Ministério Público – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 16 Nov 2017 14:18:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 Ministério Público e os voos de galinha https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3097&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ministerio-publico-e-os-voos-de-galinha https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3097#comments Thu, 16 Nov 2017 14:17:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3097 Recentemente o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot respondeu a críticas de que o trabalho do MPF criava instabilidade e prejudicava a retomada do PIB e a agenda de reformas.  O PGR reconheceu que a atuação trazia um custo, mas que em contrapartida a prosperidade futura do país seria erguida em base sólida e consistente. Não sendo assim, estaríamos condenados a “voos de galinha” na economia.

Os esforços do MPF pela melhoria das instituições e da governança e pelo combate ao capitalismo de compadrio são elogiáveis, mas contrastam com uma marcante atuação da instituição pela manutenção do status quo, contra a agenda de reformas. Em junho, o PGR ajuizou ação para derrubar a Lei da Terceirização no STF. Antes, áreas do MPF se posicionaram institucionalmente contra a Emenda do teto de gastos e a reforma da Previdência, enquanto o Ministério Público do Trabalho foi um dos mais ativos opositores da reforma trabalhista.

O comportamento contrarreformista do MPF não é novo. No passado, a Procuradoria-Geral da República se manifestou no Supremo no sentido de reverter aspectos essenciais da 2ª reforma da Previdência, como a contribuição dos servidores inativos, sem sucesso. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, a PGR deu parecer pela inconstitucionalidade de dispositivos que permitiam a redução de salários e de jornadas quando ultrapassados os limites de gasto com servidores. Não tivessem sido derrubados, o atual drama dos Estados teria a mesma dimensão?

Neste ano, os debates realizados pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) no processo de eleição da lista tríplice para novo PGR jogam luz sobre o pensamento da cúpula da instituição sobre temas estratégicos para a economia. Entre os integrantes da lista tríplice existe a opinião que o MPF tem de ter iniciativa para melhorar a política previdenciária porque “grande parte dos benefícios são sonegados a quem deles precisa”. Também no trio há quem opine que a reforma da Previdência é assustadora e muito drástica.

Entre os que não integraram a lista final, uma subprocuradora-geral da República sugere rever o teto de gastos caso a economia cresça. Outro subprocurador, a respeito da Emenda do teto, reclama sobre “dignidade remuneratória”. Entre os eleitos para a lista tríplice, há quem critique a “defasagem” e quem afirme que o MPF já é espartano em seus gastos. Dados do IR mostram que em 2016 a remuneração média de um membro do MP foi 46 vezes maior que o salário mínimo, acima do teto salarial da Constituição.

Também há críticas à situação dos procuradores aposentados. Eles são beneficiados pela integralidade e paridade, privilégios subsidiados pelo contribuinte que não existem no INSS. Porém, a crítica é que recebem pouco.

Um dos eleitos fala em “grave discrepância” porque os da ativa recebem indenizações que o inativo não recebe, de R$ 130 mil ao ano. Uma subprocuradora lamenta que muitos não se aposentam porque não tem “condição de viver com o que receberão”, e exemplifica:  “aposentados têm filhos na carreira que recebem muito mais do que eles”. Já o Ipea aponta que a previdência dos servidores é sozinha responsável por 7% da desigualdade de renda do país, já descontada as contribuições pagas. Nos termos do professor José Márcio Camargo, seria o maior programa de transferência de renda do Brasil.

Mesmo após um impeachment por pedaladas, houve nos debates também inclinação por contabilidade criativa. Uma candidata propôs achar solução para incorporar o auxílio-moradia às aposentadorias “obviamente sob uma outra rubrica”. Um dos escolhidos defende que a gratificação eleitoral seja computada no limite de pessoal do Judiciário, não do MP, pra evitar as consequências da LRF.

