pensões – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 01 Dec 2014 15:23:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 É verdade que as aposentadorias e pensões acima de um salário mínimo estão perdendo valor? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2346&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-verdade-que-as-aposentadorias-e-pensoes-acima-de-um-salario-minimo-estao-perdendo-valor https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2346#comments Mon, 01 Dec 2014 15:23:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2346 As aposentadorias e pensões do INSS receberam nos últimos anos aumentos em ritmos muito diferentes. Enquanto o piso dos benefícios da Previdência acompanhou os ganhos reais dados ao salário mínimo, os benefícios superiores a um salário mínimo tiveram aumentos reais muito menores, na maioria dos anos acompanhando apenas a inflação. Assim, os segurados que têm benefícios maiores do que um salário mínimo se queixam da perda de valor de suas aposentadorias ou pensões. A questão que discutimos aqui é a seguinte: houve, realmente, perda para esses beneficiários?

A compreensão de que existe uma perda incita pleitos para que as aposentadorias e pensões sejam majoradas, o que incentivou a apresentação de dezenas de projetos de lei no Congresso Nacional nesse sentido1. Há dois tipos principais de reivindicações: i) que o benefício tenha valor proporcional à razão entre o seu valor inicial e o salário mínimo (piso do INSS) à época de concessão do benefício, ou, pelo menos, que cada benefício receba anualmente aumentos proporcionalmente iguais aos do salário mínimo; ou ii) que o  benefício tenha valor proporcional à razão entre o seu valor inicial e o teto do INSS na época de concessão do benefício2.

Analisemos mais detidamente as fórmulas de reajuste segundo o salário mínimo e segundo o teto:

Reajuste pelo salário mínimo

De acordo com algumas das fórmulas propostas, os benefícios de todos os segurados passariam a ser proporcionais ao salário mínimo, de acordo com a proporção existente entre o benefício e o salário mínimo na ocasião da concessão do benefício. Por exemplo, um benefício que, quando foi concedido, tinha valor equivalente ao de três salários mínimos deveria ser reajustado para que mantivesse essa equivalência.

Outras fórmulas preveem que, daqui em diante, aumentos dados ao salário mínimo sejam reproduzidos nos benefícios (aposentadorias e pensões) de valor maior. Ou seja, se em 2016 o aumento do mínimo for de 10%, também deveria ser aplicado um aumento de 10% a todos que recebem mais do que um salário mínimo.

O objetivo dessas fórmulas seria manter o poder aquisitivo dos segurados nos mesmos patamares da época de concessão dos benefícios.  Argumenta-se que essa perda de poder aquisitivo aconteceu porque os reajustes concedidos aos benefícios com valores superiores aos de um salário mínimo foram inferiores aos reajustes concedidos aos benefícios que correspondiam ao valor de um salário mínimo, o que trouxe perdas aos aposentados e pensionistas que recebiam os benefícios previdenciários com valores acima do mínimo.

Entretanto, a atual fórmula de reajuste dos benefícios contida no art. 41-A do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213, de 1991), já garante a manutenção do poder aquisitivo dos aposentados e pensionistas que recebem benefícios com valores maiores que um salário mínimo. Exatamente com o intuito de preservar o poder de compra desses beneficiários, o referido dispositivo define que os benefícios da Previdência Social sejam reajustados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Cumpre esclarecer que o INPC é considerado o índice que melhor reflete o poder compra dos domicílios com rendimento na faixa de um a oito salários mínimos, faixa que contempla a quase totalidade dos segurados do Regime Geral de Previdência Social. Destaca-se ainda que o seu uso foi fruto de acordo entre entidades que representam aposentados e pensionistas e o Governo Federal.

Assim, as referidas fórmulas não trariam como consequência a recuperação do poder aquisitivo dos beneficiários em relação à época de concessão do benefício, mas sim aumentos reais para boa parte dos beneficiários. Isso porque, desde o Plano Real, o governo executou uma política de forte valorização do salário mínimo, principalmente na última década. Pelas fórmulas propostas, o ganho real do salário mínimo seria repassado para os outros benefícios.

Como ilustração, analisemos um benefício fictício de R$ 1.000 concedido em 2004. Aplicando o INPC a esse valor, conforme a lei, chegamos dez anos depois, em 2014, ao valor de R$ 1.673. Assim, teria havido um aumento nominal de 67,3% e nenhuma perda real.

A impressão de que houve perda ocorre quando se compara o aumento desse benefício com os aumentos dados ao salário mínimo. No Brasil, o piso previdenciário (e também o piso assistencial) é vinculado ao salário mínimo. Nos últimos dez anos, por conta da deliberada intenção de valorizá-lo, seu crescimento nominal foi de 178,5%, com grande ganho real, já que a inflação foi de 67,3%. Inicialmente, o benefício de R$ 1.000 equivalia a cerca de quatro salários mínimos (precisamente 3,85) e em 2014 ele equivalia a cerca de dois salários mínimos (2,31).

É essa a comparação feita por quem argumenta que houve perda. Entretanto, a queda na razão benefício/salário mínimo é uma consequência óbvia da valorização do mínimo, e não implica perda real para os segurados que ganham mais do que ele – como vimos, o poder aquisitivo se manteve igual por conta dos reajustes que levaram em conta a inflação.

O gráfico abaixo mostra as duas séries:

Gráfico 1 – Benefício e salário mínimo entre 2004 e 2014

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Fonte: Elaboração própria.

