macroeconomia – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 28 Oct 2021 00:18:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 A aparente contadição entre desemprego e escassez de mão de obra https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3513&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-aparente-contadicao-entre-desemprego-e-escassez-de-mao-de-obra Thu, 28 Oct 2021 00:16:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3513 A aparente contradição entre desemprego

e escassez de mão de obra

Por Luiz Alberto Machado*

 

Muita gente tem ficado confusa ao ler as diferentes seções dos jornais, revistas e sites nas últimas semanas, o que, em minha opinião, é absolutamente compreensível. Afinal, algumas manchetes apresentam, aparentemente, enorme contradição, sobretudo quando se referem ao nível de emprego e ao mercado de trabalho.

Tal contradição resulta não apenas da complexidade da economia, mas também das oscilações que ocorrem na macroeconomia – que focaliza dados agregados – e na microeconomia, com desempenhos diferentes quando se examinam determinados setores ou regiões.

No presente artigo, procuro explicar a aparente contradição que menciona, de um lado, o elevado desemprego e, de outro, a escassez de mão de obra que gera acirrada disputa por profissionais em alguns segmentos do mercado.

Comecemos pelo desemprego, que se elevou a partir do início da pandemia do coronavírus e permanece em patamar elevado, em torno de 14%, mesmo com a reação da economia a partir do terceiro trimestre de 2020, que levou muitos especialistas a se referirem a ela como recuperação em V. Ora, se não apresentou melhora na fase mais favorável da recuperação em V, é natural que não o faça agora, quando os indicadores apontam para uma estagnação, indicada pelo colega Roberto Macedo pelo sinal da raiz quadrada em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo e reproduzido neste Blog.

O elevado desemprego é um dos componentes da chamada tempestade perfeita que se abate atualmente sobre a economia brasileira, resultante da combinação de uma pandemia devastadora, de uma crise hídrica tão ou mais grave do que a de 2001 e de um governo desastroso, que pode ser comparado a uma fábrica de incertezas, e que produziu, na economia, a perversa mistura de crescimento baixo com inflação alta, pondo por terra, mais uma vez, um dos postulados da teoria econômica, a Curva de Philips[1].

Como, então, pode haver escassez de oferta de mão de obra e acirrada disputa por profissionais no mercado num país marcado por elevado nível de desemprego?

Para entender essa aparente contradição, precisamos fazer a ponte entre a macro e a microeconomia. Nem tudo que vale para a macroeconomia, vale para a microeconomia, cuja análise se desloca da seara dos agregados para a dos aspectos pontuais, examinando um segmento da economia, um setor da cadeia produtiva ou uma região particular.

No presente momento, a coexistência que causa surpresa no mercado de trabalho não se estende a todos os setores da nossa economia, mas sim a um segmento específico.

Enquanto os indicadores macroeconômicos persistem sinalizando para um alto desemprego, os indicadores microeconômicos referentes às atividades ligadas à tecnologia da informação, diretamente associadas à transformação digital em curso, revelam um mercado de trabalho bastante aquecido, em que não é raro observar empresas “roubando” profissionais de suas concorrentes.

Infelizmente, o fenômeno não é generalizado. É localizado e favorece apenas a profissionais qualificados, deixando à margem a esmagadora maioria dos desempregados e desalentados, constituída por trabalhadores de baixa qualificação, vítimas, muitas vezes, das decantadas deficiências do nosso sistema educacional.

Em consequência disso, constatam-se mudanças importantes, com o enfraquecimento de algumas profissões ou ocupações tradicionais e a crescente valorização de “carreiras do futuro”, tendência que tem levado muitas pessoas a se reposicionarem, buscando diferentes formas de aperfeiçoamento em atividades relacionadas à tecnologia.

Naturalmente, as instituições de ensino correm para se adaptar aos novos tempos, alterando a oferta de cursos ou a grade curricular dos já existentes, na tentativa de atender a essa procura crescente por parte de estudantes atraídos por funções que aliam boas oportunidades e bons salários.

E que funções são essas?

