PIB – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Poupança cai e também estimula o PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3680&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=poupanca-cai-e-tambem-estimula-o-pib Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3680 Poupança cai e também estimula o PIB

Maiores saques das cadernetas tiveram efeito expansivo sobre o Produto Interno Bruto, principalmente em 2022.

 

Por Roberto Macedo*

 

No ano mais crítico da pandemia de Covid-19, 2020, a captação líquida (depósitos menos retiradas) das cadernetas de poupança, conforme dados do Banco Central, foi recorde, atingindo R$ 166 bilhões no ano, e pela primeira vez o saldo final das contas superou R$ 1 trilhão. Isso resultou de três fatores principais. A pandemia levou muitos consumidores à reclusão doméstica, indo menos às compras de bens e serviços e recorrendo também ao comércio eletrônico, mesmo que em menor escala. Atuou, ainda, o efeito precaução, que expande a poupança em face de incertezas quanto ao que virá à frente. E veio o auxílio que o governo passou a pagar, parte do qual foi poupado nas cadernetas.

Nesse contexto, em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,9%. Em 2021, passou à recuperação, crescendo 4,6%, os consumidores começaram a voltar às compras e a captação líquida da poupança foi negativa em R$ 35,5 bilhões. Em 2022 esse movimento se acentuou, e até agosto a captação líquida negativa foi de R$ 85,2 bilhões, em razão do que no mesmo mês o saldo final caiu abaixo de R$ 1 trilhão – e só não caiu mais em razão do crédito de rendimentos, que o Banco Central não inclui na avaliação da captação líquida. Em agosto, esse crédito alcançou um total de R$ 6,6 bilhões.

Com isso, o crescimento do PIB se ampliou e as previsões de sua taxa de crescimento anual, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente com estimativas de analistas do mercado financeiro, passaram de 0,28%, na primeira edição de janeiro, para 2,75%, na última de setembro.

O governo Bolsonaro vem apregoando que esse resultado decorre de suas políticas econômica e social, mas parece-me que o maior efeito veio do retorno da população às compras de bens e serviços.

A mais recente ampliação dos benefícios sociais veio em setembro, mas os citados dados da poupança correspondem ao período até agosto, quando a recuperação já se evidenciava. Lembro, também, que o citado movimento de queda da poupança começou em 2021, quando a captação líquida negativa alcançou o citado valor de R$ 35,5 bilhões, e acrescento que isso ocorreu principalmente no segundo semestre, já trazendo um estímulo ao PIB que se consolidou em 2022, com o referido valor de R$ 85,2 bilhões.

Para fins de comparação, segundo o site economania.com.br, em 13 de julho passado, a partir de fontes governamentais, o valor total dos novos benefícios – aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, aumento do vale-gás, do auxílio-caminhoneiro, transporte gratuito para idosos com mais de 65 anos, subsídio para a produção do etanol e auxílio para taxistas – foi estimado em R$ 40,8 bilhões, sendo que o primeiro benefício citado é o maior deles (R$ 26 bilhões).

Contudo, a questão sob análise não pode parar aqui, porque a dúvida que emerge é se a despoupança que vem acontecendo nas cadernetas tem sido toda dirigida ao consumo, uma vez que pode ser também destinada a outras aplicações em renda fixa e em renda variável. Quanto a isso, meu amigo e ex-professor o economista Carlos Antonio Rocca vem realizando uma análise ímpar do chamado fluxo de fundos da economia, ou seja, de onde o dinheiro vem e para onde ele vai.

Rocca lidera o Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), ligado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (www.cemecfipe.org.br). A nota Cemec 05/2022, publicada em maio, trata da poupança financeira da economia no primeiro trimestre deste ano. Mostra que houve queda dos depósitos de poupança, conforme já assinalado, dos fundos de investimento, das ações e dos depósitos à vista, que se destinaram à compra de títulos da dívida pública, de títulos corporativos, mais depósitos a prazo e maior captação bancária, como via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

O resultado final foi negativo, totalizando R$ 32,4 bilhões, com destaque para os depósitos de poupança, que, como já dito, devem ter contribuído para a expansão do PIB.

O relatório do segundo trimestre ainda não foi publicado, mas Rocca teve a gentileza de adiantar dados de meu interesse, abrangendo o primeiro semestre como um todo. Desta vez, nos fluxos citados, do lado das saídas o maior destaque foi para os fundos de investimentos, com queda de R$ 109 bilhões, seguida pela da poupança, no valor de R$ 62 bilhões; e, do lado das entradas, o maior aumento foi na captação bancária, que cresceu R$ 91 bilhões. Soube que a alta de juros foi determinante do lado da captação, acrescida do fato de que papéis como LCIs e LCAs são isentos do Imposto de Renda.

Com os dados semestrais, o efeito da queda da poupança parece menor, porque foi de R$ 10,2 bilhões no segundo trimestre, o que contrasta com outros valores apresentados. Em retrospecto, creio ser claro o efeito do total das quedas ampliando o consumo, mas tenho mais a aprender com o professor Rocca, em particular como entra o aumento da renda em cálculos como os apresentados.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de outubro de 2022.

 

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PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3678&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-seguira-estimulado-em-2022-mas-2023-e-outra-historia Thu, 22 Sep 2022 22:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3678 PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história

 

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, com os novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE divulgou no dia 1º deste mês um crescimento de 1,2% do PIB do segundo trimestre deste ano, relativamente ao trimestre anterior. Uma boa taxa e a melhoria decorreu de vários fatores. Do lado da demanda, seu maior componente, o consumo das famílias, aumentou 2,9% no período; os investimentos, 4,8%. Em contrapartida, caiu 0,9% o consumo do governo. As importações subiram 7,6%, também mostrando a força da demanda, ainda que neste caso atuando negativamente sobre o PIB brasileiro, embora com pequena participação no seu conjunto.

Influenciando a demanda estiveram estímulos como os decorrentes da busca de mais atividades fora do âmbito doméstico, busca essa que veio do alívio da pandemia da Covid-19. Houve também antecipação de metade do 13º aos aposentados e pensionistas do INSS e liberação de parte do FGTS, representando estímulos determinados pelo governo.

Setorialmente, a grande força esteve no setor de serviços, o mais amplo da economia, que avançou 1,3%, estimulado pelo referido aumento do consumo das famílias, mas o resultado mais forte foi na indústria, que avançou 2,2%. O maior peso no setor serviços fica evidente porque a sua taxa de crescimento, 1,3%, foi a que esteve mais perto da do PIB (1,2%).

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, no qual já atuam novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás, além de benefícios novos para caminhoneiros e motoristas de táxi. O mercado está prevendo, conforme o relatório Focus do Banco Central, de 2 de setembro, que o crescimento do PIB em 2022 alcançará a taxa de 2,26%, taxa essa que vem seguindo ininterruptamente há 10 semanas[1].

Já para 2023, a visão do mesmo relatório é de um crescimento próximo de apenas 0,47%. O que explica tamanho contraste relativamente à previsão para este ano? Antes de responder, vale lembrar que estimativas se baseiam em hipóteses quanto ao futuro. Essa do relatório Focus supõe que a força do alívio da pandemia se estabilizará e que o efeito da maior taxa de juros mostrará um impacto negativo maior. Há alguma incerteza quanto à manutenção do Auxílio Brasil no seu valor atual, mas se mantido poderá também aumentar a desconfiança quanto à situação fiscal do governo, inibindo investimentos privados. Em síntese, há maior incerteza quanto à taxa do PIB em 2023, o que também é típico de previsões, pois, quanto mais distantes do horizonte imediato, maior é essa incerteza.