 

É possível ver no gráfico que tanto o benefício quanto o salário mínimo aumentaram entre 2004 e 2014: apesar de o ritmo do aumento do mínimo ter sido maior, diminuindo o hiato entre as duas séries, não houve perda de poder aquisitivo. Cabe salientar que, apenas para simplificar a análise e focá-la no valor real do benefício, consideramos um benefício reajustado somente pelo INPC. Na verdade, aumentos reais são esporadicamente dados aos benefícios maiores do que um salário mínimo, como, por exemplo, em 2010.

A redução da distância entre esses valores, e assim da razão entre os benefícios maiores e o salário mínimo, pode ser considerada um efeito intencional e desejável da política de valorização do salário mínimo, que, entre outros motivos, visava à redução da desigualdade de renda no país. Não apenas os benefícios da Previdência, mas também outros valores da economia cresceram em ritmo menor do que o salário mínimo, o que é natural se a intenção do governo e da sociedade era valorizá-lo.

Como uma simples ilustração, consideremos que uma economia em que existem apenas cinco salários: 1.000 (o mínimo), 2.000, 3.000, 4.000 e 5.000. Cada um desses salários é recebido por 20% da população. O índice de Gini, que mede a desigualdade, seria de 0,27 (quanto maior o índice, pior a distribuição de renda).

Se nessa sociedade todos os salários crescerem em substanciais 50%, mas com uma valorização maior do mínimo para 100%, teríamos os valores de 2.000, 3.000, 4.500, 6.000 e 7.500. Assim, o índice de Gini cairia para 0,20, indicando uma melhora na distribuição de renda. Todos tiveram aumento e não houve perda para as camadas superiores, apesar do ganho maior dos mais pobres. Se, no entanto, todos os salários aumentassem na mesma proporção que o mínimo, teríamos os valores de 2.000, 4.000, 6.000, 8.000 e 10.000. Todos ganhariam, mas a desigualdade ficaria nos mesmos 0,27 iniciais.

É comum também o argumento de que a grande valorização do mínimo aumenta o custo de vida nas cidades (por exemplo, serviços mais intensos em mão de obra ficam mais caros e o mercado consumidor como um todo se amplia e pressiona os preços). Assim, haveria perda do poder aquisitivo, dando ensejo a aumentos para as aposentadorias e pensões maiores que o salário mínimo. Entretanto, se existe aumento do custo de vida por conta do aumento do salário mínimo, esse aumento seria captado por um índice de inflação, como o INPC, que é exatamente o parâmetro para os reajustes dos benefícios maiores e para a manutenção de seu poder aquisitivo.

 Reajuste pelo teto do INSS

 O raciocínio usado em relação ao salário mínimo (piso previdenciário) também se aplica ao teto. Como mostramos nas simulações anteriores, é compreensível que os beneficiários argumentem que suas aposentadorias ou pensões perderam valor porque a magnitude dos aumentos desses benefícios foi menor que a dos reajustes no teto. Para contornar a situação, costuma ser proposta uma fórmula de reajuste que mantém a proporção entre cada benefício e o valor do teto.

A suposta perda ocorreria porque tanto a primeira reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 20, de 1998) quanto à segunda reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 41, de 2003) elevaram o “limite máximo de contribuição” (teto) para o valor nominal de dez salários mínimos da época. Dessa forma, ao vincular o valor dos benefícios à proporção existente, no momento da concessão, entre o benefício e o teto, essa fórmula de reajuste repassaria esses aumentos a todos os benefícios concedidos antes dessas reformas constitucionais. Apenas na reforma de 2003 a elevação do valor do teto foi de 28%.

Ademais, observa-se que, à exceção das alterações feitas pelas referidas emendas constitucionais em dezembro de 1998 e dezembro de 2003, o reajuste do valor do limite máximo de contribuição seguiu, desde a promulgação do Plano de Benefícios da Previdência Social, de 1991, os mesmos índices e datas usados no reajuste dos benefícios. Foram apenas nessas duas ocasiões em que houve redução da razão entre o valor do benefício e o teto.

Ainda assim, mesmo essa redução não implicou perda de poder aquisitivo, que só teria ocorrido, como vimos, caso os reajustes dos benefícios tivessem sido inferiores à inflação. As elevações do valor do teto em magnitude maior que os reajustes dos benefícios podem ter causado aos segurados a impressão de terem sido prejudicados, mas não houve perda no poder de compra de seus benefícios. Cabe ressaltar que essa afirmação não é o mesmo que dizer que os benefícios são altos, mas meramente que não perderam valor.

Assim como os reajustes mais altos para o piso reduzem a desigualdade de renda, como mostrado acima; reajustes mais intensos para o teto tendem a aumentar a desigualdade, visto que o grupo de aposentados e pensionistas melhor remunerados são os beneficiários da elevação do teto.

Outras fórmulas de reajuste

 Além da equivalência com os aumentos do salário mínimo ou do teto, outras proposições no Congresso buscam, com diversas fórmulas, dar aumentos reais para os benefícios superiores a um salário mínimo, seja para grupos específicos3, ou para todos os beneficiários (com fórmulas vinculando ao PIB4, aos rendimentos dos trabalhadores5 ou considerando índices de inflação mais complexos6).

