Passagens aéreas – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 20 Oct 2014 13:29:44 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quanto custam as milhas que você “ganha” ao usar o cartão de crédito? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2314&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custam-as-milhas-que-voce-ganha-ao-usar-o-cartao-de-credito https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2314#comments Mon, 20 Oct 2014 13:29:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2314 As administradoras de cartão de crédito concedem incentivos para que seus clientes intensifiquem o uso desse meio de pagamento. O mais decisivo são os pontos (ou “milhas”) conversíveis em prêmios, em especial passagens aéreas. Mais recentemente, os esquemas de fidelidade de companhias aéreas têm expandido as opções de utilização das milhas para compra de outros bens e serviços de empresas parceiras. No modelo de negócios da indústria de cartões, o custo dessas milhas é transferido pelas administradoras aos comerciantes – que, por sua vez, os repassam aos preços finais. Os usuários não são onerados diretamente. Por essa razão não percebem que estão pagando por esses bônus. O cliente não saber o preço das milhas é um desses prazeres que não têm preço… para as administradoras.

O intrincado sistema de cobrança e concessão envolvido nos programas de recompensa leva os usuários à ilusão cognitiva de que os bônus são uma benesse. Essa ilusão explica em parte porque a maioria dos usuários tem uma postura desatenta ao custo efetivo dos serviços e bens que adquirem com os pontos. Afinal, aprendemos desde cedo a não perguntar o preço dos presentes. Cavalo dado, não se olham os dentes.

Outra razão para que os usuários se tornem menos exigentes e atentos é a complexidade requerida para calcular os custos de aquisição das milhas e o valor em dinheiro dos bens que se pode adquirir com elas.

Apesar de trabalhosos, os cálculos necessários para achar o custo das milhas e o preço de mercado dos bens vendidos em milhas são conceitualmente simples. As administradoras utilizam índices fixos de recompensa que associam, em cada modalidade de cartão, certo número de pontos a um montante de valor gasto. Uma vez determinados, esses multiplicadores facilitam as conversões e tornam possível comparar os preços em milhas com aqueles praticados em reais no mercado.

O custo de aquisição das milhas é calculado em função dos prêmios que modalidades alternativas concedem aos usuários. Essas modalidades de cartões, menos usuais, concedem reembolsos ou descontos em dinheiro, em vez de milhas, o que permite estabelecer um padrão de comparação. Os cartões da modalidade “Reward”, do Banco Santander, por exemplo, oferecem reembolsos em dinheiro, e os cartões vinculados a montadoras oferecem descontos em dinheiro exclusivamente para a aquisição de veículos da montadora especificamente vinculada ao cartão. Se determinado volume de gasto periódico gera certa retribuição expressa diretamente em dinheiro em algumas modalidades de cartão, é possível comparar esse valor com o número de milhas que o mesmo gasto periódico gera em outras modalidades. A ideia é que o usuário, ao fazer suas compras, teria em tese duas opções: utilizar um cartão que premiasse com milhas ou um que concedesse descontos em dinheiro. Ao optar pelo benefício das milhas, o usuário estaria abrindo mão do desconto que o cartão alternativo concederia. Uma vez obtida essa relação de equivalência – que, em linguagem técnica, vem a ser o custo de oportunidade das milhas –, pode-se determinar o custo unitário em moeda das milhas.

O cartão da modalidade Reward oferece reembolso de 2,0% a 2,5% sobre o valor total da última fatura do usuário – que pode ser integralmente utilizado como desconto na fatura seguinte. Nessa sistemática, os bônus funcionam como dinheiro para todos os fins práticos, o que lhes dá, usando a linguagem técnica, perfeita fungibilidade; já os cartões vinculados à aquisição de veículos oferecem bônus de 5% – limitados a R$ 6.667,00 ao ano – sobre o total dos gastos, o que, na prática, não se constitui em restrição, pois os gastos necessários para obter esse desconto são de R$ 270 mil, aproximadamente o valor médio da renda anual do 0,5% do topo da distribuição de renda. Embora haja nesses cartões a restrição de que o carro deva ser novo e da montadora vinculada ao cartão, o grau de fungibilidade é próximo ao do dinheiro, por três razões: a) o mercado de carros novos tem pouca variabilidade de preços para um mesmo produto em um mesmo período de tempo, em razão de os preços serem transparentes e de fácil acesso, diferentemente do que ocorre no mercado de aviação, em que os preços de uma mesma passagem podem variar sensivelmente em poucos dias ou mesmo em horas; b) os preços dos veículos adquiridos com descontos do cartão não diferem dos praticados em mercado; e c) carros são bens de alta liquidez com custo relativamente baixo de transação.

