ciclo de ajuste fiscal iniciado em 2015…

O retrato da evolução das finanças públicas do Governo de Pernambuco é semelhante ao ocorrido na maior parte dos estados brasileiros. Observou-se, nos últimos 20 anos no Brasil, que o comportamento das finanças públicas é cíclico. Há períodos de bonança, quando os estados estão pouco endividados e a atividade econômica se aquece e, nesse momento, abre-se espaço fiscal para ampliar as despesas. O ideal seria que os estados pudessem “poupar” nesses períodos de bonança para enfrentar os períodos de “vacas magras” sem forte arrocho sobre as políticas públicas, notadamente os investimentos. Infelizmente, os ciclos políticos combinados com falta de planejamento fiscal de médio prazo inibem as instituições públicas agirem de forma mais eficiente para cumprir com os legítimos anseios da sociedade.

O que os últimos dados disponíveis de 2015 informam sobre o processo de ajuste fiscal implementado por Pernambuco? É possível ver pela Tabela 1 que o ciclo de ajuste já se iniciou e que ele segue o comportamento padrão que os demais entes do país adotam. Devido à alta rigidez orçamentária brasileira2, o saneamento das contas públicas passa necessariamente por medidas fiscais que trazem os efeitos mais perversos à economia, como a ampliação da carga tributária e corte nas despesas discricionárias, principalmente os investimentos públicos.

Observa-se o forte esforço fiscal que o Governo de Pernambuco implementou neste início do ano para restaurar as contas públicas. O superávit primário no primeiro bimestre de 2015 foi R$ 470 milhões superior ao mesmo período de 2014, um aumento de 63%. Essa poupança fiscal pode ser atribuída a 51% expansão das receitas de tributos e 49% pela redução das despesas. Em relação às despesas, destaca-se o forte corte sobre os investimentos públicos que caíram 68% em relação ao ano anterior. É importante também observar que as receitas de operações de crédito (endividamento) caíram bastante neste ano, com a tendência atual de restringir novas autorizações de endividamento para os Estados. Neste novo ciclo, haverá maior restrição financeira para a execução das despesas.

Tabela 1: Componentes do Resultado Primário, em R$ mil

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O processo de rigidez orçamentária (que explicado de uma forma simples, trata-se da falta de capacidade de cortar despesas do governo) é extremamente elevado no Brasil devido às regras obsoletas e ineficientes que regem o nosso serviço público. Essas regras prezam pela forma e pelo rito ao invés de buscar resultados concretos. Cria-se a cultura de que para ampliar ou melhorar as políticas públicas deve-se, necessariamente, contratar mais servidores e elevar custos, como se não houvesse ganhos de produtividade e redução de ineficiências no serviço público a serem perseguidas. Pobre do investimento público, que tanto a economia brasileira precisa para se modernizar e para crescer de forma sustentável no longo prazo, necessário para dar melhores condições de vida para a sociedade, mas que sempre é a opção escolhida para se fazer o ajuste fiscal.

* Os dados levantados neste estudo foram extraídos do Relatório Resumido de Execução Orçamentária do Estado de Pernambuco.

___________

1 Inclui-se na série de investimento as despesas também com inversões financeiras por se tratar da mesma natureza.
2 Cita-se como referência artigo “House of Cards e o Brasil” no Valor Econômico do dia 17/4/2015, em http://www.portalvalor.com.br/opiniao/4011216/house-cards-e-o-brasil

 

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Como fazer um ajuste fiscal no Governo Federal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2337&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-fazer-um-ajuste-fiscal-no-governo-federal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2337#comments Mon, 17 Nov 2014 12:22:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2337 O Governo Federal está com grande desequilíbrio em suas contas. De janeiro a setembro de 2014 o setor público (União, Estados e Municípios) acumulou um déficit primário de R$ 15,3 bilhões, quando a meta fiscal para o ano era de superávit  de R$ 99 bilhões. Temos, portanto, uma brecha de R$ 114,3 bilhões (aproximadamente 2% do PIB) entre a intenção e a realidade. O déficit nominal (aquele que inclui as despesas com juros) já chegou a 4,9% do PIB, mais que o dobro dos 2,43% do PIB observados a menos de dois anos, em janeiro de 2013. A dívida bruta do governo geral, que era de 56,7% do PIB em dezembro de 2013,  pulou para 61,7% do PIB em setembro de 2014 (5 pontos percentuais do PIB em menos de um ano!)1.

O desequilíbrio fiscal deve ser considerado o problema número um a ser enfrentado pelo Governo. O objetivo do presente texto é apresentar as linhas gerais do ajuste de que necessita o país.

Deve-se observar, desde já, que não necessariamente o ajuste aqui proposto representará sacrifício à parcela mais pobre da sociedade. É equivocada a associação entre racionalização de gastos públicos e perdas para os mais pobres. Na verdade, como se verá adiante, boa parte do ajuste diz respeito a gastos públicos que beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade. Há espaço para um ajuste que não agrave a nossa elevada desigualdade de renda ou que piore os indicadores de pobreza.

A deterioração da qualidade de vida dos pobres e miseráveis ocorrerá, isto sim, se não for feito qualquer ajuste. A alta inflação e o crescimento econômico próximo a zero já estão mostrando seus efeitos sobre essa parcela da sociedade: o número de pessoas extremamente pobres parou de cair e já mostra inflexão positiva (eram 10,08 milhões em 2012 e passaram a 10,45 milhões em 2013). O mesmo está ocorrendo com a desigualdade de renda, que interrompeu sua trajetória de queda e está estacionado em nível ainda alto (índice de Gini de distribuição da renda domiciliar per capital em torno de 0,53 desde 2011)2.

Antes de listar as propostas de um ajuste fiscal, é preciso compreender por que ele tem importância vital para a retomada do crescimento e o controle da inflação. São vários os canais pelos quais o desequilíbrio das contas públicas prejudica a economia:

  • Não havendo ajuste fiscal, as agências de avaliação de risco retirarão do país a classificação de “grau de investimento”. Este “selo de qualidade” indica que é desprezível o risco de o governo não pagar sua dívida. Se o Brasil perder este certificado de qualidade, grandes investidores mundiais (entre eles os fundos de pensão) ficarão proibidos, por seus estatutos, de investir no país, o que representará forte queda da entrada de investimentos externos. Isso não só terá impacto negativo no crescimento, mas também no nosso balanço de pagamentos. Atualmente temos déficit de 3,72% do PIB em transações correntes (negociações de bens e serviços com o exterior), que é coberto por entrada de capitais via investimentos e financiamentos da ordem de 4,65% do PIB. Escasseando a entrada de capitais, sofreremos rápida redução de nossas reservas e o real se desvalorizará frente ao dólar. A desvalorização cambial aumentará a inflação. Com menos reservas no Banco Central, será mais arriscado para investidores estrangeiros investir no país, pois pode haver falta de dólares na hora em que eles desejarem levar seus capitais de volta ao país de origem. Em suma: aumenta a inflação, cai o nível de investimento e diminui o ritmo de crescimento econômico.3
  • O desequilíbrio fiscal também exerce pressão sobre a inflação por meio de outro mecanismo: o aumento da demanda agregada. Com o governo gastando acima do que arrecada, ele coloca na economia mais dinheiro (via gastos) do que retira (via tributos). Com isso, além do efeito direto do consumo do governo, há aumento do consumo das famílias (aqueles que recebem do governo – funcionários públicos, fornecedores, beneficiários de programas sociais, etc – terão mais dinheiro no bolso para consumir). Ocorre que a economia brasileira enfrenta diversas barreiras para aumentar a oferta de bens para atender essa maior demanda: baixo investimento (devido a incertezas, como será explicado a seguir), deficiências de infraestrutura, baixa poupança para financiar investimentos, entre outras. Com maior demanda e oferta restrita, o resultado é o aumento dos preços.
  • Os agentes econômicos desconfiam fortemente da capacidade do governo para controlar suas contas, não só em função dos maus resultados recentes, mas também pelo esforço feito pela atual administração para esconder a situação através de expedientes de contabilidade criativa (sobre contabilidade criativa ver neste site o texto O que é contabilidade criativa?). Por isso, a perpetuação e agravamento do desequilíbrio fiscal representará desestímulo ao investimento, levando a baixo crescimento da economia nos próximos anos;
  • As despesas do governo com juros tendem a aumentar agravando ainda mais o déficit público, pois o Banco Central tende a combater a maior inflação por meio do aumento dos juros. Além disso, o aumento da dívida pública (decorrente dos déficits sucessivos) aumenta a base sobre a qual os juros devidos são calculados. O setor público já gasta a elevada quantia de 5,5% do PIB com juros todos os anos, e essa conta tende a aumentar.4
  • Em um contexto de desajuste fiscal torna-se impossível aprovar uma reforma tributária que reduza o impacto negativo do atual sistema sobre a eficiência e a produtividade da economia. Qualquer reforma que racionalize o sistema tributário implicará perda de receita, o que não é fácil de suportar em momento de crise fiscal. Em consequência se perpetua o bloqueio que o sistema tributário ineficiente exerce sobre o crescimento econômico;
  • A deterioração nos indicadores de inflação, crescimento, balanço de pagamentos e rating de crédito realimentarão o desequilíbrio fiscal pois, com a economia crescendo menos, o governo arrecada menos. Cria-se uma espiral de más notícias que só será rompida com a mudança do regime fiscal.

Não se pode, portanto, brincar com desequilíbrio fiscal no nível em que ele se encontra. É preciso lançar medidas de reequilíbrio das contas públicas. Acredito que um programa de ajuste deveria se apoiar em três pilares, que devem ser apresentados em conjunto (como um pacote) e postos em prática simultaneamente:

  • Recuperação da credibilidade do governo na gestão fiscal;
  • Ajuste de curto prazo;
  • Ajuste de médio e longo prazo.

RECUPERAÇÃO DA CREDIBILIDADE

Esta dimensão do programa de ajuste consistiria em acabar com a contabilidade criativa e dar transparência à real situação financeira do setor público. Algumas das medidas listadas a seguir agravariam os dados oficiais no curto prazo, simplesmente porque há déficit escondido nas contas públicas. Mas uma política fiscal crível deve resistir à tentação de produzir estatísticas que não reflitam a real situação fiscal, sob pena de não conquistar o apoio dos agentes econômicos. O simples fato de se anunciar o fim de procedimentos nocivos ao equilíbrio fiscal – e atuar de acordo! – ainda que não represente melhora nas contas no curto prazo, já cria expectativa positiva em relação ao futuro.

As principais medidas nessa área seriam:

  1. Suspensão dos empréstimos do Tesouro ao BNDES e redução gradualmente da carteira de empréstimos desse Banco. Caso sejam necessários aportes residuais para cumprir contratos em andamento, eles devem ser registrados como despesa primária do Tesouro, sendo contabilizados como inversão financeira no Banco. Essas operações geram elevado custo de juros para o Tesouro (da ordem de R$ 30 bilhões ao ano) e não têm sido eficaz em atingir seu principal objetivo, que seria o estímulo ao investimento privado.
  2. Fixação, por lei, do montante máximo de dividendos que as empresas públicas podem pagar ao Tesouro a cada ano. Tal medida visa impedir que o Tesouro, ansioso por fechar suas contas, force as empresas a pagar dividendos excessivos, que levem à descapitalização das empresas e à necessidade de, no futuro, o próprio Tesouro ter que fazer aporte de capital para recuperá-las. Os dados mostram evidente aumento de pagamentos de dividendos ao Tesouro: entre 2000 e 2008 tais pagamentos foram equivalentes a 0,26% do PIB ao ano, e entre 2009 e 2014 eles saltaram para 0,55% do PIB.5
  3. Acerto de contas do Tesouro com as empresas, fundos e bancos públicos que, na condição de agentes pagadores de programas do governo, detêm créditos junto ao Tesouro em função de atrasos de pagamentos. Essas chamadas “pedaladas” orçamentárias precisam ser explicitadas e ter um cronograma claro de redução ao longo do tempo. Somente com o FGTS, o Tesouro Nacional tem dívida de R$ 17,7 bilhões6, havendo ainda passivos junto à Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES, cujos números não são claramente divulgados.
  4. Interrupção do lançamento de sucessivos programas de parcelamento de débitos fiscais. Esses programas, conhecidos como REFIS, têm por objetivo facilitar o pagamento de débitos dos contribuintes inadimplentes, gerando uma entrada extra no caixa. Ocorre que a sua repetição, ano após ano, induz o contribuinte a não pagar regulamente suas obrigações, esperando pelo parcelamento em condições facilitadas. Há evidente desmoralização do fisco e queda na arrecadação regular de tributos. Entre os anos 2000 e 2013 foram abertos nada menos que sete programas de parcelamento e refinanciamento de débitos. Os sinais de esgotamento desse mecanismo já são claros. Em 2014 a arrecadação esperada por meio do refinanciamento era de R$ 13 bilhões, mas teve que ser minorada e agora está entre R$ 7 e R$ 9 bilhòes.7
  5. Suspensão de todas as operações entre o Tesouro e empresas públicas ou de economia mista cuja finalidade seja a antecipação da entrada de recursos no Tesouro, como por exemplo, a venda de direitos de royalties de Itaipu para o BNDES ou a venda de direito de exploração de petróleo diretamente à Petrobras, sem a realização de leilão aberto a outras empresas.
  6. Contabilização em separado das receitas de concessão e venda de ativos públicos, apresentando-se o resultado primário com e sem essas receitas não recorrentes. O resultado primário nos últimos anos tem ficado cada vez mais dependente de receitas não-recorrentes, ou seja, receitas que não pertencem ao fluxo regular de arrecadação de tributos, tais como vendas de ativos ou recebimento de dividendos em valores acima do que se observa no mercado; o que indica fragilidade das contas públicas. É preciso mostrar, separadamente, o superávit/déficit advindo dos fluxos regulares de despesas e receitas e aqueles decorrentes de eventos extraordinários. Em 2013, por exemplo, de um superávit primário de 1,9% do PIB, nada menos que 0,9% do PIB resultaram de receitas não recorrentes.8
  7. Definição de um cronograma multianual de redução dos “restos a pagar”, que são despesas orçamentárias feitas no ano “t” cujo pagamento é adiado para o ano “t+1”. Tais adiamentos têm criado uma bola de neve. Em 2004 os restos a pagar (inscritos menos os cancelados) no Orçamento Geral da União equivaliam a 0,7% do PIB. Em 2014 já alcançava 3,4% do PIB.
  8. Apresentação ao Congresso Nacional de proposta orçamentária com base em projeções realistas (de crescimento econômico, inflação, etc.), evitando-se a superestimação das receitas e enfatizando-se o difícil quadro fiscal de curto prazo (a recente propostas apresentada ao Congresso de se ampliar a maquiagem do déficit, por meio de desconto de investimentos e desonerações tributárias é condenável e vai na direção contrária do que está sendo aqui proposto). Em especial é preciso evitar o já “manjado” jogo de cena, feito ao longo dos últimos anos, em que se aprova um orçamento com receitas e despesas irrealistas e, em seguida, faz-se um contingenciamento (sempre com o número mágico de R$ 50 bilhões) que, na verdade, representa cortar despesas que não seriam realizadas, pois não haveria receitas para financiá-las.

AJUSTE DE CURTO PRAZO

As medidas de curto prazo são aquelas voltadas a produzir aumento de receita e redução de despesa com reflexo imediato nas contas governamentais:

  1. Reverter a chamada “desoneração da folha de pagamento”, não só porque ela gera significativa perda de arrecadação (R$ 20 bilhões ou aproximadamente 0,4% do PIB)9 como também cria problemas relativos à eficiência da economia (a esse respeito ver, neste site, o texto “O que é desoneração da folha de pagamento e quais são seus possíveis efeitos?”).
  2. Reverter a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedida a vários produtos, pois ela representa perda de arrecadação (no mínimo R$ 7 bilhões por ano) e estímulo ao consumo em um momento de inflação em alta.
  3. Enfrentar a grande pressão por aumento de gastos de pessoal, que vem sobretudo do Poder Judiciário, sob a forma de: criação de adicional de tempo de serviço não sujeito ao teto remuneratório constitucional (PEC 63/2013 – custo de até R$ 10 bilhões ao ano para a União e R$ 14 bilhões para os estados10); introdução de auxílio moradia para juízes e procuradores (demanda já aprovada no STF e que deve ser enfrentada na esfera judicial – custo estimado em R$ 1,5 bilhão por ano11); forte aumento do teto remuneratório proposto pelo STF (de R$ 29,4 mil para R$ 35,9 mil – acréscimo de 22%, que levaria a aumento de despesa de R$ 1,4 bilhão em 201512). Esses aumentos rapidamente repercutem na remuneração do restante do funcionalismo, desencadeado reajustes em cascata e demandas por realinhamento de remuneração entre carreiras, o que pode aumentar ainda mais o custo estimado da medida. São nocivos não apenas pelo desarranjo fiscal que provocam, mas também por serem fator de concentração de renda, visto que os servidores públicos (em especial os do Judiciário) estão no topo da pirâmide de renda.
  4. Também no STF está tramitando causa relativa ao chamado direito de “desaposentadoria” que, de forma resumida, pode ser descrito como a elevação dos benefícios recebidos pelas pessoas que se aposentaram, mas continuaram no mercado de trabalho. Se aprovada tal possibilidade, haverá um custo de, no mínimo, R$ 70 bilhões com possibilidade de se multiplicar ao longo dos anos (sobre esse ponto ver neste site O que é desaposentadoria e qual o seu impacto? e Por que o julgamento do STF sobre desaposentadoria é importante?)
  5. Suspender a determinação governamental e os estímulos regulatórios voltados a expandir o crédito ao consumo, ofertado pelos bancos públicos. A forte expansão desse crédito em passado recente (o saldo das operações com pessoas físicas passou de 13% do PIB em 2007 para 26% do PIB em 2014)13, associada ao baixo ritmo de crescimento da economia, tende a aumentar o potencial de inadimplência da carteira de crédito dos bancos públicos. Isso representará perda patrimonial e futura necessidade de aporte de recursos do Tesouro àquelas instituições. Foi anunciado recentemente, por exemplo, uma transferência de créditos “podres”da Caixa Econômica para a Empresa Gestora de Ativos (Engea), da ordem de R$ 5 bilhões. A Engea é uma espécie de agência para lidar com créditos de instituições públicas de difícil cobrança 14.
  6. Reverter a política recentemente adotada pelo Tesouro Nacional de facilitar a tomada de empréstimos por estados e municípios. Esses governos subnacionais têm seus limites de endividamento controlados pelo Tesouro, em conformidade com regras estipuladas pelo Senado. Se as regras forem cumpridas à risca, os estados e municípios têm que obter superávit primário para pagar seus débitos vincendos. Quando se abre aos estados e municípios a possibilidade de tomar novos empréstimos, deixa de ser necessário fazer superávit para pagar suas dívidas. Basta fazer dívida nova para pagar dívidas antigas. O resultado foi a queda do superávit fiscal de estados e municípios, que deteriora a situação fiscal agregada do setor público. O superávit primário de estados e municípios caiu de 1,15% do PIB em 2008 para 0,34% do PIB em 2013.