Entre essas, destaca-se a bem intencionada ideia de reajustar os benefícios com um índice de inflação que dê maior peso aos produtos consumidos por idosos, como remédios7. Entretanto, essa noção, apresentada inclusive pela oposição na última eleição presidencial, não considera que, na verdade, boa parte dos beneficiários da Previdência não são idosos. Entre os motivos para isso, que também revelam as distorções da nossa seguridade social8, estão as regras de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (discutida no texto Por que o julgamento do STF sobre desaposentadoria é importante?), de aposentadoria precoce para mulheres (discutida no texto Por que precisamos reformar a previdência?), de aposentadoria especial e de pensões por morte (também já discutida no blog: Por que a previdência social brasileira gasta tanto com o pagamento de pensões por morte?). De maneira ilustrativa, segundo o Anuário Estatístico da Previdência, apenas 20% dos benefícios concedidos pela Previdência Social em 2012 eram para pessoas com mais de 60 anos de idade, conforme o gráfico abaixo9.

Gráfico 2 – Distribuição por faixa etária dos benefícios concedidos em 2012

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Fonte: Ministério da Previdência Social. Elaboração própria.

 

Cabe observar que não se defende aqui a extinção de benefícios, como as pensões por morte, mas apenas a racionalização dos recursos da Previdência e a aplicação das regras de concessão usadas no resto do mundo – inclusive em países emergentes.

O que o gráfico 2 mostra é que os benefícios da Previdência são concedidos no país em idades em que, normalmente, as pessoas ainda têm uma boa capacidade laboral. Assim, para contemplar as carências dos beneficiários idosos, é preciso uma proposta mais equilibrada e sofisticada do que simplesmente aumentar todos os benefícios.

Considerações finais: como conciliar a insatisfação dos beneficiários com a sustentabilidade do regime?

 Entendemos que as alterações da fórmula de reajuste propostas nos diversos projetos listados no texto  comprometem a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social. O número de segurados que poderiam ter seus benefícios aumentados com o projeto superaria nove milhões, o equivalente a cerca de 30% do total de beneficiários da Previdência Social. De fato, a Previdência deve manter o poder de compra de seus benefícios, conforme o § 4º do art. 201 da Constituição Federal, mas não está obrigada a prover aumentos reais. A concessão de aumentos reais traria grande impacto financeiro nas contas públicas. Frisa-se também que aumentos na Previdência devem respeitar o § 5º do art. 195 da Constituição (criando não apenas o aumento, mas anunciando de onde virão os recursos) e os arts. 16 e 17 da  Lei de Responsabilidade Fiscal10 (pela sua caracterização como “despesa obrigatória de caráter continuado”).

Vale ressaltar novamente que, apesar de a Constituição Federal e do Plano de Benefícios preverem apenas a manutenção do valor real dos benefícios, desde a implantação do Plano Real foram concedidos aumentos reais aos benefícios maiores que um salário mínimo em 1995 e nos anos eleitorais de 2006 e 2010. Nesse período, pós-Plano Real, a variação do valor dos benefícios acima de um salário mínimo superou a variação do INPC em 25,3%. Assim, não apenas as elevações do salário mínimo ou do teto não acarretaram perdas aos beneficiários, como nos últimos anos também houve aumentos reais dos benefícios, de maior ou menor magnitude dependendo do ano em que foram inicialmente concedidos.

Compreendidas a ausência de perda real dos benefícios e levando em conta a insatisfação dos beneficiários, faz-se necessário analisar as possibilidades de conceder aumentos reais significativos a esses benefícios – que, infelizmente, são poucas. Não existe, em tese, impossibilidade de aumento real das aposentadorias e pensões, mas para que ganhos sejam transferidos do mercado de trabalho para os inativos, é preciso que haja ganhos. Por isso, para que possamos aumentar esses benefícios é essencial que a economia cresça. Isso implica colocar no centro do debate a realidade de estagnação do PIB per capita e da produtividade da economia (ver o texto O que é produtividade e como conseguir seu incremento?)

O crescimento econômico é importante não só para a Previdência agora, mas será também essencial para o seu futuro. Contrariando o mandamento constitucional de equilíbrio financeiro e equilíbrio atuarial, temos um déficit financeiro do INSS estimado para 2014 em R$ 55 bilhões. Mas o cenário pode ser ainda pior. O Tribunal de Contas da União (TCU) lançou neste mês de novembro um documento que estima um déficit atuarial de R$ 3 trilhões em relação ao ano de 2050 – se as regras de concessão de benefícios não mudarem11.

É quase impossível que o mercado de trabalho brasileiro consiga sustentar essa situação. Seria preciso que o país crescesse em um ritmo que nunca crescemos – e mais ainda se quisermos dar aumentos reais para os inativos. Entretanto, o que observamos nos últimos anos é, de fato, uma grande dificuldade de o país sair da estagnação econômica (que, de maneira circular, se deve em parte às distorções da Previdência).

Junto com a recente divulgação de que também a queda da miséria cessou, a estagnação da economia deve estimular o debate sobre a sustentabilidade da Previdência Social. Acreditamos que este seja, nos próximos anos, um dos principais assuntos da discussão política do país. Vivemos atualmente a situação paradoxal de termos, simultaneamente, segurados insatisfeitos e um grave desequilíbrio do sistema.

 

(Este texto é baseado no trabalho “Sobre a Perda de Valor das Aposentadorias: existe perda?”. O estudo integral consta do Boletim do Legislativo nº 17 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link: http://www.senado.gov.br/estudos)

__________________

1  Propostas de emenda à Constituição 154/2012 e 43/2007; projetos de lei 6345/2009, 5719/2009, 4509/2008, 4434/2008, 4147/2008, 3273/2008, 3197/2008, 2816/2008, 2229/2007 e 3197/2008; projeto de lei do Senado 558/2013.

