microeconomia – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 28 Oct 2021 00:18:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A aparente contadição entre desemprego e escassez de mão de obra https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3513&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-aparente-contadicao-entre-desemprego-e-escassez-de-mao-de-obra Thu, 28 Oct 2021 00:16:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3513 A aparente contradição entre desemprego

e escassez de mão de obra

Por Luiz Alberto Machado*

 

Muita gente tem ficado confusa ao ler as diferentes seções dos jornais, revistas e sites nas últimas semanas, o que, em minha opinião, é absolutamente compreensível. Afinal, algumas manchetes apresentam, aparentemente, enorme contradição, sobretudo quando se referem ao nível de emprego e ao mercado de trabalho.

Tal contradição resulta não apenas da complexidade da economia, mas também das oscilações que ocorrem na macroeconomia – que focaliza dados agregados – e na microeconomia, com desempenhos diferentes quando se examinam determinados setores ou regiões.

No presente artigo, procuro explicar a aparente contradição que menciona, de um lado, o elevado desemprego e, de outro, a escassez de mão de obra que gera acirrada disputa por profissionais em alguns segmentos do mercado.

Comecemos pelo desemprego, que se elevou a partir do início da pandemia do coronavírus e permanece em patamar elevado, em torno de 14%, mesmo com a reação da economia a partir do terceiro trimestre de 2020, que levou muitos especialistas a se referirem a ela como recuperação em V. Ora, se não apresentou melhora na fase mais favorável da recuperação em V, é natural que não o faça agora, quando os indicadores apontam para uma estagnação, indicada pelo colega Roberto Macedo pelo sinal da raiz quadrada em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo e reproduzido neste Blog.

O elevado desemprego é um dos componentes da chamada tempestade perfeita que se abate atualmente sobre a economia brasileira, resultante da combinação de uma pandemia devastadora, de uma crise hídrica tão ou mais grave do que a de 2001 e de um governo desastroso, que pode ser comparado a uma fábrica de incertezas, e que produziu, na economia, a perversa mistura de crescimento baixo com inflação alta, pondo por terra, mais uma vez, um dos postulados da teoria econômica, a Curva de Philips[1].

Como, então, pode haver escassez de oferta de mão de obra e acirrada disputa por profissionais no mercado num país marcado por elevado nível de desemprego?

Para entender essa aparente contradição, precisamos fazer a ponte entre a macro e a microeconomia. Nem tudo que vale para a macroeconomia, vale para a microeconomia, cuja análise se desloca da seara dos agregados para a dos aspectos pontuais, examinando um segmento da economia, um setor da cadeia produtiva ou uma região particular.

No presente momento, a coexistência que causa surpresa no mercado de trabalho não se estende a todos os setores da nossa economia, mas sim a um segmento específico.

Enquanto os indicadores macroeconômicos persistem sinalizando para um alto desemprego, os indicadores microeconômicos referentes às atividades ligadas à tecnologia da informação, diretamente associadas à transformação digital em curso, revelam um mercado de trabalho bastante aquecido, em que não é raro observar empresas “roubando” profissionais de suas concorrentes.

Infelizmente, o fenômeno não é generalizado. É localizado e favorece apenas a profissionais qualificados, deixando à margem a esmagadora maioria dos desempregados e desalentados, constituída por trabalhadores de baixa qualificação, vítimas, muitas vezes, das decantadas deficiências do nosso sistema educacional.

Em consequência disso, constatam-se mudanças importantes, com o enfraquecimento de algumas profissões ou ocupações tradicionais e a crescente valorização de “carreiras do futuro”, tendência que tem levado muitas pessoas a se reposicionarem, buscando diferentes formas de aperfeiçoamento em atividades relacionadas à tecnologia.

Naturalmente, as instituições de ensino correm para se adaptar aos novos tempos, alterando a oferta de cursos ou a grade curricular dos já existentes, na tentativa de atender a essa procura crescente por parte de estudantes atraídos por funções que aliam boas oportunidades e bons salários.

E que funções são essas?

Entre elas, podem ser citadas: engenheiro de dados (responsável pelo gerenciamento de captação, armazenamento e distribuição de dados em toda a empresa), arquiteto de soluções (responsável pelo desenvolvimento, adequação e integração de novas soluções personalizadas para as empresas), gestor de mídias sociais (responsável por posicionar a marca da empresa conforme seus objetivos de atrair, reter e engajar o público nesses canais), desenvolvedor full stack (responsável por desenvolver códigos para a execução das funções de uma aplicação na internet), líder de live streaming (responsável por garantir o bom funcionamento das transmissões ao vivo e pela coordenação das equipes que farão as lives), piloto de drone (responsável pelo controle da máquina para a produção de imagens e fotos aéreas para diversos tipos de empresas), especialista em machine learning (responsável pelo desenvolvimento de cálculos, simulação de cenários de decisão e avaliação dos resultados gerados pela simulação), people analytics (responsável pelo processo de coleta, análise e geração de insights baseados em dados para a gestão de pessoas) e pentester (responsável pela execução de testes de segurança em uma infraestrutura para prevenir invasões e exposições de dados).

Com salários médios que variam de R$ 5,5 mil a R$ 13 mil, são algumas das funções que começam a ser mais requisitadas no mercado de trabalho. Elas serão, certamente, acompanhadas por novas designações à medida que a inteligência artificial e a tecnologia de informação evoluem num ritmo cada vez mais acelerado.

 

 

[1] A teoria econômica não admitia a existência desse fenômeno, dado que a crença era no domínio da Curva de Phillips original, que estabelece uma relação inversa entre as taxas de desemprego e de inflação. Se o desemprego fosse alto, a inflação seria baixa, e vice-versa. Supondo a validade dessa relação inversa, recomendava-se que as políticas econômicas adotassem medidas inflacionárias para combater o desemprego e medidas recessivas, causadoras de desemprego, para combater a inflação.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

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Transporte público pode ser transporte privado? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3186&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=transporte-publico-pode-ser-transporte-privado Thu, 28 Jun 2018 20:48:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3186 São comuns os entendimentos de que o mercado privado é ineficiente no provimento de bens públicos e que o Estado tem o dever de prover transporte público não somente a fim de maximizar suas as externalidades positivas na economia, mas também garantir a maior inclusão social dos segmentos que não possuem meios próprios de locomoção1. Embora verdadeiras as premissas, elas não conduzem à conclusão de que apenas o Estado deve prover o transporte público, muito pelo contrário.