AJUSTE DE LONGO PRAZO

  1. Não há dúvida de que o ajuste de longo prazo mais importante é a retomada da reforma da previdência. Esse é o maior item de despesa do orçamento (consumindo quase 40% de toda a receita primária do Tesouro, com gastos anuais de R$ 350 bilhões ou 7,3% do PIB em 201315). É também a categoria de despesa que tem maior potencial de crescimento, seja devido às regras benevolentes de concessão de benefícios, seja pelo rápido envelhecimento da população, que afetará não só o lado do gasto, mas também o lado da receita, pela diminuição da parcela da população participante no mercado de trabalho e contribuinte para a previdência. As pessoas com mais de 65 anos de idade eram 7% da população em 2012 e serão 22% em 205016. Por isso, faz-se necessário, pelo menos: instituir idade mínima para aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), aumentar o tempo de contribuição necessária para que se pleiteie aposentadoria por idade, rever o instituto das aposentadorias especiais, rever o tempo reduzido de aposentadoria para mulheres, reduzir a benevolência dos benefícios associados à pensão por morte.
  2. A segunda prioridade também é a previdência! Isso porque tramitam no Congresso mais de uma centena de projetos que aumentam benefícios, concedem novas aposentadorias especiais, propõem a institucionalização da desaposentadoria e/ou reduzem exigências para gozo de benefícios existentes. Olhando-se isoladamente cada um desses projetos, eles parecem inofensivos em termos fiscais. Muitos se baseiam em argumentos meritórios. Porém, quando analisados em conjunto, têm potencial explosivo sobre os custos da previdência. A cada ano alguns desses projetos são aprovados e sancionados, cavando um pouco mais o poço do déficit previdenciário (sobre esse ponto será futuramente publicado texto específico neste site). É preciso instituir um mecanismo de avaliação do impacto fiscal desses projetos, e dar a eles atenção redobrada durante sua tramitação no Congresso.
  3. Logo após à previdência, o segundo maior item de despesa é a folha de pessoal do Governo Federal (R$ 221 bilhões ou 4,6% do PIB)17. Como já afirmado acima, esta tende a crescer em função da pressão do Judiciário por aumento de remuneração. Além disso, a política de pessoal do setor público brasileiro é ineficiente e dispendiosa, pagando remunerações elevadas e contratando acima da necessidade, além de garantir estabilidade no emprego de forma generalizada. Um ponto fundamental a ser mudado na política de pessoal diz respeito aos direitos e deveres dos servidores em relação à greve. Atualmente há um desequilíbrio: os servidores podem fazer greve, mas não há instrumentos para punir greves abusivas, não há corte de remuneração dos dias parados nem a possibilidade de demissão. Isso estimula a realização de greves e coloca o poder público contra a parede, resultando em remunerações elevadas e perda de qualidade dos serviços públicos em função de sucessivos movimentos paredistas. A aprovação de uma lei de greve que equilibrasse direitos e deveres contribuiria tanto para conter o peso fiscal da folha de pagamento, quanto para recuperar a qualidade dos serviços prestados.
  4. Ainda em relação ao serviço público, é preciso rever regras de contratação, remuneração e promoção visando criar incentivos para o bom desempenho, assim como conter a contratação em excesso (propostas nesse sentido estão no texto O que fazer para melhorar a eficiência dos servidores públicos e reduzir as despesas de pessoal do governo?). De especial interesse seria a adoção de modelos alternativos de prestação de serviços públicos, como a atuação de organizações sociais mediante contrato de gestão na área de saúde, ou a adoção (mediante avaliação de seus efeitos) de políticas de voucher escolar e terceirização de gestão das escolas públicas.
  5. As políticas de assistência social (Bolsa Família, Abono Salarial, Seguro Desemprego, Benefício de Prestação Continuada – BPC, aposentadorias rurais) têm apresentado peso crescente na despesa pública (elas consumiam 6,2% da receita primária em 2004, pulando para 10,3% em 2013 – em reais foram R$ 182 bilhões ou 3,7% do PIB). Embora algumas dessas políticas representem importante contribuição à redução da pobreza e da desigualdade, outras não são tão eficazes e devem ser descontinuadas. É preciso focar os benefícios nos mais pobres, para ter o máximo de resultado ao menor custo possível. Essa foi a chave do sucesso do Bolsa Família, um programa barato e eficaz. Sob essa ótica, o Abono Salarial é um candidato a ser extinto, o que representaria economia de R$ 19 bilhões em 201518. O seguro desemprego tem sido objeto de fraudes, e precisa passar por mudanças nas suas regras e mecanismos de fiscalização. O valor do salário mínimo, que rege o reajuste do BPC e o piso das aposentadorias, deveria passar a ser corrigido pela inflação adicionada de um índice de produtividade (ou, para facilitar, a taxa de crescimento do PIB per capita). Isso garantiria a manutenção do poder de compra dos benefícios (agregado a um ganho real) em ritmo compatível com o crescimento da economia e da capacidade fiscal. A regra atual de elevação do salário mínimo é mais benevolente, porém sacrifica as contas públicas e tira dos pobres, via inflação, o que lhes dá por meio do reajuste dos benefícios.
  6. Na área de educação é preciso tomar a decisão de focar a ação do setor público na pré-escola e no ensino básico, revendo-se a prioridade até hoje conferida ao ensino superior, em especial à injustificável gratuidade do ensino superior para estudantes de famílias que podem pagar pelo serviço.
  7. É essencial que se instaure no Estado brasileiro mecanismos de avaliação das inúmeras políticas públicas em execução. Os programas são criados e perpetuam-se sem que se avalie se eles geram mais benefícios do que custos. Algumas perguntas básicas devem ser respondidas sobre cada programa público: a quem beneficiam? Qual o custo per capita? Há programas alternativos que beneficiariam mais gente ao mesmo custo? Há necessidade de intervenção do governo ou o problema que se quer resolver pode ser solucionado pelo livre funcionamento de mercado (ou seja, há falhas de mercado envolvidas?)? Qual o impacto sobre a distribuição de renda e redução da pobreza? Quais os efeitos colaterais positivos e negativos que os programas geram para a sociedade?
  8. A criação de uma instituição fiscal independente (ver sobre isso, neste site, no texto “O que são instituições fiscais independentes?”) ou a criação de programas de avaliação de impacto no âmbito do Poder Executivo (já há iniciativa nesse sentido no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos) ajudaria a colocar luz sobre programas públicos ineficientes, que devem ser descontinuados ou reformados, bem como indicar quais são as experiências bem-sucedidas que devem ser replicadas e ampliadas.
  9. Reavaliação do modelo de investimento público. O famoso PAC é um programa baseado na ideia de “quanto mais investimentos melhor”. Ele reuniu e embrulhou em um só pacote diversos projetos que existiam e estavam a espera de financiamento, sem uma avaliação da qualidade e oportunidade desses projetos. E, sobretudo, sem se fazer uma escala de prioridades. Ocorre que o país não tem recursos fiscais nem capacidade gerencial para tocar um grande número de projetos ao mesmo tempo. Acabam ocorrendo casos de projetos mal executados ou inadequados (desconsiderando-se outras opções mais baratas e eficientes), obras interrompidas por falta de recursos, estouro de orçamento em função de mau planejamento. Nesse sentido, seria necessário criar uma agência (ou dar atribuição a um órgão já existente) que centralizasse o planejamento dos investimentos públicos, buscando a sinergia entre diferentes projetos, e definindo com clareza quais seriam objeto de concessão, parceria público-privada ou investimento público direto.
  10. Ainda sobre os investimentos em infraestrutura, é preciso mudar a política adotada naqueles destinados ao modelo de concessão. Não se pode usar a concessão como uma forma de trazer o investidor privado para trabalhar pelo governo, submetendo-o a uma remuneração inferior ao seu custo de capital. Ou seja, medidas populistas, voltadas a reprimir o preço das tarifas pagas pelos usuários, acabam levando a baixa qualidade dos serviços ou relações espúrias entre prestador de serviço e governo, que passam a buscar meios de remuneração menos transparentes (via subsídios extraorçamentários, subsídios cruzados, etc.). O custo para o contribuinte e as distorções de preços relativos e perda de eficiência da economia acabam sendo maiores que a economia no preço do serviço. Em segundo lugar, não se pode usar os programas de concessão tendo por objetivo principal maximizar a receita fiscal obtida nos leilões. Isso porque para maximizar tal receita, o poder público acaba tendo que permitir que o concessionário preste um serviço de pior qualidade (e tenha menor custo e maior lucro), em troca de um pagamento inicial mais polpudo. O ganho fiscal de curto prazo acaba gerando perda de qualidade, e portanto de produtividade, no longo prazo.

CONCLUSÕES

Os pontos aqui esboçados, se adotados em conjunto, dariam aos agentes econômicos uma perspectiva de equilíbrio, eficiência e transparência das contas públicas no longo prazo. Isso atuaria no sentido de conter a inflação e o déficit no balanço de pagamentos. Estimularia os investimentos, permitiria a redução da taxa de juros de equilíbrio e resultaria em maior crescimento econômico.

Resta, como desafio, argumentar que este não seria um “pacote de arrocho” com consequências negativas aos mais pobres.

Uma breve revisão das principais medidas propostas permite constatar que muitas delas, na verdade, desconcentram a renda. É o caso das políticas que visam restringir as altas remunerações do Poder Judiciário, e praticar uma política salarial no setor público mais próxima do que se paga no setor privado. Conter a expansão do efetivo de servidores públicos também atuará no sentido da redistribuição. Parte significativa do funcionalismo está entre os 5% mais ricos do país.

A adoção de políticas voltadas a estimular os servidores públicos a serem mais eficientes, bem como os modelos alternativos de prestação de serviços de saúde e educação, resultaria em melhores serviços prestados aos mais pobres, que são os maiores usuários desses serviços, visto que os mais ricos há muito migraram para os serviços privados.

Igual efeito terá a reforma da previdência, pois em sua conformação atual, o sistema de benefícios é apropriado majoritariamente pela classe média, em detrimento dos mais pobres. Os projetos de mudanças avulsas no sistema previdenciário (na direção contrária à do ajuste das contas), que aos poucos vão sendo aprovados no Congresso, também são, muitas vezes, direcionados a grupos de pressão de classe média, tendo um custo equivalente ao necessário para tirar um grande contingente de famílias da miséria.

A focalização das políticas sociais também seria um instrumento de fazer mais e melhor em favor dos mais pobres, eliminando-se os “vazamentos” de benefícios que hoje vão para a classe média.

Também no caso dos investimentos em infraestrutura é possível buscar um enfoque pró-pobre. Um adequado planejamento e hierarquização de prioridades levaria ao aumento de investimentos em áreas como saneamento básico, remoção de habitações de áreas de risco para conjuntos habitacionais populares e melhorias nos investimentos e gestão do transporte público. São evidentes os benefícios aos mais pobres e à classe média.

A adoção de monitoramento e avaliação de programas públicos de forma sistemática deixaria claro para a sociedade os programas que, embora aparentem gerar muitos benefícios, têm custos elevados. Se submetidas a avaliações desse tipo, iniciativas do chamado Sistema S, que consomem em torno de R$ 15 bilhões por ano, provavelmente se mostrariam caras e ineficientes. O uso dos recursos do imposto sindical e dos programas de treinamento financiados pelo Ministério do Trabalho também ficaria mais claro, podendo-se aferir até que ponto são os trabalhadores ou uma elite sindical que se beneficia dos recursos.

A contenção no ritmo de crescimento do salário mínimo não pode ser vista como uma medida de “arrocho” contra os pobres. Afinal, em algum momento do tempo o salário mínimo terá que parar de subir acima dos demais salários. Do contrário, no longo prazo ele se tornará um “salário máximo”. Os ganhos em termos de redução da pobreza e da desigualdade, decorrentes do reajuste do salário mínimo acima da inflação tendem a ser cada vez menores. Primeiro, porque passarão a pressionar a inflação e retirar renda dos mais pobres.Segundo, porque esse salário passará a ser cada vez mais pesado para as empresas, desestimulando a contratação de trabalhadores pobres menos qualificados (com produtividade abaixo da remuneração mínima). Ademais, a medida proposta não é de redução do valor real do salário mínimo, e sim de moderação na sua taxa de crescimento real.

Por fim, mas não menos importante, o fim dos bilionários subsídios concedidos pelo Tesouro a grandes empresas, por meio de financiamentos do BNDES e o fim dos subsídios implícitos nas desonerações de IPI e folha de pagamentos deixarão de carrear bilhões de reais para o topo da pirâmide de renda.

____________________

1 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil, Nota para a Imprensa, out 2014.
2 Fonte de dados: www.ipeadata.gov.br
3 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, out. 2014.
4 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, out. 2014.
5 Fonte dos dados: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro – Série histórica.
6 Valor Econômico, 17/11/2014.
7 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrecadacao-do-refis-frustra-governo-e-deixa-meta-fiscal-mais-distante-imp-,1555788
8 Fontes: Banco Central do Brasil e Banco Itaú (2013). “Contas públicas: dimensionando o impacto das operações não recorrentes”.
9 Fonte: Receita Federal do Brasil – Desonerações instituídas.
10 Fonte: Valor Econômico, 2/6/14.
11 Fonte: O Globo 7/10/14.
12 Fonte: Folha de S. Paulo 5/11/14.
13 Fonte: www.ipeadata.gov.br
14 Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/11/caixa-repassa-r-5-bilhoes-em-creditos-podres.html
15 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro Nacional
16 Estimativas de Marcelo Caetano, com base em dados do IBGE.
17 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro Nacional
18 Fonte: Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2015.

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O que é desoneração da folha de pagamento e quais são seus possíveis efeitos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2271&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-desoneracao-da-folha-de-pagamento-e-quais-sao-seus-possiveis-efeitos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2271#comments Mon, 11 Aug 2014 14:37:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2271 Desde 2011 o Governo Federal tem alterado a forma pela qual tributa as empresa para fins de financiamento da previdência social. Historicamente as despesas previdenciárias têm sido financiadas por contribuições de empregados e empregadores. Estes últimos pagam contribuições equivalentes a 20% da folha de pagamento das empresas.

A chamada “desoneração da folha de pagamentos” implementada pelo Governo Federal consiste em substituir tal contribuição patronal por outro tributo incidente sobre o faturamento da empresa, e não mais sobre a folha de pagamentos, com alíquotas entre 1% e 2%, a depender do setor da economia.

Há redução parcial do imposto pago, pois, de modo geral, a receita gerada por essas alíquotas não compensa a perda advinda da menor tributação sobre a folha, o que significa perda de receita para o Erário e alívio financeiro para o contribuinte. Há um compromisso financeiro do Tesouro no sentido de ressarcir a previdência social pela receita perdida. Mas para o setor público como um todo (Tesouro mais Previdência) o resultado é perda de receita.

Importante observar que tal substituição vem sendo implantada gradualmente, agregando-se novos setores da economia paulatinamente.

A principal razão para a adoção dessa alteração tributária é reduzir os custos de produção no Brasil, em especial o custo da indústria, que tem enfrentado dificuldades para competir com os concorrentes internacionais. Como é sabido, a carga tributária no Brasil é bastante elevada. Enquanto a indústria brasileira exporta embutindo em seus preços os altos custos tributários do país, seus concorrentes podem oferecer preços menores, pois pagam menos impostos em seus países de origem. O mesmo raciocínio vale para o mercado interno: a indústria nacional não consegue oferecer preços competitivos com os das importações.

A perda de mercado no país e no exterior reduz a participação da indústria no PIB. Isso diminui a oferta de empregos de qualidade, desestimula o esforço de inovação tecnológica das empresas, e amortece o impacto multiplicador que a indústria tem sobre outras atividades da economia. Em consequência, o Brasil tende a crescer mais lentamente.

Um tipo de tributo que é especialmente pesado para as empresas em geral, e a indústria em particular, são os encargos sobre a folha de pagamentos. De acordo com cálculos do DIEESE, uma empresa que contrate um trabalhador com o salário de R$ 1.000,00 acaba tendo um gasto adicional de R$ 308,90 (ou 31%) com contribuições sociais sobre a folha de pagamento1. Além da contribuição para a previdência, equivalente a 20% do valor do salário, há outras contribuições, como salário-educação e contribuições ao “Sistema S”, ao que se acrescenta o seguro-acidente.

Dados do Banco Mundial evidenciam o peso da carga tributária sobre a contratação de mão-de-obra no Brasil. O Gráfico 1 mostra a tributação sobre o trabalho como proporção do lucro comercial para empresas de vários países. O Brasil tem a 6ª maior carga em um conjunto de 176 países.

Gráfico 1 – Impostos e Contribuições sobre o Trabalho (% dos lucros comerciais) – 2013

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A elevada tributação do fator trabalho induz as empresas a diminuir sua demanda por trabalhadores, substituindo-os por máquinas ou por empregados contratados à margem da lei (emprego informal).

Assim, a princípio, a desoneração da folha de pagamentos seria um instrumento que teria por objetivo: reduzir custos e aumentar a competitividade da indústria, bem como estimular a criação de empregos.

Contudo,  a implantação prática da desoneração no Brasil a partir de 2011 parece gerar mais problemas do que soluções, conforme analisado a seguir, tendo em vista o contexto e a forma como a medida foi posta em prática.

Aumento do Desequilíbrio Fiscal

Tendo em vista que no Brasil o gasto público é alto e crescente, a receita pública precisa acompanhar a despesa, de modo a financiá-la. Se a desoneração da folha de pagamentos gera perda de receita e os gastos continuam crescendo, o resultado é a ampliação do déficit público, com efeitos macroeconômicos adversos tais como o aumento da inflação, o déficit nas transações externas e o crescimento da dívida pública. Como se sabe, tais desequilíbrios cedo ou tarde precisam ser debelados com medidas que afetam negativamente o crescimento e o emprego.

Segundo os dados da Receita Federal do Brasil, em 2013, a desoneração representou perda de receita da ordem de R$ 12,3 bilhões, conforme evidenciado na Tabela 1 abaixo.

Tabela 1 – Desoneração da Folha de Pagamento – Estimativa de Renúncia: 2012 a 2014

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Em 2014, o valor deverá ser bem maior por conta da inclusão de novos setores no novo regime de tributação. No primeiro trimestre de 2014, a redução de arrecadação já soma R$ 4,6 bilhões. Tomando a média mensal, a renúncia fiscal em 2014 já está em patamar 409% acima daquela observada em 2012. Se a renúncia observada nos três primeiros meses de 2014 for extrapolada para o restante do ano, chega-se a R$ 18,4 bilhões. O número poderá ser maior se outros setores forem agregados à desoneração da folha.

Isso é nada menos do que 22% do superávit primário programado para o Governo Central em 2014. Ou seja, sem a renúncia de receita decorrente da desoneração da folha de pagamento, seria muito mais fácil atingir a meta de equilíbrio fiscal do setor público. Logo, a desoneração da folha de pagamento tem relevante impacto macroeconômico negativo (inflação, juros mais altos, desequilíbrio no balanço de pagamentos), ainda que traga vantagens para seus beneficiários diretos.

Observe-se que o desequilíbrio fiscal não decorre da desoneração da folha de pagamentos per si, mas do fato de a alíquota sobre o faturamento, que substituiu a anterior, ter sido fixada em um nível insuficiente para gerar o mesmo volume de receitas.

Aumento da cumulatividade do sistema tributário

A ideia de reduzir a contribuição previdenciária não é nova. A PEC n° 233, de 2008, de iniciativa do Poder Executivo federal, continha proposta nesse sentido no bojo de uma reforma tributária. A proposta consistia em substituir gradualmente parcela da contribuição previdenciária do empregador por um novo imposto sobre valor adicionado (IVA). Esse imposto seria o principal tributo do país, em substituição a vários outros impostos e contribuições. Entre essas estavam a Cofins e o PIS, tributos muito criticados por serem complexos e cumulativos.

Em vez de um imposto sobre valor adicionado, conforme previsto na PEC nº 233, de 2008, a contribuição previdenciária foi compensada com uma contribuição sobre o faturamento. Trata-se de um exemplo do risco de se seguir a estratégia da reforma tributária fatiada, em que medidas logicamente articuladas dentro de um conjunto são destacadas e adotadas parcialmente, em geral apenas a parte politicamente palatável.

Ou seja, trocou-se um tributo que incide sobre o valor agregado a cada etapa da produção (a mão de obra) por outro com efeito cumulativo, o que distorce os preços relativos das mercadorias. Isso se dá porque o imposto sobre o faturamento incide sobre o valor agregado em outras etapas da produção, sem qualquer compensação pelos tributos já recolhidos. Assim, bens com longas cadeias de produção pagam mais tributos, quando comparados àqueles  de cadeia de produção curta.

Logo, diferentes empresas e diferentes setores acabam sendo tributados a mais ou a menos em função de especificidades do processo produtivo, o que tem consequências negativas sobre a eficiência. Produtos de cadeia produtiva mais simples (por exemplo, alimentos em natura) terão carga tributária menor que outros mais sofisticados (por exemplo, automóveis). Com esse incentivo, empresas  produzirão internamente insumos que poderiam adquirir no mercado, com o intuito de pagar menos impostos. O resultado é o desestimulo à especialização, com impacto negativo sobre a produtividade e a qualidade do processo produtivo.

 Quebra de vinculo entre o financiador e o beneficiário dos gastos previdenciários

Outro problema decorrente da substituição da contribuição sobre a folha pela contribuição sobre o faturamento é a quebra do vínculo entre o número de trabalhadores empregados e contribuição à previdência. Com a contribuição sobre a folha  há relação direta entre a intensidade do uso da mão de obra e de aposentadorias geradas por uma empresa e a contribuição dessa empresa e de seus empregados para o financiamento da previdência.  Quando se transfere a base de incidência para o faturamento, perde-se esse vínculo. Por exemplo, empresas que faturam muito, mas que têm poucos empregados, contribuem mais, enquanto empresa com muitos empregados e pouco faturamento, contribuem menos.

Mais lógico do que substituir integralmente a contribuição sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento ou mesmo por um imposto sobre valor agregado, seria reduzir parcialmente (em vez de zerar) a alíquota da contribuição sobre a folha. A nova alíquota poderia ser calibrada para gerar a mesma perda de receita (desoneração) decorrente da substituição da contribuição sobre a folha pela contribuição sobre o faturamento. Ainda que não deixasse de aguçar o desequilíbrio fiscal, essa política alternativa não deterioraria ainda mais a qualidade do sistema tributário e do financiamento da previdência.

Escolha arbitrária dos setores beneficiados

Outro problema da política de desonerações é a inclusão arbitrária de setores beneficiados durante a tramitação legislativa das medidas ou mesmo depois, com ajustes na lei. Isso aconteceu no caso da desoneração da folha de pagamentos, notadamente durante a tramitação da MPV nº 563, de 2012, assim como ocorre, por exemplo, na distribuição dos setores entre os regimes cumulativos e não cumulativos da Cofins e do PIS e na inclusão de setores no Super Simples.

Tal fato representa uma interferência indevida do Estado na escolha de vencedores (os contemplados) e perdedores (os excluídos), substituindo o mercado na alocação dos recursos, criando privilégios e incentivando a prática do lobby. Ademais, eleva a complexidade do sistema tributário, pois tornam-se necessários mais controles e  regras detalhadas definindo quem está dentro e quem está fora do novo regime de tributação.

O resultado disso é perda de produtividade da economia. Os recursos escassos passam a ser alocados ineficientemente entre as diversas atividades, de acordo com as vantagens tributárias. Eleva-se o custo das empresas para cumprir as exigências tributárias (agora mais complexas) e os recursos gastos para sustentar a prática do lobby.

Estimulo ao emprego no pleno-emprego

Em relação aos efeitos da desoneração da folha de pagamentos sobre o mercado de trabalho do Brasil, é preciso que se leve em conta a atual peculiar situação desse mercado. Milhões de empregos foram gerados no país nos últimos anos, o que resultou em taxa de desemprego historicamente baixa e em aumentos reais dos salários.

Tendo em vista que a desoneração da folha reduz o custo de contratação, ela acaba por pressionar ainda mais o mercado de trabalho, elevando os salários e, portanto, o custo das empresas. Assim, a eventual redução de custos para as empresas, proporcionada pela desoneração tributária, acaba em parte tragada pela elevação nos salários. Ademais, os setores não contemplados por desonerações arcam com o custo mais alto de mão de obra sem o correspondente ganho de redução de impostos.

Em síntese, a desoneração da folha, concebida para elevar a contratação de mão de obra ao reduzir seu custo, poderá, na prática, à medida que for sendo implementada, afetar preponderantemente os salários, diante da atual situação de baixo desemprego. Certamente é um benefício para os trabalhadores, mas não resolve o problema de custo de produção das empresas.