2 Em 2015, R$ 4.662,43.

3 Projetos de lei do Senado 285/2014 e 174/2013, e projeto de lei 777/2011.

4 Projetos de lei 5768/2013 e 6048/2009.

5 Projetos de lei do Senado 20/2013 e 361/2012.

6 Projetos de lei do Senado 287/2014, 244/2003 e projeto de lei 2380/2007.

7 Projetos de lei 1732/2007 e 2539/1996.

8 Entretanto, é natural que parte dos beneficiários sejam jovens, como adolescentes que recebem pensão por morte.

9 995.648 pessoas entre 4.957.618 benefícios.

10 Lei Complementar nº 101, de 2000.

11 Pacto pela Boa Governança – Um Retrato do Brasil. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/retratodobrasil/

 

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Por que a previdência social brasileira gasta tanto com o pagamento de pensões por morte? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=677&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-previdencia-social-brasileira-gasta-tanto-com-o-pagamento-de-pensoes-por-morte https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=677#comments Mon, 01 Aug 2011 14:16:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=677 Fato peculiar à previdência social brasileira é sua desigualdade, em termos relativos, bastante substancial para as pensões por morte que somam mais que o triplo, no que se refere à proporção do PIB, daquele observado em outros países.

O gráfico abaixo permite melhor visualização do exposto acima. A proporção dos gastos com pensões no produto do país é expressiva tanto para uma comparação com países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apresentam alta renda, como para os demais países de renda média ou baixa.

Gráfico 1

Fonte: Banco Mundial, Fontes Nacionais e MPS.

Necessita-se, portanto, identificar as razões da divergência dos indicadores referentes à quantidade de benefícios em relação ao padrão internacional.  A principal razão deste comportamento reside no conjunto de regras que permitem o recebimento das pensões por morte no Brasil por mais pessoas e por um maior número de anos, tal como exposto na Tabela 1.

Tabela 1

Comparativo das Condições de Elegibilidade às Pensões por Morte

Brasil e Resto do Mundo

Brasil Resto do Mundo
Carência de tempo contributivo do instituidor. Não há. Exigência de um período contributivo mínimo.
Estado Civil Não necessita ser casado. Exigência de um período mínimo de casamento ou união.
Idade Não há limite mínimo de idade. Restrições aos pensionistas mais jovens. Em especial, viúvas ou viúvos com menos de 45 anos de idade.
Novo matrimônio Pensão se mantém inalterada com contração de novo matrimônio. Pensão usualmente finda com novo casamento.

Como se observa, o Brasil dispõe de regras mais lenientes para a concessão de benefícios de pensão por morte em comparação com outros países. A não exigência de um período contributivo mínimo por parte do instituidor, assim como a possibilidade de receber pensão em qualquer idade, a ausência de necessidade de laço matrimonial ou mesmo a manutenção do benefício após novo casamento permitem que o número de beneficiários de pensão por morte no Brasil seja mais expressivo que noutras nações. Esses fatores explicam, ao menos parcialmente, o fato de o país despender com estes benefícios mais que o triplo da média internacional.

De modo equivalente, a fórmula de cálculo do benefício da pensão por morte é o segundo fator que torna os gastos deste benefício no Brasil bem superior à média internacional. A Tabela 2 apresenta o comparativo das regras do valor deste benefício.

Tabela 2

Comparativo das Fórmulas de Cálculo das Pensões por Morte

Brasil e Resto do Mundo

Brasil Resto do Mundo
Redução do valor da pensão caso o pensionista receba outro benefício ou salário. Não há redução. Há redução ou, em alguns casos, impossibilidade de acumular pensão com aposentadorias ou salários.
Influência da idade do pensionista no valor do benefício. Nenhuma. Usualmente pensionistas mais jovens recebem benefícios menores.
Influência do número de dependentes no valor da pensão por morte. Nenhuma. A reposição é sempre de 100% independente do número de cotistas da pensão. A taxa de reposição gira em 70% com habitual acréscimo de 10% por beneficiário, atingindo no máximo 100%.

As regras brasileiras também se diferenciam bastante no que se refere à fórmula de cálculo do benefício das pensões. Em primeiro lugar, estas sempre repõem 100% do valor do benefício de aposentadoria no RGPS independente do número de beneficiários que dividem a pensão, enquanto em outros países esse é o valor máximo que uma pensão por morte pode atingir.  Assim mesmo, para alcançar esse valor, uma viúva deve dividir sua pensão com alguns órfãos. Em segundo lugar, a acumulação de uma pensão com uma aposentadoria ou salário decorrente de trabalho ativo em nada altera o valor do benefício, enquanto o comum internacionalmente é haver redução ou até mesmo impossibilidade de acumulação. Por fim, viúvas ou viúvos jovens não têm seus benefícios de pensão por morte reduzidos em função de sua baixa idade. No padrão internacional, as pessoas idosas recebem reposições nas pensões por morte superiores aos jovens.

Como, em termos econômicos, tudo tem seu preço, a elevada despesa previdenciária gera dois revezes. Em primeiro lugar, para cobrir tantos gastos, necessita-se tributar muito. As alíquotas de contribuição previdenciária brasileira estão entre as mais altas do mundo e são incompatíveis com o nosso perfil demográfico. Mesmo a União Européia, conhecida por seu avançado estado de bem-estar social e com população envelhecida em mais que o dobro que a brasileira, tem alíquotas que se aproximam de ¼ da folha de salários, enquanto no Brasil avizinham 1/3. As conseqüências imediatas são elevadas cunha fiscal e carga tributária que reduzem os incentivos à formalização do mercado de trabalho e que prejudicam a criação e manutenção de negócios que garantiriam a geração de riqueza do país. Na segunda ótica, a composição dos gastos públicos brasileiros indica elevada participação da despesa previdenciária, a qual não proporciona ao sistema econômico produtividade equivalente a outros gastos públicos como saúde, educação e infraestrutura.

