política – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Políticos negligenciam o crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3613&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politicos-negligenciam-o-crescimento-economico Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3613 Políticos negligenciam o crescimento econômico

Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.

 Por Roberto Macedo*

Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.

Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.

A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.

São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.

Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.

O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.

Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.

Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.

No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.

Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.

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Sistema político passou ao incentivado presidencialismo de cooptação https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3404&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sistema-politico-passou-ao-incentivado-presidencialismo-de-cooptacao Fri, 19 Feb 2021 13:30:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3404 Sistema político passou ao incentivado presidencialismo de cooptação

 

Parlamentares ficam soltíssimos para defender interesses pessoais e grupais

 

 Por Roberto Macedo

 

Há o presidencialismo de coalização, descrito como uma combinação do presidencialismo com o apoio de uma coalizão multipartidária no Legislativo. Segundo o cientista político Sérgio Abranches, que criou esse conceito, “… é um requisito imprescindível da governabilidade no modelo brasileiro. Nem todos os regimes presidenciais multipartidários dependem tanto de uma coalizão majoritária. No Brasil, as coalizões não são eventuais, são imperativas. Nenhum presidente governou sem o apoio e o respeito de uma coalizão. É um traço permanente de nossas versões do presidencialismo de coalizão”.

E há o presidencialismo de cooptação. Nele o presidente busca o apoio de parlamentares por meio do toma lá verbas e cargos e o dá cá apoio parlamentar. Outra diferença relativamente ao de coalização é que essa troca se dá com parlamentares específicos, ou um grupos deles, e pode ser feita mesmo contrariando a orientação das lideranças e dos programas partidários.

A recente eleição para a presidência da Câmara e a do Senado foi bem mais na linha da cooptação do que da coalizão. Meu artigo anterior neste espaço destacou a reportagem deste jornal Por eleição, Planalto libera R$ 3 bi a parlamentares, publicada em 29 de janeiro. Nela, o que chamou a atenção foi a grande dimensão desse valor, a coincidência dos entendimentos com o período pré-eleitoral nas duas Casas e o amplo alcance de negociações individuais. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, que tentou articular uma candidatura em oposição à apoiada pelo Executivo, até reclamou quanto à cooptação praticada.

O senador Tasso Jereissati, em entrevista ao jornal O Globo digital no domingo passado, afirmou: “… esse período agora é diferente, (…) todos os partidos, todos, foram triturados (…) pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. (…) Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. (…) o processo (…) nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual”.

A cooptação individualizada envolveu grupos de tamanho relevante no contexto das organizações partidárias, mas também houve dentro delas grupos contrários à cooptação, com o que vieram rachas partidários marcados por posições opostas na eleição. O mais evidente foi no DEM, de Rodrigo Maia, onde alcançou o grupo dele em contraposição ao do ex-prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães Neto. Os dois até trocaram impropérios em declarações à imprensa.

Outro racha muito citado foi no PSDB. Aí a liderança do governador João Doria alcançava deputados que votaram em Baleia Rossi, o candidato articulado por Rodrigo Maia. Mas houve também quem optasse por Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro. O deputado tucano Aécio Neves, uma liderança em evidente declínio nacional, ainda assim foi apontado por Doria como um dos mobilizadores desse apoio, novamente com troca de insultos entre as partes.

Esses dois partidos terão enorme trabalho para recuperar sua identidade programática, e arregimentar seus membros em torno dela, se quiserem ter uma influência de peso nas eleições de 2022. Tudo isso tem como pano de fundo um sistema partidário e eleitoral que cria incentivos para os parlamentares buscarem as cooptações. Não havendo o voto distrital, eles não são cobrados pelos eleitores ao longo de seus mandatos, nem tomam por si a iniciativa de relatar o que fazem, ficando assim soltíssimos para defender interesses pessoais e de grupos que os pressionam. Esse comportamento é também aético, pois se desvia do que, como representantes do povo, e não de si mesmos ou desses grupos, deveria marcar as atitudes parlamentares, a defesa do bem comum.

Temas como a retomada do crescimento econômico, o enorme tamanho e a disfuncionalidade do Estado brasileiro, as carências educacionais, sanitárias, ambientais e tecnológicas, a imagem do Brasil no plano internacional, onde está bem atrás dos países que mais avançam, nada disso parece despertar seu interesse e o empenho em ações corretivas. Salvo exceções cada vez mais excepcionais, o que os move mesmo é o interesse em renovar seus mandatos, para o que focam nas distribuições de benesses, sem ponderar seus custos, e no apoio político inquestionado a quem tem o poder de financiar seus projetos eleitorais.