Considerando o resultado final, os setores beneficiados com a mudança de base de tributação deverão obter redução líquida de custos, porém menor do que o alívio tributário, diante  do aumento salarial. Já os setores não beneficiados sofrerão aumento de custos, pois, além de continuarem pagando sobre a folha de pagamentos, estarão sujeitos a salários mais altos. Ao fim e ao cabo, aumentará a distorção alocativa da economia.

A desoneração do setor de serviços prejudica a indústria

A indústria foi o setor mais atingido pela perda de competitividade do país, pressionado entre baixa produtividade e custos elevados (tributos, logística deficiente, burocracia, insegurança jurídica, etc.), de um lado, e valorização cambial e concorrência externa, de outro. O seu nível de produção mal consegue alcançar o nível anterior ao início da crise internacional, em setembro de 2008.

A desoneração da folha parece ter sido concebida para compensar parcialmente as perdas da indústria. No entanto, a desoneração acabou se estendendo, também, para o setor de serviços. Como é sabido, parte significativa do setor de serviços produz “bens não-comercializáveis”, ou seja, bens e serviços que não podem ser negociados no mercado internacional. É o caso, por exemplo, da construção civil: não é possível aumentar a oferta de residências no país importando casas do exterior. O mesmo argumento vale para serviços de cabeleireiros, reparos de equipamentos, hospedagem, entre outros.

Por isso, o setor de serviços tem mais espaço para elevar preços e contratar mão-de-obra em um contexto de expansão da demanda agregada. Isso pressiona o mercado de trabalho e eleva os salários a serem pagos não só naquele setor, mas também pela indústria, dificultando ainda mais a competitividade da indústria em relação a produtos importados, além de prejudicar as exportações de manufaturados.

Conceder desoneração tributária à indústria, sem concedê-la ao setor de serviços, seria uma forma de reequilibrar a situação da indústria: a mão-de-obra ficaria mais barata para a indústria e mais cara para o setor de serviços. Contudo, se a vantagem também é dada ao setor de serviços, anula-se, pelo menos parcialmente, o efeito positivo para a indústria.

Em suma, a desoneração da folha de pagamento poderia, em princípio, ser uma providência com efeitos líquidos positivos sobre a economia brasileira. Entretanto, no contexto e nos moldes em que foi adotada pelo Governo Federal a partir de 2011, não parece capaz de reduzir os custos de produção das empresas em geral ou da indústria em particular. Ademais, agravou o problema de desequilíbrio fiscal e tornou o sistema tributário mais complexo e casuístico.

Para ler mais sobre o tema:

Domingues, E.P. et al (2012) Crescimento, emprego e produção setorial: efeitos da desoneração de tributos sobre a folha de salários no Brasil. UFMG/CEDEPLAR. Texto para Discussão nº 456.

Giambiagi, F., Schwartzman, A. (2014) Complacência. Ed. Elsevier-Campus.

Pinto, V.C., Afonso, J.R., Barros, G.L. (2014) Avaliação setorial da desoneração da folha de salários. Fundação Getúlio Vargas. Nota Técnica, fev. 2014.

Werneck, R. (2013) Abertura, competitividade e desoneração fiscal. In: Bacha, E., de Bolle, M. O futuro da indústria no Brasil. Civilização Brasileira.

________________

1 Fonte: Cardoso, D., Souza, K., Domingues, E. “Medidas recentes de desoneração tributária no Brasil: uma análise de equilíbrio geral computável”. Encontro de Economia Aplicada. Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: http://www.ufjf.br/encontroeconomiaaplicada/files/2014/05/MEDIDAS-RECENTES-DE-DESONERA%C3%87%C3%83O-TRIBUT%C3%81RIA-NO-BRASIL-UMA-AN%C3%81LISE-DE-EQUIL%C3%8DBRIO-GERAL-COMPUT%C3%81VEL.pdf

 

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O que são “instituições fiscais independentes”? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2221&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-sao-instituicoes-fiscais-independentes https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2221#comments Mon, 05 May 2014 13:58:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2221 O Estado brasileiro passa por um processo de deterioração fiscal que tem componentes de curto e longo prazo. No curto prazo observa-se a queda dos resultados primários do setor público, que passaram de 3,8% do PIB em 2008 para 1,9% em 2013. Há, também, uma deterioração na qualidade deste superávit e das contas públicas, em que procedimentos contábeis pouco usuais têm sido utilizados com o intuito de mascarar parte da deterioração fiscal (sobre tal ponto ver, neste site, “O que é contabilidade criativa?”).

É forçoso, contudo, reconhecer que, mesmo quando o setor público apresentava superávits primários robustos e contabilidade mais clara, a qualidade da nossa política fiscal já não era das melhores. Ano após ano a despesa total cresce e, com ela, a carga tributária. A despesa primária do governo central pulou de 14% do PIB para 19% do PIB entre 1997 e 20131, e a carga tributária nos três níveis de governo saltou de 28% para 34% do PIB no mesmo período2. Os superávits primários têm sido feitos não apenas por meio de aumento de tributos, que sufocam os contribuintes e desestimulam o crescimento econômico, mas também com base em repressão dos investimentos públicos, tornando a infraestrutura do país precária. Este é o componente de deterioração de longo prazo da política fiscal.

O processo orçamentário se dá de uma forma em que os poderes Executivo e Legislativo têm interesse em fixar receitas superestimadas e despesas elevadas. O Executivo o faz porque, dispondo do poder de contingenciar gastos, pode escolher quais despesas executará ou não. Assim, quanto mais amplo o espectro de despesas disponíveis, mais espaço tem para distorcer o orçamento a favor de suas prioridades. Já o legislativo tem interesse em ampliar as despesas para encaixar os gastos de interesse dos parlamentares e de suas bases. O controle fiscal se faz na boca do caixa, sem transparência ou ordenamento de prioridades sociais.

No campo da qualidade do gasto público, inexiste no país a prática de se avaliar benefícios e custos gerados pelos programas patrocinados pelo governo. Os programas são postos em prática, o gasto se eleva ano após ano, mas pouco se avalia se eles constituem benefício para a sociedade como um todo ou apenas mais uma fonte de renda para grupos específicos com poder de pressão política. Os investimentos públicos não passam por planejamento cuidadoso, sua execução usualmente estoura os orçamentos prévios e, depois de prontos, têm manutenção deficiente, o que reduz a vida útil de estradas, portos e equipamentos urbanos (mais sobre isso, em outro texto neste site: “Por que é importante investir em infraestrutura?”).

Não será simples corrigir todas essas distorções. Um caminho promissor, contudo, pode ser a criação de uma “instituição fiscal independente” ou “conselho fiscal” – doravante chamados de IFI – nos moldes de instituições que já funcionam em vários países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A mais famosa dessas instituições é o Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos. Mas há também o Office for Budget Responsibility (OBR) no Reino Unido, o Conselho de Finanças Pública (CFP) em Portugal e mais outras vinte e seis instituições similares em países tão distintos entre si quanto Quênia e Coréia do Sul. A expansão desses órgãos ganhou impulso especialmente na Zona do Euro, com a necessidade de promover ajustes fiscais estruturais após a crise de 2008, que afetou fortemente a Europa.

Tais instituições são órgãos de Estado, com estrutura similar a de agências reguladoras (dirigentes com formação técnica, com mandatos predefinidos e protegidos de pressões políticas). Sua função é a de ser uma espécie de cão de guarda da estabilidade fiscal e da qualidade do gasto público. Devem fazer análises técnicas isentas, tornando-as públicas, buscando dar o máximo de transparência possível a suas avaliações.

Certamente uma agência com essa natureza ajudaria a melhorar a qualidade da política fiscal no Brasil, pois atuaria sobre pontos críticos que precisam ser aperfeiçoados. Em primeiro lugar, poderia fazer estimativas independentes da receita orçamentária, que colocaria em xeque as estimativas usualmente superestimadas feitas pelo Executivo e o Legislativo. Estes teriam que, no mínimo, explicar porque suas receitas esperadas estariam acima daquela estimada pela IFI. Não conseguindo fazê-lo, seriam forçados a moderar a fixação da despesa orçamentária.

A IFI também poderia atuar avaliando a qualidade de políticas públicas. Estudos de custo-benefício, que requerem grande quantidade de informações e alta especialização técnica para que sejam bem feitos, poderiam indicar à sociedade quais são os programas públicos que merecem ter continuidade e quais deveriam ser extintos por trazerem mais custos que benefícios.

Isso permitiria não apenas melhorar a qualidade do gasto público, introduzindo no país uma cultura de avaliação dos gastos, como também permitiria conter a expansão do gasto agregado. Menor carga tributária seria necessária para dar conta de despesas em menor nível. As avaliações de custos e benefícios poderiam ser feitas, inclusive, antes de os projetos serem postos em prática, por meio de avaliação de impacto de proposições em tramitação no Congresso que visem instituir novos gastos, conceder isenções tributárias ou outros tratamentos preferenciais a grupos específicos.

Outra área de relevante atuação desta instituição independente seria na fixação de critérios contábeis de alta qualidade, o que deixaria explícito os casos em que os governos estariam tentando iludir a população com o uso de contabilidade criativa.

É importante notar que a criação de uma IFI não significa retirar do Executivo e do Legislativo o poder para programar e executar a política fiscal. Não se trata de aplicar, na área fiscal, princípio similar ao de independência do Banco Central, pelo qual o governo amarra suas mãos e dá à autoridade monetária o poder para gerir a oferta de moeda à sociedade. A política fiscal não pode ser executada dessa forma, pois ela é a essência da atividade de governar. O que a instituição fiscal independente deve fazer é, como dito acima, funcionar como um “cão de guarda” das finanças públicas, apontando excessos, ineficiências e distorções; oferecendo parâmetros para avaliar a trajetória de longo prazo da política fiscal; estabelecendo critérios contábeis lastreados na transparência das contas públicas.

Ela deve usar a sua comunicação com o público, em especial com a imprensa, para divulgar o que se espera do governo em termos de adoção de boas práticas fiscais. Deve explicitar custos e benefícios dos programas públicos. Mas jamais deve determinar o corte ou expansão desta ou daquela despesa, a interrupção deste ou daquele programa.

Não se deve confundir, também, a ação de uma instituição fiscal independente com a de instituições voltadas à auditoria e controle, como os tribunais de contas. Estes atuam avaliando o passado, estudando o resultado de programas em andamento ou já encerrados, aprovando ou rejeitando as contas públicas. As instituições fiscais independentes atuam olhando para o futuro: avaliam os prováveis cenários para a receita e a despesa, estudam benefícios e custos de programas visando seu aperfeiçoamento, definem critérios de qualidade para a contabilidade pública.

O Brasil já tem, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um embrião de instituição fiscal independente. Trata-se do Conselho de Gestão Fiscal (CGF), instituído pelo art. 67 daquela Lei. Todavia, o CGF não foi instituído até hoje.

Tal demora deve-se a dificuldades envolvidas na regulamentação. Isso porque a LRF exige que o CGF tenha representantes de todos os poderes, em todos os níveis de governo, além de representantes de entidades técnicas da sociedade civil. Surgem aí alguns problemas práticos e algumas incongruências com a ideia de entidade independente. Em primeiro lugar, o CGF teria número excessivo de representantes, dificultando a obtenção de quorum e o processo decisório. Em segundo lugar, a participação de membros do poder público, eles próprios executores de políticas que seriam avaliadas pelo conselho, reduziria o grau de independência e imparcialidade nas avaliações feitas pela entidade. Em terceiro lugar, é muito difícil estabelecer critérios práticos para se escolher, por exemplo, quem seria o representante de todos os legislativos municipais do país, Como fazê-lo? Uma eleição na qual votariam todos os vereadores do Brasil? Dificuldade similar surgiria para escolher o representante dos judiciários estaduais ou para definir quais seriam as entidades da sociedade civil contempladas com o direito de participar do CGF.

Para que o CGF pudesse ser convertido em uma verdadeira instituição fiscal independente, seria necessário alterar a LRF com vistas a dar ao Conselho um perfil similar ao das agências reguladoras: nomeação de um pequeno número de diretores, com perfil técnico, evitando-se dar representação a entidades, órgãos governamentais ou poderes públicos. Deve-se, ademais, prover a entidade com equipe técnica qualificada e abrir a possibilidade de atuar em conjunto com universidades e outras instituições capacitadas para fazer as análises que se espera de uma IFI.

Este seria um grande passo no sentido de se mudar o perfil expansionista de nossa política fiscal, de melhorar a qualidade da intervenção do governo na economia e, com isso, elevar o potencial de crescimento do país.

Já há evidências empíricas de que as IFI têm efeito concreto. Um estudo do FMI3 mostra que países com IFI que atendem a alguns requisitos básicos apresentam desempenho fiscal mais sólido e orçamentos mais realistas. Esses requisitos são: ter independência operacional, realizaranálise de projeções fiscais, estar presente na mídia e monitorar metas fiscais.

O Brasil, sem dúvida, carece de um aperfeiçoamento institucional dessa natureza. O que não falta é literatura sobre o tema, conforme lista apresentada abaixo, e possibilidade de assistência técnica por parte do FMI, da OCDE e das próprias IFI já em funcionamento.

 

Para ler mais sobre o tema:

Bos, F., Teulings, C. CPB and Dutch fiscal policy in view of the financial crisis and ageing. http://www.cpb.nl/en/publication/cpb-and-dutch-fiscal-policy-view-financial-crisis-and-ageing

Calmfors, L. (2010) The swedish fiscal policy council – experience and lessons. http://people.su.se/~calmf/Wipol_2011_Calmfors.pdf

Calmfors, L., Kopits, G., Teulings, C. (2010) A new breed of fiscal watchdogs. EVRO Inteligence. http://www.finanspolitiskaradet.se/download/18.55431e1f13f86263d6a1c5a/1377195290368/Calmfors,+Kopits+%26+Teulings+(2010).pdf

Debrun, X. (2011) Democratic accountability, deficit bias, and independent fiscal agencies. FMI – Working Paper WP/11/173.

Debrun, X., Kinda, T. (2014) Strengthening post-crisis fiscal credibility: fiscal councils on the rise – a new dataset. FMI – Working Paper WP/14/58.

Eichengreen, B., Hausmann, R., von Hagen, J. (1999) Reforming budgetary institutions in Latin America: the case for a National Fiscal Council. Open Economies Review, 10: 415-442.

FMI (2013) The functions and impacts of fiscal councils. http://www.imf.org/external/np/pp/eng/2013/071613.pdf

Hagemann, R. (2011) How can fiscal councils strengthen fiscal performance? OECD Journal: economic studies, vol. 2011/1, http://dx.doi.org/10.1787/19952856

Kopits, G. (2011) Independent fiscal institutions: developing good practices. 3rd Annual Meeting of OECD Parliamentary Budget Officials – Estocolmo, Suécia.

Marinheiro, C.F. (2011) Fiscal sustainability and the accuracy of macroeconomic forecasts: do supranational forecasts rather than government forecasts make a difference? International Journal of Sustainanble Economy, v. 3, n. 2

OCDE (2013) OECD principles for independent fiscal institutions. http://acts.oecd.org/Instruments/ShowInstrumentView.aspx?InstrumentID=301&InstrumentPID=316&Lang=en&Book=False

Szpringer, Z. (2013) A parliamentary view of Poland’s plans to enhance the role of existing institutions in place of establishing an independent fiscal institution. Mimeo – Varsóvia, Polônia. http://www.pbo-dpb.gc.ca/files/files/D1-AM%20-%20Roundtable%20-%20Zofia%20Szpringer%20-%20POLAND.pdf

_______________

1 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
2 Fonte: Receita Federal do Brasil
3“Strenghening Post-Crisis Fiscal Credibility: Fiscal Councils on the Rise – A New Dataset”, de Xavier Debrun e Tidiane Kinda.

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Dívida líquida do setor público decrescente significa política fiscal sob controle? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2002&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=divida-liquida-do-setor-publico-decrescente-significa-politica-fiscal-sob-controle https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2002#comments Mon, 14 Oct 2013 14:05:51 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2002 A dívida líquida do setor público (DLSP) como proporção do PIB prossegue em sua longa trajetória de queda, ainda que com momentos de estabilidade ou aumento. Isso significa que a política fiscal está sob controle e que não há necessidade de correção? A resposta é negativa. A DLSP não está caindo por causa da política fiscal. Na verdade, há pelo menos dois anos que a política fiscal é fator de pressão de alta sobre a DLSP. O indicador só continua caindo por conta da ação de outros fatores os quais mais que compensam o efeito da política fiscal.

A afirmação acima pode ser comprovada recorrendo-se à trajetória de outro indicador de endividamento público. Trata-se da dívida fiscal líquida (DFL), como proporção do PIB. Esse indicador mostra qual seria a trajetória da dívida líquida do setor público caso ela fosse afetada apenas pela política fiscal. A expressão quantitativa da política fiscal é o déficit público, entendido como as despesas menos as receitas do setor público. A variação da DFL em certo período corresponde ao déficit público desse período, pois exclui qualquer outro fator que não tenha relação com a condução da política fiscal, mas afeta o endividamento público. Aferida em relação ao PIB, a DFL depende ainda da evolução do produto da economia. Caso o crescimento da economia seja positivo, a estabilidade do indicador é compatível com algum déficit público, mas quanto menor o crescimento, menor esse déficit.

O Gráfico I abaixo mostra a evolução da DLSP e da DFL desde dezembro de 2010, ambas como proporção do PIB. Os números são do Bacen (http://www.bcb.gov.br/?COMPDLSP). Conforme visto, a DLSP manteve a trajetória de queda em todo o período considerado, ainda que intermediada por momentos de estabilidade ou aumento. Já a DFL atingiu o seu menor número em julho de 2011, com 31,6% do PIB. Daí em diante deixou de cair e, a partir de maio de 2012, ingressou em clara tendência de aumento, chegando a 33,4% do PIB em agosto de 2013, último dado disponível.

Qual a razão da trajetória oposta dos dois indicadores? A resposta no caso da DFL só pode ser uma, tendo em vista a definição dada acima: a evolução do déficit do setor público.

Essa variável costuma ser dividida em duas partes: juros líquidos devidos e superávit primário (receitas não financeiras menos despesas não financeiras). Dado o tamanho da dívida líquida e o nível de taxa de juros, o esforço fiscal representado pelo superávit primário costuma ser inferior aos juros líquidos devidos pelo setor público, resultando em déficit público. Ocorre que nos últimos dois anos, o esforço fiscal como proporção do PIB vem caindo, sem que os juros devidos caiam na mesma proporção. O resultado é o aumento da dívida. O Gráfico II mostra as três variáveis no acumulado dos últimos doze meses, como proporção do PIB. O superávit primário aparece como número negativo.

Em julho de 2011, o déficit público estava em cerca de 1,9% do PIB, resultado de superávit primário de 3,7% do PIB e de juros líquidos devidos de 5,6% do PIB, situação que pode ser considerada satisfatória. Entretanto, em agosto de 2011, houve uma guinada da política fiscal e monetária sem razões aparentes. No âmbito da política fiscal, o superávit primário passou a cair (no Gráfico II, tornou-se menos negativo), ainda que com algumas interrupções.

Como parte relevante da dívida pública é corrigida pela taxa Selic, os juros líquidos devidos acompanham em boa medida os ajustes promovidos na referida taxa no âmbito da execução da política monetária. Em agosto de 2011, teve início um período de sucessivas reduções na taxa Selic, que caiu de 12,5% ao ano para o piso histórico de 7,25% ao ano, em outubro de 2012. A evolução dos juros líquidos devidos no Gráfico II reflete com clareza essa mudança na política monetária.

Assim, o déficit público subiu, acompanhando o superávit primário, mas amortecido pela trajetória dos juros líquidos devidos. O problema é que a taxa Selic voltou a subir em abril de 2013, como resposta ao recrudescimento da inflação. Em consequência, a evolução dos juros líquidos deixou de compensar parte da redução do superávit primário, podendo inclusive se somar a esse como fator de aumento do déficit público.

A situação em agosto de 2013, último mês com dado disponível, é de déficit público de 3,12% do PIB, aumento de 1,26 ponto percentual do PIB em relação a julho de 2011, fruto da redução de 1,91 ponto do superávit primário e da queda de 0,65 ponto percentual dos juros líquidos devidos.

A DFL subiu, acompanhando esse movimento do déficit público. Conforme visto, esse indicador alcançou o seu menor nível em julho de 2011 e, com a guinada da política econômica no mês seguinte, ingressou em trajetória de elevação daí em diante.

Mas o que explica que a DLSP tenha continuado a cair, mesmo dois anos após a mudança da política econômica? É que a DLSP, além de influenciada pela política fiscal, depende também de outros fatores, notadamente eventos patrimoniais e cambiais.

Os chamados fatores patrimoniais incluem, por exemplo, a venda de um ativo ou o reconhecimento de uma dívida. Quando o setor público amortiza dívida com a venda de um ativo ou então quando a dívida sobe porque o setor público reconhece certo passivo, a dívida líquida muda, mas não por razões estritamente fiscais.

Já os fatores cambiais refletem os efeitos de alterações na taxa de câmbio na parcela do passivo e do ativo do setor público denominada em moeda estrangeira, notadamente o dólar. Quando, por exemplo, um ente deve ao exterior, em dólar, a sua dívida em reais aumenta quando há desvalorização cambial (aumento do preço do dólar). Já quando o ente é credor em dólar, como ocorre no caso da União, em função do excesso de reservas internacionais em relação à sua dívida externa, o valor em reais do ativo aumenta quando há desvalorização cambial. Nesse último caso, a dívida líquida cai, pois corresponde à dívida bruta deduzida do ativo. No caso de valorização cambial, há o movimento inverso. Assim, as variações cambiais afetam a dívida líquida não por razões estritamente fiscais, tal como ocorre com os ajustes patrimoniais.

