Investimento – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 14 Dec 2018 19:35:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Transporte público pode ser transporte privado? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3186&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=transporte-publico-pode-ser-transporte-privado Thu, 28 Jun 2018 20:48:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3186 São comuns os entendimentos de que o mercado privado é ineficiente no provimento de bens públicos e que o Estado tem o dever de prover transporte público não somente a fim de maximizar suas as externalidades positivas na economia, mas também garantir a maior inclusão social dos segmentos que não possuem meios próprios de locomoção1. Embora verdadeiras as premissas, elas não conduzem à conclusão de que apenas o Estado deve prover o transporte público, muito pelo contrário.

Inicialmente é preciso reconhecer que transporte público não é necessariamente um bem público. Bem público é aquele que tem de ser fornecido na mesma quantidade para todos os consumidores envolvidos. Uma vez ofertado um bem público, não é possível restringir o consumo, nem o consumir em diferentes quantidades. Exemplos clássicos de bens públicos são o meio ambiente e a defesa nacional. Não é possível a um determinado cidadão obter mais ou menos defesa nacional. Independentemente de sua propensão a pagar mais ou menos tributos para evitar uma invasão estrangeira, todo cidadão recebe a mesma quantidade de defesa nacional. Da mesma forma, o ar puro, o mar limpo são bens que não podem ser consumidos de forma individualizada, independentemente da utilidade que os consumidores precificam esses bens2,3.

Algumas infraestruturas de transportes como calçadas, ruas, estradas e rodovias podem ter comportamento de bens públicos. Entretanto, há exceções. Quando a demanda é muito maior que a oferta ou quando os sistemas são fechados desaparece o comportamento de bens públicos em sistemas de transportes. Estradas congestionadas e sistemas metroferroviários, em geral, não têm comportamento de bens públicos. Essas infraestruturas são aptas a serem providas pelo mercado privado, pois têm efeito carona negligenciável. Aliás, esse é um fenômeno econômico antigo que vem se tornando cada vez mais contemporâneo nos países desenvolvidos.

A Inglaterra foi a nação precursora dos investimentos privados na provisão de infraestrutura de transportes terrestres. Em 1695, o mercado obteve segurança jurídica para investir na construção e manutenção de estradas pavimentadas, por meio de Acts of Parliament, que autorizavam a cobrança privada de tarifas sobre o tráfego ao longo de certa extensão das estradas. No século XVIII, os Turnpike Acts, do Parlamento inglês, revolucionaram a provisão de infraestrutura rodoviária. Naquele século, cresceu a malha e reduziram-se, substancialmente, os tempos de viagem, pois o interesse econômico era predominante na definição dos traçados das novas estradas pavimentadas4.

A partir dos anos 1820, com o desenvolvimento da ferrovia e da locomotiva a vapor, diversas firmas privadas prosperaram na provisão de infraestruturas ferroviárias de transportes, tanto no transporte de cargas – que até hoje vigora nos Estados Unidos da América –, quanto no transporte de passageiros. Em 1933, seis firmas privadas distintas operavam em Londres no que hoje é conhecido como Underground ou Tube.

Naquela época – e ainda hoje – o transporte ferroviário privado se viabilizava em função de dois motivos: a alternativa mais econômica para o usuário e a alternativa mais rentável para o investidor.

O primeiro motivo vem do fato de o usuário em geral pagar o preço mais barato pelo transporte. Em São Paulo, por exemplo, o transporte de café por ferrovias privadas poderia ser seis vezes mais barato que o transporte convencional por estradas carroçáveis no fim do século XIX5. Nos EUA, a ausência de barreiras a entradas e vantajosidade da ferrovia em relação as alternativas fomentaram a construção de uma rede de mais de 400 mil km de trilhos. A rede ferroviária américa reduziu-se ao longo dos últimos cem anos, paulatinamente, à medida que o preço do frete ferroviário foi se tornando mais caro que sua alternativa: o aquaviário a partir de 1914, com a abertura do canal do Panamá; o rodoviário a partir dos anos 1930, com a construção de rodovias pavimentadas pelo poder público; e o aéreo a partir dos anos 1950, com a entrada da aviação civil comercial. Mesmo assim, ainda hoje, as firmas ferroviárias privadas que exploram mais de 200 mil km de trilhos sobrevivem sem subsídios no competitivo mercado de transporte americano porque têm o preço mais barato na longa distância no interior do país.

O segundo motivo tem relação com a primeira lição de Manheim em seu clássico Fundamentals of Transportation Systems Analysis (1979). “O sistema de transporte de uma região interage com o sistema socioeconômico alterando a demanda de origens, destinos, rotas, volumes de bens e de pessoas transportadas no sistema”6. Sempre que a firma de transporte pode se aproveitar dos ganhos econômicos dessa interação acumulando receitas não apenas de tarifas de transportes, mas de atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que provê, então são criados fortes incentivos para que o sistema de transporte se expanda naturalmente. Este foi exatamente o caso das ferrovias americanas e inglesas que promoveram os primeiros metrôs em Nova Iorque e em Londres. As firmas agiram nesses territórios como firmas de desenvolvimento urbanístico, comprando terras a preços mais baixos na periferia, provendo infraestruturas de transportes a partir do centro, e depois revendendo e alugando imóveis a preços competitivos, suficientes para gerar lucros, e, ainda assim, a preços menores que os praticados nos centros da cidade. Um negócio em que todos ganham.

O mesmo expediente ainda hoje é praticado na Ásia. No Japão, somente no entorno de Tóquio cerca de 50 firmas privadas construíram e operam trens de passageiros, além de, também, hotéis, residenciais, escritórios e shopping centers. Na Ásia, as empresas metroferroviárias arrecadam aproximadamente entre 30% e 60% de seu faturamento das receitas advindas das atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que oferecem7.

Aliás, essa prática foi recentemente retomada nos EUA, especificamente na Flórida, onde um grupo privado de exploração imobiliária8 construiu e está operando desde maio deste ano um trem de média velocidade, entre Miami, Fort Lauderdale e West Palm Beach, ao custo de U$ 20 (vinte dólares americanos) por pessoa, por uma viagem de cerca de 112 km em um tempo de 1h e 15min. Novamente, o negócio se viabiliza para o usuário pelo custo de oportunidade, mais conveniente que as alternativas, e, para o investidor, pelos ganhos com receitas assessórias vinculadas ao negócio de transportes, como os imóveis de escritório, lojas e residenciais sobre a estação central em Miami e no entorno nas demais estações em Fort Lauderdale e West Palm Beach.

O caso da Brightline9 é um exemplo concreto e atual de que o transporte público pode ser integralmente idealizado, financiado, construído e operado pelo mercado privado, sem a necessidade de subsídios, burocracia, ou despesas do contribuinte. Ao custo de U$ 3,6 bi esse projeto não foi planejado em Washington-DC, nem licitado pela agência reguladora, nem teve o preço das tarifas fixado pelo poder público. É integralmente privado10.

Se as barreiras jurídicas a entradas e saídas no mercado de transportes são baixas, firmas privadas terão interesse em investir por diferentes abordagens, desde aquelas com baixa criação de infraestruturas, como, por exemplo, o Uber, 99, Cabify, até aquelas com intensiva criação de infraestruturas e custos afundados, como Brightline, Keio11, MTR12.

Todas essas firmas atuam onde a demanda, a rentabilidade e os riscos são compatíveis com seus modelos de negócio. A diferença entre elas está nos efeitos socioeconômicos que provocam nas cidades. Enquanto as primeiras contribuem para a diminuição da demanda pelo transporte coletivo e de forma indireta fomentam o espraiamento do tecido urbano, as últimas contribuem para o aumento da demanda pelo transporte coletivo e de forma direta fomentam a densificação do tecido urbano, pois, são remuneradas não apenas pelo preço da viagem, mas pelas receitas assessórias do maior fluxo de passageiros que transitam a pé pelo entorno das estações, frequentando suas lojas, escritórios e residenciais.

Com a introdução das firmas metroferroviárias privadas no mercado, o Estado ganha de três maneiras: arrecada mais tributos, deixa de gastar com a provisão direta dos serviços, e, além disso, também economiza na provisão otimizada de bens públicos, como vias, escolas, delegacias, prontos-socorros, etc que podem ser localizados em posições mais eficientes do tecido urbano.

Toda essa economia pública poderá ser aplicada em transporte de cunho social, aquele em que o mercado não tem interesse de prover por ser antieconômico, mas que o Estado tem dever de garantir aos mais pobres. Novamente, todos ganham.

A discussão sobre o modelo de ferrovias privadas autorizadas é necessária não apenas no transporte de passageiros, mas também no mercado de cargas, em complementação ao atual modelo brasileiro de concessões. Nos Estados Unidos o modelo de ferrovias autorizadas tem sido bastante exitoso. Lá, por exemplo, existem 546 ferrovias locais (short lines) administrando uma rede de 52.800 km, i.e., com extensão média de 96,7 km por ferrovia.13 Somente essas ferrovias locais têm uma extensão superior a toda malha ferroviária brasileira de 29.075 km de ferrovias em concessão.

Essa discussão é crucial para o futuro do desenvolvimento econômico e social do Brasil, não apenas porque a realidade fiscal do Estado não permitirá a concretização dos investimentos públicos necessários em transportes, mas porque em países desenvolvidos não se discute mais se a iniciativa privada pode ou não pode prover infraestruturas de transportes, o que se discute lá é qual será a tecnologia que a iniciativa privada irá construir e operar, se a tradicional ferrovia ou a disruptiva tecnologia hyperloop.

Hyperloop é uma modalidade conceitual de transporte em que pessoas ou cargas são transportadas em um tubo de baixa pressão impulsionadas por um trilho eletromagnético. Devido à redução do atrito com o ar rarefeito dentro do tubo o veículo poderia, em teoria, alcançar velocidades de cruzeiro superiores a 1.000km/h, tornando-se mais competitivo que o transporte aéreo. Atualmente diversas firmas privadas competem internacionalmente no desenvolvimento dessa nova tecnologia já tendo sido autorizadas a prospectar soluções em Chicago14, Pittsburg15, Dubai16, entre outras.

Firmas privadas sempre realizaram transporte aberto ao público. Entretanto, no Brasil, o transporte mormente o ferroviário é de forma equivocada compreendido pela legislação ordinária como um serviço público, outorgado apenas pelo Estado, após morosos processos de licitação, que às vezes sequer ocorrem, às vezes resultam desertos, como foi o já esquecido trem-bala entre o Rio de Janeiro e Campinas.

As evidências da história, no entanto, ensinam que não existe razão econômica suficiente a recomendar que todos os ovos do transporte sejam colocados exclusivamente na cesta do Estado, muito pelo contrário. Quanto mais aberto o País e as cidades estiverem para o livre interesse do mercado em construir por sua conta e risco infraestruturas de transportes, melhor para a sociedade, para os contribuintes, e, principalmente, para os mais pobres.

____________

1 Justificação PEC nº 74, de 2013 (Emenda Constitucional nº90, de 2015)

2 VARIAN, H. (1947) Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006 – 6ª reimpressão.

3 FELIX, M. K. R (2018) Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil.

4 BLANNING, T. C. (2007) The pursuit of glory: Europe, 1648-1815. Penguin.

5 SILVA, C. P. (1904). Política e Legislação de Estradas de Ferro. Volume I. São Paulo. Typ. Laemmert & Comp.

6 Tradução livre.

7 SUZUKI, H., MURAKAMI, J., HONG, Y. H., & TAMAYOSE, B. (2015) Financing transit–oriented development with land values: Adapting land value capture in developing countries. World Bank Publications

8 Florida East Coast Industries. http://www.feci.com/companies.html

9 https://gobrightline.com/

10 KENTON, M. M., & GIFFORD, J. (2015). Comparing Financing Models for US Intercity Passenger Rail Development. http://malcolmkenton.info/wp–content/uploads/2017/08/Kenton_PUBP–714_TermPaper.pdf

11 https://www.keio.co.jp/english/

12 http://www.mtr.com.hk/en/customer/tourist/index.php

13 Federal Railroad Administration (2014) Summary of Class II and Class III Railroad Capital Needs and Funding Sources.

14 https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-14/how-musk-s-hyperloop-became-just-a-loop-in-chicago-quicktake

15 https://www.daytondailynews.com/news/hyperloop-ohio-two-firms-study-feasibility/BlZkziMTFoZsZ4cySOxxWJ/

16 https://www.economist.com/special-report/2018/06/23/how-dubai-became-a-model-for-free-trade-openness-and-ambition

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O que a mulher que mais sofre com a tripla jornada ganha da Previdência? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3000&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-a-mulher-que-mais-sofre-com-a-tripla-jornada-ganha-da-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3000#comments Mon, 26 Jun 2017 15:58:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3000 Deodorina chegou atrasada ao trabalho. A patroa, Dona Carmen, não deu atenção: estava vidrada na TV, atenta ao jornal. Reclamou da retirada de direitos na Previdência, mas percebeu que a reforma não a afetava tanto. Carmen terá de adiar em 6 meses os seus planos de se aposentar ano que vem, aos 52 anos.

Servidora pública, Carmen receberá para todo o sempre o maior salário da sua vida, ainda que não tenha feito contribuições no montante correspondente, e terá aumentos reais sempre que os funcionários da ativa tiverem1. Ficou com pena de seu filho, também funcionário público, porque ele não vai receber nada disso e ainda se aposentará mais tarde que a mãe: vai trabalhar até morrer, diz ela. Carmen acha um retrocesso, e se queixa da reforma: “imagina como fica o pobre”.

Carmen defende ser um absurdo a aposentadoria para homens e mulheres na mesma idade, porque sabe que os compromissos da casa e com o filho sempre sobraram mais para ela do que para o marido.  Felizmente, Carmen teve condições financeiras para continuar trabalhando, 30 anos seguidos, sem precisar largar o emprego para cuidar da criança. Usou parte do seu salário para pagar uma creche, e depois sempre pôde contar com a ajuda de mulheres como Deodorina, sua empregada.

Deodorina também completará 52 anos, mas não vai se aposentar ano que vem. Tampouco nos seguintes. Embora trabalhe desde a adolescência, não vai conseguir juntar os 15 anos de contribuição que o INSS exige para uma aposentadoria. Durante as últimas décadas, conseguiu por poucos anos ter a carteira assinada. Por um período ficou desempregada, por outro precisou ficar em casa cuidando dos seus cinco filhos.

Deodorina quase sempre buscou emprego. Sem diploma, praticamente só conseguia fazer diárias, como na casa de Dona Carmen. Foi difícil, mas ela conseguiu criar as cinco crianças. Deodorina não sabe o que significa tripla jornada, mas não vai receber nenhuma compensação da Previdência pelas suas décadas como profissional, mãe e dona de casa. Resta a ela pedir um benefício assistencial, na mesma idade de seu marido, aos 65 anos.

Carmen recebeu uma ligação do sindicato da sua carreira para uma manifestação. Ficou animada e irá protestar com seu filho contra a perda de direitos, contra retrocessos sociais e pela dignidade da pessoa humana.            Na passeata falarão de isonomia, paridade e integralidade.

Deodorina não pertence a nenhuma carreira, e, portanto, a nenhum sindicato. No protesto que Carmen vai participar, ninguém irá reclamar que o benefício com que Deodorina contava ficou mais difícil de se obter. Ela tem a mesma idade de Dona Carmen e trabalhou até por mais tempo do que ela, mas por ser “informal” não terá a mesma regra de transição e não estará isenta de mudanças2.

Deodorina teme ter que chegar atrasada de novo no serviço amanhã. Ela levava duas horas pra chegar ao trabalho, mas a obra do BRT que iria melhorar o seu deslocamento está parada, e até piorou o trânsito. O governo estadual, que mal consegue pagar os salários em dia, diz não ter dinheiro para terminar a obra. Carmen diz não haver déficit na Previdência.

Para piorar, Deodorina ainda terá de arranjar tempo para levar o neto na UPA. Desde que o menino se mudou para a sua casa, após o pai ser demitido no ano passado, a criança passou a ter diarreias e febres frequentes. Deodorina acha que tem a ver com o esgoto, mas precisa perguntar ao doutor. Ela não irá encontrar pediatra amanhã, nem um médico pra falar sobre as dores que vem sentindo. Carmen diz que o governo desvincula o dinheiro da Previdência para pagar outras coisas.

Foi o filho de Deodorina, desempregado, que pediu a ela pra levar o garoto no médico, porque tem uma entrevista de emprego amanhã. A empresa vai gostar dele, mas perceberá que os juros no banco estão proibitivos e desistirá de pegar um empréstimo para sua expansão. O banco considera mais conveniente aplicar seu dinheiro em títulos do Tesouro do que no negócio desta empresa. Carmen diz que em vez de fazer reforma o governo deveria é gastar mais, para aquecer o consumo.

Com o filho e o neto em casa, Deodorina está com dificuldade de fazer a feira do mês. Ela não sabe, mas parte do seu salário gasto no supermercado servirá para pagar “contribuições sociais”. Este dinheiro não pode ir para a obra do seu BRT, mas poderia ir para o saneamento da sua rua ou para contratar médicos para a UPA. Carmen não sabe, mas quando protestar contra a reforma dizendo não haver déficit na Previdência porque “a seguridade precisa ser analisada como um todo” estará dizendo que sua empregada deve gastar mais no supermercado para pagar a sua aposentadoria.

Deodorina e Carmen são apenas personagens ilustrativos dos conflitos embutidos na discussão sobre a reforma da Previdência. A reforma tem potencial para reduzir as desigualdades de acesso aos benefícios entre os mais ricos e os mais pobres. Os mais pobres atualmente financiam um sistema previdenciário a que tem acesso limitado, enquanto sofrem com o ônus do baixo investimento público (como em mobilidade ou saneamento), da carga tributária crescente (que incide sobre as compras do mês) e dos juros altos (que desemprega os jovens).  Sem reforma, este ônus tende a aumentar.

Estes personagens ilustram ainda a miopia em relação à discussão sobre as mulheres na reforma da Previdência.  São as mulheres mais pobres quem têm maior taxa de fecundidade, e é evidente que maior número de filhos torna a parte doméstica da jornada ainda mais difícil.  É evidente também que a mulher mais pobre, menos escolarizada, tem também menos acesso a emprego formal, bem como que a mulher com mais filhos ficará mais ausente do mercado de trabalho.

Esta mulher mais pobre tem menos recursos financeiros e é mais dependente dos serviços públicos, enfrentando dificuldade de colocar seus filhos em creches ou em educação integral. Ela também tende a morar mais longe do trabalho e a perder mais tempo com deslocamentos na sua tripla jornada. Se esta mulher não completa 15 anos de contribuições à Previdência, ela não se beneficia do diferencial de 5 anos na idade. Se não completar 30 anos, não se beneficia do diferencial no tempo de contribuição.

Neste sentido, o foco da preocupação com a mulher neste debate não deveria ser o fim das diferenças nas regras entre homens e mulheres, tema mais caro às mulheres mais bem posicionadas na distribuição de renda. Na aposentadoria por tempo de contribuição, apesar do diferencial de 5 anos para mulheres, 67% dos benefícios concedidos são para homens.

O que é de fato relevante para as que mais sofrem com a tripla jornada, merecendo maior discussão, é o aumento do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 25 anos, e, especialmente, da idade mínima para o Benefício de Prestação Continuada, de 65 para 68 anos. No Benefício de Prestação Continuada, apesar de não haver diferencial de gênero, 58% dos benefícios concedidos são para mulheres.