Inicialmente é preciso reconhecer que transporte público não é necessariamente um bem público. Bem público é aquele que tem de ser fornecido na mesma quantidade para todos os consumidores envolvidos. Uma vez ofertado um bem público, não é possível restringir o consumo, nem o consumir em diferentes quantidades. Exemplos clássicos de bens públicos são o meio ambiente e a defesa nacional. Não é possível a um determinado cidadão obter mais ou menos defesa nacional. Independentemente de sua propensão a pagar mais ou menos tributos para evitar uma invasão estrangeira, todo cidadão recebe a mesma quantidade de defesa nacional. Da mesma forma, o ar puro, o mar limpo são bens que não podem ser consumidos de forma individualizada, independentemente da utilidade que os consumidores precificam esses bens2,3.

Algumas infraestruturas de transportes como calçadas, ruas, estradas e rodovias podem ter comportamento de bens públicos. Entretanto, há exceções. Quando a demanda é muito maior que a oferta ou quando os sistemas são fechados desaparece o comportamento de bens públicos em sistemas de transportes. Estradas congestionadas e sistemas metroferroviários, em geral, não têm comportamento de bens públicos. Essas infraestruturas são aptas a serem providas pelo mercado privado, pois têm efeito carona negligenciável. Aliás, esse é um fenômeno econômico antigo que vem se tornando cada vez mais contemporâneo nos países desenvolvidos.

A Inglaterra foi a nação precursora dos investimentos privados na provisão de infraestrutura de transportes terrestres. Em 1695, o mercado obteve segurança jurídica para investir na construção e manutenção de estradas pavimentadas, por meio de Acts of Parliament, que autorizavam a cobrança privada de tarifas sobre o tráfego ao longo de certa extensão das estradas. No século XVIII, os Turnpike Acts, do Parlamento inglês, revolucionaram a provisão de infraestrutura rodoviária. Naquele século, cresceu a malha e reduziram-se, substancialmente, os tempos de viagem, pois o interesse econômico era predominante na definição dos traçados das novas estradas pavimentadas4.

A partir dos anos 1820, com o desenvolvimento da ferrovia e da locomotiva a vapor, diversas firmas privadas prosperaram na provisão de infraestruturas ferroviárias de transportes, tanto no transporte de cargas – que até hoje vigora nos Estados Unidos da América –, quanto no transporte de passageiros. Em 1933, seis firmas privadas distintas operavam em Londres no que hoje é conhecido como Underground ou Tube.

Naquela época – e ainda hoje – o transporte ferroviário privado se viabilizava em função de dois motivos: a alternativa mais econômica para o usuário e a alternativa mais rentável para o investidor.

O primeiro motivo vem do fato de o usuário em geral pagar o preço mais barato pelo transporte. Em São Paulo, por exemplo, o transporte de café por ferrovias privadas poderia ser seis vezes mais barato que o transporte convencional por estradas carroçáveis no fim do século XIX5. Nos EUA, a ausência de barreiras a entradas e vantajosidade da ferrovia em relação as alternativas fomentaram a construção de uma rede de mais de 400 mil km de trilhos. A rede ferroviária américa reduziu-se ao longo dos últimos cem anos, paulatinamente, à medida que o preço do frete ferroviário foi se tornando mais caro que sua alternativa: o aquaviário a partir de 1914, com a abertura do canal do Panamá; o rodoviário a partir dos anos 1930, com a construção de rodovias pavimentadas pelo poder público; e o aéreo a partir dos anos 1950, com a entrada da aviação civil comercial. Mesmo assim, ainda hoje, as firmas ferroviárias privadas que exploram mais de 200 mil km de trilhos sobrevivem sem subsídios no competitivo mercado de transporte americano porque têm o preço mais barato na longa distância no interior do país.

O segundo motivo tem relação com a primeira lição de Manheim em seu clássico Fundamentals of Transportation Systems Analysis (1979). “O sistema de transporte de uma região interage com o sistema socioeconômico alterando a demanda de origens, destinos, rotas, volumes de bens e de pessoas transportadas no sistema”6. Sempre que a firma de transporte pode se aproveitar dos ganhos econômicos dessa interação acumulando receitas não apenas de tarifas de transportes, mas de atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que provê, então são criados fortes incentivos para que o sistema de transporte se expanda naturalmente. Este foi exatamente o caso das ferrovias americanas e inglesas que promoveram os primeiros metrôs em Nova Iorque e em Londres. As firmas agiram nesses territórios como firmas de desenvolvimento urbanístico, comprando terras a preços mais baixos na periferia, provendo infraestruturas de transportes a partir do centro, e depois revendendo e alugando imóveis a preços competitivos, suficientes para gerar lucros, e, ainda assim, a preços menores que os praticados nos centros da cidade. Um negócio em que todos ganham.

O mesmo expediente ainda hoje é praticado na Ásia. No Japão, somente no entorno de Tóquio cerca de 50 firmas privadas construíram e operam trens de passageiros, além de, também, hotéis, residenciais, escritórios e shopping centers. Na Ásia, as empresas metroferroviárias arrecadam aproximadamente entre 30% e 60% de seu faturamento das receitas advindas das atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que oferecem7.

Aliás, essa prática foi recentemente retomada nos EUA, especificamente na Flórida, onde um grupo privado de exploração imobiliária8 construiu e está operando desde maio deste ano um trem de média velocidade, entre Miami, Fort Lauderdale e West Palm Beach, ao custo de U$ 20 (vinte dólares americanos) por pessoa, por uma viagem de cerca de 112 km em um tempo de 1h e 15min. Novamente, o negócio se viabiliza para o usuário pelo custo de oportunidade, mais conveniente que as alternativas, e, para o investidor, pelos ganhos com receitas assessórias vinculadas ao negócio de transportes, como os imóveis de escritório, lojas e residenciais sobre a estação central em Miami e no entorno nas demais estações em Fort Lauderdale e West Palm Beach.