A quem se interessar pela evolução semanal das previsões do PIB, da inflação e de outras variáveis por analistas do mercado financeiro, sugiro consultar o site do Banco Central, buscar a conexão Publicações e Pesquisa, e dentro dela o Focus – Relatório de Mercado. Na mesma conexão Publicações e Pesquisa, se houver interesse em receber esse relatório toda segunda-feira, há um local para essa finalidade, onde o e-mail do interessado deve ser colocado.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 5 de setembro de 2022.

 

[1] No relatório Focus de 19 de setembro, a expectativa de crescimento para este ano subiu para 2,65% e para 2023  subiu para 0,50%.

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PIB do segundo semestre de 2022 não começou bem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-semestre-de-2022-nao-comecou-bem Sat, 02 Jul 2022 02:47:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3643 PIB do segundo trimestre de 2022 não começou bem

 

Por Roberto Macedo*

 

Dados setoriais de abril, já divulgados pelo IBGE, indicam que o PIB do segundo trimestre não começou bem. Segundo esses números, a indústria de transformação cresceu 0,1% no mês, relativamente ao mês anterior (março). Nos demais setores, o crescimento foi de 0,9% no comércio varejista, 0,7% no comércio varejista ampliado e 0,2% no setor de serviços, que é o mais importante – vale lembrar que no mês anterior sua taxa foi de 1,4%.

Com base nesses e noutros dados a Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, por meio do seu Monitor do PIB, estimou que o crescimento do PIB no mês foi de 0,3%.

Conforme já apontado neste espaço, há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando cresceu 1% e chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), ele cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, essa seria a taxa de crescimento. Esse pequeno aumento em abril também contribuiria para a elevação dessa taxa anual.

Vale lembrar também que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano e esse pequeno aumento em abril, o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), de 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura.  E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior a seu potencial.

Nesse contexto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, numa palestra em Lisboa no último dia 27, colocou a previsão de um crescimento do PIB de 1,7% em 2022, enquanto a última previsão do Relatório Focus, pesquisado pelo mesmo Banco Central junto a analistas de mercado, estava em 1,5% no início de junho. Em princípio, portanto, Campos Neto parece já ter incorporado essa taxa de 0,3% em abril, da FGV, na sua previsão, e está supondo que até o fim do ano o PIB ainda crescerá mais um pouquinho. Mas também pode acontecer alguma queda, em face de problemas como a inflação alta que corrói remunerações, e questões fiscais do governo que prejudicam expectativas de investidores. Quanto a isso, os investimentos, na forma de formação bruta de capital fixo, vêm mostrando taxas negativas desde o início do ano, inclusive em abril, conforme apontado pelo Monitor do PIB da FGV.

Pode-se concluir que há analistas prevendo mais pequenos aumentos até o fim do ano, enquanto outros apontam a perspectiva de quedas. O resultado final da taxa anual ainda não pode ser determinado, e nosso palpite é que ficará perto de 2%, o que não seria uma boa taxa, mas apenas a confirmação de que a nossa economia não mostra forças suficientes para superar sua tendência histórica de baixo crescimento, que já dura décadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 30 de junho de 2022.

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Mais sobre o plano CASGIP https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3580&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-sobre-o-plano-casgip Fri, 04 Mar 2022 02:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3580 Mais sobre o plano CASGIP

Caberia perguntar a Bolsonaro e aos presidentes das Casas do Congresso o que fizeram para o País crescer economicamente.

 

 Por Roberto Macedo

 

Meu artigo passado, neste espaço, tratou de um plano de governo diferente, porque fiquei frustrado com a fragilidade normativa e executiva de planos apresentados por candidatos em campanhas anteriores. Planos como estes devem reaparecer nos debates da eleição presidencial deste ano, e, assim, optei por outro plano, a ser cobrado de governantes e de políticos em geral.

Adotei para ele a sigla CASGIP, que sintetiza seus pilares e facilita referências a ele, inclusive para o interessado se lembrar do seu significado. Também voltarei a ele futuramente neste espaço, pois carece de esclarecimentos adicionais a alguns já apresentados a seguir.

A sigla vem dos nomes dos seis pilares do plano, com letras maiúsculas apontando o aspecto central de cada um deles, que são: Crescimento econômico mais acelerado, Ambientalmente sustentável, Socialmente inclusivo, com efetiva Governança do Estado, maior inserção Internacional do Brasil e intensa Participação da sociedade na cobrança de governantes e políticos.

Note-se a presença das letras ASG na sigla do plano, o que é uma tentativa de trazer os temas da conhecida plataforma ESG para o âmbito nacional, pois originalmente ela é limitada a empresas e investidores. O E desta plataforma representa o environment, ou meio ambiente, em inglês. As outras duas letras de ESG se referem a termos quase idênticos nas duas línguas.

Abordarei, agora, a questão do crescimento econômico. Sem ele, não haverá recursos para avançar nos quatro pilares no centro da sigla. O impacto sobre esse crescimento deveria ser parâmetro de decisões sobre políticas públicas. Ele depende fundamentalmente de mais investimentos em capital produtivo, o que gera empregos, renda e tributos, ou recursos para o setor público. E há o investimento privado e o investimento público, do qual tratarei a seguir.

À minha frente tenho um gráfico do investimento público como porcentagem do PIB no período 1947-2020, elaborado pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro.

Sobre 2020, falou-se muito de uma recuperação em V do PIB dentro do ano, mas ficou nisso, pois ao longo de 2021 o crescimento foi muito fraco. Este gráfico do investimento tem, também, um formato de V, mas invertido, pois começa com uma taxa perto de 3%, em 1947, e sobe até alcançar 10% na segunda metade da década de 70 do século passado – coincidentemente a década em que o PIB brasileiro mais cresceu no mesmo século. Depois disso, a linha do gráfico cai, até voltar a cerca de míseros 2%, em 2020.

Esse investimento público não é só federal, mas abrange as demais esferas de governo. E a relação dele com o crescimento econômico é evidente, carecendo de medidas para que volte a crescer.

Quanto a isso, é preciso atuar contra a frágil governança do governo federal e do setor público em geral. Ela sucumbiu ao populismo ao acomodar um amplo leque de interesses políticos e econômicos que prejudicou o Orçamento. Este, ainda que ampliado pelo forte aumento da carga tributária, passou a apresentar déficits primários que excluem o pagamento de juros, e agora, com o aumento da Selic, esses juros voltaram a preocupar.

O que fazer? É preciso passar um pente-fino nas despesas públicas, seguindo prioridades, em particular a de abrir espaço para investimentos e a de criar confiança na gestão fiscal. Exemplo de medida nesta linha seria uma reforma administrativa que buscasse aumentar a eficácia e a eficiência do setor público, como ao combater supersalários e “indenizações” autoconcedidas, como ocorre no Judiciário.

Alguma elevação da carga tributária será necessária, e chamo a atenção para os chamados gastos tributários, que reduzem a tributação de diversos grupos econômicos e sociais. Como as demais despesas, esses gastos tributários precisam ser revistos, cabendo também aí um pente-fino. Falta, ainda, transparência quanto a esses incentivos, como no caso dos que reduziram encargos sociais para expandir o emprego, pelo que sei, sem que isso fosse cobrado dos setores beneficiados.

E há questões cujo conhecimento é muito restrito, mas que também merecem atenção. Por exemplo, no dia 27 passado, o renomado economista Affonso Celso Pastore, num artigo neste jornal, sugeriu a tributação de ganhos auferidos pelos “fundos fechados e offshores, taxando seus proprietários com a alíquota do Imposto de Renda igual à de todos os demais rendimentos”. Poucos sabem o que são esses objetos da proposta de Pastore.

Como fica? O governo e a classe política não dão bola para propostas como esta, pois a cabeça de ambos é outra, voltada para seus interesses pessoais – em particular a reeleição – e de grupos que os apoiam. Por isso é preciso que a sociedade passe a cobrar de governantes e de políticos um plano adequado.