Entre elas, podem ser citadas: engenheiro de dados (responsável pelo gerenciamento de captação, armazenamento e distribuição de dados em toda a empresa), arquiteto de soluções (responsável pelo desenvolvimento, adequação e integração de novas soluções personalizadas para as empresas), gestor de mídias sociais (responsável por posicionar a marca da empresa conforme seus objetivos de atrair, reter e engajar o público nesses canais), desenvolvedor full stack (responsável por desenvolver códigos para a execução das funções de uma aplicação na internet), líder de live streaming (responsável por garantir o bom funcionamento das transmissões ao vivo e pela coordenação das equipes que farão as lives), piloto de drone (responsável pelo controle da máquina para a produção de imagens e fotos aéreas para diversos tipos de empresas), especialista em machine learning (responsável pelo desenvolvimento de cálculos, simulação de cenários de decisão e avaliação dos resultados gerados pela simulação), people analytics (responsável pelo processo de coleta, análise e geração de insights baseados em dados para a gestão de pessoas) e pentester (responsável pela execução de testes de segurança em uma infraestrutura para prevenir invasões e exposições de dados).

Com salários médios que variam de R$ 5,5 mil a R$ 13 mil, são algumas das funções que começam a ser mais requisitadas no mercado de trabalho. Elas serão, certamente, acompanhadas por novas designações à medida que a inteligência artificial e a tecnologia de informação evoluem num ritmo cada vez mais acelerado.

 

 

[1] A teoria econômica não admitia a existência desse fenômeno, dado que a crença era no domínio da Curva de Phillips original, que estabelece uma relação inversa entre as taxas de desemprego e de inflação. Se o desemprego fosse alto, a inflação seria baixa, e vice-versa. Supondo a validade dessa relação inversa, recomendava-se que as políticas econômicas adotassem medidas inflacionárias para combater o desemprego e medidas recessivas, causadoras de desemprego, para combater a inflação.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

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Como o gasto público elevado desequilibra a economia brasileira? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-gasto-publico-elevado-desequilibra-a-economia-brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=643#comments Mon, 04 Jul 2011 16:37:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=643 Em comparação internacional, há argumentos para mostrar que o gasto público brasileiro é alto. Utilizando dados da Penn World Table (uma confiável fonte de informação comparada de contas nacionais) acerca do consumo dos governos[1], é possível estimar qual seria o excesso/insuficiência de consumo governamental de cada país em relação à média internacional.

Foram realizadas nove diferentes estimações[2]. Elas mostraram que o Brasil teria um excesso de gastos entre 14% e 26%. Tal excesso o colocaria próximo ao topo do ranking de países com maior excesso de gastos. Na média das nove estimações realizadas, o Brasil fica em 13º lugar em um conjunto de 103 países. Portanto, entre os 13% que mais gastam. A Tabela 1 apresenta o ranking dos 20 países com maior excesso de gastos nas estimações realizadas.

Se olharmos em uma perspectiva temporal, também constataremos que o gasto público tem crescido de forma consistente no Brasil. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[3].

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O gasto público elevado e crescente gera um ciclo vicioso retratado na Figura 1 a seguir. Para manter o equilíbrio das contas públicas, em um contexto de gastos não-financeiros crescentes, e atingir a meta de superávit primário, o governo aumenta tributos (seta nº 1) e corta investimento público (seta nº 2), o que acaba desestimulando o investimento privado (seta nº 3): a maior carga tributária reduz a rentabilidade líquida dos empreendimentos privados e a queda do investimento público gera deterioração da infra-estrutura de transportes, aumentando o custo final da produção. Essa redução no investimento privado e em outros componentes da despesa agregada sempre que o Estado aumenta a despesa pública é conhecido na literatura econômica como efeito crowding-out.