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Por que instituir a previdência complementar do servidor público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=236&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-instituir-a-previdencia-complementar-do-servidor-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=236#comments Fri, 25 Feb 2011 02:10:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=236 As duas reformas da previdência brasileira, feitas em 1998 e em 2003, embora tenham repercutido basicamente no regime de previdência do servidor público, ainda estão inacabadas. Isso porque uma das principais alterações aprovadas ainda não foi regulamentada em nenhum dos entes federativos: o estabelecimento da previdência complementar do setor público.

Os sistemas previdenciários podem operar, basicamente, na forma de dois regimes: capitalização e repartição. No regime de capitalização, os benefícios de cada indivíduo são custeados pela capitalização prévia das contribuições feitas ao longo da vida ativa. No regime de repartição, os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias e pensões em curso, esperando que, no futuro, seus benefícios previdenciários sejam custeados por outros

A previdência complementar, onde vige o regime de capitalização, complementa a previdência básica regida pela repartição (sistema vigente no INSS e no serviço público federal), subdividindo-se em previdência complementar fechada (acessível apenas aos empregados de patrocinadoras ou associados de sindicatos, associações, etc) e aberta (acessível a qualquer pessoa física). No primeiro caso, ao contrário do segundo, há a participação financeira do empregador, quando este existe.

A previdência complementar do setor público será, assim, regida pela capitalização, complementará o regime básico, que continuará a existir, e contará com a participação financeira do ente federado, que, de acordo com o art. 202 da Constituição, não poderá superar a do segurado.

De acordo com o art. 40, §§ 14, 15 e 16 da Constituição Federal, , o ente federado (União, estado ou município), desde que institua regime de previdência complementar, poderá fixar, para as aposentadorias e pensões de seus servidores, o mesmo teto vigente no INSS, que hoje corresponde a cerca de 6,8 salários mínimos. Ou seja, não será necessário para esses governos pagar aposentadorias em valores equivalentes ao salário da ativa. Para receber maior renda de aposentadoria, os servidores terão a opção de adesão à previdência complementar.

A nova regra, todavia, só se aplicará compulsoriamente aos servidores que entrarem no serviço público após a implantação do respectivo plano de previdência complementar (para os demais, a adesão será facultativa).

Ademais, considerando que os planos de benefício da previdência complementar do servidor público deverão se restringir à modalidade de contribuição definida, na qual os benefícios futuros dependem da capitalização de contribuições, o novo regime de previdência do servidor deverá ter a seguinte configuração: a) até o teto do INSS, continuará a viger o sistema de benefício definido, em que o valor do benefício é garantido pelo ente federativo; b) para o valor que exceder o teto, caberá ao servidor a assunção dos riscos.

Contudo, por falta de legislação regulamentando a matéria, nada disso ocorreu até o momento.

O grande problema da postergação na efetivação do novo modelo é que, embora as reformas previdenciárias empreendidas tenham conseguido controlar a tendência explosiva dos gastos, o déficit do regime ainda é e continuará sendo elevado, já que ainda não se conseguiu reduzir efetivamente a pressão fiscal advinda dos encargos previdenciários.

As despesas com o regime próprio dos servidores se encontram estabilizadas em relação ao PIB. Na União, têm oscilado em torno de 2% do PIB, com tendência decrescente no longo prazo, conforme mais e mais servidores passem a receber benefícios previdenciários de acordo com as regras estabelecidas nas reformas da previdência empreendidas.

Ademais, mesmo considerando que os servidores públicos em atividade ficaram sujeitos a regras de transição, já se observa que a idade média de aposentadoria subiu (de 58 para 62 anos, no caso dos homens, e de 54 para 58 anos, no das mulheres), bem como aumentou o tempo de permanência no serviço público, tendências que seguirão seu curso ascendente até que as regras de transição se esgotem.

Não obstante, as despesas e o déficit do regime previdenciário dos servidores continuam sobremaneira elevados. Em 2009, enquanto as despesas do INSS, que abrange 23,2 milhões de beneficiários, somaram 7,1% do PIB; as do regime dos servidores, com apenas 3,1 milhões de beneficiários, totalizaram 4,3%. Em termos de déficit, o do primeiro regime representou 1,7% do PIB e o do segundo, 1,4%.

Essa situação se dá por duas razões básicas. Por um lado, porque as reformas estabelecidas e seus efeitos levam tempo para surtir efeitos fiscais plenos, tendo em vista as regras de transição. Por outro, porque ainda não existe um valor máximo para os benefícios previdenciários dos servidores públicos, o que só será possível depois do estabelecimento, mediante legislação ordinária, da previdência complementar desses trabalhadores.

Nesse último caso, pode-se afirmar que não há como restringir o montante do déficit do sistema sem a existência de um teto. A razão é que, de acordo com a estrutura de custeio do regime de repartição hoje existente no setor público, as contribuições sociais arrecadadas dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas equivalem a menos de 12% dos gastos correntes da União com aposentadorias e pensões. Ou seja, os 88% restantes precisam ser bancados pelos contribuintes de tributos federais. Além disso, a imposição do teto no regime próprio dos servidores significa a aproximação entre este regime e o existente para os demais trabalhadores do País, prática que hoje representa tendência internacional.

