inovação – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.5 5G: Conectando o Brasil com o Futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3655&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=5g-conectando-o-brasil-com-o-futuro Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3655 5G: Conectando o Brasil com o Futuro

 

Por Marcos Ferrari* e Amanda Lopes**

 

O Paradigma da Telefonia Móvel

Recém-lançada no Brasil, a 5ª geração de banda larga móvel (standalone) nasce com o propósito de revolucionar as telecomunicações e promover um ambiente produtivo totalmente digital. Neste cenário, o setor de telecom desponta como o agente central do crescimento brasileiro.

Entender as razões que tornam o 5G o habilitador do desenvolvimento econômico requer a compreensão da evolução dos padrões da tecnologia móvel e a importância da tecnologia na economia. No passado, o objetivo primordial das telecomunicações era facilitar a comunicação entre pessoas, através de serviços de áudio e texto. A evolução da tecnologia, entretanto, abarcou os anseios do passado e superou o objetivo inicial.

A popularização do telefone celular ocorre na década de 80, quando a primeira geração de tecnologia (1G) possibilita a transmissão wireless de voz através de sinais analógicos. Apesar do avanço, o 1G apresenta falhas severas de segurança de dados e a transmissão sofria com interferências.

Uma década depois, o 2G surge com um novo paradigma: transmissão do sinal digital em vez do analógico. A mudança solucionou as questões de ruídos e possibilitou a criptografia dos dados, de forma a promover o primeiro passo em direção à cybersegurança móvel. As evoluções do 2G também possibilitaram a comunicação via SMS e a criação do sistema de internet móvel.

A telefonia já se encontrava no patamar de oferecer aos clientes comunicação via voz, mensagem e dados em um só equipamento. Contudo, à medida que o 2G era disseminado, aumentavam as demandas por mais largura de banda e velocidade. Neste cenário, o 3G foi lançando nos 2000 com o intuito de estabelecer um novo patamar de capacidade de transmissão de dados e potencial de conexão nos mais diversos lugares.

A facilidade promovida pela telefonia móvel alterou gradativamente a forma de comunicação da sociedade, impondo novas necessidades. Conversar com a família, participar de reuniões, fazer negócios, digitalizar empresas, todas são atividades que sofreram sensíveis mudanças em 20 anos. As  necessidades crescentes nos levaram ao 4G (LTE), tecnologia que habilitou diversas aplicações móveis relacionadas a serviços bancários, mobilidade, delivery, popularizando smartphones e tablets. A conexão enfim alcançou a maioria das pessoas de forma inegável. Em junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 alterou a Lei Kandir de forma a considerar telecomunicação um serviço essencial à sociedade.

A natureza das telecomunicações, inicialmente com enfoque na mera comunicação entre agentes, ganha contorno transversal na economia, habilitando o desenvolvimento de diversos setores.

A evolução das telecomunicações pode ser muito bem compreendida pelo processo schumpeteriano de destruição criativa (Schumpeter, 1942): a incessante inovação e os processos de substituição de produtos obsoletos por paradigmas tecnológicos modernos permeiam o desempenho econômico de longo prazo e as constantes flutuações econômicas. A concorrência, dentro desta abordagem, exerce papel fundamental sobre a mudança tecnológica. No sistema capitalista, a competição endogeniza o progresso tecnológico (Dosi, 1988). Firmas buscam aprimorar o capital produtivo na busca por lucro potencial e diferenciação no mercado. 

Gráfico 1 – Acessos de Telefonia Móvel por Tecnologia

Fonte: Anatel. Elaboração: Conexis.

A destruição criativa e a acumulação das inovações tecnológicas, propiciadas pelas telecomunicações, guiaram a evolução entre um cenário produtivo restrito e manual, para um mundo conectado e digital. Apesar de uma tecnologia não findar com a chegada de uma nova, a mudança de paradigmas é visível. Até os dias atuais, o 2G e 3G continuam a atender algumas das necessidades de áreas mais remotas ou conectar máquinas de cartão de crédito, por exemplo, mas a chegada do 4G promoveu uma mudança qualitativa como nova base habilitadora de diversas aplicações. Com o 5G, haverá outra mudança qualitativa, e o 4G coexistirá por muitos anos.

Neste espírito, podemos entender que apesar da tecnologia ter alcançado um pico com o 4G e desta ser uma tecnologia que ainda provê as necessidades diárias da sociedade, o 5G abre portas para mais uma rodada de inovações além do imaginado. E, definitivamente, esta jornada não se encerra por aqui.