De resto, a reforma é essencial para viabilizar a solvência do Estado e permitir uma disponibilidade maior de recursos para políticas voltadas à trabalhadora pobre e sua família, como investimentos em saneamento básico, creches, educação básica e nas transferências de renda voltadas a este grupo, como o Bolsa Família. Ela é essencial também para que a carga tributária e os juros altos não estrangulem o crescimento da economia, facilitando a incorporação no mercado de trabalho das famílias hoje mais excluídas dele, justamente as mais pobres.

Carmen é uma boa pessoa, e acredita que também está defendendo os mais pobres. A pauta de seu sindicato, porém, não levanta os aspectos sensíveis da atual proposta da reforma que realmente podem prejudicar pessoas como Deodorina. Se a agenda das corporações continuar predominando neste debate, será preciso proteger os mais pobres de seus defensores.

Versão deste texto foi originalmente publicada no NEXO Jornal, em 28 de fevereiro de 2017.

______________

1 Conforme o texto original da PEC nº 287, de 2016, mas não conforme o Substitutivo aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Todavia, a imprensa tem noticiado que a situação de pessoas como Carmen deve continuar como está no texto (direito à integralidade e à paridade).

2 Vide nota anterior.

 

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Por que fazer reforma da Previdência no meio de uma recessão? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-fazer-reforma-da-previdencia-no-meio-de-uma-recessao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927#comments Thu, 15 Dec 2016 15:15:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2927 Introdução: a reforma da Previdência

Em 2017, quando o pior momento da crise econômica for sentido no mercado de trabalho, o Brasil estará discutindo uma reforma da Previdência.  A reforma  compreende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC no 287, de 2016) e projetos de lei (ainda a serem enviados pelo governo), alterando, entre outros, regras de acesso a benefícios, forma de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

A opção do governo foi por uma proposta de reforma paramétrica, e não estrutural, mantendo as características essenciais dos regimes. Os regimes continuam sendo de repartição, em que os benefícios dos trabalhadores inativos são financiados pelos trabalhadores em atividade no mercado de trabalho. A mudança se dá nos parâmetros do regime, e não em sua estrutura, como seria uma mudança para um regime de capitalização (em que o benefício de cada trabalhador é custeado pelas suas próprias contribuições no passado, capitalizadas), típico da previdência privada no Brasil e da previdência pública em outros países emergentes1, e tipicamente considerado uma opção “neoliberal”.

Segundo o orçamento anual de 2017, as despesas com Previdência em todos os regimes, mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), corresponderão a cerca de 55% do total da despesa primária. Comparativamente, a participação das despesas com os servidores ativos será de 13%, saúde 7%, educação 3%, PAC 3% e Bolsa Família 2%. A soma das demais despesas corresponde a 17%. Esses dados são apresentados no Gráfico 1, a seguir, e evidenciam que a Previdência não é só uma questão relevante no futuro, mas também no presente, como a crise dos Estados também mostra.

Previdência e economia

A crise econômica, com a queda de arrecadação e a instauração de sucessivos déficits primários, trouxe à tona o crescimento estrutural da despesa previdenciária e abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a necessidade de reforma. Reformas anteriores foram feitas em 1998 e 2003. Em 2016 também o governo Dilma Rousseff anunciara a intenção de fazer uma reforma, tendo a Presidente afirmado que a Previdência era no momento “a questão mais importante para o país2.

Por um lado, as despesas previdenciárias têm evidentes efeitos em curto prazo sobre a demanda. O efeito multiplicador sobre o PIB de cada real despendido pelo RGPS seria de cerca de 0,5 (equivalente ao do RPPS). Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), o efeito seria de 1,23.

Por outro lado, a ênfase do governo em priorizar a reforma da Previdência durante a recessão é consoante com o diagnóstico de especialistas de que o crescimento da despesa previdenciária coloca e colocará mais restrições ao crescimento da economia no futuro.

Segundo essa visão, a Previdência estaria associada a um tripé de baixo crescimento4: carga tributária elevada, investimento público baixo e juros altos. Diante da tendência de aumento do gasto, esses efeitos só ficariam mais fortes no futuro.

Carga tributária

Na ausência de mudanças, a carga tributária seria cada vez mais pressionada. Em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a recriação da CPMF, desta vez não para custear a saúde, mas a  Previdência. Enquanto isso, especialistas calculavam que na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência5.

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava que sem reformas as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para 86% em 2050 a fim de cobrir os benefícios6. Tal majoração da carga sobre a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

Aceitando a noção de que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, mais impostos sobre ele apenas acentuariam seu efeito deletério sobre a economia7. Diante da urgência de arrecadação para cobrir o crescimento da despesa previdenciária e de dificuldades políticas, o provável é que as escolhas seriam no futuro elevar (ou criar) tributos com maior potencial arrecadatório, e não aqueles com efeitos distorcivos menores sobre a economia ou efeitos regressivos menores na distribuição de renda.

Investimento público

O segundo item deste “tripé” é o investimento público. Considera-se que é o investimento que aumenta a capacidade produtiva da economia no futuro. No entanto, investimentos, como os em infraestrutura ou ciência e tecnologia, por mais necessários que sejam para o país se desenvolver, constituem despesas “discricionárias”. Esse tipo de despesa se contrapõe à despesa obrigatória, que não pode ser reduzida e integra cerca de 92% do orçamento federal.

São exemplos de despesas obrigatórias a Previdência e os salários do funcionalismo. Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções principais8: elevar os impostos, aumentar o endividamento (que pressiona os juros, o que será visto a seguir) e reduzir outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais 30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram mais de 1% acima da inflação.

Juros reais

Finalmente, de modo simplificado, os juros reais estão associados à percepção de risco em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos9. A chance de insolvência no futuro, por conta de uma despesa estruturalmente crescente, pressionaria os juros para cima. Por sua vez, os juros reais altos sufocariam os empreendimentos que o país precisa para crescer.

A Figura 1 a seguir, sintetiza a lógica entre despesa previdenciária e seus efeitos no crescimento da economia, bem como na distribuição de renda.

Confiança

Ainda, segundo o diagnóstico do governo sobre a necessidade de ajuste fiscal, a reforma contribuiria para ganhos de confiança que induziriam a recuperação da economia. No mesmo sentido, o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, em declaração ao Fórum criado no governo Dilma Rousseff para discutir a reforma, entendia como benefício imediato da reforma a melhora das expectativas fiscais, que “reduz a volatilidade cambial, possibilita a queda das taxas de juros de longo prazo e incentiva o investimento e a geração de emprego10.

Poupança e produtividade

Por fim, outros efeitos no crescimento da economia relacionados ao desenho da Previdência (e não exatamente à despesa previdenciária) discutidos pela literatura incluem a redução da poupança doméstica11 e a retirada precoce de trabalhadores produtivos da força de trabalho12. Adicionalmente, o envelhecimento da população está associado a um menor nível de inovação e de crescimento da produtividade13.

 

Previdência e teto de gastos

A Emenda Constitucional do teto de gastos (antiga PEC no 55, de 201614) congela a despesa total do governo federal em termos reais por 10 anos (Novo Regime Fiscal). O teto será anualmente reajustado pela inflação (passados 10 anos outro indexador será escolhido). Podemos dizer que a reforma da Previdência é irmã gêmea da reforma fiscal.

Isso porque a despesa previdenciária cresce aceleradamente em termos reais. Para as despesas federais caberem no teto, outras despesas deverão ser reduzidas na mesma magnitude. Se cumprir o teto, o governo não poderá mais recorrer ao aumento do endividamento ou da arrecadação para cobrir suas despesas primárias15.

Assim, com o teto, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria o governo a cortes profundos em diversas outras áreas, o que tornaria a reforma da Previdência mais urgente. Nas palavras do relator da PEC do teto na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, o novo regime fiscal “não sobrevive sem a reforma da Previdência (…) É uma dependência biológica entre os pulmões e o coração, um não vive sem o outro.”16

O Gráfico 3, abaixo, apresenta um exercício do impacto, com a vigência do teto, do crescimento da despesa da Previdência nas outras despesas do governo federal. Consideramos 2017 o primeiro ano da aplicação integral do teto17. Sem mudanças, a participação dos gastos previdenciários no gasto total da União passaria gradualmente de cerca de 55% em 2017 (um valor já alto) para cerca de 75% em 2026.

Isso quer dizer que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas primárias do governo federal (excluída a Previdência), que em 2017 deveriam caber em 45% do orçamento, deverão caber em apenas 25% em 2026 – quase a metade. O corte em várias áreas deverá ser ainda maior, uma vez que outras despesas com elevada participação no gasto da União também não podem ser reduzidas, como a com o funcionalismo18. Este resultado coaduna com a visão de Paulo Tafner, um dos principais especialistas em Previdência do país, para quem o problema fiscal existente no Brasil é na essência um problema previdenciário.

Em verdade, mesmo com a reforma da Previdência o resultado pode ser próximo ao apresentado no Gráfico já que, para respeitar o planejamento das famílias de acordo com as regras vigentes, bem como para atenuar a oposição às alterações, a reforma da Previdência possui regras de transição para que as mudanças sejam graduais no tempo.

A partir de 2026 o teto poderá ser reajustado por outro indexador diferente da inflação, como o crescimento do PIB, atenuando os efeitos do crescimento da despesa previdenciária.  Como ilustração, apresentamos no Gráfico 5, tal qual o Gráfico anterior, a tendência de participação do gasto previdenciário nos últimos 10 anos do teto, caso não haja mudança de indexador.

Ressaltamos que este exercício é meramente ilustrativo, com o intuito de evidenciar a tendência de participação do crescimento da despesa previdenciária no total da despesa primária. A estimativa é sensível aos parâmetros escolhidos pelo governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (2017).

Evidentemente o cenário apresentado no Gráfico 4 é improvável: tanto o indexador quanto a legislação previdenciária seriam modificados antes de ele se concretizar. Entretanto, o exercício sugere que sem a reforma o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador. Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido).

Dessa forma, é útil revisitarmos a Figura 1, que apresentava os mecanismos pelos quais o crescimento da despesa afeta a economia. Conforme a Figura 2, a seguir, com o teto respeitado, a pressão sobre a carga tributária e a taxa de juros seria aliviada.

Entretanto, o impacto via redução do investimento público seria exacerbado, bem como se amplificaria a compressão de outras rubricas melhor posicionadas para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda. Este seria a concretização do cenário de “canibalização dos gastos sociais”19.

Chegamos a outro ponto sobre a interação do teto do gasto com a Previdência.  Até agora, nesta discussão, consideramos que o teto seria respeitado e que, por isso, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria reformar a Previdência e/ou promover profundos ajustes nas políticas públicas e investimentos feitos por despesa discricionária.

Entretanto, outro cenário provável é que a União não consiga cumprir o teto, o que acarretaria as vedações previstas pela Emenda até que o limite fosse reestabelecido. Essas vedações incluem inicialmente reajustes a remunerações do serviço público, criação de cargos e admissão de pessoal, entre outros itens afetos ao funcionalismo.

Todavia, o relatório do Deputado Darcísio Perondi, aprovado na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, criou uma última vedação adicional: o aumento real do salário mínimo. Esta possibilidade também constava da proposta de reforma fiscal do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa apresentada ainda no governo Dilma Rousseff (Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de 2016).

Como dois terços dos benefícios previdenciários estão hoje atrelados ao salário mínimo, esta vedação atingiria diretamente a Previdência Social, ao proibir a prorrogação da política de valorização do salário mínimo ou política semelhante. Atualmente, o salário mínimo é reajustado segundo a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes, componente real da fórmula prevista na Lei no 13.152, de 29 de julho de 2015, cuja vigência se estende até 2019.

Assim, caso o teto não seja respeitado e as medidas de contenção de gastos via funcionalismo não sejam suficientes, o reajuste dos menores benefícios da Previdência seria afetado. Dessa forma, sem alterações na Previdência, o que eleva a chance de descumprimento do teto, as vedações impostas Emenda Constitucional do limite dos gastos garantem parcialmente uma espécie de “reforma automática”.

Assim, resumidamente, temos dois cenários de interação entre o teto e a Previdência:

 

Cenário 1: teto é respeitado

  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias obrigará a aprovação de alterações na Previdência; e/ou
  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias reduzirá substancialmente o espaço fiscal para políticas públicas e investimentos financiados por despesas discricionárias.

 

Cenário 2: teto não é respeitado

  • Reajustes reais do salário mínimo são vedados, atenuando parte do crescimento da despesa da Previdência.

 Ainda, como o crescimento esperado para as despesas previdenciárias é decorrente principalmente da transição demográfica, e não apenas do aumento do salário mínimo, é plausível que elementos dos dois cenários sejam observados (reforma da Previdência; redução de despesas discricionárias; e reajustes apenas nominais aos menores benefícios da Previdência).

 

Considerações finais

O impacto da reforma nos dez primeiros anos, acumulado, seria de R$ 678 bi em relação à trajetória anterior, o que pode ser insuficiente para “caber” no teto de gastos20. Para Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a reforma seria adequada em relação ao ano de 2032 em diante, mas insuficiente para os próximos anos: “o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 202021. Já o Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, avalia que a aprovação da reforma apenas moderaria o crescimento da despesa até 2025, que subiria consistentemente dali em diante22.

É certo que a reforma da Previdência não soa como item de uma “agenda de crescimento”, na forma romântica que o termo é normalmente compreendido. Entretanto diante da situação dramática da trajetória do gasto previdenciário no Brasil, ela se apresenta como uma necessária correção de rota para evitar um cenário de instabilidade econômica e social muito pior do que o atual.

 

(Este texto é baseado no Boletim Legislativo nº 52 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

______________________

1 Como no Chile. O regime de capitalização se caracteriza por um menor risco demográfico, mas maiores riscos financeiros, do que o regime de repartição. Ainda, na capitalização os riscos envolvidos são mais individuais, enquanto no regime de repartição, mais solidário, os riscos recaem sobre os trabalhadores da ativa ou, em última instância, sobre toda a sociedade. Uma reforma estrutural que migrasse da repartição para a capitalização envolveria significativos “custos de transição”, decorrentes do fato do regime antigo continuar pagando benefícios enquanto as novas contribuições são vertidas para o novo regime. Há ainda um terceiro tipo de regime, o de contas nocionais, em que as contribuições individuais são remuneradas (como na capitalização), mas por “juros fictícios”, sendo elas na prática vertidas para financiar os benefícios dos inativos (como na repartição). Trata-se de um modelo utilizado há poucos anos, na Suécia, Itália, Polônia e Noruega. Ver, entre outros, Tafner (2007): TAFNER, P. Seguridade e Previdência: Conceitos Fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Org.) Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

2Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo.

3Comparativamente, os multiplicadores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família são, respectivamente, de 0,39; 1,06; 1,06 e 1,78. Ver Neri et al. (2013): NERI, M.; VAZ, F. M.; SOUZA, P. H. G. F. Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais. In: CAMPELLO, T. NERI, M. (Org.) Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

4Ver Giambiagi (2007). GIAMBIAGI, F. Reforma da Previdência, o encontro marcado:a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

5 O foco do problema. O Globo. 16 de setembro de 2015. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo. com/miriam-leitao/post/foco-do-problema.html.

6Baseado em estimativas do demógrafo Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Brazil’s pension system: Tick, tock. The Economist. 24 de março de 2012. Disponível em: http://www.economist.com/node/21551093.

7 Ver, entre outros, Afonso (2016). AFONSO, J, R. Ambiente de Negócios: Simplificação da Legislação Tributária. Apresentação no Seminário Ambiente de Negócios: Segurança Jurídica, Transparência e Simplicidade.  IBRE/FGV e Direito-Rio/FGV. Rio de Janeiro,23 de setembro de 2016.

8 Uma quarta opção seria emitir moeda e financiar o aumento do gasto via inflação. Por outro lado, umataxa de crescimento muito alta do PIB poderia atenuar o problema por um período de tempo, ao aumentar a arrecadação sem necessidade de aumento de tributos.

9Aqui, deve-se considerar o conceito de taxa implícita de juros, e não a taxa Selic, que não tem a mesma participação que tinha no passado na remuneração dos títulos públicos.

10Barbosa defende que reforma da Previdência seja feita agora, gradualmente. Correio Braziliense, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/17/internas_economia,518253/barbosa-defende-que-reforma-da-previdencia-seja-feita-agora-gradualme.shtml.

11 Ver, entre outros, Oliveira et al. (1998).  OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; DAVID, A. C. A. Previdência, Poupança e Crescimento Econômico: Interações e Perspectivas. Texto para Discussão no 607. Rio de Janeiro: Ipea, novembro de 1998.

12 Ver, entre outros, Paiva et al. (2016). PAIVA, L. H.; RANGEL, L. A.; CAETANO, M. A. O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros.Texto para Discussão no 2.211. Rio de Janeiro: Ipea, julho de 2016.

13 O que não corrobora o argumento de que o crescimento da produtividade poderia resolver o problema previdenciário. Não só o crescimento da produtividade gera um passivo previdenciário no futuro (como contrapartida do aumento da arrecadação), como ele seria restringido pelo próprio envelhecimento da população. Ver, entre outros, Maestaset al. (2016). MAESTAS, N.; MULLEN, K. J.; POWELL, D. The Effect of Population Aging on Economic Growth, the Labor Force and Productivity. NBER WorkingPaper No. 22452. Julho de 2016.

14Na Câmara, a matéria tramitou como PEC 241/2016.

15Evidentemente que a criação ou aumento de tributos não está proibida, mas elas serviriam, pelo menos nos dez primeiros anos do Novo Regime Fiscal, para melhorar o resultado primário: a princípio reduzindo o déficit e posteriormente gerando um superávit. Em verdade, a estabilização da relação dívida e PIB é o objetivo da proposta.

16Ver: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/so-nao-vai-ter-ganho-real-mas-e-reajuste-diz-perondi-sobre-pec-do-teto-dos-gastos-publicos-7729952.html.

17Na primeira semana de outubro o governo indicou que o teto só valeria para as áreas de saúde e educação a partir de 2018. Não consideramos essa mudança em relação à proposta original neste exercício, o que afeta os valores absolutos estimados, mas não a tendência do resultado.

18Diante desse cenário, alguns especialistas defendem que a PEC seja modificada para que seja dado um tratamento mais duro às despesas com funcionalismo, incluindo congelamento real de salários. Ver, entre outros http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1817880-para-analistas-teto-precisa-de-limite-para-despesa-com-pessoal.shtml?cmpid=compfb  e http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369.

19Proposto por Fabio Giambiagi. Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442935579_665784.html.

20Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1838400-reforma-da-previdencia-pode-gerar-economia-de-r-678-bi-diz-governo.shtml.

21 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-reforma-governo-federal-tera-de-cortar-mais-300-bi-20419663.

22 Ver: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN12Z2TR.

 

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Capacidade de investir com recursos próprios dos estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=capacidade-de-investir-com-recursos-proprios-dos-estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696#comments Mon, 07 Dec 2015 11:32:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2696 O presente trabalho tem o objetivo de mensurar a capacidade fiscal dos estados brasileiros de investir com recursos próprios. A ideia desse indicador é complementar a informação trazida pelo resultado primário, adicionando na avaliação um critério qualitativo do perfil da receita e do gasto público.

O resultado primário é definido como a diferença entre as receitas e as despesas não financeiras do governo. De uma forma simplificada, ele indica o quanto sobra das receitas fruto do esforço fiscal (ex. tributárias) após o pagamento das despesas não financeiras (ex. pessoal, custeio e investimentos) com o objetivo de honrar os compromissos de pagamento da dívida (veja mais nesse site sobre o conceito de resultado primário clicando aqui).

