PIB per capita – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 03 Sep 2021 18:49:32 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 PIB caiu um tiquinho e está sem forças para subir um tantão https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3494&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-caiu-um-tiquinho-e-esta-sem-forcas-para-subir-um-tantao Fri, 03 Sep 2021 18:47:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3494 PIB caiu um tiquinho e está sem forças para subir um tantão

Hoje o cenário de crescimento por tiquinhos parece o mais verossímil

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE anunciou ontem que o produto interno bruto (PIB) caiu 0,1% no segundo trimestre deste ano, relativamente ao anterior. Além de valores em reais, o relatório publicado também abrange números-índices que compõem uma série de dados com média de 1995=100, igualmente apresentada com ajuste sazonal, à qual recorrerei.

Ela mostra que no trimestre anterior o PIB cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, taxa bem forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo. O índice do PIB do segundo trimestre de 2021 foi de 171,4, e o do primeiro, 171,5, números bem próximos do valor que tinha no quarto trimestre de 2019 (171,6), concluindo assim a recuperação em V da forte recessão ensejada pela Covid-19, iniciada no primeiro trimestre de 2020.

Mas repito que até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa cujo gráfico tem um formato mais achatado do que um V, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 2015-2016 e de 2020. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), exigiria um aumento de 3,3% do PIB a partir do terceiro trimestre de 2021, o que não se concretizará neste ano.

Ora, a previsão do crescimento do PIB em 2021, dada na última sexta-feira pelo relatório semanal Focus, do Banco Central, que sintetiza as avaliações do mercado financeiro, é de um aumento de 5,2%. Não seria o caso de comemorar? De fato, também reiterando argumento já apresentado aqui, essa taxa é excepcional, mas noutro sentido. Desse total, uma parcela vem do fato de que, na comparação ano a ano, a base dessa avaliação, o PIB de 2020, teve uma queda de 4,1%, ficando, nesse ano, com um índice médio trimestral de 163,5, e um valor de 169,4 no quarto trimestre. Se permanecesse aí, sem crescer nada em 2021, só isso levaria a um aumento de 3,6% na comparação com 2020, quando o PIB caiu no buraco de 4,1%. Tecnicamente, isso é um carregamento que o mau desempenho de 2020 trouxe para o PIB de 2021 nessa comparação anual.

Assim, a referida previsão de 5,2% do boletim Focus para o crescimento da economia em 2021 implica que a expectativa implícita nessa taxa é de que durante o ano o PIB aumente apenas mais 1,6% além dos 3,6% do carregamento. Mas já cresceu 1,2% no primeiro trimestre, no segundo caindo para 1,1% até aí.

Também volto a insistir que será indispensável assimilar e divulgar essa diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e sua variação dentro de 2021. É bem possível que o governo queira faturar politicamente o forte crescimento que a primeira taxa deve revelar, mas, a bem da verdade, será preciso mostrar as duas e explicar por que a primeira será tão alta.

Quanto ao que vem pela frente, no dia 17 de junho, logo após a divulgação do PIB do primeiro trimestre, publiquei aqui artigo intitulado Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável. Mantenho essa percepção, e gostaria de estar errado.

Antecipei nesse artigo que o PIB do segundo trimestre teria menor desempenho que o do anterior, pois não contaria com o forte impulso do setor agropecuário no primeiro e a escassez de chuvas no segundo prejudicou várias safras, em particular a do milho, de grande tamanho. Também não via condições de repetir o forte crescimento da formação bruta de capital fixo do primeiro trimestre, muito influenciado pela contabilização interna de plataformas de petróleo já operando no País, mas até então contadas como ativos no exterior. Os dados do segundo trimestre mostraram que o setor agropecuário caiu 2,8% e essa formação de capital foi reduzida em 3,6%. Analisei outros fatores no mesmo artigo e conclui que poderia até mostrar um pequeno retrocesso no segundo trimestre, o que se verificou.

Olhando o segundo semestre, a esperança está numa recuperação mais forte do setor de serviços, que no segundo trimestre cresceu 0,7%, e vale notar que a previsão do boletim Focus acomoda um crescimento de apenas 0,5% do PIB no segundo semestre.

De fato, não há razões para ser otimista. O presidente Bolsonaro não tem um plano de recuperação da economia, só pensa em reeleição e em criar conflitos, o ministro Paulo Guedes perdeu prestígio, ambos estão nas mãos do Centrão gastador, tudo isso gerou um quadro de grandes incertezas, políticas, institucionais e fiscais e há a certeza de uma inflação alta, o que prejudica o ambiente de negócios e a própria confiança do consumidor. Notícia recente no jornal Valor mostrou algo pouco percebido, que exportadores estão deixando parte do seu dinheiro lá fora. Isso reduz a oferta de dólares, contribui para o aumento da taxa de câmbio e, assim, também da inflação. E 2022 será um ano eleitoral, pressionando a gastança fiscal.

Assim, hoje o cenário de crescimento por tiquinhos parece o mais verossímil.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de setembro de 2021.