O caso da Brightline9 é um exemplo concreto e atual de que o transporte público pode ser integralmente idealizado, financiado, construído e operado pelo mercado privado, sem a necessidade de subsídios, burocracia, ou despesas do contribuinte. Ao custo de U$ 3,6 bi esse projeto não foi planejado em Washington-DC, nem licitado pela agência reguladora, nem teve o preço das tarifas fixado pelo poder público. É integralmente privado10.

Se as barreiras jurídicas a entradas e saídas no mercado de transportes são baixas, firmas privadas terão interesse em investir por diferentes abordagens, desde aquelas com baixa criação de infraestruturas, como, por exemplo, o Uber, 99, Cabify, até aquelas com intensiva criação de infraestruturas e custos afundados, como Brightline, Keio11, MTR12.

Todas essas firmas atuam onde a demanda, a rentabilidade e os riscos são compatíveis com seus modelos de negócio. A diferença entre elas está nos efeitos socioeconômicos que provocam nas cidades. Enquanto as primeiras contribuem para a diminuição da demanda pelo transporte coletivo e de forma indireta fomentam o espraiamento do tecido urbano, as últimas contribuem para o aumento da demanda pelo transporte coletivo e de forma direta fomentam a densificação do tecido urbano, pois, são remuneradas não apenas pelo preço da viagem, mas pelas receitas assessórias do maior fluxo de passageiros que transitam a pé pelo entorno das estações, frequentando suas lojas, escritórios e residenciais.

Com a introdução das firmas metroferroviárias privadas no mercado, o Estado ganha de três maneiras: arrecada mais tributos, deixa de gastar com a provisão direta dos serviços, e, além disso, também economiza na provisão otimizada de bens públicos, como vias, escolas, delegacias, prontos-socorros, etc que podem ser localizados em posições mais eficientes do tecido urbano.

Toda essa economia pública poderá ser aplicada em transporte de cunho social, aquele em que o mercado não tem interesse de prover por ser antieconômico, mas que o Estado tem dever de garantir aos mais pobres. Novamente, todos ganham.

A discussão sobre o modelo de ferrovias privadas autorizadas é necessária não apenas no transporte de passageiros, mas também no mercado de cargas, em complementação ao atual modelo brasileiro de concessões. Nos Estados Unidos o modelo de ferrovias autorizadas tem sido bastante exitoso. Lá, por exemplo, existem 546 ferrovias locais (short lines) administrando uma rede de 52.800 km, i.e., com extensão média de 96,7 km por ferrovia.13 Somente essas ferrovias locais têm uma extensão superior a toda malha ferroviária brasileira de 29.075 km de ferrovias em concessão.

Essa discussão é crucial para o futuro do desenvolvimento econômico e social do Brasil, não apenas porque a realidade fiscal do Estado não permitirá a concretização dos investimentos públicos necessários em transportes, mas porque em países desenvolvidos não se discute mais se a iniciativa privada pode ou não pode prover infraestruturas de transportes, o que se discute lá é qual será a tecnologia que a iniciativa privada irá construir e operar, se a tradicional ferrovia ou a disruptiva tecnologia hyperloop.

Hyperloop é uma modalidade conceitual de transporte em que pessoas ou cargas são transportadas em um tubo de baixa pressão impulsionadas por um trilho eletromagnético. Devido à redução do atrito com o ar rarefeito dentro do tubo o veículo poderia, em teoria, alcançar velocidades de cruzeiro superiores a 1.000km/h, tornando-se mais competitivo que o transporte aéreo. Atualmente diversas firmas privadas competem internacionalmente no desenvolvimento dessa nova tecnologia já tendo sido autorizadas a prospectar soluções em Chicago14, Pittsburg15, Dubai16, entre outras.

Firmas privadas sempre realizaram transporte aberto ao público. Entretanto, no Brasil, o transporte mormente o ferroviário é de forma equivocada compreendido pela legislação ordinária como um serviço público, outorgado apenas pelo Estado, após morosos processos de licitação, que às vezes sequer ocorrem, às vezes resultam desertos, como foi o já esquecido trem-bala entre o Rio de Janeiro e Campinas.

As evidências da história, no entanto, ensinam que não existe razão econômica suficiente a recomendar que todos os ovos do transporte sejam colocados exclusivamente na cesta do Estado, muito pelo contrário. Quanto mais aberto o País e as cidades estiverem para o livre interesse do mercado em construir por sua conta e risco infraestruturas de transportes, melhor para a sociedade, para os contribuintes, e, principalmente, para os mais pobres.

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1 Justificação PEC nº 74, de 2013 (Emenda Constitucional nº90, de 2015)

2 VARIAN, H. (1947) Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006 – 6ª reimpressão.

3 FELIX, M. K. R (2018) Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil.

4 BLANNING, T. C. (2007) The pursuit of glory: Europe, 1648-1815. Penguin.

5 SILVA, C. P. (1904). Política e Legislação de Estradas de Ferro. Volume I. São Paulo. Typ. Laemmert & Comp.

6 Tradução livre.

7 SUZUKI, H., MURAKAMI, J., HONG, Y. H., & TAMAYOSE, B. (2015) Financing transit–oriented development with land values: Adapting land value capture in developing countries. World Bank Publications

8 Florida East Coast Industries. http://www.feci.com/companies.html

9 https://gobrightline.com/

10 KENTON, M. M., & GIFFORD, J. (2015). Comparing Financing Models for US Intercity Passenger Rail Development. http://malcolmkenton.info/wp–content/uploads/2017/08/Kenton_PUBP–714_TermPaper.pdf

11 https://www.keio.co.jp/english/

12 http://www.mtr.com.hk/en/customer/tourist/index.php

13 Federal Railroad Administration (2014) Summary of Class II and Class III Railroad Capital Needs and Funding Sources.

14 https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-14/how-musk-s-hyperloop-became-just-a-loop-in-chicago-quicktake

