Pobreza – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 12 Jul 2017 19:53:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Como a reforma trabalhista pode reduzir o desemprego e aumentar os salários? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3003&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-reforma-trabalhista-pode-reduzir-o-desemprego-e-aumentar-os-salarios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3003#comments Tue, 11 Jul 2017 21:00:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3003 No século passado, Getúlio Vargas decretou uma norma sob a premissa de que a situação econômica e a desorganização do trabalho ensejavam a intervenção do Estado em favor dos trabalhadores. O decreto obrigava todos os trabalhadores desempregados a se registrarem perante as autoridades: caso contrário, estariam sujeitos a processo por vadiagem, nos termos das leis penais.

A norma ficou conhecida como lei dos dois terços, e possuía além do espírito autoritário também um espírito xenófobo, ao proibir empresas de terem em seu quadro mais de um terço de trabalhadores estrangeiros.

Este era o Decreto nº 19.482, de 12 de dezembro de 1930. Ele antecede a fase ditatorial do presidente Getúlio Vargas e o decretamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Decreto ilustra o momento histórico que o país vivia e a origem autoritária das normas trabalhistas da época.

Após diversas modificações ao longo das décadas, a CLT é agora objeto justamente de uma “modernização”, termo pelo qual também é conhecida a reforma trabalhista. O desafio da reforma é o mesmo da CLT: regular um dos mercados de trabalho mais desiguais do mundo.

INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS

A proposta de modernização trabalhista é motivada pela inclusão das pessoas excluídas. A taxa de desemprego ronda os 14%, enquanto outros 6% da força de trabalho integram a chamada taxa de desemprego “oculto pelo desalento”, ou seja, abdicaram de buscar ativamente uma ocupação ainda que desejem uma.

Além destes cerca de 20% de pessoas desempregadas, temos ainda, entre as ocupadas, 40% de informais. São pessoas sem direitos, que não contam com as proteções constitucionais previstas pelas legislações trabalhista e previdenciária.

Neste grupo estão sobrerrepresentados os jovens, as mulheres, os negros e os pobres. A eles é necessário um olhar mais fraternal e solidário. Na prática a CLT é uma legislação para o homem branco.

As políticas de seguridade social só conseguem amparar esses grupos precarizados parcialmente. Emprego e salário são vitais para redução das desigualdades e erradicação da pobreza: a inclusão no mercado de trabalho é a melhor política social.

A reforma trabalhista tem o potencial de incluir estes grupos com novas modalidades de contratação e mais segurança jurídica para os contratos. Mercados precisam de boas escolhas institucionais para florescer, e no mercado de trabalho não é diferente.

A possibilidade de contratação em jornadas menores do que a jornada de 44h permite que o ajuste no mercado de trabalho se dê na quantidade de horas contratadas, e não no número de empregos formais (gerando desemprego, informalidade).

Ao contrário do que ocorre em outros mercados, no mercado de trabalho o ajuste à demanda não se dá pelo preço (salários), devido à irredutibilidade salarial e ao próprio salário mínimo (e seus encargos). Sem modalidades alternativas de contratação o desemprego e a informalidade são maiores.

Ainda que estas jornadas não sejam as ideais para parte dos trabalhadores, entende-se que possam funcionar como “porta de entrada” para o mercado de trabalho para trabalhadores mais vulneráveis.

Pela literatura, a resistência às novas formas de contratação pode ser explicada – além de pelo medo e a aversão à perda naturais em mudanças como essa – pela teoria de emprego insider-outsider.

Ela preconiza que no mercado de trabalho o que é ganho para o excluído (outsiders) pode ser perda para o incluído (insiders), que tentam bloquear mudanças, frequentemente por meio de sindicatos.

O trabalho intermitente é anedótico neste sentido, porque pode ser entendido como um jogo de soma zero. Suponha um restaurante cuja demanda nos fins de semana exige 40 garçons, mas durante a semana apenas 20.

Hipoteticamente, a sua função de produção é tal que na legislação atual ele emprega no ponto médio: 30 pessoas. Há, portanto, um excesso de garçons ao longo da semana, mas uma escassez no fim de semana.

Com o trabalho intermitente o restaurante, de fato, poderia contratar apenas 20 garçons de modo permanente (demanda do dia de semana), o que seria prejuízo para 10 de seus garçons. Por outro lado, poderia contratar outros 20 de modo intermitente (para a demanda do fim de semana), o que é vantajoso para 10 trabalhadores, por exemplo, desempregados.

Evidentemente os números do exemplo são arbitrários. Poderíamos considerar que sem o trabalho intermitente o restaurante emprega só 20 garçons (seriam geradas então 20 novas vagas) ou considerar que ele já emprega 40 garçons (nenhuma vaga seria gerada, e 20 pessoas ficariam em situação pior).

Os efeitos dependem da realidade de cada firma, mas este exemplo do trabalho intermitente ilustra a lógica de inclusão dos excluídos e de resistência dos incluídos nas novas formas de contratação – que incluem o fortalecimento das jornadas parciais e trabalhos temporários.

Por sua vez, as alterações propostas que afetam procedimentos na Justiça do Trabalho também têm o objetivo de ampliar o emprego formal. A bem-vinda e necessária conduta protetora do Judiciário não pode ser confundida com voluntarismo. Ao inibir o bom funcionamento do mercado, a incerteza jurídica afeta especialmente os trabalhadores, inclusive o informal ou desempregado. A viabilização de contratos depende do “império da lei”.

SEGURANÇA PARA NEGOCIAÇÕES

Em especial, fica fortalecida a segurança jurídica das negociações coletivas, nos moldes do que já vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal (STF). As negociações, previstas na Constituição, são estimuladas em outros países e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como instrumento para geração de ganhos mútuos entre as partes.

Atualmente no Brasil o que for firmado nessas negociações, que contam com a participação dos sindicatos, pode ser anulado pelo Judiciário – que se autoconferiu o papel de decidir o que é bom ou não para cada grupo de trabalhadores.

É simbólica deste entendimento uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proclamou que o “o empregado merece proteção, inclusive contra a sua própria necessidade ou ganância”. É um nível de tutela que não tem respaldo nas leis e na Constituição. Deveríamos condenar a busca por prosperidade e melhores condições de vida?

Frisa-se que a prevalência do negociado sobre o legislado não afeta dezenas de direitos indisponíveis, ou seja, que não poderão ser objeto de negociação. Entre eles estão o 13º, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o número de dias de férias, o aviso prévio e normas de saúde, higiene, e segurança do trabalho.

Um importante argumento que precisa ser esclarecido também é o de que as negociações só serão vantajosas para patrões, porque os trabalhadores não têm condição de negociar. O contraexemplo se dá por aquela que é a talvez variável mais importante do contrato de trabalho: o salário.

A legislação não define o salário de todos os trabalhadores. É permitido negociar, individual ou coletivamente, termos melhores do que mínimo exigido por lei. Fosse verdadeiro o argumento de que todos trabalhadores que buscarem condições mais favoráveis de trabalho serão imediatamente demitidos, todos os brasileiros contratados formalmente receberiam apenas o salário mínimo.

Por sua vez, é intuitivo que quanto mais aquecido for o mercado de trabalho, maior poder de barganha terão os trabalhadores. A tentativa de incluir dezenas de milhões de pessoas no mercado de trabalho formal afeta este poder de negociação, que será tão maior quanto mais alternativas os trabalhadores possuírem.

O fim da contribuição sindical obrigatória, em longo prazo, também pode contribuir nesse sentido. Na visão otimista, a maior liberdade sindical estimula exatamente uma participação mais ativa dos sindicatos. A faculdade de contribuir para um sindicato tenderá a ser exercida quanto mais representativo um sindicato for.

Os bons sindicatos poderão ser fortalecidos. Já a visão pessimista é que o fim da compulsoriedade gere escassez de recursos e facilite a captura do sindicato pelos empregadores, prejudicando as negociações. A atuação do sindicato tem características de “bem público”, por afetar tanto quem contribui quanto quem não contribui, e poderia ser subfinanciada – por esta ótica.

A drástica mudança na forma de financiamento poderia idealmente também ser o prelúdio de uma reforma sindical. O fim da unicidade necessita de emenda à Constituição, enquanto a reforma trabalhista é apenas um projeto de lei. Eventual competição dos sindicatos tenderia fortalecer a representação dos trabalhadores.

PRODUTIVIDADE E RENDA

As novas formas de contratação e o negociado sobre o legislado dominaram este debate, mas outro aspecto essencial da modernização trabalhista tem ficado esquecido na discussão: a busca por ganhos de produtividade. O crescimento da produtividade do trabalho é o que dita a capacidade que os salários têm de crescer de maneira persistente e sustentável.

Grosso modo, não sendo pelo crescimento da produtividade, países tem apenas outra possibilidade para crescer: pelo aumento de quantidade de trabalhadores. A produtividade se refere, portanto, a capacidade de aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) sem mudanças no número de trabalhadores1. Nas palavras do Prêmio Nobel Paul Krugman “a produtividade não é tudo, mas em longo prazo é quase tudo.”

Aqui é pertinente fazer uma digressão em relação ao popular argumento que diz que a reforma não gera emprego, porque “o que gera emprego é crescimento econômico”. Por outro prisma, poder-se-ia dizer que o que gera crescimento é emprego e produtividade. Não dá pra considerar o crescimento do PIB como exógeno ao mercado de trabalho.

A ênfase que o aperfeiçoamento das leis trabalhistas dá à produtividade não é redundante: este indicador esteve estagnado no Brasil nos últimos anos, e apresentou até evolução negativa em alguns setores da economia. O desempenho ruim persistiu mesmo no bom momento do mercado de trabalho, de boom das commodities e demografia favorável, que ampliaram o emprego formal.

Nossa performance deixou muito a desejar não só em termos absolutos, mas também relativos. Ficamos muito para trás de economias emergentes, como a China, ou maduras, como os Estados Unidos.

São vários os mecanismos por quais as mudanças na CLT permitirão o crescimento da produtividade e, portanto, da renda. Concede-se maior liberdade para que as empresas remunerem por desempenho, possibilidade hoje travada porque judicialmente estas parcelas temporárias podem ser incorporadas definitivamente ao salário ou estendidas a outros trabalhadores com o mesmo cargo, ainda que em outra cidade ou ano.

Outros instrumentos para ganhos de produtividade incluem a terceirização, que encoraja a especialização, e o estímulo para concessão de transporte pelos empregadores, evitando que as pessoas percam tempo e energia nas caóticas redes de transporte das grandes cidades.

A própria prevalência do negociado sobre o legislado tende a permitir ajustes que propiciem condições de trabalho mais amigáveis à produtividade, assim como as novas formas mais flexíveis de jornada tendem a aumentar a permanência nos postos de trabalho e diminuir a rotatividade, outra grande inimiga da produtividade.

A rotatividade é cronicamente elevada no Brasil, e os trabalhadores permanecem pouco tempo em um mesmo posto de trabalho. Ninguém investe em vínculos que tendem a durar pouco, com graves prejuízos para qualificação profissional.

Por sua vez, o problema do desemprego também tem uma intersecção com o problema da produtividade: a inclusão dos excluídos permite o crescimento da produtividade pela via da experiência (on-the-job learning). Trabalhadores que estariam fora do mercado de trabalho passarão a ter mais experiência, ainda que não em contratos permanentes de 44 horas.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Uma das principais polêmicas da tramitação da proposta se refere ao efeito no emprego de reformas trabalhistas em experiências internacionais. Se do ponto de vista teórico da economia do trabalho a fundamentação é sólida de que a flexibilização das leis trabalhistas vai ao sentido de mais emprego, o resultado de experiências internacionais é objeto de disputa.

Uma primeira controvérsia se refere aos estudos que aplicam técnicas econométricas para estimar a relação de causalidade entre rigidez da legislação e desemprego (ou crescimento). Nesta metodologia estatística esta relação é isolada, ou seja, são controlados os efeitos de outras variáveis que afetam o emprego. A rigidez é medida por um índice – que é arbitrário por construção.

Os críticos da reforma trabalhista apontam estudo publicado pela OIT em 2015, com dados de 63 países para 20 anos, que não detectou relação entre o índice de rigidez e o nível de emprego, mantidos outros fatores constantes2.

Os autores do estudo são mais cautelosos a respeito das conclusões do que os seus entusiastas brasileiros, afirmando que uma legislação trabalhista rígida pode não afetar o nível de emprego se cuidadosamente desenhada. Ainda, o desenho desta legislação deveria levar em conta as condições específicas do mercado de trabalho em cada país. Reconhecem também que o efeito sobre o emprego pode variar entre grupos da população (ex: jovens).

Com metodologia semelhante, outros estudos chegaram à conclusão divergente daquela do estudo da OIT, isto é, concluíram que a rigidez trabalhista afeta negativamente o nível de emprego. Entre eles podemos destacar o de Andrei Schleifer, o economista mais citado do mundo na academia, que com seus co-autores analisou 85 países3; e o do Prêmio Nobel James Heckman, que teve amostra de 43 países e ênfase na América Latina4.

A ausência de um resultado consensual entre estudos de fontes respeitadas é frustrante, mas pode ser explicada. Fora a dificuldade de controlar estatisticamente o impacto de outras variáveis nesta relação, os próprios indicadores de rigidez trabalhista e de desemprego são pouco apropriados para esse tipo de estudo.

Os índices de rigidez trabalhista são construídos artificialmente: embora muito interessantes para fazer comparações no tempo e entre países, são menos pertinentes para identificar causalidade entre variáveis. São atributos que outros índices também possuem, como o de desenvolvimento humano (IDH).

Por sua vez, análises comparadas de desemprego são sempre questionáveis porque as definições de desemprego variam em cada país, e compatibilizá-las não é trivial.

Outro objeto de disputa no debate sobre a reforma trabalhista se refere a experiências individuais de alguns países. São populares os casos de economias grandes que fizeram reformas em anos recentes, como Espanha, México e Alemanha.

Com frequência, se apontou que estas reformas “precarizaram” as relações de trabalho sem trazer ganhos no desemprego. Porém, desta vez, não é apontada evidência empírica como base.

No caso da Espanha, que fez sua reforma em 2012, foram identificados efeitos positivos, e rápidos, da reforma trabalhista sobre o emprego, por estudos de pesquisadores espanhóis5 e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)6, entre outros. Para o caso mexicano, ainda há carência de estudos.

Já em relação às reformas trabalhistas na Alemanha feita na década passada, a OCDE apontou em 2016 que elas tornaram o mercado de trabalho mais forte e que, graças a elas, a taxa desemprego continuou a cair e é agora a mais baixa da União Europeia7.

Em outra oportunidade, a OCDE defendeu que o desempenho macroeconômico alemão acima de seus vizinhos, inclusive em relação ao desemprego, teve como “base” as reformas trabalhistas feitas a partir de 20028.

Há uma série de outros trabalhos empíricos reconhecendo os efeitos positivos das reformas trabalhistas alemãs, inclusive atribuindo a elas o bom desempenho durante a crise econômica mundial – comumente chamado de “milagre”9.

Na França, que também se prepara para uma reforma trabalhista sob o presidente Emmanuel Macron, publicação dos Ministérios da Economia e Finanças e do Comércio Exterior explica que a maior parte dos milhões de empregos criados na Alemanha foram em contratos em regime de tempo parcial ou temporários – que são fortalecidos na proposta brasileira10.

Adicionalmente, há estudos apontando que a partir de 2010 a expansão do emprego pelas jornadas parciais foi dando espaço a uma expansão de empregos em tempo integral11.

Note que as novas modalidades de contrato previstas pela modernização brasileira são, junto com o fortalecimento da segurança jurídica, o principal mecanismo pelo qual se espera incluir os excluídos. São modalidades que em outros países são usadas por jovens e mulheres. Na Holanda, 60% das mulheres empregadas trabalham menos de 30 horas semanais (e apenas 18% dos homens), segundo a OCDE.

Essas evidências de outros países não integraram o debate da modernização trabalhista no Brasil nos últimos meses. Experiências individuais de outros países foram usadas em geral para se opor à reforma, com base em evidências apenas anedóticas.

Evidentemente que experiências de país A ou B não devem vincular qualquer opção de política pública no Brasil. Mesmo as conclusões dos estudos sobre reformas trabalhistas, sejam positivas ou negativas, precisam ser vistas com cautela, uma vez que o teor das reformas pode ser em muito diferente da proposta para o Brasil.

Portanto, parece ser mais conveniente a abordagem de Gordon Betcherman, preconizada em estudo do Banco Mundial, que reconhece a existência de um amplo espaço para as legislações trabalhistas de países emergentes no espectro “flexibilidade-rigidez”12. Desde que se evitem os extremos, seja de flexibilidade (baixo desemprego e informalidade, mas alta precarização) seja de rigidez (pobreza, com muitos “direitos” que não saem do papel), haveria muitas opções para o legislador.

Também é promissor o tratamento sugerido pelos professores Nauro Campos e Jeffrey Nugent para os índices de rigidez da legislação trabalhista. A comparação de um país com outros deveria ser cotejada com os dados domésticos de desempenho do mercado de trabalho13.

Na comparação internacional, temos uma das legislações menos flexíveis do mundo, com a 132a posição entre 144 países (LAMRIG, publicado pelo Instituto de Economia do Trabalho (IZA)) ou a 144ª entre 159 países (Instituto Fraser).  Nos dois rankings, Japão, Hong Kong, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá aparecem na liderança, e Angola e Venezuela nas últimas posições.

A comparação por si não é um problema, mas infelizmente no Brasil temos também altas taxas de desemprego e informalidade, e uma baixa taxa de crescimento da produtividade. O conjunto desses indicadores cronicamente ruins sugere a necessidade de mudanças.

PREVIDÊNCIA E TERCEIRIZAÇÃO

Há no debate uma genuína preocupação de que as inovações da modernização trabalhista prejudiquem a Previdência. Ela se somaria a outras tendências estruturais de economias modernas, como a indústria 4.0, que tendem a enfraquecer a arrecadação previdenciária.

Isso seria especialmente deletério no Brasil, cuja previdência, com uma das tributações sobre a folha mais pesadas do mundo, é especialmente dependente da contribuição patronal tradicional.

Por outro lado, se existem mudanças estruturais ocorrendo no mercado de trabalho, não seria melhor justamente permitir a formalização de outras formas de contratos de trabalho? Desde que não sejam usadas de maneira espúria, a segurança jurídica para o trabalho intermitente e o autônomo exclusivo, por exemplo, poderiam, ao contrário, ampliar a arrecadação.

Cabe observar também que, sendo a reforma bem-sucedida em incluir os excluídos (desempregados e informais), aumenta-se a massa salarial sujeita à tributação. Ainda no âmbito da arrecadação previdenciária, é louvável a majoração da reforma da multa por empregado informal, que sobe em até 7 vezes, para R$ 3.000.