A Inovação do 5G

Apesar do lançamento do chamado 5G “puro”, ou standalone, ser recente, serviços de 5G DSS, ou non-standalone, já eram oferecidos no Brasil. O 5G DSS agrega frequências reaproveitadas do 3G e 4G para tentar aumentar o throughput (quantidade de dados transmitidos por uma rede), porém a capacidade de banda é limitada a 10~20 Mhz.

Visto a restrição dessa modalidade, o Leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, abre as portas para uma tecnologia de ponta. A faixa de 3,5 GhZ, leiloada como a faixa nobre do 5G standalone, possui 100 Mhz de largura de banda e uma capacidade de throughput superior ao DSS.

O 5G se destaca pelo ganho de performance significativo, seja em velocidade, latência, capacidade ou número de aparelhos que podem se conectar simultaneamente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas e responsável por criar as diretrizes mundiais de telecom, define uma norma para o 5G: a rede deve prover velocidade de 10 Gbps por segundo, latência de 1 milisegundo e até 1.000 conexões simultâneas por km².

Essa última característica viabilizará o Massive IoT, ou seja, a conexão de milhares de devices com uma nuvem central, capaz de receber constantes bits de informação e processar dados. A Internet das Coisas (IoT) representa uma mudança contínua de paradigma nas comunicações: tudo o que se beneficia de uma conexão pode e será conectado.

Diversos testes envolvendo redes 5G têm sido realizados para comprovar os benefícios da nova tecnologia. Na agricultura, pode-se destacar a pesquisa da Avant Agro na implementação de drones munidos com 5G e Inteligência Artificial para monitoramento de lavouras.

Segundo a Embrapa, estima-se que a dificuldade em detectar ervas daninhas em plantações de soja, possa gerar prejuízos de R$ 9 bilhões anuais no país em decorrência da perda de produtividade. O 4G já possibilita o uso de drones para mapeamento do campo, porém de forma offline. Isso significa que a informação coletada pelo drone fica armazenada em um cartão de memória, sendo necessário que o operador as transfira do cartão para uma máquina, de forma que os dados sejam processados. De acordo com a Avant Agro, o mapeamento offline leva aproximadamente 12h e 4,5 GB para uma área de 25 hectares.

Ao implementar a tecnologia 5G aos drones, permitindo uma conexão online, onde os dados são importados para um cloud e tratados por algoritmos em tempo real, o tempo do processo cai para 3h43min. O reconhecimento das ervas daninhas por meio de drone conectado à rede 5G, reduz custos e propensões a erro, além de reduzir substancialmente o tempo do processo.

As aplicações do Massive IoT poderão também ser implementadas em diversos setores, como na saúde, através de wearables que acompanham sinais vitais e mudanças de comportamento, facilitando a triagem e o encaminhamento de pacientes à unidade de saúde. Esta função pode gerar redução de custos de atendimento e munir profissionais da saúde com amplo histórico sobre os pacientes.

No setor de logística, os processos aduaneiros (smart ports) também devem se beneficiar por smart tags, por exemplo, que permitem o acompanhamento do transporte de mercadorias do produtor ao consumidor final em tempo real, inclusive para fins de fiscalização e tributários.

Na contramão de aplicações de Massive IoT que requerem a conexão de milhares de endpoints com trocas de pequeno volume de dados, o 5G promoverá o Critical IoT. Estas aplicações são caracterizadas por um volume de dispositivos significativamente menor e maior demanda por confiabilidade. Aplicativos como esses exigem densa cobertura de conexão, latência ultrabaixa e alta taxa de transferência de dados.

Setores de segurança, tráfego, energia e saúde serão alguns dos setores servidos pela baixa latência, ultra velocidade e confiabilidade do 5G. Um dos casos mais clássicos quando pensamos em automatização é o do carro autônomo. Os sistemas de veículos autônomos geram enormes quantidades de dados para medir e navegar externamente. Esses aplicativos contam com a transmissão de informações em tempo real para atender às demandas de direção segura. A confiabilidade do sistema e o rápido poder de resposta são essenciais para a existência deste sistema. A tecnologia 5G será habilitadora deste novo mercado.