Feitas essas observações, pode-se passar ao cálculo dos índices de conversão. Um gasto periódico de R$ 24.600 (aproximadamente US$ 10 mil na cotação de 03/10/2014) irá gerar os seguintes bônus:

 

Reward (entre 2,0 e 2,5%)     entre 492,00 e 615,00

Veículos (5,0%)                                                1.230,00

Valor médio (média dos extremos)                   861,00

 

Nas modalidades de cartão mais vantajosas para os clientes, aquelas voltadas para o público de altíssima renda, as administradoras chegam a conceder até 2 pontos (ou milhas) por dólar gasto. Nas faixas de renda logo abaixo, o fator de multiplicação mais frequente é de 1,5 ponto por dólar. Para consumidores da outra ponta do espectro, de menor poder aquisitivo, a taxa de conversão usual é de 1,0. Há também cartões que fazem a conversão diretamente em reais, sem passar pelo valor em dólares. Nesses casos, a taxa de conversão típica é de 1 ponto para cada R$ 3 de gasto. Considerando a atual cotação do dólar – de aproximadamente R$ 2,46 – a conversão de R$ 3 por pontos equivale à conversão de 0,82 pontos por dólar.

Consideradas essas práticas, pode-se tomar como razoável uma taxa de conversão média de 1,2 ponto por dólar de despesa1. Para não correr qualquer risco de superestimação do custo das milhas, será utilizado o fator mais otimista de 1,5 – que é o fator de multiplicação adotado para a clientela de alta renda das administradoras. Com essa opção, desprezam-se custos importantes, como os decorrentes da caducidade das milhas, as perdas impostas por regras de valores mínimos de transferências, o custo decorrente do tempo gasto pelo consumidor para administrar a sua carteira de milhas e, finalmente, pelo custo derivado de juros implícitos derivados do lapso entre a concessão das milhas e sua utilização efetiva. Os custos das mensalidades de cartão não afetam o resultado, pois são comuns às modalidades que concedem milhas e àquelas que concedem descontos e reembolsos. De igual modo, as isenções que costumam ser praticadas para determinados clientes devem incidir de maneira homogênea nesses universos. Se houver maior volume de concessão nas faixas superiores de renda, isso só piora o custo relativo dos usuários de menor renda.

A retribuição de pontos para o volume de gastos do exemplo anterior pode ser assim calculada, com base nos parâmetros estabelecidos:

 

R$ 24.600 = US$ 10.000 = 15.000 pontos (=10.000 * 1,5)

 

Pode-se agora obter a relação de equivalência média entre as milhas obtidas e os descontos em dinheiro concedidos nas diferentes modalidades de cartão. Como já se disse, apura-se aqui o custo de oportunidade das milhas, ou seja, a quantia em dinheiro de que o usuário estará abrindo mão para obter certa quantidade de pontos, considerando um dado volume de gastos. A relação de equivalência nada mais é, portanto, que o preço relativo de aquisição das milhas:

 

R$ 861 = 15.000 pontos (R$ 861 / 15.000 = 5,7 centavos de real por ponto)

 

Então, o custo de oportunidade médio de cada ponto pode é de R$ 0,057.

A precisão desse cálculo pode ser testada por um método alternativo. Os clientes do programa Smiles podem adquirir ou reativar milhas mediante pagamento em dinheiro. Os valores unitários das milhas nessas opções são de R$ 0,07 e R$ 0,04. A reativação significa que as milhas, uma vez “pagas” e perdidas, podem ser readquiridas mediante um pagamento que, obviamente, deve ser menor que o valor de aquisição. Se assim não fosse, não se trataria de reativação, mas de aquisição. Portanto, o valor de R$ 0,057 é, de fato, uma estimativa conservadora do custo de aquisição de uma milha no âmbito dos programas de recompensa.

