Logística – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 03 Nov 2017 17:29:34 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quanto custa uma empresa estatal administrando aeroportos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3053&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-uma-empresa-estatal-administrando-aeroportos Mon, 02 Oct 2017 20:21:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3053 A administração de aeroportos públicos no Brasil é atualmente compartilhada entre uma estatal federal (a Infraero com 56 aeroportos e 49% do tráfego), concessões federais à iniciativa privada (6 aeroportos e 46% do tráfego) e demais aeroportos sob responsabilidade de Estados e Municípios (508 aeroportos e 5% do tráfego), mediante convênio de delegação da União.

As concessões federais tiveram início no ano de 2011, com o leilão do aeroporto de Natal. Após o sucesso da licitação, nos anos seguintes foram concedidos cinco dos maiores aeroportos do país: Guarulhos, Brasília, Viracopos, Galeão e Confins.

Os números de investimentos realizados e de satisfação da qualidade do serviço denotam que as concessões trouxeram novo padrão ao transporte aéreo no país.

De 2012 a 2015, foram investidos pelos concessionários privados nas 6 concessões federais o montante de R$ 12 bilhões, a preços de janeiro de 2016. Além dos ganhos para o setor, esses investimentos aliviaram o orçamento da União, permitindo que mais recursos fossem utilizados para atender outras necessidades da população. Para efeito de comparação, de 2003 a 2011, o montante investido pela Infraero em todos os aeroportos federais totalizou R$ 9,1 bilhões (também a preços de janeiro de 2016). São ganhos significativos e apontam para um elevado interesse público na continuação do processo de concessões aeroportuárias.

Todavia, se de um lado tais investimentos se mostram muito significativos, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social, por outro são limitados (apenas nos aeroportos concedidos) e não endereçam apropriadamente duas importantes questões em aberto do sistema aeroportuário brasileiro: (i) ainda há uma flagrante necessidade de realização de investimentos em expansão de capacidade dessas infraestruturas em diversas outras localidades e (ii) existe uma urgência de desenvolvimento de uma solução integrada e sustentável para os aeroportos de médio porte (abaixo de 1 milhão de passageiros), que, muitas vezes, não conseguem gerar recursos financeiros suficientes para pagar os investimentos necessários a sua expansão e modernização, e de pequeno porte (abaixo de 100 mil passageiros), que apresentam déficits operacionais estruturais.

Assim, considerando as características sistêmicas do problema, e tendo em vista a dificuldade de disponibilidade de recurso e de execução de investimentos diretamente pelo poder público, realizamos estudo a fim de analisar a viabilidade econômica de se conceder toda a rede de 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero, incluindo tanto aeroportos com tráfego acima de 1 milhão de passageiros por ano, como aeroportos muito pequenos, como Ponta Porã (3.100 pax/ano) e Bagé (1.700 pax/ano).

Em vista do baixo potencial de geração de valor de aeroportos de médio e pequeno porte, adotamos um modelo de concessões em blocos, em que grandes aeroportos são agrupados com aeroportos menores, realizando um subsídio cruzado entre ativos.

A alternativa de conceder em blocos apresenta-se mais conveniente e oportuna que a alternativa de conceder cada aeroporto individualmente, sobretudo em razão de menores riscos e custos de execução dos processos licitatórios e de regulação de contratos. As concessões patrocinadas, com contrapartidas financeiras pelo poder público (as chamadas Parcerias Público Privadas – PPP), se aplicariam para a concessão individual de dezenas de aeroportos menores, ensejando maiores riscos para o setor privado e custos de execução e planejamento para o setor público, motivo pelo qual se defende o modelo de concessão em blocos.

Ressalta-se que a escolha por um subsídio cruzado interno ao contrato (concessão em blocos) não é algo novo no país, podendo-se citar as concessões de distribuição de energia elétrica e saneamento básico (rede de água e esgoto): o custo da prestação do serviço em uma área rural ou afastada do núcleo urbano é subsidiado pelo consumidor de baixo custo de atendimento, por exemplo, a residência em um prédio de muitos andares.

Para além das fronteiras internas, é possível citar concessões para a iniciativa privada de aeroportos em blocos em países como Colômbia, Argentina, México, Portugal, Inglaterra, com diferentes modelagens e resultados.