Para melhorar o resultado primário, por exemplo, tanto faz o governo cortar despesas de pessoal ou de investimentos. O impacto fiscal será o mesmo, porém, o impacto econômico é completamente diferente. Boa parte dos investimentos serve para ampliar e modernizar a infraestrutura, elevando a capacidade de crescimento futuro do país por meio da redução dos custos de congestionamento e do aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Ademais, é importante estimar um indicador fiscal que consiga captar, de alguma forma, a “margem de manobra” que os governos têm para honrar suas obrigações financeiras. Uma característica peculiar do Brasil em relação a outros países é o nível de rigidez orçamentária. Quando o governo decide ampliar o tamanho do estado no período de “vacas gordas”, dificilmente ele consegue reduzir quando “as vacas estão magras”, pelas várias regras inflexíveis que regem o setor público brasileiro.

Dessa forma, este trabalho sugere um indicador para medir qualitativamente como está a situação fiscal a partir da capacidade de investir dos entes. Além disso, esse indicador revela o grau de discricionariedade que o ente dispõe para gerenciar as contas públicas.

Para a estimativa desse indicador, parte-se das informações da classificação econômica das receitas e despesas constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária dos estados. Porém, é necessário fazer uma ressalva importante. Ainda não existe uma padronização bem estabelecida no registro contábil dos entes subnacionais. Trata-se de uma lacuna na legislação para aplicação dos limites estabelecidos na LRF de forma apropriada. Observa-se, para alguns entes e para algumas situações, o registro inapropriado de algumas operações que ajudam a melhorar artificialmente os indicadores fiscais. Este trabalho utilizou a informação oficial constante nos balanços.

Para explicar o cálculo do indicador, é necessário entender alguns conceitos da classificação econômica das receitas e despesas (Manual Técnico de Orçamento 2015, MPOG).

Do lado das receitas:

Receitas Correntes: são as receitas que aumentam as disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido, e constituem instrumento para financiar as políticas públicas. Classificam-se como correntes as receitas provenientes de tributos; de contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas, etc.

Receitas de Capital: são as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; conversão, em espécie, de bens e direitos; recebimento de recursos de outras pessoas de direito público ou privado.

Do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, é mais importante o ente ter mais receitas correntes que de capital, uma vez que as correntes estão sob controle da administração estadual e não geram obrigação futura. Boa parte das receitas de capital são fruto do endividamento ou da venda de ativos, algo que não é sustentável se utilizado em excesso.

Do lado das despesas:

Despesas Correntes: são aquelas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: pessoal, juros e encargos e custeio.

Despesas de Capital: são aquelas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: investimentos, inversões financeiras ou amortizações da dívida.

Em relação ao perfil do gasto, de maneira geral, é interessante ter uma participação maior das despesas de capital que das despesas correntes já que as despesas de capital estão associadas à criação ou aquisição de ativos para a sociedade (investimentos ou inversões financeiras) ou para amortizar dívidas e reduzir suas obrigações financeiras. Uma exceção a essa lógica são as despesas em educação, que em grande parte é com pessoal e promove efeitos econômicos importantíssimos de longo prazo.

Figura 1: Classificação Econômica das Receitas e Despesas

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A capacidade de investir com recursos próprios é calculada da seguinte forma:

Capacidade de  Investir com  Recursos Próprios =  Rec. Correntes (-) Desp correntes (-) Amortizações (-) Inv. Financeiras (Finc.)1 (-) Restos a pagar inscritos para despesas correntes (+) Restos a pagar cancelados para despesas correntes

 

Ou seja, o indicador mede o que sobra da arrecadação própria (sem depender do endividamento, alienação de ativos ou transferências para investimentos do governo federal), após o pagamento das obrigações correntes e das amortizações da dívida, para realizar despesas de investimentos e inversões financeiras primárias (aquisição de ativos). Trata-se de uma aproximação do grau de discricionariedade (“margem de manobra”) que o governo dispõe para honrar seus compromissos e realizar despesas de acordo com suas prioridades.

Ademais, é importante que esse indicador capte as restrições financeiras que os entes passam. Ao contrário do governo federal, que tem capacidade mais frouxa de elevar seu endividamento, os estados e municípios precisam de autorização da união para se endividar e, dessa forma, qualquer eventual necessidade de caixa inviabiliza a execução da despesa. Assim, o indicador também incluiu os compromissos da execução orçamentária de exercícios anteriores que ainda precisam ser pagos neste ano, os chamados restos a pagar.

 

Figura 1: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % da Rec. Primárias (Dados acumulados até o 4º Bimestre)

 img_2696_2

As estimativas revelam que a capacidade dos estados em investir com recursos próprios está negativa em 2%, no total até o 4º bimestre deste ano. Trata-se de uma situação de “stress financeiro” grave. Dos 27 estados, apenas 3 estados possuem o indicador de capacidade de investir com recursos próprios acima de 10%, nível minimamente razoável. Dessa forma, pode-se esperar a tendência de atraso no pagamento das obrigações dos entes em pior situação financeira, não apenas para fornecedores, mas até para a folha de pagamento.

Revela-se que a situação fiscal é complexa e necessita de uma ampla agenda de reformas para seu equacionamento:

1º) Reforço do marco legal existente: restrição dos limites de endividamento, de concessão de garantias do governo federal, de permissão das excepcionalidades das garantias dos empréstimos e brecha legal que permite a concessão de aumentos salariais com repercussões no mandato posterior.

2º) Falta de padronização dos critérios para aplicação dos limites da LRF: cada estado interpreta a lei e seus limites de uma forma diferente e, por vezes, oportunista. Deve-se dar especial atenção ao limite de despesa dos poderes e órgãos com autonomia orçamentária, como o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Legislativo.

3º) Reformas estruturais do gasto público: reduzindo o comprometimento das despesas de pessoal por meio da melhor aplicabilidade dos critérios de exoneração (CF e LRF), redução da jornada de trabalho, normatização do direito de greve dos servidores, critérios de reajuste salarial. Ademais, é necessário revisar as regras de aposentadorias dos servidores, de forma a estabelecer idade mínima de 65 para homens e mulheres, revisão de aposentadorias especiais para algumas categorias e revisão do sistema de pensões. Flexibilizar os critérios de aplicação mínima das despesas de custeio para torna-la mais flexível e permitir a adoção do caráter anticíclico da política fiscal.

4º) Reforma nas regras orçamentárias (Relatório do PLS 229/2009): buscar o realismo orçamentário, elevar a capacidade de planejamento do espaço fiscal de médio prazo, estabelecer fundamentação técnica para a elaboração de projetos de investimentos, limitação das despesas de restos a pagar para a disponibilidade financeira em todos os anos do mandato, reforço técnico dos instrumentos de avaliação dos programas (ex-ante e ex-post) e convergência da contabilidade aos padrões internacionais.

5º) Reformas gerenciais: focar nas atividades essenciais do estado, focar no atendimento ao cidadão (front office), integrar melhor a formulação e a execução, fusão de órgão públicos, controle e avaliação por meio do diálogo permanente, compartilhamento dos serviços de suporte, adotar novas tecnologias nos sistemas de compras e melhorar coordenação entre órgãos do governo.

Não há dúvidas que os desafios são grandes e a agenda de reformas necessárias envolve paradigmas consolidados na sociedade brasileira. Dado que nossa carga tributária se aproxima de 40% do PIB, o caminho fácil da elevação de tributos mostra-se cada vez mais restrito. O tamanho do setor público e sua ineficiência está chegando ao limite. Se não adotarmos medidas estruturais para resolvermos os problemas, estaremos em uma tendência crescente de elevação da carga tributária ou estarmos sempre fadados a reviver momentos de crise como o atual.

______________

1 Inversões financeiras são despesas que abrangem os gastos com aquisição de imóveis em utilização, aquisição de bens para revenda, aquisição de títulos de crédito de títulos representativos de capital já integralizado, constituição ou aumento de capital de empresas concessão de empréstimos, entre outros.

 

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O que explica a deterioração recente das finanças públicas estaduais e quais são as perspectivas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2451&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-explica-a-deterioracao-recente-das-financas-publicas-estaduais-e-quais-sao-as-perspectivas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2451#comments Tue, 07 Apr 2015 15:27:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2451 Introdução

Este trabalho tem o objetivo de apresentar os fatores condicionantes para a recente deterioração das finanças públicas estaduais e indicar as perspectivas futuras para avaliação do cenário fiscal de médio prazo. Utilizou-se como critério metodológico a abertura do resultado primário dos estados pelo resultado “acima da linha”, onde é possível analisar os componentes das receitas e despesas dos governos estaduais. Essa metodologia permite explicar os principais condicionantes da variação do resultado fiscal, assim como estabelecer critérios de avaliação das perspectivas futuras.

Foi interessante observar que, nos últimos 25 anos, a evolução das finanças públicas estaduais seguiu um comportamento cíclico. No período de 1992 a 1997, houve um processo de forte deterioração das contas públicas, onde o resultado primário saiu da estabilidade em proporção do PIB para um déficit de 0,8%. De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999), após o lançamento do Plano Real, em 1994, agravaram-se os desequilíbrios financeiros dos estados e de seus bancos. O fim da hiperinflação e a elevação da taxa de juros real elevaram os compromissos financeiros, reduziram as receitas inflacionárias e anteciparam as crises de liquidez dos bancos estaduais.

Os bancos estaduais foram utilizados como instrumento para financiamento da expansão das despesas e, consequentemente, da elevação do endividamento dos entes. O maior problema encontrava-se na estrutura de incentivos que lastreiam o relacionamento entre os bancos estaduais e seus acionistas controladores majoritários (os governos). A intervenção do Banco Central em diversos bancos estaduais e as trocas de títulos dos estados por títulos federais não foram suficientes para conter o crescimento explosivo das dívidas e a deterioração patrimonial e de liquidez dos bancos estaduais. O governo central foi, então, forçado a negociar novo programa de ajuste fiscal para os governos subnacionais.

No processo de renegociação da dívida dos estados, a União assumiu R$ 101,9 bilhões de dívida estadual para ser parcelada em 30 anos a uma taxa de juros de 6% a 9% a.a., mais a correção monetária do IGP-DI. Em troca, o governo federal exigiu disciplina fiscal dos estados por meio de um contrato com metas relacionadas à: (i) dívida financeira em relação à receita líquida real; (ii) resultado primário; (iii) despesas com funcionalismo público; (iv) arrecadação de receitas próprias; (v) privatização, (vi) permissão ou concessão de serviços públicos, (vii) reforma administrativa e patrimonial e (viii) despesas de investimento.

De fato, pelos dados agregados, o programa de ajuste fiscal de 1997-98 foi bem sucedido nos seus objetivos. Como pode ser observado no Gráfico 1, o resultado primário dos governos estaduais saiu de um déficit acima de 0,4% do PIB em 1998 para um superávit de 1% do PIB em 2007. Esse comportamento, no entanto, iniciou tendência de deterioração em 2008, com a crise internacional até 2010. Em 2011, observamos comportamento de recuperação do resultado, seguindo o esforço observado pelo Governo Federal na época. Porém, desde 2012, o resultado primário dos estados apresentou tendência de deterioração de maneira drástica, registrando déficit de 0,3% em dezembro de 2014.  A seção seguinte busca mostrar os principais determinantes desse comportamento.

Gráfico 1: Resultado Primário dos Governos Estaduais acumulado em 12 meses, em % PIB

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Detalhamento dos Dados de Receitas e Despesas Primárias

A fonte de dados utilizada neste estudo foram os relatórios de execução orçamentária por meio do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), aberto ao público, pela Secretaria do Tesouro Nacional. O período de análise foi de 2002 a 2013 (último dado disponível para o resultado fiscal acima da linha). Foram realizados ajustes no banco de dados com o objetivo de padronizar as informações dos estados e corrigir mudanças metodológicas na medida do possível. Há estados, por exemplo, que contabilizam despesas de inativos e pensionistas como custeio. Utilizou-se o padrão de contabilização do Governo Federal para a reclassificação das despesas. Além disso, seguiu-se a definição do resultado primário conforme Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO).

O Gráfico 2 apresenta a taxa de crescimento real das receitas e despesas primárias. Observa-se que, no período pré-crise, tanto as receitas como as despesas primárias cresciam a uma taxa bastante elevada. Além disso, o crescimento das receitas acima das despesas permitiu os ganhos observados no resultado primário até 2007. No período, a taxa de crescimento real das receitas em 6,5% a.a., superior ao do crescimento do PIB, implicou o aumento do tamanho do estado na economia.

Gráfico 2: Receitas e Despesas Primárias, taxa de crescimento real, em % a.a.

img_2451_2

Gráfico 3: Receitas e Despesas Primárias, em % PIB

img_2451_3

 

Após 2008, observa-se um quadro de deterioração fiscal com as despesas crescendo a taxas elevadas, enquanto as receitas já não conseguiram crescer com mesmo dinamismo. Essa tendência levou os estados a um resultado fiscal deficitário em 2013 (Gráfico 3).

Desagregando as receitas primárias em tributárias, transferências do governo federal e demais receitas primárias (Gráfico 4), verifica-se que a maior contribuição da arrecadação dos estados entre 2003 e 2008 veio das receitas de transferências, explicando a melhora em 0,9 p.p. do PIB na arrecadação. Essas receitas são influenciadas pela arrecadação do IPI, Imposto de Renda e CIDE. Nesse período, as políticas de transferência de renda do governo federal, estímulo ao consumo pela expansão do crédito e aumento da formalização do trabalho, ampliaram bastante a base de cálculo desses tributos. As demais receitas primárias e as receitas tributárias contribuíram com 0,3 p.p. e 0,2 p.p. do PIB respectivamente. No total, as receitas cresceram 1,4 p.p. do PIB (elevação da carga tributária) até 2008.

Gráfico 4: Receitas Primárias, em % PIB

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No período após 2008, observa-se que as receitas de transferência iniciam trajetória declinante, chegando a perder 0,5 p.p. do PIB até 2013 (último dado disponível). Essa trajetória das receitas de transferência é explicada pela política de desonerações do IPI (carros, eletrodomésticos, etc) e CIDE do Governo Federal, como forma de combater os efeitos da crise. Observou-se que a manutenção dessa estratégia política levou a uma trajetória de queda contínua das transferências.

As receitas tributárias sofreram pequena queda de 0,1 p.p. do PIB no período, mesmo com um crescimento menor do PIB no período. Parte significativa das receitas tributárias se concentra em ICMS sobre energia elétrica, telefone e combustíveis (preços administrados), que cresceram a uma taxa menor que a inflação média no período. A compensação da queda das duas classificações acima foi dada pelas demais receitas primárias, como juros e mora de tributos e “receitas diversas”. É possível que os estados tenham elevado seus esforços em reaver dívidas anteriores por meio de programas de desconto na renegociação com contribuintes inadimplentes.

Do lado das despesas (Gráfico 5), observamos uma tendência clara de expansão das despesas de pessoal pelos estados, a despeito da dificuldade de elevar, de forma significativa, os tão necessários investimentos públicos. Separando as despesas nos dois períodos de análise (2003-2008 e 2009-2013), observa-se que as despesas de pessoal, de custeio e de investimentos cresceram cada 0,4 p.p. do PIB entre 2003 e 2008. No total, as despesas totais cresceram 1,2 p.p. do PIB (inferior ao crescimento das receitas).

Gráfico 5: Despesas Primárias, em % PIB

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Após 2008, observa-se um forte crescimento das despesas de pessoal, com expansão de 0,7 p.p. do PIB até 2013, enquanto o custeio cresceu 0,1 p.p. e os investimentos 0,2 p.p. do PIB. No total, as despesas primárias cresceram 1,0 p.p. do PIB, superior ao 0,1 p.p. do crescimento das receitas, o que explica a deterioração das contas públicas no período. Dessa forma, a deterioração das contas públicas dos estados ocorrida entre 2008 e 2013 pode ser explicada 70% pela elevação das despesas de pessoal, 10% do custeio e apenas 20% dos investimentos.

É importante ressaltar que a redução temporária do resultado primário, em teoria, pode ser salutar, desde que os recursos sejam empregados na expansão da capacidade da economia, como por meio dos investimentos em infraestrutura ou em educação. O que observamos, nos dados acima, é que os investimentos não cresceram. Foi também feito um levantamento das despesas na função orçamentária educação dos estados. Em 2008, essas despesas equivaliam a 2,2% PIB e, em 2013, caíram para 2,0% do PIB. Ou seja, houve redução de 0,2 p.p. do PIB.

O que podemos verificar nos dados citados é que a participação dos investimentos em infraestrutura e em educação nas despesas totais dos estados caíram. Houve piora da situação fiscal (resultado primário) ao mesmo tempo em que houve piora do perfil do gasto público. É o pior cenário possível. Infelizmente, os estados, no agregado, perderam uma boa chance de ampliar seus investimentos em infraestrutura ou em educação no período, enquanto ainda dispunham de espaço fiscal. Agora, a situação fiscal será mais complexa de ser equacionada.

Outro fato interessante de ser observado é a rigidez orçamentária brasileira. Note que, no ano de 2011, houve ajuste fiscal tanto no nível federal, quanto no nível estadual. Infelizmente esse ajuste de 2011 foi realizado basicamente sobre os investimentos, com retração de 0,4 p.p., enquanto as despesas de pessoal subiram 0,2 p.p. e o custeio permaneceu estável no período. Esta é uma face perversa do ajuste fiscal realizado pelos governos. Não há como poupar os investimentos de cortes enquanto tivermos a atual rigidez da estrutura orçamentária brasileira.

Este trabalho também realizou a análise do endividamento dos estados e a capacidade de investir com recursos próprios. Define-se a capacidade de investir com recursos próprios (ou poupança corrente) como a diferença das receitas correntes com as despesas correntes. Em uma linguagem mais simplificada, o montante de recursos que sobram para investir fruto da diferença entre as receitas tributárias com os pagamentos das obrigações de pessoal, juros e custeio. Ou seja, não estão computados na capacidade de investir os recursos originários do endividamento público.

Gráfico 6: Receitas de Operações de Crédito e Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % PIB

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No Gráfico 6, é possível observar que, até 2008, a capacidade de investir com recursos próprios subiu consideravelmente, em 0,9 p.p. do PIB desde 2003. Porém, no período pós da crise de 2009, esse indicador caiu fortemente para 1,2% do PIB. Houve recuperação em 2010 e 2011 e voltou a mostrar deterioração em 2012 e 2013. Em 2013, a capacidade de investir com recursos próprios dos estados atingiu o menor nível em 10 anos, 1% do PIB, ou seja, apenas 7,5% de tudo o que é arrecadado pelos estados.

Esse comportamento é explicado em boa medida pelo comportamento das receitas de operações de crédito dos estados (endividamento). No Gráfico 6 é possível verificar que o montante dessas receitas estava relativamente estável até o ano de 2011. Em 2012, essas receitas triplicaram de valor como proporção do PIB, para 0,6%, e em 2013 elevaram ainda mais para 0,8% do PIB.

É interessante observar que a elevação das receitas de operações de crédito em 2012, em 0,4 p.p. do PIB, não implicou elevação das despesas de investimentos (Gráfico 5). O que observamos no ano de 2012 foi que as despesas de pessoal subiram na mesma magnitude (0,4 p.p. do PIB). Ou seja, há um indicativo de que a maior disponibilidade financeira das operações de crédito permitiu expansão das despesas de pessoal, enquanto os investimentos não foram realizados. Esse comportamento explica a queda na capacidade de investir dos estados nesse ano, uma vez que houve expansão de despesas correntes, por meio do endividamento, sem o aumento das receitas tributárias.

 

Perspectivas Futuras

O que podemos esperar das contas estaduais no médio prazo? Vai depender de inúmeros fatores econômicos e financeiros que impactam as contas públicas. Em 2015, podemos verificar que a maioria dos estados passam por situação crítica em suas finanças públicas. Muitos, inclusive, tendo problemas de caixa para pagar até as despesas de pessoal.