Por exemplo, caberia perguntar ao presidente Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado: o que já fizeram pelo efetivo crescimento econômico do País?

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2022.

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PIB pode surpreender em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3577&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-pode-surpreender-em-2022 Thu, 17 Feb 2022 14:22:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3577 PIB pode surpreender em 2022

 

Para economista, por enquanto as previsões sobre o crescimento da economia são muito baixas, mas há fatores pesando a favor de uma taxa maior, a exemplo dos gastos normais em ano eleitoral

 

Por Roberto Macedo

 

A previsão da taxa anual de variação do PIB mais acompanhada pelo noticiário dos meios de comunicação é a do Relatório Focus, do Banco Central, que semanalmente recorre a opiniões de analistas do mercado financeiro para calculá-la. Essa previsão, e de outros indicadores econômico-financeiros, é levantada toda sexta-feira e divulgada na segunda-feira seguinte. A última veio no relatório publicado no dia em que este texto era escrito (14/2), e apontava uma baixíssima taxa, de apenas 0,3%, insuficiente até para cobrir o crescimento da população, hoje estimado em 0,7% ao ano, e assim levaria a uma queda do PIB per capita.

Mas trata-se de uma previsão, e há fatores que, ao estimular a demanda agregada da economia, apontam para um impacto favorável. 2022 é um ano eleitoral e marca a eleição mais ampla de todas, pois abrange a do presidente da República, de governadores estaduais, de senadores e de deputados federais e estaduais. Eleição envolve muitos gastos pelos candidatos, e desta vez foi disponibilizado um fundo recorde de R$5,7 bilhões, que será entregue aos partidos políticos para distribuir entre seus candidatos.

Sabe-se também que vários Estados estão em boa situação financeira, pois entre outras razões, como o crescimento econômico local e a inflação, sua arrecadação cresceu bastante. E governos estaduais devem gastar mais em obras e outros dispêndios, pois estarão em campanha para governadores em busca de reeleição ou de outros voos, como em direção ao Senado ou até a presidência da República. Ou também simplesmente para apoiar outros candidatos.

O caso de São Paulo serve como exemplo, pois seu PIB cresceu mais que o do país, gerando mais arrecadação, e seu governador, candidato à Presidência, está empenhado em obras e em distribuir benesses que levam dinheiro a consumidores. Recentemente, enviou à Assembleia Legislativa proposta de um reajuste salarial de 20% para policiais militares e trabalhadores do setor de saúde e de 10% para os demais funcionários. A partir de março, se a proposta for aprovada, o que é bem provável, todos os servidores poderão aumentar seus gastos, a partir de um aumento de suas remunerações que totalizará R$5,6 bilhões em 2022.

Decisões desse tipo, ainda que não de mesma magnitude e prazo de vigência, já estão ocorrendo em outros Estados. Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo também do dia 14 de fevereiro, neste ano eleitoral os reajustes a servidores já ocorreram em 13 Estados. O INSS também reajustou suas aposentadorias e pensões em 10,16%. Não consegui dados sobre o impacto financeiro dessa medida, mas sei que alcança dezenas de milhões de beneficiários, aliviando efeitos da inflação ampliada, sobre o consumo.

De sua parte, entre outras medidas pró aumento de gastos dos consumidores, o governo federal criou um programa ampliado que substituiu o Bolsa Família, o Congresso deve gastar mais com suas emendas parlamentares, e por aí vai.

Mas, vale lembrar, nem toda a ampliação de rendimentos irá para o consumo. Em 2020, por exemplo, parte significativa do Auxílio Emergencial de R$600 por mês foi parar nas contas de poupança, numa atitude de precaução diante das incertezas que cercam o futuro da economia e do desempenho também muito fraco do mercado de trabalho.

Ainda quanto a fatores atuando em sentido contrário do lado da demanda, há grande incerteza quando ao futuro da economia, que também está sujeita a instabilidades ligadas à fragilidade fiscal do governo federal, ao lado da inflação que levou ao aumento da taxa básica de juros e das taxas de juros em geral, o que também desestimula consumidores e investidores a tomar crédito para ampliar seus dispêndios.

Ou seja, há fatores pesando a favor de uma taxa maior do PIB em 2022 do que a previsão citada, e outros que poderiam levar a uma taxa ainda menor do que ela. Deve-se lembrar que previsões do tipo citado envolvem uma distribuição de frequências de opiniões, colhidas a partir de uma amostra, que no caso citado foi de 100 analistas atuantes no mercado financeiro, com o BC utilizando a mediana de suas previsões.

Ao longo do ano continuaremos acompanhando a evolução das previsões sobre a variação do PIB e dos fatos que irão afetá-las, e voltaremos ao assunto neste espaço.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 16 de fevereiro de 2022.

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Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3554&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=cenario-do-pib-em-2022-e-pior-que-resultado-de-2021 Fri, 07 Jan 2022 13:32:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3554 Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021

 

Previsão do Boletim Focus para a variação do produto deste ano vem caindo, e a queda desta semana foi bem mais forte.

 

Por Roberto Macedo

 

O primeiro Boletim Focus, do Banco Central, de 2022, publicado na segunda-feira passada, revelou cenário mais difícil para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano do que o observado em 2021. O boletim é semanal e suas previsões são colhidas de analistas do mercado financeiro, na sexta-feira anterior à sua publicação.

A previsão para a variação do PIB de 2022 deste boletim é de apenas 0,36% – na semana anterior, estava em 0,42%, e há quatro semanas era de 0,51%. Ou seja, vem caindo, e esta última queda foi bem mais forte.

Quanto a 2021, a previsão é de uma taxa de 4,5%, mas é enganosa quanto ao desempenho do PIB dentro do ano. Ela é calculada usando o PIB previsto para 2021 relativamente ao de 2020, ou seja, entre esses dois anos. Como em 2020 o PIB caiu 3,9%, essa queda faz com que a comparação entre 2021 e 2020 leve a uma taxa bem mais alta do que a que ocorreria se o PIB houvesse permanecido estável em 2020. Vista de outra forma, a taxa de 4,5% é mais determinada pela queda do PIB de 2020 do que pelo seu fraco desempenho em 2021.

Resumindo, fiz cálculos sobre o assunto e concluí que o crescimento do PIB medido apenas dentro de 2021 foi estimado em apenas 0,9%, o que contrasta fortemente com o referido aumento de 4,5%, que o Boletim Focus apresenta.

Acrescente-se que em 2020 o crescimento do PIB foi bem maior no primeiro do que no segundo semestre, em larga medida impulsionado pelo desempenho do agronegócio no primeiro trimestre, que coincide com o auge das colheitas no meio rural. Mas, em seguida, o desempenho da economia foi se deteriorando até chegar à situação já mencionada, em que os analistas do mercado financeiro viraram o ano reduzindo, ainda mais e fortemente, a sua visão do crescimento do PIB em 2022.

Ainda sobre o PIB, os dados do IBGE de 2019 e de 2020, mais as previsões do Boletim Focus para 2021 e 2022, já permitem obter uma visão do PIB durante todo o governo Bolsonaro. As taxas anuais do PIB obtidas dessas fontes são: 2019 (1,2%), 2020 (-3,9%), 2021 (4,5%) e 2022 (0,4%), o que leva à média de 0,6%, inferior ao crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano. Assim, o PIB total cresceu muito pouco e o PIB per capita caiu. Bolsonaro deverá ser cobrado por isso nos debates eleitorais deste ano.

O que fazer? Sou economista, mas entendo que o principal problema da economia brasileira é na esfera política. Nossos políticos, em particular no momento em curso, estão longe de se preocupar com os problemas econômicos do País, ressalvadas exceções cada vez mais excepcionais. Começando pelo presidente da República, é como se não tivéssemos um. E, pior, nem se pode dizer que seja algo como um zero à esquerda. É pior do que isso, pois seu comportamento tem efeitos econômicos negativos. Não tem capacidade nem demonstra interesse por uma gestão presidencial eficaz, a ponto de ter designado o ministro Paulo Guedes como seu “Posto Ipiranga” para questões sobre a economia. Mas parece que o próprio presidente não se interessa mais por seus conselhos ao decidir.