Obtido o valor de uma milha, pode-se investigar seu efetivo poder aquisitivo. Nessa etapa, a comparação se dá entre os preços de mercado e os preços em milhas dos bens ou serviços a serem adquiridos. O resultado dessa comparação irá dizer em que medida o poder aquisitivo das milhas corresponde ao seu custo de aquisição.

A metodologia de apuração é bastante simples. No caso das passagens aéreas, foram feitos sorteios sucessivos de aeroportos de chegada, aeroportos de partida e datas de partida para a montagem de tabela de voos nacionais de ida e de voos internacionais de ida e volta (nesse último caso com intervalo de 14 dias entre ida e volta). Elaborada a tabela, foram consultados as páginas das empresas Gol e Tam (e as subsidiárias Smiles e Multiplus) para apuração dos preços em reais e em milhas. Onde foi possível, foram apurados os preços de voos idênticos para menores preços de mercado e em milhas. Onde não havia oferta idêntica, optou-se pelas ofertas de menor preço em ambas as modalidades. Nessas situações, foram excluídas as ofertas de percursos iniciados antes das 6 horas da manhã ou depois das 22 horas, no caso dos nacionais, e os percursos muito penosos, como voos com mais de duas paradas ou tempo de conexão muito longo (superior a cinco horas).

No caso de produtos vendidos por parceiros da rede Multiplus Fidelidade, foram tomados os preços de venda por canal próprio, em reais, e pelo canal da Multiplus, expressos em milhas e convertidos para reais segundo a metodologia proposta.

As observações e resultados são apresentados nas tabelas e nos gráficos abaixo.

 

Tabela 1. Custos de aquisição de passagens aéreas (milhas versus mercado) para GOL e TAM

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A tabela 1 organiza os resultados das observações relativas às passagens aéreas. Para cada empresa são apresentadas, por percurso, a) o custo em milhas; b) o custo equivalente em reais das milhas, com uso do fator de conversão de R$ 0,057/milha; c) o preço de mercado do percurso; e d) a relação entre o custo equivalente das milhas e o custo de mercado. Nas duas últimas linhas são apresentadas as médias ponderada (por preço de mercado de cada companhia) e simples das relações EQ/PM dos 20 percursos (40 observações contando as duas empresas). Os valores das EQ/PM em azul são as únicas 4 observações – na amostra de 40 – em que os custos equivalentes das milhas foram inferiores aos preços de mercado. A média ponderada da GOL para as relações EQ/PM foi de 2,25 e a da TAM foi de 2,07. Isso significa que, em média, os custos da aquisição por milhas são superiores ao dobro dos custos incorridos nas aquisições em dinheiro.

Gráfico 1. Relações de equivalência e preço de mercado (EQ/PM) dos percursos indicados

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O Gráfico 1 mostra as relações EQ/PM para cada trecho, por empresa. As relações superiores a 1 indicam que os custos de aquisição por milhas são superiores aos de aquisição em mercado. Como já exposto, em apenas 4 observações a relação EQ/PM foi inferior a 1. Dos 4 casos em que a relação EQ / PM foi inferior a 1 (custo das milhas menor que o preço de mercado), dois se deveram mais a preços de mercado atipicamente altos do que a uma redução importante do preço em milhas, conforme se pode verificar no Gráfico 2, nos trechos Belém-Galeão, no caso da TAM, e no trecho Curitiba-Assunção, no caso da Gol. O Gráfico 2 apresenta os índices de divergência entre os preços de mercado das duas companhias para cada trecho. Quanto maior a disparidade de preços, maior o índice:

 

ID = Ι pmGol – pmTam Ι / (menor (pmGol ; pmTam))

 

Gráfico 2. Divergência relativa entre os preços de mercado TAM e GOL e a média dos preços

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Gráfico 3. Preços de mercado de GOL e TAM nos trechos indicados

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Gráfico 4. Equivalência em reais dos preços em milhas de GOL e TAM para os trechos indicados

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A Tabela 2 e o Gráfico 5 apresentam os resultados relativos aos produtos vendidos por parceiros da rede Multiplus Fidelidade. Como no caso das passagens aéreas, a divergência entre os preços do canal de vendas de mercado e do canal do sistema de pontos é muito significativa. Não houve qualquer caso em que o preço equivalente em milhas fosse inferior ao preço de mercado. A menor relação encontrada foi de preço em milhas igual a 2,31 vezes o preço de mercado. A relação média ponderada foi de 3,25.