O Gráfico III mostra a variação acumulada da DLSP em pontos percentuais do PIB, desde dezembro de 2010 até agosto de 2013, em três situações: 1) a situação que de fato ocorreu; 2) a situação caso não tivesse sofrido a ação das mudanças cambiais; e 3) a situação caso não tivesse sofrido a ação das mudanças cambiais, nem dos ajustes patrimoniais. Essa terceira situação retrata, na verdade, a evolução da DFL, pois esse indicador corresponde justamente à DLSP sem a ação dos dois fatores.

O Gráfico III mostra que, sem o efeito das mudanças cambiais, a trajetória da DLSP teria sido muito próxima da trajetória da DFL. No período considerado, a DLSP teria subido 0,6 ponto e não caído 5,3 pontos, como de fato ocorreu. Já a DFL subiu 0,9 ponto percentual. Dito de outro modo, as mudanças cambiais explicam 5,9 pontos da diferença de 6,2 pontos entre a variação da DLSP e a variação da DFL.

O que explica a importância da variação cambial como fator determinante da trajetória da DLSP nos últimos dois anos? A presença de uma situação inédita: grande volume de reservas internacionais e desvalorização do real frente ao dólar. As reservas passaram de US$ 37 bilhões em dezembro de 2002 para um saldo cerca de dez vezes maior dez anos depois. Na maior parte do período, entretanto, houve valorização cambial. A tendência de desvalorização do real começou em setembro de 2011, o que, ao elevar o valor em real das reservas internacionais, diminuiu a dívida líquida. No Gráfico III, pode-se ver que no referido mês as trajetórias da DFL e da DLSP começaram a se distanciar.

É claro que a dívida externa do setor público, mensurada em reais, aumenta com a desvalorização cambial, mas o aumento das reservas foi de tal monta que o setor público passou a ser credor externo em termos líquidos já em setembro de 2006.

Em síntese, a partir da guinada em agosto de 2011, a política fiscal tem atuado para elevar a DLSP, e não reduzi-la. Esse indicador, contudo, continua caindo por conta do efeito da desvalorização cambial sobre o valor em real das reservas externas. Ao mesmo tempo, a DFL sobe, por retratar apenas o efeito da política fiscal sobre o endividamento público.

O efeito da desvalorização cambial sobre a DLSP não é ruim. Trata-se de algo similar a um ganho de capital que eleva o valor do ativo frente ao passivo existente. Mas o tamanho do ganho depende do nível em que a taxa de câmbio se acomodará no Brasil, o que é muito difícil de prever. É possível que ela fique bem acima dos atuais R$ 2,20 ou que fique nesse patamar por um bom tempo. Nesse último caso, a manutenção da atual política fiscal elevará a DLSP, a exemplo do que já faz com a DFL.

De qualquer modo, não parece razoável que a trajetória do endividamento público fique a mercê de uma variável tão fora do controle como a taxa de câmbio. O superávit primário é o instrumento adequado para controlar o endividamento público, em que pese a resistência política em utilizá-lo. Ademais, além de contribuir para a sustentabilidade das contas públicas, a política fiscal atua sobre a demanda agregada da economia e, por esse meio, ajuda a controlar a inflação e o déficit nas transações com o exterior.

Pode-se argumentar que o efeito da política fiscal sobre o aumento do endividamento nos últimos dois anos não foi elevado, já que a DFL subiu 1,8 ponto percentual do PIB desde julho de 2011. É preciso observar, entretanto, os acontecimentos nos últimos meses. A taxa Selic voltou a subir e ainda não está claro onde chegará frente aos desequilíbrios macroeconômicos do país. Um novo período na trajetória do déficit público pode estar se iniciando, de coexistência entre superávit primário decrescente e juros líquidos devidos crescentes, algo pouco comum na série disponível.

As expectativas quanto ao futuro da economia brasileira estão sendo negativamente afetadas por conta de inflação elevada, baixo crescimento econômico e déficit crescente nas transações correntes. O pessimismo aumentaria ainda mais se a esses indicadores se juntasse a reversão da tendência de queda da DLSP, o que não acontece desde o final de 2002.

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A partilha interestadual do FPM é constitucional? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1810&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-partilha-interestadual-do-fpm-e-constitucional https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1810#comments Mon, 29 Apr 2013 18:41:59 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1810 1. Históricos e Objetivos

O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) está previsto no art. 159, I, b e d, da Constituição Federal. Esses dispositivos estipulam que 23,5% da arrecadação do IR e IPI seja destinada ao fundo em questão. No nível infraconstitucional, a Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), o Decreto-Lei 1.881/1981 e a Lei Complementar 91/1997 determinam que os recursos do FPM sejam assim repartidos:

a) FPM – Capital: 10% para os municípios das capitais dos estados, distribuídos conforme o coeficiente de participação obtido a partir do produto dos fatores representativos da população e do inverso da renda per capita de cada estado;

b) FPM – Interior: 86,4% para os demais municípios, distribuídos conforme o coeficiente de participação ditado pela quantidade de habitantes de cada município;

c) Reserva do FPM: 3,6% para os municípios interioranos mais populosos, distribuídos conforme os critérios do FPM – Capital.

Em 2008, com base em dados de 2007, os universos contemplados por cada fundo foram os seguintes:

a) FPM – Capital: 27 capitais e 44,2 milhões de habitantes (24% do total);

b) FPM – Interior: 5.536 municípios e 139,8 milhões de habitantes (76% do total);

c) Reserva do FPM: 147 municípios e 45,2 milhões de habitantes (24,5% do total).

A exemplo de outros fundos voltados para o desenvolvimento regional, o FPM tem como objetivo promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes subnacionais.1 Essa declaração pode ser decomposta em dois níveis, articulados por duas palavras-chave:

a)promover (objetivo intermediário): ser dinâmico (ou seja, variar ao longo do tempo conforme as mudanças na realidade local);

b)equilíbrio (objetivo final): beneficiar os entes menos desenvolvidos.

No caso do objetivo final, o FPM – Capital e a Reserva do FPM claramente beneficiam os municípios com mais população e menos renda, em que pesem as distorções geradas pelos pisos e tetos usados na fixação dos coeficientes individuais de participação. O FPM – Interior, entretanto, como ressaltado pelo Tribunal de Contas União (TCU) privilegia os municípios menores, devido ao pressuposto de que município pequeno é município pobre. Mas este pressuposto é equivocado, pois existem tanto municípios pequenos pobres quanto municípios pequenos ricos … (Relatório do Acórdão de Plenário 1.120/2009). Consequentemente, este é um primeiro foco de tensão na análise da constitucionalidade do FPM. Basta notar que os coeficientes per capita do FPM – Interior declinam à medida que aumenta o tamanho da população, havendo picos a cada mudança de faixa populacional.

Em termos per capita, as diferenças observadas são dramáticas. A razão entre os coeficientes por habitante de Borá e Guarulhos, por exemplo, é igual a 230,63. Como ambos integram o Estado de São Paulo, é imediata a conclusão de que o FPM – Interior destina, por habitante, 230,63 vezes mais recursos para o primeiro do que para o segundo. Essa diferença é apenas parcialmente compensada pela Reserva do FPM. Se os beneficiários da aludida reserva fossem excluídos da presente análise (ou seja, se os municípios com mais de 142.633 habitantes não fossem considerados), a maior diferença entre coeficientes per capita ainda seria de cerca de trinta vezes.2

Ademais, os picos observados na distribuição do FPM – Interior têm sido uma permanente fonte de reclamações, pois a perda de um único habitante nas revisões anuais do tamanho da população pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística pode gerar quedas expressivas nos montantes recebidos. E, como se isso não bastasse, podem estar estimulando o uso, pelos governos municipais, de estratégias de manipulação dos levantamentos populacionais. Monastério (2013), por exemplo, ao analisar os dados do censo demográfico de 2010 para 3.565 prefeituras, estima que 192 municípios parecem ter sido classificados erroneamente, provocando distorções de cerca de R$ 200 milhões anuais no rateio do FPM – Interior (o que equivale a uma distorção de 0,46% em relação ao montante rateado naquele ano)3.

A discussão anterior também vale para o objetivo intermediário. No caso do FPM – Capital e da Reserva do FPM, tem-se que os coeficientes individuais de participação mudam conforme o tamanho da população e o PIB per capita. Portanto, os coeficientes se ajustam às mudanças observadas na realidade socioeconômica. Em relação ao FPM – Interior, todavia, a análise precisa ser desdobrada em dois níveis: o intraestadual e o interestadual. No âmbito do primeiro, os coeficientes efetivamente mudam conforme o tamanho da população, em que pesem as distorções geradas pelos pisos e tetos usados. É no âmbito do segundo que aparece o aspecto mais problemático do rateio em questão, analisado a seguir.

2. Partilha Interestadual

Como assinalado, os coeficientes atribuídos aos municípios interioranos estão estruturados em degraus e não crescem na mesma proporção do tamanho da população. Dessa forma, é vantajoso para um município com, p. ex., 10.188 habitantes, ao qual cabe um coeficiente 0,6, dividir-se em duas prefeituras, às quais caberiam o mesmo coeficiente. Tudo o mais constante, um simples rearranjo administrativo permitiria dobrar o aporte de recursos do FPM para uma dada população.4 Os dois quadros que seguem ilustram o fenômeno estudado. O primeiro contém o cenário base: dois estados (A e B) com dois municípios (A1, A2, B1 e B2) com 30.564 habitantes, aos quais cabem o coeficiente 1,4. Dessa forma, cada ente recebe 25% do montante.

Quadro 1: Cenário Base

O segundo mostra o que ocorre quando o estado B transforma os seus dois municípios em seis (B1.1 a B1.3 e B2.1 a B2.3), todos com 10.188 habitantes. Os seus coeficientes diminuem para 0,6, mas o seu somatório passa de 2,8 para 3,6. De modo agregado, os aportes para esses últimos aumentam 12,5%, em prejuízo de A1 e A2, cujo estado não perseguiu estratégia semelhante.

Quadro 2: Efeito emancipação

Essa situação representaria um evidente estímulo para a fragmentação dos municípios brasileiros. E foi o que aconteceu com a promulgação da Constituição de 1988, que delegou inteiramente às assembleias estaduais a competência para criar novas prefeituras. A combinação do novo comando constitucional com os degraus do rateio do FPM resultou, no primeiro instante, em uma expressiva transferência de recursos para os estados mais agressivos na criação de novos municípios. Somente em 1989 houve 222 emancipações5 – um acréscimo de 5% em relação às 4.424 prefeituras preexistentes. Os que mais recorreram à essa estratégia foram RS, GO, CE, PA, MT e ES. Ao mesmo tempo, AC, AL, MA, PB, PE, RR, SE e SP, que não promoveram emancipações, e outros entes menos agressivos no uso da estratégia em comento tiveram, proporcionalmente, reduções nos aportes para os seus municípios.

Foi nesse contexto que o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar 62/1989, que estabelece normas sobre o cálculo, a entrega e o controle das liberações dos recursos dos Fundos de Participação e dá outras providências. Provisoriamente,

novas perdas foram evitadas congelando-se, até que lei específica fosse editada, os coeficientes individuais de participação (vide art. 3º). Adicionalmente, de maneira permanente, introduziu-se, no parágrafo único do art. 5º, previsão para que, no caso de criação de novo município, o TCU revise os coeficientes individuais de participação dos demais municípios do mesmo estado, com redução proporcional das suas parcelas. Em outras palavras, atrelou-se o somatório, por estado, dos coeficientes do FPM – Interior aos coeficientes fixados no exercício de 1989 no intuito de evitar que a criação de novos municípios por uma assembleia legislativa afetasse as cotas-parte de entes de outros estados. Isso está consubstanciado na Resolução do TCU 242/1990, cujo Anexo II fixa o percentual a ser destinado aos municípios interioranos de cada estado.

Como continuaram ocorrendo emancipações,6 municípios em tudo similares passaram a receber do FPM – Interior montantes diferentes por não pertencerem ao mesmo estado, incorrendo em desvantagem os entes pertencentes aos estados mais agressivos. Com isso, o FPM – Interior deixou de refletir as variações populacionais em nível estadual. Retomando a simulação anterior, suponha-se que a população de A permaneça constante, enquanto a de B passe de 60.128 para 61.134 habitantes, igualmente divididos entre B1 e B2. Assim, os coeficientes dos dois últimos passariam de 1,4 para 1,6:

Quadro 3: Efeito População

Neste caso, os aportes para A1 e A2 cairiam 6,7%, enquanto aqueles para B1 e B2 subiriam na mesma medida – variações decorrentes de diferenças nos padrões demográficos dos dois conjuntos de municípios em vez de uma estratégia deliberada de obtenção de recursos públicos adicionais por qualquer governo estadual. É razoável que este efeito fosse

efetivamente captado pelo rateio do FPM – Interior. Como alertado, entretanto, não é o que acontece, pois o dispositivo legal pertinente não permite diferenciar o efeito emancipação do efeito população.

O resultado é uma enorme distorção entre os somatórios observados e aqueles requeridos legalmente. Enquanto o somatório pernambucano em 2008 precisou, por exemplo, aumentar 11% para alcançar o patamar observado em 1990, o roraimense precisou diminuir 53%, com impacto equivalente sobre os coeficientes individuais de participação nas duas situações. O próximo quadro mostra os coeficientes efetivos de três municípios com populações semelhantes. Embora a todos caiba, teoricamente, o coeficiente 1,4, os municípios de Pernambuco recebem, na prática, 2,4 vezes mais que o de Roraima:

Quadro 4: Diferenças nos coeficientes interestaduais

É uma situação incompatível com o nosso ordenamento constitucional, uma vez que a Carta Magna estabelece que os fundos regionais de desenvolvimento devem ser pautados por critérios dinâmicos, como atestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal. Como salientado pelo Ministro Gilmar Mendes, deve haver a possibilidade de revisões periódicas dos coeficientes envolvidos, de modo a se avaliar criticamente se os até então adotados ainda estão em consonância com a realidade econômica dos entes federativos e se a política empregada na distribuição dos recursos produziu o efeito desejado.

Conclusão

Um questionamento da constitucionalidade do FPM restrito ao teor do parágrafo único do art. 5º da Lei Complementar 62/1989 (ou seja, que tratasse apenas do objetivo intermediário desse fundo) poderia suscitar uma intervenção pontual da parte do STF, diferentemente do que aconteceu com o FPE. Declarada a nulidade do dispositivo em questão, o rateio do fundo poderia prosseguir normalmente, pois as suas regras gerais não seriam afetadas. Apenas a partilha interestadual precisaria ser redimensionada, com ganhos e perdas variando de +110,8%, no caso de Roraima, a
–10,3%, no caso de Pernambuco.

O redimensionamento requerido implicaria incorporar ao rateio do FPM – Interior tanto as mudanças demográficas como as emancipações municipais ocorridas após 1989. Com isso, as prefeituras de dezesseis estados ganhariam, enquanto as de catorze perderiam. No entanto, ainda que esse ônus inicial fosse julgado aceitável, haveria a questão das futuras emancipações. Como a norma federal requerida pela EMC 15/1996 permanece pendente, as assembleias legislativas acham-se impedidas de criar novos municípios. Isso, porém, pode mudar, reabrindo a possibilidade de uma competição viciosa entre os governos estaduais por recursos públicos escassos.

O questionamento da constitucionalidade do FPM poderia, contudo, ganhar contornos dramáticos caso tivesse como alvo o objetivo final desse fundo. Como ressaltado pelo TCU, o tratamento preferencial dado pelo FPM – Interior aos municípios pouco populosos pode não estar sintonizado com a busca do equilíbrio entre os entes subnacionais, como requerido pela Carta Magna. Se esse argumento fosse acolhido pelo STF, toda a partilha precisaria ser redefinida.7

_____________

1Conforme o art. 161, II, da Constituição Federal.

2 O Município de Parnaíba é o mais populoso entre aqueles que não participam do rateio da Reserva do FPM.

3Não foram considerados os aportes em favor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

4Se cada município tivesse exatamente a metade da população original, os recursos públicos disponíveis para cada habitante, isoladamente, dobraria.

5Não computados os 79 municípios do novo Estado do Tocantins, que integravam o Estado de Goiás.

6Até a edição das Emendas Constitucionais (EMCs) 15/1996 e 57/2008.

7Vide Rocha (2013, p. 26) para uma análise preliminar dos problemas envolvidos.

Bibliografia

MONASTERIO, Leonardo (2013). O FPM e a Estranha Distribuição da População dos Pequenos Municípios Brasileiros. Brasília : Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Texto para Discussão 1.818 (disponível em: http://tinyurl.com/c22gldd).

ROCHA, C. Alexandre A. (2013). O FPM é Constitucional? Brasília : Consultoria Legislativa do Senado Federal, Texto para Discussão 124 (disponível em: http://tinyurl.com/bmwzomm).

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Como renegociar a dívida estadual e municipal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1225&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-renegociar-a-divida-estadual-e-municipal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1225#comments Mon, 28 May 2012 12:29:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1225 Este site já descreveu o problema da dívida dos estados e municípios com a União no texto Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos?. Também já apresentou, no texto Por que renegociar a dívida estadual e municipal?,  motivos pelos quais, na opinião do autor, essa dívida deve ser renegociada pela União.

O presente texto volta ao tema para avaliar outra questão: dado que se constatou, no texto acima citado, ser necessário renegociar a dívida, como fazer essa renegociação de forma a que seja reduzido o ônus excessivo hoje imposto aos estados e municípios, sem que daí decorra desequilíbrio fiscal e macroeconômico?

Os principais motivos apontados para a renegociação da dívida são:

  • Os juros nominais cobrados pela União aos estados e municípios (IGP-DI mais uma taxa de juros variando entre 6% e 9% ao ano) estão muito altos em comparação ao custo de financiamento da própria União, que é dado pela taxa Selic. Esses juros eram menores que a Selic à época da assinatura dos contratos, mas, com a redução da Selic, a dívida dos estados e municípios ficou cara em relação ao custo de financiamento da União. Não faz sentido o Governo Federal obter ganhos financeiros sobre os estados e municípios. Não é esse o espírito que preside a renegociação das dívidas;
  • Há pelo menos quatro estados (AL, MG, RS e SP) e um município (São Paulo) cuja trajetória do saldo devedor indica a impossibilidade de quitação do débito dentro do prazo contratual previsto (o que indica a insustentabilidade da dívida desses entes). A renegociação seria, pois, uma medida preventiva, para evitar uma crise fiscal.

Frente a essa situação, diversas propostas de renegociação têm sido apresentadas, seja mediante projetos de lei, seja via artigos na imprensa ou propostas dos poderes executivos de estados e municípios. Obviamente, as propostas são moldadas pelos interesses específicos de quem as formula, e não necessariamente destinadas a resolver os dois problemas básicos acima descritos.

O principal interesse dos governadores e prefeitos é o de liberar recursos hoje gastos com o pagamento da dívida para aumentar suas despesas, de modo a maximizar suas chances de reeleição. Buscam, por isso, um tipo de renegociação que tenha como resultado a redução do valor mensal das prestações pagas à União, independentemente do que ocorra com o saldo devedor. Para esses agentes, é secundário que o tamanho da dívida diminua, ou que esta se torne sustentável ao longo do tempo. O fundamental é, desde já, pagar prestações menores.

Trata-se, portanto, de um objetivo de curto prazo, que deixa em segundo plano a preocupação com a sustentabilidade da dívida (um dos dois principais problemas, como descrito acima). Afinal, quando o problema estourar, o mandato estará na mão de um sucessor.

O Governo Federal, por sua vez, tem como principal preocupação o cumprimento das metas anuais de superávit primário. Os estados e municípios dão importante contribuição a esse superávit ao fazerem economia para pagar suas dívidas junto à União. Se a renegociação da dívida redundar em redução dos pagamentos mensais a que estão obrigados os estados e municípios, provavelmente estes aumentarão seus gastos, levando a uma redução do resultado primário. Tal resultado não é de interesse da União, pois, nesse caso, o Governo Federal teria que fazer esforço adicional, aumentando o seu próprio superávit primário, para que a renegociação das dívidas não representasse impacto expansionista de política fiscal.

A primeira coluna da Tabela 1 mostra o superávit primário do setor público consolidado, por segmentos de governo, no ano de 2011, em percentagem do PIB. A segunda coluna apresenta uma simulação, considerando que, após a renegociação das dívidas, os estados e municípios zerassem seus resultados primários, e que o Governo Federal elevasse o seu superávit para compensar tal redução. O que se observa é que seria necessário um acréscimo de 35% no superávit primário do Governo Federal para existir tal compensação.

Tabela 1 – Simulação do aumento necessário no superávit primário do Governo Federal para compensar a redução promovida por estados e municípios após a renegociação da dívida

Fonte: Banco Central e simulações do autor

Certamente seria um valor considerável, que imporia forte constrangimento aos gastos públicos federais, em especial aos investimentos, que são a categoria de gasto que usualmente é comprimida quando se faz necessário um corte de gastos públicos. Outra alternativa seria a elevação da já significativa carga tributária.

No caso de o Governo Federal cortar despesas, teríamos uma substituição de despesas federais por despesas estaduais e municipais. Os ganhos ou perdas para a população dependeriam da qualidade dos gastos cortados pela União em comparação com os gastos realizados pelos estados e municípios. No caso de aumento de tributos federais, haveria um repasse direto aos contribuintes dos custos do alívio da dívida concedido aos estados e municípios.

Há que se considerar um aspecto importante nessa possibilidade de redução do pagamento de prestações mensais pelos estados e municípios. Como se mostrará adiante, nada menos que 81% da dívida são de responsabilidade de apenas quatro estados (SP, RJ, MG, RS) e um município (São Paulo). Logo, um alívio da dívida representará transferência de renda de todo o país para os governos desses entes federados, que são justamente os de maior renda. Não se trata, portanto, de um efeito neutro, em que a União terá que reduzir suas despesas (ou aumentar seus tributos) para financiar um aumento de gastos de todos os estados e municípios. Trata-se de um subsídio que será direcionado a esses quatro estados e ao Município de São Paulo.