Do ponto de vista da política fiscal, os efeitos de curto e longo prazo redundantes da mudança do regime de previdência dos servidores são distintos. No curto, existem os elevados gastos envolvidos com a transição de um regime integralmente de repartição, como o vigente, para outro em que parte será regida pela capitalização. Os custos são elevados por que os futuros servidores, ou seja, os que ingressarem no serviço público após a constituição da respectiva previdência complementar, passarão a contribuir apenas até o teto do regime, que, sendo igual ao do INSS, hoje equivale a R$ 3.689,66. Com isso, menor arrecadação será revertida para financiar as aposentadorias integrais em manutenção, cujos valores médios para a União correspondem a: R$ 6.177,00, no Executivo (civis), R$ 19.281, no Legislativo, e R$ 15.563 no Judiciário (MPO, 2010). Resultado: caberá ao Tesouro Nacional aportar, por vários anos, ainda mais recursos para financiar esses benefícios.

Cabe observar que a aplicação compulsória das novas regras apenas para os novos servidores amenizará o custo de transição, na medida em que o sistema previdenciário antigo continuará a contar com as contribuições integrais dos servidores públicos em exercício, o que minimizará a perda de arrecadação.

Mesmo assim, a vigência de um valor máximo para os benefícios dos novos servidores públicos redundará em um custo de transição entre o regime antigo e o novo estimado em torno de 0,1% do PIB nas duas primeiras décadas.

No longo prazo, todavia, a situação tende a se acomodar, já que a quantidade de aposentadorias integrais se reduz paulatinamente enquanto as novas crescem. Após um razoável período de tempo, a situação se reverte completamente, passando, então, a gerar a fundamental redução dos gastos públicos no âmbito do regime próprio de previdência do servidor público. Paralelamente, a previdência complementar dos servidores estará captando e capitalizando as contribuições adicionais, bem como aplicando a poupança em investimentos de longo prazo. Ao final do processo, as aposentadorias de maior valor deixarão de ser financiadas pelo Estado e, consequentemente, por toda a sociedade.

O gráfico a seguir mostra a trajetória estimada do custo de transição como proporção do PIB, caso a previdência complementar tivesse sido instituída na União em 2009. Verifica-se que tal custo apresenta três fases distintas. Nas duas décadas iniciais, é elevado. Na década seguinte, embora o custo de transição ainda seja positivo, sua trajetória já é descendente. A partir da terceira década, as vantagens advindas da limitação das aposentadorias ao teto do RGPS começam a superar os custos associados às perdas de arrecadação, fazendo com que os ganhos fiscais atinjam algo próximo a 0,2% do PIB.

Custo de transição da previdência complementar dos servidores públicos da União (em % do PIB)

Fonte: CAETANO, Marcelo A. “Previdência complementar para o serviço público no Brasil”. Sinais Sociais, v.3. nº 8, set/dez 2008. Rio de Janeiro: SESC, 2008.

Ressaltem-se ainda duas situações específicas que recomendam a tempestiva reformulação do regime previdenciário do servidor público. Em primeiro lugar, o Brasil encontra-se em fase de crescimento, o que torna menos difícil custear a transição. Em segundo, quase 40% dos servidores públicos federais possuem hoje mais de 50 anos de idade, o que configura um perfil envelhecido de trabalhadores (superior ao verificado no conjunto da nossa força de trabalho e mesmo nos países da OECD). Nesta segunda situação, embora haja uma pressão das despesas previdenciárias no médio prazo, há também a oportunidade de repor esses servidores por novos já inseridos num também novo regime de previdência sujeito ao teto do INSS e complementado por fundo de pensão do setor público. Se o processo de renovação dos servidores ocorrer antes da mudança de regime, os custos fiscais serão maiores e o tempo de maturação do novo regime será mais amplo.

Por fim, cabe fazer um alerta em relação à exigência constitucional de que os fundos de pensão dos servidores deverão ter natureza pública. Já que tal figura não possui significação jurídica estabelecida, caberá à lei que vier a instituir a previdência complementar a normatização da matéria. Se esta for no sentido do estabelecimento de institutos de previdência constituídos como fundações ou autarquias públicas, estar-se-á quebrando um dos pilares da organização da previdência complementar no Brasil, que sempre teve natureza privada. Além disso, correr-se-á o risco de o sistema ficar mais vulnerável às ingerências políticas. Ademais, caso venham a ser fundos públicos, o Governo Federal poderá encontrar dificuldades para supervisionar e regular as entidades criadas por estados e municípios, devido aos princípios constitucionais de autonomia federativa.

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Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm

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O fator Previdenciário deve acabar? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=233&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-fator-previdenciario-deve-acabar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=233#comments Sat, 12 Feb 2011 01:56:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=233 Por ocasião da discussão da primeira reforma da previdência social, o Congresso Nacional rejeitou a imposição de idade mínima para habilitação à aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral de previdência social (embora a tenha aceito para o regime do servidor público), o que foi um duro golpe para o Executivo, que considerava essa a principal medida de contenção das despesas do INSS.

Ocorre que, embora a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, não tenha estabelecido um limite de idade, ela retirou do texto da Constituição a regra de cálculo da aposentadoria, o que abriu caminho para substancial inovação em sua metodologia: a aplicação do fator previdenciário, introduzido mediante a Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.

Mas o que é exatamente o fator previdenciário?