Tabela 1 –  Posição dos países no ranking de excesso de gasto (valor observado menos valor estimado) em cada uma das nove estimações

País I II III IV V VI VII VIII IX Média das posições no ranking Desvio Padrão das posições no ranking
1 Cuba 1 11 1 1 5 2 1 1 4 3.0 3.4
2 Niger 2 1 18 4 1 7 10 8 6 6.3 5.4
3 Netherlands 9 25 7 8 11 6 2 3 2 8.1 7.1
4 Mali 5 7 20 5 2 8 20 16 17 11.1 7.1
5 South Africa 4 26 4 10 12 4 15 12 16 11.4 7.2
6 Botswana 36 15 14 3 6 5 8 5 23 12.8 10.8
7 Denmark 7 10 2 13 16 46 6 7 30 15.2 14.1
8 Hungary 11 29 5 14 17 13 17 17 20 15.9 6.6
9 Venezuela 8 28 17 25 22 20 12 13 10 17.2 7.0
10 India 40 57 35 2 3 1 7 10 7 18.0 20.5
11 Sweden 22 41 6 12 14 27 9 11 22 18.2 11.0
12 Japan 19 39 30 31 38 9 5 6 1 19.8 15.0
13 Brazil 12 32 19 20 28 12 21 21 14 19.9 6.8
14 France 27 43 21 15 18 22 13 15 12 20.7 9.7
15 Czech Republic 23 40 22 16 24 10 23 23 15 21.8 8.4
16 Bulgaria 25 33 23 17 26 15 25 24 24 23.6 5.2
17 Colombia 6 18 8 18 23 16 42 43 46 24.4 15.3
18 Finland 18 12 11 24 30 43 26 28 40 25.8 11.1
19 Sierra Leone 53 8 49 6 4 3 38 34 38 25.9 20.5
20 United Kingdom 33 52 26 21 27 33 16 18 13 26.6 11.9

Fontes: Estimações do autor. Dados originais:

Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn World Table Version 6.3, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, August 2009. http://pwt.econ.upenn.edu/php_site/pwt_index.php).

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/

http://stat.wto.org/StatisticalProgram/WSDBStatProgramHome.aspx

http://www.indexmundi.com/trade/exports/

http://www.associatedcontent.com/article/56207/list_of_socialist_countries_with_individual.html?cat=37

http://www.oecd.org/document/9/0,3343,en_2649_39263238_41266761_1_1_1_1,00.html

A queda dos investimentos público e privado, por sua vez, reduz o potencial de crescimento da economia: reduz-se o PIB potencial do país, aquele que pode ser atingido sem que haja pressão inflacionária (seta nº 4)[4].

Com um baixo crescimento potencial do PIB, a estreita margem de crescimento não inflacionário da economia leva o Banco Central a manter juros reais elevados pois, se por um lado, o PIB potencial é reduzido, por outro o crescimento do gasto do governo pressiona a demanda agregada (seta nº 5).

A taxa de juros elevada, que é eficiente para manter a taxa de inflação sob controle no curto prazo, acaba por se constituir em mais um fator de desestímulo ao investimento privado (seta nº 6). E isso realimenta o baixo potencial de crescimento do produto a médio prazo. Com o potencial de crescimento do produto tendo sido reduzido, nos próximos anos será necessário manter a taxa de juros elevada, pois o gasto corrente do governo continua crescendo e pressionando a demanda; enquanto a oferta agregada não consegue acompanhar o aumento da demanda, devido à repressão aos investimentos público e privado.

Ou seja, configura-se um modelo em que o equilíbrio se dá com gasto público elevado e crescente, juros reais elevados e baixo potencial de crescimento da economia.

Esse modelo também tem reflexos no lado externo, sendo seu principal efeito a valorização da taxa de câmbio real. Ela ocorre por dois efeitos paralelos: o ingresso de capitais via investimento financeiro e a mudança de preços relativos entre bens não-comercializáveis e comercializáveis.

O primeiro efeito ocorre porque a taxa de juros real elevada atrai capitais externos para investimentos financeiros no país (títulos públicos e privados) (seta nº 7). A entrada de capitais não apenas valoriza a taxa de câmbio real, mas também a torna bastante volátil, variando ao sabor do humor dos mercados financeiros internacionais, com rápidas mudanças no movimento de entrada e saída de capital (seta nº8).