Da mesma forma, há um sincero medo de que a terceirização da atividade-fim também prejudique a arrecadação. Este é um debate que foi mal embasado, a partir de estudo rudimentar que apontava que o terceirizado ganha 25% menos do que o contratado diretamente.

No mercado de trabalho, os salários são determinados pelas forças da demanda por trabalho pelos empregadores e da sua oferta pelos trabalhadores. Eles não deveriam ser afetados pela forma de contratação, se direta ou indiretamente.

Em verdade, a pesquisa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), meramente comparou a remuneração média de funcionários em setores classificados como tipicamente de terceirizados e tipicamente de contratação direta. Não foi comparada a remuneração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores contratados diretamente com as mesmas funções.

Seria o mesmo, portanto, que comparar o salário de um juiz e de um faxineiro do fórum, e explicar a diferença pelo fato do faxineiro ser terceirizado. Estudos que realmente fizeram a comparação apropriada identificaram diferenças muitos menores, e até positivas em ocupações de maior qualificação14.

Também não é consistente a lógica do argumento de que a terceirização da atividade-fim permitirá que trabalhadores contratados diretamente sejam demitidos para que outros mais baratos sejam contratados.

Sendo os salários determinados pelas forças de mercado, não haveria razão para que, por exemplo, o porteiro João fosse demitido para que um terceirizado José seja contratado com um salário menor. Se José já estava disponível e aceitava um salário menor, porque o condomínio esperaria a terceirização para o contratar?

Há duas exceções a este raciocínio: a terceirização no serviço público, uma vez que os salários não são determinados pelo mercado, e a terceirização espúria: a mera intermediação de mão de obra com o objetivo de sonegar encargos. Assim, há um importante argumento de que a vedação à terceirização da atividade-fim é principalmente um instrumento para evitar que se fuja da tributação.

Cabe, porém, refletir sobre as perdas decorrentes da insegurança jurídica que a vedação à terceirização gera, diante da impraticalidade de exigir que burocratas distingam o que são atividades meio e fim de milhares de empresas.

A terceirização em atividades-fim é amplamente adotada fora do país. Empresas terceirizam desde o estabelecimento de seus preços (McDonalds, Coca-Cola, General Eletric, Nestlé) até o desenho dos produtos (Samsung, Ford, Intel, Lufthansa). A gigante Ikea até faz o desenho dos móveis que vende, mas não fabrica nenhum deles.

Esses arranjos, que potencialmente geram emprego e incrementam a produtividade, e por isso, a renda, teriam segurança para nascer no Brasil?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientar que os mecanismos por meio das quais a reforma trabalhista tem potencial para aumentar o emprego e a renda não são explicados por suposta benevolência dos empregadores. Ao contrário, a regulação do mercado de trabalho deve ser consciente de que a motivação das firmas é de expandir seus lucros.

Qualquer contratação pressupõe a busca do empresário pelo lucro. Não é possível esperar que os empregadores vão empregar mais porque são “bonzinhos”. A legislação e a jurisprudência trabalhistas devem, portanto, ser elaboradas com ciência dessa restrição que opera em uma economia de mercado.

A aversão que temos aos patrões não pode ser maior do que o desejo de melhorar a vida dos brasileiros. A reforma gera os mecanismos para que o emprego formal e a renda floresçam dentro da lógica do capital.

A regulação do mercado de trabalho não é trivial e nossos anseios por proteção podem justamente prejudicar quem se busca proteger. Ilustrativamente, estudo econométrico sobre a PEC das Domésticas concluiu que em decorrência da medida o emprego se reduziu e mulheres de baixa qualificação foram movidas para fora da força de trabalho ou para empregos piores15.

Evidentemente que a reforma trabalhista não é capaz de, sozinha, propiciar o desenvolvimento e a redução das desigualdades, e nem terá fortes efeitos imediatos no emprego e na produtividade. É preciso desfazer o nó fiscal, que tanto reprime a economia com redução de investimentos público, elevada carga tributária e juros altos.

São necessárias reformas, também microeconômicas, que melhorem o ambiente de negócios, a qualidade da educação e deem mais eficiência e progressividade às despesas do Estado e ao sistema tributário.

Por outro lado, é natural que um projeto de lei com tantas mudanças sofra resistência, porque é difícil concordar com todos os seus dispositivos. Por exemplo, talvez pudessem ser deixadas para negociações coletivas itens que integrarão o texto da lei (salvo veto) e consistem em demanda de profissionais de áreas específicas, com ganhos menos evidentes para o conjunto de trabalhadores.

É o caso das demandas de médicas e enfermeiras (possibilidade de gestante e lactante trabalharem em local de baixa insalubridade) e bancárias (fim do intervalo de 15 minutos antes das horas-extras).

Outra reflexão é se a velocidade da tramitação da proposta, conjugada com tantos eventos políticos relevantes no país nos últimos meses, não prejudicou a sua assimilação – e até aceitação – pelos operadores do Direito. A almejada segurança jurídica depende também do convencimento deles, e não apenas de dispositivos em uma lei.

De todo modo, é urgente que o debate sobre as normas trabalhistas, que irá continuar depois de apreciação da reforma, perca o seu componente maniqueísta, em que os que são favoráveis à manutenção do status quo atual possuem o monopólio das boas intenções e do interesse no bem-estar dos trabalhadores.

 

Versão deste texto foi originalmente publicada no portal JOTA, em 2 de julho de 2017, sob o título “Reforma trabalhista é aposta para o crescimento do emprego”.

 

Sugestões de leitura:

Ao longo da tramitação da reforma trabalhista, o Senado ouviu os principais especialistas do Brasil em Economia do Trabalho, cujas apresentações seguem abaixo:

André Portela

Sérgio Firpo

José Pastore 1 e 2

José Márcio Camargo

Hélio Zylberstajn

A respeito especificamente do tema produtividade, também é de interesse o estudo dos professores Roberto Ellery, Ricardo Paes de Barros e Diana Grosner, publicado pelo Ipea e coletâneas organizadas recentemente por Regis Bonelli, Fernando Veloso e Armando Castelar Pinheiro, do IBRE, FGV; e Luiz Ricardo Cavalcante e Fernanda DeNegri, do Ipea.

Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal.

 

_______________

1 Rigorosamente, essa seria na verdade a produtividade média do trabalho, que se distingue da produtividade marginal do trabalho. Para os fins deste texto não diferenciamos os conceitos.

2 FENWICK, C.; MARTINSSON, S.; PIGNATTI, C.; RUSCONI, G. Labour Regulation and Employment Patterns. World Employment and Social Outlook. Genebra: OIT, 2015.

3 SCHLEIFER, A.; DJANKOV, S.; LA PORTA, R.; LOPEZ-DE-SILANDEZ, F. The Regulation of Labor. National Bureau of Economic Research Working Paper nº 9756. Junho de 2003.

4  HECKMAN, J.; PAGÉS-SERRA, C. The Cost of Job Security Regulation: Evidence from Latin American Labor Markets. Economia 2, 109-154. 2000.

5 AGUIRREGABIRIA, V.; ALONSO-BORREGO, C. Labor Contracts and Flexibility: Evidence from Labor Market Reform in Spain. Economic Inquiry, volume 52, issue 2, pp 930-957. Abril de 2014.

6 OCDE. The 2012 Labour Market Reform in Spain: A Preliminary Assessment. OECD Publishing, 2014.

7 OCDE. OECD Economic Surveys: Germany. Abril de 2016.

8 OCDE. Germany Keeping the Edge: Competitiveness for Inclusive Growth. Fevereiro de 2014.

9 BURDA, M. C.; HUNT, J. What Explains the German Labor Market Miracle in the Great Recession? Brookings Papers on Economic Activity. The Brookings Institution, 2011.

10 BOUVARD, F.; RAMBERT, L.; ROMANELLO, L.; STUDER, N. How have the Hartz reforms shaped the German labour market?. Trésor-Economics, nº 110. Ministère de l’Économie, et des Finances et Ministère du Commerce Extérieur  março de 2013.

11 BURDA, M. C. The German Labor Market Miracle, 2003 -2015: An Assessment. SFB 649 Discussion Paper 2016-005. Fevereiro de 2016.

12 BETCHERMAN, G. Labor Market Regulations: What do we know about their Impacts in Developing Countries?. The World Bank Research Observer, vol. 30, no. 1. Fevereiro de 2015.

13 CAMPOS, N. F.; NUGENT, J. B. The Dynamics of the Regulation of Labor in Developing and Developed Countries since 1960. IZA Discussion Paper No. 6881. Setembro de 2015.

14 STEIN, G. ZYLBERSTAJN, G.; ZYLBERSTAJN, H. Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil. Working Paper 4/2015. Center for Applied Microeconomics, São Paulo School of Economics. Agosto de 2015.

15 PIRES, P. O. M. Labor Rights, Formality and Spillovers: Evidence from Brazil. Dissertação apresentada à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Orientador Rodrigo dos Reis Soares. São Paulo, 2016.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3003 2
Como as universidades públicas no Brasil perpetuam a desigualdade de renda: fatos, dados e soluções https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2793&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-solucoes https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2793#comments Wed, 15 Jun 2016 14:06:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2793 SUMÁRIO EXECUTIVO

  • Níveis educacionais melhoraram sensivelmente nos últimos 20 anos no país, mas o Brasil continua com resultados comparativamente baixos em relação a seus pares latino-americanos.
  • Em gastos por aluno, o setor público escolheu por priorizar a educação superior. Para cada estudante em uma universidade pública, em média, seria possível manter quatro estudantes de ensino médio ou fundamental na escola.
  • Essa priorização beneficia os mais ricos. Estudantes de universidade pública têm uma renda familiar per capita duas vezes maior do que aqueles que não vão para a universidade. A representação proporcional da classe alta nas universidades públicas é quase o dobro daquela observada na sociedade como um todo.
  • A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês estudar em universidade pública é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que têm uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública.
  • Existe uma desigualdade também no acesso a cursos mais concorridos. Em universidades públicas, cursos com nota de corte mais alta no SISU tendem a ter uma presença menor de negros. Negros são também sub-representados no Ciência sem Fronteiras.
  • Transferir renda para financiar a educação dos mais ricos com impostos ajuda a perpetuar desigualdades, pois anos adicionais de estudo incrementam a renda de quem recebeu o benefício. Para cada ano adicional de estudo, adultos têm um aumento de sua renda entre 6,5% e 10%.
  • Mudar o foco das universidades públicas para outros níveis de ensino amenizaria essas desigualdades. Retornos ao investimento em educação, em termos econômicos para a sociedade e cognitivos para as crianças, são maiores quando esses investimentos são direcionados à educação de base.
  • Algumas alternativas em políticas públicas seriam: (a) permitir e financiar a criação de escolas públicas de administração autônoma; (b) criar o ProUni do ensino básico e distribuir vale-escola para estudantes pobres se matricularem em escolas privadas; e (c) estimular a educação na primeira infância, eliminando impostos sobre creches e pré-escolas, facilitando seu processo de criação e registro.
  • Para financiar essas mudanças, seria necessário instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante.
  • Com a limitação dos recursos transferidos pelo governo federal, seria necessário reformar a legislação para facilitar e incentivar a captação autônoma de recursos pelas próprias universidades em complementação à cobrança de mensalidades. Entre essas medidas, poderiam se incluir, dentre outras: (a) a reforma na legislação para permitir às universidades receber doações diretas; (b) a ampliação da cooperação existente entre universidades públicas e o setor privado, que deve passar a ser mensurada de forma adequada pelo Ministério da Educação; e (c) a flexibilização da legislação de modo a permitir às instituições de ensino superior licenciar suas marcas e experimentar individualmente métodos distintos de financiamento.
  • Em termos regulatórios, é necessária uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Na educação superior, a instituição de mensalidades proporcionais à renda familiar do estudante e a flexibilização dos métodos de captação de recursos por universidades reduziria o fardo de impostos necessários para o financiamento dessas instituições. Na educação de base, alternativas de descentralização da educação pública e empoderamento dos pais de crianças pobres na escolha da educação de seus filhos, seja por meio de escolas públicas autônomas ou por vales educacionais, contribuiriam com a melhoria da educação recebida pelos grupos economicamente desfavorecidos.

 

INTRODUÇÃO

Na última década, o Brasil deu passos importantes na expansão do nível educacional da população. Num espaço de dez anos, a proporção de pessoas que tem ensino médio ou superior completo subiu de 30% para 42% da população. Esse incremento de 12% corresponde a, aproximadamente, 24 milhões de pessoas a mais com o ciclo do ensino básico terminado.

img_2793_1

Tal avanço não se restringiu a um grupo específico de municípios, mas ocorreu de forma generalizada. Contudo, ainda há uma dispersão muito grande nos resultados. Enquanto em municípios como Florianópolis (SC) mais de 65% da população adulta concluíram o Ensino Médio, em outros, como Chaves (PA), apenas 4% o fizeram. Os avanços ao longo do tempo, bem como a desigualdade entre os municípios, podem ser observados na Figura 2 abaixo, com as curvas progredindo para a direita.

img_2793_2

Apesar dessas melhorias, o país ainda apresenta números comparativamente baixos em relação aos seus pares latino-americanos. Entre os maiores países do continente, somente a Colômbia apresenta níveis educacionais semelhantes aos brasileiros. O hiato entre os níveis brasileiros e os líderes da região chega a quase três anos de estudo.

img_2793_3

Mesmo com mais da metade da população sem ensino médio e com índices de educação básica comparativamente baixos, o investimento por aluno no Brasil prioriza o ensino superior. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), gasta-se quatro vezes com cada aluno do ensino superior público o valor que se investe em estudantes do ensino fundamental ou médio. Em média, países da OCDE gastam com cada estudante de ensino superior 1,5 vezes o gasto do ensino médio – o que indica que a priorização brasileira ao ensino superior é mais evidente.

img_2793_4

Apesar de um estudante de ensino superior custar muito mais que o de uma educação básica e mais da metade da população não ter terminado o ensino médio, o país observou uma expansão forte das universidades públicas na última década. Se nos 20 anos entre 1980 e 2000 as vagas cresceram 80%, no período mais curto entre 2000 e 2014 as vagas em instituições públicas aumentaram 120%.

img_2793_5

Priorizar o ensino superior público em um país em que mais da metade da população não termina o ensino médio significa uma transferência de renda para os mais ricos. Não apenas os estudantes de famílias mais ricas têm uma probabilidade maior de estudar nas universidades públicas, como também pessoas que são beneficiadas por essas políticas e estudam mais anos tendem a ter salários maiores no futuro, perpetuando as desigualdades.

 

A ESTRUTURA SOCIAL E DEMOGRÁFICA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Quase toda política pública é uma forma de transferência de renda. Quando os custos de uma política estão dispersos por toda a sociedade e os benefícios estão concentrados em um grupo específico, aqueles que ajudam a financiar uma política, mas dela não se beneficiam, estão subsidiando os que recebem os serviços prestados pelo governo.

Com as universidades públicas isso se torna ainda mais claro: todos pagam pelas instituições, mas somente alguns têm acesso ao serviço educacional que elas oferecem. Por causa da alta concorrência das universidades públicas e da baixa qualidade das escolas públicas brasileiras, aqueles em situação econômica mais vulnerável têm pouca chance de conseguir uma vaga para estudar em uma universidade financiada pelo contribuinte.

Em média, a renda familiar per capita de jovens que frequentam universidades públicas (R$1422) é mais de duas vezes maior do que a daqueles jovens que não frequentam universidade (R$690)1. As famílias 20% mais pobres têm várias dificuldades. Uma boa parte deles (50,8%) sequer termina o ensino médio. Além disso, a pressão que eles têm por trabalhar para contribuir com o orçamento familiar diminui a possibilidade que eles têm de se preparar para os altamente concorridos vestibulares ou mesmo se dedicar a um curso integral (e, na maior parte das vezes, diurno) que vai limitar sua possibilidade de trabalho.

Por isso, as universidades públicas tendem a beneficiar os ricos de forma desproporcional. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), a classe alta corresponde a 24,8% da população. Mas, nas universidades públicas, a classe alta ocupa 45,5% das vagas. Do outro lado dessa equação, as pessoas que estão hoje na classe baixa são 23,1% da população brasileira, mas apenas 8,4% da população universitária.

img_2793_6

A probabilidade de um jovem estudar em uma universidade pública está diretamente relacionada a sua renda familiar. A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês – por exemplo, uma chefe de família que recebe R$1000 ao mês e sustenta um cônjuge e dois filhos – é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que vêm de famílias muito ricas, tendo uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês – digamos, o filho de um diretor de uma multinacional – têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública2.

img_2793_7

O acesso desproporcional de grupos privilegiados à universidade pública é mais pronunciado em determinados cursos. Não há dados de renda familiar disponíveis para a composição de cursos das universidades públicas, mas as tendências de desigualdade são evidenciadas por diferenças nas composições de cor/raça. Enquanto cursos como Pedagogia e Serviço Social são majoritariamente negros, em outros, como Engenharia Mecânica e Relações Internacionais, negros são menos de um terço do corpo discente3.

img_2793_8

Essa tendência mantém um padrão: quanto mais difícil o ingresso em um curso, menor a presença de negros entre os estudantes – e, presumivelmente, isso também se correlaciona com a renda familiar. Como pode-se observar na Figura 9 abaixo, dentre os 90 cursos de universidades públicas com mais de 10 mil estudantes, a correlação entre porcentagem de negros dentre os alunos e a nota de corte média de cursos no Sistema de Seleção Unificada (SISU) do Ministério da Educação é negativa e estatisticamente significante.

Do modo como está desenhada atualmente, a política de cotas raciais em nada altera essa existente desigualdade entre cursos. Embora ela possa alterar a presença de negros em todos os cursos, empurrando a linha da regressão na Figura 9 para cima, não há nenhum efeito esperado na inclinação da linha – ou seja, na relação esperada entre notas do SISU e queda na proporção de negros.

img_2793_9

Novos programas de investimento em universidades públicas, como o Ciência sem Fronteiras (CsF), exacerbam essas desigualdades. Isso acontece por uma confluência de fatores. De início, como evidenciado anteriormente, negros têm menos acesso a cursos mais competitivos – que tendem a ser aqueles contemplados pelo CsF. Além disso, dentre os cursos elegíveis4, negros estão sub-representados no grupo que é escolhido para ir ao exterior. Enquanto brancos são cerca de metade do corpo discente dos cursos elegíveis para o CsF, dentre aqueles selecionados para, de fato, ir ao exterior, eles são 70%.

img_2793_10

Subsidiar a educação superior dos mais ricos enquanto os mais pobres sequer terminam o ensino médio resulta em transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Enquanto os filhos da elite são educados com o dinheiro dos contribuintes (no Brasil, majoritariamente negros e pobres), os filhos dos mais pobres terão pouquíssimas chances de conseguir entrar na universidade pública.