Enumero as cinco principais variáveis para o comportamento futuro das finanças públicas estaduais, assim como sua tendência de médio prazo:

  • Crescimento econômico: variável chave para a ampliação da base de arrecadação. Perspectivas não são boas. Neste ano de 2015, a previsão de mercado indica contração de 1% do PIB e de expansão de apenas 1,2% em 2016. Nos anos seguintes, o potencial de crescimento dependerá da implementação de reformas, principalmente microeconômicas, que o governo tenta fazer neste ano.
  • Inflação: variável igualmente importante para elevação da base tributária. Do ponto de vista fiscal, a tendência de alta dessa variável vai compensar parcialmente a falta de crescimento econômico nos próximos dois anos. A previsão de mercado indica inflação de 8,1% para 2015 e 5,6% em 2016. Destaca-se a elevação dos preços administrados acima da média geral, como gasolina e energia elétrica, que tem elevado peso nas arrecadações estaduais, o que pode ajudar na recuperação das receitas.
  • Royalties: Essas receitas são muito importantes para alguns estados e municípios. O preço do petróleo caiu fortemente nos últimos meses e não há perspectivas que ele retorne para os patamares observados nos últimos anos. É um fator negativo para o reequilíbrio das contas de alguns estados. Por outro lado, a depreciação cambial e o aumento da produção (em que pese a crise da Petrobras) podem neutralizar parte dessa queda.
  • Despesas: Dada a crise financeira que vários governos encontraram neste ano, há perspectiva de redução da taxa de crescimento das despesas. Infelizmente, o maior corte será sobre os investimentos. O problema se encontra na rigidez orçamentária brasileira (difícil cortar despesas de pessoal e custeio) e no comportamento oportunista de alguns governadores, no ano passado (eleição), de negociar reajustes salariais parcelados para a conta ser paga em 2015 e 2016.
  • Autorização de Endividamento: A ampliação dos limites de endividamento dos estados impacta negativamente o resultado primário pois se trata de uma receita financeira normalmente vinculada a gastos primários. Vescovi (2014) fez o levantamento do cronograma das operações de crédito já aprovadas. Verifica-se que em 2014 houve o impacto máximo das autorizações recentes dadas aos Estados (o que explica a forte queda no primário desse ano).  A perspectiva futura é de redução desse montante, caso o governo não autorize mais operações. Espera-se, dessa forma, que essa variável não seja propulsora futura de deterioração fiscal.

 Gráfico 7: Operações de Crédito Autorizadas aos Estados, em R$ bilhões

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Conclusão

As finanças públicas estaduais apresentaram comportamento cíclico no Brasil nos últimos 25 anos. Desde 2012 iniciamos um ciclo de deterioração mais acentuado das contas estaduais, que já reverteu os ganhos observados até o ano de 2008. Infelizmente os estados perderam a oportunidade de ampliar os investimentos em infraestrutura ou em educação, mantendo estáveis as despesas com custeio e pessoal. Agora, teremos que aguardar mais um ciclo de bonança para que os estados possam ampliar sua capacidade de investir. Nessa tendência cíclica, tudo indica que 2014 foi o ano com pior resultado fiscal e que as perspectivas futuras são de retomada gradual do superávit primário.

Essa tendência de recuperação gradual será ajudada pela inflação mais elevada, com correção dos preços relativos (administrados), pelo maior rigor no controle das despesas, com a crise financeira observada em alguns estados, e pelas perspectivas de redução no ritmo de aprovação das operações de crédito. Como força contrária, atuará o menor dinamismo da economia brasileira, associado à queda dos investimentos próprios, dos investimentos do governo federal e das estatais (notadamente a Petrobrás), além da redução do preço do petróleo.

É importante que reconheçamos a oportunidade perdida, no nível estadual, de melhorar o perfil do gasto público. O ciclo de bonança das contas públicas acabou e precisamos construir os alicerces para a sustentabilidade futura. É necessário refletir sobre o papel do estado em atuar com qualidade em suas atividades primordiais, como educação e infraestrutura, antes de querer expandir para outras áreas. Não custa lembrar que, na economia, nada é de graça. O princípio da escassez, já bem consolidado nas sociedades de economias avançadas, precisa ser discutido com maior seriedade no Brasil. Existem escolhas difíceis a serem exercidas pela sociedade brasileira, a protelação delas só vai agravar o quadro para o desenvolvimento econômico para as futuras gerações.

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Referências

RIGOLON, F. E GIAMBIAGI, F.  A Renegociação das Dívidas e o Regime Fiscal dos Estados. Textos para Discussão do BNDES número 69, 1999.

SICONFI (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro). Base de Dados in https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/. Secretaria do Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda.

VESCOVI, A. P. Endividamento dos Estados. Apresentação, São Paulo, maio, 2014.

 

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Por que a produção industrial não cresce desde 2010? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1420&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-producao-industrial-nao-cresce-desde-2010 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1420#comments Mon, 27 Aug 2012 12:44:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1420 O objetivo deste trabalho é explicar porque a produção mensal da indústria de transformação está estagnada desde o início de 2010. Para dar uma resposta temos que pensar em uma economia com dois setores. O primeiro é o de serviços, com as características: a) de ser grande no mercado de mão de obra e ter elevada participação no PIB; e b) de ser fechado ao comércio internacional, operando como um “fixador de preços”. O segundo é o industrial, que é bem menor no mercado de mão de obra e também no PIB, mas é muito aberto ao mercado internacional, operando em uma situação próxima à de um “tomador de preços”.

A reação do governo à crise de 2008 foi provocar a redução da taxa de juros e dos superávits primários, ao lado da expansão do crédito por parte de bancos públicos, visando estimular a demanda agregada, que é a soma das demandas por serviços e por produtos industriais. A expansão da demanda do setor de serviços elevou a demanda de mão de obra, que foi a grande responsável pela queda acentuada da taxa de desemprego, provocando o crescimento dos salários reais. Mas no caso da indústria, o aumento da demanda por produtos industriais não levou à expansão da produção. Embora a taxa real de juros tenha caído o suficiente para que, tudo o mais mantido constante, tivesse ocorrido o aumento da utilização de capacidade, retirando o hiato da produção industrial do território negativo e ampliando a produção, o que ocorreu foi o contrário. A elevação dos salários combinada com a estagnação da produtividade do trabalho na indústria levou a um aumento do custo unitário do trabalho, que foi suficiente não somente para anular o estímulo vindo da queda da taxa real de juros, como para levar à ampliação do hiato negativo de produto e à queda da utilização de capacidade instalada.

E para onde foi a demanda de produtos industriais que não pode ser atendida pelo aumento da produção? Como a indústria é um setor muito aberto ao comércio internacional, seu destino foi o aumento das importações líquidas. Ao vazar para o

exterior na forma de importações líquidas, essa ampliação da demanda retirou parte do crescimento do PIB, contribuindo para a desaceleração do crescimento econômico.

Com esse modelo simples explicamos vários “puzzles” da economia brasileira atual. Como foi possível, por exemplo, a ocorrência simultânea de queda do nível de emprego na indústria com a elevação dos salários pagos pelo setor, levando ao aumento do custo unitário do trabalho? Como foi possível ter ao mesmo tempo uma economia com pleno emprego (ou acima dele) no mercado de mão de obra, ao lado de uma queda na utilização de capacidade na indústria?

O curioso é que a nossa explicação para o que ocorreu não faz qualquer menção à valorização cambial. Não que ela não tenha ocorrido. Primeiro, porque somente foi possível realizar uma expansão tão forte da absorção em relação ao produto devido aos ganhos de relações de troca, o que leva à valorização do câmbio real. Segundo, porque com o mercado de trabalho operando próximo de uma situação de pleno emprego, ocorreu o crescimento dos salários reais, elevando os preços dos bens “domésticos” relativamente aos bens “internacionais”, ou seja, valorizando o câmbio real. Terceiro, porque após a depreciação ocorrida em 2008, o câmbio nominal voltou a se apreciar, devido ao rápido retorno dos ingressos de capitais.

A força dos ingressos de capitais pode ter levado a uma apreciação do câmbio real maior do que a decorrente do crescimento da absorção; dos ganhos de relações de troca; e da elevação dos salários reais, mas mesmo na sua ausência, o câmbio real teria se valorizado. As evidências empíricas apresentadas neste trabalho mostram que não é preciso usar o argumento de uma valorização cambial determinada exogenamente para explicar o que se passou com a indústria brasileira.

Nas próximas seções detalhamos como tudo isso foi possível.

A REAÇÃO À CRISE DE 2008

Na crise de 2008 o Brasil teve uma recessão que foi profunda, porém curta e concentrada no setor industrial. Enquanto o PIB da indústria por dois trimestres consecutivos mostrou quedas que ocorreram a taxas anualizadas superiores a 20%, a contração no setor de serviços ocorreu à taxa anualizada de 10% por apenas um trimestre. O governo reagiu à crise estimulando o crescimento da demanda. A taxa SELIC caiu de 13,75% em janeiro de 2009 para 8,75% em julho, levando as taxas reais de juros de mercado para pouco acima de 4% ao ano no mês de outubro de 2009; o crédito de bancos oficiais se expandiu a uma taxa de 12 meses que superou 30% em 2009; foram cortados impostos e ampliados os gastos públicos, reduzindo o superávit primário em 2 pontos porcentuais do PIB.

Com estes estímulos, a economia saiu rapidamente da recessão, e em pouco tempo a produção mensal da indústria de transformação já havia voltado ao pico prévio. Porém, superada a fase das políticas contracíclicas, o governo continuou estimulando a expansão da demanda, e em 2010 colheu um crescimento do PIB de 7,5%. A maior ampliação da demanda veio da expansão do consumo. Medido a preços constantes do ano 2000, o consumo das famílias passou de uma média próxima de 63% do PIB em 2006 e 2007, para perto de 66% no período de 2009 a 2012, como mostra o gráfico 1. Mas ocorreu também uma elevação da formação bruta de capital fixo, que voltou a oscilar entre 19% e 20% do PIB depois de encolher para 16% no auge da recessão. Por algum tempo, a indústria de transformação elevou a produção, respondendo à ampliação de demanda, mas a partir do início de 2010 não mais conseguiu crescer.

Gráfico 1 – Consumo/PIB e Investimentos/PIB – a preços constantes do ano 2000

No gráfico 2 estão superpostas a produção industrial mensal e uma proxy mensal do PIB estimada pelo Banco Central (o IBC-Br). Há algum tempo a indústria vem perdendo participação no PIB, mas com base nestas duas séries em uma amostra de janeiro de 2003 a novembro de 2008 rejeita-se a hipótese de uma quebra de estrutura. Estes dados mostram que até novembro de 2008 há uma relação muito estável entre o crescimento da indústria e o crescimento do PIB. A quebra de estrutura somente ocorreu na crise de 2008, e daí em diante o PIB persistiu se elevando, ainda que a taxas mais baixas do que no período encerrado em 2008, mas a produção da indústria de transformação manteve-se estagnada desde o início de 2010, caindo nos últimos meses.

Gráfico 2 – Produção Industrial e proxy do PIB estimada pelo BC

EMPREGO, SALÁRIOS REAIS E O CUSTO UNITÁRIO DO TRABALHO

O peso do setor de serviços no mercado de mão de obra é muito maior do que o da indústria. Em 2009, a indústria contratava perto de 20 milhões de trabalhadores, e o setor de serviços contratava 60 milhões, com a proporção de 1 para 3 mantendo-se ao longo dos anos, como é mostrado na tabela 1. Os dados do CAGED mostram que os fluxos de contratação de mão de obra pelo setor de serviços sempre se mantiveram bem acima dos fluxos de contratação por parte da indústria. Foi devido ao vigor da demanda de mão de obra por parte do setor de serviços que a taxa de desemprego declinou.

Tabela 1 – Pessoal empregado (em milhões de trabalhadores)

Depois de um crescimento durante a crise de 2008, que é muito pequeno em proporção à profundidade da recessão vivida pela indústria, a taxa de desemprego desabou em 2010 e caiu abaixo de 6% em 2011, situando-se em torno de 6% quando corrigida pelas variações na taxa de participação, como é mostrado no gráfico 3. Em 2012, a taxa de desemprego estimada com base em uma taxa de participação constante caiu ainda mais. Os dados do IBGE mostram, também, que os salários reais médios vêm crescendo. Desemprego baixo e cadente, ao lado de salários reais crescentes, é indicativo de uma economia próxima (ou talvez acima) do nível de pleno emprego.

Gráfico 3 – Taxas de desemprego

Contrariamente à afirmação frequente de que “é a indústria que paga os salários mais elevados”, os dados do IBGE mostram uma clara tendência à equalização de salários. Na tabela 2 mostramos os salários anuais médios da indústria e do setor de serviços medidos a preços correntes. Não esperaríamos uma equalização perfeita, porque há diferentes composições nos graus de treinamento, idade, sexo e qualificação da mão de obra. Mas a proximidade dos salários médios dos dois setores indica que no agregado aquelas são diferenças que se diluem, havendo um grau suficientemente elevado de mobilidade da mão de obra que força na direção da equalização. Não surpreende, portanto, que um aumento na demanda de mão de obra por um setor que é o grande empregador no mercado brasileiro de trabalho produza um crescimento nos salários reais médios em outro setor, que é menor tanto na sua participação no PIB, quanto no mercado de mão de obra.

Tabela 2 – Salário médio anual a preços correntes

O resultado é a elevação contínua do salário médio real na indústria. Isto não seria um problema se a produtividade média da mão de obra na indústria estivesse crescendo à uma taxa próxima à de elevação dos salários, como ocorria entre 2004 e 2007, mantendo o custo unitário do trabalho na indústria flutuando em torno de um patamar estável. Mas a partir do início de 2010 há uma queda gradual da produtividade média da indústria, que coincide com a paralização da produção industrial, e que ocorre ao lado da elevação dos salários reais, como se vê no gráfico 4.

Gráfico 4 – Salários médios e produtividade média do trabalho na indústria

Durante a fase aguda da crise, ao final de 2008, ocorreu uma implosão da produtividade média do trabalho. A produção caiu mais do que o nível de emprego, e segundo a PIMES ocorreu um ajuste pequeno nas horas trabalhadas por trabalhador. O colapso temporário do crédito que se seguiu à quebra do Lehman Brothers explica porque a queda da produção e da produtividade por trabalhador foi tão intensa e tão rápida. Quem continuou trabalhando manteve os salários reais, em parte devido à pequena variação das horas trabalhadas por trabalhador, mas em parte porque o setor de serviços sofreu muito pouco durante a crise, mantendo o nível de emprego e impedindo o crescimento maior da taxa de desemprego. Ao longo desse curto ciclo de queda da produção e da produtividade os salários reais não declinaram. A restauração do crédito e dos pagamentos na economia global removeram a restrição à continuidade da produção, o que ao lado das medidas contracíclicas empurraram a produção e a produtividade da indústria brasileira para níveis “normais” em um período muito mais curto do que nos demais países.

O comportamento do custo unitário do trabalho é visto no gráfico 5. De fato, entre 2004 e a segunda metade de 2008, o custo unitário do trabalho oscilou em torno de um patamar estável. Por um breve momento, no auge da crise, o custo unitário do trabalho explodiu, mas isso foi devido à implosão da produtividade média da mão de obra. A rapidez da recessão logo corrigiu esse comportamento. A partir do início de 2010, o custo unitário do trabalho já se eleva fortemente, saindo de uma média de 0,95 em torno do início de 2010, para próximo de 1,05 no último mês disponível.

Gráfico 5 – Custo unitário do trabalho na indústria

Qual foi o efeito dessa elevação na produção industrial? Para dar uma resposta vamos trabalhar com dois modelos: um explicativo do hiato da produção industrial; e outro explicativo do hiato do nível de utilização da capacidade instalada (estimado pela FGV) na indústria. Ambos são definidos como os desvios com relação ao respectivo filtro HP. Há duas variáveis independentes de natureza doméstica: a taxa real de juros de mercado (os swaps de 360 dias deflacionados pela taxa de inflação esperada 12 meses à frente); e o custo unitário do trabalho, além de duas variáveis dummy para captar movimentos exacerbados em dois meses durante o auge da queda da produção, e da própria variável endógena defasada de um período para captar a dinâmica do ajuste. Incluímos, também, uma medida do hiato da produção industrial mundial, para captar o contágio de ciclos externos. Os resultados estão na tabela 3.

Tabela 3 – Modelos explicativos dos hiatos da produção e do NUCI

Notas: estimativas realizadas com base em dados mensais, de janeiro de 2002 a março de 2012. Os números entre parênteses abaixo dos coeficientes são as estatísticas t de Student.

Independentemente de qual seja a variável endógena escolhida, e independentemente de incluirmos ou não as dummies e o hiato do resto do mundo, o custo unitário do trabalho e a taxa real de juros mostram sempre coeficientes negativos que diferem significativamente de zero, com probabilidade nula de serem obtidos ao acaso. Uma queda da taxa real de juros atua (com defasagens) elevando a utilização de capacidade e elevando a produção relativamente à sua tendência, com o aumento do custo unitário do trabalho produzindo o efeito contrário. Como a taxa real de juros caiu nos meses após a crise, a utilização de capacidade teria que ter se elevado, e o hiato (negativo) da produção industrial teria que ter se reduzido, mas a elevação do custo unitário do trabalho atuou na direção contrária.

No gráfico 6 comparamos os valores observados do hiato da produção com as projeções dinâmicas, quer incluindo, quer excluindo o hiato do resto do mundo. Nas projeções dinâmicas os valores estimados não são obtidos usando os valores efetivamente observados da variável endógena em t-1, mas sim os seus valores estimados pelo próprio modelo. Os dados indicam que as projeções traçam muito bem a fase de estagnação ocorrida depois do início de 2010.

Gráfico 6 – Hiato da produção industrial – valores observados e projeções dinâmicas

Se a indústria fosse um setor fechado ao comércio internacional, atuando como “fixador de preços”, como é predominantemente o caso do setor de serviços, o aumento de custos representado pela elevação do custo unitário do trabalho poderia ter sido (pelo menos parcialmente) repassado para os preços. A magnitude do repasse dependeria da elasticidade preço da demanda. Mas a indústria de transformação é um setor aberto, e se não for exatamente um “tomador de preços” está muito próximo dessa situação. Isto significa que a elevação do custo unitário do trabalho leva ao estreitamento das margens, o que desestimula a produção, e produz o comportamento observado do hiato da produção.

A expansão forte da demanda agregada de bens (domésticos e internacionais) elevou a demanda de mão de obra e os salários reais. No entanto, atuou desestimulando a produção industrial.

AUMENTO DA ABSORÇÃO E DAS IMPORTAÇÕES LÍQUIDAS

Desde 2005, a absorção vem se expandindo a uma velocidade superior à do PIB. O crescimento das importações líquidas foi temporariamente interrompido durante a recessão de 2008, mas de 2009 em diante ocorreu um crescimento muito forte. Avaliadas a preços constantes do ano 2000, as importações líquidas passaram de perto de 1% do PIB, no início de 2009, para mais de 6% do PIB, da metade de 2011 em diante (gráfico 7).

Gráfico 7 – Absorção, PIB e Importações líquidas a preços constantes do ano 2000

Como ficou evidente da observação dos dados mostrados anteriormente no gráfico 1, a aceleração no crescimento da absorção em relação ao PIB não veio apenas da expansão do consumo das famílias, mas também, ainda que em menor escala, da formação bruta de capital fixo. A expansão da absorção em relação ao PIB também coincide com a aceleração dos ganhos de relações de troca. Desde 2005 há um movimento de elevação das relações de troca, mas esse crescimento se acelerou em 2010 (gráfico 8).