O segundo efeito sobre a taxa de câmbio real é uma relação direta entre o aumento do gasto público e a valorização do câmbio (seta nº 9). Ele ocorre porque a expansão do gasto público eleva o poder de compra posto nas mãos do consumidor. Isso resulta em aumento de demanda por bens e serviços. Ocorre, então, um aumento nos preços dos bens não-comercializáveis – tais como construção e serviços – (que não sofrem a concorrência de produtos importados) em relação aos bens comercializáveis (cujo aumento de demanda pode ser rapidamente suprido via importações). Há, portanto, uma mudança de preços relativos (o preço dos não-comercializáveis aumenta e o preço dos comercializáveis, dado pelo mercado internacional, se mantém constante). A taxa de câmbio real, definida como a taxa nominal (R$/US$) vezes a relação “preços externos / preços internos” cai, representando um aumento do poder de compra real da moeda nacional em relação ao Dólar.

A valorização cambial desestimula as exportações e estimula as importações (setas nº 10). E a volatilidade do câmbio real reduz a capacidade de previsão e planejamento do empresariado, o que mais uma vez desestimula o investimento privado, em especial (mas não exclusivamente) no setor exportador da economia. Há uma ampla literatura econômica que associa alta volatilidade de variáveis chaves (como câmbio e preços) a baixo crescimento econômico[5].

Figura 1 – Ciclo Vicioso


Outro forte desestímulo às exportações provém da redução do investimento público em infraestrutura de transportes e portos (seta nº 11). Maurício Moreira Mesquita[6] e Fernando Lagares Távora[7] já mostraram, em trabalhos distintos, que a deficiência de infraestrutura é muito mais prejudicial ao comércio exterior brasileiro que o protecionismo dos países desenvolvidos ou a falta de acordos gerais de comércio.

O impacto desse modelo sobre o produto é dúbio: por um lado, o barateamento das importações dos bens comercializáveis facilita a importação de máquinas e equipamentos, barateando os investimentos; mas, por outro lado, o desestímulo às exportações e a baixa previsibilidade e alto risco gerados pela volatilidade do câmbio reduzem o potencial de crescimento (seta nº 12).

Há ganhos no controle da inflação pela via da contenção dos preços dos bens comercializáveis (seta nº 13).

O balanço de pagamentos se equilibra via conta de capitais. Ou seja, a acumulação de reservas ocorre principalmente em função da entrada dos investimentos externos financeiros (seta nº 14), em especial, de entrada de capital de curto prazo, que tem por objetivo aproveitar o diferencial entre a taxa de juros doméstica e internacional.

É uma posição arriscada, que depende da mudança de humor dos investidores internacionais e pode ser revertida rapidamente, dada a grande abertura da conta de capitais. Por isso, é preciso acumular muitas reservas no Banco Central (seta nº 15), o que gera custo fiscal elevado (diferença de custo entre a dívida pública emitida para comprar reservas e a rentabilidade das reservas), reduzindo a disponibilidade de recursos para investimentos públicos (seta nº 16) e, portanto, realimentando o ciclo vicioso.

Esse modelo básico tornou-se menos ruim nos últimos anos devido à forte expansão do volume exportado e dos preços das commodities, o que permitiu, mesmo com valorização cambial, manter as exportações em alta e gerar um efeito positivo sobre o PIB potencial (as importações de equipamentos ficaram mais baratas, estimulando o investimento privado, e as receitas de exportação cresceram pelo efeito preço, impulsionando o PIB).

Mas o resultado básico permanece: temos um equilíbrio de taxa de juros real alta e gastos correntes crescentes; inflação sob controle, taxa de câmbio valorizada e volátil e necessidade de um custoso seguro contra volatilidades da conta de capital. Observe-se que a manutenção desse ciclo vicioso depende da disponibilidade de financiamento externo que, por sua vez, depende, além de fatores associados à liquidez internacional, da percepção de que a relação dívida/PIB não irá explodir.

No segundo semestre de 2009 vivemos outra fase da crise: o efeito colateral do remédio aplicado pelo Banco Central norte-americano. A grande liquidez injetada pelo FED, a custo zero, na economia internacional, tem migrado para os países emergentes, em busca de rentabilidade mais elevada. É um “oceano” de liquidez que, somado à promoção do Brasil a grau de investimento, provoca forte entrada de capitais e forte valorização cambial[8].