Tabela 2. Custos de aquisição de produtos indicados em reais e em milhas na rede Multiplus

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Gráfico 5. Relação entre preços em milhas e preços de mercado na rede Multiplus

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A exemplo do que foi feito com o custo de aquisição, também com relação ao poder aquisitivo das milhas é possível testar a precisão do cálculo por um método alternativo. A empresa Gol oferece sistema misto de aquisição de bilhetes: parte é paga em dinheiro; parte, em milhas. Uma passagem no voo G3-1001 (Santos Dumont/Congonhas) de 04/11 pode ser adquirida por qualquer desses arranjos:

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Esses arranjos resultam em um poder aquisitivo médio das milhas de R$ 0,266. Frente a um custo de aquisição de 0,057, teríamos uma relação de 2,14 (0,057/0,266) entre o custo e o poder aquisitivo, perfeitamente consistente com a média simples das relações EQ/PM apuradas para a empresa Gol, que foi de 2,25.

As discrepâncias observadas entre o custo de aquisição e o poder aquisitivo das milhas são muito elevadas. Só podem ser explicadas pela imensa dificuldade enfrentada pelo consumidor para determinar os preços relativos vigentes na sistemática de recompensa dos cartões de crédito. De fato, não seria concebível que o consumidor, ciente de diferenças tão significativas nos preços, abrisse mão desses valores, como vem fazendo.

Essa dificuldade enfrentada pelo consumidor não ocorre por acaso, mas é meticulosamente construída. A criação de mecanismos opacos de precificação é das estratégias mais importantes e mais utilizadas para reduzir a competição ou para reduzir a influência dos preços sobre a competição. A diversidade de fórmulas de conversão de pontos em valores, as regras de embargo, a extrema variabilidade dos custos dos produtos em milhas, a variação no custo das anuidades dos cartões – que podem inclusive ser baixadas a zero – são elementos que tornam praticamente impenetrável a precificação desse segmento. O usuário comum perde a capacidade de avaliar de modo objetivo – em termos de moeda corrente – os custos e benefícios de suas decisões. Essa situação representa uma importante falha no mercado.

A teoria econômica neoclássica, que conclui pela existência de equilíbrio eficiente em todos os mercados, tem entre suas hipóteses essenciais a vigência de informação perfeita e gratuita sobre preços e qualidade de todos os produtos ofertados em todos os mercados. Trata-se evidentemente de uma hipótese teórica, já que não se cogita de que um consumidor de carne e osso tenha a capacidade de conhecer todos os preços, usos e características de todos os bens ofertados em todos os mercados simultaneamente. Entretanto, a substituição do agente onisciente do modelo teórico por um agente dotado apenas de informações relevantes e racionalidade limitada não traz maiores prejuízos às conclusões da teoria neoclássica. Contrariamente, se essa limitação nas informações ou na possibilidade de computá-las for muito severa, o efeito sobre o funcionamento do mercado passa a ser significativo e o atingimento de equilíbrio eficiente deixa de ser garantido. Restrição severa na capacidade do consumidor de conhecer e comparar preços pode ser razão suficiente para a intervenção regulatória, de modo a se garantir de volta a eficiência no mercado em questão.