Para além do corporativismo, há uma atuação mais geral contra as reformas. Em nota ao Congresso o MPF foi contra a reforma da Previdência com um conjunto de alegações frágeis – se opondo a idade mínima com base na expectativa de vida ao nascer. Por sua vez a ANPR e outras associações de membros do MP assinaram notas afirmando não haver déficit na Previdência, alegando haver um confisco, e garantindo que a reforma não se sustentará no Judiciário (“fique alerta o País disso”).

Na PEC do teto, o MPF enviou ao Congresso durante a tramitação nota afirmando que a proposta era inconstitucional e deveria ser rejeitada, por ofender a separação de Poderes. Já o Ministério Público do Trabalho argumentou, no Parlamento e até em revistas em quadrinhos distribuídas pela instituição, que a reforma trabalhista não gerará empregos.

Exceção na campanha da lista tríplice foi a menção ao papel do MP em reduzir o custo Brasil. Entretanto, quem a vocalizou também argumentou repetidamente que o problema do Brasil são as desigualdades, porque rico ele é. Na verdade, estamos entre a 77ª e a 85ª posição na comparação do PIB per capita: mais pobres que o Iraque e a Botswana.

Em suma, se a atuação do MP na área criminal pode ser modernizadora para a economia, na área cível (tutela coletiva) não é possível dizer o mesmo. Em vez de proteger interesses difusos, na agenda de reformas a atuação do MP é meramente concorrente ao lobby de grupos organizados como as centrais, as corporações e as organizações de advogados.

É de alguém para defender as maiorias mudas que o país precisa. Não há quem advogue pelas crianças e jovens pobres excluídos do orçamento e que contarão com cada vez menos recursos sem mudanças na Previdência, ou pela multidão de desempregados e informais – onde as minorias prevalecem – à espera de oportunidades que não se viabilizarão com a atual legislação trabalhista ou o crescimento explosivo da dívida pública.

São grupos sem capacidade de mobilização para eleger representantes, que poderiam se beneficiar da estrutura bilionária e da missão constitucional do MP de proteger os interesses difusos e coletivos. Se, ao contrário, a instituição que é cada vez mais protagonista na definição dos rumos do país insistir e prosperar na luta contra as reformas estruturais, estaremos condenados a mais voos de galinha.

Este texto foi originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 12 de julho de 2017.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3097 3
Quem protege o trabalhador da Justiça do Trabalho? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3088&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-protege-o-trabalhador-da-justica-do-trabalho Mon, 06 Nov 2017 14:38:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3088 É comum o argumento de que a legislação e a Justiça do Trabalho são exageradamente pró-trabalhador. A afirmação é falaciosa: sempre se deve querer o bem do trabalhador. A questão é que na verdade esta estrutura normativa o prejudica com frequência, especialmente quando peca por idealizar o comportamento dos patrões. A Justiça do Trabalho é uma justiça de decisões bem intencionadas e efeitos adversos.

A CLT prevê que o empregador pode oferecer transporte aos empregados, sem que isso conte como tempo da jornada. O transporte dado livra o empregado de passar mais tempo em deslocamento e de usar o precário sistema de transporte público. Há duas exceções: o transporte será computado como tempo de jornada se o local de trabalho for de difícil acesso ou não servido por transporte público regular.

Muitos juízes reinterpretam estes dois termos. A intenção pode ser boa, uma vez que o empregado ganha uma indenização. O resultado não é: diante da insegurança jurídica, as empresas ficam na defensiva e deixam de oferecer o transporte. Quem perde?

Outro bom exemplo é o engessamento de políticas de remuneração. Quando um juiz decide pela incorporação definitiva de um adicional eventual de produtividade, o empregador tende a resistir em conferir este tipo de prêmio.

Representativa desta miopia é a Súmula 277 do TST, derrubada pelo STF. Ela previa que condições benéficas concedidas temporariamente aos trabalhadores em negociações coletivas deveriam ser incorporadas definitivamente ao contrato individual. Quantos empregadores vão estar predispostos a negociar essas concessões temporárias?