Tendo apresentado os principais interesses envolvidos na negociação, passemos a analisar os pontos que comumente compõem as propostas de renegociação que têm sido apresentadas:

1) substituição do indexador atual (IGP-DI) pelo IPCA ou supressão da indexação da dívida, que passaria a ser remunerada apenas por uma taxa de juros fixa (na faixa de 3% ao ano) ou por uma taxa variável (em geral, a Selic);

2) aplicação dos novos critérios (novo indexador e nova taxa de juros) de forma retroativa ao início do contrato;

3) ampliação do prazo de pagamento da dívida;

4) redução do limite máximo de comprometimento da receita estadual com o pagamento da dívida;

5) redirecionamento, pela União, dos recursos recebidos pelo pagamento da dívida para gastos específicos nos estados e municípios, tais como investimentos em infraestrutura ou educação.

A opção (5) tem a vantagem de não reduzir as prestações mensais pagas por estados e municípios. Por outro lado, cria obrigações adicionais de gasto para a União. Ademais, cada estado e cada município têm prioridades específicas de gastos. Criar um modelo único de gasto compensatório a ser aplicado a todos eles (seja em investimentos, seja em educação ou em outra área) pode não ser eficiente. Além disso, se os gastos federais em cada unidade federada forem proporcionais ao montante pago de amortização da dívida, mantém-se o problema de os estados maiores e mais ricos serem os principais beneficiários do acordo.

As opções (1) a (4), aplicadas isoladamente ou em conjunto, podem gerar a redução da prestação mensal a ser paga por estados e municípios, o que é o objeto de desejo dos governadores e prefeitos, em especial daqueles dos entes mais endividados.

É importante salientar que as opções (2) e (4) não deveriam prosperar.

A opção (4) consiste em reduzir o limite máximo de pagamento mensal pelo estado ou município. Se isso for feito sem a redução dos juros e correção monetária, haverá um agravamento da insustentabilidade da dívida.  Como já explicado nos textos citados no primeiro parágrafo, os contratos de renegociação possuem uma cláusula que limita o pagamento mensal das prestações. Digamos, a título de exemplo, que o valor a pagar de uma prestação seja de R$ 12, mas que o estado ou município tenha o direito estabelecido em contrato de pagar um valor que não supere 13% de sua receita, e que tal percentual equivalha a R$ 10. Os R$ 2 restantes serão incorporados ao saldo devedor, e o estado ou município passará a pagar juros sobre esse montante. Esse é um dos motivos pelos quais a dívida de alguns entes tem entrado em trajetória de crescimento insustentável: paga-se mensalmente um percentual muito pequeno do valor da prestação integral.

Isso quer dizer que medidas no sentido de reduzir ainda mais o limite máximo de pagamento da prestação irão apenas agravar o problema da insustentabilidade da dívida. Governadores e prefeitos podem até achar bom que, no curto prazo, suas despesas mensais com o pagamento da dívida sejam reduzidos. Mas o que ocorrerá será um aumento mais acelerado do saldo devedor, que agravará as perspectivas de default futuro da dívida, principalmente daqueles entes que já se encontram em situação difícil.

A opção (2) consiste em aplicar os novos critérios de juros e correção monetária de forma retroativa, desde o início do contrato. Tal alternativa possui dois graves problemas.

Ela não faz sentido do ponto de vista econômico porque, no passado, as dívidas pagaram juros compatíveis com a taxa de juros de equilíbrio da economia e o custo de financiamento da União. Se ora se fala em renegociação da dívida, é porque a taxa de juros média caiu. Mas no passado ela era mais alta. Não faz sentido usar a taxa de juros mais baixa do presente para alterar o custo da dívida no passado, quando a taxa vigente era outra. No momento da assinatura do contrato, ao final da década de noventa, a taxa Selic superava os 20%, de modo que era ótimo negócio para os devedores indexar sua dívida ao IGP-DI mais juros fixos de 6% a 9% ao ano.

Do ponto de vista jurídico, alterar contratos de elevada monta de forma retroativa pode ser a abertura de uma perigosa porta para que o Estado passe a, unilateralmente, rever processos de privatização, de concessões ao setor privado, etc.; como já vem ocorrendo perigosamente em países vizinhos.

Ademais, o impacto financeiro dessa renegociação retroativa será muito grande, justamente porque o custo de financiamento da dívida foi muito alto nos primeiros anos. Em alguns casos, pode transformar os estados e municípios em credores da União.

Uma simulação mostra o impacto de tal opção. Infelizmente não dispomos de dados exatos acerca do saldo devedor de cada estado e cada município, uma vez que a Secretaria do Tesouro Nacional impõe restrições à divulgação dessa informação. Não obstante, é possível fazer uma estimativa aproximada desse saldo, tendo em vista que, em média, a dívida junto à União representa, em média, 85% do total da dívida dos estados. Assim, se trabalharmos com a hipótese de que toda a dívida dos estados e municípios (para a qual dispomos de dados) é devida à União, teremos um dado aproximado (um pouco superestimado) para trabalhar.

A Tabela 2 mostra, na coluna (A), a Dívida Consolidada Líquida dos estados e do Município de São Paulo. Percebe-se, como já afirmado acima, que se a União fizer uma renegociação, os grandes beneficiários em termos absolutos (por terem dívidas mais elevadas) serão: o Estado de São Paulo, de Minas Gerais, o Município de São Paulo, o Estado do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Esses cinco entes federados respondem por nada menos que 81% da dívida total.

Em termos relativos (o peso da prestação da dívida sobre a receita estadual é mostrado na coluna (G)), percebe-se que os mesmos entes acima citados mantêm-se entre os maiores beneficiários, a eles agregando-se os estados de Alagoas, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Tabela 2 – Dívida Consolidada Líquida e projeções acerca da amortização das dívidas estaduais e municipais renegociadas com a União

Fontes: Portaria nº 238/2012 da STN (para a RLR), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/index.asp (para a DCL dos estados), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/sistn.asp (para a DCL do Município de São Paulo). Rech, Celmar (2006) A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestado. Universidade de Brasília (para as condições contratuais).

Suponha um contrato fictício que tivesse um saldo devedor inicial de R$ 1.000, adotando-se duas possibilidades de recálculo da dívida:

  • substituição do IGP-DI pelo IPCA, mantendo-se a taxa de juros em 6% ao ano[1];
  • substituição do IGP-DI pelo IPCA e redução dos juros de 6% ao ano para 3% ao ano.

No período considerado (janeiro de 1996 a dezembro de 2011), o IGP-DI acumulou alta de 271%, enquanto a alta do IPCA foi bastante inferior: 170%. Logo, a substituição de indexador tende a reduzir substancialmente o saldo devedor da dívida.

O recálculo da dívida desde o início do contrato pressupõe que tudo o que foi pago a maior (seja porque o IGP-DI variou acima do IPCA, seja porque os juros fixos caíram de 6% para 3%) seja contabilizado com amortização antecipada da dívida.

Para lidar com a existência de limites máximos ao pagamento de prestações, conforme explicado acima, trabalhou-se nas simulações abaixo com dois cenários básicos. No primeiro, o estado/município hipotético paga integralmente a prestação devida. No segundo cenário, em função do limite imposto à prestação pela RLR, o ente paga apenas 80% da prestação devida, acumulando o restante no saldo devedor.

O resultado das simulações é mostrado na Tabela 3. Uma dívida de valor R$ 1.000 em janeiro de 1996, que pagasse juros de 6% ao ano, amortizada integralmente em prestações mensais e corrigida pelo IGP-DI, chegaria a dezembro de 2011 com um saldo devedor de R$ 1.733. No caso de o ente devedor pagar apenas 80% das prestações mensais, acumulando a diferença no saldo devedor, o saldo da dívida chegaria ao final de 2011 com valor de R$ 2.435.

Tabela 3 – Simulações de substituição do indexador e da taxa de juros das dívidas estaduais e municipais

Fonte: simulações feitas pelo autor.

No cenário de pagamento integral das prestações, se mudarmos o indexador da dívida do IGP-DI para o IPCA, e considerarmos como amortização extraordinária tudo o que, ao longo dos anos, foi pago acima do que deveria ser pago de acordo com os novos parâmetros do contrato[2], a dívida nominal em dezembro de 2011 seria de apenas R$ 233. Ou seja, seria concedido um abatimento no saldo devedor da dívida dos estados e municípios de nada menos que 87%.

Se além de mudarmos o indexador, reduzirmos a taxa de juros para 3% ao ano, o acúmulo de créditos dos estados e municípios ao longo dos anos será tão elevado que eles passarão a ter crédito junto à União, e não mais uma dívida. Haveria um desconto de 146% no valor da dívida.

Passando ao cenário em que o ente teria pago apenas 80% do valor das prestações ao longo da vida do contrato, a mudança do indexador da dívida, mantendo-se os juros em 6% ao ano, resultaria em um desconto de 68% no saldo devedor. Já na hipótese de mudança do indexador e redução dos juros, os estados e municípios passariam a ter crédito, equivalendo a um desconto de 118% do saldo devedor.

Em qualquer dos dois cenários (pagamento integral das prestações ou pagamento de 80% das prestações), os descontos acima estimados são muito grandes. A causa desses descontos é, como acima explicado, o fato de que nos primeiros anos de contrato a taxa de juros de equilíbrio da economia e de financiamento do Tesouro era

muito superior àquela que agora se pratica. Retroagir as condições de hoje para o cenário adverso do passado resulta neste enorme subsídio pago por todo o País aos estados e ao município mais endividados.

Dificilmente será aceitável para o Tesouro Nacional recalcular a dívida desde o início do contrato. Há que se lembrar, ainda, que no momento da assinatura dos contratos, os estados e municípios já ganharam substancial desconto no saldo devedor da dívida, em geral superior a 10% do valor da dívida.

A Tabela 4 faz uma simulação da dívida líquida do Tesouro Nacional caso seja implantada uma das opções de recálculo da dívida.

Tabela 4 – Simulação da dívida líquida do Tesouro Nacional após recálculo da dívida (R$ bilhões)

Fonte: STN e simulações do autor

A primeira coluna mostra a situação da dívida do Tesouro em dezembro de 2011. A dívida interna somava R$ 2,51 trilhões. Deduzindo-se os créditos junto a estados e municípios (R$ 486 bilhões) e outros haveres (R$ 1, 17 trilhão), chega-se a uma dívida interna líquida de R$ 853 bilhões. Somando-se a esse montante a dívida externa líquida, chega-se a uma dívida líquida total (interna e externa) da ordem de R$ 937 milhões, equivalente a 22,6% do PIB. Concedendo-se os descontos na dívida estadual e municipal acima estimados, a dívida líquida do Tesouro pode quase dobrar, chegando a 40% do PIB. O impacto financeiro, a ser pago pelo contribuinte é, certamente, muito alto e tem o potencial de desequilibrar a política fiscal e a estabilidade da economia.

Em conclusão, a renegociação da dívida dos estados e municípios deve se pautar pela busca de solução dos dois principais problemas que esta dívida representa para o País: (a)  com a recente queda da taxa Selic, a dívida se tornou cara; (b) há sinais de insustentabilidade da dívida de alguns estados.

Não se deve renegociar a dívida com vistas a proporcionar ganhos de curto prazo a alguns governadores e prefeitos, às custas dos contribuintes e da estabilidade fiscal e econômica do País.

Pelo exposto, a melhor solução parece ser a substituição do indexador da dívida (possivelmente de IGP-DI para Selic) e/ou a redução das taxas de juros fixas. Pode-se pensar, também, em fixar como remuneração máxima a taxa Selic.

Tais mudanças, contudo, devem vigorar a partir da data da renegociação, evitando-se o efeito retroativo. Igualmente contraindicada seria a redução do comprometimento máximo mensal da receita, que pode agravar a insustentabilidade da dívida de alguns entes.

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Para ler mais sobre o tema:

DIAS, Fernando Álvares Correia. O refinanciamento dos governos subnacionais e o ajuste fiscal 1999-2003. Texto para Discussão nº 17 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, Dezembro de 2004. Disponível em (http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD17-FernandoAlvaresDias.pdf)

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, março de 2002. Disponível em  (http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

PELLEGRINI, Josué Alfredo. Dívida estadual Texto para Discussão nº 110 do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal,  março de 2012. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD110-JosuePellegrini.pdf

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados.  In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

RECH, Celmar. A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestrado em Economia do Setor Público. Universidade de Brasília, 2006.


[1] Note-se que temos aqui uma simplificação, pois há contratos como o da Prefeitura de São Paulo e do Estado de Minas Gerais que pagam juros acima de 6% ao ano, como pode ser visto na coluna B da Tabela 1, acima.
[2] E considerarmos como amortização negativa tudo o que foi pago a menor.

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Por que renegociar a dívida estadual e municipal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1207&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-renegociar-a-divida-estadual-e-municipal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1207#comments Mon, 21 May 2012 01:06:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1207 Este site já descreveu o problema da dívida dos estados com a União no texto Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos?. O presente texto volta ao tema buscando responder uma questão específica: por que se deve renegociar a dívida dos estados e municípios com a União?

A dívida dos estados e municípios com a União estava, ao final de abril de 2012, em R$ 438 bilhões, o que equivalia a 10,6% do PIB. Trata-se de um montante elevado, e cujas condições de pagamento ou risco de inadimplência têm forte impacto sobre a economia.

Essa dívida é o resultado de um bem sucedido acordo político realizado ao final dos anos 90, e vem sendo um dos sustentáculos da estabilidade econômica do País. Àquela época, a maioria dos estados e os municípios de maior porte estavam em péssima situação financeira, com dívidas elevadas, sobre as quais incidiam altas taxas de juros, e que precisavam ser refinanciadas quase diariamente. O Governo Federal ofereceu-se para assumir essa dívida. Vale dizer, o Governo Federal passaria a pagar a dívida aos credores originais (bancos nacionais e estrangeiros, empresas estatais, entre outros). E os estados e municípios passariam a dever ao Governo Federal.

Para os governos estaduais e municipais foi um acordo vantajoso. A dívida, que era de curto prazo, passou a ser paga em trinta anos. Foi concedido um desconto no valor total da dívida (variável para cada estado, em geral um pouco acima de 10%). A taxa de juros e a correção monetária estabelecidas eram, à época, mais baixos que as taxas de mercado, de modo que o custo da dívida caiu. Além disso, fixou-se que os estados e municípios pagariam, no máximo, um percentual fixo de suas receitas a título de prestação (em geral fixado em 13% das respectivas receitas). Assim, por exemplo, se o valor da prestação a pagar fosse de R$ 12, mas o limite máximo de 13% da receita fosse igual a R$ 8, o estado pagaria apenas os R$ 8, e os R$ 4 restantes seriam agregados ao saldo devedor da dívida. Isso impedia que as receitas estaduais fossem excessivamente consumidas pela dívida. Em contrapartida, surgia o risco de, ao final do contrato, ainda haver um saldo devedor a pagar. Por isso, criou-se um prazo adicional de 10 anos para a quitação desse resíduo.

Para o Governo Federal também foi um bom acordo. Isso porque os estados que aderissem ficavam obrigados a cumprir um programa de ajuste fiscal, controlando seus déficits e ajudando o governo federal no esforço de geração de superávit primário, instrumento central para manter a dívida pública agregada (federal e estadual) sob controle e, também, para controlar a inflação.

Se o acordo foi bom para todos, por que os estados e municípios têm reclamado tanto, demandando uma revisão do acordo? Será, de fato, necessário renegociar os termos dessa dívida?

A resposta a essa última pergunta parece ser positiva, por dois motivos: (1) as taxas de juros de mercado caíram e isso não se refletiu nos contratos da dívida estadual e municipal; (2) há alguns estados e um município cuja dívida está em trajetória explosiva, com baixíssima possibilidade de ser efetivamente paga nos termos atuais. Vejamos cada um desses pontos.

Os juros da dívida

As taxas de juros da economia caíram bastante desde o momento em que foram assinados os contratos entre a União e os estados e municípios (entre 1996 e 2001). À época, a taxa Selic, que constitui o custo de financiamento do Governo Federal, era muito superior à correção monetária mais os juros fixados no contrato dos estados e municípios. Tais contratos têm como correção monetária o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais uma taxa fixa de juros, que varia entre 6% e 9% ao ano.  Ou seja, o Governo Federal tomava recursos no mercado pagando uma taxa Selic, que era maior do que IGP-DI + 6% a.a., usava os recursos para quitar os débitos dos estados e municípios com os credores originais, e só cobrava dos estados e municípios IGP-DI+6% a.a.. Logo, o Governo Federal estava subsidiando os estados e municípios.

Porém, ao longo dos anos a melhoria da situação macroeconômica permitiu significativa queda da taxa Selic, que caiu de um máximo de 46% a.a., em outubro de 1997, para 9% a.a., em maio de 2012. E os contratos das dívidas estaduais e municipais permaneceram com a mesma taxa de juros. Ou seja, o subsídio de juros foi diminuindo ao longo dos anos e, mais recentemente, o Governo Federal está cobrando dos estados e municípios uma taxa de juros que supera a taxa Selic.

O Gráfico 1 mostra a diferença das taxas acumuladas, tomando 1995 como ano base. Temos que se o contrato de refinanciamento das dívidas estaduais e municipais tivesse previsto a Selic como taxa de juros, e não o IGP-DI + 6% ao ano (maioria dos contratos), ou IGP-DI + 7,5% ao ano (contrato de MG, AL e PA), a dívida teria crescido com maior intensidade. Somente o  pior dos contratos (IGP-DI + 9% ao ano – aplicável somente para a Prefeitura de São Paulo) teve variação acumulada superior à Selic. Ou seja, ao longo dos 15 anos de contrato já cumpridos, os estados e municípios (exceto a Prefeitura de São Paulo) receberam relevante subsídio, se comparada a taxa paga com o custo de financiamento da União.

Gráfico 1 – Variação acumulada da Selic vs. IGP-DI mais juros: 1996-2011


Fonte: Banco Central do Brasil, dados elaborados pelo autor

Todavia, com a expressiva queda da Selic nos últimos anos, em períodos recentes a Selic representou custo mais elevado que o IGP-DI mais taxa fixa de juros.

O Gráfico 2 apresenta a diferença entre o IGP-DI mais juros fixos (nas três opções: 6%, 7,5% e 9% ao ano) e a Taxa Selic para diferentes períodos de tempo, desde o período 2004-2011 até o período 2010-2011. Valores positivos indicam que os custos do refinanciamento da dívida superaram a Selic. O que se percebe é que, com raras exceções, no período mais recente, o custo da dívida por IGP-DI mais taxa de juros fixa superou o custo representado pela Taxa Selic.

Gráfico 2 – Diferença acumulada entre o IGP-DI mais taxa de juros fixa e a  Selic para diversos períodos de tempo(% ao ano)


Fonte: Banco Central do Brasil, dados elaborados pelo autor.

Portanto, a primeira questão relevante que se estabelece é que as condições macroeconômicas vigentes à época da assinatura dos contratos mudaram para melhor, o que permitiu a queda da taxa de juros de equilíbrio da economia brasileira. Essa melhoria não se refletiu nos contratos de dívida dos Estados. Para que isso aconteça, é necessário que se reveja tanto o indexador da dívida (IGP-DI) quanto a taxa de juro fixa dos contratos.

Outro problema, não diretamente tratado neste artigo, refere-se ao indexador utilizado para corrigir as dívidas. O IGP-DI é um índice geral, fortemente influenciado pelos preços no atacado, que, por sua vez, são fortemente sensíveis à variação do dólar. O ideal seria escolher um índice de inflação que melhor acompanhasse a evolução nominal das receitas estaduais. Um índice de preços ao consumidor, como o IPCA, pode servir melhor a esse propósito.

A sustentabilidade da dívida

Outra questão relevante é saber se todos os estados e municípios serão capazes de pagar a dívida até o final do contrato. Caso isso não seja verdadeiro, então há a sinalização de uma possível crise da dívida, que deve ser evitada com a devida antecedência, para que não sejam amplificados seus efeitos adversos sobre a economia.

Aqui entra um ponto importante. Como afirmando no início do texto, os contratos têm uma cláusula que impõe um limite máximo ao valor da prestação mensal, em geral em torno de 13% da receita do estado ou município, com o restante não pago sendo agregado ao saldo devedor. Em alguns casos, os valores integrais das prestações eram muito superiores ao limite máximo, o que resultou em forte acúmulo de saldo devedor, indicando a impossibilidade de pagamento da dívida dentro do prazo contratual.

A situação dos entes federados é hoje bastante heterogênea. Para mostrar uma fotografia dessa heterogeneidade, foi elaborado um exercício matemático simplificado.

Embora não sejam divulgados dados detalhados da dívida de cada estado, é possível fazer um exercício, considerando-se que o valor total da dívida de cada estado é todo ele devido ao Governo Federal. Frente à limitação dos dados, tomou-se como proxy para tal dívida os números relativos à Dívida Consolidada Líquida (DCL). Em termos agregados, a dívida renegociada equivale a 85% da DCL dos Estados. Assim, as estimativas apresentadas na coluna (A) da Tabela 1 usam um saldo devedor que, em média, é um pouco superior ao valor efetivamente devido à União. Os resultados devem ser tomados apenas como ilustrativos, tendo em vista a precariedade dos dados acima referida.

As colunas (B), (C) e (D) apresentam as condições contratuais negociadas por cada ente federado. A coluna (E) expõe a Receita Líquida Real (RLR) de cada ente no mês de abril de 2012. Esse é o valor usado como base para limitar a prestação mensal paga por cada ente.