À parte do episódio de crise internacional, e tendo em conta que pouco podemos fazer em relação ao excesso de liquidez internacional, o desequilíbrio principal desse modelo (no que diz respeito aos pontos sobre os quais o governo tem poder de ação) vem da expansão dos gastos correntes do governo. E novos desafios se impõem:

  • Não há mais como comprimir o investimento público, sob pena de jogar na ruína toda infraestrutura pública; na verdade o investimento tem começado a crescer nos últimos anos, e continuará a crescer em função do PAC, da Copa do Mundo e das Olimpíadas; logo, se o gasto corrente não for contido, a taxa de crescimento do gasto público total será ainda maior;
  • A sociedade resiste cada vez mais à ampliação da carga tributária;
  • Mudanças no mercado de crédito, como a criação do crédito consignado, ampliaram o potencial de consumo, elevando a taxa de juros real de equilíbrio necessária para conter a inflação, caso não se contraia o gasto corrente;
  • A redução das oportunidades de ganho financeiro ao redor do mundo, em função da crise mundial, colocou o Brasil em posição de destaque na rentabilidade dos investimentos de renda fixa e variável, aumentando o influxo de capitais e intensificando a valorização e volatilidade da taxa de câmbio; isso requer uma redução da taxa interna de juros, que só poderá ocorrer de maneira segura (com baixo risco de inflação) se o governo reduzir a sua pressão sobre a demanda agregada.

Para enfrentar esses desafios é preciso conter o gasto corrente do governo e colocar a economia em um ciclo virtuoso, que nada mais é que o funcionamento “inverso” do ciclo vicioso apresentado na Figura 1, iniciado por uma redução do gasto público.

O crescimento real do gasto do governo é o principal e básico desequilíbrio da economia brasileira. Não adianta interferir em outro ponto do processo (reduzir juros na marra, tributar investimento estrangeiro em bolsa, criar barreiras legais ao crédito, criar barreiras a importações, subsidiar exportações, etc.), pois os efeitos serão temporários ou nulos, e gerarão custos de ineficiência.

O controle do gasto (que não precisa ser corte, mas apenas um crescimento mais lento, abaixo do crescimento do PIB), viabilizaria: aumento do investimento público, redução da carga tributária e redução dos juros reais de equilíbrio. Isso elevaria a taxa de investimento da economia, elevando o PIB potencial e, portanto, a oferta agregada futura. Por isso, haveria, nos próximos anos, mais espaço para crescimento sem inflação, conduzindo a uma taxa de juros de equilíbrio menor.

No front externo, a redução da taxa de juros desestimularia a entrada de capital para investimento financeiro. E o maior vigor da economia real estimularia o aumento do investimento direto estrangeiro. A substituição de capital financeiro por capital produtivo diminuiria a volatilidade do câmbio, visto que este último tem menor mobilidade e maior prazo de maturação. Além disso, o maior investimento direto estrangeiro estimularia a expansão do PIB potencial, reforçando o movimento de queda da taxa de juros real de equilíbrio.

Com relação à valorização do câmbio, haveria dois efeitos em sentido inverso. Por um lado, o efeito de valorização do câmbio em função da entrada de capitais externos se manteria, apenas com a substituição de capital financeiro por investimento direto. Por outro lado, o efeito direto do gasto público sobre o câmbio real faria com que houvesse uma desvalorização cambial (menor pressão sobre a demanda agregada, menor pressão sobre os preços dos bens não-comercializáveis, desvalorização do câmbio real). Além disso, é preciso atentar para o detalhe de que o investimento direto estrangeiro, ao promover ganhos de capacidade produtiva e de produtividade no setor de bens não-comercializáveis expandiria a capacidade deste para reagir a aumentos na demanda agregada. Assim, o impacto de aumentos da demanda sobre os preços de não- comercializáveis seria menor, com menor impacto sobre a taxa de câmbio real.

Essa taxa de câmbio menos valorizada e mais estável permitiria que o Balanço de Pagamentos se equilibrasse através da Balança Comercial e não da conta de capitais[9].

Havendo espaço para o aumento do investimento público em infraestrutura de transportes, haveria mais um reforço às exportações.