Assim, além das premissas acima descritas, adotamos a formação de blocos de aeroportos que tenham áreas contíguas, a fim de facilitar a gestão por um administrador central1, e que em cada concessão haja pelo menos um grande aeroporto (acima de 3 milhões de passageiros ao ano), de forma a garantir atratividade para investidores e geração de valor suficiente para suportar o déficit operacional de aeroportos menores, assim como pagar os investimentos estimados para todos os aeroportos do bloco.

Para estimativa de investimentos, adotamos para os aeroportos de capitais os parâmetros de capacidade de infraestrutura adotados nos estudos de viabilidade econômica, técnica e ambiental (EVTEA) das concessões federais já realizadas, amplamente disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

Por exemplo, um dos parâmetros para tamanho de terminal de passageiros é a referência de nível ótimo de área e tempo de filas adotados Airport Development Reference Manual – ADRM da International Air Transport Association2. Com base na comparação entre a infraestrutura necessária (para a demanda projetada) e a infraestrutura existente, alcança-se a infraestrutura a ser ampliada (em metros quadrados de terminal de passageiros, por exemplo) e, com base nos preços utilizados nas concessões anteriores, estimamos o valor dos investimentos ao longo da concessão de 30 anos de cada aeroporto do bloco.

Além da previsão de investimentos para cada aeroporto, consideramos referências de custos operacionais e receitas comerciais levantadas para os estudos de viabilidade das 6 concessões federais existentes, de operadores privados regionais e a carga tributária aplicada a aeroportos sob administração privada3. Ressalta-se que as tarifas aeroportuárias são definidas pela Agência Reguladora, constam em tabela fixada nos contratos de concessão e não são influenciadas pela oferta apresentada no leilão da concessão (diferentemente das concessões de rodovias). Portanto, a estimativa de receitas aeroportuárias (que não incluem as receitas comerciais) decorrem diretamente da projeção de crescimento da demanda de passageiros, aeronaves e cargas.

Para a projeção de demanda de passageiros, aeronaves e cargas, adotamos como premissa, e por simplificação, um crescimento igual para todos os blocos, a partir de 2018, equivalente à expectativa média do Brasil de 4% ao ano considerada nos EVTEAs apresentados pela Secretaria de Aviação Civil do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – SAC/MTPA para a concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis4.

Tendo em mãos o fluxo de receitas, despesas operacionais, investimentos e tributos, a modelagem financeira adotada calcula o valor de outorga necessário para que o Valor Presente Líquido do fluxo do projeto seja igual a zero5. Para o desconto do fluxo, utilizamos a taxa de 9% ao ano, líquido de tributos e em termos reais, que se mostra acima da taxa de 8,5% considerada nos EVTEAs dos aeroportos da União em processo de concessão e em linha com a taxa utilizada em outros setores em leilões recentes.

O mapa dos blocos para concessão desenhados conforme os parâmetros acima descritos teria a seguinte configuração:

Nessa perspectiva, estimamos que os 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero necessitam de R$ 17,6 bilhões em investimentos pelos próximos 30 anos para que seja possível atender à demanda esperada a um nível compatível com a qualidade de serviço hoje ofertada nos aeroportos concedidos.

Nesse cenário, encontramos farta viabilidade econômica na concessão dos blocos que contemplam todos os 56 aeroportos. Além dos R$ 17,6 bilhões em investimentos, que teria o efeito de desonerar o orçamento da União, o concessionário privado pagaria um outorga mínima de R$ 14 bilhões (R$ 2 bilhões à vista) ao longo do período da concessão (30 anos).

Ademais, há tributos que, ao contrário do concessionário privado, a Infraero não recolhe, em razão da imunidade tributária atualmente reconhecida pelo Poder Judiciário. Tais tributos somariam pelo período da concessão o montante de R$ 16,5 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões recolhidos diretamente pelos municípios onde se localizam o aeroporto, e R$ 13,1 bi à União.

Assim, quando consideramos o total de recursos que a União deixaria de gastar (investimentos), juntamente com o montante que passaria a receber (outorga e tributos), o valor chega R$ 48 bilhões em um período de 30 anos, a preços de 2016. Esse valor representa a diferença entre conceder para a iniciativa privada ou manter os 56 aeroportos atualmente em operação com a Infraero, sem levar em consideração, ainda, o ganho de bem-estar a ser experimentado diretamente pelos usuários e os novos negócios que poderão surgir nas localidades atendidas.