Outras inovações como as cirurgias à distância, gerenciamento de tráfego de rodovias e sensoriamento de caldeiras de termoelétricas são atividades que dependem exclusivamente de uma rede de conexão de altíssima confiabilidade para serem operadas online. Elas devem funcionar sem lapsos, visto que o risco de falhas de conexão torna-se sensível no Critical IoT.

Apesar de já existir um hall de aplicações sendo discutidas e muitas delas implementadas, conforme mencionado, não temos ao certo ainda quais serão as aplicações que de fato revolucionarão o mercado. E o mais importante, talvez ainda não seja possível visualizar as futuras demandas por aplicações. Esse processo ocorre desde os primórdios da telefonia móvel, a tecnologia avança e a sociedade a adapta em torno de suas necessidades.

É inegável, contudo, que existe uma premissa para que a tecnologia prospere: infraestrutura. A infraestrutura possibilita o surgimento das inovações e tecnologias que vão direcionar o nosso futuro. Faz-se necessária a criação de um ambiente frutífero para que desenvolvedores e empresas possam criar tudo aquilo que um dia será indispensável. Para isso, além de garantir uma conexão veloz e de baixa latência, é preciso conectar o país. Instalar infraestrutura nas cidades, promover um ambiente de negócios frutífero e seguro, além de garantir a conectividade das pessoas.

Dificuldades de Implementação

Em um estudo sobre os impeditivos institucionais da destruição criativa, Caballero (2008) argumenta que, para efeitos práticos, as inovações ocorrem continuamente e que na ausência de obstáculos à sua implementação, teríamos um cenário de infinita reestruturação da economia. O incessante ciclo de reestruturação, porém, seria freado por dois obstáculos: limitação de recursos a serem dispendidos no ajuste ao novo paradigma e os impedimentos institucionais criados pelo homem.

O setor de telecom mundial é amplamente conhecido por estar na ponta de P&D, redefinindo fronteiras de conhecimento e tendo liderado, inclusive, a última onda de inovação (mídias digitais, softwares e redes). Apesar disso, imputa-se ainda sobre o setor alguns obstáculos institucionais de regulamentação.

Pouco se fala no assunto, mas para que seja possível atingir a cobertura nacional com o 5G, a nova geração de internet móvel vai exigir uma quantidade de antenas de 5 a 10 vezes maior que a atual. A necessidade de ampliação da infraestrutura de telecom traz consigo a problemática da instalação de antenas nas cidades. Arcabouços ultrapassados impedem a rápida adaptação das cidades ao 5G.

Dentre o universo de 5.570 municípios brasileiros, apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G. Entre as capitais, apenas 48% apresentam convergência.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de antenas são municipais, gerando gargalos em cidades que ainda têm leis de antenas desatualizadas e em desacordo com a Lei Geral de Antenas.

Muitos são os entraves para a obtenção de licenças que permitam a instalação de antenas. Certos municípios impedem a fixação de antenas em perímetros escolares ou hospitalares, impondo restrições à conexão de estudantes; outros impossibilitam a instalação de infra em local sem regularização fundiária, afetando diretamente as populações mais carentes; ainda existem questões arquitetônicas que travam a obtenção de licenças. É importante ressaltar que estas legislações geram incongruência entre as legislações municipais e a necessidade para avanço pleno do 5G.

Além de entraves legais, o tempo médio para o licenciamento de uma antena também gera atrito. De acordo com a Lei Geral de Antenas (Nº 13.116/2015), o prazo para emissão de qualquer licença referida à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana não poderá ser superior a 60 dias. Entretanto, o tempo médio efetivo tem sido de seis meses, chegando até a 1 ano em algumas cidades, o que não é compatível com a nova tecnologia.

A vitória conquistada pelo setor no Senado Federal em julho de 2022 com a aprovação do PL 1885/2022 é muito oportuna para facilitar a instalação da infraestrutura. O projeto chamado “Silêncio Positivo” autoriza operadoras a instalarem equipamentos de infraestrutura de telecomunicações nos municípios caso as autoridades locais não se manifestem no prazo determinado pela LGA. O projeto aguarda agora sanção presidencial.

As revoluções tecnológicas do setor de telecomunicações têm impacto direto na contínua expansão da economia, através da promoção de inovações ou adequação de cadeias para modelos mais produtivos e eficientes. A vertente do novo institucionalismo de Douglas North expõe que as tecnologias apenas surgiram e se desenvolveram em países com ambiente institucional propicio. É imperativo que o arcabouço jurídico que envolve o setor no Brasil reflita a vanguarda e rapidez como o mundo digital avança. Essas mudanças visam acomodar o progresso tecnológico na estrutura brasileira de modo a promover impactos positivos nos mais diversos campos.