O equilíbrio externo via balança comercial é mais seguro para o País, reduzindo os riscos de crise cambial. O efeito direto da desvalorização cambial sobre o PIB potencial é incerto (queda de importação de máquinas e equipamentos vs. aumento e diversificação das exportações).  Haveria impacto inflacionário da desvalorização cambial, porém compensável pelo maior espaço para crescimento da economia via expansão do PIB potencial e pela maior produtividade decorrente do aumento de investimento externo direto. A menor volatilidade cambial e dos investimentos financeiros internacionais exigiriam nível menor de reservas, com menor custo fiscal, reduzindo a pressão das contas públicas sobre a demanda agregada e aumentando a capacidade de poupança e investimento do setor público.

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Para ler mais sobre o tema:

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.


[1] O consumo final do governo representa os serviços individuais e coletivos prestados de forma gratuita (ou parcialmente gratuita) por todas as esferas de governo (União, estados e municípios). Ele é medido pela remuneração dos servidores públicos, mais o consumo final de bens e serviços pelo governo (por exemplo, o pagamento a um hospital privado que presta serviços ao SUS, o giz para sala de aula ou os canapés de uma recepção oficial), e pela depreciação do capital fixo do governo. É importante observar que esse conceito não inclui as despesas de transferências (juros, aposentadorias e pensões, seguro-desemprego, bolsa-família). Também não estão incluídas as empresas estatais (de economia mista ou 100% pública). Somente as empresas dependentes de verbas dos tesouros federal, estadual e municipal são consideradas. Ademais, o consumo do governo restringe-se ao gasto corrente, não incluindo o investimento público. É, portanto, grosso modo, a despesa corrente de manutenção da máquina pública (salários mais consumo final de bens e serviços).

[2] Detalhes das estimações podem ser solicitadas ao autor.

[3] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[4] A idéia keynesiana clássica de que os gastos do governo alavancam o crescimento econômico aplica-se a situações de forte ociosidade do sistema produtivo em uma perspectiva de curto prazo e desconsiderando as questões de solvência e liquidez do setor público. Quando saímos dessa situação especial, a aceleração dos gastos públicos tem efeitos dinâmicos perversos sobre o crescimento econômico no médio e longo prazos, na linha descrita no presente texto. Vide, a esse respeito, Rocha, F. (2006)  Ajuste fiscal, composição do gasto público e crescimento econômico In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Topbooks.

O uso do gasto público como instrumento de política anti-cíclica, em um contexto típico keynesiano, também enfrenta dificuldades no campo da economia política: quando a economia cresce de forma acelerada e a arrecadação fiscal gera excedentes (momento em que não é necessário acelerar os gastos) surgem incentivos para se gastar mais, dada a maior disponibilidade de receita pública; e nos momentos em que se faz necessária a ação do estado, para retirar a economia de uma recessão, a arrecadação fiscal está em baixa e a restrição orçamentária do governo se faz muito mais forte. Em países que sofrem grande risco de iliquidez e insolvência do setor público, fica muito restrito o espaço para política fiscal anti-cíclica em momentos de crise.

[5] Ver, por exemplo, a literatura citada em Hausmann, R. e Rigobon, R. (2003) An alternative interpretation of the “resource curse”: theory and policy implications. In: Davis, J.M. et all (Eds) Fiscal policy formulation and implementation in oil-producing countries. IMF Publication Service.

[6] Moreira, M.M., Volpe, C., Blyde, J.S. (2008) Desobstruindo as Artérias: o impacto dos custos de transporte sobre o comércio exterior da América Latina e Caribe. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Harvard University Press. Disponível em http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=1662398

[7] Távora, F.L (2008) Developments in the World Soybean Market: a Partial Equilibrium Trade Model. Wageningen University – Holanda. Tese de Mestrado

[8] Vide, a esse respeito, o artigo de Nouriel Roubini “Quanto maior a bolha atual, maior será o inevitável estouro” – Folha de S. Paulo, 3 de novembro de 2009.

[9] Uma forma alternativa de ver este ponto é perceber que a poupança do governo aumentaria com a redução dos gastos, o que exigiria um menor volume de poupança externa (déficit em transações correntes) para financiar um dado nível de investimentos.

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