A teoria microeconômica não é romântica ao descrever o comportamento de uma firma: seu objetivo é o de maximizar o seu lucro. Assim, a escolha racional de empregadores diante de decisões trabalhistas como essas será prejudicial justamente aos empregados. O Judiciário trabalhista tem sido pródigo em, ao julgar ações, decidir de maneira que nos casos concretos parece favorável os trabalhadores, mas que acaba sendo deletéria a eles. Este resultado ocorre, ironicamente, por idealizar o comportamento (natural) das empresas.

Individualmente, os julgamentos podem fazer sentido. No agregado, não. Mesmo o TST, que poderia ter uma melhor visão do todo, não tem os insumos do Parlamento para legislar, e também falha ao não antecipar a reação empresarial. A regulação do trabalho no Brasil precisa trabalhar com esta restrição: buscar o melhor para o trabalhador ciente que o DNA da empresa é visar o lucro.

Um segundo problema que existe no arcabouço que rege o trabalho no Brasil é o seu confinamento na lógica de mais valia e na oposição entre capital e trabalho. Outra oposição, talvez mais relevante, é a oposição tácita entre incluídos e excluídos. Cerca de metade de força de trabalho está incluída na legislação trabalhista, e metade está excluída, desempregada ou informal. O instinto protetor sobre o primeiro grupo pode penalizar o segundo.

Pelo dilema “insider-outsider”, o ganho do incluído pode significar perda para o excluído, e vice versa. Um exemplo presente na reforma trabalhista é a inovação do trabalho intermitente, uma controversa nova forma de contratação, por hora. Um bar poderia ampliar o número de garçons contratados no fim de semana, permitindo a inclusão de excluídos: como desempregados para quem trabalhar algumas horas por mês é um avanço em relação a não trabalhar hora nenhuma.

Por outro lado, a mudança permitiria que o bar tenha menos empregados no seu quadro fixo, pela menor demanda nos outros dias. Isso seria perda para incluídos contratados por toda a semana que passariam a trabalhar apenas no fim de semana. Este dilema ainda aparece pouco no debate sobre a legislação e Justiça trabalhistas, em que predomina a visão do conflito capital-trabalho, sem que se perceba que existe um terceiro grupo afetado por estas normas e decisões e sem que se note o conflito invisível entre incluídos e excluídos.

Um terceiro raciocínio que precisa ser aprimorado nesta discussão é o que defende que não precisamos de mudanças na CLT ou no Judiciário, uma vez que mudanças não aconteceram nos últimos anos, nem quando o desemprego caiu, nem quando o desemprego subiu. O argumento, expressado nas redes pela atriz Camila Pitanga, tem lógica: uma mudança na legislação não é uma varinha de condão que resolve sozinha os problemas de renda do país. Entretanto, mesmo quando esteve bom, o funcionamento do mercado de trabalho era muito ruim.

Até no período de boom, com desemprego em baixa, convivemos com informalidade alta e produtividade estagnada, negativa em alguns setores. As estatísticas também escondiam o desemprego oculto pelo desalento, o que se refere ao “desempregado raiz”: o desempregado que já desistiu de procurar ocupação e não aparece mais nos dados oficiais. A baixa taxa oficial também não revelava a “desigualdade de desemprego”: os indicadores muito piores para mulheres, negros e jovens, grupos normalmente esquecidos nesta discussão.

Cabe ao Juiz do Trabalho ativista entender melhor que os indicadores do mercado de trabalho – que não se resumem à taxa de desemprego – são sensíveis às suas decisões; que a soma de decisões individuais bem-intencionadas pode gerar a exclusão de largas parcelas da população; e que o empresário tende a reagir racional e defensivamente ao seu ativismo, transferindo riscos para o trabalhador (inclusive o excluído, quando foge da contratação formal).  Sem essa visão mais ampla, a Justiça do Trabalho periga continuar sendo vista como o elefante na loja de cristais.