 

Referências

Caballero, R. 2008. Creative Destruction. The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition.

Dosi, G. (1988). The Nature of the Innovation Process. In G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G. Silverberg, & L. Soete (Eds.), Technical Change and Economic Theory (pp. 221-238).

Ferrari, Marcos. 2006. A economia evolucionária/neoschumpeteriana e o novo institucionalismo: em busca de explicações para a mudança tecnológica e institucional. Vitória: XI Encontro Nacional de Economia Política.

Ferrari, Marcos & Lopes, Amanda. 2022. The 5G Agenda and its Impact on the Economy. São Paulo: The Winners n° 46.

Paudel, P. & Bhattarai, A. 2018. 5G Telecommunication Technology: History, Overview, Requirements and Use Case Scenario in Context of Nepal.

Schumpeter, J. 1942. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper & Bros.

UIT. 2018. Key features and requirements of 5G/IMT-2020. Algeria: ITU Arab Forum.

 

 * Marcos Ferrari é doutor em Economia pela UFRJ e Presidente-Executivo da Conexis Brasil Digital, também foi Diretor de Infraestrutura e Governo do BNDES, Secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 

** Amanda Lopes é mestranda em Políticas Econômicas pela Erasmus University of Rotterdam e Analista de Estudos Econômicos na Conexis Brasil Digital.

 

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Patentes merecem ser quebradas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2772&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=patentes-merecem-ser-quebradas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2772#comments Mon, 25 Apr 2016 14:15:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2772 Vimos no texto “Por que proteger a propriedade intelectual?” a importância de se garantir direito de propriedade às criações intelectuais, assegurando ao criador benefícios pela utilização de seu trabalho.

No entanto, o antagonismo de interesses é enorme no âmbito internacional acerca da concepção das regras de propriedade intelectual. As posições ficam entre proteção estrita da propriedade intelectual, favorecendo unicamente a inovação, e a construção de mecanismos que possibilitem a transferência de tecnologia e o crescimento econômico para as nações em desenvolvimento.

Segundo Cooter e Schäfer (2012)1, os países ricos, detentores da maior parte das patentes, tendem a defender os direitos de propriedade intelectual de forma estrita, sem exceções. No entanto, os países em desenvolvimento, na sua maior parte consumidores dessas invenções, tendem a favorecer a cópia ou o uso livre de determinados produtos.

É fato que há uma desigualdade muito grande entre as regiões do mundo acerca da produção de novos inventos. A tabela a seguir retrata essa disparidade.

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Note que, além do número ser muito menor na América Latina, África e Oceania, há ainda o problema de que as poucas patentes concedidas não pertencem aos residentes dessas regiões, isto é, as patentes são concedidas a pessoas e empresas estrangeiras.

Sabe-se que a patente é fundamental para garantir novos investimentos em pesquisa e inovação e, consequentemente, aumento da produtividade e desenvolvimento econômico. Mas será que o sistema de patentes vigente não perpetua a dependência dos países em desenvolvimento em relação às nações mais ricas? Definir a correta calibragem desse dilema é um grande desafio.

As regras existentes hoje são fruto de anos de embates com forte pressão dos países mais ricos. Elas foram aprovadas em 1994, ao fim da Rodada Uruguai, em que a comunidade internacional assinou o Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights2), que veio como anexo do texto final do GATT (General Agreement on Trade and Tariffs3).

Com o Acordo TRIPS, criou-se uma proteção global aos direitos de propriedade intelectual (patentes, marcas e direitos autorais). Em especial, ressalta-se a concessão de patentes, com o gozo dos respectivos direitos, para as invenções de produtos ou processos de todos os setores tecnológicos e sem discriminação quanto ao local de invenção, desde que sejam novas, envolvam um passo inventivo e sejam passíveis de aplicação industrial (art. 27.1, TRIPS4).

O art. 33 do Acordo traz a previsão de que o prazo de vigência da proteção da patente não pode ser inferior a 20 anos5 e que, caso haja alguma disputa entre os países signatários do TRIPS acerca de propriedade intelectual e comércio internacional, o litígio será resolvido por órgão específico da Organização Mundial do Comércio (OMC), o chamado Órgão de Solução de Controvérsias (OSC).