Também não o vejo interessado em liderar uma pauta política de discussões centradas nos principais problemas econômicos do País. Frágil politicamente, e obsessivamente focado só em sua reeleição, optou pelo Centrão para se sustentar no poder e obter um novo mandato a um custo brutal para a economia, pois esse aliado só sabe atuar para atender aos interesses paroquiais dos congressistas, cuja maioria também não está aí para servir o País. Matéria de página inteira deste jornal no dia 26/12/2021 teve este título: Congresso controla mais de 50% dos investimentos do Orçamento. Entrevistado sobre o assunto, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) afirmou: “Num sistema presidencialista, é complicado ter um Orçamento parlamentarista”.

Um dos resultados é o agravamento do endividamento público, pelo qual o mercado financeiro passou a cobrar mais caro, o que também agrava a dívida. Título de matéria no jornal Valor de ontem ilustra essa dificuldade: Risco fiscal piora e juros disparam. E as preocupações quanto à solvência do governo pressionam, também, a taxa de câmbio e geram efeitos inflacionários.

O que precisa acontecer em 2022 para o Brasil seguir por um caminho ao menos não tão ruim como este evidenciado pelo péssimo desempenho do PIB? Primeiro, é preciso que Bolsonaro não seja reeleito, pois, a julgar pelo que faz no seu mandato, não se credencia a um novo. É preciso que os eleitores atentem para essa questão. Quem ainda o apoia precisa examinar o mal que ele trouxe ao País, que poderia ser sintetizado na expressão um período de desgoverno. Quem ao seu redor ainda o chama de mito e seus apoiadores em geral precisam perceber que ele é mito noutro sentido, de que não é verdadeiro, ao não governar conforme prometeu. E quem não o apoiou ou se desiludiu com o seu desempenho precisa atuar no seu meio social para mudar as crenças dos incautos que ainda pensam em reelegê-lo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de janeiro de 2022.

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A sofrência do PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3544&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-sofrencia-do-pib Fri, 17 Dec 2021 20:45:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3544 A sofrência do PIB, que é mais forte no ‘per capita’

 

Candidatos presidenciais precisam aprender e indicar como enfrentariam a péssima situação da economia

  

Por Roberto Macedo*

 

O termo sofrência ganhou projeção como modalidade de música sertaneja, fama esta que cresceu muito com o recente falecimento da famosa cantora Marília Mendonça, líder dessa modalidade. Meu dicionário (Houaiss) não contém esse termo, mas Roberto Teixeira da Costa, economista voltado para o mercado de capitais e relações internacionais, escreveu neste espaço, em 25 de novembro passado, o artigo Saindo da sofrência em busca da crescência, e esclareceu que no dicionário que consultou “a palavra é definida como substantivo feminino, condição de pessoa que sofre, que não consegue se livrar de uma situação de tristeza e de sofrimento”.

Usou o termo para se referir à situação atual do Brasil, afirmando que em “(…) mais de 60 anos de vida profissional (…)” não se recordava de ter “vivido um período de tamanha descrença no País e no seu futuro”. Também tenho o mesmo período de vida profissional e o mesmo sentimento. Teixeira da Costa aplicou o termo ao Brasil, e seu texto inspirou-me a usar sofrência para a situação que há muito tempo, desde os anos 1980, marca o Produto Interno Produto (PIB), indicador econômico das agruras por que passa o País.

Começando pelos dados mais recentes, no dia 2 deste mês o IBGE publicou o resultado do PIB no terceiro trimestre deste ano, mostrando queda de 0,1% relativamente ao trimestre anterior. A imprensa destacou esse resultado, mas a notícia mais importante do relatório do IBGE sobre o assunto foi que a taxa do segundo trimestre foi revisada de -0,1% para -0,4%, uma queda bem maior. A taxa do primeiro trimestre também foi revisada, e para cima, de 1,2% para 1,3%, mas essa alteração ficou longe de compensar essas duas quedas nos trimestres seguintes.

Com esses números, dentro de 2021 o PIB cresceu apenas 0,8%, relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa muito ruim. E o quarto trimestre de 2021 já começou mal, com o mês de outubro indicando quedas setoriais na indústria, no comércio e nos serviços. E o índice do Banco Central que prevê o crescimento do PIB mostrou queda de 0,4% no mesmo mês.

Mas a sofrência não fica por aí, pois, como venho apontando em vários artigos neste espaço, desde 2015 a economia se encontra numa depressão, e ainda não retomou o PIB que tinha em 2014! Supondo que o PIB não cresça nada no último trimestre deste ano, ele precisaria subir 2,3% em 2022 para voltar ao PIB de 2014. As previsões para 2022 estão longe dessa taxa, e, assim, isso não deve acontecer.

Passando ao PIB per capita, ele leva em conta o crescimento da população, atualmente perto de 0,7% ao ano. Quanto maior for essa taxa, menor o crescimento do PIB per capita. Estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, citado por este jornal no dia 13 deste mês, estimou que o PIB precisaria crescer 2,1% ao ano para retomar, só em 2028 (!), o valor que apresentava em 2013(!).

E há a sofrência ainda mais antiga. O PIB brasileiro mostrou tendência persistente de crescimento a partir de 1900 até a década de 1970, quando alcançou a taxa média anual de 8,8% (!), trazendo o País para o grupo de países de renda média. A partir daí, e até a década de 2010, esse crescimento caiu para taxa média anual próxima de apenas 2,5%, levando o Brasil à chamada armadilha da renda média.

E permanecemos dentro dela. A sofrência vem provocando um aumento recorde do número de brasileiros que vivem no exterior em busca de melhores oportunidades profissionais e condições de vida que as disponíveis no Brasil. O site do Deutsche Welle (DW), uma grande empresa alemã de comunicações que publica matérias em português, noticiou recentemente que dados do nosso Ministério das Relações Exteriores mostram que o número de brasileiros fora do País passou de 1,9 milhão, em 2012, para 4,2 milhões (!), em 2020. Ou seja, mais que dobrou. E esta semana veio a notícia de que o El País, prestigioso jornal espanhol, encerrou a edição brasileira, que contava com o apoio local de 17 jornalistas, após oito anos no País sem resultados que assegurassem a sustentabilidade econômica dessa edição.

E quem é responsável por toda esta sofrência? A resposta daria uma grande história, pois estamos falando de quatro décadas. Olhando mais o momento recente, a classe política brasileira, salvo raríssimas exceções, não demonstra o menor interesse pela economia que tão mal conduz. Não vejo nem o presidente nem o Congresso atuando como socorristas da sofrência. Seu interesse dominante é o de renovar mandatos nas eleições de 2022, custe isso o que custar, inclusive com ações fiscais que também contribuem para prejudicar a economia.

Como não se pode perder a esperança, ela seria estimulada se os candidatos à Presidência apresentassem suas propostas sobre o que fazer na economia. O eleito irá herdá-la nesta péssima situação, e é preciso aprender e indicar como enfrentá-la, pois não haverá saída se ele não tiver essa disposição.

 

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 16 de dezembro de 2021.

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PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3531&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-terceiro-trimestre-pode-vir-com-recessao Thu, 18 Nov 2021 21:40:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3531 PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão

Há uma previsão de taxa positiva e outra, de taxa negativa, ambas de valor absoluto próximo de 0,1%

 

Por Roberto Macedo*

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará no início de dezembro a variação do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre deste ano. No primeiro, foi de 1,2%, relativamente ao trimestre anterior, uma ótima taxa trimestral. Mas ficou por aí, e no segundo teve até pequena queda, de 0,1%. As perspectivas para o terceiro trimestre, examinadas mais à frente, são péssimas. Pode vir até outra taxa negativa, o que levaria o PIB a uma “recessão técnica”, marcada por dois trimestres consecutivos de queda. Se vier, será rasa em sua profundidade, mas incomodará, pois será mais um sinal de que a economia brasileira vai mal.