15 https://www.daytondailynews.com/news/hyperloop-ohio-two-firms-study-feasibility/BlZkziMTFoZsZ4cySOxxWJ/

16 https://www.economist.com/special-report/2018/06/23/how-dubai-became-a-model-for-free-trade-openness-and-ambition

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Análise alternativa de fusões: indicadores de preços x definição de mercado relevante https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3114&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=analise-alternativa-de-fusoes-indicadores-de-precos-x-definicao-de-mercado-relevante Wed, 29 Nov 2017 18:27:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3114 1. Introdução

A análise de fusões e aquisições representa uma grande parte do trabalho do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia responsável pela preservação da concorrência no país. Em 2016, 389 atos de concentração foram notificados, isto é, processos de fusão entre duas ou mais empresas ou de aquisição de controle de uma pela outra1. Entre todos os casos julgados pelo Conselho, 55% corresponderam aos atos de concentração.

Os números acima ressaltam a importância da utilização de métodos eficazes para a análise de tais casos. A Lei 12.529/11 inovou no sistema de concorrência brasileiro ao exigir que os atos de concentração sejam previamente notificados antes de consumados, ao contrário do que ocorria no passado2. Dessa forma, o Cade possui 240 dias para aprovar ou não as propostas de aquisição de empresas. Essa análise pode ser resolvida em até 30 dias se elas forem enquadradas como procedimento sumário, ou seja, com menor potencial ofensivo à concorrência. Entre as possíveis condições para esse enquadramento, a mais comum é a baixa participação de mercado (menor que 20%, nos casos das fusões horizontais3).

A hipótese de que a combinação entre empresas com baixa participação de mercado é menos lesiva à concorrência parte do paradigma estrutura-conduta-performance da economia industrial cujo pressuposto é que indústrias muito concentradas têm menor incentivo à inovação e maior probabilidade de aumento de preços4. Todavia, em uma indústria na qual há produtos diferenciados, isto é, com características específicas que tornem um produto preferível a um similar, essa hipótese não é necessariamente verdadeira. Mesmo que uma empresa detenha grande poder de mercado, é possível que sua participação em um nicho específico seja menor, não significando que a fusão irá resultar em aumentos de preços (e vice-versa).

Diante desse desafio, acadêmicos como Farrel e Shapiro (2010)5 e Salop e Moresi (2009)6 desenvolveram indicadores informativos que vêm sendo adotado por autoridades da concorrência da União Europeia e dos Estados Unidos. Estes visam estimar os possíveis efeitos unilaterais de aumentos de preços de uma fusão sem a necessidade de utilização de modelos econométricos sofisticados. Os autores, ambos antigos servidores do sistema de concorrência americano, ressaltam que a análise de um ato de concentração precisa considerar dois efeitos opostos: a perda de competição direta entre duas empresas, que cria uma pressão positiva sobre os preços; e as reduções de custo marginal que, por sua vez, geram eficiências e possível diminuição dos mesmos. Em alguns casos, a hipótese de que a fusão irá criar uma concentração requer uma definição de qual é o mercado em questão. A tarefa de encontrar esse mercado específico, não sendo trivial7, acaba por tomar muito tempo dos técnicos de concorrência, o que pode ser minimizado com o uso dos indicadores de pressão de preços (do inglês index of pricing pressure ou IPP).

Na revisão do Guia para análise de atos de concentração horizontal (o “Guia H”)8, o Cade incluiu conceitos como elasticidade de preços cruzadas e taxas de desvio, que fazem parte da ideia por trás desses índices. Grande parte dos operadores do direito e da economia da concorrência, no entanto, ainda desconhece esses indicadores. O objetivo deste artigo, portanto, é apresenta-los de forma resumida, de modo a facilitar a vida dos interessados em política da concorrência e promover um debate mais qualificado.

2. Primeiros conceitos: elasticidade-cruzada e taxa de desvio

A dificuldade em se analisar o efeito de uma fusão com base apenas nas suas participações de mercado (market share) pode ser vista com o seguinte problema: suponha que haja quatro redes de supermercados em um município, cada um com participação de 25%. A compra de uma rede pela outra automaticamente gera uma concentração de 50%, índice moderadamente preocupante sob a ótica da análise clássica da concorrência9.

Todavia, supomos que esses mercados estão espacialmente distribuídos na cidade, sendo que os supermercados A e B estão a menos de 1 quilômetro de distância; já entre os mercados B e C ou B e D (ou A e C e A e D) há uma distância maior a ser considerada pelo consumidor, cerca de 5 quilômetros.

Fica claro que, mesmo possuindo um market share de 25% cada, a fusão entre os supermercados A e B tem maior probabilidade de gerar prejuízos à concorrência que uma fusão entre os mercados B e C, por exemplo. Isso porque é necessário considerar a preferência do consumidor pelas quatro lojas. No caso acima, a chance de o cliente migrar para o mercado B no caso de um aumento de preços no supermercado A é maior que para o mercado C. Mas não se pode descartar a hipótese de que o mercado C esteja no caminho de um consumidor cativo de A, que pode aproveitar para comparar os preços entre as duas lojas. A essa preferência de um produto sobre o outro chamamos de elasticidade-preço cruzada. No caso, o efeito sobre a demanda na loja B quando a loja A aumenta seu preço é positivo quando elas são substitutas.

Portanto, um supermercado, ao planejar um aumento de preços, considera a clientela que irá perder para a loja concorrente, de modo que o incentivo que ele tem para aumentar os preços é denominado taxa de desvio. Ela representa a proporção de clientes da loja A que migrariam para a loja B caso a primeira promovesse um aumento os preços.

Em fórmula matemática, a taxa de desvio (do inglês, diversion ratio ou DR) é a razão entre a elasticidade cruzada do produto B em relação aos preços de A e a elasticidade-preço do produto A (ou a sensibilidade da demanda de A face um aumento de preços):

No exemplo acima, vamos assumir que, diante de um aumento de 10% nos preços de A, a taxa de desvio do supermercado A para o B é de 40%, de A para C de 10% e de A para D de 4%.