 

* Este texto foi publicado sob o título “Boas intenções, efeitos adversos” no jornal O Estado de São Paulo, de 24 de junho de 2017.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
A Justiça é igual em todos os estados da federação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2104&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-justica-e-igual-em-todos-os-estados-da-federacao Wed, 18 Dec 2013 13:43:17 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2104 O funcionamento das instituições, no qual se inclui o Sistema de Justiça no Brasil, precisa estar corretamente calibrado de forma a contribuir com uma eficiente coordenação do sistema econômico. A definição de Douglass North, renomado autor institucionalista, deixa clara essa importância: “as instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições elaboradas pelos homens que dão forma à interação humana. Em consequência, elas estruturam incentivos no intercâmbio entre os homens, seja ele político, social ou econômico”.

O Poder Judiciário especificamente pode prejudicar o desempenho econômico quando gera insegurança jurídica e demora a dar respostas rápidas, em tempo hábil, a questões relacionadas ao cumprimento dos contratos, à garantia dos direitos de propriedade ou à definição de disputas decorrentes dos vários marcos regulatórios.

Uma distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.

Outro grave problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demoram-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.

A intuição acima parece se confirmar com o recém-lançado Atlas do Acesso à Justiça no Brasil (www.acessoajustica.gov.br), onde estão disponibilizados dados que podem contribuir para a construção de políticas públicas que melhorem o Sistema de Justiça, este entendido em três dimensões: judicial, integrada pelo conjunto de órgãos do Poder Judiciário; essencial, composta pelos órgãos e membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil; e extrajurisdicional, que abrange as instituições e órgãos que atuam como portas de acesso à justiça.

O gráfico a seguir, disponível no Atlas, mostra a quantidade de defensores públicos para cada cem mil habitantes, por estado da federação. O pior caso é o de Goiás, com 0,1 defensor para cada cem mil pessoas e o melhor é o do Amapá, onde a proporção é de 13 defensores para cada cem mil habitantes.

img_1

Há também estatística similar, mas considerando a quantidade de juízes para cada cem mil habitantes. O pior caso é o Maranhão e o melhor, novamente o Amapá.

img_2

Por fim, tem-se a quantidade de membros do Ministério Público (MP) para cada cem mil habitantes. O Pará é o pior estado e o Distrito Federal, o melhor.

img_3

O mais interessante dessas informações é quando calculamos a correlação entre essas três séries, juntamente com informações de desenvolvimento humano e de riqueza das unidades da federação.

Procedendo ao cálculo da correlação entre o número de defensores e juízes (0,60);  defensores e membros do MP (0,64); e juízes e membros do MP (0,70), temos o resultado apontando para uma correlação positiva razoavelmente alta entre eles, demonstrando que onde há mais assistência jurídica ao cidadão carente, também há mais magistrados, bem como promotores defendendo o cumprimento das leis. A parte ruim disso é que, nos piores estados, o Sistema de Justiça está mal em todas as suas dimensões.

Se correlacionarmos o número de juízes per capita com o IDHM (índice de desenvolvimento humano municipal) consolidado para os estados, conseguimos um resultado de 0,47. Essa correlação denota que os estados com pior desenvolvimento humano são aqueles onde a Justiça está menos presente, dificultando o acesso a direitos básicos que deveriam ser garantidos à população.

Por fim, há uma correlação negativa fraca (-0,26) entre o número de defensores e o PIB de cada estado. O ideal é que a correlação fosse maior em valor absoluto (próxima de um), pois aí poderíamos dizer que haveria mais defensores nos estados mais pobres. Com o resultado obtido, não há como afirmar que a assistência jurídica aos carentes acontece de forma efetiva onde ela é mais necessária.

Essa análise superficial demonstra que as condições socioeconômicas diferenciadas entre os brasileiros geram também aplicações judiciais desiguais entre os cidadãos. Apesar de as normas determinarem igualdade entre todos, inclusive como garantia constitucional, na prática, a atuação seletiva da justiça cria e reforça desigualdades sociais. Em outras palavras, aqueles que não podem pagar bons advogados, não possuem os mesmos direitos dos mais abastados. Esperamos que a disponibilização de dados possa melhorar a atuação do Estado, tornando o Sistema de Justiça mais eficiente.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>