Passando à política econômica do governo Bolsonaro, ela é marcada pelo desgoverno. Desde o início, o presidente só pensa naquilo, ou seja, em ganhar a eleição de 2022. Despreza a questão fiscal, agora com a compra de votos no atacado, ao oferecer R$ 400,00 mensais de Auxílio Brasil para angariar apoio principalmente no Nordeste, onde sua rejeição é maior e Lula atrai a maioria. Mas Lula, também com pouco apego à questão fiscal, na sua campanha poderá prometer R$ 600,00, em lugar dos R$ 400,00 de Bolsonaro, e dizer, ainda, que estes só valerão até dezembro de 2022, e sua proposta seria de algo permanente.

Na economia também há forte inflação, no que a própria política governamental tem parte da culpa, porque a questão fiscal foi agravada com a PEC dos Precatórios, com o maior teto de gastos e com a insistência da Câmara dos Deputados nas chamadas emendas do relator, que acabaram tendo um assim-não-dá do Supremo Tribunal Federal. Mas o governo vai insistir, e tudo isso gera incertezas na economia, refletindo-se na taxa cambial, que aumenta e gera mais inflação, o que, por sua vez, leva a aumentos de juros pelo Banco Central, desestimula consumidores de bens e serviços e desencoraja empresários a fazer investimentos em formação bruta de capital fixo (mais infraestrutura, fábricas, fazendas e outros investimentos), que poderiam expandir o PIB e gerar mais empregos.

Empresários se orientam pela perspectiva de lucros e por um cenário que garanta a realização deles, e este é prejudicado pelas incertezas que vêm do lado fiscal. A certeza é de que o governo não tem compromisso com esse lado.

No detalhe, o terceiro trimestre foi de entressafra agrícola, com o que o PIB do setor agropecuário deve mostrar taxa negativa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), em fase de divulgação, espera-se que a indústria como um todo não tenha crescimento, caindo a produção da indústria extrativa, a da indústria de transformação e a de eletricidade – quedas aliviadas pelo bom desempenho da construção civil. Ainda que com queda do comércio, mas impulsionado pelos transportes e por outros serviços, espera-se um crescimento do setor de serviços. Com essas e outras informações, o Ibre-FGV prevê crescimento de apenas 0,1% no terceiro trimestre. Quase nada.

Na terça-feira passada, vieram números de uma segunda fonte de dados trimestrais, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que procura prever as variações do PIB. A previsão para o terceiro trimestre foi de uma queda à taxa de 0,14%, que, se confirmada pelo IBGE neste ou noutro valor negativo, marcaria o início de mais uma recessão técnica, conforme já explicado acima. Entre as duas previsões citadas, prefiro ver confirmada a taxa negativa do IBC-Br. A diferença entre as duas é pequena, mas a notícia de uma nova recessão acentuaria mais o mau estado da economia, que talvez assim recebesse atenção maior do governo e da sociedade.

Até agora, o PIB não voltou ao seu valor de 2014 (!), nem deve voltar no final deste ano. Aliás, é enganosa, no que se refere à realidade atual, a taxa esperada para o PIB segundo o mais recente boletim Focus, do Banco Central (BC) – um aumento de 4,9% em 2021, relativamente ao PIB de 2020. Enganosa porque a parte mais importante dela, de 3,6%, ocorreria mesmo que o PIB tivesse crescimento nulo dentro de 2021, pois o cálculo é feito relativamente ao buraco que teve em 2020, quando caiu 4,1% e fez uma recuperação em V até o fim do ano. Mas, olhando apenas o crescimento dentro de 2021, a taxa esperada é de apenas 1,3%, que, somada à citada parcela de 3,6%, levaria aos 4,9%.

Vem aí a época de festas, mas, no caso do PIB, só haverá o que lamentar. E Bolsonaro? Certamente, comemorará as 400 pratas que distribuirá por meio de sua nova versão do Bolsa Família, esperando que seja reverenciado por quem teve a sorte de levar o dinheiro. E o presidente também quer um inoportuno reajuste salarial para o funcionalismo público federal.

Quanto ao Brasil e seu PIB, o legado que Bolsonaro vai deixar já pode ser previsto, e é lamentável. As taxas do PIB durante o seu mandato devem ficar em 1,2% (2019), -4,1% (2020), 4,9% (2021) e 0,9% (2022), as duas últimas conforme previsões do mais recente boletim Focus. A média aritmética delas ficaria em 0,73%, uma das mais baixas da história dos mandatos presidenciais brasileiros.

 

*  Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de novembro de 2021.

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PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3511&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-v-ao-simbolo-da-raiz-quadrada Fri, 22 Oct 2021 00:28:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3511 PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada

 

Após concluída no 1.º semestre, recuperação da economia passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo.

 

Por Roberto Macedo*

 

Começarei pelo V. Tenho à minha frente um gráfico que mostra o índice do volume do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral desde o trimestre final de 2019, quando o valor desse índice foi de 171,6, com a média de 1995 = 100. Com a chegada da Covid-19, no final do primeiro trimestre de 2020, o índice caiu para 167,6. No trimestre seguinte, teve queda mais forte e atingiu 152,6, seu ponto mais baixo no ano, que se tornou o vértice de um V, porque em seguida veio a recuperação, com o índice passando a 164,3 e a 169,4 no terceiro e no quarto trimestres de 2020, respectivamente.

Com isso, o PIB findou o ano só um pouco abaixo do que era no último trimestre de 2019, ou seja, 171,6, conforme apontado acima. No primeiro trimestre de 2021, a recuperação em V se completou com o índice de 171,5, muito próximo do que tinha no final de 2019. Vale repetir: 171,6.

Com números já citados, o crescimento entre o primeiro trimestre de 2021 e o último trimestre de 2019 foi de 1,2%, taxa muito boa para uma variação trimestral, impulsionada, entre outros fatores, pelo desempenho do agronegócio, que é mais forte no primeiro trimestre, marcado pela colheita de safras plantadas no ano anterior, que cresceram. Também pesou um forte aumento de investimentos em capital fixo (fábricas, máquinas e outros), como proporção do PIB, em boa parte decorrente da contabilização, no Brasil, de caríssimas plataformas de exploração de petróleo até então escrituradas no exterior.

Daí para a frente, a economia brasileira passou a mostrar desempenho fraco, inclusive caindo um pouquinho no segundo trimestre de 2021, quando o índice de seu PIB ficou em 171,4, após ter alcançado 171,5 no primeiro trimestre deste ano.

Olhando para a frente, a previsão do crescimento do PIB entre 2021 e 2020, revelada pelo boletim Focus, do Banco Central (BC), de sexta-feira passada, é de um aumento de 5,0%, o que seria uma taxa ótima, não fosse o fato de que decorre principalmente da forte queda do PIB em 2020, que foi de 4,2%. Com essa queda, e conforme números acima, o índice médio do PIB naquele ano foi de 163,5. Se não crescesse nada dentro de 2021, ficando no valor a que chegou no último trimestre de 2020, ou seja, 169,4, só isso levaria a um crescimento anual de 3,6%!

Portanto, esta previsão de uma taxa de 5% em 2021 é, na sua maior parte, resultante do V que marcou o ano de 2020. E tem implícita a hipótese de que dentro de 2021 o PIB cresceria apenas mais uma parcela de 1,4%. Como já cresceu 1,2% no primeiro trimestre e ficou praticamente estável no segundo, pode-se concluir que a última previsão do relatório Focus, do BC, envolve, também implicitamente, a hipótese de que o desempenho da economia no segundo semestre deste ano será muito fraco.