Note, no entanto, que a OMC não detém poder de polícia para aplicar sanção diretamente ao país que tenha descumprido algum acordo internacional. O que acontece na prática é que o país prejudicado ganha direito a promover uma retaliação, descumprindo alguma regra do sistema multilateral de comércio contra o país originalmente descumpridor (UNCTAD, 20036).

Com o tempo, várias insatisfações e reivindicações surgiram por parte dos países em desenvolvimento. Isso se refletiu na agenda da Rodada de Doha, iniciada em novembro de 2001, durante a IV Conferência Ministerial da OMC.

Conforme informação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, “a Rodada Doha surge devido ao desbalanceamento entre os interesses dos países em desenvolvimento e os países desenvolvidos durante a Rodada Uruguai, onde novas disciplinas sobre Propriedade Intelectual e Serviços foram propostas pelos países desenvolvidos”7.

O grande motivador dessa tentativa de melhorar o Acordo TRIPS em prol dos países em desenvolvimento veio principalmente pela defesa, por parte desses países, do direito de quebrar patentes de medicamentos para a AIDS e emitir licenças compulsórias para a produção dessas drogas em seus próprios territórios de forma a combater a epidemia do vírus HIV. (ODELL e SELL, 2003)8

Conforme Bezerra (2010)9, “a denominação de quebra de patente significa justamente a desconstituição do direito à exploração com exclusividade do bem criado, como resultado da aplicação do instituto do licenciamento compulsório sobre a patente dos medicamentos, a fim de garantir o atendimento da função social da propriedade e evitar o uso abusivo desses bem. No caso de medicamentos, no que diz respeito à propriedade industrial desses produtos, a finalidade social está claramente delineada na promoção da saúde, individual ou pública, uma vez que tais bens são destinados ao auxílio do tratamento médico de dados indivíduos, seja ele curativo, paliativo ou diagnóstico”.

O Acordo TRIPS já facultava aos estados-membros estabelecer normas que previssem o uso de objeto de patente sem a autorização de seu titular em circunstâncias excepcionais de interesse público (art. 31 do Acordo). No entanto, tal prática nunca foi bem recebida pelos países desenvolvidos, pois suas empresas farmacêuticas sofreriam grandes perdas financeiras.

A Lei nº 9.279, de 1996, que disciplina a concessão de patentes no Brasil, já previa a possibilidade de licenciamento compulsório (quebra de patente) por interesse público em seu art. 71, “nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade”.

Segundo explica Job (2012)10, os Estados Unidos não concordavam com esse dispositivo legal na lei brasileira, de forma que, em 2001, pediram ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC o estabelecimento de um painel para discutir o assunto. Em junho do mesmo ano, após discussões na OMC, a disputa chegou a um fim com a concordância dos EUA acerca da quebra de patentes pertencentes aos seus laboratórios, nas condições excepcionadas, desde que avisados previamente.

O Brasil utilizou efetivamente essa possibilidade em 2007 quando o governo brasileiro decretou o licenciamento compulsório (suspensão do direito de exclusividade) do antirretroviral Efavirenz, utilizado no tratamento da AIDS no Sistema Único de Saúde (SUS). Para fins de comparação, nesse mesmo ano, o governo brasileiro comprava o Efavirenz a US$1,59 do laboratório norte-americano, detentor da patente. Com a decisão da quebra, o Brasil passou a pagar US$0,44 a um laboratório da Índia11.

Em 2012, o licenciamento foi renovado por mais cinco anos, conforme Decreto nº 7.723, de 2012. Segundo o Ministério da Saúde, hoje a produção do medicamento é totalmente nacional, os laboratórios Farmanguinhos e Lafepe (Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco) estabeleceram uma parceira com as empresas privadas Globequímica (SP), Cristália (SP) e Nortec (RJ), que formaram um consórcio para produção interna do Efavirenz. Para se ter ideia de preços, em 2012, o Ministério da Saúde contratou 57 milhões de comprimidos do remédio pelo valor de R$ 76,9 milhões (R$1,35 por comprimido)12.

As críticas ao licenciamento compulsório, vindas dos países desenvolvidos, argumentam que as quebras de patentes, apesar de amenizarem os problemas de saúde no curto prazo dos cidadãos dos países em desenvolvimento, contribuem para diminuir os recursos para pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, prejudicando todos os possíveis doentes da geração seguinte.