Gráfico 8 – Relações de troca

A mudança de preços relativos permitiu que a preços constantes a absorção atingisse 6% do PIB, enquanto que a preços correntes elevou-se apenas para 1,5% do PIB em 2010 e 2011. Os ganhos de relações de troca abriram o espaço para que pudesse ocorrer uma forte ampliação da absorção relativamente ao PIB. No gráfico 9 comparamos as importações líquidas a preços correntes e a preços constantes. Entre 2000 e 2005 praticamente não ocorreram ganhos de relações de troca, mantendo as importações líquidas a preços constantes e correntes flutuando em torno do mesmo valor. Em 2005 se iniciam os ganhos de relações de troca, e a aceleração das importações líquidas a preços constantes coincide com esses ganhos.

Gráfico 9 – Importações líquidas a preços correntes e a preços constantes

Entre 2009 e 2010/11 as importações líquidas elevaram-se em 5 pontos porcentuais do PIB, e este aumento foi suportado quase que exclusivamente pela indústria. Nem o setor de serviços, com um valor adicionado de 67,5% do PIB em 2009, nem o setor de construção, cujo valor adicionado em 2009 representava 5,3% do PIB (tabela 4), operam com uma proporção significativa de bens “internacionais”. A agricultura, por outro lado, foi o grande beneficiário dos ganhos de relações de troca, gerando elevadas exportações líquidas. Dessa forma, o peso de um aumento de cinco pontos porcentuais nas importações líquidas avaliadas a preços constantes foi suportado quase que exclusivamente pela indústria de transformação.

Tabela 4 – Proporção do valor adicionado no PIB (%)

Duas são as consequências deste elevado grau de abertura da indústria. A primeira é que impede que a indústria repasse para preços os aumentos do custo unitário da mão de obra, o que se transforma em queda de margens, desestimulando a produção. A segunda é que a demanda que não é atendida pela produção industrial vaza para o exterior na forma de importações líquidas, cuja elevação não leva a um déficit elevado nas contas correntes devido aos ganhos de relações de troca.

CÂMBIO REAL, RELAÇÕES DE TROCA E POUPANÇAS DOMÉSTICAS

Com o encerramento da fase aguda da recessão, ao final de 2009, e a forte expansão monetária promovida pelo crescimento dos ativos de vários bancos centrais no mundo, os ingressos de capitais retornaram e o câmbio nominal se valorizou. Embora seja frequente atribuir à China a força que leva ao aumento dos preços de commodities, não se pode ignorar que o aumento de liquidez que se seguiu à expansão dos ativos dos bancos centrais foi uma força adicional elevando preços de commodities.

Nos 12 meses que se encerram na metade de 2011, tivemos ingressos de investimentos estrangeiros diretos de mais de US$ 60 bilhões, com ingressos em portfólio de renda variável de mais de US$ 40 bilhões, e em portfólio de renda fixa de mais de US$ 20 bilhões. Esses ingressos foram mais do que suficientes para financiar o déficit nas contas correntes, que se ampliou com a elevação das importações líquidas, e apesar da acumulação de reservas, de perto de US$ 50 bilhões dentro do ano de 2011, o câmbio nominal se valorizou.

Essa valorização também ocorreu no câmbio real. O câmbio nominal é o preço de um ativo, sendo influenciado pelos ingressos e saídas de capitais, e o câmbio real é um preço relativo, entre bens domésticos e internacionais. A longo prazo, o câmbio real depende apenas de variáveis reais, e retorna à sua média (o câmbio real de equilíbrio), mas se desvia dessa média por períodos longos quando é submetido a choques no câmbio nominal, como são os choques gerados por variações nos ingressos de capitais. As economias são caracterizadas por um elevado grau de rigidez de preços, e o Brasil não é uma exceção. É isso que está por trás da correlação positiva entre o câmbio nominal e o câmbio real (gráfico 10). Contudo, os efeitos desses “choques” não são permanentes. As evidências empíricas sobre a paridade de poder de compra para um número enorme de países, inclusive o Brasil, mostram que quando ocorre um choque ele não se incorpora permanentemente ao câmbio real, dissipando-se. Mas essa dissipação é muito lenta. Ou seja, o câmbio real tem uma componente autorregressiva positiva, o que gera persistência, mas tem uma raiz fora do círculo unitário.

Gráfico 10 – Câmbio nominal e câmbio real

A parada de ingressos de capitais em 2008 provocou a depreciação do câmbio nominal e do câmbio real naquele ano, e o retorno dos ingressos de capitais levou à valorização do câmbio nominal e do câmbio real. Foram movimentos de natureza semelhante aos que ocorreram nas paradas bruscas de ingressos de capitais, que levaram à depreciação dos câmbios nominal e real durante a crise de confiança de 2002, e durante a crise internacional de 2008. O retorno dos ingressos de capitais tem um papel importante na explicação da valorização cambial ocorrida em 2010 e grande parte de 2011. Mas se o câmbio nominal não tivesse se valorizado, existiriam forças que levariam à valorização do câmbio real, ainda que em uma velocidade menor. Neste caso a valorização ocorreria com uma inflação maior.

A primeira destas forças vem dos ganhos de relações de troca. A associação entre as variações nas relações de troca e o câmbio real está longe de ser perfeita, mas há uma clara correlação inversa, como se vê no gráfico 11. A partir de 2010, o Brasil conheceu um ciclo de ganhos de relações de troca cuja intensidade somente se compara à ocorrida em torno da reforma monetária do plano Real, e em ambos os casos ocorreram valorizações do câmbio real.

Gráfico 11 – Câmbio real e relações de troca

A segunda é a condição que foi analisada ao longo deste trabalho, ou seja, em uma situação próxima do pleno emprego, a elevação da demanda doméstica gera a elevação dos salários reais, e valoriza o câmbio real.

A terceira vem do fato de que no Brasil as poupanças domésticas são baixas, e para financiar os investimentos o país precisa absorver importações líquidas. No gráfico 12 superpomos a formação bruta de capital fixo e as importações líquidas medidas em proporção ao PIB e avaliadas a preços constantes do ano 2000. É clara a correlação inversa entre estas duas séries, mostrando que maiores taxas de investimento requerem importações líquidas mais elevadas. No auge da recessão, os investimentos declinaram para perto de 16% do PIB, provocando uma pequena redução nas importações líquidas, mas desse ponto em diante os investimentos voltaram a se elevar, contribuindo para o aumento das importações líquidas. As políticas contracíclicas levaram também ao aumento do consumo das famílias, reduzindo as poupanças das famílias. Investimentos excedendo poupanças significa absorção excedendo o PIB, e o aumento da absorção eleva as demandas de bens “domésticos” e “internacionais”, mas como os bens domésticos são produzidos a custos marginais crescentes, isto conduz ao crescimento dos preços relativos dos bens domésticos. A valorização do câmbio real é a consequência da necessidade de elevar as importações líquidas para absorver poupanças externas. A solução deste problema requer o aumento das poupanças domésticas, e está no domínio da política fiscal.

Gráfico 12 – Exportações líquidas e formação bruta de capital fixo

A combinação destas três forças leva a uma valorização do câmbio real. Mas esta é uma consequência dos ganhos de relações de troca; da elevação dos salários reais; e das baixas poupanças externas. À exceção dos ganhos de relações de troca, que são um “choque exógeno” imposto ao país, as outras duas são forças que derivaram da ampliação da demanda agregada, que em uma situação próxima do pleno emprego levou simultaneamente à estagnação da produção industrial e ao aumento das importações líquidas, com grande parte da valorização do câmbio real sendo uma consequência, e não a causa, desses movimentos.

CONCLUSÕES

A letargia na qual a indústria entrou a partir do início de 2010 é uma consequência da forma como o governo reagiu à crise iniciada em 2008. A proposição de que o remédio keynesiano da política fiscal expansionista levaria à recuperação era válida durante a recessão, mas era totalmente inadequada de 2010 em diante, quando já estávamos em uma situação próxima do pleno emprego no mercado de mão de obra. A partir daquele ponto, a demanda agregada não se expandiu enfrentando uma oferta agregada infinitamente elástica. As elevações de salários reais, combinadas com as transferências de renda e com uma expansão acentuada do crédito, estimulariam ainda mais o consumo. O governo expandiu os gastos correntes e as famílias expandiram o consumo, contribuindo para elevar a absorção.

A elevação dos salários reais acima da produtividade média do trabalho na indústria atuou impedindo uma maior utilização de capacidade na indústria, e como esta é aberta ao comércio internacional, foi fácil direcionar o excesso de demanda gerado pelas políticas fiscal e monetária expansionistas para o aumento das importações líquidas. Os ganhos das relações de troca permitiram que não ocorresse um desequilíbrio externo preocupante, o que permitiu que se prosseguisse com a intensa expansão da absorção.

Em nenhum momento o governo se preocupou em corrigir o rumo da política econômica, e a perplexidade com relação ao aumento das importações de bens industrializados, combinada com a letargia da indústria, levou a uma crítica exacerbada à valorização do real. O câmbio nominal se valorizou, e o governo reagiu com intervenções no mercado de câmbio. Talvez até pudesse até ter feito mais neste campo, evitando que o real se fortalecesse tanto quanto de fato se fortaleceu. Neste ponto, no entanto, limitou-se aos brados contra a “guerra cambial”, à qual atribuía a letargia da indústria, que era provocada por ele mesmo.

Mas mesmo que tivesse evitado uma valorização maior do câmbio nominal, enfrentaria a valorização do câmbio real. Primeiro, porque com a insuficiência das poupanças domésticas, a elevação da formação bruta de capital fixo, que esteve longe de ser excessiva, teria contribuído para que o câmbio real se valorizasse. Segundo, porque ao continuar expandindo fortemente a demanda em uma situação na qual o mercado de mão de obra estava extremamente aquecido, provocou a elevação dos salários reais, o que trouxe duas consequências: o aumento do preço relativo dos bens “domésticos” relativamente aos bens “internacionais”; e a elevação do custo unitário do trabalho na indústria, que apesar dos estímulos da queda da taxa real de juros levaram a um hiato negativo de produto crescente ao lado de uma queda na utilização de capacidade.

Os erros de política econômica, mais do que a valorização cambial, estão por trás da letargia da indústria no período de 2010 em diante.

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Como o setor privado pode ajudar a melhorar os serviços públicos de infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-setor-privado-pode-ajudar-a-melhorar-os-servicos-publicos-de-infraestrutura https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191#comments Thu, 26 Apr 2012 13:54:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1191 Há alguns fatos estilizados que caracterizam o setor público brasileiro: (a) os gastos correntes são elevados e não restam recursos para investimento em infraestrutura; (b) o governo tem baixa competência para prospectar e elaborar projetos de qualidade na área de infraestrutura, assim como para gerir portos, aeroportos, estradas e outros serviços de infraestrutura; (c) a participação privada no setor de infraestrutura pode ajudar a elevar a produtividade desses serviços, dando impulso ao crescimento mais acelerado da economia brasileira.

Isto posto, cabe analisar as principais modalidades de participação do setor privado como provedor de serviços associados a atividades públicas. Em texto recente publicado neste site (O que são parcerias público privadas (PPP)?) analisei uma dessas modalidades: a PPP. O objetivo do presente texto é analisar o amplo leque de relações contratuais entre os setores público e privado. Ao fazê-lo, aponto, em primeiro lugar, os potenciais ganhos de produtividade no setor público e na economia decorrentes dessa participação privada. Em segundo lugar, procura-se mostrar até que ponto a legislação brasileira admite cada uma das modalidades apresentadas, e quais dependem de inovação na legislação. Em terceiro lugar, elencam-se os problemas práticos observados no funcionamento cotidiano dessas modalidades no Brasil, com vistas a sugerir aperfeiçoamentos, legais e de gestão, que potencializem os ganhos decorrentes da participação privada. Especial ênfase é dada aos modelos aplicáveis aos serviços de infraestrutura.

1 – GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS

Esta é a modalidade de contratação mais simples. Nela, o setor privado é contratado para administrar uma infraestrutura pública já existente (construída pelo setor público) ou um serviço assessório necessário à prestação de serviço público (em geral não associado à área fim do governo).

Na modalidade prestação de serviços podem-se citar, como exemplos, empresas que são contratadas pelo setor público para atividades como a limpeza e a segurança de um órgão público ou os serviços de manutenção de equipamentos.

No setor de infraestrutura essa modalidade de contratação pode ser utilizada nas áreas-meio de gestão operacional. Assim, por exemplo, um aeroporto gerido pelo setor público pode contratar empresas privadas para as tarefas de bilhetagem, pesagem de carga, transporte de bagagem, armazenagem, serviços de comunicação.

Os ganhos de produtividade potenciais estão no fato de o setor público poder concentrar suas energias na realização das atividades-fim da organização, deixando que as atividades-meio fiquem a cargo de uma empresa contratada, que se responsabiliza pelo planejamento e realização do serviço, bem como pela contratação e gestão de pessoal e a compra de equipamentos e insumos.

Esses contratos permitem reduzir custos para o setor público (não é necessário, por exemplo, contratar pessoal de segurança e limpeza por meio de contratos de trabalho de servidor público, com garantia de estabilidade no emprego e outras vantagens) e melhorar a qualidade do serviço, uma vez que as empresas especializadas têm vantagem comparativa nos serviços que prestam, realizando-os melhor que o setor público.

O relacionamento entre o setor público e o privado é bastante simples. O setor público mantém a propriedade do equipamento público e o setor privado tem relacionamento exclusivamente com o setor público. O parceiro privado não presta serviços nem cobra tarifas da população, sendo remunerado exclusivamente pelo setor público.

O setor privado não assume riscos comerciais, pois o contrato já estabelece previamente o montante, as características e o valor do serviço a ser prestado. Por isso, não há o risco de variações na demanda pelo serviço, ao contrário do que ocorre, por exemplo, em uma concessão de serviço público, em que a empresa privada obtém sua remuneração de tarifas cobradas dos usuários. Dependendo do contrato, o setor privado sequer assume o risco de variações do custo da mão-de-obra e de outros insumos, que são integralmente repassados para o setor público.

Não há necessidade de agência reguladora para fiscalizar a prestação do serviço. O setor público é um consumidor no mercado de bens e serviços como qualquer outro, com eventuais desacordos sendo resolvidos por meio judicial. Os contatos são, normalmente, de curto-prazo, de dois a cinco anos.

Trata-se de uma modalidade que não ajuda a expandir a infraestrutura existente, mas potencialmente aumenta a produtividade daquela que já existe e é gerida pelo setor público.

A legislação brasileira que abarca esse tipo de contrato é a Lei de Licitações (Lei 8.666, de 1993), que se aplica não apenas à administração direta, mas também às autarquias, fundações e empresas estatais[1].

Embora seja o modelo mais simples de participação do setor privado em serviços públicos, e usado de forma generalizada na administração pública brasileira, esses contratos enfrentam muitos problemas de ordem legal e gerencial. É preciso resolver esses problemas para que essas parcerias sejam mais eficientes e se expandam, gerando ganhos efetivos de produtividade na gestão da infraestrutura pública.

O primeiro problema diz respeito ao fato de que esses contratos, muitas vezes, incluem um grande contingente de mão-de-obra (principalmente nas áreas de limpeza, segurança e informática). A prática de empreguismo, que foi cerceada no serviço público por meio da exigência legal de concurso público, acabou sendo transferida para os contratos de terceirização de serviços. Gestores públicos acabam por contratar serviços em proporções maiores que as necessárias para poder gerar empregos no âmbito de sua clientela política. Com isso, reduz-se a eficiência na prestação dos serviços, que passam a ter custos inflados.

Em segundo lugar, a legislação trabalhista brasileira transfere para o contratante de serviços terceirizados (no caso, o setor público) a responsabilidade subsidiária pelo cumprimento de obrigações trabalhistas. Isso acaba constituindo estímulo para que as empresas privadas contratadas fiquem inadimplentes com suas obrigações, como forma de repassá-las ao setor público. Este, para se defender dessa possibilidade, acaba instituindo controles sobre a folha de pagamento das empresas prestadoras de serviços que implicam custos administrativos ao erário. Assim, perde-se parte da vantagem da terceirização, que é justamente a de aliviar o setor público de gerir atividades-meio.

Ainda no campo da legislação trabalhista, a obrigatoriedade constitucional de obediência às decisões de convenções coletivas de trabalho[2] acaba elevando os custos dos contratos de serviços do setor público que sejam intensivos em mão-de-obra. Isso porque, em obediência à regra de que os acordos coletivos e dissídios são soberanos, o setor público não contesta reajustes salariais obtidos pelos empregados das empresas prestadoras de serviço; repassando os reajustes para os valores dos contratos.

Ocorre que, como as empresas prestadoras em geral se especializam em fornecer para o setor público, elas não têm incentivos a se contrapor aos pedidos de aumentos salariais de seus empregados, pois tais aumentos são absorvidos nos custos dos contratos pelo setor público. Mais do que isso: a maioria dos contratos é desenhada de forma a remunerar as empresas com um percentual do valor do serviço. Assim, os aumentos salariais redundam, também, em aumentos nas remunerações das empresas (sobre esse ponto ver, neste site, o texto Por que o governo gasta tanto com terceirização?)

Esse não seria um grande problema se os órgãos públicos pudessem, ao final de cada contrato (em geral com duração de um a dois anos), fazer nova licitação dos serviços, contratando empresas que oferecessem preços mais baixos. Tal possibilidade de contestação dos preços em vigor exerceria uma pressão de contenção de reajustes. Porém a burocracia associada a licitações gera alto custo de transação[3], induzindo os gestores públicos a renovarem os contratos vigentes (em vez de fazer novas licitações), ainda que por preços mais altos que os disponíveis no mercado, para evitar o risco de o atraso na licitação provocar interrupção nos serviços, ou para evitar os custos administrativos de uma nova licitação.

A esses problemas devem-se juntar as possibilidades de corrupção dos agentes públicos em sua relação com as empresas prestadoras de serviços e a formação de cartéis de fornecedores com vistas a fraudar licitações.

Outro problema relevante é o fato de que a Lei de Licitações confere prioridade máxima ao menor preço como critério de decisão de licitações. Isso significa que serviços e produtos de baixa qualidade (e menor custo) levem vantagem na disputa. A impossibilidade de se monitorar qualidade durante a execução do serviço, ou de se exigir padrões mínimos de qualidade antes da licitação, por restrições da Lei de Licitações, impõe perdas à eficiência e produtividade do serviço final.

É necessário, portanto, aperfeiçoar os processos de licitação, tornando-os menos morosos, o que dará à administração pública poder para evitar a renovação de contratos onerosos, substituindo-os por outros mais baratos. Diversos procedimentos burocráticos poderiam ser abolidos, inclusive mediante o uso mais intensivo dos leilões eletrônicos. O governo poderia, para tanto, criar um grupo de especialistas em licitação, tanto do Poder Executivo, quanto do TCU, para propor reformulações da legislação que agilizem os processos licitatórios, o que já garantiria ganhos de eficiência e produtividade.

Por outro lado, todos esses senões à contratação de serviços diretamente pelas empresas estatais gestoras de infraestrutura indicam que o processo de concessão de serviços públicos e privatização, quando possíveis, são um caminho para elevar a eficiência e a produtividade. Se um aeroporto, uma estrada ou um porto deixam de ser diretamente administrados pelo setor público, não há mais a necessidade de obediência à Lei de Licitações para a contratação de serviços. A negociação privada na aquisição desses serviços tende a reduzir seus custos e a elevar sua qualidade.

2 – PROJETO E CONSTRUÇÃO

Nessa modalidade de relacionamento contratual, o setor privado projeta e constrói infraestrutura, entregando-a para o setor público em um estágio em que esteja pronta para operar. O setor privado recebe um valor fixo para fazer a obra, normalmente definido em licitação pública.