Com esses dados, a recuperação em V, após concluída no primeiro trimestre do ano, passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo. E, juntando o V com essa reta, o gráfico tem formato parecido com o do símbolo da raiz quadrada.

O mesmo formato também aparece a partir de dados do IBC-Br, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, que procura prever as taxas de variação mensal do PIB. Esse índice, que tem como base a média de 2002 = 100, mostrou também um V em 2020, terminando o último trimestre do ano com o valor médio de 137,6. No primeiro trimestre de 2021, subiu 1,5%, caiu 0,4% no segundo e, já mostrando os dados de julho e agosto do terceiro trimestre, a variação da média desses dois meses relativamente à do segundo semestre foi de apenas 0,1%. Ou seja, após a subida no primeiro semestre, caiu no segundo e ficou por aí, levando também a algo próximo da linha reta que forma a raiz quadrada após o V da recuperação.

Dei, também, uma olhada em índices setoriais do IBGE, e vi que até agosto os da indústria, comércio e serviços não mostravam força capaz de crescer o PIB com maior vigor até o fim do ano. Creio que esse panorama da raiz quadrada é que vem levando à redução da previsão do crescimento do PIB também em 2022, que segundo o mesmo Focus estava em 1,5%, e entre analistas do mercado já há quem aposte até em 0,5%.

Por trás desse desempenho está o aumento da inflação, que sobe há 28 semanas no Focus e corrói o consumo das famílias, pois seus rendimentos não acompanham o ritmo inflacionário, mais o aumento dos juros e as incertezas políticas que prejudicam o investimento privado e desvalorizam o real, também com impacto inflacionário. E há, ainda, problemas nas cadeias de suprimentos e um enfraquecimento da economia internacional, em particular da China. Ademais, o governo federal não tem recursos para aumentar sensivelmente os investimentos públicos e parece estar só preocupado em investir em projetos eleitorais do presidente da República e do Centrão.

E assim segue a economia brasileira, sem rumo. Ou, pior, só têm rumo os projetos populistas de seu comandante e dos que o apoiam. Espero que ao menos ele não chegue ao destino que tanto almeja.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de outubro de 2021.

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A diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e dentro de 2021 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3504&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-diferenca-entre-o-crescimento-do-pib-entre-2020-e-2021-e-dentro-de-2021 Fri, 01 Oct 2021 06:05:53 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3504 A diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e dentro de 2021

 

Por Roberto Macedo 

 

2021 ainda não terminou, mas já se pode prever que quando o PIB deste ano for publicado pelo IBGE, no final de fevereiro ou no início de março de 2022, haverá uma grande discussão sobre essa diferença. Conforme se prevê hoje, o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 deverá ficar perto de 5,2%, uma boa taxa para um crescimento anual. Contudo, se essa taxa for verificada, o crescimento do PIB dentro de 2021 será de apenas 1,6%. O governo deverá ressaltar o primeiro resultado, mas seus opositores procurarão enfatizar o segundo.

Com o auxílio do gráfico a seguir explicarei essa diferença, e ao final darei minha visão de qual resultado é o mais relevante.

Esse gráfico mostra o Índice de Volume Trimestral do PIB – Série encadeada (média de 1995 = 100), começando do quarto trimestre de 2019 (2019.IV), e seguindo pelos quatro trimestres de 2020. Em 2021, os dados até o 2º trimestre são os já levantados pelo IBGE; os números dos dois trimestres seguintes supõem aumentos de 0,4% no terceiro e 0,5% no quarto, relativamente aos respectivos trimestres anteriores, e são taxas consistentes com um crescimento de 5,2% do PIB entre 2020 e 2021. O índice médio do PIB em 2020 foi 163,5 e é mostrado pelo gráfico.

Dadas essas informações, a taxa de 5,2% prevista para a variação entre 2020 e 2021 é obtida pela comparação entre a média dos números de 2021 e a média de 2020, ou seja, 172 e 163,5. Essa taxa se decompõe em duas. A primeira, de 3,6%, supondo que o PIB não crescesse nada em 2021, ou seja, comparando-se o valor de 169,4 com 163,5. Nessa hipótese, o primeiro valor, que é aquele com que o PIB terminou 2020, se manteria inalterado em 2021 e seria, assim, o seu valor médio.

A segunda taxa, de 1,6%, resultaria aproximadamente do crescimento médio do PIB dentro de 2021, obtido dos seus índices trimestrais, que levam à média de 172, comparada com o valor do último trimestre de 2020, cujo valor, 169,4, já foi mencionado e consta do gráfico.

Agora, a minha avaliação. A primeira taxa, de 3,6%, resulta mais do mau resultado de 2020 do que do 2021, pois a média do PIB de 2020 foi muito baixa, resultante da pandemia da covid-19 no mesmo ano. Esse efeito é chamado de carregamento, pois melhora a taxa do PIB de 2021, independentemente do seu desempenho. Já a segunda taxa, de 1,5% leva em conta apenas o crescimento dentro de 2021, comparando-o com o índice do quarto trimestre de 2020, ou seja, com o valor com que o PIB terminou o ano após a recuperação em V, claramente evidenciada pelo gráfico, após a qual a economia não conseguiu crescer como o fez na haste direita desse V.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 30 de setembro de 2021.

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PIB do segundo trimestre de 2021 ainda não voltou ao de 2013 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3498&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-trimestre-de-2021-ainda-nao-voltou-ao-de-2013 Fri, 17 Sep 2021 12:41:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3498 PIB do segundo trimestre de 2021 ainda não voltou ao de 2013!

 

Por Roberto Macedo

 

No dia 1º de setembro o IBGE divulgou os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil relativos ao segundo trimestre deste ano. O relatório sobre o assunto retroage a dados de 1996 apresentados num de seus gráficos, mostrado a seguir.

A linha azul do PIB observado mostra que até o quarto trimestre de 2008 ele seguia uma trajetória de crescimento que então foi interrompida por uma crise financeira nos Estados Unidos, que teve repercussões internacionais, alcançando também o Brasil. Aqui ela provocou uma recessão, que os economistas definem como uma sequência de dois trimestres consecutivos de queda do PIB, e foi seguida de uma recuperação rápida que retornou o PIB a seu maior valor anterior e a uma nova tendência de aumento que durou até o terceiro trimestre de 2013, quando atingiu o seu maior valor da série apresentada.

Começou, então, uma nova recessão, que se encerrou no primeiro trimestre de 2017, quando o PIB voltou a crescer, mas a taxas inferiores às que crescia antes da crise de 2008, conforme se percebe pela menor inclinação das linhas que vão de 2017 a 2019, relativamente àquelas 2009 e 2013.

No início de 2020 veio novamente uma recessão, associada à pandemia da Covid-19, que durou até o primeiro trimestre de 2021, quando a economia cresceu 1,2% relativamente ao último trimestre de 2020, retornando o PIB ao valor que tinha no último trimestre de 2019, conforme se observa pela linha do PIB ajustado.

Entretanto, não retornou ainda ao maior valor da série, já referido, o do terceiro trimestre de 2013. Com isso, a economia saiu de uma recessão, mas num contexto mais amplo ela permanece em depressão, este um movimento mais longo e mais grave que o de recessões.

A recuperação da recessão da pandemia da Covid-19 foi chamada de recuperação em V, formato que a linha do PIB mostrou em 2020. E como mostra o gráfico, a depressão que assola a economia desde 2013 tem um formato mais longo e achatado, como o da parte inferior de um U, mas a ponta de sua haste direita ainda está abaixo da ponta da haste esquerda.