3. O índice positivo de pressão de preços (UPP)

No exemplo acima, caso os supermercados A e B sejam objetos de fusão, A vende apenas o produto 1 e B vende apenas o produto 2, sendo 1 e 2 muito semelhantes, mas diferenciados pelo custo que o consumidor tem de ir de uma loja para a outra. Cada loja, individualmente antes da fusão, uma possui uma função lucro (π) que depende das quantidades (q) e dos preços (p), deduzidas dos custos (c) de se obter cada produto:

A corporação que coordenará as duas empresas após a fusão pode controlar a quantidade vendida de A ou B para maximizar o lucro final colocando uma “taxa” interna em cada supermercado. Essa taxa, na verdade, é o custo de oportunidade de vender mais de um produto em detrimento do outro. Supondo a empresa A é a primeira a ter o lucro maximizado:

Logo, para maximizar o lucro da firma B, sendo que agora elas fazem parte da mesma corporação, ela será “taxada” ao equivalente à maximização de lucro da firma A:

O termo  (dq2/dq1) é a taxa de desvio da loja A para B, isto é, o quanto do produto 2 deixa de ser produzido quando existe a opção de aumentar a produção de 1. O termo (p2-c2 ) é a margem de lucro da firma 2. Da mesma forma:

Como explicam Farrel e Shapiro (2010), essas “taxas” são o efeito de canibalização de uma empresa pela outra, com vistas a reduzir o custo de produção da firma fusionada e manter os lucros elevados. Dessa forma, uma fusão pode gerar pressão sobre os preços se o termo de canibalização T1 for maior que as reduções de custo (ou ganhos de eficiência):

As fusões podem reduzir o custo da corporação final reduzindo essa “taxa interna”, isto é, com a criação de eficiências (equivalente ao termo E1C1 ). Essa expressão é a força contrária que pressiona os preços para baixo. Dessa forma, o índice de pressão de preços é equivalente à:

Considerando a taxa de desvio do supermercado A para o B de 40% e uma margem  (P2 – C2) de 20%, há uma pressão de preços positiva de 8%. Essa pressão pode ser compensada por uma redução de custos equivalente, ou seja, seria necessário um ganho de eficiência de, pelo menos, 8% para que essa fusão não gerasse aumento de preços. No caso de uma fusão entre A e C, cuja taxa de desvio é de 10%, a pressão de preços é seria bem menor (2%, considerando a mesma margem de 20%).

4. GUPPI

Diante das dificuldades em se definir ou calcular as eficiências oriundas de uma fusão, Salop e Moresi (2009) sugerem, seguindo o mesmo raciocínio teórico acima, um índice bruto de pressão positiva sobre os preços (GUPPI). O GUPPI tem como objetivo avaliar a pressão sobre os preços considerando apenas a proximidade de substituição entre os produtos das empresas fusionadas. Formalmente:

No exemplo dos supermercados, supondo que os preços antes da fusão são idênticos, vemos que o GUPPI equivale à primeira parte do UPP, gerando uma pressão bruta de preços de 8% na fusão de A e B; e de 2% na fusão de A e C, apesar de as participações de mercado serem idênticas (25%).

5. Exemplo recente: aquisição do HSBC pelo Bradesco

Em 2016, o Cade avaliou a compra do HSBC, então o sexto maior banco do Brasil em ativos totais, pelo Bradesco, o quarto colocado. A Superintendência-Geral do Cade, considerando os índices de concentração baseados em participação de mercado, concluiu que o percentual de market share representado pelo HSBC era relativamente baixo. Para se ter uma ideia, em depósitos totais10, o Bradesco possuía apenas 11,44% do mercado, e o HSBC, 3,11% (podendo mesmo ser enquadrado como rito sumário). Considerando apenas os precedentes do Conselho em análise de concentrações no setor bancário, o acréscimo de participação decorrente da operação estaria aquém daquele capaz de gerar uma piora do quadro geral do setor. Dito de outra forma, não foi encontrado nexo de causalidade entre a operação e os problemas concorrenciais identificados no setor bancário11.

O Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, todavia, apontou que, a despeito da participação inferior a 20%, haveria uma pressão potencial por aumento de preços dos produtos ofertados pelo Bradesco e pelo HSBC. Essa conclusão foi obtida por meio da análise do UPP e do GUPPI para uma simulação de 7 cestas de serviços a serem oferecidas pelos bancos, na qual foram simulados cenários com margens (a fórmula  (P2 – C2) acima) de 25% e 50%. No primeiro cenário, apenas duas cestas indicaram a possibilidade de aumento de preços após a operação, visto que a operação ainda traria uma eficiência hipotética de 5%. No cenário com margem de 50%, todas as simulações apontaram para a possibilidade de aumento de preços, em até 6%, na cesta de produtos. Sem as eficiências de 5%, essa pressão seria ainda maior.

Diante da discussão metodológica entre o Departamento e as partes, o Conselheiro João Paulo Resende, relator do caso, repetiu o cálculo dos indicadores considerando os produtos bancários de forma individualizada12. Além disso, utilizou uma margem de 30%, obtida pela decomposição do spread bancário informado pelo Banco Central, para subsidiar parte das hipóteses do modelo e que foram objeto de questionamento pelos advogados. De maneira preocupante, o Conselheiro observou possíveis pressões de preço em 67% do total de produtos bancários.

Por fim, a operação foi aprovada com várias condicionantes, como o incentivo à portabilidade bancária e a obrigação de não adquirir o controle, por meio de fusões ou aquisições, de qualquer outra instituição financeira e/ou administradora de consórcio no Brasil.

6. Conclusão

Fica claro que o objetivo dos indicadores de pressão de preço não é o de dificultar a análise, mas sim o de promover, como instrumento adicional, a averiguação de casos com potenciais riscos lesivos à concorrência não captados por indicadores de concentração de mercado. Servem como indicadores preliminares para identificar, de forma rápida e com poucos dados, qual o risco de aumento de preços em uma fusão. As informações a serem obtidas para a análise também são poucas, como margem e taxa de desvio. Ressalta-se que esta última, para além da complexidade das elasticidades cruzadas, pode ser obtida por meio de pesquisas de mercado e do market share das empresas, como explicam Farrel e Shapiro (2010).