É o caso típico de licitações de obras públicas, como construção de rodovias, prédios públicos, entre outros. É um contrato igualmente simples, que não requer o monitoramento por agência reguladora, uma vez que o parceiro privado encerra a sua participação no negócio logo após entregar a obra.

O grau de risco assumido pela empresa privada já é maior, pois qualquer aumento de custo ou imprevisto ocorridos durante as fases de projeto e construção tendem a ficar por conta da contratada.

O ganho potencial de eficiência está no fato de que as empresas de engenharia têm maior capacidade que o governo para elaborar e executar projetos de construção civil. Todavia, o fato de a empresa desligar-se do negócio tão logo a obra seja entregue significa que o contratado privado não terá incentivos a fazer uma obra de qualidade, sendo estimulado a, sempre que possível, economizar nos custos para aumentar seu lucro, em prejuízo da qualidade final. Essa tendência é exacerbada pelo fato, já exposto acima, de que a Lei de Licitações dá prioridade ao menor preço como fator de decisão de licitações.

Na legislação brasileira, essa modalidade de contratação está regulamentada pela Lei de Licitações (art. 6º, inciso VIII, alínea e)[4].

Também aqui há problemas de corrupção de agentes público, de baixa capacidade da Justiça para impor o cumprimento de contratos e punir comportamentos ilegais.

Três problemas específicos dessa modalidade de contrato (e de todas as modalidades que envolvem algum tipo de obra) são os complexos processos de licenciamento ambiental;  a baixa qualidade dos projetos básicos de engenharia; e a baixa capacidade de planejamento do setor público.

Os conflitos e ineficiências existentes no licenciamento ambiental levam ao licenciamento “à força”, por pressão política, de projetos que são potencialmente danosos, sem os estudos e compensações adequados e, por outro lado, ao embargo de projetos de baixo impacto.

A baixa qualidade dos projetos básicos, em geral elaborados pelo setor público, acaba sendo usada como mecanismo para elevação do custo das obras a cifras muito superiores ao valor resultante das licitações. Quando as empresas realizam os projetos executivos, mais detalhados, os custos reais dos projetos se elevam, e os contratos passam a ser aditados para abrigar os novos custos. Obviamente as possibilidades de superfaturamento e corrupção são elevadas.

Uma proposta usualmente veiculada para resolver esse problema tem sido a exigência de elaboração do projeto executivo antes da licitação. A ideia seria, justamente, evitar os aditamentos contratuais decorrentes da especificação do projeto executivo.

Contudo, essa opção não é isenta de custos. É possível que, por falta de recursos orçamentários para financiar os projetos executivos, importantes obras, que teriam avaliação positiva de viabilidade, sequer sejam avaliadas e deixem de ser licitadas. Há o risco de que o setor público seja  mais lento e gaste maisque o setor privado para elaborar projetos executivos. Ou, ainda, que sejam contratados projetos executivos igualmente deficientes, que serão rejeitados pelas empresas vencedoras da licitação para construção.

Por outro lado, podemos a elaboração prévia do projeto executivo como um seguro: o custo a mais que o governo pode ter para fazer os projetos executivos mais do que seriam compensados ao se evitar investimentos de baixo retorno econômico e social.

Uma opção alternativa seria tomar medidas para melhorar a capacidade de elaboração de projetos básicos pelo próprio setor público. Outra possibilidade é a licitação conjunta da construção e operação do serviço por uma mesma empresa (em vez de se licitar apenas a obra), o que gerará estímulo para o desenvolvimento de projetos eficientes, como será analisado mais adiante.

Algumas modificações pontuais na Lei de Licitações teriam o potencial de tornar mais eficientes as licitações de obras e aquisições de equipamentos, sem com isso fragilizar os necessários requisitos de segurança. Trata-se de retirar estímulos negativos, hoje existentes no texto legal, quais sejam: incentivos à litigância, oportunidades de colusão entre participantes e a participação de licitantes de má fé. Seriam procedimentos como a inversão de fases (em que a verificação de qualificação é feita após a definição do vencedor), desclassificação de propostas que estejam muito abaixo do custo estimado pelo setor público (para evitar propostas aventureiras) e intensificação do uso do pregão eletrônico, estendendo-o para obras de engenharia (para reduzir as possibilidades de colusão e corrupção).

3 – GESTÃO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FINAL

Essa modalidade é similar ao contrato de GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS, mas aqui a empresa privada presta o serviço diretamente aos consumidores (e não ao governo) e cobra do consumidor final uma tarifa para prestar o serviço.

A infraestrutura pertence ao governo, o parceiro privado não faz nenhuma construção ou reforma de vulto. Apenas opera os serviços. Os investimentos necessários durante a vigência do contrato são feitos pelo governo (que assume os riscos inerentes a esse investimento: custos, acidentes, etc.), enquanto o operador privado fica com os riscos operacionais (frustração de demanda, flutuações na economia, etc.).

Seria o caso, por exemplo, da concessão de aeroportos, portos e estradas em que o contrato não preveja a realização de grandes investimentos ou reformas. Outro exemplo seria a concessão de estacionamentos e lojas de aeroportos e rodoviárias públicos.

O prestador privado pode repassar o valor arrecadado ao governo e ser remunerado por um valor fixo, ou pode ficar com o valor arrecadado e pagar uma taxa fixa ou percentual ao governo.

Esse modelo tem a vantagem de constituir uma relação contratual mais simples que a da concessão, em que se prevê a realização de investimentos e reformas pelo parceiro privado, mas resulta em baixo investimento privado. Tem mais efeito sobre a eficiência operacional da infraestrutura existente do que sobre a ampliação da infraestrutura.

Essa modalidade, ao contrário das apresentadas acima, passa a exigir uma entidade pública reguladora, que fiscalizará se o serviço está sendo prestado na quantidade e qualidade contratadas e definirá critérios de reajuste das tarifas.

A legislação brasileira que abriga esse tipo de contrato é a Lei das Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Toda concessão deve ser feita mediante licitação, nos termos da Lei nº 8.666, de 1993, acima comentada. Contudo, para as concessões , as licitações são mais flexíveis do que as previstas na Lei nº 8.666, de 1993, em que o critério decisório é praticamente limitado ao menor preço. Já nas licitações associadas a contratos de concessão, há um conjunto maior de possibilidades, tais como: o menor valor da tarifa a ser cobrada do usuário, o maior valor da outorga pago ao poder público, a melhor proposta técnica ou a combinação dos três critérios. Admite-se, também, a exigência de qualificação técnica prévia dos participantes.

Por um lado, ganha-se com a flexibilidade nos critérios de contratação, que permitem ao poder público criar regras para afastar os aventureiros e garantir a contratação de um prestador competente. Por outro lado surge a necessidade de uma agência reguladora.

Tal agência precisa ter isenção técnica e estar afastada dos interesses político-partidários do governo, e os órgãos de controle devem ser eficazes. Do contrário haverá espaço para corrupção nos processos de definição de tarifas, de exigência e fiscalização do cumprimento de metas de qualidade, das definições dos critérios técnicos para participar do processo licitatório, etc.

O Brasil ainda tem muito a avançar em termos de autonomia funcional, financeira e decisória de suas agências reguladoras. Atualmente seus dirigentes são, muitas vezes, selecionados com base em indicações político-partidárias, com a qualificação técnica e isenção ficando em segundo plano. Esta é, sem dúvida, uma forte restrição para se obter serviços concedidos de qualidade.

4 – CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO

Dando um passo adiante em termos de complexidade contratual, passamos ao caso em que o parceiro privado não apenas opera a infraestrutura, mas também a constrói ou promove reformas em uma infraestrutura recebida no contrato de concessão. A infraestrutura pode pertencer tanto ao governo como ao parceiro  privado, sendo a definição feita em contrato.

A empresa privada pode pagar ao governo para ter o direito de assumir a construção/reforma e operação, nos casos em que o empreendimento tem retorno financeiro elevado; ou pode receber para fazê-lo, nos casos em que o serviço não é por si só lucrativo, e necessita de um subsídio governamental para se tornar financeiramente viável. (sobre esse ponto ver, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?)

Em geral essa modalidade é usada na construção/reforma de equipamentos e prestação de serviços finais aos consumidores, com cobrança de tarifas (portos, aeroportos, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia). Também pode ser usado na construção de infraestrutura de prestação de serviços que serão operados pelo governo (hospitais, escolas, prisões) em que o parceiro privado constrói, dá manutenção e presta alguns serviços não ligados à área fim (fornecimento de alimentação, reformas, manutenção, limpeza).  Esta modalidade difere do modelo de GESTÃO,  FORNECIMENTO E SERVIÇOS porque aqui há, também, a construção.

Outro exemplo é a construção de uma infraestrutura (rodovias, ferrovias) pelo parceiro privado, que também opera o serviço e é pago diretamente pelo governo (em vez de ser remunerado pelas tarifas).

Pode abrigar, também, contratos que, em vez de construção de instalações físicas, exijam que o parceiro privado adquira bens de capital, como no caso das concessões ou permissões de linhas de transporte coletivo urbano, em que o concessionário tem que adquirir ônibus dentro de um padrão previamente estabelecido pelo poder concedente e prestar o serviço dentro de padrões de regularidade, eficiência, etc.

Esses contratos de CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO têm prazo mais longo que o das modalidades anteriores. Apresentam a grande vantagem de gerar ganhos de eficiência, pois o empreendedor privado vai se esforçar para construir/reformar com qualidade, pois será ele mesmo o usuário dessa infraestrutura ao longo de muitos anos, e terá interesse em minimizar os custos de reparos e as perdas decorrentes de má qualidade da construção/reforma.

Além disso, há menor probabilidade de que o projeto venha a ser abandonado, como muitas vezes ocorre com obras públicas que são interrompidas por falta de recursos orçamentários. No caso da concessões, o parceiro privado só começa a ter receitas quando inicia a operação do serviço, ao contrário das obras públicas, em que o empreiteiro recebe ao longo da construção. Por isso, ao interromper um contrato de obras públicas, não haveria mais dívidas a saldar com a empreiteira, pois ela recebe o pagamento ao longo da construção. Já no caso das concessionárias, a interrupção de obras levaria a uma quebra de contrato, porque a concessionária só começaria a auferir receitas após a operação do serviço. Adicionalmente, é de interesse do concessionário cuidar da manutenção da obra, uma vez concluída.

Outra vantagem da modalidade CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO é que atrai significativo aporte de investimento privado para a infraestrutura. Assim, contribui não só para melhorar a qualidade, mas também para ampliar a  quantidade de infraestrutura disponível.

A amplitude de riscos assumida pelo parceiro privado já é maior que nas categorias anteriores: risco de demanda, de custo de construção, de financiamento, além dos riscos inerentes a um contrato de longo prazo (oscilações macroeconômicas, mudanças de governo, risco político).

O maior aporte de capital do parceiro privado passa a exigir complexas operações de financiamento junto ao mercado (emissão de ações, contratação de empréstimos, etc.).

O parceiro privado tende a operar por meio de uma “sociedade de propósito específico” (SPE) que tem as vantagens de: (1) reunir empresas diferentes para prestação de um serviço específico objeto de concessão, cada uma atuando em sua área de especialidade e, com isso, contribuindo para uma gestão eficiente e especializada (por exemplo, na construção e operação de um aeroporto forma-se um consórcio entre uma empreiteira, especializada na parte da construção, e uma operadora de aeroportos, especializada na prestação dos serviços) e ; (2) isolar ativos, passivos e direitos daquela concessão, facilitando a transferência para outro parceiro em caso de descumprimento de contrato e evitando que outros compromissos/dívidas dos participantes da SPE interfiram na saúde financeira ou gestão da concessão. O governo pode ser um dos participantes da SPE, de forma a alocar capital e garantias ao projeto (joint venture).

Há o possível envolvimento financeiro do governo por meio de empréstimos ou garantias ao parceiro privado, o que representa risco para o governo e para as finanças públicas, exigindo um contrato mais complexo, envolvendo contragarantias, cancelamento da concessão e troca do parceiro privado em caso de descumprimento contratual. Tendo em vista a já comentada dificuldade das instituições brasileiras para garantir o cumprimento dos contratos, os riscos de parte a parte são elevados.

Os contratos exigem uma ação mais completa da agência reguladora, que vai fiscalizar tanto os padrões quanto os prazos de reajuste tarifário. E, como já afirmado anteriormente, esse é um ponto fraco das instituições brasileiras.

Há também que definir e dar cumprimento à regra que estabelece com quem ficarão os ativos ao final da concessão (se com o setor público ou com o parceiro privado). Nos casos de serviços públicos concedidos de telefonia, internet (Lei Geral de Comunicações, Lei 9472\97),  televisão e rádio (CF art. 223), a maior parte dos ativos construídos é de propriedade do parceiro privado. Já nas concessões de infraestrutura de transportes a tendência é que haja reversão dos investimentos ao setor público ao final do contrato.

No Brasil todas essas modalidades estão previstas em lei. Quando se trata de concessão e permissão de serviços nos quais o prestador privado será remunerado por meio de tarifa cobrada junto ao usuário, o marco legal é a Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Quando há a necessidade de pagamento ou subsídio público, a concessão é regida pela chamada “Lei das PPP” (Lei nº 11.079, de 2004). Sobre as dificuldades para implantação de PPP no Brasil veja, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?

5 – PROJETO, CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO

Em relação à modalidade tratada no item anterior, esta agrega a participação do parceiro privado na fase de projeto, aumentando os potenciais ganhos de eficiência, pois agora o parceiro privado não só vai se esmerar na construção, mas também na busca de um projeto de qualidade, de forma a facilitar suas operações quando a infraestrutura estiver pronta. Nessa modalidade tira-se proveito da maior capacidade do setor privado para prospectar oportunidades de lucro em projetos financeira e/ou economicamente viáveis.

Há restrições na legislação brasileira para se conceder, conjuntamente, todo o pacote, desde o projeto até a operação. De acordo com o art. 7º, § 2º, inciso I  da Lei de Licitações só se pode licitar um projeto que disponha de “projeto básico” aprovado por autoridade competente. A ideia por trás dessa restrição é evitar a licitação de projetos sem adequada caracterização, o que daria ao parceiro privado excessiva liberdade para decidir o que e como construir. De acordo com os críticos de se licitar desde o projeto à operação, estar-se-ia licitando uma obra (e o respectivo serviço de operação da infraestrutura) no escuro[5].

A Lei nº 12.462, de 2011 (Lei do regime diferenciado de contratações), abriu exceção a essa regra, mas apenas para a construção da infraestrutura relacionada à realização da Copa do Mundo. É importante que essa regra seja generalizada para um conjunto maior de projetos de infraestrutura, depois que as obras da Copa sejam utilizadas como projeto piloto.

Se o governo investir na melhoria de sua capacidade de elaborar projetos, conforme já comentado acima, e puder contar nessa tarefa com a participação de sugestões do setor privado (antes da licitação do projeto), será possível fazer licitações a partir de anteprojetos de engenharia que sejam melhores do que os atuais (falhos) projetos básicos.

O fato de que quem planeja e constrói também ser o operador da infraestrutura já é, em si, um incentivo para que as obras de engenharia sejam feitas com economicidade e agilidade, pois disso depende a lucratividade e os baixos custos de manutenção do parceiro privado durante toda a vida da concessão. Obviamente, os resultados desse tipo de contratação, assim como das concessões comuns e PPPs depende dos detalhes de desenho dos contratos, em especial da alocação de riscos e obrigações entre os parceiros privado e público. E, com ainda mais motivos que nas modalidades anteriores, é essencial uma autoridade reguladora autônoma e técnica.

6 – CONCLUSÕES

A legislação brasileira já abriga a maior parte das modalidades de cooperação privada na provisão de infraestrutura pública, exceção feita à às licitações integradas desde o projeto básico até a execução do serviço. Mas mesmo essa possibilidade já vem sendo introduzida de forma exploratória para os investimentos relacionados à Copa do Mundo de 2014.

Não obstante haver possibilidades legais para a cooperação público-privada, diversos problemas políticos e operacionais travam a participação privada ou reduzem a sua eficiência:

  • a baixa independência política, técnica e financeira das agências reguladoras e dos órgãos de defesa da concorrência para coibir eventuais comportamentos ilegais dos parceiros privados durante a vigência dos contratos;
  • os percalços que a legislação trabalhista impõe à terceirização de serviços;
  • a dificuldade institucional do judiciário para impor o fiel cumprimento dos contratos;
  • a baixa accountability do setor público abre espaço para disfunções como: o uso da terceirização como mecanismo político de geração de emprego para clientelas políticas, formação de cartel de fornecedores ao setor público, corrupção de agentes públicos;
  • os altos custos de transação envolvidos no processo licitatório dificultam o uso de novas licitações para contestar os preços de contratos vigentes;
  • a falta de capacitação técnica e as amarras excessivas à contratação de PPPs;
  • prioridade excessiva conferida pela Lei de Licitações ao menor preço dificulta que o setor público imponha critérios de qualificação prévias que retirem da disputa concorrentes oportunistas;
  • baixa capacidade do setor público para prospectar e elaborar projetos representa perda de oportunidade de novos empreendimentos por falta de formatação adequada da relação entre os setores público e privado;
  • descoordenação e baixa capacidade técnica na elaboração de licenças ambientais travam investimentos de baixo impacto e/ou acabam na liberação “à força” de empreendimentos cujo impacto ambiental não é adequadamente mitigado.

A solução dos problemas acima listados representaria ganho de produtividade nos investimentos em infraestrutura, com a abertura de novos projetos viáveis para realização por meio de concessões. Em especial, permitiria que os investimentos em infraestrutura e a gestão dos serviços por eles prestados fossem de melhor qualidade.

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Para ler mais sobre o tema:

UNESCAP (2007) Public-private partnership in infrastructure development: an introduction to issue from different perspectives. Transport and Tourism Division UNESCAP. Bangkok, Thailand.


[1] Em seu art. 6º, inciso II, esta lei admite a contratação, pelo setor público, de serviços de: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. O Capítulo III da mesma lei define as características desses contratos.

[2] Art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal.

[3] Custos de transação são aqueles incorridos por uma instituição para realizar uma determinada tarefa. No caso específico, os custos de transação para realizar uma licitação são todas as despesas financeiras e o tempo gasto com a preparação e realização do certame licitatório.

[4] Art. 6º, VIII, e) empreitada integral – quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada;

[5] Para uma crítica a essa modalidade de contratação ver Resende, Renato M. (2011) O regime diferenciado de contratações públicas: comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD100-RenatoRezende.pdf .

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Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=incentivar-o-consumo-ou-a-poupanca-para-estimular-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898#comments Fri, 02 Dec 2011 16:49:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=898 Há certo consenso entre os economistas de que é necessário investir mais para garantir taxas mais altas de crescimento no longo prazo. Afinal, uma das maneiras mais efetivas de aumentar a produção de bens e serviços da economia é estimulando os investimentos em capital fixo (máquinas, equipamentos, estradas, etc.).

Os números variam, mas estima-se que uma taxa de investimento equivalente a 25% do PIB parece ser o mínimo necessário para garantir que o PIB possa crescer em torno de 5% a.a., sem superaquecer a economia (situação em que as empresas não conseguem produzir tudo o que é demandado pelos compradores, havendo falta de mercadorias, e na qual as empresas não conseguem encontrar trabalhadores para seus postos vagos; o que acaba por elevar salários e preços, gerando aumento da inflação).

Sabemos que uma das identidades básicas da economia é que a poupança deve igualar o investimento. Logo, se a intenção for investir 25% do PIB, é necessário que haja uma poupança também equivalente a 25% do PIB. Sabe-se também que a poupança total é a soma da poupança doméstica (poupança das famílias e do governo) com a poupança externa. Ocorre que a poupança doméstica brasileira tem se situado em torno dos 17% do PIB. Logo, seria necessário tomar emprestado uma poupança externa de uns 8% do PIB para sustentar investimentos de 25% do PIB.