Transferir renda para financiar a educação dos mais ricos com impostos ajuda a perpetuar desigualdades, pois anos adicionais de estudo incrementam a renda de quem recebeu o benefício. Para cada ano adicional de estudo, adultos têm um aumento de sua renda entre 6,5% e 10%5. Por isso, as universidades públicas brasileiras são um dos mais importantes mecanismos de perpetuação das desigualdades de renda que já existiu na história brasileira.

 

NOVAS ALTERNATIVAS DE POLÍTICA EDUCACIONAL

Como as universidades públicas beneficiam desproporcionalmente os mais ricos, os gestores públicos deveriam reverter a priorização do ensino superior. Há vastas evidências científicas que demonstram que retornos ao investimento em educação, em termos econômicos para a sociedade e cognitivos para as crianças, são maiores quando esses investimentos são direcionados à educação de base – em especial na primeira infância6.

Desigualdades na educação de base são determinantes para desigualdades econômicas e sociais futuras. Diversas pesquisas já demonstraram que desigualdades de renda, nível de desemprego, encarceramento, gravidez na adolescência e saúde entre brancos e negros, por exemplo, são, em sua maior parte, explicadas por diferenças na qualidade da educação de base recebida7. No Brasil, a redução das desigualdades na educação de base na década de 2000 explicam 40% da redução da desigualdade de renda no período8.

O governo federal tem autoridade para reverter parte do dinheiro investido nas universidades públicas para o Fundo Nacional da Educação Básica e alterar este para financiar novos modelos de educação. Algumas possibilidades políticas de tais novos modelos são:

  • Permitir e financiar, com os recursos repriorizados, a criação de escolas públicas de administração autônoma (charter schools).Essas escolas, apesar de públicas, têm maior autonomia em sua administração. No lugar de currículos rígidos determinados pelas capitais, seus gestores têm capacidade para desenhar currículos individuais que atendam às demandas específicas daquela escola. Além disso, as escolas também têm independência administrativa para sua organização interna e contratação e demissão de pessoal. Ao mesmo tempo, como o financiamento é condicional à performance, isso dá aos gestores públicos maior capacidade de fiscalização e maior espaço para uma saudável competição e trocas de boas práticas entre as escolas. Diversos estudos experimentais9 demonstraram que essas escolas têm um efeito positivo sobre a performance acadêmica, em especial ao desempenho de matemática10. Seria viável alterar o artigo 20 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação para enquadrar tais escolas públicas de administração autônoma como “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”, previstas pelo artigo 213 da Constituição, ou, ainda, estabelecer parcerias público-privadas para a administração dessas escolas.
  • Criar o ProUni do ensino básico e distribuir vales educacionais para estudantes pobres se matricularem em escolas privadas.O modelo de vales educacionais (também conhecido como “vouchers”) foi aplicado já em diversos países, como os Estados Unidos, a Colômbia, o Chile e a Suécia. A ideia é substituir uma estruturação centralizada da política educacional por uma descentralizada. Como no Bolsa Família, no lugar de os governantes distribuírem produtos diretamente para a população, dá-se aos indivíduos a possibilidade de escolher no mercado aquilo que eles entendem como melhor. Por exemplo, os pais que prefiram uma educação mais generalista e humanista podem escolher uma escola de tal linha. Já os que prefiram uma educação mais tradicionalista e focada em resultados em termos de notas e provas também o podem fazer. Não haveria um modelo centralizado com todas as respostas. Estudos empíricos demonstraram dois efeitos positivos dessas políticas11. Em termos diretos, sendo as escolas privadas mais eficientes, os estudantes que receberam vales educacionais viram uma melhora na sua performance acadêmica, em especial na parte de exatas. Indiretamente, como esses programas inicialmente se focalizaram em regiões de pior desempenho educacional, ao retirar o fardo nessas regiões dos profissionais da rede pública, as escolas públicas tradicionais também responderam positivamente, beneficiando estudantes que não participaram do programa.
  • Estimular a educação na primeira infância, eliminando impostos sobre creches e pré-escolas, facilitando seu processo de criação e registro junto ao Ministério da Educação e/ou criando benefícios fiscais similares aos existentes para as Instituições de Ensino Superior que se beneficiam do ProUni. Estudos experimentais demonstraram de forma causal que crianças que recebem atenção na primeira infância tendem a ter melhores resultados escolares e a ter uma probabilidade menor de cometer crimes ou engravidar na adolescência12.

 

Para financiar essas mudanças, seria necessário instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante. Esse modelo já existe no mundo. Por exemplo, a Universidade da Califórnia, que é uma universidade pública, adota um modelo em que as bolsas podem cobrir desde três quartos do custo total da educação (incluindo habitação, alimentação, livros, etc.) para estudantes mais pobres mas converge para zero à medida que a renda familiar aumenta. É importante frisar que, em tal modelo, é possível que aqueles estudantes que tenham renda familiar mais baixa, na verdade, recebam mais recursos do que hoje recebem com universidade sem mensalidade e com sistemas de assistência estudantil. De fato, o custo da mensalidade é apenas um terço do total13 e, ao focalizar recursos naqueles que não podem pagar, foi possível aumentar os benefícios para os que mais precisam. Ao mesmo tempo, as famílias ricas quase não recebem nenhum subsídio do governo, limitando a transferência de renda de pobres para ricos que existiria se eles adotassem um modelo como o brasileiro.

img_2793_11

Há um projeto de lei apresentado no Senado Federal que pretende instituir a cobrança de mensalidade para filhos de famílias cuja renda familiar mensal for superior a R$ 26.40014. Como essa proposta atingiria tão-somente uma parcela muito pequena daqueles que, pertencentes à classe alta, hoje se beneficiam das universidades públicas, um sistema proporcional, conforme o mencionado acima, seria mais eficiente em levantar recursos para amenizar transferências de renda de pobres para ricos. Caso haja dúvidas sobre a constitucionalidade desse projeto, seria necessário emendar o Art. 206 da Constituição para levar essa reforma adiante.

Adicionalmente, com a limitação dos recursos transferidos pelo governo federal, seria necessário reformar a legislação para facilitar e incentivar a captação autônoma de recursos pelas próprias universidades em complementação à cobrança de mensalidades. Entre essas medidas, poderiam se incluir, dentre outras:

  • A reforma na legislação para permitir às universidades receber doações diretas, o que atualmente é proibido.Atualmente, doações para universidades públicas têm de ser feitas por meio de depósitos na Conta Única do Tesouro, utilizando-se Guias de Recolhimento da União e subsequentes saldos de aporte liberados pelo Tesouro Nacional. Na prática, esse tipo de centralização torna burocraticamente improvável que essas doações sejam efetivadas. Uma alternativa já apresentada no Congresso Nacional15 é a criação de fundos patrimoniais (endowment funds), que facilitariam doações e fariam investimentos em nome das universidades. Nos Estados Unidos, em 2015, o valor total sob administração dos fundos patrimoniais das universidades públicas chegava 165 bilhões. Desse total, cerca de 5% (ou 8 bilhões de dólares) são utilizados pelas universidades ao ano para financiar pesquisa, ensino e extensão16. Esses recursos poderiam, se efetivados, contribuir com a substituição do uso de impostos em universidades públicas.
  • A ampliação da cooperação existente entre universidades públicas e o setor privado, que deve passar a ser mensurada de forma adequada pelo Ministério da Educação.Mudanças na legislação nas últimas duas décadas regulamentaram a possibilidade da criação de fundações públicas de direito privado para apoiar o ensino, a pesquisa e a extensão em universidades públicas17. Essas fundações podem receber verba de empresas privadas e outras instituições da sociedade civil para execução de projetos e devem repassar parte dessa verba para as universidades. Além disso, professores que façam pesquisa em alguma área que demande recursos muito altos podem utilizar uma dessas fundações para conseguir financiamentos específicos em parceria com setor privado. Em 2013, 74 fundações de apoio foram credenciadas/recredenciadas pelo Ministério da Educação18, com um prazo usual de dois anos para a vigência de cada credenciamento. Atualmente, não existe uma base de dados pública e de fácil acesso que consolide as informações quanto ao volume de financiamento dessas fundações e que facilite a análise de custo benefício destas. O Ministério da Educação poderia organizar e disponibilizar tais dados para facilitar a racionalização do desenho de políticas públicas.
  • A flexibilização da legislação de modo a permitir às instituições de ensino superior licenciar suas marcas e experimentar individualmente métodos distintos de financiamento.Entre possibilidades que já foram experimentadas em outros países, incluem-se o licenciamento da marca de universidades em produtos distintos (como peças de roupa, indumentária esportiva, peças decorativas e outros produtos) e a possibilidade de batismo de prédios, salas e cátedras da universidade em nome de empresas ou pessoas físicas que estejam dispostas a financiá-las. Mais importante, ao descentralizar esse tipo de planejamento, as universidades poderão experimentar com possibilidades diversas e aprender com as falhas e sucessos umas das outras – melhorando, assim, o sistema de financiamento da educação superior pública.

 

Em uma transição, o financiamento das universidades públicas pode combinar o atual regime de impostos com fontes alternativas de financiamento. Excluindo-se os gastos com servidores inativos, o gasto por aluno necessário para financiar as universidades federais é de aproximadamente R$ 29 mil ao ano (ou cerca de R$ 2,4 mil ao mês)19. Até que um sistema de financiamento privado via doações e cooperação com o setor privado seja construído, é provável que o financiamento exclusivamente por mensalidades seja politicamente inviável. Por isso, um novo regime de financiamento deve incorporar uma transição suave de médio prazo.

 

CONCLUSÕES

A atual priorização do ensino superior em termos de gasto por estudante, em uma média muito maior do que a dos países da OCDE, contribui para a perpetuação de desigualdades sociais no Brasil. Como políticas públicas, universidades estatais transferem rendas de pessoas relativamente pobres para aquelas relativamente ricas.

Reverter essa priorização focando-se na educação de base traria importantes retornos em termos cognitivos para as crianças, econômicos para a sociedade e contribuiria para reduzir as desigualdades sociais e de renda. Uma vez que desigualdades de performance sócio-econômica na vida adulta tendem a estar relacionadas diretamente com a qualidade da educação de base, uma equalização de oportunidades na educação de base tenderia a amenizar desigualdades futuras.

Em termos regulatórios, é necessária uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Na educação superior, a instituição de mensalidades proporcionais à renda familiar do estudante e a flexibilização dos métodos de captação de recursos por universidades reduziria o fardo de impostos necessários para o financiamento dessas instituições. Na educação de base, alternativas de descentralização da educação pública e empoderamento dos pais de crianças pobres na escolha da educação de seus filhos, seja por meio de escolas públicas autônomas ou por vales educacionais, contribuiria com melhoria da educação recebida pelos grupos economicamente desfavorecidos.

 

Os autores agradecem a Cássio Ribeiro, Ronald Barbosa e Irapuã Santana pela ajuda fundamental na compreensão da legislação que regula doações e financiamento em universidades e por seus comentários e críticas; e a Marília Mareto por sua cuidadosa revisão. Enfatizamos que qualquer erro e omissão do presente estudo é nossa responsabilidade.

 

Versão completa deste texto foi publicada no site do Instituto Mercado Popular, em 18 de maio de 2016.

 

___________________

1 O conceito de jovens abarca indivíduos que têm entre 18 e 24 anos. Essa é a divisão etária que a Pesquisa Mensal de Empregos do IBGE utiliza para caracterização de desemprego juvenil.

2 Essas probabilidades são valores preditos por uma regressão logística que tem a probabilidade de se estudar em uma universidade pública como variável dependente e o logaritmo da renda familiar per capita como variável independente. Ver Anexo 3 para detalhes da estimação.

3 O critério do IBGE para cor/raça faz uma divisão entre “pretos” e “pardos”. Neste estudo, decidiu-se por fazer uma agregação das duas categorias sob o rótulo de “negros”.

4 Como o período 2012-2014 era um período de transição quanto à elegibilidade de curso para o Ciência sem Fronteiras, definimos “cursos” elegíveis como aqueles que têm ao menos um estudante listado no Censo da Educação Superior de 2014 como participante do Ciência Sem Fronteiras.

5 Estimações resultantes de uma regressão linear que utiliza dados da PNAD de 2013. Veja Anexo 4 para detalhes metodológicos.

6 Heckman, James. 2008. “School, Skills, and Synapses”. Economic Inquiry. Volume 46, Issue 3, pages 289–324, July 2008

7 Ver, por exemplo, Fyer Jr., Roland. 2010 “Racial Inequality in the 21st Century: The Declining Significance of Discrimination.” NBER Working Paper No. 16256.

8 Menezes Filho; Naercio; Oliveira, Alison. 2014. “A Contribuição da Educação para a Queda na Desigualdade de Renda per Capita no Brasil”. Insper Policy Paper n. 9.

9 Nós mencionamos prioritariamente estudos experimentais comorandomized control trials ou loterias para ascensão às escolas. Isso porque, ao adicionar aleatoriedade ao processo de seleção, eles permitem uma inferência causal mais forte, indo além de mera correlação.

10 Betts, Julian & Y. Emily Tang. 2014. “A Meta-Analysis of the Literature on the Effect of Charter Schools on Student Achievement.” CRPE Working Paper. August 2014.

11 Forster, Greg. 2013. “A Win-Win Solution: The Empirical Evidence on School Choice.” The Friedman Foundation. April 2013.

12 Heckman, James, et al. 2013. “Understanding the Mechanisms through Which an Influential Early Childhood Program Boosted Adult Outcomes.” American Economic Review, 103(6): 2052-86.

13 University of California. “How Aid Works: Student Scenarios”. http://admission.universityofcalifornia.edu/paying-for-uc/how-aid-works/student-scenarios/index.html. Acessado em 7/4/2016.

14 Projeto de Lei 782/2015, do Sen. Marcello Crivella, que “dispõe sobre o pagamento, pelo estudante universitário, de anuidade em instituições públicas de ensino superior”.

15 Projeto de Lei 4643/2012, da Dep. Bruna Furlan, que “autoriza a criação de Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino superior”.

16 National Association of College and University Business Officers. 2015. “NACUBO-Commonfund Study of Endowments.” Disponível em: http://www.nacubo.org/Research/NACUBO-Commonfund_Study_of_Endowments/Public_NCSE_Tables.html. Acessado em 13/4/2016.

17 Ver Lei 8.958/1994 e Lei 12.349/2010, que regulamentam as fundações de apoio às universidades públicas.

18 Secretaria de Educação Superior, Ministério da Educação. 2014. “A democratização e expansão da educação superior no país 2003 – 2014”.

19 O orçamento das universidades públicas federais em 2014 foi de, aproximadamente, 34 bilhões de reais e o número de vagas foi de, aproximadamente, 1,2 milhões.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2793 7
Política de valorização do salário mínimo: que valorização? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2530&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politica-de-valorizacao-do-salario-minimo-que-valorizacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2530#comments Mon, 01 Jun 2015 13:46:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2530 1. Introdução: valor do salário mínimo de 2016 a 2019 pelas regras da MP 672/2015

A política de valorização do salário mínimo constante da MP 672/2015 replica as regras da Lei 12.382, de 25 de fevereiro de 2011. Os reajustes para o período 2016-2019 terão a mesma fórmula que tiveram os reajustes do período 2012-2015: para cada ano, o salário mínimo será reajustado pela inflação do ano anterior e pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes1.

O índice de inflação usado para a preservação do poder aquisitivo do mínimo continua sendo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), cabendo ao componente do crescimento do PIB a parcela de ganho real da fórmula.

Embora a política de valorização do salário mínimo tenha concedido grande aumento real no período 2011-20152, a mesma política não deve conceder aumentos reais importantes nos próximos anos, por conta do arrefecimento da economia, já que existe a defasagem em relação ao crescimento do PIB3. Assim, o valor do salário mínimo dos anos de 2016 e 2017 não contaria com aumento real devido à estagnação do PIB em 2014 e à provável retração de 2015.

No entanto, a variação negativa do PIB não é incorporada no valor do salário mínimo. A MP 672/2015 prevê o uso do PIB “a título de aumento real”. Assim, em caso de recessão, o menor valor aplicado seria zero, e o salário mínimo seria reajustado somente pela inflação observada no ano anterior.

Estimamos o valor do salário mínimo para o período 2016-2019, de acordo com a política de valorização do salário mínimo da MP 672/2015. Usamos as expectativas do Sistema de Expectativas de Mercado do Banco Central do Brasil para os valores estimados do crescimento do PIB (2015-2017) e da inflação (2015-2018)4. O resultado é apresentado no Gráfico 1 e na Tabela 1, abaixo.

Gráfico 1 – Salário mínimo: valor de 2015 e estimativa para 2016-2019 pela regra da MP 672/2015

img_2530_1

Tabela 1 – Valor estimado do salário mínimo para 2016-2018 pela regra da MP 672/2015

img_2530_2

Estimamos que, pela manutenção da regra, o salário mínimo passaria a marca de R$ 1.000 em 2019, mas teria um aumento real de apenas 1,16% no período 2016-2018, por conta da estagnação do PIB em 2014, da retração em 2015, e do crescimento modesto esperado para 2016. Este valor corresponderia a um aumento real médio de apenas de 0,4% ao ano.  A decomposição entre aumento nominal e real é apresentada no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Decomposição do aumento nominal e real estimado do salário mínimo para 2016-2018 pela regra da MP 672/2015

img_2530_3

Cabe ressaltar que as estimativas para os últimos anos da série tendem a ser bem menos precisas do que as do início da série. Enquanto o valor estimado para 2016, por exemplo, é baseado no crescimento do PIB em 2014 (um valor já conhecido) e na estimativa do INPC de 2015 (que pode ser estimada com razoável confiança), o valor estimado para 2019 é baseado na expectativa de crescimento do PIB em 2017 e na expectativa do INPC para 2018.

Dessa forma, a virtual ausência de ganho real no salário mínimo dos anos de 2016 e 2017 é, por ora, algo mais concreto do que a valorização real de 1,06% e 2,05% para 2018 e 2019.

2. Por que os gastos do governo federal aumentam com o aumento do salário mínimo?

Teoricamente, o salário mínimo não deveria afetar significativamente as contas de um governo central. Por ser uma variável do mercado de trabalho, ele impactaria apenas o salário de empregados do governo federal que recebem esse valor (um baixo contingente) e aqueles serviços e obras contratados que são intensivos em mão de obra de baixa produtividade. Entretanto, o governo federal incorre em aumentos substanciais nos seus gastos quando se eleva o salário mínimo devido i) à vinculação constitucional do salário mínimo e; ii) à ampliação da faixa de elegibilidade de benefícios sociais (prevista também, em parte, na Constituição).