Além disso, o montante de R$ 48 bilhões considera, como cenário contrafactual, que a Infraero estaria em situação de equilíbrio financeiro pelos próximos 30 anos caso não houvesse a concessão dos aeroportos, ou seja, com lucro/prejuízo operacional igual a zero, antes de depreciação e resultado financeiro. Tendo em vista que essa linha da demonstração financeira se encontra negativa desde 2012, com a estatal acumulando centenas de milhões de reais de prejuízo, é possível afirmar que o montante envolvido na decisão de conceder a rede de aeroporto (R$ 48 bilhões) seja conservador.

Em que pese as incertezas naturalmente envolvidas em um estudo que busque estimar a evolução do setor nos próximos 30 anos, não nos parece haver dúvidas de que a concessão em blocos dos aeroportos da Infraero é uma alternativa socialmente e economicamente superior à operação desses ativos por uma empresa pública.

Numa época em que o Estado enfrenta dificuldades fiscais consideráveis e a população reclama serviços de melhor qualidade, é necessário avançar em soluções que promovam a melhoria das condições de desenvolvimento do país e gerem recursos para o enfrentamento dos grandes desafios que temos pela frente.

 

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1 Por conservadorismo, não foi considerado na modelagem financeira dos blocos ganhos de escala de custos administrativos com a concessão conjunta de aeroportos. No entanto, a modelagem captura ganhos tributários da apuração agregada de impostos sobre a renda.

2 Disponível em: http://www.iata.org/publications/store/Pages/airport-development-reference-manual.aspx

3 Por conservadorismo, não foram considerados possíveis benefícios tributários, como isenções em impostos sobre a renda reconhecidas pela SUDENE e SUDAM, e tampouco isenções relativas ao PIS e Cofins concedidos no âmbito do REIDI.

4 Aeroportos em processo de concessão, com leilão agendado para dia 16 de março de 2017. Estudos de Viabilidade disponíveis em: http://www.aviacao.gov.br/assuntos/concessoes-de-aeroportos/novas-concessoes/pmi

5 Cabe destacar que a forma como a outorga será paga influencia no montante da própria outorga. Caso se pague 100% à vista, a outorga será equivalente ao próprio VPL do projeto. Na modelagem de blocos simulada, adotamos o perfil de pagamento semelhante ao utilizado na concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis: 25% à vista, 5 anos de carência e outorga e pagamentos anuais até o final da concessão.

 

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A nova Empresa de Planejamento e Logística (EPL) resolve os problemas de infraestrutura do País? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1586&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-nova-empresa-de-planejamento-e-logistica-epl-resolve-os-problemas-de-infraestrutura-do-pais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1586#comments Mon, 12 Nov 2012 12:59:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1586 O plano de logística anunciado pelo governo parte, corretamente, do diagnóstico de que o setor público não tem sido capaz de planejar a infraestrutura. É preciso definir uma hierarquia de problemas prioritários a resolver, fazer bons projetos para solucioná-los, escolher a melhor modalidade de exploração (concessão, parceria público-privada, ou gestão 100% pública), ou, ainda, integrar diferentes projetos. De fato, atualmente constroem-se hidrelétricas sem que seja aproveitado o potencial para a construção de eclusas que viabilizem o transporte aquaviário; projetos de transporte urbano não têm conexão entre si; obras ganham prioridade por desejo de governantes, e não como resultado de estimativas de seu retorno econômico e social.

Foi criada a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a tarefa de definir prioridades, planejar e integrar os investimentos em infraestrutura. A EPL poderá chamar para a mesma mesa diversos ministérios, Ministério Público, IBAMA e TCU durante a elaboração dos projetos, para encontrar soluções técnicas que evitem contenciosos futuros e reduzam o risco de paralisação de obras. Poderá, também, avaliar a posteriori os investimentos realizados para evitar repetição de erros e aperfeiçoar o processo de planejamento.   Trata-se, portanto, de um poderoso instrumento de planejamento e gestão que pode levar a grandes ganhos na qualidade da infraestrutura disponível.