A coluna (F) calcula qual seria a prestação mensal a ser paga por cada ente, caso se decidisse que, a partir de janeiro de 2012 a dívida seria paga em 15 anos (prazo que resta para o final do contrato, sem considerar a prorrogação de dez anos para pagamento do resíduo), sem qualquer limitação ao valor da prestação mensal. Ou seja: os entes pagariam integralmente a prestação calculada pelo sistema PRICE. A coluna (G) mostra qual a proporção de tal prestação em relação à RLR. Fica claro que o Município de São Paulo e que os estados de  RS, MG, SP e AL dificilmente conseguiriam pagar integralmente a dívida.

A coluna (H) leva em conta a possibilidade de a dívida ter um período adicional de 10 anos, além dos 30 anos do contrato regular. Ou seja, trata-se de um exercício para verificar se o uso do prazo adicional de 10 anos, previsto para o pagamento do resíduo da dívida, resolveria a situação dos estados mais assoberbados pela dívida. Nesse caso, SP e AL passam a ter prestações mais palatáveis em relação à RLR, mas a situação da Prefeitura de São Paulo, RS e MG continua difícil.

Tabela 1 – Dívida Consolidada Líquida e projeções acerca da amortização das dívidas estaduais e municipais renegociadas com a União


Fontes: Portaria nº 238/2012 da STN (para a RLR), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/index.asp (para a DCL dos estados), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/sistn.asp (para a DCL do Município de São Paulo). Rech, Celmar (2006) A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestado. Universidade de Brasília (para as condições contratuais).

Ressalte-se que dos entes que estão em pior situação, três têm taxas de juros acima de 6% ao ano, com destaque para a Prefeitura de São Paulo, que paga a mais alta taxa de juros: 9% ao ano (lembrando que as diferenças de taxas de juros decorrem do maior ou menor pagamento de parcela da dívida a vista: aqueles Estados e Municípios que fizeram privatizações e usaram a receita dessas vendas para quitar dívida com a União obtiveram contratos com juros mais baixos).

Ou seja, pelo menos quatro Estados e um Município apresentam indicações de que não conseguirão honrar sua dívida. E as dívidas desses entes representam nada menos que 70% do total devido à União.

Portanto existe uma inadimplência que se desenha para o futuro. Resolver esse problema agora, renegociando os contratos, será menos traumático que esperar o problema estourar, como exemplifica o caso da dívida grega.

Este texto procurou mostrar porque é importante renegociar a dívida de estados e municípios com a União. Posteriormente analisaremos como devem ser renegociados os contratos e as armadilhas que devem ser evitadas em tal renegociação.

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Para ler mais sobre o tema:

DIAS, Fernando Álvares Correia. O refinanciamento dos governos subnacionais e o ajuste fiscal 1999-2003. Texto para Discussão nº 17 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, Dezembro de 2004. Disponível em (http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD17-FernandoAlvaresDias.pdf)

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, março de 2002. Disponível em  (http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

PELLEGRINI, Josué Alfredo. Dívida estadual Texto para Discussão nº 110 do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal,  março de 2012. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD110-JosuePellegrini.pdf

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados.  In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

RECH, Celmar. A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestrado em Economia do Setor Público. Universidade de Brasília, 2006.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1207 5
A redução dos juros pelo Banco Central diminuirá no mesmo ritmo o custo da dívida do governo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=831&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reducao-dos-juros-pelo-banco-central-diminuira-no-mesmo-ritmo-o-custo-da-divida-do-governo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=831#comments Thu, 10 Nov 2011 04:00:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=831 Há um mito de que a taxa de juros básica fixada pelo Banco Central (BC), a famosa taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), seria o grande referencial do custo da dívida do setor público brasileiro, de modo que reduções nessa taxa de juros implicariam imediata queda do custo dessa dívida.

Isso deixou de ser verdade há alguns anos. Tanto é que, de 2003 até 2010, a SELIC caiu em ritmo muito mais rápido do que diminuição dos gastos governamentais com juros. Similarmente, os gastos com juros em 2011 cresceram mais rápido do que o aumento da taxa SELIC ocorrido entre abril de 2010 e setembro de 2011.

Por isso, é preciso cuidado para não cair na tentação ou na fácil leitura de que, com o mais recente ciclo de corte de taxas, iniciado na segunda metade de 2011, os gastos governamentais com juros cairão nos próximos meses na mesma velocidade da queda da taxa SELIC, o que permitiria abrir um espaço fiscal, inclusive para maiores gastos ou para menor superávit.

Destaque-se que, mesmo admitindo que a SELIC tenha atualmente um impacto mais limitado sobre os gastos com juros do setor público, isso não significa que devemos condenar o seu corte ou defender sua manutenção em patamar elevado. O juro real no Brasil continua (lamentavelmente) na liderança mundial, apesar do dito ousado ciclo de baixa iniciado pelo BC. Porém, são questões diferentes: uma é sobre a política monetária, seus caminhos ou sua correção, outra diz respeito ao impacto dessa política sobre a política fiscal.

O objetivo deste breve texto não é, portanto, discutir se a taxa SELIC deve ou não cair, mas as consequências de uma eventual queda, antecipando a conclusão de que não se deve esperar que um corte na SELIC produza direta e proporcionalmente igual redução no gasto governamental com juros.

O impacto de variações da SELIC sobre os gastos com juros dependerão de dois fatores importantes:

i) proporção da dívida indexada à SELIC, sendo que, quanto maior for essa proporção, maior será o impacto;

ii) composição da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), que corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros do governo. Quanto maior for essa diferença entre estes estoques e também a distância entre a remuneração de um e de outro, menor será o impacto da SELIC sobre os gastos com juros do setor público.

No passado distante, a maior parte da dívida mobiliária era indexada à taxa SELIC. Adicionalmente, a diferença entre a dívida bruta e os créditos do governo não era grande e as taxas de remuneração e prazos de vencimento tampouco eram tão díspares como hoje. Naquele cenário, variações da SELIC impactavam bem mais forte e diretamente os gastos com juros.

A seguir detalharemos um pouco mais o comportamento da taxa SELIC e dos gastos com juros. Mostraremos que esse deslocamento ocorreu tanto durante o longo ciclo de baixa da SELIC, entre 2003 e 2010, como no mais recente ciclo de alta, entre 2010 e 2011.

Evidências: longo ciclo de baixa (até 2010)

Antes do recente e curto ciclo de alta da SELIC, a taxa registrou uma longa trajetória de redução – desde a sua maior taxa acumulada no período de doze meses, em setembro de 2003 (24,25%), e a mais baixa, em maio de 2010 (8,92%). Ainda que tenha apresentado pequenas oscilações ao longo desse período, a tendência foi obviamente decrescente.

Considerando os valores extremos da série, a SELIC caiu de 23,36% a.a. em 2003 para 9,75% a.a. em 2010, ou seja, um recuo de 13,6 pontos ou de 58%, em termos relativos. Já o setor público gastou com juros nominais 8,51% e 5,3% do PIB, respectivamente, nos dois citados anos, com uma redução em 3,1 pontos do produto ou de 36% em termos proporcionais. Comportamento semelhante pode ser observado em subperíodos da amostra. Por exemplo, entre 2008 e 2010, a taxa SELIC caiu 22%, enquanto os gastos com juros como proporção do PIB reduziram-se somente em 5%.

Ao analisar a evolução comparada de taxa e gasto nos últimos anos, também se evidenciou um descasamento cada vez maior no período mais recente, e isso dá pistas para se compreender quais foram as mudanças na política fiscal que mais contribuíram para explicar esse fenômeno.

Por princípio, se fosse levado em contas apenas o que o governo deve, e ainda mais se for computado tão somente o que deve por conta da emissão de títulos, é fácil depreender que a diminuição da proporção daqueles indexados à SELIC (caso das Letras Financeiras do Tesouro – LFTs) constitui a razão direta para que a evolução de sua taxa perdesse poder de influência no custo total da dívida mobiliária, ou melhor, na sua evolução real. A menor participação de títulos indexados à SELIC na dívida pública, por sua vez, decorreu da redução da inflação e do alongamento dos prazos, que permitiram ao Tesouro Nacional colocar cada vez mais papéis prefixados a vencerem no longo prazo e títulos indexados a índices de preço.

Pode-se argumentar que as tendências ou direções da SELIC acabam se refletindo, ainda que com alguma defasagem, nas taxas pré-fixadas (o próprio Tesouro pode forçar isso ao aceitar ou rejeitar as condições pedidas pelos investidores desses papéis) e no próprio índice de inflação.

Sem entrar na discussão se a SELIC continua apresentando qualidade ou potência como instrumento de gestão da política monetária, o fato é que essa taxa perdeu poder de influência sobre os gastos públicos com juros. E uma forma mais direta para tirar tal conclusão é comparar a dimensão e a evolução entre duas taxas de juros: a SELIC, já comentada, e a chamada taxa implícita da DLSP, apurada pelo BC pela razão entre os gastos com juros e o montante da dívida líquida de cada período de referência. O gráfico a seguir mostra a evolução das duas taxas.

Na fase inicial, de 2002 a 2005, a taxa da SELIC superou a implícita. Desde 2006, contudo, a curva da SELIC passou a correr sempre por baixo da taxa implícita, indicando que os custos de outras dívidas foram mais altos que a SELIC e/ou que os créditos do governo renderam menos que esta. Observe-se também que a trajetória da taxa SELIC oscilou bem mais que da taxa implícita de juros. Essa última ficou relativamente constante em torno de 15%.

As razões dessas trajetórias distintas tem menos relação com a mudança no perfil da dívida mobiliária (ou seja, na redução da participação de títulos indexados à SELIC) e com a alteração no volume dos componentes da DSLP. Como já mostrado neste site, no artigo Dívida bruta e ativo do setor público: são imprescindíveis para se avaliar o equilíbrio fiscal? , a dívida líquida corresponde à diferença entre a dívida bruta (que passou a ser concentrada na dívida mobiliária interna federal) e dos créditos (composta tanto por disponibilidades, desde o caixa interno dos governos até as reservas internacionais, bem como por haveres financeiros, que compreendem, sobretudo, empréstimos concedidos a fundos, a instituições financeiras e até mesmo a empresas e a outros países).

O total de créditos internos, abatidos da dívida bruta, mal alcançava 20% do PIB, da primeira metade da década passada até 2008; depois, saltaram para patamar superior a 25% do PIB desde 2009. Se computadas as reservas internacionais (13,5% do PIB em meados de 2011), o total dos ativos do governo, que era inferior a 20% do PIB em 2006, chegou a mais de 30% do PIB em meados de 2011. Em sua grande parte, os ativos do governo aumentaram no período devido ao acúmulo de reservas cambiais e à concessão de empréstimos ao BNDES. Esses ativos apresentaram rendimento bastante inferior à taxa SELIC no período. Em 2010, segundo avaliação do BC em uma nota especial sobre a evolução dos juros,[1] consideradas apenas as taxas implícitas anuais, os 14,9% de toda a dívida resultou do contraste de 10,1% só nos débitos contra 4,3% nos créditos. Isto é, o setor público, na média, se endivida a uma taxa 2,3 vezes maior do que a que empresta e, se não ter ativos tão pouco rentáveis, seu gasto com juros seria cerca de um terço inferior ao realizado.

As reservas são aplicadas no exterior, preponderantemente em títulos do governo norte-americano, cujas taxas foram drasticamente reduzidas no combate à crise financeira internacional pelo Banco Central norte-americano. Tais ativos mal têm rendido 1% ao ano, muito menos que a SELIC, que, direta ou indiretamente, acaba por remunerar a maior os títulos utilizados para esterilizar o impacto monetário da entrada das reservas. Somente quando há episódios de desvalorização do real frente ao dólar é que as reservas internacionais se tornam mais rentáveis, ainda assim em termos nominais.

Quando o País passou a acumular crescentes reservas internacionais (o que aumenta o ativo), o BC procurou compensar a expansão monetária colocando mais títulos públicos no mercado. Ou seja, com uma mão, ele entrega reais aos exportadores e investidores que trazem cada vez mais dólares; com outra mão, ele tira reais da economia ao firmar operações compromissadas com títulos do Tesouro e ao aumentar os depósitos compulsórios dos bancos. O efeito final é aumentar o gasto com juros, tendo em vista que os títulos do Tesouro pagam taxas mais altas do que recebe como remuneração das reservas.

Quanto aos créditos para instituições oficiais, na virada da década houve súbito aumento dos empréstimos extraordinários concedidos pelo Tesouro Nacional (chega próximo a R$ 300 bilhões o cedido ao BNDES), quase sempre remunerados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que tem sido arbitrada na casa de 6% ao ano. Tais operações começaram com o pretexto de combater a crise, mas prosseguiram mesmo depois da retomada da economia. Nota-se que não se trata aqui do subsídio creditício direto, no qual o Tesouro Nacional arca com a diferença entre a TJLP e a taxa de juros cobrada pelo BNDES em projetos considerados prioritários[2].

Evidência: último ciclo de alta (2010/11)

Uma simples comparação da SELIC e dos encargos financeiros dos governos nos primeiros oito meses de 2011 vis-à-vis igual período de 2010 constitui a evidência mais recente do descolamento entre taxa e gasto. Vale lembrar que em abril de 2010 aquela taxa iniciou um ciclo de alta que só veio a ser interrompido em setembro de 2011.

A SELIC apresentou uma média simples da taxa anual apurada diariamente até agosto de 2011 de 11,84 pontos.[3] Em igual período de 2010, a média foi de 9,48 pontos. A variação foi de 24,9%.  Já os juros nominais pagos pelo setor público consolidado aumentaram de R$ 125 bilhões para R$ 160,2 bilhões no mesmo período, um aumento de 28,1%.

A diferença, contudo, torna-se mais acentuada quando se limitam os dados ao governo central. Os juros nominais saltaram de R$ 83,9 para 125 bilhões entre os oito primeiros meses de 2010 e de 2011, uma variação de 49%. Ou seja, isolados apenas os encargos do governo central, estes cresceram ao dobro da velocidade do aumento da taxa básica de juros.

Em síntese, alguns analistas acreditam que se a taxa básica de juros paga pelos títulos da dívida pública federal (conhecida como SELIC) cair, o governo gastaria menos com juros e assim economizaria recursos. Esses recursos tanto poderiam ser aplicados em melhores gastos, como na ampliação dos investimentos fixos e de serviços sociais básicos, como poderiam permitir um esforço fiscal menos severo, até mesmo abrindo caminho para reduzir a carga tributária. Como as autoridades monetárias decidiram reduzir a SELIC desde agosto de 2011, tornou-se predominante a ideia de que o governo gastará proporcionalmente menos com juros.

Infelizmente, isso não passa de mais um mito que paira sobre as finanças públicas brasileiras, inegavelmente complexas. No passado recente, houve um crescente divórcio entre taxa e gasto. Quando a SELIC recuou, anos atrás, o gasto não caiu no mesmo ritmo. Depois, quando a taxa voltou a subir, o referido gasto cresceu à frente. Dois motivos explicam esse divórcio.

Em primeiro lugar, porque nem todos os títulos públicos são indexados à SELIC. Com a maior estabilização da economia, aumentou a proporção de títulos pré-fixados, cuja remuneração não é afetada pelas decisões das autoridades monetárias; pelo menos no curto prazo.

Em segundo lugar, porque a dívida líquida corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros do governo, constituídos majoritariamente pelas reservas internacionais e créditos contra instituições financeiras federais. Quanto maior for a taxa SELIC em relação à taxa que remunera os ativos financeiros do governo, maior será a discrepância entre a SELIC e taxa implícita de juros incidente sobre a dívida pública.

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[1] Ver “Análise Evolutiva dos Juros Nominais Apropriados sobre a DLSP”, Relatório de Inflação, Março de 2011: http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2011/03/ri201103b4p.pdf

[2] Sobre esses créditos, pode-se acessar vários artigos em: http://mansueto.wordpress.com/

[3] Médias calculadas por Vivian Almeida a partir de série do IPEADATA. A variação é praticamente a mesma que se chega em um cálculo mais refinado, ponderando as médias diárias da SELIC, se chega a uma taxa acumulada no ano de 7,74% e de 6,21%, até agosto de 2010 e de 2011, respectivamente, o que resulta numa variação de 24,6% – veja várias séries ponderadas em: http://www.portalbrasil.net/indices_selic.htm

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Por que a previdência social brasileira gasta tanto com o pagamento de pensões por morte? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=677&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-previdencia-social-brasileira-gasta-tanto-com-o-pagamento-de-pensoes-por-morte https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=677#comments Mon, 01 Aug 2011 14:16:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=677 Fato peculiar à previdência social brasileira é sua desigualdade, em termos relativos, bastante substancial para as pensões por morte que somam mais que o triplo, no que se refere à proporção do PIB, daquele observado em outros países.

O gráfico abaixo permite melhor visualização do exposto acima. A proporção dos gastos com pensões no produto do país é expressiva tanto para uma comparação com países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apresentam alta renda, como para os demais países de renda média ou baixa.

Gráfico 1

Fonte: Banco Mundial, Fontes Nacionais e MPS.

Necessita-se, portanto, identificar as razões da divergência dos indicadores referentes à quantidade de benefícios em relação ao padrão internacional.  A principal razão deste comportamento reside no conjunto de regras que permitem o recebimento das pensões por morte no Brasil por mais pessoas e por um maior número de anos, tal como exposto na Tabela 1.

Tabela 1

Comparativo das Condições de Elegibilidade às Pensões por Morte

Brasil e Resto do Mundo

Brasil Resto do Mundo
Carência de tempo contributivo do instituidor. Não há. Exigência de um período contributivo mínimo.
Estado Civil Não necessita ser casado. Exigência de um período mínimo de casamento ou união.
Idade Não há limite mínimo de idade. Restrições aos pensionistas mais jovens. Em especial, viúvas ou viúvos com menos de 45 anos de idade.
Novo matrimônio Pensão se mantém inalterada com contração de novo matrimônio. Pensão usualmente finda com novo casamento.

Como se observa, o Brasil dispõe de regras mais lenientes para a concessão de benefícios de pensão por morte em comparação com outros países. A não exigência de um período contributivo mínimo por parte do instituidor, assim como a possibilidade de receber pensão em qualquer idade, a ausência de necessidade de laço matrimonial ou mesmo a manutenção do benefício após novo casamento permitem que o número de beneficiários de pensão por morte no Brasil seja mais expressivo que noutras nações. Esses fatores explicam, ao menos parcialmente, o fato de o país despender com estes benefícios mais que o triplo da média internacional.

De modo equivalente, a fórmula de cálculo do benefício da pensão por morte é o segundo fator que torna os gastos deste benefício no Brasil bem superior à média internacional. A Tabela 2 apresenta o comparativo das regras do valor deste benefício.

Tabela 2

Comparativo das Fórmulas de Cálculo das Pensões por Morte

Brasil e Resto do Mundo

Brasil Resto do Mundo
Redução do valor da pensão caso o pensionista receba outro benefício ou salário. Não há redução. Há redução ou, em alguns casos, impossibilidade de acumular pensão com aposentadorias ou salários.
Influência da idade do pensionista no valor do benefício. Nenhuma. Usualmente pensionistas mais jovens recebem benefícios menores.
Influência do número de dependentes no valor da pensão por morte. Nenhuma. A reposição é sempre de 100% independente do número de cotistas da pensão. A taxa de reposição gira em 70% com habitual acréscimo de 10% por beneficiário, atingindo no máximo 100%.

As regras brasileiras também se diferenciam bastante no que se refere à fórmula de cálculo do benefício das pensões. Em primeiro lugar, estas sempre repõem 100% do valor do benefício de aposentadoria no RGPS independente do número de beneficiários que dividem a pensão, enquanto em outros países esse é o valor máximo que uma pensão por morte pode atingir.  Assim mesmo, para alcançar esse valor, uma viúva deve dividir sua pensão com alguns órfãos. Em segundo lugar, a acumulação de uma pensão com uma aposentadoria ou salário decorrente de trabalho ativo em nada altera o valor do benefício, enquanto o comum internacionalmente é haver redução ou até mesmo impossibilidade de acumulação. Por fim, viúvas ou viúvos jovens não têm seus benefícios de pensão por morte reduzidos em função de sua baixa idade. No padrão internacional, as pessoas idosas recebem reposições nas pensões por morte superiores aos jovens.

Como, em termos econômicos, tudo tem seu preço, a elevada despesa previdenciária gera dois revezes. Em primeiro lugar, para cobrir tantos gastos, necessita-se tributar muito. As alíquotas de contribuição previdenciária brasileira estão entre as mais altas do mundo e são incompatíveis com o nosso perfil demográfico. Mesmo a União Européia, conhecida por seu avançado estado de bem-estar social e com população envelhecida em mais que o dobro que a brasileira, tem alíquotas que se aproximam de ¼ da folha de salários, enquanto no Brasil avizinham 1/3. As conseqüências imediatas são elevadas cunha fiscal e carga tributária que reduzem os incentivos à formalização do mercado de trabalho e que prejudicam a criação e manutenção de negócios que garantiriam a geração de riqueza do país. Na segunda ótica, a composição dos gastos públicos brasileiros indica elevada participação da despesa previdenciária, a qual não proporciona ao sistema econômico produtividade equivalente a outros gastos públicos como saúde, educação e infraestrutura.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=677 2
Por que é importante controlar o gasto público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-controlar-o-gasto-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634#comments Tue, 28 Jun 2011 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=634 Sempre que se fala em controlar o gasto público surge na cabeça de muitas pessoas uma reação automática: “trata-se de proposta neoliberal com o objetivo de cortar programas de governo, o que vai prejudicar a população, em especial os mais pobres”.

O senso comum é de que o gasto do governo gera benefícios sem custos. Na verdade, o que ocorre é que cada programa público gera benefícios bastante visíveis para um grupo específico de pessoas (aposentados são beneficiários do pagamento das aposentadorias, usuários do SUS são beneficiários dos gastos em saúde, credores do governo são beneficiários dos gastos com juros, etc.); ao passo que os custos são pagos por todos os contribuintes, de forma difusa.