Vinculação

A Constituição Federal prevê a vinculação do salário mínimo na Previdência Social e na Assistência Social. Assim, no Brasil, o salário mínimo não apenas é o menor salário do mercado de trabalho, mas também serve como piso para os benefícios da Previdência (aposentadorias, pensões e auxílios, conforme o art. 201, § 2º5), abono salarial e para o Benefício de Prestação Continuada (BPC, conforme o art. 203, V6) ― muito embora o próprio dispositivo da Constituição que institui o salário mínimo vede expressamente a sua vinculação para qualquer fim (art. 7º, IV).

Quase dois terços dos benefícios da Previdência Social possuem o valor de um salário mínimo, totalizando mais de 17 milhões de benefícios7, ao custo de cerca de R$ 180 bilhões em 2015. Destaca-se ainda o contingente de 9 milhões de beneficiários da clientela rural, cuja aposentadoria também tem vinculação com o mínimo (art. 201, § 7º, II8). Por sua vez,  o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício assistencial, tem mais de 4 milhões de beneficiários, custando cerca de R$ 42 bilhões em 20159.

Ainda pela Constituição, o salário mínimo é também o valor do abono salarial (art. 240, § 3º10): são 24 milhões de beneficiários, ao custo de R$ 19 bilhões em 201511. Legislação infraconstitucional vincula ainda o seguro-desemprego ao valor do salário mínimo12, em um total de 9 milhões de beneficiários e custo de R$ 38 bilhões neste ano13.

Faixa de elegibilidade de benefícios

Com o aumento do salário mínimo, amplia-se a faixa de elegibilidade de benefícios pagos pelo governo federal, elevando o número de beneficiários. O abono salarial e também o BPC usam valores vinculados ao salário mínimo como critério de elegibilidade para recebimento dos benefícios. Para o abono salarial, a referência é dois salários mínimos mensais, enquanto para o BPC é de ¼ do salário mínimo como renda familiar per capita14.  Assim, quando o salário mínimo aumenta, mais pessoas passam a ter direito ao abono salarial e ao BPC, além das que já recebiam o benefício anteriormente, com impacto nos cofres do governo.

O crescimento dos gastos do governo federal por conta da elevação do salário mínimo (pela vinculação e pela ampliação da faixa de elegibilidade dos benefícios) será significativamente atenuado, em termos reais, se a manutenção da política de valorização do salário mínimo de fato não for capaz de conceder a ele aumento real importante entre 2016-2019.

3. Política de valorização do salário mínimo no período 2011-2015: possíveis consequências indesejáveis

A política de valorização do salário mínimo, agora renovada pela MP 672/2015, apesar de ganhos evidentes (como no consumo daqueles que recebiam o salário mínimo), despertou preocupação sobre consequências indesejáveis da forte valorização. Além do já citado efeito nas contas do governo federal e do efeito evidente na elevação dos custos unitários de trabalho (e, logo, na competitividade do país e também na inflação), destacam-se considerações de seus efeitos: i) na distribuição de renda e no combate à pobreza e ii) no mercado de trabalho.

Distribuição de renda e combate à pobreza

A recuperação do valor do salário mínimo nas últimas duas décadas e a sua valorização de maneira mais acentuada nos últimos anos (vide Gráfico 3) fez com que a trajetória do salário mínimo se descolasse da dos menores rendimentos. Assim, aumentos do salário mínimo teriam perdido gradativamente a efetividade em combater a pobreza e elevar os menores rendimentos da economia (reduzindo a desigualdade de renda) (tema discutido anteriormente no blog)

Segundo Foguel, Ulyssea e Courseil (2014), do Ipea, enquanto em 1995 o salário mínimo equivalia a 25% do rendimento médio do trabalho, em 2012 ele já correspondia a 45% deste valor15. Segundo eles, “há uma migração dos trabalhadores de salário mínimo para as partes mais altas da distribuição de renda”. Barbosa (2014), antes de assumir o Ministério do Planejamento da atual administração, avaliou que a política de valorização do salário mínimo o elevou para o patamar de 40% do salário médio, que seria “nível de país desenvolvido da Europa” 16.

Gráfico 3 – Valor real do salário mínimo (média anual) entre 1974 e 2014

img_2530_4

A título de ilustração, o valor do salário mínimo em 2015 (R$ 788) já se encontra dez vezes acima da linha da extrema pobreza brasileira (R$77) e cinco vezes acima da linha da pobreza (R$ 154), que são referência para os valores do Programa Bolsa Família (PBF)17, cujo valor dos benefícios variam de R$ 35 à R$77 (vide Gráfico 4, abaixo). Como já apontado, o salário mínimo é vinculado como o valor de pagamento inclusive de um benefício assistencial, o BPC. Assim, aumentos do salário mínimo não apenas não estariam mais tendo capacidade de atingir os mais necessitados, como, pela sua vinculação, drenam recursos de políticas públicas que poderiam ser voltadas a essas camadas da população18. Nesse mesmo sentido, Giambiagi (2014) observa que, na região Nordeste, o indivíduo que recebesse o salário mínimo estaria virtualmente na metade mais rica da população19.

Gráfico 4 – Comparação entre as linhas da pobreza e da extrema pobreza brasileiras, o salário mínimo e o valor dos benefícios do Bolsa Família (benefício básico e benefícios variáveis)

img_2530_5

De acordo com Barbosa (2014), a atual política de valorização do salário mínimo “cumpriu um papel importante”. Para Giambiagi (2014), a política é “vítima do seu próprio sucesso”.  O autor considera que a elevação de seu valor real modificou o papel do salário mínimo na sociedade, dando ensejo à revisão da noção de que o salário mínimo é “indicador do rendimento daqueles que estão na base da pirâmide distributiva”.

Mercado de trabalho

Por conta da elevação dos custos para o empregador, aumentos do salário mínimo sempre despertam preocupação em relação ao aumento do desemprego e da informalidade. Nos últimos anos, esses possíveis efeitos adversos da valorização do mínimo estariam “escondidos” na tendência de queda tanto do desemprego quanto da informalidade. Entretanto, segundo o já citado estudo do Ipea20, “há evidências de crescimento de informalidade e diminuição na taxa de participação em decorrência dos aumentos recentes do salário mínimo”.

Os autores destacam o “efeito expulsão” no mercado de trabalho (Gráfico 5), que chegaria a até 8% dos trabalhadores atingidos pelo salário mínimo: esses trabalhadores migrariam para fora da População Economicamente Ativa (PEA), estando fora mesmo das estatísticas de desemprego. Os autores destacam ainda a transição do mercado formal para a informalidade, que chegaria a até 4% dos trabalhadores afetados pelo mínimo, concluindo haver evidências de que “o valor do salário mínimo avançou mais rápido que a produtividade de parte da força de trabalho brasileira, que parece se ver obrigada a migrar para o setor informal ou se retirar do mercado de trabalho”.

Gráfico 5 – Expulsão do mercado de trabalho – Transição de empregado para fora da PEA (força de trabalho) entre 2003 e 2013

img_2530_6

O eixo vertical do gráfico acima mostra a probabilidade de um trabalhador do setor formal que ganhava um salário mínimo estar fora do setor formal um ano após o aumento do salário mínimo. Essa probabilidade chegou a um mínimo de 3% em 2010. Em 2013 estava acima de 8%, maior valor da série. Não havendo significativa valorização real do salário mínimo no ciclo 2016-2019 (apenas nominal) conforme a MP 672/2015, as possíveis consequências indesejáveis sobre a desigualdade de renda, o combate à pobreza e o mercado de trabalho ficariam contidas.

4. É hora de desvincular o salário mínimo?

O peso que aumentos do salário mínimo geram nas contas públicas, conforme apresentado na seção 2, e a dificuldade que esses aumentos têm em afetar os mais necessitados, conforme apresentado na seção anterior, dão ensejo à desvinculação do salário mínimo. A desvinculação, que foi considerada e discutida pelo Executivo na década passada, consistiria em emendar à Constituição para que os pisos da Assistência Social e da Previdência Social não fossem mais vinculados ao salário mínimo.

“Perdedores”

É oportuno identificar quem “perde” e quem “ganha” com a desvinculação. A desvinculação tenderia a reduzir os aumentos dados ao BPC. Por conta da vinculação entre o salário mínimo e o BPC, há um grande contraste em relação ao Programa Bolsa Família, também voltado ao combate à pobreza, que custará neste ano menos de dois terços que o BPC pagando benefícios até 22 vezes menores do que o salário mínimo, mesmo para beneficiários adultos (questão discutida aqui)21.

Também seriam reduzidos os aumentos dados aos beneficiários da Previdência que teriam direito a um benefício menor que um salário mínimo, mas que recebem o valor do salário mínimo por conta da vinculação. Atualmente, a vinculação acaba sendo um mecanismo de solidariedade, transferindo os ganhos da valorização do salário mínimo mesmo para aqueles que contribuíram sobre valores menores.

Dependendo de como feita, a desvinculação poderia também conter os aumentos do benefício rural da Previdência, de um salário mínimo. Este benefício, formalmente previdenciário, tem característica de benefício assistencial pela ausência de contrapartida de contribuições diretas ao sistema por parte do beneficiário.

Dessa forma, os grandes perdedores de uma eventual desvinculação seriam os beneficiários que ganham o salário mínimo ou pouco acima. Isso significa todos os beneficiários do BPC e parte significativa dos aposentados. Aposentados com rendimentos acima do salário mínimo não seriam afetados pela desvinculação.

“Ganhadores”

E quem “ganha” com a desvinculação? Potencialmente, toda a parcela da população nas partes inferiores da distribuição de renda, conforme apresentado na seção anterior. Isso inclui, por exemplo, beneficiários do Bolsa Família, abaixo das linhas de pobreza e extrema pobreza, e um elevado contingente de trabalhadores informais, que não são alcançados pelo salário mínimo. Com o passar dos anos, a desvinculação liberaria grande quantidade de recursos públicos para políticas públicas que atinjam esses segmentos da população, que compete por recursos públicos com os benefícios vinculados ao mínimo. Trata-se não apenas de políticas de transferência de renda, mas também de políticas de educação, saúde ou saneamento básico que beneficiem a parcela mais carente da população22. Alternativamente, os recursos liberados poderiam permitir redução da carga tributária, com óbvios efeitos positivos sobre a geração de emprego e renda, tanto no setor formal quanto informal.

Ganhariam também os trabalhadores da ativa que recebem o salário mínimo. Isso porque a vinculação tende a conter aumentos maiores para o salário mínimo, mesmo para quem recebe o salário mínimo de empregadores, e não do governo.  Como o mínimo é um só, pela vinculação, sendo simultaneamente piso do mercado de trabalho, da Previdência Social e da Assistência Social, o governo tem dificuldade de aceitar aumentos maiores pela pressão que a vinculação gera em suas contas. Com a desvinculação, o governo teria mais graus de liberdade para permitir aumentos maiores para os trabalhadores que recebem o salário mínimo.

Por fim, cabe ressaltar que a vinculação gera ainda grande insatisfação dos segurados da Previdência que ganham mais de um salário mínimo, já que eles recebem reajustes levando em conta apenas a inflação anual, e, portanto, menores do que os reajustes dos segurados que recebem benefícios de um salário mínimo. Como consequência, há uma contínua pressão para conferir sistematicamente aumentos reais àqueles que recebem mais de um salário mínimo na Previdência, sob o argumento de que seus benefícios perdem valor porque crescem em ritmo menor do que os benefícios vinculados ao mínimo (assunto debatido anteriormente no blog).

Politicamente difícil, por ter “ganhos” difusos e menos visíveis do que as “perdas”, a desvinculação poderia voltar à pauta agora, depois que o salário mínimo recebeu grandes aumentos reais, estando prestes a ultrapassar a barreira dos R$ 1.000, neste ciclo da política de valorização.  No entanto, com a expectativa de uma valorização real bem menor no período 2016-2019 em comparação com anos anteriores, o debate sobre a desvinculação pode ser considerado menos urgente e ficar adiado.

5. Outras propostas existentes para a política de valorização do salário mínimo

Durante o ciclo anterior da política de valorização, por conta das referidas consequências adversas do crescimento do mínimo muito acima da produtividade, outras fórmulas para a valorização do salário mínimo foram sugeridas, substituindo o crescimento do PIB como o componente de reajuste real.

Barbosa e Pires (2014) fazem a comparação do caso brasileiro com as fórmulas de reajuste do salário mínimo em outros países, observando que são com frequência adotados reajustes por índices de preços, nível geral de salários e critérios relacionados a fatores econômicos como produtividade, nível de emprego, renda per capita e expectativa de crescimento23.

Foguel, Ulyssea e Courseil (2014) sugerem adotar o crescimento da produtividade média do trabalho como o componente real da fórmula do salário mínimo brasileiro, no lugar do crescimento do PIB.  Barbosa e Pires (2014) sugerem três alternativas: o crescimento de uma medida de produtividade (PIB por trabalhador), o crescimento do PIB per capita ou o crescimento do salário médio.

Considerações finais

Diante do exposto, a manutenção da fórmula do salário mínimo se mostrou politicamente conveniente para o governo. Com a redução no crescimento do PIB, a fórmula deixará de dar ganhos substanciais ao salário mínimo, possivelmente adiando debate importantes como a desvinculação do salário mínimo e mitigando parcialmente as consequências desses aumentos sobre o desemprego, a informalidade, a expulsão do mercado de trabalho, a competitividade e a inflação. O mais grave, a própria fórmula atual de reajuste contribui para que nos mantenhamos no atual quadro de estagnação econômica, paradoxalmente contribuindo para que o baixo crescimento do valor real do salário mínimo.  No início deste mandato, o ministro do Planejamento chegou a anunciar o interesse de trocar a fórmula, mas foi desautorizado pela Presidência24. Com a MP 672/2015 e a manutenção da fórmula atual, o governo conseguiu fugir da polarização que vem marcando temas na área de Trabalho e Previdência, como as mudanças no seguro-desemprego e no abono salarial, nas pensões por morte e a terceirização, evitando a acusação de fazer “a vaca tossir”25.

 

Este texto é baseado no trabalho “A MP 672/2015 e a Política de Valorização do Salário Mínimo: Haverá Valorização?”. O estudo integral consta do Boletim do Legislativo nº 30 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link: http://www.senado.gov.br/estudos)

______________

1 Para maiores detalhes, ver o Sumário Executivo da Medida Provisória nº 672, de 25 de março de 2015. Disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos.

2 Especialmente pelo ano de 2012, que refletiu o crescimento de 7,5% do PIB em 2010.

3 Tipicamente o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga o PIB de um ano no primeiro trimestre do ano seguinte. Como o novo valor do salário mínimo começa a valer já em 1º de janeiro, só é possível incorporar o crescimento do PIB do penúltimo ano na fórmula do reajuste.

4 Disponível em https://www.bcb.gov.br/?FOCUSERIES. Informações de 30 de abril de 2015.

5Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.”

6A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…) a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

7 Boletim Estatístico da Previdência Social, volume 20, nº 1. Janeiro de 2015. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/.

8É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições (…) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.”

9 Incluindo seu antecessor, a Renda Mensal Vitalícia (RMV).

10Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, até dois salários mínimos de remuneração mensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual (…)

11 O número de beneficiários e o custo do abono não seriam afetados em 2015 com a aprovação da Medida Provisória nº 665, de 30 de dezembro de 2014.

12 Art. 5º, § 2º, da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990.

13 Segundo o Ipea, o texto original da Medida Provisória nº 665, de 30 de dezembro de 2014, teria causado redução de cerca de R$ 9 bilhões no valor gasto em 2014 e de 2 milhões no número de benefícios. Ver: CAETANO, M. A.; CAMPOS, A. G; CHAVES, J. V.; COURSEIL, C. H; TOMELIN, L. F. Os Reflexos das Medidas Provisórias 664 e 665 sobre as pensões, o abono salarial e o seguro-desemprego em suas modalidades defeso e formal. Texto para discussão nº 2067. Brasília: Ipea, março de 2015. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=24980

14 Art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

15 FOGUEL, M.; ULYSSEA, G.; COURSEIL, C. H. Salário mínimo e mercado de trabalho no Brasil. In: MONASTERIO, L. M.; NERI, M. C.; SOARES, S. S. D. (Org.). Brasil em desenvolvimento 2014: estado, planejamento e políticas públicas – vol. 1. Brasília: Ipea, 2014.

16 BARBOSA, N. ‘É preciso ir além com o gasto social, diz ex-secretário executivo da Fazenda’ [15 de fevereiro de 2014]. São Paulo: O Estado de S. Paulo. Entrevista concedida a Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-ir-alem-com-o-gasto-social-diz-ex-secretario-executivo-da-fazenda,1130766 . Acesso em: 23/04/2015.

17 O benefício variável de R$ 35 por criança até 15 anos e por gestante ou nutriz, R$ 42 mensais por adolescente de 16 ou 17 (limite de cinco filhos), além do benefício básico de R$ 77 se a família for extremamente pobre. As apenas pobres não recebem o benefício básico de R$ 77, apenas o variável.

18 Ver BARROS, R. A efetividade do salário mínimo em comparação à do programa Bolsa Família como  instrumento de redução da pobreza e da desigualdade. In: BARROS, R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA, G. (Org.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente, v. 2. Brasília: Ipea, 2007.

19 Com base em dados de 2011. Ver: GIAMBIAGI, F. Salário-mínimo – razões e bases para uma nova política. In: Giambiagi, F.; Porto, C. (Org.). Propostas para o Governo 2015/2018. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 393p.

20 Foguel, Ulyssea e Courseil (2014). Ver nota 16.

21 Especificamente em relação ao BPC, a desvinculação ainda permitiria a diminuição da informalidade (e, logo, a desproteção no mercado de trabalho e o déficit da Previdência) e a valorização do segurado da Previdência, já que o BPC paga benefícios na mesma idade e de mesmo valor do que a aposentadoria por idade (para homem).

22 Cabe ressaltar que a desvinculação permitiria uma mudança no perfil do gasto do governo federal, deslocando recursos de despesas hoje obrigatórias para despesas discricionárias. O aumento deste tipo de despesa é relevante, já que o orçamento público é considerado engessado, não apenas pelas despesas obrigatórias, mas também pelas receitas vinculadas e os gastos mínimos em áreas específicas.

23 BARBOSA, N.; PIRES, M. Nova Regra para o Reajuste do Salário Mínimo. Seminário Política de Salário Mínimo para 2015-18 – Avaliações de Impacto Econômico e Social. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 7-8 de maio de 2014. Disponível em: http://portalibre.fgv.br/

24 http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/desautorizado-pela-presidente-dilma-barbosa-recua-de-mudanca-no-minimo/?cHash=f4c76c66f31c4dde55a4069b9a514fc4

25 https://twitter.com/dilmabr/status/521315535498530818

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2530 1
Qual o programa assistencial mais caro do Brasil? (Não é o Bolsa Família) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2331&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-o-programa-assistencial-mais-caro-do-brasil-nao-e-o-bolsa-familia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2331#comments Tue, 11 Nov 2014 13:13:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2331 Introdução

Principal política pública discutida pela opinião pública nas eleições de 2014 e objeto de uma permanente polêmica na sociedade brasileira, pode surpreender alguns que o Bolsa Família não seja o “programa assistencial de transferência de renda” que mais custa aos cofres públicos: este posto é do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Regido pela Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), o BPC atinge quatro milhões de pessoas, entre idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência cuja renda mensal per capita seja inferior a um quarto do salário mínimo. Esses beneficiários têm o direito de receber um salário mínimo por mês (R$ 724 em 2014, R$ 788 a partir de janeiro de 2015). O governo projeta para o próximo ano um gasto de quase R$ 42 bilhões de reais com o BPC e o seu antecessor, a Renda Mensal Vitalícia (RMV)1.