A conclusão do exposto é que a economia brasileira está numa situação mais grave que a ressaltada sobre o noticiário econômico, mais focado no curto prazo e nessa recuperação em V, sem essa visão de um passado mais longo, a da depressão ainda em curso.

Uma estimativa da taxa que o PIB precisaria crescer para sair dela seria de 3% a partir do terceiro trimestre deste ano, mas o cenário é o de que, com muita sorte, o Brasil só conseguiria isso no final de 2022. Na contramão desse cenário, o PIB do segundo trimestre de 2021 caiu 0,1% e até o final do ano os analistas do mercado financeiro, conforme se depreende das recentes edições do Boletim Focus do Banco Central, estão indicando que nesse período ele só vai crescer algo próximo de 0,5%.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 14 de setembro de 2021.

 

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Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3460&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=novo-e-robusto-aumento-do-pib-ate-o-fim-do-ano-e-improvavel Tue, 22 Jun 2021 14:01:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3460 Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável

O crescimento do PIB entre 2020 e 2021 não é o que virá dentro de 2021

Por Roberto Macedo

No primeiro trimestre deste ano o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo, o dos últimos anos da série encadeada do índice do PIB, publicada trimestralmente pelo IBGE, com a atualização desse índice. Ela teve início no primeiro trimestre de 1998, com ajuste sazonal e média de 1995 igual a 100.

Segundo essa série, o PIB do primeiro trimestre de 2021 apenas voltou a 171,6, o mesmo valor que tinha no quarto trimestre de 2019, concluindo a recuperação em V da recessão iniciada no primeiro trimestre de 2020, a da primeira onda da Covid-19.

Num olhar ainda mais amplo, até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa que tem um formato mais achatado, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 2015-2016 e a da Covid-19. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), ainda não se verificou, e exigiria um aumento de 3,2% do PIB a partir do primeiro trimestre de 2021, taxa mais típica de uma variação anual.Nesse contexto, a previsão do crescimento do PIB neste ano, dada na última sexta-feira pelo relatório semanal Focus, do Banco Central, que sintetiza as avaliações do mercado financeiro, é de um aumento de 4,85%. Não seria essa uma taxa excepcional e digna de comemoração? De fato, ela é excepcional, mas noutro sentido. Desse valor, 3,8% decorrem de que na comparação ano a ano, a base de comparação, o PIB de 2020, teve uma queda de 4,1%, ficando, na mesma série mencionada inicialmente, com um índice médio trimestral de 163,5, e um valor de 169,5 no quarto trimestre de 2020. Se permanecesse aí e não crescesse nada em 2021, isso levaria a um aumento de 3,7% na comparação com 2020, quando o PIB caiu num buraco de 4,1%, com o qual o PIB de 2021 estaria sendo comparado. Tecnicamente isso é chamado de um carregamento que o mau desempenho de 2020 trouxe para o PIB de 2021 nessa comparação anual.

Como já visto, o mercado está prevendo um crescimento ainda maior, de 4,85%. Isso implica que a expectativa implícita nessa taxa é de que durante 2021 o PIB cresça apenas mais 1,15% além dos 3,8%, ficando aproximadamente no mesmo nível em que veio no primeiro trimestre, ou seja, com crescimento de 1,2%. O título deste artigo está em sintonia com essa previsão.

Complicado? Pode ser para quem não aprecie o assunto, nem domine o conceito de PIB e sua métrica no tempo, mas será indispensável assimilar essa diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e sua variação dentro de 2021. É bem possível que o governo tente faturar politicamente o forte crescimento que a primeira taxa vai revelar, mas, a bem da verdade, será preciso mostrar as duas taxas e explicar por que a primeira será tão alta.

Quanto à variação do PIB no restante de 2021, não estou otimista, e torço para estar errado. O PIB do segundo semestre deverá ter menor desempenho que o do primeiro, pois não vai contar com o forte impulso do setor agropecuário no primeiro, quando suas colheitas são mais fortes, e a escassez de chuvas no segundo prejudicou várias safras, em particular a do milho, de grande tamanho. Também não vejo condições de repetir o forte crescimento da formação bruta de capital fixo do primeiro semestre, influenciada, entre outros fatores, pela contabilização interna de plataformas de petróleo já operando no País, mas até então contadas como ativos no exterior. De forma correspondente, nota-se que as importações tiveram forte aumento no primeiro trimestre de 2021 relativamente ao último de 2020, a uma taxa de 7,7%. Ainda pelo lado da produção, o setor de serviços, o mais importante da economia, continua com fraco desempenho, cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre de 2021, e a indústria de transformação caiu 0,5% no mesmo período, sempre relativamente ao trimestre anterior.

Pelo lado da demanda, não se espera que o consumo das famílias e do governo, que teve desempenho negativo no primeiro trimestre, se recupere a ponto de ter impacto relevante no PIB, pois o governo não está em condições de fazer isso e o das famílias continua contido pelo distanciamento social e por uma vacinação muito lenta, num contexto também marcado por forte expansão do desemprego. Com tudo isso, o segundo trimestre de 2021 pode até mostrar um pequeno retrocesso, e lembro que cenários como esse podem mudar, em particular no segundo semestre do ano.

Em síntese, ainda em depressão, a economia segue muito doente. Falta-lhe até uma UTI para internação, pois nem o Executivo nem o Congresso parecem estar preocupados em formular e executar eficazmente um tratamento econômico que lhe dê maior dinamismo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de junho de 2021.

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Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3426&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mercado-ve-pib-crescendo-32-em-2021-mas-deve-ficar-perto-de-zero Mon, 22 Mar 2021 14:57:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3426 Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero

A expectativa dessa taxa de 3,2% vem mais da forte queda do PIB em 2020

Por Roberto Macedo

Esse forte contraste se explica por que, ao olhar para o produto interno bruto (PIB) de 2021, o mercado está muito influenciado pela taxa a ser anunciada pelo IBGE no início de 2022, prevista como muito alta pelo andar recente da economia, e muito mais impactada pela forte queda da economia em 2020 do que pelo desempenho da economia em 2021. Essa previsão de 3,2% acompanha procedimentos estatísticos adotados pelo IBGE ao medir as variações do PIB, conforme explicarei em seguida, pedindo ao leitor desculpas por recorrer a algumas tecnicalidades que tentarei minimizar.

Recorde-se que o PIB teve em 2020 um movimento na forma de um V incompleto na sua haste direita, caindo fortemente com a pandemia da Covid-19 a partir de meados de março e até o segundo trimestre. Depois o PIB passou a crescer, mas sem superar a queda anterior, levando a uma redução de 4,1% no ano. Como o IBGE chegou a esse valor? É como se calculasse a variação média trimestral do PIB ao longo de um ano, por meio de um índice, e a comparasse com a do ano anterior.

Resolvi conferir essa taxa de 4,1% com base no último relatório do PIB trimestral do IBGE, divulgado em 3 de março e, nele, a Série Encadeada do Índice de Volume Trimestral (Média de 1995=100). Tomei as médias dos quatro índices trimestrais de 2020 e 2019 e, dividindo a primeira média pela segunda, o resultado levou a essa queda de 4,1% em 2020.

Noutro exercício, tomei o valor do mesmo índice no último trimestre de 2020 e, supondo para o PIB um crescimento nulo em 2021, esse valor seria o mesmo nos quatro trimestres. E dividindo-o pela média de 2020 encontrei qual seria a taxa de crescimento da economia em 2021, se medida pelo IBGE com essas informações, chegando à taxa de 3,8%. Ou seja, com crescimento zero do PIB, o resultado do IBGE em 2021 seria esse.

Boletim Focus, do Banco Central (BC), divulgado no último dia 15, que mostra as expectativas dos analistas do mercado com relação a vários indicadores, prevê que esse crescimento será de 3,2%, e abaixo do valor a que cheguei, sugerindo que, além de não crescer, o PIB teria uma pequena queda em 2021 na previsão desses analistas.