É um índice utilizado para definir o valor da aposentadoria. Ele multiplica o valor médio das contribuições à previdência social de cada segurado do seguinte modo:

Valor da aposentadoria = (valor médio das contribuições) x fator previdenciário

Esse índice (diferente para cada segurado) está estruturado de forma a incluir a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar (além da alíquota de contribuição), nos seguintes termos:

Fator previdenciário =  Tc x a x   (1 + Id + Tc x a) onde:

Es                       100

Tc = tempo de contribuição do segurado

a = alíquota de contribuição do segurado = 0,31 (20% da empresa + 11% do empregado)

Es = expectativa de sobrevida do segurado na data da aposentadoria (fornecida pelo IBGE)

Id = idade do segurado na data da aposentadoria

Na primeira parte da equação, busca-se uma proporção entre o total de contribuições pagas pelo indivíduo e o tempo que se espera que ele receberá a aposentadoria. Suponha-se, por exemplo, um empregado que tenha trabalhado durante 30 anos. Como a contribuição mensal paga ao INSS correspondeu a 0,31% do seu salário de contribuição (11% do empregado mais 20% do empregador),a contribuição total acumulada seria suficiente para pagar sua aposentadoria por 9,3 anos (30 x 0,31). Portanto, se sua expectativa de sobrevida também for 9,3 anos, a primeira parte do fator estará equilibrada (corresponderá à unidade): suas contribuições foram suficientes para pagar sua aposentadoria ao longo do período esperado de sobrevida. Se ele estiver se aposentando ainda jovem, a sua expectativa de sobrevida será alta, o que reduz o valor da primeira parte da equação, reduzindo o fator previdenciário e, consequentemente, o valor mensal da aposentadoria. Se ele vai viver mais tempo, terá que receber menos por mês, para que a sua contribuição durante o período ativo seja suficiente para financiar sua aposentadoria. Efeito similar ocorrerá se o tempo de contribuição for baixo.

Na segunda parte, está sendo pago um prêmio para os segurados que permanecerem mais tempo em atividade, de modo que a aposentadoria é maior para aquele que permanece trabalhando por mais tempo e vice-versa.

Fundamental entender que o fator previdenciário é uma forma de fazer um “regime de repartição” funcionar de modo similar a um “regime de capitalização”.

No regime de capitalização o indivíduo faz contribuições mensais que, capitalizadas, serão depois retiradas na forma de uma renda mensal de aposentadoria. No regime de repartição são os trabalhadores ativos que financiam os benefícios dos aposentados e pensionistas, pressupondo que, no futuro, seus benefícios previdenciários serão custeados pela nova geração de trabalhadores.

O problema do regime de repartição é que, com o envelhecimento da população e ampliação da expectativa de vida, há cada vez menos trabalhadores na ativa para remunerar aposentados e pensionistas. Assim, uma transição para um regime de capitalização torna o sistema previdenciário menos deficitário.

Com o fator previdenciário, cria-se um estímulo para que o trabalhador permaneça mais tempo na ativa para ter uma aposentadoria maior. Tudo se passa como se ele estivesse mais tempo na ativa para acumular mais contribuições em uma conta de capitalização.

Além disso, o resultado final da aplicação do fator atende plenamente ao princípio de equidade que deve reger o sistema de previdência social, conforme dispõe o art. 194 da Constituição. Afinal, é razoável considerar que aquele que opte por se aposentar por tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres) em idade precoce receba benefício inferior a de outro que prefira se aposentar com idade mais elevada. Esse último, além de ter contribuído por maior período, deverá receber o benefício por menos tempo, sendo, justo, pois, que aufira uma renda mensal mais elevada que o primeiro.

Outra qualidade do fator previdenciário é que ele tende a equilibrar o fluxo de caixa do sistema previdenciário no curto e médio prazo, já que o segurado que sai mais cedo, provocando desembolso antecipado, recebe, em contrapartida, aposentadoria de menor valor. Ademais, possui o mérito de ajustar automaticamente os valores das aposentadorias ao contínuo aumento da expectativa de sobrevida da população brasileira, o que é essencial num sistema previdenciário de repartição como o nosso.

Diante de tantas qualidades, cabe questionar se ainda há necessidade de impor idade mínima para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A resposta é sim. O necessário equilíbrio financeiro da previdência social continua a demandar o estabelecimento de uma idade mínima para concessão de qualquer tipo de aposentadoria.

Isso ocorre porque a incidência do fator previdenciário teve um efeito moderado em termos de incentivo à postergação da aposentadoria, sendo razoável supor que muitas pessoas prefiram se aposentar cedo, com menores aposentadorias. Assim fazendo podem complementar seus rendimentos mensais com a concessão de benefício complementar (no caso daquelas vinculadas a um regime privado de previdência) ou, mais frequentemente, com a renda proveniente de novo trabalho, já que não se proíbe que o aposentado volte a trabalhar.

Com efeito, a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição ainda é muito baixa (54 para homens e 52 anos para mulheres), especialmente quando comparada à experiência internacional. Confrontando essas idades com as respectivas expectativas de sobrevida (Tábua de Mortalidade 2009/IBGE), nos deparamos com a seguinte situação: os homens que se aposentam aos 54 anos de idade deverão receber aposentadoria por mais 23,7 anos; as mulheres que se aposentam com 52 anos de idade, por mais 29,2 anos (quase o mesmo tempo mínimo de contribuição, que é de 30 anos).

É fácil perceber a inconsistência existente e o quanto se agravará, em face do irrefutável envelhecimento da nossa população. Há que se considerar, ainda, que a contribuição representa 31% do salário, enquanto a aposentadoria corresponde a 75% e 61%[1] desse valor, respectivamente para homens com 54 e mulheres com 52 anos (se o fator não fosse aplicado, a deficiência atuarial seria ainda mais grave, já que o benefício reporia 100% do salário para ambos os sexos).