Em relação à pobreza, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) não é considerado o instrumento mais efetivo para reduzi-la. Desde a sua implantação e até recentemente, o BPC, junto com as transferências do INSS, ajudou a retirar da pobreza milhões de idosos e deficientes pobres, mas gastos adicionais com o benefício não trazem mais resultados significativos nessa direção. O programa recebe ressalvas também por desincentivar a adesão à Previdência Social e pelo seu custo crescente, já que, por previsão constitucional, o valor do benefício não pode ser inferior ao salário mínimo – que sofreu grandes aumentos reais nos últimos anos.

No que tange à distribuição de renda, os economistas consideram que o Programa Bolsa Família foi nos últimos anos um programa muito mais efetivo na redução da desigualdade e muito mais barato quando comparado ao BPC. O Bolsa Família é objeto de constante estudo e avaliação2, mas tem ampla aceitação entre economistas com diferentes posições no espectro ideológico, ao contrário do que poderia levar a crer os polarizados debates que se observa na sociedade e na imprensa, acentuados nas últimas eleições.

Desigualdade de renda

De acordo com dados do Ministério da Previdência Social para o ano de 2011, apresentados por Caetano (2014)3, menos de 10% dos brasileiros de 65 anos estão abaixo da linha de pobreza, enquanto, em algumas idades, quase 50% das crianças brasileiras estão abaixo dessa linha. Também nesse sentido, Giambiagi, Tafner e Carvalho (2010) estimam que as crianças do país têm 11 vezes mais chances de ser extremamente pobres do que os idosos4.

Assim, percebe-se que o BPC não possui o melhor grau de focalização entre os mais pobres. É verdade que o BPC foi responsável por reduzir a pobreza e garantir segurança de renda aos idosos e deficientes de baixa renda, porém não há mais espaço para avançar nessa área por meio da expansão do programa.

Em contraste com o BPC, o Bolsa Família – que foca nas famílias extremamente pobres5 e nas famílias pobres6  que tenham filhos de até 17 anos – paga benefícios muito menores, entre R$ 35 e R$ 42 mensais por criança ou adolescente, além do benefício básico de R$ 77 (já contemplando o reajuste anunciado pela Presidenta Dilma Rousseff no último 1º de maio). Ressalta-se que este benefício básico é pago apenas para as famílias extremamente pobres: as famílias que são “apenas” pobres têm direito somente ao benefício por criança ou adolescente. Entre 2001 e 2005, o BPC teria sido responsável por apenas 11% da queda da desigualdade – com a ressalva de que o Bolsa Família só começou no penúltimo ano do período7.

Não apenas considerações sobre a efetividade do BPC no combate à pobreza e na redução da desigualdade merecem ser feitas, como também em relação à sua eficiência e ao seu custo-benefício. Como visto, o BPC custará quase R$42 bilhões no ano de 2015 (50% a mais que o Bolsa Família), atingindo cerca de quatro milhões de beneficiários. Ainda em contraste, o Programa Bolsa Família, mais efetivo, custará R$ 27 bilhões, para um número de beneficiários muito maior, de cerca de 50 milhões de brasileiros (14 milhões de famílias).

Tal qual o Bolsa Família, o BPC é um programa assistencial que não tem contrapartida contributiva (ao contrário dos benefícios do INSS: aposentadorias, pensões e auxílios). Cabe observar que alguns pesquisadores considerariam que o programa assistencial mais caro do país seria o pagamento da aposentadoria rural, já que este benefício, embora pertença à Previdência Social, não exige contribuição direta ao sistema de seguridade, mas apenas a comprovação de 15 anos de trabalho rural8.

Seria possível argumentar que o BPC e o Bolsa Família não poderiam ser comparados, porque as necessidades de consumo de um idoso seriam maiores que as de uma criança, o que justificaria a discrepância no valor dos benefícios (para pagar por remédios, por exemplo). Realmente é razoável que um adulto, mesmo que não seja chefe de família, tenha gastos maiores do que os de uma criança. O que se critica é a desproporcionalidade: o valor do BPC é mais de 22 vezes maior que o valor do benefício por criança ou gestante no Bolsa Família. Como assinalado acima, a vulnerabilidade das crianças no Brasil é muito mais alta que a dos idosos. Cumpre ressaltar também que os gastos com assistência social voltados às crianças têm um poder maior de transformação da realidade futura da pobreza no país.

Portanto, ampliar o BPC não parece a melhor maneira de diminuir a pobreza entre os segmentos mais necessitados da população. Esses recursos poderiam ser utilizados, com o mesmo fim, em outras políticas assistenciais ou em políticas econômicas que promovam o crescimento da renda como um todo.

Ressalta-se também que o valor do BPC está vinculado ao salário mínimo, de maneira que o benefício já recebeu, dessa forma, grandes aumentos reais nos últimos anos (aumento nominal de 203% desde 2004, contra 54% do Bolsa Família). Ainda, essa vinculação faz com que a própria cobertura do BPC seja continuamente ampliada, porque a cada aumento do salário mínimo também se aumenta a linha de elegibilidade para o programa (um quarto do salário mínimo).

Quadro 1 – Comparação entre o Bolsa Família e o BPC

img_2331_1

Adesão à Previdência Social

A adesão à Previdência Social é desestimulada pelas atuais regras de concessão do BPC e dos benefícios do INSS. Atualmente, tem direito à aposentadoria por idade, no caso dos homens, o segurado com 65 anos de idade, exatamente a idade mínima de elegibilidade para o BPC. Da mesma forma, o menor benefício a ser pago pelo INSS é o de um salário mínimo, mesmo valor do BPC. Sendo assim, por que contribuir com parte do salário durante toda vida para receber um salário mínimo como benefício, se esta mesma quantia pode ser obtida, sem contribuição, por meio do BPC? De fato, nas faixas salariais mais baixas, a adesão à contribuição previdenciária é menor.

Em verdade, o trabalhador que contribui para o INSS pode até ser prejudicado. Isso porque, para um idoso ser elegível ao BPC, sua renda familiar per capita tem de ser inferior a ¼ do salário mínimo. Para o cômputo dessa renda, contudo, consideram-se aposentadorias, mas não se consideram BPCs recebidos por outros idosos da mesma família. Dessa forma, cada membro de um casal de idosos que não possui nenhuma renda terá direito ao BPC. Já se um dos membros do casal receber aposentadoria, a renda familiar per capita será maior que ¼ do salário mínimo, de forma que o outro membro desse casal não terá direito ao BPC.

Ainda que o BPC seja guiado por uma noção de solidariedade, é primordial que existam incentivos para que o sistema de seguridade social tenha uma trajetória sustentável – e isso passa por uma maior formalização no mercado de trabalho e a efetiva adesão à Previdência.

Uma menor adesão à Previdência Social tem como consequência o agravamento da informalidade (que em meados desse ano ainda atingia um terço dos trabalhadores, segundo o IPEA9) e da desproteção no mercado de trabalho (um trabalhador informal não tem direito ao auxílio-doença, ao seguro desemprego ou à aposentadoria por invalidez, por exemplo). Ainda há como consequência a diminuição das receitas do INSS, dificultando ainda mais o controle do seu crônico e crescente déficit (estimativa de R$55 bilhões para 2014).

Giambiagi (2014)10 defende que em 2015 se emende a Constituição para que o piso assistencial seja diferente do piso do mercado de trabalho e do previdenciário (salário mínimo), passando os benefícios de prestação continuada a partir dali a serem reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), conservando seu valor real. Essa medida permitiria deslocar mais recursos para outras políticas mais efetivas e valorizar mais o segurado da Previdência Social, que contribui para o sistema.

Considerações finais: É possível fazer um ajuste fiscal sem comprometer a queda da desigualdade?

No recente debate eleitoral, aqueles que salientavam o desequilíbrio das contas públicas brasileiras e enfatizavam a necessidade de um ajuste fiscal foram acusados de querer cortar gastos sociais e interromper a trajetória de redução da desigualdade. Trata-se, no entanto, de uma falácia.

A comparação feita aqui entre o BPC e o Bolsa Família indicou a importância da análise da efetividade do gasto público. Nesse caso, vimos que uma política é muito mais efetiva do que a outra em reduzir a pobreza: mais gasto com uma delas é recomendado para esse fim, com a outra não.

Nesse sentido, é possível fazer sim um ajuste fiscal, mesmo focado nas despesas correntes, sem comprometer a redução da desigualdade. Outros gastos correntes estão relacionados a políticas públicas que têm sérias distorções, como os gastos com pensões na Previdência (já discutidos neste blog), os excessos no seguro-desemprego (que faz com que os gastos aumentem justamente quando o desemprego cai), o programa de abono-salarial11, e as despesas altas com a burocracia federal, todas essas reconhecidas mesmo por economistas que costumam associar ajuste fiscal com perdas para os mais pobres12. Até despesas que não são correntes merecem ser rediscutidas, como a política de gigantescos aportes do Tesouro para o BNDES (também analisada recentemente aqui).

Não se pode também esquecer que ajuste fiscal é condição necessária (embora não suficiente) para aumento de renda no longo prazo. Deveríamos adotar uma política econômica focada em um ajuste fiscal que não comprometesse a redução da desigualdade no curto prazo, mas que garantisse o incremento dos rendimentos médios no longo prazo.

Assim, percebe-se que é necessário desmistificar certas pré-concepções a respeito da política assistencial no Brasil, notadamente em relação ao Bolsa Família. O Banco Mundial destaca o êxito e vantagens desse tipo de políticas, conhecidas como “transferências condicionadas de renda” (TCR) ou Conditional Cash Transfers (CCT) e ressalta que houve uma “onda” delas em países emergentes nas últimas duas décadas13. Elas foram implementadas em praticamente toda a América Latina – com destaque para o mexicano Oportunidades (Progresa) -, em outras economias emergentes importantes – como Índia, Indonésia e Turquia -, além de outros países asiáticos e africanos. Mesmo países desenvolvidos costumam ter alguma rede de proteção para a população pobre. A pobreza e a desigualdade são grandes problemas para o Brasil, mas o debate sobre as políticas de redistribuição de renda infelizmente está pautado por equívocos, que precisam ser esclarecidos para que um debate de melhor qualidade ganhe espaço.

___________________

1 Segundo o Projeto de Lei Orçamentária de 2015 (PLOA 2015), serão R$ 40 bilhões para o BPC e cerca de R$ 1,6 bi para o RMV.

2 Para uma discussão aprofundada sobre o futuro do programa, ver, entre outros, Soares e Sátyro (2009). SOARES, S.; SÁTYRO, N. Programa Bolsa Família: Desenho Institucional, Impactos e Possibilidades Futuras. Brasília: Ipea, 2009. (Texto para Discussão, n. 1.424). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>

3 CAETANO, M. A. Reforma previdenciária, cedo ou tarde. In: Giambiagi, F.; Porto, C. (Org.). Propostas para o Governo 2015/2018. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 393p.

4 GIAMBIAGI, F.; TAFNER, P.; CARVALHO, M. M. Assistencialismo – o cidadão não contribui. E daí? In: Giambiagi, F.; Tafner. P. Demografia – A Ameaça Invisível: o dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 198p.

5 Renda renda per capita de até R$ 77,00.

6 Renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00.

7 SOUZA, A. P. Políticas de Distribuição de Renda no Brasil e o Bolsa Família. In: Bacha, E. L.; Schwartzman, S. (Org.).  Brasil: a nova agenda social. Rio de Janeiro : LTC, 2011.

8 A partir dos 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres. O custo com as aposentadorias rurais em 2014 deve ser de cerca de R$ 65 bilhões, para 9 milhões de benefícios.

9 INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise nº 57, Agosto de 2014.

10 GIAMBIAGI, F. Salário-mínimo – razões e bases para uma nova política. In: Giambiagi, F.; Porto, C. (Org.). Propostas para o Governo 2015/2018. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 393p.

11 O abono-salarial é previsto na Constituição e concede um salário mínimo por ano aos trabalhadores do setor formal que recebem, em média, até dois salários mínimos mensais. Por atender aos trabalhadores do setor formal, o programa não focaliza os mais pobres entre os pobres. Em 2013, os gastos com o programa atingiram R$ 14,6 bilhões, mais da metade dos gastos com o Bolsa Família.

12 BARBOSA, N. ‘É preciso ir além com o gasto social, diz ex-secretário executivo da Fazenda’ [15 de fevereiro de 2014]. São Paulo: O Estado de S. Paulo. Entrevista concedida a Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum.  Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-ir-alem-com-o-gasto-social-diz-ex-secretario-executivo-da-fazenda,1130766. Acesso em: 07/11/2014.

13 FIZBEIN, A.; SCHADY, N.; FERREIRA, F.; GROSH, M.; KELEHER, N.; OLINTO, P.; SKOUFI, E. Conditional Cash Transfers: Reducing Present and Future Poverty. Washington: The International Bank for Reconstruction and Development / The World Bank, 2009.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2331 4
A desigualdade de renda parou de cair? (Parte III) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-iii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041#comments Tue, 29 Oct 2013 13:44:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2041 O texto da semana passada mostrou como o mercado de trabalho atuou no sentido de reduzir a desigualdade de renda desde pelo menos o início da primeira década do século XXI. Argumentou-se, naquele texto, que as condições que levaram à redução da desigualdade podem não se reproduzir nos próximos anos, o que faria com que a trajetória de queda se interrompesse.

O presente texto analisa o impacto das políticas sociais mostrando que, também nesse caso, os ganhos mais fáceis em termos de redistribuição já foram obtidos, podendo-se prever redução do seu efeito redistributivo nos próximos anos.

De acordo com IPEA (2013)1, aproximadamente 40% da queda da desigualdade entre 2002 e 2012 decorreu de políticas governamentais, sendo os seguintes os impactos individuais de cada política: aumento do valor real das aposentadorias de menor valor, indexadas ao salário-mínimo (21%); expansão do Bolsa Família (12%) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) (6%). Souza e Medeiros (2013)2, analisando a variação da desigualdade entre 2002 e 2009, chegam a números similares.

Trata-se de impacto significativo: as políticas sociais estão, de fato, ajudando a reduzir a desigualdade. Todavia, o governo poderia ter feito muito mais em termos de redução da desigualdade e da pobreza sem, ao mesmo tempo, ter prejudicado tanto as perspectivas de crescimento econômico, no curto e no médio prazo.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que o Bolsa Família, entre os instrumentos de políticas públicas de redução de pobreza e desigualdade, é o mais eficiente, pois reduz a desigualdade a baixo custo. Já os benefícios previdenciários indexados ao salário-mínimo e o BPC (que também é reajustado de acordo com o mínimo) têm elevado custo fiscal. Outros programas públicos, como o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial, além de impacto pífio sobre a desigualdade, também têm custo mais alto que o Bolsa Família.

Não obstante isso, o governo insiste em manter programas sociais menos eficientes e de alto custo, em vez de ampliar as intervenções de menor custo, na linha do Bolsa Família. Em especial, insiste nos aumentos reais do salário-mínimo, que provocam grandes aumentos de despesa pública, gerando desequilíbrio fiscal (além do problema citado na parte II, publicada na semana passada: elevação de custos e perda de competitividade das empresas).

Os aumentos reais do salário-mínimo são uma importante ferramenta eleitoral, o que torna difícil alteração de rota em tal política, a despeito de seus impactos adversos. O resultado é a expansão do gasto público, que pressiona a taxa de juros e a carga tributária. Ambos desestimulam o investimento e o crescimento econômico.

Em segundo lugar, é preciso considerar que a Previdência Social como um todo (considerando-se não só os benefícios de um salário-mínimo mas todas as aposentadorias, pensões e demais benefícios pagos) é fortemente concentradora de renda. De acordo com IPEA (2012)3, em 2011 a Previdência era responsável por 18% de toda desigualdade de renda. Ou seja, se não existissem os pagamentos feitos pela Previdência Social, o Índice de Gini seria aproximadamente 18% menor.

Isso ocorre porque são pagos benefícios de valor mais elevado para segmentos de renda mais alta. Uma reforma da previdência que reduzisse os privilégios hoje existentes (como, por exemplo, a concessão de pensões por morte sem qualquer limitação do prazo de concessão ou restrições de valores), diminuiria esse efeito concentrador de renda. No entanto a reforma da previdência saiu da agenda política, tendo sido aprovada apenas uma versão mitigada da previdência complementar dos servidores públicos.

Em terceiro lugar, houve no período 2007-2010 (segundo mandato do Presidente Lula) significativos aumentos salariais para os servidores públicos, o que também tem impacto concentrador de renda, pois o funcionalismo está no topo da distribuição de renda. Houve aumento real da folha de pessoal da União da ordem de 8% ao ano naquele período4, com posterior estabilização ao longo do Governo Dilma.

De acordo com o texto de Souza e Medeiros (2013), acima citado, entre 2003 e 2009 quase toda a redução de desigualdade promovida pelo Bolsa Família (12%) foi desfeita pelo aumento da remuneração dos servidores públicos, que aumentou a desigualdade em  10%. Note-se que também nesse caso houve deterioração das contas fiscais e necessidade de aumento de impostos e juros, com prejuízo para o crescimento da economia.

Em quarto lugar, duas políticas públicas fundamentais para melhorar as condições de vida da população e ao mesmo tempo elevar a produtividade dos trabalhadores, têm apresentado pouco progresso ou estagnação. Trata-se do saneamento e da saúde.

No caso do saneamento, IPEA (2013, p. 7) apresenta a  informação de que “o percentual de pessoas que tiveram acesso simultaneamente a energia elétrica, coleta de lixo, esgotamento sanitário adequado e acesso adequado à rede geral de água aumentou 1 ponto percentual em 2012, atingindo o universo de 59,2%”. Este é um dado muito ruim: 40,8% da população brasileira não têm acesso a serviços públicos básicos.

É relevante ressaltar que enquanto houve farta distribuição de desonerações tributárias nos últimos anos, as empresas de saneamento básico continuaram a ser taxadas integralmente pelo PIS/COFINS e CSLL, a despeito de haver no Congresso diversos projetos propondo tal isenção.