No contexto desse poder, tem papel importante a enorme quantidade de cargos governamentais a oferecer e a liberação de verbas de interesse exclusivo dos parlamentares e de seus apoiadores, as quais constituem financiamento público indireto de campanhas eleitorais, em prejuízo de candidatos não incumbentes.

Mas a Constituição não diz que todos são iguais perante a lei? Ora, no Brasil é costume dizer que leis são como vacinas: umas pegam, outras não. Assim, o momento atual, o das vacinas previamente testadas, deveria servir para o País buscar vacinas legais eficazes contra nossos muitos males político-institucionais.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de fevereiro de 2021.

 

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Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3402&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ao-escolher-o-presidente-camara-ignorou-seus-representados Fri, 05 Feb 2021 14:56:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3402 Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados

Os congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão

Por Roberto Macedo

A Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.

O que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos, vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve responder com gratidão.

Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.

Quanto a essas negociações, o jornalista Carlos Brickmann fez esta comparação: “Para evitar o constrangimento de levar uma proposta indecente a um parlamentar decente”, o que procurasse o governo ou fosse chamado para negociar deveria portar um código de barras para mostrar o valor de seu interesse, e acelerar as negociações.

Nos Estados Unidos, propostas legislativas feitas por congressistas em favor de seus redutos eleitorais são chamadas de earmarks, como aquelas plaquinhas colocadas em orelhas de bovinos. Lá são combatidas por uma instituição chamada CAGW (Cidadãos contra o Desperdício Governamental), como não cabíveis num orçamento federal que deve ser voltado para o bem comum, e não para interesses específicos e locais. Aqui caberia iniciativa similar, pois tais emendas parlamentares e outras verbas que recebem violam outro dispositivo constitucional, o de que todos são iguais perante a lei, pois no processo eleitoral os candidatos já incumbentes são beneficiados por essas dotações relativamente aos candidatos sem mandato. Assim, elas constituem indiretamente um financiamento público de campanhas, que distorce a competição entre candidatos.

Voltando à representação dos eleitores, a brasileira é extremamente frágil. Vivi em países com voto distrital, em que o eleito passa a representar um distrito, e não apenas aqueles que o elegeram, e tem o hábito de prestar contas aos moradores distritais ao longo de seu mandato, sem o que poria em risco a renovação dele. Houvesse isso aqui, os congressistas deveriam estar agora explicando em quem votaram na segunda-feira passada e a razão. Muitos enfrentariam problemas, pois a avaliação de Bolsonaro vem caindo e está perto de 30% a proporção dos que veem sua gestão como ótima ou boa. Aliás, a representatividade dos parlamentares eleitos no Brasil é tão baixa que é como se eles fossem parlamentares cometas, pois só aparecem diante do eleitor a cada quatro anos, em busca de votos.

No Senado, o resultado pareceu-me diferente do da Câmara e não tão ruim. Foi eleito o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) por maior margem relativa de votos, tendo como adversária apenas uma concorrente simbólica, Simone Tebet (MDB-MS), que disputou individualmente. Seu próprio partido deixou de apoiá-la. Bem articulado, Pacheco teve apoio até do PT.

Li na Agência Brasil reportagem sobre seu discurso de posse e destaco estes trechos: “Defendeu a independência da Casa, o combate à corrupção, a geração de empregos, o combate à pandemia, a estabilidade econômica e a preservação do meio ambiente. (…) (O Senado deve) atuar com vistas no trinômio saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico, com o objetivo de preservar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, gerar emprego e renda. (…) também citou as reformas, sobretudo a tributária. (…) votações de reformas que dividem opiniões (…) deverão ser enfrentadas com urgência, mas sem atropelo”. Em tese, tudo muito bonito.

Pacheco chegou ao Congresso em 2014, como deputado federal, e no seu primeiro mandato alcançou a presidência da importante Comissão de Constituição e Justiça, o que demonstra poder de articulação, ratificado pela eleição recente. Seu currículo não levanta tanto as sobrancelhas como o de Arthur Lira, mas tem sido criticado por conflito de interesses entre suas ações políticas e negócios da família.

O que quero mesmo é um Brasil melhor, mas tenho minhas dúvidas quanto à eficácia, nessa direção, dos novos presidentes da Câmara e do Senado, principalmente do primeiro. Certo mesmo é que vou acompanhar de perto o trabalho deles.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de fevereiro de 2021.

 

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