Por fim, no caso Bradesco/HSBC, argumentou-se que por trás dos indicadores haveria a hipótese de competição de Bertrand13 com produtos diferenciados, não sendo possível sua aplicação generalizada. Como apresentado nesse artigo, esse argumento é falacioso. O modelo teórico parte da maximização de lucros entre firmas que, de forma dinâmica, interagem no longo prazo, resultando na probabilidade de gerar pressão sobre os preços a depender do custo de oportunidade de se produzir mais em uma firma que em outra, o chamado efeito canibalização. Os próprios autores afirmam a mesma fórmula dos indicadores pode ser aplicada em situações onde há competição do tipo Cournot14, com uma adaptação da taxa de desvio, que é assumida como unitária. Ou seja, o fator a ser considerado como pressão de preços se torna apenas as diferenças entre as margens das duas firmas15.

 

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1 A Lei 12.529/11, nos artigos 88 e 90, explica com maiores detalhes os tipos de acordo entre empresas que são objeto do escrutínio do Cade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm

2 Um exemplo clássico de análise posterior de fusão reprovada foi a compra da Garoto pela Nestlé. A empresa chegou a investir US$250 milhões na Garoto em 2002; todavia, com a reprovação pelo Cade, o caso se arrastou até 2016, quando as empresas resolveram firmar um acordo com o Cade (vide https://exame.abril.com.br/negocios/os-15-anos-de-vaivem-entre-cade-garoto-e-nestle/).

3 De maneira geral, fusão que envolvem empresas concorrentes.

4 Vide LYRA, M. e PIRES-ALVES, C. Inovação e Efeitos de Fusões e Aquisições: contribuições da teoria econômica e da prática internacional. Anais do II Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação. Setembro de 2014. Disponível em < https://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/inovao-e-efeitos-de-fuses-e-aquisies-contribuies-da-teoria-econmica-e-da-prtica-internacional-26635>.

5 Farrell, J. e Shapiro, C., Antitrust Evaluation of Horizontal Mergers: An Economic Alternative to Market Definition. Fevereiro de 2010. Disponível em:<https://ssrn.com/abstract=1313782>.

6 Salop, S.  e Moresi, S., Updating the Merger Guidelines: Comments. Georgetown Law Faculty Publications and Other Works. 1662. 2009. Disponível em: <http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/1662>.

 

7 No jargão da economia e direito da concorrência, requer-se a definição do mercado relevante

8 <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf>.

9 Para maiores detalhes sobre como as agências estrangeiras definem os limites para esses índices vide SCHMIDT, C. e LIMA, M. Índices de Concentração. SEAE/MF Documento de Trabalho nº 13. 2002. Disponível em <http://seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/documentos-de-trabalho-2002/DocTrab13.pdf>.

10 Depósitos totais incluem os depósitos à vista, poupança, interfinanceiros, à prazos e outros, segundo metodologia do BACEN. O depósito à vista é um produto destinado a pessoas físicas e jurídicas que consiste na captação de recursos não remunerados, que podem permanecer no banco por tempo indeterminado e são de livre utilização pelo consumidor (conta corrente). Para mais referências vide

11 Anexo ao Parecer Técnico n.º 12/2016/CGAA02/SGA1/SG/CADE. Disponível em: <http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?8b7ordf_KdjqNE7xXQyIT8ywVE20IstN0KvraVhk2Pdu0JmyScJG7yscsiknowgJxvnI3g2qMrUOm3H4HELqKw,,>.

12 RESENDE, J.P. Voto no Ato de Concentração nº 08700.010790/2015-41. Disponível em:

<http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?sY3Y6Kk8PGKsGxQqCopAgPCCfsR0K5CR0wQwvPBHl-vSQ28xf6Zs_mcUQJu9WucVGtvF0d0wqbRqT8ZlqIQhQQ,,

13 Empresas que competem à la Bertrand adaptam seus preços em função dos preços das empresas rivais.

14 Nesse cenário, as empresas adaptam as quantidades a serem ofertadas a depender das quantidades a serem oferecidas pelas outras empresas.

15 Maiores informações vide a nota de rodapé na pág. 16 em Farrel e Shapiro (2010).

 

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Aperte os cintos: a passagem aérea subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=aperte-os-cintos-a-passagem-aerea-subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091#comments Wed, 08 Nov 2017 13:33:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3091 Desde junho deste ano, as empresas de aviação estão cobrando pela primeira bagagem despachada nos voos nacionais, conforme autorização concedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Além disso, as passagens sem direito a bagagem despachada não dão direito a qualquer reembolso, em caso de não utilização. Assim, quem opta por não pagar a bagagem, abre mão de eventual restituição.

Considerando o modelo de cobrança da tarifa de despacho adotado pelas empresas aéreas e a extinção do reembolso, tudo indica que a medida resulta em aumento da receita média por passageiros e não, como alega a ANAC, a extinção do subsídio cruzado que existiria dos passageiros que não despacham bagagem em benefício dos que despacham.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), a média mensal de passageiros pagantes em 2017 está em 7,4 milhões, até setembro, e dois terços desses passageiros estão adquirindo bilhetes sem direito a bagagem despachada, após a vigência da cobrança. As empresas estão cobrando um valor fixo de R$ 30 por bagagem. A receita anual decorrente desta cobrança será, portanto, de aproximadamente R$ 900 milhões, valor pouco maior que o prejuízo operacional de R$ 700 milhões absorvido pelas companhias nacionais em 2016.

As empresas argumentam que a cobrança não significa um aumento de preços médios, mas apenas a eliminação do subsídio cruzado, em que os passageiros que não despachavam bagagem arcavam com parte dos custos dos que utilizavam o serviço. A ABEAR assim se pronunciou oficialmente: “Defendemos justiça tarifária. (…) A bagagem nunca foi gratuita – sempre esteve diluída no preço dos bilhetes. Não concordamos que esses custos tenham que ser divididos entre todos os passageiros”.