Na saúde, conforme registra Médici (2011)5, houve descontinuidade de importantes políticas de ampliação de atenção à saúde dos mais pobres. Entre 1992 e 2002 a cobertura do Programa Saúde da Família expandiu-se a uma taxa anual de 25,5%, depois, entre 2002 e 2009, essa taxa reduziu-se para 8% a.a.. A mesma desaceleração foi verificada no Programa de Agentes Comunitários de Saúde, que crescia a 72,6% ao ano entre 1994 e 2002 e desacelerou para 2,5% ao ano no período 2002-2009.

Também foi interrompido o processo de organização da rede de atendimento ambulatorial de forma regionalizada. Por esse meio, postos de atendimento básico filtravam os pacientes mais graves para unidades capacitadas para atendimento mais complexo, geridas pelos estados e cobrindo vários municípios. O sistema regrediu para o modelo anterior de hospitais municipais pequenos, sem economia de escala, baixa capacidade operacional e alta ociosidade.

Pouca ênfase foi dada às experiências de gestão hospitalar por Organizações Sociais, em contratos de gestão mais flexíveis que, comprovadamente, reduzem o custo e aumentam a resolutividade e qualidade dos atendimentos.

Ainda na saúde interrompeu-se a implantação do Cartão SUS, que agregaria qualidade ao atendimento, ao armazenar o histórico clinico dos pacientes. Ao mesmo tempo, o Cartão permitiria a criação de uma câmara de compensação financeira, para que os estados e municípios que prestassem o atendimento fossem por ele remunerados, além de permitir a cobrança, junto a planos de saúde, pelo atendimento de seus clientes que viessem a ser atendidos pelo SUS.

Tais medidas, se levadas adiante, reduziriam a iniquidade no atendimento à saúde, melhorariam a gestão, a produtividade e a qualidade dos serviços prestados. Em última instância, elevariam a capacidade laboral do trabalhador, sua produtividade e as perspectivas de crescimento da economia.

Ou seja, com políticas mais focadas na população pobre teria sido possível diminuir a pobreza e a desigualdade de forma mais intensa do que realmente aconteceu. Esse tipo de aperfeiçoamento da política social se torna cada vez mais importante, pois há motivos para se crer que o atual conjunto de política tende a ter menor efeito sobre a desigualdade nos próximos anos, uma vez que os resultados mais fáceis já foram obtidos. Isso porque:

a) o Bolsa Família e os demais programas sociais estão próximos de esgotar o seu processo de expansão (praticamente toda clientela elegível já é atendida pelos programas) e só continuarão a ter efeito redistributivo se houver aumento real no valor dos benefícios, o que se defronta com a delicada situação fiscal do país;

b) o processo de elevação do valor real do salário-mínimo parece já ter chegado a um ponto de esgotamento, tanto por produzir aumentos artificiais de salários, reduzindo a competitividade das empresas, quanto pela pressão que exerce nas contas públicas via previdência social.

c) Segundo Ferreira et al (2013)6, 32% da população brasileira, em 2009, podia ser classificada como “vulnerável”. Essas pessoas deixaram de ser pobres, mas têm razoável chance de voltar a sê-lo. Uma desaceleração da economia pode levar parte desse grande contingente de volta à pobreza, com possível ampliação dos  índices de desigualdade.

Para evitar que a desigualdade e a pobreza parem de cair é preciso ir além dos ajustes nas políticas sociais referidos ao longo desse texto (inclusive nos setores de saúde e saneamento). Deve-se fazer uma reforma da previdência social que, ao mesmo tempo, reduza a iniquidade daquele sistema e promova ajuste estrutural das contas públicas, o que elevará a poupança agregada e, consequentemente, o potencial de crescimento da economia. Portanto, a reforma da previdência combinaria queda de desigualdade com aumento do crescimento.

Da mesma forma, é fundamental dar prioridade à melhoria da qualidade da educação que é o meio mais garantido de gerar, simultaneamente, redução de desigualdade e crescimento econômico no longo prazo. A oferta de educação de qualidade faz com que o futuro das crianças deixe de depender do nível sócio-econômico dos pais. Um sistema educacional equitativo cria igualdade de oportunidades e promove mobilidade social de uma geração para outra. Sem investimentos em educação as famílias podem até melhorar de vida, mas seus horizontes estarão limitados pelo histórico familiar, pois as suas oportunidades de educação tendem a ser similares ou pouco melhores do que as que seus pais tiveram.

Políticas públicas e reformas que combinem redução da desigualdade com remoção de barreiras ao crescimento devem ser as prioridades governamentais.

__________

1 IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013

2 Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

3 IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

4 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2013. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

5 Médici, A. (2011) Propostas para Melhorar a Cobertura, a Eficiência e a Qualidade no Setor Saúde. In: Bacha, E.L. e Schwartzman, S. (Orgs.) Brasil: a nova agenda social. LTC editora.

6 Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2041 3
A desigualdade de renda parou de cair? (Parte II) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2021&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-ii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2021#comments Mon, 21 Oct 2013 11:58:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2021 No texto publicado na semana passada chamou-se atenção para o fato de que o Índice de Gini de distribuição de renda no Brasil parou de cair em 2012, interrompendo uma trajetória descendente que vem desde meados dos anos 90. Pode ser que isso seja apenas um dado isolado, que não revele uma nova tendência de interrupção da queda da desigualdade. Mas também pode ser um sinal de que os fatores que levaram à queda da desigualdade estão se estagnando. Isso seria preocupante, pois a desigualdade no Brasil ainda é alta.

A literatura especializada já vem apontando há alguns anos que será cada vez mais difícil manter a redução da desigualdade1. Para sabermos o motivo, é preciso entender quais foram as causas da queda recente da desigualdade.

Esse texto vai se concentrar nos fatores que afetam a desigualdade no mercado de trabalho. Na próxima semana serão analisadas as políticas sociais do governo.

I – A mudança no perfil de demanda de mão-de-obra

A forte queda da desigualdade não ocorreu apenas no Brasil. Como mostram inúmeros estudos, entre eles o artigo Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America2, houve generalizada queda de pobreza e desigualdade na maioria dos países da América Latina. O estudo mostra que, dos 17 países estudados, nada menos que 12 tiveram significativa queda de desigualdade.

Essa causa comum parece ser o boom no mercado internacional de commodities, que favoreceu todos os países da região, tipicamente exportadores desse tipo de mercadoria. Esse boom ocorreu exatamente a partir de 2002/2003, quando a desigualdade começou a cair de forma mais intensa. Mas qual seria o mecanismo que transformaria os ganhos no comércio internacional em redução da desigualdade?

Em primeiro lugar é preciso ficar claro que o aumento de preços no mercado internacional dos produtos exportados pela América Latina e a queda dos preços dos produtos de alta tecnologia por ela importados aumentou fortemente o poder de compra dos países da região. Para que se tenha ideia da dimensão desse fenômeno, basta notar quem em 2005 um navio carregado de minério de ferro tinha valor equivalente a 2.200 TVs de tela plana, em 2010 a mesma carga valia o equivalente a 22.000 TVs3.

Mas como esse maior poder de compra passou da mão dos exportadores para o restante da população? E como gerou redução da desigualdade de renda?

A maior renda obtida com exportações ativa a economia como um todo. Passa a haver, por exemplo, maior disponibilidade de divisas, a taxa de câmbio valoriza-se, e as empresas podem importar mais máquinas e equipamentos, enquanto os consumidores podem consumir bens importados a custo menor. As empresas exportadoras depositam seus superávits financeiros nos bancos, que emprestam os recursos para outros setores da economia, aumentando a taxa de investimento e crescimento. O maior investimento aumenta a taxa de crescimento e a demanda por trabalhadores.

Os ganhos nas relações de troca internacional são, portanto, uma bênção, e devem ser aproveitadas ao máximo pelo país. No entanto, embora aumentem a renda e a poupança disponível para financiar investimentos, eles não são suficientes para desencadear o desenvolvimento de todos os setores da economia.

Isso porque o Brasil (assim como boa parte dos países latino-americanos) tem diversos outros problemas que retiram competitividade da economia: a infraestrutura de transportes e comunicações é ruim; a energia é cara; a economia é fechada à concorrência internacional e à importação de insumos e serviços de qualidade; o grau de instrução da mão-de-obra é baixo; o sistema tributário é pesado e distorce os preços; a regulação econômica e a defesa da concorrência são frágeis. Por todos esses motivos o Brasil não consegue competir com outros países no mercado de bens e serviços mais sofisticados.

Quando vem um estímulo externo como o boom de commodities, os setores da economia brasileira que conseguem crescer são aqueles ligados aos serviços de menor conteúdo tecnológico. Esses setores tendem a contratar trabalhadores pouco qualificados. Com maior procura por trabalhadores pouco qualificados, os salários desse grupo cresceram em relação aos demais trabalhadores: daí a redução nas desigualdades salariais.

O raciocínio é o seguinte: o boom de commodities provocou a valorização das moedas dos países exportadores desses produtos, enquanto o aumento da renda se refletiu em maior consumo. Com um câmbio valorizado, o consumo de bens industrializados, disponíveis no mercado internacional (chamado de “bens comercializáveis”), passou a ser atendido por importações, como as TVs de tela plana do exemplo acima. Elas mais baratas e de melhor qualidade que os bens industriais produzidos nos países latino-americanos que, devido aos problemas de má infraestrutura e outros acima listados, não têm produtividade e competitividade para competir com os importados).

Já o aumento do consumo de bens não disponíveis no mercado internacional (serviços em geral, construção civil, produtos perecíveis) –  conhecido como “não-comercializáveis” – teve que ser atendido pelos produtores internos. Isso fez o preço dos serviços e demais bens não comercializáveis disparar em relação ao preço dos bens importados. O preço dos bens importados não subiu, pois o aumento de demanda pode ser atendido por importações crescentes. Já o preço dos bens e serviços não disponíveis para importação subiu, porque a oferta ficou limitada ao que é produzido dentro do país, não dando conta de atender a expansão da demanda.

Ocorre que o setor de serviços utiliza majoritariamente trabalhadores menos qualificados e de menor escolaridade que a indústria. Ou seja, subiu a demanda por trabalhadores menos qualificados no mercado de trabalho e caiu (ou cresceu mais lentamente) a demanda por trabalhadores mais qualificados. Adicionalmente, o próprio setor de commodities, em especial, das commodities agrícolas, é intensivo em mão de obra de menor qualificação. Em consequência, elevaram-se os salários dos menos qualificados em relação aos mais qualificados.

Os países latino-americanos, e o Brasil em particular, criaram mais empregos de balconista, cabeleireiro, trabalhador rural e atendente de call center, e menos vagas de operadores de equipamentos industriais robotizados, designers ou especialistas em telecomunicações.Isso explicaria a redução das desigualdades salariais no mercado de trabalho e a desigualdade de renda.

Note-se que tal distorção não é “culpa” do setor de commodities que, na verdade, é competitivo e gera grande benefício ao país. O problema está na má infraestrutura, no fechamento da economia à competição internacional, no sistema tributário caótico, na frágil regulação de setores oligopolizados, etc. Países como Canadá, Estados Unidos e Austrália, fortes exportadores de commodities, não sofrem o mesmo problema de competitividade do Brasil, pois têm políticas de comércio exterior mais aberta, melhor regulação, melhor infraestrutura, etc.

A história contada acima indica que a queda da desigualdade não é portadora apenas de boas notícias. Ela pode ser sintoma da incapacidade da economia de desenvolver setores de maior tecnologia e maior sofisticação. Com isso, o país perde empregos no segmento mais competitivo. Graças ao boom de renda vindo do exterior, esses empregos são substituídos por outros, menos produtivos, concentrados nos serviços de menor sofisticação. No curto prazo, observamos queda de desigualdade. Mas no longo prazo observaremos menor capacidade de crescimento econômico.

E o que é pior, como o ganho de renda vindo das commodities está fora do controle do governo, por ser determinado no mercado internacional, a reversão dessa tendência pode fazer murchar também o ímpeto do setor de serviços, o que fará com que o baixo crescimento passe a ser acompanhado, também, da interrupção da queda da desigualdade.

Esse pode ser um fator por trás da interrupção da queda da desigualdade em 2012 em relação a 2011. Ao decompor as fontes de variação desse índice, IPEA (2013) constata que no período 2011-2012 as rendas do trabalho deixaram de ser um fator de queda da desigualdade tendo, pelo contrário, levado a pequeno aumento do indicador.

Ou seja, a redução da desigualdade nas remunerações no mercado de trabalho, que foi o carro chefe da queda da desigualdade no período 2002-2011, não ocorreu em 2011-2012. Esse pode ser um indicador de que a dinâmica da expansão dos serviços esteja se esgotando. O fato de que os ganhos de renda vindo das commodities estão se estabilizando pode ser uma das causas dessa reversão.

Esse tipo de raciocínio ajuda a entender também porque a desigualdade não teria caído fortemente ao longo da década de 1990. Em primeiro lugar, porque naquele período, em vez de um choque favorável nos preços das commodities, o mercado internacional impunha ao Brasil e à América Latina um ambiente instável de crises financeiras internacionais e aumentos de juros, que reduziam a renda dos países da região.

Em segundo lugar, houve no Brasil uma série de reformas favoráveis ao crescimento econômico, tais como as privatizações e a abertura comercial com o exterior, que permitiram a entrada de tecnologias de ponta no país. Em um primeiro momento, essas reformas tendem a ter efeito concentrador de renda: elas aumentam a demanda por trabalho mais qualificado em áreas de maior tecnologia (basta imaginar a quantidade de novos engenheiros decorrente da expansão das telecomunicações nos anos 90). Porém, no longo prazo elas abrem caminho para a geração de empregos e o crescimento econômico, espalhando o benefício por toda a economia. Tome-se como exemplo os ganhos de renda que pequenos agricultores e profissionais autônomos tiveram a partir da disponibilidade de telefones celulares.

Em suma, parte significativa da queda da desigualdade a partir de 2002 “caiu do céu”: um presente para a América Latina, sob a forma de alta nos preços das commodities. Esse presente se converteu em queda da desigualdade devido, em parte, à incapacidade dos países da região, e do Brasil em particular, em oferecer às empresas condições de competitividade (infraestrutura, sistema tributário adequado, etc.), o que levou a expansão da economia a ser conduzida pelo setor de serviços de menor conteúdo tecnológico, menos produtivo e demandante de mão-de-obra menos qualificada. Nesse sentido, a queda da desigualdade seria um subproduto positivo gerado por uma fragilidade econômica do país.

II- A mudança no perfil de oferta da mão-de-obra

Outro fator de redução da desigualdade, que também parece ter atuado no sentido de reduzir as diferenças de remuneração no mercado de trabalho, foi o aumento da escolaridade da população. De fato, a média de anos de estudo da população brasileira subiu bastante desde meados da década de 1980. Entre 1950 e 1980 a média de anos de estudo no país cresceu apenas 1,07 anos, passando de 1,5 anos para 2,57 anos. Entre 1980 e 2010 houve crescimento contínuo e um salto de quase 5 anos na média, que passou a ser de 7,55.4

Essa maior quantidade de trabalhadores com mais escolaridade aumentou a oferta de trabalho qualificado e diminuiu a oferta de trabalho pouco qualificado (na suposição de que a escola pública agrega alguma qualificação efetiva ao trabalhador, apesar da sua baixa qualidade). Em consequência, aumentou o preço do trabalho menos qualificado (agora mais escasso) e caiu o preço do trabalho mais qualificado (agora mais abundante).

Note-se que o nível geral de educação (tanto em termos de anos de estudo quanto em termos da qualidade dessa educação) ainda é bastante baixo no país. Mas a evolução observada  teria sido suficiente para amenizar as fortes desigualdades de remuneração no mercado de trabalho.

Ocorre que os ganhos mais fáceis, obtidos pela simples inclusão das crianças na escola, já foi obtido. Daqui para frente, para que o aumento de escolaridade continue a pressionar para baixo a desigualdade e a pobreza, serão necessários avanços na melhoria da qualidade do ensino e aumento na taxa de escolarização de jovens, visto que o ensino fundamental já está universalizado desde meados da década de 1990.

Em especial, é preciso avançar em quantidade e qualidade no ensino médio. Como chama atenção Fernando Veloso em entrevista à Folha de S. Paulo5, ainda é baixo o percentual de jovens entre 15 e 17 anos frequentando a escola (84% segundo a PNAD 2012) e o currículo do ensino médio é ruim e divorciado da necessidade das empresas. Os jovens não chegam ao mercado de trabalho equipados para lidar com procedimentos intensivos em alta tecnologia. Isso significa que uma retomada do crescimento pode levar ao aumento da desigualdade, pois aumentará a demanda por trabalho mais qualificado, e os jovens mais pobres não têm tal qualificação, que não lhes é provida pela escola pública.

Lustig et al (2013) chegam a levantar a hipótese de que parte da queda do diferencial de salários entre pessoas com maior e menor escolaridade vem da deterioração da qualidade do ensino médio. Dado que o conteúdo aprendido pelos alunos desse nível de ensino não teria serventia para as empresas, elas se tornariam indiferentes entre contratar pessoas com ou sem ensino médio completo.

III – O papel do salário-mínimo

Um terceiro mecanismo que pode estar por trás da queda da desigualdade de salários no mercado de trabalho é a ativa política de elevação do valor real do salário-mínimo, perseguida pelo governo desde o segundo mandato de FHC, com intensidade acentuada a partir do primeiro governo Lula.

O salário-mínimo na década de 1990 era muito baixo e havia espaço para a sua elevação, sem prejudicar a rentabilidade das empresas. Porém, após seguidos anos de elevação acima da inflação, o salário-minimo real de 2013 é quase o dobro do seu valor em 1995.

É sabido que o salário-mínimo funciona como uma referência para a fixação de remunerações na base da pirâmide salarial. É comum tomá-lo como referência e reajustar remunerações superiores ao mínimo pelo mesmo índice de correção deste. O resultado é que variações no mínimo impactam fortemente salários maiores que o mínimo e, em cadeia, promovem aumentos das remunerações mais baixas.

Se por um lado isso reduz a desigualdade de remunerações (e faz a desigualdade no país cair), por outro lado acaba afetando o custo do trabalho para as empresas, que perdem lucratividade e competitividade.

A redução da desigualdade no curto prazo, por meio da elevação do salário-mínimo, se faz à custa de perdas de oportunidade de crescimento e geração de renda para todo o país no médio e longo prazos. Mais uma vez temos uma situação em que a queda da desigualdade não é apenas portadora de boas notícias. Há que se considerar, ainda, a possibilidade de os efeitos adversos do salário mínimo sobre a geração de emprego e estímulo ao investimento anularem o efeito redistributivo do aumento da remuneração daqueles que permanecerem empregados.

IV – A desigualdade parou de cair?

Tendo em vista os três fatores acima analisados (mudanças na demanda e na oferta de mão-de-obra e elevação real do salário-mínimo), cabe perguntar se eles continuarão a pressionar a desigualdade para baixo nos próximos anos.