Aí começa a dificuldade, pois a poupança externa corresponde ao saldo em transações correntes (TC) no balanço de pagamentos. Assim, mantidas as condições atuais, precisaríamos de um déficit em transações correntes equivalente a 8% do PIB para financiar o investimento. Ou seja, precisaremos ter um déficit nas transações com os outros países, o que exigiria a entrada de moeda estrangeira no país, decorrente de empréstimos e investimentos estrangeiros, para que tivéssemos divisas internacionais para cobrir o tal déficit em transações correntes (afinal, os parceiros externos não aceitam o Real como meio de pagamento, pois a nossa moeda não tem curso no mercado internacional).

Apesar de não existir uma “lei” estipulando limites máximos para déficits em TC, na prática, dificilmente países conseguem financiamento externo superior a 5% do PIB por períodos prolongados. Em geral, quando o déficit em TC passa dos 4%, a luz amarela já acende e os países passam a ter problemas de financiamento (é preciso garantir constantemente a entrada moeda estrangeira no país para pagar os compromissos em moeda estrangeira, o que deixa os credores do país, em moeda estrangeira, temerosos de não receber seus créditos, havendo uma redução da oferta de empréstimos internacionais ao país, ou o aumento do custo cobrado por esses empréstimos).

Por outro lado, a imprensa muitas vezes noticia que poupar é ruim em um cenário de crise. Ao poupar, as pessoas e o governo não gastam, o que reduz a demanda agregada, o que gera desemprego, reduzindo ainda mais a demanda, etc. Ou seja, estariam criadas as condições para um ciclo perverso: o governo e as famílias não consomem, as indústrias e demais empresas não vendem, há redução no ritmo de produção, aumenta o desemprego e ocorre nova rodada de encurtamento da atividade econômica.

Como resolver essa questão? Deve-se aumentar ou diminuir a poupança? Essa discussão é antiga e passa pela disputa entre keynesianos e clássicos.

A Escola Clássica tem por princípio o liberalismo, isto é, todos os agentes, em busca de obter o máximo de satisfação pessoal, promovem a obtenção do bem-estar de toda a sociedade. De maneira geral, privilegiam o equilíbrio do orçamento público, o controle da expansão da moeda para conter a inflação e um baixo grau de intervencionismo estatal. Consideram que a insuficiência de demanda agregada não é a regra na economia, ocorrendo apenas em momentos de crise. Também argumentam que os investimentos levam um longo período para aumentar a capacidade produtiva da economia (por exemplo, uma máquina precisa ser construída, vendida e ter sua operação iniciada; uma estrada leva um longo tempo para ficar pronta). Por isso, tal Escola considera que a expansão da demanda agregada, baseada em ampliação do consumo (e consequente redução da poupança), pode até estimular a economia e o investimento, porém tenderá a gerar inflação antes de provocar a expansão da atividade econômica, tendo em vista que entre o aumento da demanda agregada e a ampliação da capacidade produtiva da economia haverá um largo intervalo de tempo, em que a maior demanda enfrentará uma oferta rígida, gerando aumento de preços.

Já o Keynesianismo defende que a solução para o problema do desemprego viria com uma forte intervenção do Estado por meio do incremento dos investimentos públicos, que garantiriam o pleno emprego e influenciariam positivamente a demanda agregada. Para essa escola a demanda agregada gera, automaticamente, maior oferta de bens e serviços (implicitamente, ou não se considera o hiato de tempo entre o estímulo a investir criado pela demanda mais alta e a entrada em funcionamento dos novos ativos decorrentes do investimento ou se supõe haver ociosidade permanente na economia, que permite a contratação de fatores de produção sem aumento dos custos), não havendo o impacto inflacionário previsto pela Escola Clássica.

A aplicação de políticas keynesianas fora de um contexto de crise, ou seja, sem que a economia esteja em depressão, com grande ociosidade nos seus meios de produção, tende a gerar pressões inflacionárias.

Frente a essa disparidade de visões, o que se deve fazer para garantir crescimento econômico: controlar as despesas das famílias e do governo, para aumentar a poupança e consequentemente os investimentos; ou ampliar os gastos públicos e das famílias para estimular a demanda agregada, gerando redução da poupança?

Se a economia não estiver em situação de crise, com alto grau de capacidade ociosa (situação ideal para a aplicação de política keynesiana), é preciso encontrar caminhos para expandir a capacidade de crescimento sem gerar inflação ou desequilíbrio no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos.

Podem-se fazer algumas conjecturas continuando a explorar as identidades básicas da teoria econômica. Sabe-se que a poupança é a parte da renda que não foi utilizada no consumo. Assim, para aumentar a poupança interna, há duas possibilidades imediatas: ou baixar o consumo ou aumentar a renda.

O ideal é que se consiga aumentar a renda sem ter que restringir o consumo.

Para tanto, pode-se aumentar a produtividade do trabalhador, ou seja, criar condições para que ele produza mais com menos insumos. Isso abre uma janela para que se aumente o salário real, sem gerar inflação, pois o incremento na renda está calcado no incremento da produtividade.

Outra possibilidade para conseguir ganhos na renda é aumentar a produtividade do capital investido na produção pelas empresas e pelo governo. Isso permite a geração de lucros maiores, ou seja, novamente tem-se mais renda, sem inflação, pois os preços não tiveram que subir para gerar os lucros maiores.

A pergunta que fica é como aumentar a produtividade dos fatores de produção, como conseguir mais eficiência no processo produtivo. Para isso há dois caminhos. O primeiro é aumentar o investimento, para agregar novas tecnologias, mais eficientes, ao processo produtivo. Mas aí voltamos ao ponto inicial: como aumentar o investimento sem mexer com a poupança. Como no curto prazo a renda é limitada pela disponibilidade de fatores de produção, se não houver  recursos ociosos, o aumento do investimento exigirá o aumento da poupança, e o aumento da poupança necessariamente passa pela redução do consumo. Nessa situação, portanto, é mais importante conter o consumo no curto prazo, para que se tenha mais poupança e se possa financiar mais investimentos.

Outra forma de se conseguir ganhos de produtividade é redirecionar os gastos (do governo e das famílias) para atingir uma educação de qualidade em todos os níveis (apesar de a literatura já reconhecer que gastos com educação são investimento em capital humano, as contas nacionais continuam a classificá-los como gastos correntes).

A recomendação de cunho keynesiano,  de poupar menos e gastar mais, pode até ser eficaz em sustentar o PIB no curto prazo, em situações de grande ociosidade de fatores de produção. Mas, no longo prazo, não existe mágica. É preciso criar condições para aumentar a produtividade do capital e dos trabalhadores, aumentar a poupança para poder financiar mais investimentos sem impacto inflacionário e sem desequilíbrio no balanço de pagamentos. Apenas expandir gastos de consumo, mantendo baixa a poupança, bem como a produtividade dos trabalhadores e capital, é a receita certa para ter alta inflação e baixo crescimento.

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Para ler mais sobre o tema:

Jones, Charles: Introdução à teoria do crescimento econômico. Campus. 2000.

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Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=348&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-diferenca-entre-regime-de-partilha-e-regime-de-concessao-na-exploracao-do-petroleo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=348#comments Mon, 14 Mar 2011 23:20:30 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=348 No final de 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional quatro projetos de lei que tinham por objetivo instituir um novo marco regulatório para a exploração do petróleo no País. A principal alteração proposta foi a introdução do regime de partilha, que passará a substituir o atual regime, de concessão. Em 22/12/2010 o Poder Executivo sancionou a Lei no 12.351, de 2010, que instituiu o regime de partilha.

O objetivo desta Nota é explicar a diferença entre os regimes de concessão e de partilha, realçando alguns argumentos utilizados durante o debate do projeto de lei.

O regime de partilha e de concessão

Mesmo reconhecendo a diversidade de arranjos institucionais entre os diferentes países, a característica comum entre os diferentes regimes de concessão é que o concessionário é dono de todo o petróleo que produz. Já no regime de partilha, o Estado é o dono do petróleo produzido.

A diferença de titularidade entre os diferentes regimes leva à falsa impressão –extensivamente utilizada pelos defensores do regime de partilha – de que, na concessão, a empresa ganha mais, enquanto que, na partilha, é o Estado (e, consequentemente, a sociedade) é quem sai ganhando. Nada mais equivocado!

Receitas do governo em cada regime

Ambos os regimes implicam remunerações para o Estado. No caso da concessão, a empresa concessionária é, de fato, dona do petróleo. Mas é obrigada a pagar diferentes participações governamentais. No caso do Brasil, as principais obrigações da concessionária são o pagamento do bônus de assinatura, dos royalties e da participação especial.

O bônus de assinatura é um pagamento que a empresa faz quando assina o contrato de exploração, para ter direito de explorar determinado campo. O valor do bônus de assinatura é definido em leilão, sendo vencedora a empresa que oferecer o maior valor (além de outros critérios, como participação de equipamentos produzidos no país e plano de exploração). Usualmente, o bônus de assinatura não chega a representar 10% da arrecadação governamental. Em 2010, por exemplo, o governo arrecadou R$ 170 milhões com bônus de assinatura, menos de 1% dos R$ 21 bilhões arrecadados com todas as rendas advindas da exploração de petróleo.

Os royalties correspondem a uma alíquota incidente sobre o valor de produção do campo. Assemelha-se, assim, a uma espécie de imposto sobre faturamento. Atualmente, a alíquota mínima é de 5%, e a máxima, de 10%. Na prática, quase todos os campos pagam 10% de royalties.

A participação especial está regulamentada pelo Decreto no 2.705, de 1998. Ela é devida somente em campos de alta produtividade e suas alíquotas, progressivas de acordo com a produtividade do campo, incidem sobre uma espécie de lucro do campo, podendo chegar a 40%. A participação especial assemelha-se, assim, a um imposto sobre lucro. Em valores, royalties e participação especial vêm arrecadando, cada rubrica, cerca de R$ 10 bilhões ao ano. A tendência, contudo, é da participação especial crescer com a descoberta de campos (já leiloados sob o regime de concessão) de maior produtividade, na área do pré-sal.

No regime de partilha, conforme dito anteriormente, a União é dona do petróleo extraído. Obviamente, nenhuma empresa extrairia petróleo se não fosse remunerada para tal. O que ocorre é que a parceira tem direito à restituição, em óleo, do custo de exploração – essa parcela é chamada de custo em óleo – e de uma parcela do lucro do campo – essa parcela é chamada de óleo excedente, ou seja, a parcela de óleo que excede os custos de exploração. O nome partilha deriva justamente do fato de as empresas partilharem com o governo o óleo excedente. Ao final do processo de exploração, a parceira será dona do custo em óleo e de sua parcela de óleo excedente. Já o governo não receberá todo o petróleo produzido, mas somente sua parcela de óleo excedente.

Observem a semelhança entre a parcela do óleo excedente que fica com a União e a participação especial: ambas equivalem a uma alíquota incidente sobre o lucro obtido com a exploração do campo. Há, entretanto, uma diferença importante entre as duas formas de arrecadação, na forma como o regime brasileiro foi instituído. No Brasil, as alíquotas de participação especial são definidas por decreto. Já a parcela de óleo excedente pertencente à União é definida em leilão, sendo o direito de exploração outorgado à empresa que oferecer a maior alíquota. O negrito colocado há pouco é importante para lembrar que nada impede que, no regime de concessão, o critério de outorga seja baseado na empresa que ofereça maior alíquota para participação especial.

Além da participação do óleo excedente, o regime brasileiro de partilha também prevê a cobrança de royalties e de bônus de assinatura. Dessa forma, é óbvio que não há motivos para acreditar que um regime permite maior arrecadação do que outro. Tudo dependerá das alíquotas estabelecidas e dos resultados dos leilões.

É falsa, portanto, a afirmativa de que, em um regime de concessão, o Estado arrecada pouco. No Brasil, o montante que o Estado arrecada é uma decisão do Chefe do Poder Executivo. Afinal, as alíquotas da participação especial são definidas por decreto, sem necessidade de aprovação por parte do Congresso.

O debate entre partilha e concessão, entretanto, não se restringe à suposta diferença de arrecadação. Os que defendem o regime de partilha também realçam o fato de o Estado, por ser o dono do petróleo, consegue utilizá-lo de melhor forma. Novamente, trata-se de um argumento equivocado.

Há vantagens em o Estado ser o dono do petróleo?

Para os que defendem o regime de partilha, há as seguintes vantagens em o Estado ser dono do petróleo:

i)                    Pode controlar melhor o ritmo de produção;

ii)                  Pode controlar melhor a venda do petróleo para o exterior;

iii)                Pode fazer política industrial.

Sobre o item i, é importante entender que o regime de partilha, per si, não tem nenhuma relação com o ritmo de produção. Afinal, a partilha somente diz respeito ao quinhão a que o Estado tem direito após a produção já realizada. Ocorre que, no regime brasileiro, foi criada uma empresa estatal – a PetroSal – que tem por atribuição gerir os contratos de partilha. A PetroSal deverá também indicar metade dos assentos nos comitês operacionais, que são comitês responsáveis por importantes decisões relativas às operações dos campos, inclusive relativas ao ritmo de produção.

Sendo assim, de fato, no regime brasileiro de partilha, o governo terá maior controle sobre o ritmo de produção. Isso não necessariamente significa melhor controle. Os que defendem esse controle argumentam que, sem ele, corremos o risco de explorarmos e vendermos nosso petróleo quando o preço estiver ruim, e, quando a situação melhorar, nos virmos obrigados a importar a um preço maior. Um exemplo muito citado na literatura é o da Indonésia, que teria exportado quase todo o seu petróleo quando seu preço estava baixo e hoje, com os preços altos, não consegue sequer ser autossuficiente.

Há duas formas de entender o controle de produção. Uma é a sintonia fina: ao longo de um contrato de partilha (ou de concessão), o preço do petróleo flutua. Corre-se o risco, de fato, de a empresa, ao longo desse contrato, produzir (e vender) muito quando o petróleo estiver barato, e tiver exaurido seu campo quando o petróleo tiver caro. Ocorre que é mais provável que a própria empresa consiga acertar nas previsões (afinal, ela é a mais diretamente interessada nisso), do que um burocrata do governo encarregado disso. Certamente, não é a maior intervenção estatal que conseguirá melhorar o timing da exploração, para que sejam melhor aproveitados os períodos de alta do preço do petróleo.

Outra forma de entender o controle de produção é sob o ponto de estratégico. Independentemente do que ocorrer, pode ser importante para o País dispor de reservas no futuro, por exemplo, para garantir uma produção mínima de derivados, permitindo-nos enfrentar situações com fortes limitações para importação, como em guerras. Se o objetivo é garantir que tenhamos reservas no futuro, só há uma solução: postergar a licitação para quando se julgar conveniente iniciar a exploração. Isso, claramente, independe do regime de outorga, se de licitação ou de partilha.

O controle sobre a quantidade de petróleo que se exporta está muito associado com o que foi discutido anteriormente. Se há um objetivo estratégico de manter as reservas para garantir o abastecimento interno no futuro, a solução é não explorar, e isso independe do regime de outorga. Para a sintonia fina, o governo dispõe de outros instrumentos, como impostos sobre exportação ou quotas.

Resumidamente, se o governo quer garantir o suprimento futuro de petróleo, a solução é adiar a sua exploração. Isso independe do regime de outorga.

Por fim, no regime de partilha, o governo, por ser dono do óleo, pode utilizá-lo para outros fins, como firmar posições geopolíticas ou fazer política industrial. O governo poderia vender o petróleo a um preço abaixo do praticado no exterior para nações amigas, a exemplo do que faz atualmente a Venezuela. Similarmente, o governo pode vender o petróleo a um preço abaixo do mercado para determinados setores que tem interesse em desenvolver, por exemplo, para a indústria petroquímica.

Quando o governo vende petróleo abaixo do mercado, está, de fato, subsidiando o comprador. Com isso, pode favorecer determinado setor de atividade que, de outra forma, não teria competitividade. Não cabe aqui discutir os méritos de uma política industrial, mas somente a necessidade da partilha para implementá-la.

Em um regime de partilha, o subsídio implícito corresponde à diferença entre o preço pago pelo comprador e o preço que ele pagaria se tivesse de comprar no mercado. Esse mesmo subsídio pode ser dado em um regime de concessão: o governo destinaria parte da receita arrecadada para a empresa que quer beneficiar. A diferença é que esse processo, no caso brasileiro, teria de ser feito via orçamento e sujeito, portanto, à discussão com o Parlamento. Em particular, surgiria naturalmente o debate se os recursos deveriam ser realmente transferidos para as empresas que se pretende beneficiar, ou se haveria outras prioridades, como infraestrutura, educação ou saúde.

Ou seja, o governo também pode fazer política industrial em um regime de concessão, e de forma mais transparente do que no regime de partilha. Esse talvez seja o ponto em que, claramente, o regime de concessão é superior ao de partilha. Nos demais, os dois regimes parecem ser equivalentes, sendo que um será melhor ou pior que o outro dependendo das especificidades de cada país.

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A isenção do imposto de renda na poupança é um subsídio justo e eficiente? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=179&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-isencao-do-imposto-de-renda-na-poupanca-e-um-subsidio-justo-e-eficiente https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=179#comments Wed, 23 Feb 2011 00:30:54 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=179 Existe a idéia consolidada na sociedade brasileira de que a caderneta de poupança é um mecanismo que favorece as classes populares, tanto por oferecer um investimento simplificado, seguro e de boa rentabilidade, quanto por lastrear financiamentos habitacionais de caráter social. Talvez por isso se aceite como meritória a isenção do imposto de renda concedida aos seus rendimentos.

Essas crenças não resistem à análise, mesmo superficial. A avaliação mais atenta sobre a poupança, sua regulamentação e o modo como são aplicados seus recursos demonstram que:

a) a caderneta de poupança não é prioritariamente um “investimento dos pobres e da baixa classe média”, sendo uma opção a mais de investimento altamente competitiva em relação a outros instrumentos financeiros mais complexos (como os fundos de investimentos) e na qual, inclusive, se observou incremento recente[1] das aplicações de maior valor;

b) a isenção de Imposto de Renda concedida à poupança gera um subsídio bilionário que, ao contrário da crença geral, não beneficia somente a população de baixa renda, pois é também apropriado pelos construtores e vendedores de imóveis e pelas instituições financeiras que intermedeiam esses recursos;

c) os recursos efetivamente aplicados em habitação são a minoria dos recursos disponíveis, pois há uma série de canais previstos na regulamentação que permitem que as instituições financeiras façam aplicações alternativas com esses depósitos; além disso, mais de 70% dos recursos aplicados em habitação são destinados à compra de imóveis usados e, assim, pressionam a demanda sem aumentar diretamente a oferta de novos imóveis;

d) os valores que se deixa de arrecadar com a isenção do Imposto de Renda afetam não só a arrecadação da União, mas também a de Estados e Municípios, pois esses entes subnacionais têm direito à receita deste imposto por meio dos Fundos de Participação. Essa receita subtraída dos governos locais poderia ser mais bem aplicada em programas de expansão da oferta de terrenos e de moradias efetivamente voltados para os pobres. Essa focalização se mostra necessária especialmente em face dos graves riscos que a precariedade das moradias populares nas megalópoles impõe aos seus habitantes.

A caderneta é mesmo um investimento dos pobres?

A poupança é hoje um ativo financeiro com saldo total de R$ 368 bilhões[2], correspondente a 10% do PIB[3], resultado de expressiva expansão recente, que se deu em função de sua alta rentabilidade em comparação às demais opções de aplicação financeira disponíveis no mercado.