A literatura já chegou a razoável consenso sobre os custos e vantagens da utilização do cartão de crédito frente aos demais meios de pagamento. As vantagens estão na redução dos custos de transação em toda a cadeia de comércio e de pagamentos, pois departamentos de crédito de cada comércio singular são substituídos pela estrutura centralizada e de maior escala das administradoras, enquanto as perdas por assaltos ou risco de crédito pelo comerciante são eliminadas e o transporte e a guarda de numerário físico são suprimidos, em favor de transferências eletrônicas. Mesmo a sistemática de incentivos implícitos – como a concessão de milhas – não é necessariamente prejudicial e pode tornar o equilíbrio mais eficiente, conforme demonstra o modelo de “mercado de dois lados”. O problema para os comerciantes e consumidores reside na possibilidade de administradoras (bancos), bandeiras (Visa, Mastercard, por exemplo) e credenciadoras (Cielo, Redecard, GetNet, por exemplo) aproveitarem-se de sua posição de mercado, da complexidade operacional do sistema e das chamadas economias de rede para cobrar tarifas e comissões muito superiores aos benefícios trazidos pela tecnologia dos cartões.

A concessão aos comerciantes da possibilidade de eventualmente praticar preços diferenciados para pagamentos com cartão de crédito em relação aos demais meios de pagamento estabelece uma defesa dos consumidores e comerciantes forte o suficiente contra práticas de sobrepreço por administradoras, bandeiras e credenciadoras. A ideia é que, havendo possibilidade de discriminação de preços à vista ou por cartão, o consumidor pode intuir facilmente se a eventual diferença de preços entre essas opções justifica os benefícios de sua utilização, inclusive levando em conta o valor econômico das recompensas oferecidas pelos cartões.

Diante do grande desequilíbrio entre custos e benefícios nos programas de recompensa, parece recomendável tornar mais simples e direta a aferição, pelo usuário, desses elementos.

Duas medidas são cruciais para atingir esses objetivos: a primeira, permitir a discriminação de preços nas compras à vista e com cartão2; a segunda, estabelecer que as administradoras devam oferecer como opção ao cliente, além de programas baseados na concessão de pontos ou milhas, a alternativa de programas de recompensa baseados em percentual fixo de reembolso, a exemplo da modalidade Reward do Banco Santander. O percentual de reembolso sobre os gastos seria determinado pela livre concorrência.

A difusão de padrões de comparação entre custos e benefícios que essas providências trariam aumentaria a capacidade de avaliação dos usuários, gerando maior eficiência no mercado de cartões, mas não só. Pela participação que as milhas têm na receita das companhias aéreas, essas modificações podem ter importantes repercussões sobre a competição na aviação civil.

___________________

1 A esse respeito, já foi aprovado no Senado e tramita na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo nº 31, de 2013, de autoria do Senador Roberto Requião que “susta os efeitos da Resolução nº 34/89 do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que proíbe ao comerciante estabelecer diferença de preço de venda quando o pagamento ocorrer por meio de cartão de crédito”.

2 Pode-se argumentar que a verdadeira taxa média de conversão de pontos só poderia ser obtida pelo cômputo da média de todos os cartões em uso ponderada pelo grau de utilização de cada um deles em dado período. O argumento está correto teoricamente, embora seja forçoso reconhecer que esse dado é inacessível, pois, entre outras coisas, é informação proprietária e estratégica relevante das administradoras. Assim, sempre será necessário estabelecer alguma estimativa razoável baseada em hipóteses de ponderação, tal como se propõe neste artigo.

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Qual a consequência do ativismo judicial na fixação dos preços das passagens aéreas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-consequencia-do-ativismo-judicial-na-fixacao-dos-precos-das-passagens-aereas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048#comments Mon, 04 Nov 2013 11:04:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2048 O transporte aéreo é uma atividade econômica regulada pelo Governo Federal, que mediante concessão autoriza sua prestação a empresas privadas de aviação. Essa exploração pela iniciativa privada cria a necessidade de um sistema regulador estatal para dimensionar, formular e fiscalizar a prestação do serviço. No caso do transporte aéreo, esta competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Uma de suas atribuições é realizar a regulação econômica do setor, fazendo o respectivo monitoramento e promovendo possíveis intervenções no mercado de modo a buscar a máxima eficiência.

Apesar de existir em funcionamento um mercado de transporte aéreo com preços oscilando conforme as regras de oferta e demanda e de haver uma agência reguladora controlando o setor, aconteceu recentemente uma intervenção do Poder Judiciário, decorrente de uma ação civil pública, que pode acarretar perda de bem-estar social. A nosso ver, tal intervenção gera distorção maior que aquela que o juiz se propõe a resolver.