Como já antecipado acima, o papel do boom de commodities sobre a demanda de mão-de-obra tende a arrefecer em função do esfriamento de tal mercado. Ademais, há que se levar em conta que esse não é o melhor caminho para se reduzir a desigualdade, afinal ele passa pela desindustrialização do país e pelo aumento de importância de setores de baixa produtividade, o que reduz o potencial de crescimento e geração de renda futura. Obviamente não se está sugerindo que o governo desestimule a exportação de commodities ou subsidie o setor industrial. O melhor a fazer é aproveitar o bom momento da economia internacional, porém consciente de que é preciso melhorar as condições de produção do Brasil, por meio de expansão da infraestrutura, melhoria na qualidade da educação, controle dos gastos públicos, racionalização do sistema tributário, entre outras medidas que aumentem a produtividade e viabilizem a diversificação da produção no Brasil, aumentando seu conteúdo tecnológico e diminuindo nossa dependência em relação ao comércio internacional de commodities.

Já do lado da oferta de trabalho, a maior escolaridade só continuará a reduzir a desigualdade se houver progressos na melhoria da qualidade da educação; em especial no ensino médio.

No que se refere ao papel do salário-mínimo, é preciso considerar que a política de elevação desse salário acima da inflação tem forte impacto sobre as despesas do governo. Em especial, sobre as contas da previdência social, cujos benefícios são indexados àquela remuneração básica. Assim, parece que em função de esgotamento fiscal não será possível manter tal política por muito tempo, a menos que se jogue para o alto qualquer intenção de manter o equilíbrio fiscal e a inflação sob controle. Mas se a inflação voltar, certamente o quadro distributivo se deteriorará, pois como todos sabem, a inflação é fortemente concentradora de renda.

Ainda que fosse possível aguentar por mais alguns anos o peso fiscal dos reajustes do salário-mínimo, seria preciso julgar se essa seria a melhor opção, tendo em vista as distorções introduzidas no mercado de trabalho, em especial o desestímulo à contratação de pessoal pouco qualificado, cuja produtividade tende a ser inferior ao salário-mínimo.

Em suma, não se pode dizer, ainda, que a parada na queda do Índice de Gini observada em 2012 é uma nova tendência de estabilidade da desigualdade, mesmo porque outros indicadores mantêm a tendência de queda. Mas não faltam motivos para se acreditar que isso seja possível. Ademais, o texto procurou deixar claro que a queda da desigualdade pode não ser portadora apenas de boas notícias. Ela pode ser resultado de fragilidades e desajustes econômicos que têm como custo a menor capacidade de crescimento e de geração de emprego no futuro.

____________

1 O presente texto está baseado nas seguintes referências bibliográficas:

Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. Banco Mundial. Policy Research Working Paper nº 6552, julho de 2013.

Banco Mundial (2012). The Labor Market Story behind Latin America’s Transformation.

Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

Azevedo et all (2013) Fifteen Years of Inequality in Latin America. Banco Mundial, Policy Research Working Paper 6384.

Barros, R.P. et al (2009) Markets, the State and the Dynamics of Inequality: Brazil’s case study. UNDP. Research for Public Policy Inclusive Development 14-2009.

Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

Lustig, N. et al (2011) The Decline in Inequality in Latin America: How Much, Since When and Why. Tulaine Economics Working Paper Series 1118.

Banco Mundial (2011) A Break of History: Fifteen Years of Inequality Reduction in Latin America.

IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013.

2 Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. Banco Mundial. Policy Research Working Paper nº 6552, julho de 2013.

3 http://www.smh.com.au/business/world-business/heavenly-ironore-prices-bound-for-purgatory-as-china-reforms-20130730-2qvoz.html. Agradeço a Marcos Kohler pela indicação dessa estatística comparativa.

4 Fonte: Barro, R. e Lee, J-W (2010) A New Dataset of Educational Attainment in the World, 1950-2010. NBER Working Paper, nº 15.902.

5 “Desigualdade pode voltar a crescer, diz pesquisador” – Folha de S. Paulo, 12/10/2013.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2021 5
A desigualdade de renda parou de cair? (Parte I) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2010&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-i https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2010#comments Wed, 16 Oct 2013 15:16:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2010 O governo tem comemorado, ano após ano, a redução da desigualdade de renda no país. O Índice de Gini, uma das formas de mensurar tal desigualdade, tem caído sistematicamente desde o início da década de 2000, como pode ser visto no Gráfico 1. Criou-se um forte discurso oficial em torno da melhoria desse indicador: política social inclusiva, entrada dos pobres na classe média, expansão da classe C, crescimento da renda dos mais pobres em ritmo chinês, etc. Não seria exagero dizer que a queda da desigualdade é um dos carros-chefes da popularidade dos presidentes Lula e Dilma.

Usar o Índice de Gini tem sido muito útil para fins de propaganda oficial, pois a queda da desigualdade, medida por esse índice, aproximadamente coincide com a entrada do Partido dos Trabalhadores no governo. Essa coincidência temporal se torna uma importante ferramenta de propaganda do tipo “antes” e “depois”. Mostra-se o Gráfico 1 e fala-se: antes de o PT entrar no governo a desigualdade não se mexia; depois que o PT entrou no governo a desigualdade começou a cair.

Gráfico 1 – Evolução da Desigualdade de Renda no Brasil (Índice de Gini para a renda domiciliar per capita): 1977-2012

A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2012, contudo, traz um dado preocupante. Pela primeira vez em mais de dez anos não há redução no Índice de Gini, que ficou praticamente estagnado. Em 2011 registrou o valor de 0,527 e em 2012 ficou em 0,526, como pode ser visto no Gráfico 1.

Em anos anteriores, quando o Índice de Gini caía fortemente, o governo se apressava a divulgar a boa nova, por meio de comunicados técnicos. Mais recentemente essa tarefa tem ficado a cargo do IPEA que, em 2012, analisando o resultado da PNAD 2011, publicou o Comunicado nº 155 (A Década Inclusiva: desigualdade, pobreza e políticas de renda), que centrou toda sua análise da evolução da desigualdade no Índice de Gini, comemorando os resultados virtuosos.

Curiosamente, agora que tal índice parou de cair, o IPEA mudou seu enfoque. No novo documento Comunicado IPEA nº 159 (Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela PNAD/IBGE), aquele órgão técnico coloca a análise do Índice de Gini em segundo plano, e passa a avaliar outras medidas de desigualdade que, ao contrário do Gini, continuaram a cair em 2012.

O IPEA passa a olhar para outros índices, como o de Theil ou a razão de 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres, que apresentaram queda de 2011 para 2012. Com base nisso, passa a adotar um tom otimista, de que a desigualdade continuou a cair e o sol continua a brilhar.

Não há nenhum problema em se avaliar a evolução de vários índices para se aferir com mais certeza a trajetória da desigualdade. Ademais, o fato de o Índice de Gini ter se estabilizado em um ano não quer dizer que ele não volte a cair mais adiante.

Contudo, ao adotar índices alternativos, o governo perde o discurso de que a desigualdade começou a cair quando o PT chegou ao poder, pois os demais índices de desigualdade já estavam caindo desde pelo menos meados da década de 1990. O Gráfico 2 mostra que entre o início e final dos anos 1990 houve uma queda significativa no Índice de Theil, e não tão acentuada no Índice de Gini. Além disso, já a partir dos últimos anos daquela década observa-se uma nítida tendência de queda para o Índice de Theil, e uma não tão nítida tendência de queda para o Gini.

Outro problema que distorce os resultados é escolher um ano base inadequado para comparação. Especificamente, o Comunicado Ipea usou o ano de 1992 como base para o cálculo da evolução da desigualdade no período pré-PT (vide Tabela 3, à pg. 11 do Comunicado IPEA nº 159). Com isso, aquele documento argumenta que a desigualdade teria crescido antes de 2003.

Ocorre que, como pode ser visto nos Gráficos 2 e 3, abaixo, o ano de 1992 representou um ponto de abrupta queda em todos os indicadores de desigualdade (vide pontos indicados por uma seta nos gráficos abaixo), que logo no ano seguinte voltou a subir.

Assim, se tomarmos 1992 e compararmos com 2002, teremos a impressão que houve aumento da desigualdade no período 1992-2002, como quer fazer crer o documento do IPEA, pois em 1992 ela era muito baixa. Mas 1992 não é um ponto representativo. Se mudarmos a base de comparação para o ano seguinte (1993) veremos que a desigualdade, em vez de subir, teve expressiva queda na comparação de 1993 com 2002 em todos os quatro índices apresentados nos Gráficos 2 e 3.

Usar o ano de 1992 como base leva, portanto, à errônea conclusão de que a desigualdade não caiu até 2002, antes de o PT chegar ao poder.

Gráfico 2 – Índices de Desigualdade no Brasil: Gini vs. Theil (1981-2009)

Gráfico 3– Índices de Desigualdade no Brasil: Razão entre 10% mais ricos e 40% mais pobres vs. Razão 20% mais ricos e 20% mais pobres (1981-2009)

Mas, por que não devemos utilizar 1992 como ano base? As melhores práticas nos ensinam que não se deve usar um ponto atípico como base de comparação. Nota-se, nos dois gráficos acima, forte oscilação das diferentes medidas de desigualdade ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Isso parece ser resultado de erros de medida na estatística. Com a inflação em níveis elevadíssimos, ficava difícil mensurar com precisão a renda das pessoas, em uma pesquisa como a PNAD que simplesmente pede aos entrevistados que lembrem, de cabeça, qual a sua renda no mês de referência. Como para 1992 a desigualdade é significativamente inferior à dos anos que o antecederam e que o sucederam, sem haver qualquer fator real que nos levasse a justificar sua queda, reforça-se a hipótese de erro de mensuração.

A Tabela 1, abaixo, coloca a questão em números. Ela mostra que na comparação de 1992 com 2002, todos os índices de desigualdade subiram, a exceção da relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, com o que o IPEA conclui que a desigualdade antes de o PT assumir o governo estava em tendência de alta.

Porém, se mudarmos a base de comparação para 1993 veremos que a desigualdade caiu em todos os índices.

Tomar como base um ano atípico, dentro de um período cuja estatística tem baixa qualidade, parece ser um procedimento pouco ortodoxo. Por isso, nem 1992, nem 1993, são bases adequadas de comparação. O mais prudente é tomar como base um ano após o fim da hiperinflação. Assim, a Tabela 1 adota como bases tanto o ano de 1995, quanto o de 1996. Nos dois casos temos que, para todos os índices, a desigualdade era menor em 2002 do que nos respectivos anos de comparação.  Note, ainda, que, coincidentemente, o Índice de Gini, até recentemente o preferido do governo, foi justamente aquele que menos melhorou antes de 2002.

Tabela 1 – Variação nos índices de desigualdade de renda em diferentes períodos de comparação

É verdade que a queda da desigualdade foi mais intensa a partir de 2002/2003 do que no período anterior. Isso não se discute. Porém tal queda não foi integralmente decorrente de políticas do governo. Segundo cálculos do próprio IPEA, a dinâmica da economia privada, em grande parte impulsionada pela alta internacional no preço das commodities, foi responsável por mais da metade da queda da desigualdade. Ademais, quando as políticas de governo influenciaram na queda da desigualdade, criaram efeitos colaterais negativos, reduzindo o crescimento da economia.

Esse, porém, é um assunto que será tratado em outro texto, a ser publicado na próxima semana.

Por ora, resta lamentar que, diante da importância do Índice de Gini para avaliar a distribuição de renda, o Comunicado nº 159, do IPEA, não tenha analisado se a estagnação daquele índice é um sinal preocupante ou se está ocorrendo somente um simples desvio de percurso Lamenta-se também a mudança de enfoque, do Índice de Gini para outros indicadores de distribuição de renda, com o uso de uma base de comparação conveniente à conclusão que se desejava chegar. Isso só reforça a hipótese de que tal mudança foi motivada para sustentar o discurso político do governo.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2010 11
O Programa Bolsa Família incentiva a fecundidade no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=821&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-programa-bolsa-familia-incentiva-a-fecundidade-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=821#comments Mon, 07 Nov 2011 10:48:35 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=821 O valor recebido pelas famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF) cresce à medida que aumenta o número de crianças e adolescentes da família. Pelos valores praticados em 2011, temos que uma família em extrema pobreza recebe o benefício básico de R$ 70,00. Para cada criança ou adolescente de até quinze anos, a família recebe um adicional de R$ 32,00, conhecido como “benefício variável”. Cada família pode receber até três benefícios variáveis. Ou seja, uma família que tenha três ou mais membros com até quinze anos receberá 70 + 3*32 = R$ 166,00. Há, ainda, o benefício variável vinculado ao adolescente: as famílias que têm um adolescente entre 16 e 17 anos recebem mais R$ 38. São pagos, no máximo, dois benefícios dessa espécie por família, o que elevaria o valor máximo da bolsa a R$ 166,00 + 2*38 = R$ 242

Surge, então, a pergunta: será que o benefício variável pago para cada criança adicional estimula as famílias beneficiárias do PBF a ter mais filhos? Para responder a essa questão precisamos avaliar como tem evoluído a taxa de fecundidade no Brasil, bem como consultar diversos estudos que buscaram medir o impacto do PBF sobre essa taxa.

A fecundidade feminina no Brasil vem caindo continuamente desde os anos sessenta. A Taxa de Fecundidade Total (TFT) era de 6,3 filhos por mulher em 1960, caiu para 5,8 filhos em 1970, 4,4 filhos em 1980, 2,9 filhos em 1991, 2,4 filhos em 2000 e cerca de 1,9 filho em 2010, segundo os censos demográficos do IBGE.

A taxa de fecundidade caiu em todas as Unidades da Federação. Os Estados da região Norte tinham fecundidade acima de 8 filhos por mulher em 1970, caindo para cerca de 3 filhos em 2000. Os Estados da região Nordeste tinham fecundidade de 7,5 filhos por mulher em 1970, passando para 2,7 filhos em 2000. As demais regiões tinham fecundidade mais baixa em 1970 e chegaram a uma taxa próxima ao nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher) na virada do milênio.

Durante a primeira década do século XXI a fecundidade continuou caindo em todo o País e chegou abaixo do nível de reposição na maioria dos Estados brasileiros, sendo que o Rio de Janeiro apresentou a menor TFT, de 1,6 filho por mulher em 2009. Segundo Faria (1989), as políticas públicas de saúde, previdência, crédito e telecomunicações tiveram papel importante na queda da fecundidade no Brasil. As mudanças estruturais e institucionais do país possibilitaram a reversão do fluxo intergeracional de riqueza, aumentando o custo e reduzindo os benefícios dos filhos (Alves, 1994).

As taxas de fecundidade são mais baixas para os segmentos da população urbana, de maior renda, de maior escolaridade, ou seja, de maior inclusão social no Brasil. O tamanho das famílias é menor nos segmentos populacionais que possuem informações e acesso aos serviços de saúde (públicos ou privados) e, em particular, aos serviços de saúde reprodutiva. Para as mulheres de maior renda e maior nível educacional a taxa de fecundidade está em torno de 1 (um) filho por mulher, o que quer dizer que cada casal deste segmento social está gerando apenas a metade das pessoas necessárias para se repor.

Já as parcelas da população com menores níveis de renda e escolaridade possuem taxas de fecundidade mais elevadas. Mas estas taxas também estão caindo. O segmento social composto pelos 20% mais pobres da população tinha fecundidade de 5 filhos por mulher em 1992 e passou para 3,4 filhos por mulher em 2009. Este é o segmento que faz parte do público alvo do Programa Bolsa Família. Portanto, a fecundidade da população mais pobre do Brasil é mais elevada do que a média nacional, mas não é uma “fecundidade africana” (como retrata certos setores da mídia brasileira) e sim uma fecundidade relativamente baixa e em declínio.

Desta forma, os dados indicam que as taxas de fecundidade da população mais pobre do Brasil caíram na última década. Este fato, já é um indício de que o Programa Bolsa Família (PBF), em vigor desde 2004, não parece ter efeitos pró-natalistas, como é o temor de alguns. Os números e as contas vão ficar mais claras quando o IBGE publicar os dados definitivos do censo demográfico 2010. Porém, já existem estudos indicando que o PBF não tem o efeito prático de aumentar a fecundidade no Brasil.

Stecklov et al. (2006), analisando outros programas, que não o PBF, argumentam que há um estímulo pró-natalista nas políticas de transferência de renda, quando a quantidade de recursos transferidos aos beneficiários depende do tamanho da família. Os programas analisados por esses autores foram: Progresa no México, Rede de Proteção Social (RPS) na Nicarágua e Programa de Assistência Familiar (PRAF) em Honduras. Os autores afirmam que o desenho – intencional ou não-antecipado – dos dois primeiros não apresenta estímulo pró-natalistas, enquanto o terceiro geraria estímulo natalistas que dificultam o combate à pobreza.

No documento fundador do Progresa está marcado explicitamente o objetivo de se evitar “fomentar famílias muy extensas”. Já o PRAF, de Honduras, possibilita o aumento de benefícios e a entrada no programa com o aumento do número de filhos.

O Programa Bolsa Família (PBF) tem um desenho parecido com o PRAF de Honduras. Os benefícios do PBF crescem até 5 filhos, sendo 3 crianças de 0-15 anos e até 2 adolescentes de 15 a 17 anos. Assim, teoricamente, o programa de transferência de renda do Brasil teria um desenho pró-natalista.

Contudo, estudos acadêmicos mostram que, na prática, o Programa Bolsa Família não tem provocado o aumento do número de filhos das famílias beneficiadas. Romero Rocha (2009) investiga os incentivos à fecundidade dos programas condicionais de transferência de renda, nos quais a quantidade de recursos transferidos depende do tamanho da família. Usando uma metodología econométrica ele mostra que o PBF não tem provocado o aumento da fecundidade da população pobre no Brasil.

Patrícia Simões e Ricardo Soares (2011) não encontram efeitos pró-natalistas no PBF. Bruna Signorini e Bernardo Queiroz (2011) utilizam dados das PNADs 2004 e 2006 para observar o efeito médio do programa nos beneficiários do PBF, utilizando a metodologia do escore de propensão para identificar os grupos de tratamento e controle. Os resultados encontrados pelos autores indicam que não há impacto significativo do recebimento do BF na decisão de ter filhos.

Alves e Cavenaghi (2011), com base na pesquisa “Impactos do Bolsa Família na Reconfiguração dos Arranjos Familiares, nas Assimetrias de Gênero e na Individuação das Mulheres”, realizada na cidade do Recife em 2007/2008, mostram que não existe diferença significativa no comportamento reprodutivo entre as mulheres que vivem em famílias cadastradas no CadÚnico[1] beneficiadas e não beneficiadas pelo PBF. Embora haja uma tendência de as famílias beneficiadas terem uma fecundidade ligeiramente maior, assim como uma proporção um pouco maior de mulheres com 3 ou mais filhos (22,7% contra 16,4% das não-beneficiárias), o fato é que o maior número de crianças tende a reduzir a renda per capita, aumentando a probabilidade das famílias se tornarem elegíveis aos benefícios do Programa. Dessa forma, a causalidade entre número de filhos e beneficiados pelo PBF seria inversa. A mulher não tem mais filhos porque passou a receber o PBF, mas sim o contrário: por ter mais filhos, e, com isso, reduzir a renda per-capita familiar, a mulher se credencia a participar do PBF.