Essas críticas têm fundamento, mas considerando os diversos problemas institucionais do Brasil, incluindo as políticas de desenvolvimento industrial, não nos parece que haja solução diferente a ser adotada no presente.

 

___________

1 Cooter, R. D.; Schäfer, H. B. Solomon’s knot: how law can end the poverty of nations. New Jersey: Princeton University Press, 2012.

2 Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio

3 Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio

4 Article 27 Patentable Subject Matter – 1.    Subject to the provisions of paragraphs 2 and 3, patents shall be available for any inventions, whether products or processes, in all fields of technology, provided that they are new, involve an inventive step and are capable of industrial application. Subject to paragraph 4 of Article 65, paragraph 8 of Article 70 and paragraph 3 of this Article, patents shall be available and patent rights enjoyable without discrimination as to the place of invention, the field of technology and whether products are imported or locally produced.

5 Article 33 Term of Protection – The term of protection available shall not end before the expiration of a period of twenty years counted from the filing date.

6 Disponível em http://unctad.org/pt/docs/edmmisc232add11_pt.pdf

7 http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=373

8 ODELL, J. S.; SELL, S. K. Reframing the issue: The WTO Coalition on Intellectual Property and Public Health, 2001. Genebra, Conference on Developing Countries and the Trade Negotiation Process, 2003.

9 BEZERRA, M. F. Patente de Medicamentos: quebra de patentes como instrumento de realização de direitos. Curitiba: Juruá, 2010.

10 JOB, U. S. A proteção da propriedade intelectual e da saúde pública pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Brasil. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 49, n. 195, jul./set. 2012.

11http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/05/dilma-prorroga-quebra-de-patente-de-remedio-anti-aids.html

12 http://www.brasil.gov.br/saude/2012/05/brasil-renova-licenciamento-compulsorio-de-antirretroviral-usado-no-tratamento-da-aids

 

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O aperfeiçoamento da regulação dos mercados de produtos pode estimular a concorrência e o crescimento econômico do Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=553&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-aperfeicoamento-da-regulacao-dos-mercados-de-produtos-pode-estimular-a-concorrencia-e-o-crescimento-economico-do-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=553#comments Tue, 31 May 2011 14:02:48 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=553 Introdução

O desempenho econômico do Brasil, medido pela taxa de crescimento do PIB, melhorou consideravelmente desde a virada do milênio (Figura 1). Isso permitiu um aumento da renda per capita brasileira, o que contribuiu para uma redução do hiato de renda (medida em paridade de poder de compra[1]) entre o Brasil e a média dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, apesar do progresso dos últimos anos, a renda per capita brasileira situa-se em apenas cerca de 35% da renda per capita média dos países da OCDE. Para fechar este hiato de renda, o Brasil terá que sustentar uma taxa de crescimento robusta nos próximos anos.

Para tanto, o grande desafio para os formuladores de política no Brasil será não só promover o investimento e a criação de emprego, mas principalmente melhorar a produtividade da economia como um todo. A decomposição do crescimento do PIB brasileiro nas últimas décadas mostra que a maior parte deste crescimento deveu-se ao investimento e à geração de emprego, especialmente no setor formal, enquanto os ganhos de produtividade – medida pela produtividade total dos fatores – tiveram uma contribuição bem menor. Este perfil de crescimento contrasta com aquele dos países da OCDE que tem apresentado melhor desempenho, cujo crescimento está muito mais apoiado em ganhos de produtividade do que na acumulação de trabalho e capital.

Para explicar melhor este ponto, tenha em mente que a produção de bens e serviços de um país é resultado da combinação de trabalho e capital (máquinas e equipamentos). Portanto, as possibilidades de crescimento do PIB desse país são: (a) aumentar a quantidade de máquinas e equipamentos de forma a expandir a capacidade produtiva; (b) aumentar o número de trabalhadores que vão operar as máquinas e equipamentos e (c) aumentar a produtividade, ou seja, fazer com que as máquinas e equipamentos disponíveis produzam mais utilizando a mesma quantidade de trabalhadores. No caso brasileiro, o crescimento advém predominantemente das opções (a) e (b), enquanto nos países da OCDE de melhor desempenho econômico o crescimento se dá principalmente pela opção (c). Portanto, um desafio-chave para os formuladores de política no Brasil é criar incentivos ao aumento da produtividade para com isso aumentar o potencial de crescimento da economia e sustentar esse crescimento no longo prazo.