O resultado é que os beneficiários diretos têm incentivos para lutar pela criação, expansão ou manutenção de gastos em seu favor. Quem não quer receber um serviço que será oferecido a uma parcela da sociedade, mas cujo pagamento será dividido entre toda a população? A mobilização lhes proporcionará ganhos elevados, o que estimula a criação de grupos de pressão em defesa de seus interesses.

Por outro lado, os contribuintes, que pagam a conta, terão menos incentivos a protestar contra o aumento dos gastos e consequente aumento da carga tributária. Primeiro porque o custo de um novo programa público a ser suportado individualmente por cada contribuinte é pequeno. Segundo, porque é difícil coordenar a formação de um grupo de pressão formado por todos os contribuintes do país.

Esse maior incentivo à mobilização dos beneficiários em relação aos que pagam a conta desequilibra a balança em favor da expansão dos gastos do governo. Não se está, aqui, fazendo juízo de valor sobre a importância ou não de cada programa de governo. Apenas se faz o registro de que há, em sociedades democráticas, um viés em favor da expansão dos gastos.

Outro argumento contrário ao controle do gasto público é o de que tal gasto estimula o crescimento da economia. Cortá-lo, portanto, provocaria menor crescimento do PIB, prejudicando toda a sociedade e não apenas os beneficiários diretos das despesas.

O presente texto tem por objetivo chamar atenção para o outro lado da questão: os custos diretos e indiretos da expansão do gasto público prejudicam o crescimento de longo-prazo do país. Ainda que no curto-prazo uma expansão dos gastos do governo estimule o crescimento; no longo prazo um governo que imponha alta carga tributária, e que tenha déficit e dívida elevados, acaba prejudicando importantes propulsores do crescimento econômico, quais sejam: o aumento da produtividade, a inovação, a concorrência, a flexibilidade do mercado de trabalho e a competitividade dos exportadores no mercado externo.

A redução e maior eficiência do gasto público como proporção do PIB são condições necessárias para que o Brasil possa obter mais crescimento econômico, mais renda, menor desigualdade, mais oportunidades de trabalho e uma vida mais longa e recompensadora para sua população.

O estado brasileiro cresceu fortemente nos últimos anos e parece estar excessivamente grande. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[1]. E a carga tributária imposta pela União, estados e municípios saltou de 27% do PIB, em 1995, para mais de 33,6% em 2009[2].

Isso significa que quase 34% daquilo que os trabalhadores e empresas produzem ao longo do ano é retirado das rendas privadas e, posteriormente, re-injetado na economia por meio dos gastos do governo. Isso significa que os dirigentes do setor público detêm grandepoder, pois podem decidir quem vai ficar com 34% da renda do país.

A princípio, a ação do governo tende a estimular o crescimento econômico e a igualdade social. Como mostra outro artigo deste site (Por que o governo deve interferir na economia?), o mercado privado está sujeito a várias falhas, que podem ser corrigidas pelo governo. Por exemplo, a construção de uma estrada ligando indústrias a um porto de exportações pode ser importante para o desenvolvimento do país, mas o retorno financeiro da empreitada, em si, pode não ser compensador para que um investidor privado decida construí-la. Nesse caso, a ação do governo, retirando dinheiro compulsoriamente da sociedade e investindo-o na estrada, permitirá que a sociedade atinja um nível mais elevado de renda.

Todavia, quando o governo cresce excessivamente, os custos de suas ações tendem a superar os benefícios, e surgem diversos motivos pelos quais ele passa a prejudicar o desenvolvimento econômico e social.

Para sustentar uma máquina pública grande e em expansão, é preciso impor crescente tributação à sociedade. Como as fontes tradicionais de tributação (renda, patrimônio e consumo) são limitadas, o governo, em busca de mais receitas do que essas bases tributárias podem oferecer, opta por criar também impostos de baixa qualidade, que incidem sobre o faturamento das empresas, a folha de pagamentos, os depósitos bancários; e que acabam por impor custos excessivos à sociedade.

Vale citar o caso da tributação sobre os investimentos em saneamento básico. Como é demonstrado pela literatura[3], a instalação de redes de água e esgoto, bem como o adequado tratamento dos resíduos, gera muitas externalidades positivas: redução de doenças infectocontagiosas, menor custo de assistência hospitalar, maior produtividade dos trabalhadores, valorização imobiliária, ampliação do setor turismo, etc. Por isso, é recomendável que o governo evite tributar tal setor e, além disso, o estimule mediante subsídios. No Brasil, as empresas de saneamento pagam mais de R$ 3 bilhões em impostos por ano, a maior parte incidente sobre seu faturamento. Uma recente tentativa de desonerar a tributação do setor, embutida na Lei nº 11.445, de 2007[4], foi vetada pelo Presidente da República, sob o argumento de que “permitir desoneração adicional de tributos significaria dificuldades para a manutenção das despesas sociais em níveis satisfatórios”. Ou seja, o alto nível de despesas impede que se conceda uma isenção tributária que, por si só, teria grande impacto socioeconômico e ambiental. E a justificativa para negar a desoneração é a necessidade de se fazer gastos em políticas sociais. Cabe perguntar o que seria melhor: garantir condições de melhoria de vida mediante expansão do saneamento ou ampliar o atendimento em hospitais públicos dos aproximadamente 500 mil[5] casos anuais de infecções gastrintestinais, gerados pelo saneamento deficiente?

Além da tributação excessiva, o governo tende a criar e ampliar mecanismos de poupança forçada (PIS/PASEP, FGTS), que obrigam empresas e empregados a depositar em fundos públicos, em troca de baixa remuneração, um dinheiro que poderia ser usado de forma mais produtiva no consumo ou poupança privados, sem que critérios políticos afetassem a alocação desses recursos.

Esse sistema tributário pesado e distorcido onera a criação de novos negócios, dificulta a ampliação das empresas, e prejudica as exportações, que são algumas das molas mestras do crescimento econômico. Um novo equipamento, que poderia duplicar a produção de uma empresa, fica muito mais caro devido ao aumento dos impostos, podendo deixar de ser uma opção lucrativa para a empresa (o impacto da tributação sobre as transações econômicas é tratado neste site no texto Como os impostos afetam o crescimento econômico).

Quando se tributa excessivamente a folha de salários, desestimula-se a contratação de novos empregados. Isso afeta não só o potencial de geração de empregos, mas também as possibilidades de crescimento das empresas.

Não se consegue exportar parte da produção porque as empresas dos países concorrentes têm custos tributários menores e, por isso, oferecem preços menores.

Outra importante fonte de crescimento – o aumento da produtividade – também é afetada pela tributação excessiva. Em um contexto de tributação elevada, pagar ou não todas as obrigações tributárias passa a ser, muitas vezes, uma decisão determinante para a sobrevivência das empresas. Muitas optam por não pagar impostos e, para não aparecer aos olhos do fisco, não podem crescer, mantendo-se pequenas e pouco produtivas, não podendo aproveitar os ganhos decorrentes do aumento da escala de produção e do acesso a técnicas mais eficientes.

Um mestre de obras e seus operários, por exemplo, terão dificuldade para crescer a ponto de se tornarem uma pequena empreiteira, formalmente registrada, com acesso a crédito na rede bancária e junto a fornecedores, com uma sede em endereço publicamente divulgado, onde poderão organizar a administração, receber clientes, etc.

Ao se tornar visível para o fisco, o empreendimento corre o risco de ser inviabilizado pelo peso da carga tributária. Com isso, multiplicam-se no país as feiras e camelôs, onde deveria haver lojas bem organizadas; os quebra-galhos e biscateiros, em lugar das pequenas empresas de serviços; as fabriquetas de fundo de quintal, os quiosques de comida sem higiene. Todos empreendimentos de baixa qualidade e impedidos, pela asfixiante carga fiscal, de crescerem e de se tornarem mais produtivos.

A concorrência, que estimula a eficiência e a produtividade, também é afetada. Devido à alta carga de tributos, são poucas as empresas de porte médio com capital disponível suficiente para crescer e tentar obter uma fatia de mercado atendida por grandes empresas. Estas, por falta de concorrência, não precisam se esforçar (aumentar qualidade e produtividade) para manterem suas fatias de mercado; basta confiar no fato de que somente as grandes empresas têm condições de atender as exigências burocráticas e o esforço financeiro requerido pelo fisco. A alta carga tributária acaba se transformando em barreira à entrada, protegendo as grandes empresas de terem seus mercados ameaçados por novas empresas de porte médio. O resultado é uma economia pouco dinâmica e pouco inovadora.

Uma característica dos governos grandes é que, mesmo com uma tributação elevada, eles dificilmente conseguem equilibrar suas contas. Para cada nova receita arrecadada, a burocracia, os políticos e sua clientela ou as demandas da população (muitas delas legítimas) já criaram uma despesa nova. A tendência, então, é que governos grandes acumulem dívidas igualmente grandes.

Um governo que deve muito representa risco para os emprestadores, que dele cobrarão altas taxas de juros. Pagando juros elevados e absorvendo parcela significativa dos recursos disponíveis na sociedade, o governo reduz o crédito disponível para o setor privado e eleva o custo dos financiamentos. Muitos empreendimentos se tornam inviáveis em função desse custo financeiro. A taxa de investimento do país cai, prejudicando o crescimento.

No governo, os incentivos para agir com eficiência são menores, afinal o burocrata ou governante gastam um dinheiro que não é seu (veja a esse respeito, neste site, o artigo Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?). Quando um percentual elevado da renda do país passa pelas mãos do governo, isso significa que um setor com baixo incentivo para ser produtivo tem prioridade na decisão de alocação dos recursos escassos da sociedade. O resultado é a baixa eficiência e produtividade e, mais uma vez, menos crescimento.

Já que é o governo quem decide a alocação de 34% da renda nacional, torna-se interessante, para cada indivíduo, ter acesso a essa parcela da renda. Isso significa que muitas pessoas vão investir tempo e dinheiro para se especializar em obter recursos públicos. Vão, por exemplo, buscar relacionamentos pessoais que facilitem o acesso a instâncias de decisão no governo. Ou, ainda, buscarão uma militância partidária ou em grupos de interesse que abram as portas para um cargo público comissionado ou para um patrocínio de uma empresa estatal.

Essa é a chamada atividade de “caçador de renda”, que não cria riqueza nova para a sociedade, mas apenas busca capturar recursos já existentes, produzidos por outros. É fácil perceber que será baixo o crescimento e a produtividade de longo prazo em um país onde valha mais fazer bons relacionamentos do que gastar horas estudando para se tornar um profissional produtivo; onde é mais lucrativo explorar brechas da lei para processar o estado do que desenvolver um novo produto.

Já que o governo está entre os maiores compradores de bens e serviços do país, o nível de lucro de muitas empresas depende de decisões tomadas pelo governo. Por outro lado, as decisões de governo tendem a ser fortemente influenciadas pelos objetivos dos governantes que, em geral, buscam, em primeiro lugar, a sobrevivência política e a vitória nas próximas eleições. Nesse contexto, muitas vezes será mais interessante para uma empresa investir no financiamento de campanhas eleitorais, que garantam a eleição de um governante amigo e mantenha o acesso a contratos públicos, a investir na busca de produtos mais eficientes e de menor custo.

Não podemos nos iludir, contudo, com a idéia do estado mínimo. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, é fundamental que sejam tomadas ações que busquem melhorar a distribuição da renda e das oportunidades. Isso, contudo, não é justificativa suficiente para a expansão ilimitada do gasto público. Tome-se o exemplo do setor de saneamento, citado acima, em que a necessidade de se financiar gastos sociais vem impedindo a redução da tributação em um setor fundamental à melhoria das condições de vida da população pobre. É preciso fazer escolhas racionais, ainda que difíceis e sujeitas a perda de popularidade.

Por mais meritório que seja um programa público, seus objetivos podem se perder devido a baixos incentivos para implementá-lo de forma eficiente, ou pela captura de seus benefícios por grupos outros que não o seu público alvo. Daí porque toda criação de um novo programa, projeto, subsídio ou contratação pública deve ser analisada com muito critério.

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Para ler mais sobre o tema:

Hausmann, R. (2009) Diagnóstico do Crescimento Econômico Brasileiro. CLP Papers nº 1. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Schuknecht, L e Tanzi, V (2005) Reforming public expenditure in industrilised countries: are there trade-offs? European Central Bank. Working Paper Series nº 435

Zettelmeyer, J. (2006) Growth and reforms in Latin America: a survey of facts and arguments. IMF working paper nº 06/210. www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2006/wp06210.pdf.


[1] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[2] Fonte: Receita Federal do Brasil.

[3] Ver, por exemplo, FGV (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Mimeo,  Instituto Trata Brasil. Disponível em: www.tratabrasil.org.br.

[4] Vide art. 54 da Lei nº 11.445/2007.

[5] FGV(2010), op. cit.

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Por que o real se valoriza em relação ao dólar desde 2002? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=620&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-real-se-valoriza-em-relacao-ao-dolar-desde-2002 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=620#comments Mon, 20 Jun 2011 12:15:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=620 Este texto é uma resenha do estudo “O câmbio no Brasil: perguntas e respostas”, de autoria de Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti, apresentado no XXIII Fórum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos – INAE. O texto resenhado pode ser obtido na íntegra, em versão pdf,  no endereço: http://www.forumnacional.org.br/sec.php?s=400&i=pt . A publicação da presente resenha em www.brasil-economia-governo.org.br foi autorizada pelos autores e pelo INAE.

Por que o câmbio no Brasil se valoriza continuamente desde 2002? Não há uma causa única, mas uma explicação muito importante está associada a uma característica dominante da economia brasileira, que é o nível baixo das poupanças domésticas – pública e privada. Isto torna o crescimento econômico dependente da absorção de poupanças externas, na forma de importações líquidas, cujo aumento ocorre através da valorização do câmbio real. Se todas as demais causas apontadas para a valorização do real não existissem, essa dependência com relação às poupanças externas já seria suficiente para transformar o real em uma moeda forte.

O propósito deste trabalho é enfatizar a importância desse efeito, bem como indicar caminhos para superar a limitação que ele impõe ao crescimento econômico. Mas antes de atingir esse ponto é preciso avaliar as outras forças por trás do comportamento da taxa cambial. Para fazê-lo há que se responder a cinco perguntas.

i)                    qual é o verdadeiro regime cambial brasileiro?

ii)                  o que está por trás da contínua valorização do real desde 2002?

iii)                por que cresceram as pressões para a valorização do real a partir de 2010?

iv)                por que mesmo diante das intervenções e de controles aos ingressos de capitais o câmbio real se valoriza?

v)                  como os ganhos de relações de troca afetam as exportações de commodities e de produtos manufaturados, e que consequências isto acarreta sobre as importações?

Após responder a essas cinco questões, na última seção o trabalho discute as sugestões sobre como reagir à nova realidade externa. Não há controvérsias sobre as reações aos movimentos de curto prazo, que temporariamente valorizam o real: usam-se os instrumentos das intervenções e de taxações sobre os ingressos de alguns tipos de capitais. A controvérsia está no que fazer para evitar forças que a longo prazo tornam o real uma moeda mais forte. A primeira ação deveria ser a promoção de reformas que levem à elevação das poupanças domésticas, tornando o crescimento econômico menos dependente da absorção de poupanças externas.

I – QUAL É O REGIME CAMBIAL BRASILEIRO?

O Brasil aderiu à flutuação cambial no início de 1999. Mas se caracterizarmos o regime cambial brasileiro não pelo comportamento da taxa cambial, e sim pela intensidade das intervenções, desde janeiro de 2006 o Brasil vem praticando um regime cambial muito distante do câmbio flutuante puro.

Quando a trajetória do câmbio é pré-fixada (assim como no regime de câmbio fixo), o Banco Central tem que estar pronto a comprar ou a vender quaisquer que sejam os fluxos cambiais de entrada e de saída para manter o câmbio preso àquela trajetória. Já no regime puro de câmbio flutuante, o Banco Central nem compra, nem vende: o aumento de fluxos de entrada leva à valorização do câmbio, e o aumento dos fluxos de saída leva à sua desvalorização.

Desde a implementação do Plano Real, podemos identificar três períodos no que diz respeito ao comportamento do Banco Central no mercado de câmbio. Durante o período de câmbio com trajetória pré-fixada (1994-1999), eram frequentes as intervenções de compra e venda. Já no regime de câmbio flutuante, após 1999, há dois períodos distintos. No primeiro, entre 1999 e o final de 2005, as intervenções eram muito pequenas. Havia nesse período uma flutuação cambial quase pura. Já a partir de 2006, as intervenções são mais intensas do que no período entre 1994 e 1999. Por esse critério, o regime cambial recente se assemelha ao que existia quando o real seguia uma trajetória pré-fixada. Entretanto, contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, apesar da intensidade das intervenções, o câmbio não deixou de se valorizar. Também contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, quando havia uma alternância de compras e vendas, neste período mais recente, em quase todos os meses (a exceção são os quatro meses mais agudos da crise mundial de 2008), somente ocorreram compras. Foram compras tão intensas que, de janeiro de 2006 até o presente, o Brasil acumulou um adicional de mais US$ 274 bilhões de reservas.

Qual o motivo dessas intervenções intensas? A explicação oficial é que com isso buscava-se a acumulação de reservas. Esse é, de fato, um objetivo de política econômica, mas não era o único. O outro, não declarado, é a busca de, pelo menos, evitar uma valorização mais intensa do real.

II – O QUE ESTÁ POR TRÁS DA CONTÍNUA VALORIZAÇÃO CAMBIAL DESDE 2002?

Não há uma única causa por trás da contínua valorização cambial desde 2002, mas uma delas, muito importante, é o aumento progressivo da demanda por ativos brasileiros a partir de 2002, derivada da adesão do país à disciplina macroeconômica, junto com a melhora do cenário internacional.

A grande queda da percepção de riscos macroeconômicos ocorreu quando o governo Lula, logo no seu início, se comprometeu a manter o mesmo tripé implantado no governo anterior: superávits fiscais primários; metas de inflação; e flutuação cambial. Buscava, com isso, a redução da dívida publica; a sua desdolarização; o controle da inflação; e o aumento da liquidez externa do país. A percepção da seriedade do compromisso com esses objetivos reduziu drasticamente a percepção de riscos, elevando a demanda por ativos brasileiros.

O aumento da demanda no mercado financeiro internacional eleva os preços dos bônus brasileiros no mercado secundário, o que reduz seus rendimentos (yelds) e, consequentemente, o prêmio de risco[1]; e o aumento da demanda no mercado financeiro por parte de estrangeiros eleva o ingresso de dólares para permitir as compras, valorizando o real. Ou seja, a queda na percepção de riscos macroeconômicos produz, ao mesmo tempo, uma baixa dos prêmios de risco e uma valorização cambial: é a melhoria da percepção de riscos, por sua vez decorrente de uma maior disciplina macroeconômica, que permite queda no prêmio de risco e apreciação da taxa de câmbio.

Há quem argumente que a forte demanda por ativos brasileiros decorre das altas taxas de juros. É verdade que em todo este período há ingressos de capitais de curto prazo, mas há, também, um forte ingresso de capitais de longo prazo, que não são diretamente estimulados pelo diferencial de taxa de juros. Por exemplo, nos doze meses encerrados em maio de 2011, a entrada de investimentos estrangeiros diretos e em portfólios, que não é induzida pelo diferencial de juros, atingiu em torno de US$ 100 bilhões. São capitais atraídos pelas boas perspectivas econômicas do Brasil, em um contexto de abundante liquidez no mercado financeiro internacional.

III – POR QUE A PARTIR DE 2010 CRESCEU A PREOCUPAÇÃO COM A VALORIZAÇÃO?

Em 2010 o Federal Reserve iniciou Quantitative Easing 2 – QE2, um programa de recompra de títulos de longo prazo do Tesouro dos Estados Unidos que aumentou a quantidade de dólares em circulação. Isso acentuou a desvalorização do dólar com relação a praticamente todas as moedas, inclusive o real.

Uma primeira reação do governo brasileiro a essa valorização foi retomar os controles nos ingressos de capitais, elevando para 6% o IOF para os ingressos em portfólio de renda fixa. Em segundo lugar, intensificaram-se as intervenções no mercado à vista, tendo as compras no primeiro quadrimestre de 2011 atingido a média de US$ 7,3 bilhões por mês.

IV – POR QUE APESAR DO ESFORÇO CONTRÁRIO O CÂMBIO REAL SE VALORIZA?

Essa valorização é uma consequência de duas forças. A primeira são os ganhos de relações de troca. A segunda é o fato de que o Brasil é um país no qual o aumento dos investimentos depende da complementação de poupanças externas, porque as poupanças domésticas são baixas. A absorção de poupanças externas se faz com o aumento das importações líquidas, mas, para tanto, é necessário que se tornem mais baratas, o que exige a valorização do câmbio real.

Olhemos primeiramente para as relações de troca, mas antes de analisar o caso brasileiro, concentremo-nos por um momento no comportamento do dólar australiano, que foi a moeda que mais se valorizou depois de implantado o QE2. Não se pode atribuir a apreciação do dólar australiano ao diferencial de juros, simplesmente porque a taxa de juros daquele país é muito próxima da dos Estados Unidos. O canal de transmissão relevante, no caso da Austrália, foi a elevação dos preços de commodities.

Os ganhos de relação de troca, ao estimular as exportações e ampliar a oferta de divisas, tendem a valorizar o câmbio real em países cujas exportações de commodities são elevadas. No caso brasileiro, tanto quanto no caso da Austrália, ganhos de relações de troca ocorrem quando os preços das commodities se elevam. A partir de 2009, o Brasil teve ganhos de relações de troca da ordem de 30%.