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Prossegue a tragédia do PIB brasileiro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3406&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=prossegue-a-tragedia-do-pib-brasileiro Fri, 05 Mar 2021 04:01:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3406 Prossegue a tragédia do PIB brasileiro

Quanto a políticas públicas em contrário, confesso meu pessimismo

 Por Roberto Macedo

O relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do quarto trimestre e do ano de 2020, divulgado ontem, é mais um amontoado de más notícias e outro retrato da tragédia por que passa o PIB brasileiro. Este caiu 4,1% em 2020, principalmente como resultado do impacto da Covid-19.

Logo que a Covid surgiu, houve previsões de queda próximas de 9% A política econômica governamental moveu-se em sentido contrário, como no auxílio emergencial e no crédito, mas uma queda de 4,1%, mesmo supondo que poderia ter sido pior, é por si mesma muito alta. E lamentável. Aliás, o relatório aponta que foi a pior taxa desde que a série dados foi iniciada em… 1996 (!). E mais: o PIB per capita, ou por habitante, caiu ainda mais, 4,8%, pois a população segue aumentando.

Em retrospecto, em 2020 as taxas trimestrais, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, foram de -2,1% no primeiro, -9,2% no segundo, 7,7% no terceiro, e 3,2% no quarto. Esse movimento de descida e subida costuma ser chamado de recuperação em V, mas ele veio com sua haste direita sem voltar à mesma altura da haste esquerda. Assim, fazendo essa altura no último trimestre de 2019 igual a 100, em 2020 o PIB caiu para 89 no ponto mais baixo do V e alcançou 98,8% no alto de sua haste direita com as taxas positivas verificadas nos dois últimos trimestres do ano. Também se pode dizer que o PIB passou por uma recessão no primeiro semestre de 2020, que foi interrompida no segundo, mas sem voltar ao valor que tinha no final de 2019. Além disso, por conta desse V a média do PIB em 2020 ficou bem abaixo da média de 2019, o que levou a essa queda de 4,1%.

É importante colocar essa taxa no contexto mais amplo da tragédia do PIB brasileiro. Voltando à década passada, desde 2015 o PIB entrou num buraco do qual não saiu até hoje. No detalhe o relatório mostra isso, mas não há referência ao assunto na notícia do documento. Um dos gráficos do relatório apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o quarto de 2020, e percebe-se que o valor mais alto ficou lá atrás, no primeiro trimestre de… 2014! Ou seja, sete anos depois ainda não voltamos a ele. Em 2015 começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta. Isso define uma depressão, algo mais longo do que as duas recessões ocorridas durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da Covid-19.

Venho insistindo em apontar essa depressão ainda em curso, mas o noticiário, a classe política e mesmo vários economistas parecem ignorá-la, ou negligenciar a busca do seu enfrentamento. Aliás, influenciados pelo que se passa nos países desenvolvidos, muitos economistas brasileiros focados na economia como um todo concentram sua atenção na chamada macroeconomia, que foca principalmente em movimentos cíclicos ou de curto prazo. Questões de longo prazo são negligenciadas. Além da referida depressão, merece destaque o fato de que desde a década de 1980 a economia brasileira está em estagnação ou cresce abaixo do seu potencial, e muito pouco se fala disso.

Com dados do PIB desde 2014, incluídos os de 2020, estimei que ele precisaria crescer um total perto de 7% a partir de 2021 para voltar ao seu valor de 2014, o que tomaria cerca de três anos aumentando perto de 2,4% ao ano, e com muitas incertezas pelo caminho. Assim, para ao final voltar ao PIB de 2014, tomaria nove anos! Ou seja, quase uma década para voltar a um PIB que o Brasil já havia alcançado antes!

Passo agora a uma visão setorial do último ano. Um gráfico do relatório abrange 12 subsetores da economia, oito mostraram desempenho negativo em 2020, com destaque para o subsetor de outras atividades de serviços e o de transporte, comunicação e correio. O primeiro teve a maior queda, de 12,1%, e o segundo caiu 9,2%, resultados condizentes com o maior impacto da crise da Covid-19 nesses subsetores. Entre os que cresceram, destacaram-se o de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (4%) e o de atividades imobiliárias exceto construção (2,5%). Este último teve queda de 7,8%, a terceira entre as maiores.

Enfim, esse é um quadro trágico do péssimo estado da economia brasileira. Quanto a políticas públicas em sentido contrário, confesso meu pessimismo com o cenário à frente. 2021 pode até mostrar um crescimento do PIB próximo de 3%, mas principalmente pelo fato de que 2020 teve média muito baixa, bastando a economia não cair mais este ano para mostrar algo até acima dos 2,4% citados. Bolsonaro não se interessa pelo assunto e até mesmo atrapalha com suas propostas, como ao interferir em estatais, gerar incertezas e desencorajar investidores. E a Covid-19 voltou até com mais força, e sem um forte retrocesso também agravará a situação da economia. Mas, nesse mau contexto, pessoalmente hoje me sinto melhor, pois vou sair para tomar a vacina com que sonhava.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de março de 2021.

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