Ambas as previsões são altas porque em 2020 o valor do PIB caiu bastante, fazendo com que a taxa do PIB de 2021 a ser calculada IBGE tenha um viés de alta independentemente do que acontecer neste ano. Esse viés é chamado de carry over na literatura internacional sobre o assunto, um carregamento transferido de um espaço para outro ou, no tempo, de um para outro período, como no caso sob exame.

Alguém errou nessa história? Não, é uma questão de critério. O IBGE trabalha com essa média trimestral dentro de um ano relativamente à do anterior; outro seria calcular a variação do PIB comparando o valor alcançado em dezembro de 2021 com o verificado de dezembro de 2020. E mais um critério foi o procedimento que adotei acima, de zerar o crescimento em 2021, baseado em outras avaliações que economistas fazem da economia neste ano, independentemente do que aconteceu no ano passado. Entendo que o IBGE está correto, pois é melhor trabalhar com as médias dentro de cada ano comparado. A distorção do carregamento de 2020 para 2021 foi um caso excepcional. O desempenho usual do PIB é de crescimento, e não de queda, e muito menos tão forte como a do ano passado.

Olhando à frente em 2021, o quadro é desalentador. Como foi visto acima, a própria previsão do Boletim Focus, do BC, embute pequena variação negativa do PIB. De fato, ainda sem completar uma efetiva recuperação em V, os dados mais recentes levaram vários economistas a prever até um desempenho negativo do PIB já nos dois primeiros trimestres do ano, percepção que se agravou com a piora da pandemia imposta pela Covid-19. Em matéria de meia página (B3), ontem, este jornal entrevistou vários economistas e assim resumiu o resultado: “País está na contramão do resto do mundo, onde projeções para a atividade sobem; no Brasil, previsão é de queda com inflação em alta”.

Nesse contexto, ganhou surpresa o resultado de um aumento do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (|IBC-Br) à taxa de um 1% em janeiro, mas isso foi visto como um ponto fora da curva, pois a economia deve ter mostrado menos ímpeto em fevereiro e deve piorar, avançando no negativo, a partir do mês atual.

Com o contágio e as mortes pela Covid-19 batendo novos recordes desde meados de fevereiro, as reforçadas medidas de isolamento recém-adotadas devem impor novas perdas principalmente ao comércio e ao setor de serviços, o mais importante da economia, com o que ela sofrerá bastante. A vacinação está atrasada e insuficiente, ainda sem efeitos sensíveis no controle da pandemia, com a contaminação pela Covid-19 avançando mais rápido do que a vacinação. Ela veio escassa com o grande descaso do governo em planejá-la, ainda em meados no ano passado, e rapidamente adquirir as vacinas necessárias para a imunização em massa da população.

Deu no que deu.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de março de 2021.

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Prossegue a tragédia do PIB brasileiro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3406&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=prossegue-a-tragedia-do-pib-brasileiro Fri, 05 Mar 2021 04:01:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3406 Prossegue a tragédia do PIB brasileiro

Quanto a políticas públicas em contrário, confesso meu pessimismo

 Por Roberto Macedo

O relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do quarto trimestre e do ano de 2020, divulgado ontem, é mais um amontoado de más notícias e outro retrato da tragédia por que passa o PIB brasileiro. Este caiu 4,1% em 2020, principalmente como resultado do impacto da Covid-19.

Logo que a Covid surgiu, houve previsões de queda próximas de 9% A política econômica governamental moveu-se em sentido contrário, como no auxílio emergencial e no crédito, mas uma queda de 4,1%, mesmo supondo que poderia ter sido pior, é por si mesma muito alta. E lamentável. Aliás, o relatório aponta que foi a pior taxa desde que a série dados foi iniciada em… 1996 (!). E mais: o PIB per capita, ou por habitante, caiu ainda mais, 4,8%, pois a população segue aumentando.

Em retrospecto, em 2020 as taxas trimestrais, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, foram de -2,1% no primeiro, -9,2% no segundo, 7,7% no terceiro, e 3,2% no quarto. Esse movimento de descida e subida costuma ser chamado de recuperação em V, mas ele veio com sua haste direita sem voltar à mesma altura da haste esquerda. Assim, fazendo essa altura no último trimestre de 2019 igual a 100, em 2020 o PIB caiu para 89 no ponto mais baixo do V e alcançou 98,8% no alto de sua haste direita com as taxas positivas verificadas nos dois últimos trimestres do ano. Também se pode dizer que o PIB passou por uma recessão no primeiro semestre de 2020, que foi interrompida no segundo, mas sem voltar ao valor que tinha no final de 2019. Além disso, por conta desse V a média do PIB em 2020 ficou bem abaixo da média de 2019, o que levou a essa queda de 4,1%.

É importante colocar essa taxa no contexto mais amplo da tragédia do PIB brasileiro. Voltando à década passada, desde 2015 o PIB entrou num buraco do qual não saiu até hoje. No detalhe o relatório mostra isso, mas não há referência ao assunto na notícia do documento. Um dos gráficos do relatório apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o quarto de 2020, e percebe-se que o valor mais alto ficou lá atrás, no primeiro trimestre de… 2014! Ou seja, sete anos depois ainda não voltamos a ele. Em 2015 começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta. Isso define uma depressão, algo mais longo do que as duas recessões ocorridas durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da Covid-19.

Venho insistindo em apontar essa depressão ainda em curso, mas o noticiário, a classe política e mesmo vários economistas parecem ignorá-la, ou negligenciar a busca do seu enfrentamento. Aliás, influenciados pelo que se passa nos países desenvolvidos, muitos economistas brasileiros focados na economia como um todo concentram sua atenção na chamada macroeconomia, que foca principalmente em movimentos cíclicos ou de curto prazo. Questões de longo prazo são negligenciadas. Além da referida depressão, merece destaque o fato de que desde a década de 1980 a economia brasileira está em estagnação ou cresce abaixo do seu potencial, e muito pouco se fala disso.

Com dados do PIB desde 2014, incluídos os de 2020, estimei que ele precisaria crescer um total perto de 7% a partir de 2021 para voltar ao seu valor de 2014, o que tomaria cerca de três anos aumentando perto de 2,4% ao ano, e com muitas incertezas pelo caminho. Assim, para ao final voltar ao PIB de 2014, tomaria nove anos! Ou seja, quase uma década para voltar a um PIB que o Brasil já havia alcançado antes!

Passo agora a uma visão setorial do último ano. Um gráfico do relatório abrange 12 subsetores da economia, oito mostraram desempenho negativo em 2020, com destaque para o subsetor de outras atividades de serviços e o de transporte, comunicação e correio. O primeiro teve a maior queda, de 12,1%, e o segundo caiu 9,2%, resultados condizentes com o maior impacto da crise da Covid-19 nesses subsetores. Entre os que cresceram, destacaram-se o de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados (4%) e o de atividades imobiliárias exceto construção (2,5%). Este último teve queda de 7,8%, a terceira entre as maiores.

Enfim, esse é um quadro trágico do péssimo estado da economia brasileira. Quanto a políticas públicas em sentido contrário, confesso meu pessimismo com o cenário à frente. 2021 pode até mostrar um crescimento do PIB próximo de 3%, mas principalmente pelo fato de que 2020 teve média muito baixa, bastando a economia não cair mais este ano para mostrar algo até acima dos 2,4% citados. Bolsonaro não se interessa pelo assunto e até mesmo atrapalha com suas propostas, como ao interferir em estatais, gerar incertezas e desencorajar investidores. E a Covid-19 voltou até com mais força, e sem um forte retrocesso também agravará a situação da economia. Mas, nesse mau contexto, pessoalmente hoje me sinto melhor, pois vou sair para tomar a vacina com que sonhava.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de março de 2021.

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