Olhemos agora para o fato de que no Brasil as poupanças domésticas são baixas, e que os investimentos dependem da absorção de poupanças externas, na forma de aumento das importações líquidas. Contabilmente um déficit nas contas correntes (exportações líquidas negativas) é o excesso de importações sobre exportações de bens e serviços, mas economicamente ela pode ser vista: ou como o excesso da absorção (a soma da formação bruta de capital fixo e dos consumos das famílias e do governo) sobre a renda; ou como a escassez das poupanças totais domésticas para financiar os investimentos[2]. Outra forma de entender a dependência de nossa economia pela poupança externa é constatar que o aumento dos investimentos provoca o crescimento da absorção acima do PIB, porque não ocorre nem uma queda suficientemente grande do consumo das famílias, nem do consumo do governo, que provocariam a elevação das poupanças domésticas. É necessária então a poupança externa para completar o financiamento do investimento doméstico. Com isso fica estabelecido o fato empírico de que no Brasil o aumento dos investimentos requer a complementação de poupanças externas. Mas por que isso levaria á valorização do câmbio real?

O câmbio real é um preço relativo, entre bens tradables e non-tradables[3], e o aumento da absorção relativamente à renda provoca a sua apreciação. Para mostrar esse ponto partimos de uma situação inicial na qual os investimentos são iguais às poupanças domésticas (a absorção é igual à renda), com importações líquidas nulas. Admitamos que a partir desse ponto a absorção doméstica se eleva acima da renda (os investimentos crescem acima das poupanças domésticas), levando a um aumento nas importações líquidas. Expansão da demanda doméstica significa um aumento quer da demanda por bens tradables, quer da demanda por bens non-tradables. Mas com um dado valor do câmbio nominal o preço nominal dos bens tradables não se altera (ele é o produto do câmbio nominal pelo preço internacional, e lembremos que este último não se altera, porque o Brasil é um “tomador de preços” no mercado internacional). Em contrapartida, o aumento da demanda de bens non-tradables leva a um aumento de seu preço relativo (os salários, por exemplo), e, como o câmbio real é o preço relativo entre bens tradables e non-tradables, este se valoriza. A valorização do câmbio real é necessária para levar ao aumento das importações líquidas, que conduzem ao aumento da taxa de investimentos.

Por que canais essa valorização ocorre? Ela pode ser tanto decorrente de uma apreciação do câmbio nominal sem que os preços dos bens non-tradables se alterem no mercado doméstico; quanto de uma elevação dos preços dos bens non-tradables, isto é, através de uma inflação. Observem que em ambos os casos os bens non-tradables tornam-se mais caros em relação aos bens tradables.

Desde 2002 tem ocorrido apreciação do câmbio real. Em grande parte, essa apreciação é explicada pela apreciação do câmbio nominal. Mas a inflação (de bens non-tradables) também teve a sua parte, especialmente depois de 2010, quando se intensificaram as intervenções do Banco Central no mercado à vista, buscando evitar uma apreciação do real com relação ao dólar. Ou seja, nesse período mais recente, a tentativa de impedir uma apreciação do câmbio nominal tem feito com que a apreciação do câmbio real necessária para equilibrar o excesso de absorção doméstica em relação ao produto tenha de ser obtida por meio de maior inflação de non-tradables, como os serviços.

V – COMO AS RELAÇÕES DE TROCA AFETAM AS EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES?

Para as exportações como um todo, a valorização do câmbio real com relação à cesta de moedas é compensada pela elevação dos preços das exportações medidos em dólares. Mas os preços dos produtos manufaturados cresceram menos do que os preços dos produtos básicos. Quanto isso representa em termos de perdas de competitividade?

A resposta obviamente não pode ser dada olhando apenas para o câmbio real. Uma medida mais precisa é dada computando-se o produto do câmbio real pelos preços em dólares de manufaturados, semimanufaturados e básicos. Em relação ao câmbio real, podemos tomar como referência o dólar, se considerarmos que as exportações são predominantemente direcionadas para os Estados Unidos ou para países com moedas presas ao dólar (como a China), ou ter como referência uma cesta de moedas, se houver maior diversificação no destino de nossas exportações.

Em relação aos produtos básicos, verificamos que nos últimos anos suas exportações tornaram-se extremamente mais competitivas, pois a elevação de preços de commodities mais do que compensou a valorização das duas medidas de câmbio real. Já para os exportadores de produtos manufaturados para os Estados Unidos e para países com moedas atreladas ao dólar norte americano, a perda de competitividade vem ocorrendo continuamente. Mas ela é bem menor do que a estimada pela valorização do real, e é ainda menor caso se exporte para países cujas moedas também estão em processo de valorização.

O caso das importações é semelhante ao das exportações de produtos manufaturados. Importações provenientes dos Estados Unidos ou de produtos cotados em dólares têm seus preços convertidos em reais mostrando uma queda contínua.

QUAIS SÃO OS CAMINHOS?

Em situações de valorizações transitórias excessivas, como a que vem ocorrendo em resposta à crise internacional, o governo reage intervindo mais pesadamente e/ou “colocando areia nas rodas” dos ingressos de capitais, evitando uma sobrevalorização. A grande maioria dos países lança mão desses instrumentos. O que nos interessa mais de perto, diante da análise exposta neste trabalho, é como reagir ao movimento permanente de valorização do real.

A primeira providência é elevar as poupanças totais domésticas, de forma a tornar o crescimento econômico menos dependente da absorção de poupanças externas. Para isso é necessário redefinir completamente os objetivos da política fiscal. Há alguns anos, quando o Brasil sofria do problema da não sustentabilidade da dívida pública, tinha que gerar superávits primários suficientemente grandes para, dadas a taxa real de juros e a taxa de crescimento econômico, produzir o declínio da relação dívida/PIB. Agora teria que dar um passo além, cortando gastos de custeio em relação às receitas de forma a elevar simultaneamente suas poupanças e os seus investimentos.

A segunda providência é tomar medidas no campo tributário para elevar a competitividade das exportações. É preciso, primeiro, que os impostos sobre o valor adicionado permitam a total isenção nas exportações, o que não existe atualmente com o ICMS. É necessário reformar completamente o ICMS, mantendo as receitas nos Estados, mas com legislação federal, de forma a tolher o poder dos Estados na concessão de incentivos e isenções. O ICMS também teria que ser recolhido de acordo com o princípio do destino, e não da origem, de forma a eliminar o problema da não utilização dos créditos tributários. Também são necessárias uma desoneração da tributação sobre a folha de pagamento e uma queda drástica de impostos sobre energia elétrica e bens de capital.

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[1] O yield corresponde ao rendimento de um título, que pode ser expresso pela soma do rendimento de um título sem risco (o que usualmente é aproximado pela taxa de juros de títulos do governo norte-americano para títulos com características semelhantes aos nossos) com o prêmio de risco. Se o rendimento cai e a taxa de juros sem risco não se altera, isso implica redução do prêmio de risco.

[2] Para simplificar admitimos nula a renda líquida enviada ao exterior. A oferta total de bens e serviços é obtida somando o produto, Y, às importações, M, e a demanda agregada de bens e serviços é  obtida somando o consumo das famílias, C, aos investimentos, I, ao consumo do governo, G, e às exportações, X (a demanda externa). O equilíbrio impõe a igualdade Y+M=C+I+G+X, ou (X-M)=Y-(C+I+G), onde as exportações líquidas, (X-M), são iguais ao saldo nas contas correntes (a renda enviada ao exterior é nula), e (C+I+G) é a absorção. Somando e subtraindo a arrecadação tributária, T, obtemos (Y-T)-C – I+(T-G)=(X-M), onde (Y-T) é a renda disponível. A diferença entre a renda disponível e o consumo é a poupança das famílias, e a diferença entre a arrecadação tributária e o consumo do governo é a poupança do setor público. Ou seja a poupança das famílias é St =(Y-T)-C, e a poupança pública é (T-G)=Sp, e fazendo S=St+Sp obtemos S-I=X-M, ou seja, as exportações líquidas (o superávit nas contas correntes) é o excesso das poupanças sobre os investimentos.

[3] Bens tradables, ou comercializáveis, são bens que são fáceis de serem exportados ou importados. Já bens non tradables são bens que apresentam maior dificuldade de comercialização no mercado internacional (seja para exportação ou para exportação). Podemos aproximar, grosseiramente, bens tradables como commodities e manufaturados, e non-tradables como serviços. Câmbio real depreciado significa, portanto, que os bens comercializáveis estão relativamente caros. Quando o câmbio real se aprecia, o preço dos serviços e outros bens não comercializáveis tende a ficar relativamente mais caro.

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Como os impostos afetam o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=368&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-os-impostos-afetam-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=368#comments Wed, 16 Mar 2011 04:09:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=368 Somente a morte e os impostos são inevitáveis” (Benjamin Franklin)

I. Introdução

Os impostos cumprem uma importante função na sociedade moderna. Com os recursos arrecadados via tributação, o Estado consegue financiar-se e prover bens públicos à população. Educação, saúde e segurança pública são alguns exemplos de bens que o governo fornece gratuitamente à sociedade em troca do recebimento de impostos.

Quanto maior é o Estado, maior é a necessidade de se arrecadar recursos junto à sociedade. Quanto mais ineficiente for o setor público, tanto mais custoso será ao trabalhador manter a estrutura estatal. Dessa maneira, um Estado pequeno e extremamente eficiente é algo desejável aos trabalhadores. Afinal, em tal arcabouço o Estado se limitaria a um conjunto específico de funções e as exerceria com maestria, provendo à população um bem público de qualidade, e a um custo acessível.

Do ponto de vista econômico o crescimento do Estado gera a necessidade do aumento da carga tributária (total de contribuições obrigatórias e impostos arrecadados dividido pelo PIB). Contudo, o aumento da carga tributária torna o recebimento dos bens públicos mais onerosos para os trabalhadores. Isto é, são obrigados a trabalharem mais horas para pagarem seus impostos. De maneira semelhante, o crescimento desordenado do Estado também onera os empresários, fazendo com que estes invistam menos. Sendo assim, um aumento da carga tributária acima de determinado patamar afeta negativamente o padrão de vida de longo prazo de uma sociedade.

O objetivo desse artigo é analisar os efeitos de curto e de longo prazo da carga tributária brasileira sobre o crescimento econômico. Para tanto utilizamos dados trimestrais, referentes ao PIB e a carga tributária, do período 1995 a 2009. De maneira geral, os resultados mostram um efeito negativo do aumento da carga tributária sobre o crescimento econômico. A implicação de política econômica desse fato é óbvia: a carga tributária brasileira está por demais elevada, e uma redução da mesma levaria a uma dinamização do crescimento de longo prazo da economia brasileira.

Além dessa introdução, este artigo apresenta na seção 2 uma explicação mais detalhada do efeito da carga tributária sobre o crescimento econômico. A seção 3 detalha a base de dados utilizada nesse estudo. A seção 4 reporta os resultados estatísticos. Por fim, a seção 5 disserta sobre as conclusões e implicações de política econômica advindas desse texto.

II. A perda de eficiência econômica associada a uma alta carga tributária

Existe uma ampla literatura especializada que estuda os impactos dos impostos sobre o nível de bem estar de uma sociedade. Dentro dessa literatura existem fatos estabelecidos e questões em aberto. Por exemplo, os modelos teóricos são claros ao afirmar que impostos que incidem sobre a movimentação financeira (similares a antiga CPMF) são péssimos do ponto de vista econômico. Impostos sobre a movimentação financeira causam muitas distorções na economia, afetando negativamente a eficiência econômica de uma sociedade. Essa perda de eficiência se traduz em queda de produtividade, que em última instância reduz o crescimento econômico[1].

Do ponto de vista empírico, existe ampla evidência de que impostos sobre bens suntuosos (de altíssimo luxo) são ruins para o trabalhador. Ao contrário do que a maioria acredita, quando o governo taxa produtos de altíssimo luxo quem paga a conta não é o rico, mas sim o trabalhador que é empregado nesse ramo de comércio. De maneira semelhante, os estudos têm demonstrado que impostos sobre o trabalho (por mais paradoxal que pareça) são mais eficientes para promover o crescimento econômico de longo prazo do que impostos sobre o capital[2].

Existem ainda muitas outras evidências empíricas e teóricas sobre qual a melhor maneira de se promover a arrecadação tributária. Mas o resultado mais forte dessa literatura é: não use a carga tributária para promover distribuição de renda. Distribuição de renda deve ser feita via gastos públicos, e não via tributação. Existem também assuntos onde os estudos não têm uma resposta definitiva. Por exemplo, ainda é uma questão em aberto se impostos sobre o consumo são mais eficientes que impostos sobre a renda[3].

De maneira geral, os impactos negativos dos impostos sobre o crescimento econômico vêm de algo que os economistas chamam de “peso morto dos impostos”. O “peso morto” é a perda de eficiência associada a um imposto específico. Toda vez que o governo aumenta ou cria impostos, uma quantidade de trocas que antes era realizada na economia deixa de ser realizada. Essa redução nas trocas econômicas é justamente o peso morto do imposto. Por exemplo, suponha que você aceite pagar 10 reais para que lavem seu carro. Suponha também que exista alguém disposto a lavar seu carro por 7 reais. Sendo assim, você terá seu carro lavado por um preço entre 7 e 10 reais. No caso do preço acordado ser de 8 reais, você teve um acréscimo de 2 reais em seu bem-estar (toparia pagar 10 reais e pagou apenas 8 reais). E o lavador de carro teria um acréscimo de 1 real em seu bem estar (toparia lavar o carro por 7 reais e recebeu 8 reais). Isto é, o bem estar da sociedade aumentou em 3 reais. Suponha agora que o governo crie um imposto de 4 reais sobre cada carro lavado. Neste caso, a troca anterior passa a ser impossível. Conseqüentemente, o bem estar da sociedade é reduzido em 3 reais. Esta redução no bem estar da sociedade decorrente do imposto é o que chamamos de peso morto dos impostos.

Quanto maior o peso morto de um imposto, maior será o número de trocas que deixarão de ser realizadas na economia, e maior será o impacto negativo desse imposto sobre o crescimento econômico de longo prazo. Alguns especialistas dizem, erradamente, que a CPMF era um bom imposto. Afirmam isso dizendo que a CPMF arrecadava muito e tinha um custo de arrecadação baixo. Do ponto de vista econômico, a qualidade de um imposto é medida por três fatores: a) facilidade e custo da arrecadação; b) montante arrecadado; e c) peso morto associado ao imposto. A CPMF tinha bom desempenho nos itens “a” e “b”, mas é um desastre no item mais importante, o item “c”. A CPMF distorce demais as transações financeiras, com impactos diretos sobre a taxa de juros da economia. Dessa maneira, antes de qualificarmos um imposto como sendo “bom” é fundamental que chequemos as distorções que o mesmo gera na economia.

Quanto mais distorções um imposto gera, maior é o número de trocas que deixa de ser realizada, reduzindo assim a eficiência e a produtividade da economia, e maior será o impacto negativo desse imposto para o crescimento econômico de longo prazo.

III. Base de Dados

Este estudo fez uso de dados trimestrais para o período 1995:01 a 2009:04. A carga tributária bruta trimestral total foi obtida junto ao IPEA. O PIB real foi obtido junto ao IBGE. Abaixo incluímos os gráficos referentes ao PIB trimestral e a carga tributária trimestral.

Como pode ser visto na figura abaixo, a carga tributária apresentou forte evolução no período. Em 1995 a carga tributária bruta se situava ao redor de 27,4% do PIB, mas terminou o ano de 2009 atingindo aproximadamente 34,4% do PIB. Isto é, um aumento de 7 pontos percentuais do PIB num período de 15 anos. A rigor, em 2008 a carga tributária foi ainda mais alta atingindo 34,9% do PIB. As isenções tributárias adotadas pelo governo para combater a crise reduziram levemente a carga tributária de 2009.

A próxima figura mostra o desempenho do PIB nos últimos 15 anos. Sinalizando para um crescimento médio aproximado do PIB de 2,8% ao ano. Se descontarmos do crescimento do PIB a taxa de crescimento populacional, teremos que o PIB per capita brasileiro cresceu, em média, aproximadamente 1% ao ano nos últimos 15 anos. Isto é, desempenho semelhante ao da década de 1980, conhecida por década perdida.

A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do PIB e da carga tributária bruta nos últimos 15 anos. Como podemos observar, existe uma forte correlação negativa entre essas duas séries. Isto é, quando a carga tributária sobe o PIB cai, e vice-versa. A correlação entre essas taxas de crescimento é de -0,78[4].

IV. Resultados Estatísticos

A correlação mostrada na figura acima é apenas um indício inicial de que a carga tributária pode afetar o crescimento do PIB ou de que a variação do PIB pode afetar a carga tributária.  Vamos fazer um exercício estatístico supondo que a relação de causalidade parte da carga tributária para o PIB: ou seja, um aumento da carga tributária pelo governo teria impacto sobre o PIB.

A partir daí lançamos mão de procedimentos estatísticos padronizados, em uma “análise de regressão”[5]

Na regressão que procura estimar a relação de longo prazo entre carga tributária e PIB encontramos que um aumento de 1% da carga tributária bruta geraria uma redução de 3,86% do PIB no longo prazo. Esse é um efeito extremamente negativo do crescimento da carga tributária sobre o desempenho econômico de longo prazo.

Na regressão de curto prazo, encontramos que um aumento de 1% na taxa de crescimento da carga tributária reduziria a taxa de crescimento do PIB em 0,42%. Os resultados indicam uma velocidade de ajustamento aproximada de 4,68% por trimestre.

Claro que os resultados desse texto devem ser observados com cuidado. Este trabalho é apenas um primeiro passo, e certamente ainda há muito que fazer. Também devemos ressaltar que uma série grande de variáveis que afetam o PIB não foram incluídas nas regressões[6]. Por fim, é importante lembrar que uma desagregação da carga tributária em diferentes tipos de impostos e contribuições também poderia fornecer resultados interessantes.

Em vista de ser esta uma exploração preliminar dos dados, devemos ver os resultados contidos nesse estudo apenas como uma aproximação, como uma linha de observação. Mais importante do que a magnitude dos efeitos estimados, é o fato de termos obtido indícios dos impactos deletérios da atual carga tributária brasileira sobre o crescimento econômico de longo prazo de nosso país.

V. Conclusões e Sugestões de Política Econômica

Este artigo aponta indícios de que o aumento da carga tributária, nos últimos 15 anos, teve impacto sobre o baixo desempenho econômico da economia brasileira. Os resultados encontrados sugerem uma alta sensibilidade do PIB à carga tributária. Isso quer dizer que, no longo prazo, o aumento da carga tributária tem impactos negativos, e de magnitude expressiva, sobre o crescimento econômico. Nossos resultados preliminares sugerem que, tomado isoladamente, o aumento de 1% da carga tributária reduza o PIB no longo prazo em até 3,8%. Como mencionado anteriormente, mais importante do que a magnitude da redução do PIB (que devido aos problemas estatísticos anteriormente mencionados deve ser vista como um limite superior), é o indício de que a carga tributária brasileira está se colocando como um obstáculo ao crescimento de longo prazo da economia brasileira.

Em relação ao curto prazo, encontramos que um aumento de 1% na taxa de crescimento da carga tributária gera uma redução de 0,42% na taxa de crescimento do PIB. Ou seja, mesmo no curto prazo, o desempenho do PIB seria severamente prejudicado por aumentos na carga tributária.

A conclusão de política econômica desse artigo é óbvia: possivelmente a redução da carga tributária brasileira atual teria potencial para dinamizar o crescimento econômico de curto, e sobretudo, de longo prazo da economia brasileira.

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Para ler mais sobre o tema:

Albuquerque, P. H. (2006): “BAD Taxation: Disintermediation and Illiquidity in a Bank Account Debits Tax Model,” International Tax and Public Finance, 13 (5), 601-624

Blanchard, O. J. e Fischer, S. (1989) “Lectures on Macroeconomics”. MIT Press: Cambridge, Massachusetts.

Kaplow, L. (2010) “The theory of taxation and public economics”. Princeton University Press, 472 p.

Romer, D. (1996) “Advanced Macroeconomics”. McGraw-Hill.

Leitura para não-economistas:

Mankiw, N. G. (1999) “Introdução à Economia: Princípios de Micro e Macroeconomia”. Editora Campus: Rio de Janeiro. (ler páginas 247 a 261).


[1] Mais detalhes sobre esse fato podem ser obtidos em Albuquerque (2006).

[2] Mais detalhes em Blanchard e Fischer (1989) cap. 2, e Romer (1996) cap. 2.

[3] Uma ampla revisão da literatura sobre taxação pode ser encontrada em Kaplow (2010).

[4] Correlação é uma medida de associação estatística entre variáveis. Tal medida varia de -1 a 1. Uma correlação negativa indica que as variáveis variam em direções opostas. Uma correlação positiva indica que variam na mesma direção. Uma correlação próxima de zero indica que não há possibilidade de associar o movimento de uma variável com o da outra. Deve-se sempre lembrar que o fato de variáveis serem correlacionadas entre si não quer dizer que a variação de uma seja a causa da variação da outra. A correlação pode ser mera coincidência ou pode ser causadas por outras variáveis não consideradas na análise.

[5] Nota para economistas – Todas as variáveis estão em logaritmo. Dessa maneira, os parâmetros encontrados nas regressões representam as elasticidades. Para verificar a ordem de integração das séries, foram realizados os testes de Dickey-Fuller, DF-GLS, PP, KPSS, ERS e Ng-Perron. No conjunto, tais testes indicaram que tanto o PIB real como a carga tributária bruta são integradas de ordem 1 (I(1)). Para lidar com o problema de regressões espúrias, nós verificamos a co-integração das séries. Os testes indicam que as séries co-integram, isto é, podemos fazer inferência sobre os resultados encontrados. Na regressão do PIB incluímos além da carga tributária, dummies sazonais e uma variável de tendência.

[6] Nota para economistas – Questões referentes a causalidade e endogeneidade das séries também não foram analisadas. Procedimentos estatísticos associados a mudança de regime, quebras estruturais e parâmetros variáveis também seriam estratégias interessantes de serem seguidas do ponto de vista de modelagem econométrica.

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