Os preços de passagens são voláteis. Há variações incríveis de preço de acordo com a data do voo, o período do dia, a antecedência da compra, os custos do combustível, a cotação do dólar e a intensidade da atividade econômica. É muito difícil, apenas 4 meses depois da mudança, estimar com grau aceitável de confiança se o valor médio das passagens sem direito a bagagem realmente teve queda suficiente para compensar a cobrança da tarifa nos demais bilhetes. Como alertou Maurício Schwartsman neste blog, o próprio aumento dos preços médios das passagens nacionais apurados nos índices do IBGE e da FGV (de 36% e 17%) entre junho e setembro não pode levar automaticamente à conclusão de que tenha havido elevação sistemática dos ganhos das empresas: o aumento da média pode ter ocorrido por variação sazonal, aumento da atividade econômica ou elevação do preço do combustível – ou uma combinação das três hipóteses.

Há ainda dúvidas sobre se as mudanças no critério de apuração do preço das passagens – que passou a incorporar o custo da remessa de bagagem – não estariam superestimando a elevação de preços médios.

De fato, estudos mais robustos e confiáveis só poderão ser feitos dentro de alguns meses, quando haverá dados suficientes para se avaliar se as variações nos preços das passagens não são decorrentes de outros fatores de oferta e demanda. A expectativa é que, isolados outros efeitos, seja possível estimar com precisão se a nova regra terá efetivamente baixado os preços das passagens sem direito à franquia de bagagem.

Por outro lado, já é possível julgar se o modelo de tarifação da bagagem despachada adotado pelas empresas é consistente com a argumentação de que a medida não tem por finalidade expandir seu lucro, mas apenas eliminar o subsídio cruzado do serviço, imputando os custos incorridos com o serviço apenas aos usuários que o utilizam.

Nessa perspectiva, o que se espera é que o modelo de cobrança de tarifas onere os usuários que despacham bagagens em montante equivalente ao custo do serviço. Isso não está ocorrendo. As maiores empresas estão cobrando uma tarifa fixa de R$ 30, que independe dos custos variáveis, como a distância do voo, o peso da bagagem e o número de conexões previstas. O passageiro que despacha uma mala de 10 quilos de Brasília a Goiânia em um voo direto está pagando o mesmo que um passageiro que despache 23 quilos de Manaus a Porto Alegre, em voo com uma conexão.

Talvez a explicação esteja então nos custos fixos? Também não. Os custos fixos são aqueles necessários à construção e à manutenção da estrutura física de despacho de bagagens (guichês de recepção, balanças, esteiras, espaço na aeronave, estrutura de desembarque e entrega no aeroporto de destino) e à manutenção de uma equipe mínima de funcionários.

Os custos fixos são decorrentes da escala prevista de operação. Se a escala adotada é suficiente para atender, digamos, 60% dos passageiros, o custo dessa infraestrutura irá se manter durante toda a sua vida útil, ainda que nem metade desse percentual demande o serviço após a cobrança. É como o caso do Estádio Mané Garrincha, em Brasília: ainda que não haja um só espectador, as despesas anuais de manutenção e de pagamento do custo financeiro da obra continuarão a ser pagos. Nem se o estádio fosse implodido, os custos do endividamento desapareceriam. Na verdade, é possível demonstrar que, para uma empresa, é racional, no curto prazo, não cobrar ou cobrar apenas parcialmente os custos fixos, se essa for a condição necessária para obter alguma receita líquida de custos variáveis.

Assim, ainda que haja redução imediata do número de bagagens, isso não reduzirá os custos fixos de operação e, portanto, não haverá benefícios para os que não despacham ou deixarem de despachar bagagens.

Se, segundo o modelo adotado, os custos variáveis não estão afetando a tarifa e se os custos fixos não podem afetá-la no curto e no médio prazo, pode-se afirmar com certeza que o modelo de cobrança adotado não se presta a eliminar o subsídio cruzado – o motivo alegado pela ANAC e pela ABEAR para introdução da cobrança.

Aperte os cintos: a passagem aérea subiu.

 

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Quem ganha com a proibição dos aplicativos de transporte? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3050&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-ganha-com-a-proibicao-dos-aplicativos-de-transporte https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3050#comments Fri, 29 Sep 2017 13:57:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3050 Economistas que defendem o mercado costumam argumentar que o mesmo é capaz de maximizar o bem-estar quando este é dito competitivo. Todavia, para que se atinja tal objetivo é necessário que o mercado possua algumas características que nem sempre são encontradas na realidade. A primeira característica é que devem existir um número grande de consumidores e produtores tal que estes não sejam capazes de influenciar sozinhos o preço do produto. A segunda é que o produto deva ser homogêneo de forma que seja impossível distinguir o produto de um produtor ou outro. E por último, mas, não menos importante, deve haver livre entrada de consumidores e produtores. Poucos mercados conseguem satisfazer estas três condições, no entanto, a tecnologia e suas plataformas com dois lados estão nos aproximando do que chamamos de um verdadeiro mercado competitivo. Este é o caso dos aplicativos de transporte por veículos.

Durante muito tempo para ter acesso a um serviço de transporte seguro foi necessário a intervenção estatal selecionando veículos e motoristas aptos a prestar o serviço de transporte que convencionamos chamar de táxi. A chancela estatal era a garantia de que o serviço era prestado com segurança e por um preço capaz de garantir a sustentabilidade econômica do serviço, ou seja, capaz de atender a todas exigências impostas pela regulação do serviço e ainda capaz de remunerar o motorista de forma satisfatória. Entretanto, na prática o que se observou é que este modelo apresenta vários problemas. Em primeiro lugar, a remuneração satisfatória foi garantida através de restrições à entrada de novos veículos. Isto fez com que surgisse um mercado de licenças e os “empresários ” do setor, isto porque estas licenças passaram a valer fortunas de forma que seus proprietários não mais precisassem trabalhar no transporte de passageiros. Os ganhos com o aluguel da licença eram o suficiente para garantir um negócio rentável. Em segundo lugar, como as licenças e a determinação de preços são um monopólio estatal que determina a lucratividade do setor e a existência dos tais empresários, se abriu a possibilidade de haver ganhos por parte do próprio regulador que passaram a ser cooptados. O resultado deste jogo de interesses é de conhecimento de todos: um serviço caro e insatisfatório para consumidores.