Embora cercados de uma aura quase mística, os depósitos de poupança são um ativo financeiro como outro qualquer. O investidor procura rentabilidade líquida máxima, ajustada pelo risco da aplicação.

Em uma aplicação financeira típica, para calcular a rentabilidade líquida, o investidor deve considerar como abatimentos da remuneração bruta: i) a taxa de administração – que costuma variar de 0,3% a 4% ao ano; ii) os custos de tributação, que podem variar de 15% a 22,5% sobre os juros brutos, a depender do prazo, além de eventual IOF; e iii) todos os chamados “custos de transação”, como, por exemplo, o custo de aprender as regras de tributação e eventuais perdas devidas à não observância de períodos de carência.

Os depósitos de poupança estão desonerados de boa parte desses custos. Em primeiro lugar, não sofrem tributação. Tampouco têm taxa de administração. Adicionalmente, não têm qualquer penalidade em caso de movimentação fora das datas de aniversário, além de apresentarem um conjunto de regras bastante limitado e simples no que diz respeito à sua movimentação, o que reduz o custo de transação.

Disso decorre que, à medida que caem as taxas de juros na economia em geral (um fenômeno observado na economia brasileira nos últimos anos), os depósitos de poupança vão se tornando muito competitivos em relação às demais opções de investimento, mesmo que sua remuneração bruta se mantenha em relativa desvantagem.

A rentabilidade bruta da poupança é bastante inferior, por exemplo, à dos Certificados de Depósito Bancários – CDB, mas a rentabilidade líquida (rentabilidade após a dedução dos custos e impostos) dos dois ativos é muito similar. Entre junho de 2006 e junho de 2010, a poupança rendeu 7,6% ao ano e os CDBs, 11,4% ao ano: uma diferença de 3,7% ao ano, certamente considerável. Porém, basta descontar o Imposto de Renda incidente sobre o rendimento dos CDBs para que as rentabilidades líquidas se equiparem. Supondo uma alíquota de IR de 22,5% (os CDBs da amostra são de curto prazo), o diferencial de rentabilidade cai para 1,2% ao ano, distância praticamente desprezível, quando se consideram os custos administrativos, tributários e de transação envolvidos nos CDBs.

Não surpreende, portanto, que os depósitos de poupança tenham crescido sua participação no PIB, de 8,5% para 10%, enquanto as cotas de fundos de renda fixa, com toda a crescente complexidade dessa indústria e a proliferação de alternativas de aplicação, viram sua participação declinar, ainda que marginalmente, de 30,6% para 29,5% do PIB.

Tem sido freqüente afirmar que o vigor renovado dos depósitos de poupança se explicaria fundamentalmente pela entrada da chamada nova classe média no mercado e sua conseqüente bancarização. Essa interpretação não parece a mais correta frente ao comportamento dos saldos. Quanto maior a faixa de valor por cliente, maior foi o aumento da participação relativa da respectiva faixa no saldo total de depósitos de poupança nos últimos 4 anos. O mesmo ocorreu com relação número de depositantes. Quanto maior o valor do saldo, maior o crescimento relativo da participação dos depositantes da respectiva faixa no total de depositantes da poupança.

Nas faixas de depositantes que possuem entre R$ 50 mil e R$ 200 mil reais, a poupança tem mais depositantes que os CDBs[4]. Além disso, um milhão e meio de depositantes da poupança têm saldo superior a R$ 50 mil, sendo que, desses, quase seis mil possuem mais de R$ 1 milhão em depósitos.

Quanto custa o subsídio à poupança?

Uma forma simples de calcular o subsídio dado à poupança é calcular qual deveria ser a rentabilidade bruta paga ao poupador para que sua rentabilidade líquida se mantivesse inalterada após a cobrança do imposto. Com base nos dados de junho de 2006 a junho de 2010, o custo do subsídio é de 1,9% sobre o saldo total. Seu custo financeiro é demonstrado na tabela abaixo.

Saldos e renúncia fiscal dos depósitos de poupança 06/06 a 06/10


O benefício fiscal da poupança, como se vê, está crescendo de maneira rápida. Na soma dos dois últimos semestres chegou a R$ 6 bilhões.

A política de isenção do IR na caderneta de poupança ainda tem o inconveniente de retirar recursos dos Estados e Municípios, pois parte da arrecadação daquele imposto é redistribuída a esse entes por meio dos fundos de participação. Este dinheiro retirado das receitas das autoridades locais poderia ser empregado em programas de regularização fundiária que abrissem espaço para a construção de novas unidades habitacionais. Isso é ainda mais importante quando se percebe que um dos fatores críticos na elevação dos preços de imóveis tem sido a escassez de terrenos.

Com base nos dados da Tabela 1 é possível estimar que os Estados e Municípios deixaram de receber R$ 8,5 bilhões (que equivale a 45% da renúncia fiscal) entre junho de 2006 e junho de 2010.

A magnitude em si do subsídio não é razão para condenar sua concessão. O que importa é avaliar a sua destinação, quem dele se apropria e quais são os efetivos benefícios econômicos e sociais de sua concessão. É o que se procura analisar a seguir.

Quem se beneficia do subsídio à poupança?

O critério mais importante para verificar a justiça de um subsídio é averiguar a quem, de fato, ele está beneficiando.

A princípio imagina-se que o pagamento de uma taxa de juros bruta menor ao poupador (pela isenção do Imposto de Renda) gera recursos mais baratos para emprestar a quem toma um financiamento habitacional. Supondo-se que o típico mutuário do Sistema Financeiro da Habitação – SFH – seja um indivíduo de baixa renda, então o subsídio decorrente da isenção do IR constituiria uma política de distribuição de renda em favor dos mais pobres, por meio da oferta de crédito habitacional a juros baixos.

Ocorre que o aumento da demanda por imóveis gerada pelos financiamentos a juros subsidiados pode redundar em elevação dos preços desses imóveis. Ao final, o ganho recebido pelos mutuários na redução dos juros é anulado pela elevação dos preços dos imóveis que irão comprar. Nesse caso, o beneficiário final do subsídio tende a ser o vendedor do imóvel.

Embora não haja dados oficiais disponíveis sobre a evolução do preço do m2 quadrado de imóveis de vários padrões e em várias regiões do País, dados disponíveis para algumas regiões corroboram essa hipótese, como as pesquisas do Secovi/SP e de vários sindicatos de corretores de imóveis do País.

Para os imóveis financiados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, cujo valor máximo de avaliação é R$ 500 mil, o valor real médio de financiamento de imóveis novos elevou-se em 46%. No caso dos imóveis usados, pelo mesmo critério, a elevação foi de 62%.

Na chamada Carteira Hipotecária, voltada para imóveis com valor de avaliação superior a R$ 500 mil, a evolução real nos preços foi de 32% para imóveis novos e de 44% para os usados.

Há, portanto, evidências de que os subsídios aos financiamentos imobiliários estão, em parte, sendo apropriados pelos vendedores de imóveis, via elevação de preços.

Outro critério relevante para avaliar a eficácia do subsídio é mensurar que percentual dos saldos de depósitos é efetivamente usado em crédito para moradia popular.

A regulamentação da matéria pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) determina que 65% devem ser aplicados em empréstimos imobiliários (sendo 80% no SFH, voltado a imóveis mais baratos), 20% em depósitos compulsórios e 15% de forma livre. Portanto, 52% dos recursos da poupança deveriam ser aplicados em financiamentos imobiliários do SFH, aqueles supostamente de maior alcance social. Ainda assim, cabe lembrar que o SFH financia imóveis até R$ 500 mil, valor que, mesmo nas cidades mais caras, é mais que suficiente para adquirir um imóvel de classe média.

Uma observação mais cuidadosa, entretanto, mostra que a regulamentação do CMN permite que os recursos efetivamente aplicados em habitação sejam inferiores ao mínimo estabelecido de 52%.

Algumas formas de subestimar a exigibilidade são:

i)                   a base de cálculo considera a média dos depósitos dos últimos 12 meses ou o saldo mais recente, o que for menor. Em períodos de crescimento do volume de depósitos, a média dos saldos dos últimos 12 meses pode ser bem menor do que o último saldo registrado, o que faz com que o volume dos financiamentos concedidos, como percentual do saldo mais recente, fique abaixo dos 52%;

ii)                 permitir que sejam considerados financiamentos os chamados “desembolsos futuros”, que não necessariamente se transformarão em financiamentos efetivos. Em 2010 o saldo dos desembolsos futuros equivaliam a R$ 22,4 bilhões, quantia 13,7% superior aos financiamentos efetivamente concedidos às construtoras;

iii) o mecanismo conhecido como “multiplicador de exigibilidades”, previsto no art. 13 da Resolução nº 3.347 do CMN. Por esse mecanismo, a concessão de financiamentos a taxas de juros inferiores a 12% a.a. dá às instituições financeiras direitos de lançar o saldo do financiamento correspondente acrescido de um multiplicador. Com isso, a instituição financeira consegue liberar mais recursos da poupança para aplicações não-habitacionais, mais rentáveis.

Conclusão

Os subsídios concedidos por meio da não-tributação do IR nos depósitos de poupança não são capturados pela camada mais baixa da população ou dão suporte a operações que não têm qualquer ligação com financiamentos habitacionais.

A partir dessas constatações não parece ser justificada a manutenção da concessão de subsídios à poupança pelo mecanismo atual – por meio da isenção de imposto de renda sobre os rendimentos, cujo custo para o setor público entre julho de 2009 e junho de 2010 pode ser estimado em R$ 6,1 bilhões.

O argumento de que o fim do benefício prejudicaria os poupadores deve ser visto com cautela. O mercado financeiro brasileiro oferece um amplo conjunto de alternativas de aplicação. O pior cenário é a manutenção do status quo, que vem ajudando a inflar os preços dos imóveis por meio da concessão de taxas de juros artificialmente reduzidas, diminuindo a capacidade de o Estado prover melhores condições de habitação para a população de baixa renda por meio de programas mais focados nesse segmento.

Pior, a magnitude atual dos subsídios da poupança pode também estar associada à espiral de preços que hoje se verifica no mercado imobiliário, em razão da falta de foco dos subsídios, marcadamente pela ênfase na concessão de financiamentos a imóveis usados, que representam mais de 70% dos financiamentos à aquisição.

Essas distorções são bastante graves e já mereceriam, em condições normais, um amplo debate nacional no sentido de alterar o marco institucional que rege os depósitos de poupança e a aplicação de seus recursos. O agravamento das recorrentes tragédias que assolam as megalópoles brasileiras em período de chuvas, em boa medida decorrentes das péssimas condições de moradia da população mais pobre, só torna esse debate imperioso e inadiável.

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[1] Entre junho de 2006 e junho de 2010 as faixas de aplicação de maior valor tiveram crescimento na sua participação no total de depósitos bem maior que as faixas de menor valor. Esse deslocamento, por sua magnitude, não pode ser explicado simplesmente pelo aumento do valor nominal das aplicações.

[2] Posição de novembro de 2010.

[3] Exceto pela utilização do IPCA, cuja fonte é o IBGE, os demais dados utilizados neste artigo, quando não houver indicação em contrário, têm como fonte os quadros anexos às Notas à Imprensa sobre Política Monetária e as Estatísticas do Sistema Financeiro da Habitação, ambos publicados mensalmente pelo Banco Central do Brasil e disponíveis na página eletrônica da instituição.

[4] Segundo o Relatório do FGC de junho de 2010, disponível em http://www.bcb.gov.br/fis/fgc/estat/arquivos/InfoConsolidadas/FGC-062010.pdf

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Por que é importante investir em infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=31&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-investir-em-infraestrutura Wed, 09 Feb 2011 23:52:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=31 “Governar é construir estradas”. A afirmação de Washington Luís, Presidente do Brasil entre 1926-1930, procurava destacar a importância da infraestrutura de transportes para o desenvolvimento da economia: boas estradas reduzem o custo de transportes e, portanto, o preço final dos produtos, tornando-os mais acessíveis ao consumidor e mais competitivos com os concorrentes. Também permitem que cada região se especialize nas atividades econômicas para as quais tenham maior vocação (agricultura, pecuária, serviços, etc.), gerando ganhos de produtividade e qualidade para toda a economia. A redução do tempo de viagem entre duas cidades permite aumentar os laços econômicos e sociais (é possível morar em uma cidade e estudar, fazer compras e consultar médicos em outra cidade, por exemplo), o que aumenta o universo de escolha dos consumidores e a concorrência entre as empresas.

Obviamente quando se fala em infraestrutura não se está falando apenas em estradas. A construção de usinas hidrelétricas aumenta a oferta de energia no país e viabiliza a expansão das indústrias. Sistemas de irrigação facilitam a expansão da agricultura para terras antes consideradas impróprias para cultivo. Portos eficientes reduzem os custos das exportações aumentando a capacidade das empresas nacionais para vender seus produtos no exterior, o que aumenta o emprego no país.

Os investimentos em infraestrutura também podem ter importante impacto na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida da população de menor renda. Há um efeito direto de aumento da oferta de empregos e salários quando a economia cresce e se torna mais eficiente e competitiva. Mas há, também, um aumento no valor de mercado do patrimônio da população pobre quando a sua residência passa a ser servida por rede de esgoto, água e telefone. Da mesma forma, a propriedade rural passa a valer mais quando uma estrada facilita seu acesso à cidade mais próxima. A redução de incidência de doenças na população pobre, decorrente da expansão do saneamento básico, se reflete em aumento da capacidade de aprendizado escolar das crianças e da capacidade laboral dos adultos. Telefones e demais sistemas de comunicação eficientes e baratos permitem que pequenos negócios informais tenham custos operacionais baixos e possam crescer, pois se torna barato encontrar novos negócios (torna-se  mais fácil construir uma ponte entre comprador e vendedor). Além disso, uma comunicação melhor permite agilizar a pesquisa por matérias-primas de menor custo e aperfeiçoar as condições de negociação de venda de safra pelo pequeno produtor rural. Transportes urbanos rápidos e baratos dão liberdade para se optar por uma residência mais distante, com preços mais acessíveis.

Todas essas vantagens do investimento em infraestrutura podem se perder se os investimentos forem mal feitos, se os custos forem superfaturados, se o material utilizado nas obras for de má qualidade, se a infraestrutura construída não for submetida a periódica manutenção. Uma estrada que ligue o “nada” a “lugar algum” não terá efeitos positivos sobre a economia e representará desperdício de valiosos recursos públicos. Uma estrada esburacada não realizará todo seu potencial de reduzir custos e aproximar lugares distantes.

Outro problema relevante é a subordinação das decisões sobre que obras devem ser executadas aos interesses econômicos das empresas que fazem as obras. Não é difícil imaginar que um eficiente lobby convença gestores públicos a fazer um investimento que não seja prioritário ou necessário para a população, mas que seja lucrativo para os construtores e fornecedores. As possibilidades de corrupção também são grandes.

Para que os investimentos públicos em infraestrutura realizem todo seu potencial benéfico à população é preciso que o estado tenha capacidade técnica para planejar e monitorar investimentos (e evitar ficar a reboque de projetos apresentados por empreendedores privados, que têm interesse em lucrar com a execução do projeto e menor interesse na eficácia da infraestrutura quando esta estiver pronta). Também é fundamental que existam mecanismos de estado que promovam avaliações independentes dos projetos (por instituições de controle como o TCU e a Controladoria Geral da União), para que haja uma checagem dos projetos elaborados pelo governo. É importante que se tenha uma lei de licitações que garanta efetiva competição entre os candidatos a realizar a obra, evitando conluios e cartéis. Fiscalização das obras (qualidade do material empregado, cumprimento de prazo, correta execução dos projetos, etc.) é outro componente fundamental.

Falhas nesses quesitos fizeram com que os investimentos públicos em infraestrutura no Brasil muitas vezes aparecessem para a população como fonte de desperdício de recursos, perdendo apoio entre os eleitores. Por outro lado, a realização de políticas que geram benefícios mais imediatos aos eleitores, as chamadas “políticas sociais” (tais como o aumento do salário mínimo, a criação de ajuda financeira aos pobres e a expansão da quantidade e do valor das aposentadorias) mostraram ter importante impacto na popularidade dos políticos, facilitando sua eleição ou reeleição.

Junte-se a isso a necessidade de manter o equilíbrio das contas do governo, e tem-se uma situação em que a expansão dos gastos com as políticas sociais acaba levando à necessidade de se frear os investimentos em infraestrutura. Não se está aqui julgando que as políticas sociais são inapropriadas (este deve ser assunto de para outro texto analítico). Faz-se apenas a constatação de que o seu crescimento ocupou o espaço dos investimentos na composição da despesa pública.

Além disso, nos diversos episódios de crises nas contas do governo (motivada não só pela expansão das políticas sociais, mas também por expansão ineficiente da máquina pública), em que se fez necessário um corte abrupto de despesas, os investimentos em infraestrutura se tornaram o principal alvo dos cortes. É fácil entender os motivos. O primeiro motivo é que o corte de um único investimento de grande valor já gera significativa redução de despesas, enquanto que o corte de despesas correntes (salários, benefícios sociais, manutenção dos órgãos públicos, etc.) precisaria ser feito em diversos programas, para que a soma total equivalesse ao valor cortado no investimento. O segundo motivo é que há restrições legais ao corte de importantes despesas correntes (há limites para a demissão de pessoal, não se pode reduzir o valor dos vencimentos dos servidores, a constituição obriga a realização de um montante mínimo de gastos em saúde e educação, etc.). O terceiro motivo é que investimentos em infraestrutura são gastos que ainda não trouxeram um benefício concreto para a população – esse benefício somente se materializará quando a obra estiver completa. Já o corte de programas sociais traz um prejuízo imediatamente sentido pela população afetada e, por isso, é mais custoso politicamente. Daí a preferência pelo caminho mais fácil: adiar ou cancelar investimentos públicos em infraestrutura.

Como conseqüência desses fatores, o investimento público em infraestrutura no Brasil caiu de 3,6% do PIB no período 1981-1986 para 1,15% no período 2001-2006, de acordo com estudo de Calderón e Servén[1]. O mesmo estudo mostra que, em decorrência dessa redução de investimentos, o Brasil, na comparação com outros países emergentes, ficou para trás em termos de quantidade, qualidade e acesso da população a estradas, energia elétrica, telefones, internet, água e saneamento. A conseqüência é a perda de eficiência e competitividade da economia, com redução da possibilidade de crescimento econômico, de geração de emprego e renda e de redução da pobreza.

A reversão desse quadro desfavorável passa, em primeiro lugar, pela recuperação da capacidade do estado brasileiro para planejar e gerir investimentos públicos em infraestrutura, de acordo com os pontos já listados acima, desde a elaboração de um bom plano de investimentos até uma boa fiscalização de obras e adequada manutenção da infraestrutura já existente.

Quando a população passar a enxergar nos investimentos públicos de qualidade um efetivo caminho para melhorar sua qualidade de vida, haverá um natural arrefecimento da demanda por medidas imediatas de assistência social para alívio da pobreza e por aumentos salariais via elevação do salário mínimo. Fazer obras boas, úteis e necessárias obras voltará a dar votos.

Um segundo caminho para lidar com a falta de recursos públicos para financiar investimentos é recorrer aos investimentos privados em infraestrutura, tema que será abordado em outro texto.

Para ler mais sobre o tema:

Banco Mundial. Avaliação da gestão da eficiência do investimento público. Outubro de 2009. Disponível em http://www.njobs.com.br/2-seminario-orcamento/public/palestras.php –  painel 1, painelista Jim Brumby.

Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

Frischtak, C. O investimento em infraestrutura no Brasil: histórico recente e perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.  38, n. 2, ago 2008, p. 307-348.

Downloads:

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[1] Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

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