Porém, a pressa de concluir projetos para mostrá-los na propaganda eleitoral pode dificultar a estruturação da EPL. Trata-se de uma empresa nova, que precisará contratar engenheiros, organizar seu funcionamento, estabelecer rotinas. Isso toma tempo. Apressar projetos significa manter a lógica de querer fazer rápido e acabar fazendo malfeito, o que desestrutura qualquer tentativa de hierarquizar e estudar os problemas e projetos. O timing da política é diferente do timing do desenvolvimento econômico, e a pressa é o que diferencia o político comum do estadista.

Há também o risco de o governo se afastar do diagnóstico de que o problema central está na qualidade dos projetos e, como já ocorrido no passado, voltar a direcionar as suas baterias para o sintoma e não a causa do problema: a atuação de órgãos de controle (TCU, órgãos ambientais, Ministério Público). Esses órgãos, na maioria das vezes, interrompem obras que estão baseadas em projetos ruins, superfaturadas ou com outras irregularidades graves. É verdade que há casos de atuação quixotesca, como a recente interrupção da construção de Belo Monte, ou decorrente de interesses privados. Mas essas são exceções, que podem ser combatidas com recurso a instituições como o Conselho Nacional de Justiça, ou pelo debate nos fóruns governamentais. Atropelar os órgãos de controle é fazer a festa de quem quer lucrar à margem da lei.

Outro risco está na origem da EPL. Originalmente ela seria a ETAV, empresa criada pra administrar o Trem-Bala: um projeto que está longe de ser prioritário, com graves falhas de planejamento e com alto risco de gerar grande passivo para o governo. Se a transformação da ETAV em EPL decorre de que o governo resolveu colocar o Trem-Bala em banho-maria, passando a priorizar projetos mais importantes, temos um cenário benigno. Porém, se o governo insistir em levar a frente aquele projeto, a EPL corre o risco de concentrar toda a sua incipiente capacidade gerencial e técnica em um único projeto de alta complexidade, e será incapaz de cumprir a função de viabilizar os melhores projetos de infraestrutura.

Há, ainda, o risco de a EPL ser capturada por interesses corporativos de grupos dedicados a cultivar boas relações políticas, ou de se transformar em um planejador estatal à moda antiga, que acredite ser capaz de impor projetos aos parceiros privados. Disso resultariam projetos ruins, com alto custo de oportunidade na alocação de recursos públicos e privados.

Restam duas questões centrais. A primeira é como financiar o aumento nos investimentos em infraestrutura. O capital privado que será investido em infraestrutura não é “dinheiro novo” que entra na economia. Permanece no país o velho problema de baixa poupança (sobre esse assunto, leia neste site “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). O capital que o setor privado investirá em infraestrutura terá que ser deslocado de outros investimentos, que passarão a enfrentar escassez de financiamento. Tal escassez só não ocorrerá se o governo aumentar a sua poupança, por meio do controle do gasto corrente, reduzindo a sua demanda por recursos para financiar sua dívida. Ou, alternativamente, teremos que absorver poupança externa, aceitando a valorização do real e a ampliação do déficit em conta-corrente. Ou seja, o uso de concessões e parcerias público-privadas (PPP) não afasta a restrição ao investimento imposta pela baixa poupança nacional. Ela apenas viabiliza que, havendo uma madura e equilibrada relação contratual, os investimentos em infraestrutura sejam mais produtivos.

O segundo problema reside na enfática determinação do governo de tabelar a rentabilidade dos parceiros privados, impondo limites à taxa interna de retorno das concessões. Ora, cada candidato a concessionário tem o direito de apresentar, no leilão de concessão, a oferta (e consequente taxa de retorno implícita) que lhe parecer mais adequada, taxa essa que levará em conta o risco específico de cada um e será confrontada com a remuneração das demais possibilidades de aplicação dos recursos envolvidos. Ao final, o leilão decide quem leva a concessão.

Quem compra sapato barato, leva para casa um produto de qualidade inferior. Na compra de infraestrutura é a mesma coisa: dificilmente se pagará barato por uma estrada de primeira. A diferença em relação ao sapato é que o comprador dessa mercadoria sofre sozinho as consequências da sua escolha. No caso da infraestrutura todo o país sofre com a escolha errada do governo.

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Publicado no Valor Econômico em 1/10/2012

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