Até bem pouco tempo atrás pouco podia ser feito para mudar este cenário, uma vez que, a alternativa era um serviço desregulado cujos resultados são tão ou mais insatisfatórios do que o modelo regulado. Eis que surgiram os aplicativos de transporte como uma alternativa aos até então únicos modelos possíveis. Se engana quem acredita que os aplicativos sejam substitutos ao serviço de táxi. Na verdade, estes são os substitutos da regulação estatal e por esta razão não deveriam ser regulados, pois a sua regulação implica na eliminação das razões para a sua existência. A regulação proposta pelos aplicativos tem pelo menos duas vantagens evidentes com relação ao modelo de regulação estatal vigente.

A primeira vantagem é seu critério para entrada, muitas vezes criticado. Embora se diga que qualquer um possa ser um motorista e que isto pode gerar risco para passageiros, este argumento ignora o fato de que a entrada é o menos importante, pois na verdade o que importa é quem fica. E neste ponto os aplicativos mostram ser muito superiores a regulação estatal, uma vez que, o julgamento de quem irá permanecer oferecendo o serviço pelo aplicativo é feita pelos próprios consumidores, que atribuem notas a cada serviço prestado. Motoristas com notas persistentemente ruins são excluídos. Isto cria incentivos para que o serviço seja prestado com o maior esmero por parte dos motoristas. No modelo estatal, esta decisão é tomada por um burocrata que muito provavelmente nem utiliza o serviço e cuja ação depende de denúncias feitas por consumidores. Denúncias estas que não são feitas sem custos. É necessário saber a quem encaminhar uma reclamação. Não é necessário ir muito adiante neste argumento para mostra que o modelo estatal é completamente ineficiente este ponto. Basta imaginar como seria a situação de um estrangeiro cujo motorista de táxi resolveu estender a sua corrida por mais alguns quilômetros. Desta forma, motoristas amparados em uma quase inabalável estabilidade, não tem qualquer incentivo a prestar um bom serviço.

A segunda vantagem se dá na forma como os preços dos serviços são estabelecidos. No modelo estatal, os preços são estabelecidos de forma a acomodar os interesses dos grupos organizados (donos de licenças e reguladores) em detrimento aos não organizados (consumidores). Por sua vez, os aplicativos são capazes de estabelecer preços dinâmicos capazes de manter equilibrados a oferta e a demanda pelo serviço. Os preços devem ser satisfatórios tanto para motoristas quanto para consumidores. Eis aqui um ponto que merece um comentário. Motoristas de aplicativos costumam reclamar dos baixos valores recebidos por corridas, todavia estes ignoram os efeitos que um aumento de preços tem na entrada de novos motoristas. Preços mais altos implicam em mais motoristas dispostos a ofertar o serviço que implicam em menos corridas por motorista o que pode implicar em rendimentos totais menores para os motoristas. Ganhos maiores somente estariam garantidos com um número fixo de motoristas.

Estas duas características, livre entrada e saída de motoristas e consumidores e preços dinâmicos, somadas a um serviço homogêneo  (em que o veículo e o motoristas prestam um serviço com poucas diferenças observáveis) e a concorrência entre os próprios aplicativos  geram um mercado próximo ao mercado competitivo teórico proposto pelos economistas em que os aplicativos substituem a famosa mão invisível proposta por Adam Smith (mediante um custo, é claro), enquanto o modelo atual se aproxima a um monopólio regulado. Nesse sentido, o Projeto de Lei 28/2017 que deve ser votado nesta semana representa um retrocesso. O projeto estabelece a responsabilidade exclusiva os municípios de regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte de passageiros e estabelece diretrizes para a habilitação de veículos e motoristas. De forma que retira o poder de fiscalização dos consumidores e retira a capacidade dos aplicativos selecionar motoristas de acordo com seus critérios. Ou seja, o projeto inviabiliza os aplicativos e estabelece diretrizes que restringem ainda mais a entrada de novos veículos e motoristas.

Em princípio poderia se imaginar que tal Lei protegerá os consumidores e garantirá os ganhos dos motoristas de táxi.  No entanto, isto não é verdade. Isto porque as evidencias empíricas disponíveis mostram que atualmente estes trabalham com consumidores e fatias de mercados distintas. Os táxis fornecem serviços para consumidores com maior renda e tem sua participação no mercado garantida pelos pontos de táxi, tais como, saídas de aeroportos, rodoviárias, etc… Enquanto os aplicativos trabalham com consumidores de menor renda, que substituem os outros tipos de transporte público, tais como trens e ônibus.  Portanto, ambos podem coexistir sem que haja prejuízo mutuo. Quem ganha com isto é o consumidor, que possui um poder de escolha.

Enfim, considerando os argumentos expostos é possível concluir que os aplicativos de transporte não podem ser regulados porque qualquer tentativa de cercear a liberdade dos mesmos em escolher seus motoristas e seus preços nos afasta do mercado competitivo e nos aproxima do monopólio que sempre existiu no setor, o que implica em perdas significativas de bem estar, tanto de consumidores, em especial os que possuem menor renda, quanto de potenciais motoristas, que perdem esta oportunidade de trabalho em um momento que a economia brasileira não fornece muitas opções. Todos perdem com a aprovação desta Lei, com a exceção dos fornecedores de licenças, fiscais e donos de licenças, que podem extrair rendas através de privilégios.

 

Textos recomendados:

OLIVEIRA, C. MACHADO, G. C. O impacto da entrada da Uber no mercado de trabalho de motoristas de taxi no Brasil: evidências a partir de dados longitudinais. Working paper, Junho de 2017.

 

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