O distanciamento entre as regras vigentes no Brasil, um dos seis únicos países do mundo que ainda concede aposentadoria sem limite de idade, e as aplicadas nos países desenvolvidos aponta para a relevância de introduzir tal limite para a aposentadoria por tempo de contribuição.

Enquanto no Brasil o fator previdenciário permite que alguém se aposente com 53 anos de idade, 35 de contribuição e benefício em torno de 70% da média dos salários de contribuição; nos países da OCDE, não apenas a idade de aposentadoria é muito mais elevada, como são requeridos 40 anos de contribuição e 70% do salário é o valor máximo do benefício.

Isso significa que no Brasil, não obstante a aplicação do fator previdenciário, ainda se recebe aposentadoria por mais tempo e com maior valor em relação ao salário médio de contribuição do que o verificado nos países desenvolvidos. Mesmo assim, há atualmente significativa pressão política em favor da eliminação do fator previdenciário.

Esse índice utiliza as informações sobre expectativa de sobrevida da população brasileira por sexo e faixa etária fornecidas pelo IBGE, que, em face do paulatino envelhecimento da população brasileira, é maior a cada ano.

Isso significa que os trabalhadores passaram a se deparar com a seguinte escolha: ou aceitam receber benefícios cada vez menores ou contribuem por cada vez mais tempo para fazer jus a proventos de aposentadoria de valor idêntico ao dos segurados já aposentados. Muitos argúem que tal situação não é justa, em especial porque impede o trabalhador de conhecer antecipadamente sua situação quando da aposentadoria, em vista dos constantes aumentos anuais da expectativa de sobrevida da população.

Diante da pressão política, o Congresso Nacional tentou extinguir o fator previdenciário em várias ocasiões. Na mais recente, aprovou a Lei nº 12.254, de 2010, que continha dispositivo que o eliminava, mas que acabou sendo vetado pelo Presidente da República.

Com isso, nos deparamos hoje com a ameaça de nem com o fator previdenciário contarmos no futuro, o que significaria caminhar na contramão do que ocorre no mundo, onde cada vez mais países utilizam fatores de cálculo que permitem a capitalização virtual das contribuições ao sistema previdenciário, de forma a aproximar os fluxos de contribuições passadas e de renda futura de benefícios.

A Suécia e a Itália, por exemplo, não obstante possuam sistemas previdenciários enormes e com graves restrições demográficas, conseguiram reduzir sobremaneira os efeitos do envelhecimento de suas populações a partir da criação de vínculos mais estreitos entre contribuições e benefícios. Isso foi possível mediante a instituição das chamadas “contas nocionais de previdência” (também adotadas pela Polônia e por mais três pequenos países), que consideram fatores demográficos e macroeconômicos no cálculo do benefício previdenciário, de forma similar ao nosso fator previdenciário.

Tomando como exemplo o sistema sueco, quando o indivíduo chega à idade de se aposentar (61 anos), o valor do seu benefício corresponde ao valor de suas contribuições acumuladas mais os juros nocionais (calculados de acordo com parâmetros estabelecidos pelo governo), dividido pela expectativa de sobrevida aos 61 anos. Se ele decide se aposentar um ano mais tarde, suas contribuições durante o ano adicional de trabalho são também acumuladas à taxa de juros nocional e o resultado final é dividido pela expectativa de sobrevida média aos 62 anos de idade e assim sucessivamente.

É fácil perceber que esse sistema de contas nocionais aproxima-se da sistemática que rege a aplicação do fator previdenciário no Brasil, com diferenças, dentre as quais a de que, ao contrário do caso brasileiro, no europeu se impõe uma idade mínima para habilitação ao benefício previdenciário.

A experiência desses países ensina que não deveríamos  extinguir o fator previdenciário. Pelo contrário, deveríamos, sim, refletir sobre a necessidade de impor idade mínima para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como sobre o aperfeiçoamento desse índice e ampliação dos benefícios previdenciários cujo cálculo utilize sua metodologia.

É inquestionável que o fim do fator dificultará muito mais o necessário controle do desequilíbrio financeiro e atuarial da previdência social brasileira. De acordo com estimativa da Consultoria de Orçamentos da Câmara dos Deputados, o impacto orçamentário e financeiro de tal extinção teria correspondido a cerca de R$ 1,2 bilhão, em 2009, R$ 2,5 bilhões, em 2010, e R$ 3,9 bilhões em 2011[2].

Por fim, cabe destacar que as aposentadorias por tempo de contribuição são majoritariamente concedidas aos trabalhadores melhor qualificados e com maior rendimento. Prova disso é que tal aposentadoria é o benefício mais alto da previdência social. Seu valor médio equivale a R$ 1.205,83, mais do dobro da média dos valores recebidos pelos trabalhadores que se aposentam por idade (R$ 521,58), que representam o maior contingente de beneficiários do sistema.

E quem paga por isso é toda a população brasileira, direcionando cerca de 34% da renda nacional para pagar tributos, enquanto continua a conviver com uma péssima saúde pública, baixíssima qualidade do ensino e níveis assustadores de violência.

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Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Na aplicação do fator previdenciário, são somados 5 anos ao tempo de contribuição das
mulheres e dos professores do ensino básico (10 anos se forem mulheres).

[2] CAMBRAIA, Túlio. Os Efeitos da extinção do fator previdenciário e do retorno à média curta. COFF/CD. Estudo Técnico nº 02, abr 2009. http://www.camara.gov.br/internet/orcament/principal/.

A estimativa também leva em consideração a diminuição do período de cálculo da contribuição média do segurado.

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