Conforme o Ministro Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance1. É nesse sentido que se pretende discutir uma decisão recente da Justiça Federal2, em que foi adotada uma interpretação do ordenamento jurídico, cujo reflexo trará prejuízo ao consumidor, apesar de a base da decisão, segundo a magistrada, serem os princípios norteadores da atividade econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal, entre eles a livre concorrência, a função social da propriedade e a defesa do consumidor.

Na referida decisão, a magistrada condenou a empresa TAM Linhas Aéreas a: a) ofertar aos usuários, nos voos com destino para e/ou origem em Imperatriz-MA, no

mínimo, 50% dos assentos com a tarifa denominada “básica”; b) nos meses de alta demanda, em especial dezembro/2013 e janeiro/2014, cobrar do usuário-consumidor o valor máximo de até 50% da tarifa máxima do plano “básico”.

A argumentação da magistrada para tabelar as passagens aéreas para Imperatriz-MA baseia-se no fato de que existe um bem jurídico imediato afetado na relação sub judice que é o direito do consumidor. Entende que o valor das passagens foi elevado abusivamente, uma vez que o trecho entre Imperatriz/MA e Brasília/DF custava R$ 289,00 e passou para R$ 1.529,00 em janeiro de 2014, caindo para R$ 429,00 em fevereiro de 2014. A magistrada argumenta que a TAM ao invés de ampliar a oferta para os meses de referência, devido à procura mais acentuada pelos usuários, limita-se a elevar de forma desarrazoada os preços das passagens aéreas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.

Argumenta ainda a magistrada que, diante da omissão da ANAC em efetivar os comandos insculpidos nos arts. 2° c/c 8° da Lei nº 11.182/05, acaba por deixar tal tarifação à álea e à deriva dos exclusivos interesses das concessionárias aéreas, em prol da política do regime de liberdade tarifária, como se o fornecimento de serviço de transporte aéreo de passageiros fosse, na sua gênese, atividade privada. Esquecendo-se que se trata de “prestação de serviço público”, e da peculiar circunstância de que a ré está a exercer a atividade empresária como longa manus da União, eis que se encontra na condição de concessionária de serviço público, nos termos do art. 21, XII, c, da Constituição Federal de 1988.

No texto disponível neste site, “Empresa aérea é concessionária de serviço público?”, foi explicado que a Lei nº 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária, de forma que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) não pode tabelar os preços das passagens aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao longo de quase toda sua existência.

A mesma lei também assegura às empresas a exploração de quaisquer linhas aéreas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de prestação de serviço adequado. Antes dessa legislação, as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes, dificultando a concorrência.

Outro ponto a ser destacado é que concessão de serviços aéreos não confere à empresa o direito ou a obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada. Essa autorização, denominada Horário de Transporte (HOTRAN), estabelece horários, frequências, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha.  As empresas aéreas não têm, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.

Se o trecho Brasília-Imperatriz fosse extremamente lucrativo, outras empresas teriam interesse em oferecer voos entre essas cidades. Se não o fazem, é porque não há exageros na rentabilidade.

Por outro lado, se os preços praticados estivessem razoáveis, a partir do momento que houve o tabelamento, a empresa talvez não tenha mais interesse em manter essa linha, uma vez que ela não é obrigada a trabalhar de forma deficitária. Isso é o mais provável que aconteça caso o entendimento persevere no Judiciário: uma descontinuidade da linha, com efeitos negativos para os próprios consumidores de passagens entre Brasília e Imperatriz.

Outra possível consequência perversa da decisão é o aumento das tarifas dessa linha em períodos não tabelados. Para custear os passageiros de dezembro e janeiro, quem viajar nos restante do ano terá de pagar mais caro.

Além disso, como o tabelamento funciona para a primeira metade dos assentos vendidos, há um nítido favorecimento dos consumidores que comprarem primeiro, que conseguirem se planejar, em detrimento daqueles que precisarem voar esse trecho por conta de uma emergência, por exemplo, ou que não tiverem a oportunidade de comprar a passagem com muita antecedência.