Fazendo um breve resumo da pesquisa, observa-se que apenas 8,4% (beneficiárias do Cadúnico) e 25,1% (não beneficiárias) das adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos, cadastradas no Cadúnico, não tinham filhos, enquanto a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS -2006) indicou um número de 84% de mulheres sem filhos nesta faixa etária no Brasil. No Recife, 50% (beneficiárias) e 33,3% (não beneficiárias) das adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos, em famílias do CadÚnico, já tinham tido um ou dois filhos, respectivamente, contra apenas 14% (beneficiárias) e 0,2% (não beneficiárias) do conjunto de mulheres do país que responderam à PNDS-2006. Isto mostra que o padrão de fecundidade é muito jovem e que a maternidade faz parte da vida cotidiana da maioria absoluta das adolescentes e jovens pobres do Recife.

A fecundidade mais elevada entre a população pobre, menos escolarizada, com menor nível de consumo e piores condições habitacionais é uma realidade constatada em todas as pesquisas sobre o comportamento reprodutivo no Brasil. A literatura mostra que, em grande parte, esta maior fecundidade se deve à falta de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, mas também acontece devido à falta de perspectivas profissionais e educacionais, assim como de um projeto de vida que possibilite o progresso cultural e material destas mulheres.

Os dados da pesquisa também mostram que é alta a percentagem de mulheres que engravidaram sem ter planejado segundo a participação ou não no PBF. De certa forma, isto ratifica a hipótese de que estas mulheres estão no programa porque tiveram filhos e não o contrário, isto é, tiveram filhos porque estão no Programa.

O survey mostrou ainda que mais da metade das famílias obtém os métodos contraceptivos por meio do Programa de Saúde da Família (PSF). As outras fontes de obtenção para as famílias beneficiadas do PBF são os centros de saúde (ou ambulatório) e as farmácias particulares, com 17% e 26%, enquanto as famílias não beneficiadas do PBF conseguem 27% e 20% respectivamente nestes dois locais. O fato de as famílias beneficiadas recorrerem um pouco mais às farmácias particulares pode indicar que o efeito renda do PBF pode estar sendo usado inclusive para a compra de métodos contraceptivos via mercado. Assim, as falhas da política pública de saúde reprodutiva poderiam estar sendo compensadas, em parte, pela política de transferência condicionada de renda.

Como apontado na literatura demográfica, as mulheres com menor nível de renda e educação no Brasil começam a ter filhos mais cedo (rejuvenescimento da fecundidade) e fazem um “controle por terminação” também mais cedo após se atingir um determinado tamanho da prole. Como possuem dificuldades para obter métodos de regulação da fecundidade de forma eficiente e constante, acabam recorrendo às esterilizações. Das quase 90 mil mulheres em idade reprodutiva e que recebiam o benefício do PBF na cidade do Recife, 44% estavam esterilizadas no momento da pesquisa, assim como mais da metade das 14 mil mulheres que estavam registradas no CadÚnico, mas se encontravam em famílias que não recebiam benefícios.

Quando perguntado quem optou por utilizar a esterilização, mais de dois terços das mulheres disseram que foram elas mesmas sem a orientação de ninguém (47%) ou elas mesmas com orientação do médico (25%). Em torno de 10% das mulheres disseram que optaram pela esterilização em comum acordo com o cônjuge e apenas algo em torno de 1% das mulheres afirmaram que optaram pelo método em função do cônjuge ou companheiro. Não houve diferenças significativas entre as famílias beneficiadas e não beneficiadas pelo PBF neste quesito.

A pesquisa mostra de maneira clara que esta parcela pobre da população do Recife registrada no CadÚnico, assim como o conjunto da população brasileira, também tem passado pelo processo de transição da fecundidade. A transição da fecundidade não é um fenômeno exclusivo da população rica. A geração mais velha, formada pelas mães das mulheres entrevistadas, teve um número de filhos bem superior à geração atual, pois quase 80% tiveram 4 ou mais filhos e foi praticamente zero o percentual de sem filhos. Já para a geração atual, formada por todas mulheres que responderam à pesquisa, somente 17,9% tiveram 4 ou mais filhos, 21,8% tiveram 3 filhos e o percentual maior (37,1%) ficou para as mulheres que tiveram 2 filhos. O percentual com um filho ficou em 21,6% e as sem filhos com 1,5%.

Contudo, quando se pergunta sobre o número de filhos desejados (se pudesse escolher o número de filhos, quantos seriam?) as mulheres apontaram um número bem menor do que os obtidos pela geração passadas. Nota-se que o percentual de mulheres que manifestaram o desejo de ter 3 ou mais filhos é bem menor do que o número de filhos que elas ou suas mães tiveram. Em contraponto, no que se refere à fecundidade desejada, cresce a preferência de ter 2 ou menos de 2 filhos, inclusive com 6,4% das mulheres manifestando não desejar filhos (fecundidade zero).

O que se pode constatar é que mesmo a população de baixa renda tem apresentado redução no número médio de filhos à medida que o país vai se urbanizando e a população vai tendo acesso às políticas públicas de educação e saúde. Tanto as mulheres que recebem quanto as que não recebem os benefícios do PBF desejam ter menos filhos e possuem alto índice de gravidez não planejada. Ainda falta muito para o Sistema Único de Saúde (SUS) universalizar, na prática, os serviços de saúde sexual e reprodutiva.

Em geral, as mulheres beneficiadas vão para o PBF porque têm filhos e, não necessariamente o contrário, têm filhos para entrar no PBF. A presença de cônjuge no domicílio não melhora a renda necessariamente, mas apenas quando este trabalha. O desenho do Programa Bolsa Família pode até ser considerado potencialmente pró-natalista (como sugere Stecklov et al. 2006), porém, o valor da parte variável do benefício é muito baixo (R$ 32,00 mensais para crianças até 15 anos, e R$ 38,00 mensais para adolescentes com 16 ou 17 anos) e dificilmente teria um impacto capaz de alterar a tendência média das taxas de fecundidade que, de modo geral, estão em declínio em todo o Brasil.

As pesquisas mostram que os diferenciais de fecundidade da população tendem a se reduzir e a convergir para níveis baixos quando se universaliza o acesso às políticas públicas e cresce a inclusão social.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

ALVES, J. E. D. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. 1994. 152f. Tese (Doutorado) – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1994

ALVES, JED. CAVENAGHI, S. O Programa Bolsa Família, Fecundidade e a Saída da Pobreza, Scribd, 2011. Disponível em:

http://pt.scribd.com/doc/69786813/O-Programa-Bolsa-Familia-Fecundidade-e-a-Saida-da-Pobreza

ALVES, JED. CAVENAGHI, S. O Programa Bolsa Família e políticas públicas: saúde reprodutiva e pobreza na cidade do Recife.  IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos – IX ENABER, Natal, 19 a 21 de outubro de 2011. Disponível em:

http://200.251.138.109:8001/artigosaprovados/12.61.pdf

ALVES, JED, CAVENAGHI, S. Dinâmica demográfica e políticas de transferência de renda: o caso do programa Bolsa Família no Recife. Revista Latinoamericana de Población. , v.3, p.165 – 188, 2009

Disponível em: http://www.alapop.org/2009/Revista/Articulos/Relap4-5_art7.pdf

FARIA, V.E. Políticas de governo e regulação da fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos. In: CIÊNCIAS sociais hoje. São Paulo, ANPOCS, 1989.

ROCHA, R. Programas Condicionais de Transferência de Renda e Fecundidade: Evidências do Bolsa Família. PUC/Rio, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:

http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510700_09_cap_03.pdf

SIGNORINI, B.A., QUEIROZ, B.L. The impact of Bolsa Família Program in the beneficiary fertility. Texto para Discussão, n. 439, Cedeplar/UFMG, Belo Horizonte, Agosto de 2011. Disponível em:

http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20439.pdf

SIMÕES, P., SOARES, R.B. Efeitos do Programa Bolsa Família na Fecundidade das Beneficiárias.  CAEN/UFC, Fortaleza, 2011. Disponível em:

http://www.caen.ufc.br/arquivos/dissertacoes_defendidas_mestrado_economia_2009_2010_2011.pd

STECKLOV G, WINTERS P, TODD J, REGALIA F. Demographic Externalities from Poverty Programs in Developing Countries: Experimental Evidence from Latin America. American University, Washington, n. 1, 41 p. january 2006, Disponível em: http://aladinrc.wrlc.org/handle/1961/4969


[1] Cadastro instituído pelo Decreto nº 6.135/2007, para registro das famílias elegíveis para acesso a programas sociais.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=821 8
O aumento do salário mínimo e dos benefícios a ele vinculados favorece ou dificulta a eliminação da miséria no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=173&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-aumento-do-salario-minimo-e-dos-beneficios-a-ele-vinculados-favorece-ou-dificulta-a-eliminacao-da-miseria-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=173#comments Fri, 11 Feb 2011 00:18:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=173 Mais de 20 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza em função das transferências previdenciárias, particularmente no âmbito do setor rural[1]. De fato, a previdência no Brasil cumpriu papel relevante não apenas na redução da pobreza entre idosos quanto na redistribuição de renda em favor destes últimos e na redução das desigualdades regionais.

O caráter distributivo fica evidente quando se constata que, embora apenas metade da força de trabalho brasileira contribua para a previdência, a quase totalidade dos idosos é hoje coberta por benefícios previdenciários ou pelo benefício assistencial de prestação continuada (BPC) pago ao portador de deficiência e idoso (65 anos ou mais) de família com renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Com relação ao setor rural , a quase totalidade dos benefícios previdenciários concedidos possui caráter eminentemente assistencial. Além de seus trabalhadores se aposentarem cinco antes que os urbanos, as contribuições previdenciárias oriundas desse setor nem de longe cobrem as despesas. A base contributiva é pequena, assim como reduzidas são as condições efetivas de contribuição dos trabalhadores rurais brasileiros, cuja grande maioria é carente.

Com isso, a arrecadação rural só consegue cobrir cerca de 10% da sua despesa com benefícios, sendo a diferença coberta pelo Tesouro Nacional, conforme se verifica abaixo.

Arrecadação Líquida, Despesa com Benefícios Previdenciários e Resultado Previdenciário, segundo as clientelas urbana e rural (2009)

R$ milhões de Dez/2009 – INPC

Clientela Arrecadação Líquida (a) Benefícios

Previdenciários (b)

Resultado (a-b)
Urbana 168.611 170.108 (1.497)
Rural 5.298 42.518 (37.220)
Total 173.908 212.626 (38.717)

Fonte: MPS (2010)

Esses benefícios rurais – que, em 2008, superaram as transferências do Fundo de Participação dos Municípios (principal transferência feita pelo Governo Federal aos governos municipais) em cerca de 2/3 dos municípios –, somados ao benefício assistencial, constituíram verdadeiros motores das economias locais. Melhoraram a vida no campo, desestimularam a migração para os centros urbanos e transferiram recursos dos municípios mais ricos para os mais pobres. Efeitos inquestionavelmente positivos.

Agregando o Programa Bolsa Família, constatamos que as transferências de renda hoje representam quase 20% da renda das famílias, contribuindo inequivocamente no combate à pobreza no Brasil[2].

Não obstante, embora se perceba a relevância das transferências para todas as idades, é de fato na população mais idosa que se verificam os maiores benefícios: com a expansão das transferências previdenciárias (87% do total) e da assistencial, o percentual de pobres entre indivíduos com 65 anos ou mais de idade  despencou de 14% em 1978 para menos de 2% em 2008.

É fundamental destacar ainda que não apenas a quase totalidade dos idosos brasileiros recebe renda, como esta renda tem crescido sistematicamente para a maioria deles nos últimos anos. Dois em cada três segurados da previdência social e a totalidade dos beneficiários do BPC recebem benefícios iguais ao salário mínimo, cujo valor aumentou 122% acima da inflação entre 1995 e 2010.

Com isso, estima-se que hoje a cada R$ 1 real de elevação do salário mínimo, as despesas com benefícios previdenciários sobem R$ 198 milhões e as relativas ao BPC, R$ 46,3 milhões. As receitas, por seu turno, por não estarem concentradas em torno dos benefícios de um salário mínimo, crescem apenas R$ 14 milhões. Resultado: o déficit total do INSS é elevado em R$ 230 milhões a cada R$ 1 de aumento do mínimo.

Fruto, em grande parte, da política de valorização do salário mínimo e de sua vinculação ao piso dos benefícios da previdência social, o crescimento dos gastos previdenciários, nos últimos anos, foi estratosférico – passaram de 2,5% para 7,2% do PIB, entre 1998 e 2009 –, abocanhando hoje 32% do total da despesa primária federal.

No caso do benefício assistencial, a situação é menos grave, embora requeira atenção, já que os respectivos gastos mais que dobraram, passando de 0,27% do PIB em 2003 para 0,60% em 2010, o que representa quase 3% da despesa não financeira da União (maior, portanto, do que os dispêndios do Programa Bolsa Família, responsáveis por menos de 2% dessa despesa).

Embora as despesas do BPC sejam maiores do que as do Bolsa Família, o primeiro programa assistencial beneficia 3,2 milhões de idosos e deficientes enquanto o segundo, 12,4 milhões de famílias.

Resultado desse substancial avanço das despesas previdenciária e assistencial vis-à-vis a política de obtenção sistemática de superávits fiscais primários, gastos essenciais ao crescimento autossustentado do País acabaram sendo comprimidos, ao longo do tempo, tais como os vinculados a investimentos em infraestrutura e educação, além dos direcionados à saúde, segurança pública e outros essenciais ao bem-estar da população brasileira.

Além disso, quando se focaliza a situação dos mais jovens e responsáveis pelo Brasil de amanhã, constata-se que, enquanto a pobreza praticamente acabou entre os idosos, 44% das crianças de até 14 anos de idade são pobres, das quais perto de 20%, extremamente pobres. Não seria chegada a hora de passar a focalizar as transferências de renda primordialmente nos mais jovens (sem deixar de amparar os idosos, obviamente)?

Nesse contexto, cabe averiguar se continuar pagando benefícios previdenciários e assistenciais cada vez mais elevados para idosos, já que seguem a política de valorização do salário mínimo, é a melhor forma de reduzir a pobreza e a triste indigência que ainda assolam nosso País.

Ao comparar o combate à pobreza no Brasil com o ocorrido em outros países da América Latina, conclui-se que nossa política não tem sido tão efetiva quanto poderia ter sido, em face do substancial nível dos nossos gastos sociais. Isso porque, de acordo com dados da Cepal de 2008, registramos a quarta pior performance do Continente.

Ademais, informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (PNAD) para o mesmo ano permitem inferir que, entre aqueles que recebem benefícios previdenciários equivalentes a um salário mínimo, somente 7,6% continuam pobres e apenas 0,6%, extremamente pobres. No caso dos idosos que recebem o benefício assistencial de prestação continuada, apenas 9,4% permanecem pobres e 0,8%, extremamente pobres.

Essas estatísticas traduzem a seguinte realidade: resultado da expressiva escalada de aumentos reais verificada pelo piso salarial de nossa economia, quem hoje o recebe não mais pode ser considerado pobre. Isso, por sua vez, implica que, no futuro, novos incrementos reais no valor do salário mínimo tenderão a melhorar a vida dos que, felizmente, já conseguiram deixar para trás a miséria e se distanciar da pobreza. É como se houvesse dois indivíduos pobres, sendo um mais pobre que o outro, e o menos pobre fosse aquele que estivesse recebendo as maiores transferências de renda. Tal estratégia reduz a pobreza, mas não da forma fundamental.

Em outras palavras: embora a vinculação do salário mínimo ao valor do piso previdenciário e do benefício assistencial de prestação continuada tenha contribuído para a redução da pobreza no Brasil, especialmente entre os idosos; a política de valorização desse salário já atingiu um patamar a partir do qual seu efeito sobre a pobreza está praticamente esgotado.

Conclusão: aumentar os gastos com a previdência social e com o pagamento do benefício assistencial não é hoje o melhor instrumento para reduzir a pobreza e pouco resultado tem na diminuição da miséria.

Desse modo, defender as elevadas despesas advindas da política de valorização do salário mínimo sob o argumento de que constituem importante instrumento de redução da pobreza esconde hoje uma grande verdade: se parcela dos gastos redundantes do sistemático aumento do piso previdenciário e do BPC for alocada na expansão de programas sociais efetivamente focalizados nos extratos inferiores de renda, como por exemplo, o Programa Bolsa Família, a pobreza e a miséria diminuirão muito mais.

Assim, caso se queira contribuir para a concretização do pacto contra a miséria proposto pelo novo Governo lançado ao poder a partir de 2011, o mais indicado é mudar a estratégia. Ao invés de continuar elevando a renda daqueles que recebem benefícios previdenciários e assistenciais equivalentes ao salário mínimo, o mais indicado é preservar o valor real desses benefícios (mediante reajustamentos anuais por índice de preços), direcionando parte dos recursos poupados pela não concessão de aumentos reais aos programas de transferência de renda efetivamente focados nos mais pobres.

Se a opção for por dar continuidade à política de valorização do salário mínimo, isso exigirá que se elimine a vinculação entre este salário e os valores do piso previdenciário e do benefício assistencial de prestação continuada.

Tal estratégia possibilitará manter a proteção aos idosos e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros de baixa renda mais jovens, potencializando, assim, a redução da pobreza e a eliminação da miséria que ainda impedem que tais cidadãos sejam partícipes do crescimento econômico do Brasil. E o melhor: sem pressionar o aumento das despesas públicas, que devem passar a conferir maior foco aos investimentos em infraestrutura e aos gastos em educação, essenciais ao desenvolvimento sustentado da economia brasileira, com evidentes benefícios à camada mais pobre da população.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).


Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm

Palavras-chave: salário-mínimo, miséria, benefícios, previdenciários, aposentadorias, idosos, pobreza, redistribuição de renda, bolsa família.


[1] MPS. “Evolução Recente da Proteção Previdenciária e seus Impactos sobre o Nível de Pobreza”. Informe da Previdência Social, vol. 22, nº 10, outubro 2010. Brasília: MPS, 2010.

[2] IPEA. Previdência e Assistência Social: Efeitos no Rendimento Familiar e sua Dimensão nos Estados. Comunicados do IPEA nº 59, 22/07/2010. Rio de Janeiro: IPEA, 2010.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=173 5