Por fim, pode acontecer também que, para manter o voo a preços que não lhe garanta lucro, a TAM tenha de aumentar a tarifa de outros voos, de forma que os passageiros do país inteiro teriam que subsidiar aqueles que viajam entre Brasília e Imperatriz (o que na teoria econômica se chama de subsídio cruzado). Em regra geral, quando o preço pago é diferente do custo de produção, gera-se uma ineficiência na economia, com perda de bem-estar. Essa alternativa, no entanto, não é tão provável pela dificuldade de exportar custo extra para outros trechos.

Note-se como uma decisão judicial tem o poder de alterar completamente o equilíbrio do mercado e prejudicar um número muito maior de consumidores do que os supostamente beneficiados.

Conforme o Relatório elaborado pela ANAC, “Tarifas Aéreas Domésticas”3, relativo ao quarto trimestre de 2012, para atender a um maior número de passageiros, otimizar a ocupação das aeronaves e alcançar rentabilidade, as preferências dos usuários devem ser consideradas na prestação e na precificação dos serviços. Em qualquer atividade econômica, a rentabilidade é fator principal para que se tenha investimento e oferta de serviços. Nesse sentido, as tarifas aéreas são ajustadas a todo instante de acordo com a procura e conforme se aproxima a data do voo.

Isto propicia o atendimento a uma maior diversidade de usuários e uma taxa de ocupação da aeronave que sustente a prestação do serviço. Além das preferências dos usuários, os preços do transporte aéreo são afetados, direta ou indiretamente, por outros inúmeros fatores, tais como: evolução dos custos (estes fortemente influenciados pelo preço do barril de petróleo e pela taxa de câmbio do real em relação ao dólar); eficiência da empresa; distância da linha aérea; grau de concorrência do mercado; densidade de demanda; baixa e a alta temporada; ações promocionais de concorrentes; restrições de infraestrutura aeroportuária e de navegação aérea; organização da malha aérea da empresa; porte e eficiência das aeronaves; e taxa de ocupação das aeronaves.

Importante destacar que a distância é apenas um dos fatores que afetam os preços do transporte aéreo, mas não é o preponderante, pois o consumo de combustível é proporcionalmente maior na etapa de decolagem. Quando a aeronave atinge sua velocidade de cruzeiro, o consumo de combustível é menor.

A demanda de voos entre as localidades de origem e destino, por outro lado, é decisiva. Voos entre destinos com baixa densidade de tráfego podem não ser viáveis financeiramente e, quando viáveis, têm passagens mais caras.

Como se percebe, existem diversos fatores que influenciam o preço das passagens, por isso é comum haver passageiros de um mesmo voo pagando tarifas diferentes. É essa dinâmica que propicia a oferta de alguns assentos a baixo preço no transporte aéreo.

Sobre a evolução dos preços das tarifas, apesar de haver liberdade tarifária, alvo da decisão judicial em pauta, o gráfico abaixo ilustra como a tarifa aérea média doméstica real, em valores deflacionados pelo IPCA até dezembro/2011, e o valor médio pago por quilômetro voado (Yield Tarifa Aérea Médio Doméstico Real) sofreram redução entre 2002 e 2011. Isto é, os passageiros estão pagando bem menos para voar hoje, do que no início da década.

O cenário de livre concorrência atrai investimentos para o setor, estimula o crescimento do mercado e promove a ampliação da oferta. A decisão judicial comentada pode reverter esse quadro. Ao tabelar a rentabilidade da iniciativa privada, mesmo sendo esta uma concessionária de serviço público, não se leva em conta o risco específico da atividade nem os custos e características de sua prestação. As consequências negativas serão sentidas pelos consumidores, além de ser mais um agravante para a insegurança jurídica no país. Espera-se que as instâncias superiores do Judiciário tenham uma interpretação diferente acerca do tema.

_________

1 BARROSO, Luís R. “Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática”. 2008. Disponível no site Conjur: http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica. Acessado em 28/10/2013.

2 Processo 0009029-10.2013.4.01.3701 – TRF da 1ª Região

3 http://www2.anac.gov.br/estatistica/tarifasaereas

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