Promover ganhos de produtividade não é uma tarefa simples e depende de fatores que vão além da política econômica. Porém, um instrumento poderoso a disposição dos formuladores de política para promover ganhos de produtividade é estabelecer uma marco regulatório que favoreça a concorrência nos mercados de produto.

O termo “mercados de produtos” deve ser aqui entendido como os bens e serviços produzidos na economia, excluindo-se o setor financeiro, cuja regulação tem motivações distintas não tratadas neste texto, e o mercado de trabalho, que tem características próprias e, portanto, requer regulação específica. Um outro termo que merece uma definição breve é o de “regulação”, que consiste em um conjunto de regras estabelecidas pelo governo, por meio de leis, decretos e outros diplomas legais para reger a atividade econômica em suas diversas fases, desde a contratação de insumos, passando pela produção até atingir a comercialização de um bem ou serviço. Sua motivação original é elevar o nível de bem-estar da sociedade, evitando, por exemplo, a venda e consumo de produtos lesivos à saúde, a formação de monopólios e oligopólios que fixem preços abusivos e lesem os consumidores, a geração de poluição excessiva durante o processo produtivo, etc.

Porém, a regulação pode ser de baixa qualidade e/ou influenciada por pressões políticas de grupos interessados em se proteger da concorrência de mercado, o que acaba prejudicando a atividade econômica. Alguns exemplos de regulação que podem vir a cercear a concorrência nos mercados de produtos incluem a obrigatoriedade generalizada de obtenção de licenças para abrir uma empresa, a imposição de taxas específicas para trabalhar em um determinado ramo ou atividade, as restrições ao investimento estrangeiro em determinados setores da economia (por exemplo, no Brasil não pode haver empresas aéreas com maioria de capital em mãos de estrangeiros), os controles de preços, a existência de empresas públicas concorrendo com empresas privadas, as falhas na legislação que permitam que algumas empresas privadas dominem o mercado e formem monopólios ou oligopólios, e as interferência do governo em decisões das empresas privadas das quais é acionista.

A análise empírica efetuada para os países da OCDE mostra que a concorrência nos mercados de produtos gera aumento de produtividade e, consequentemente, promove o crescimento[2]. Uma regulação que favoreça a concorrência estimula o empreendedorismo, o que contribui para estabelecer um ambiente de negócios favorável ao investimento. Estudos empíricos também mostram que a concorrência leva as empresas a serem mais eficientes, por exemplo, ao adotar novas tecnologias e ao inovar, o que resulta em ganhos de produtividade. A retirada de entraves à concorrência pode também aumentar a oferta de emprego, na mediada em que estimula o investimento. Tudo isso leva a um maior potencial de crescimento da economia.


Como quantificar as restrições à concorrência na regulação dos mercados de produtos?

A OCDE desenvolveu uma metodologia para avaliar quantitativamente se a regulação nos mercados de produtos de um país promove ou inibe a concorrência com base em indicadores de Regulação dos Mercados de Produtos (RMP). Tais indicadores abrangem vários mercados, além de permitirem comparação internacional, e cobrem a regulação formal em três áreas distintas:

(a) controle estatal, que reflete em que medida o governo influencia as decisões do setor privado ao gerenciar, ele próprio, empresas, ou controlar preços e outras formas de regulação de base coercitiva (em contraposição a uma regulação baseada em incentivos);

(b) barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo, que se referem ao acesso à informação acerca do marco regulatório, aos custos administrativos impostos às empresas em geral ou a setores específicos, às exigências para a abertura e registro de empresas, e à regulação à entrada de novas firmas em determinados setores; e

(c) barreiras ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro, que se referem a restrições à propriedade de empresas por parte de não-residentes e às barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio internacional.

Essas três grandes áreas incluem um conjunto de indicadores mais detalhados. A cada um dos indicadores é atribuído um peso, o que permite estabelecer uma pontuação final para cada uma das três categorias, utilizando-se métodos estatísticos. Por fim, podem-se agregar essas três categorias de forma a se obter um único indicador que sumariza o grau de restrição à concorrência para a economia como um todo. Os indicadores recebem pontuação de zero a seis, numa escala crescente em que, quanto maior a pontuação, maior a restrição à competição. Esse enfoque, que parte de cada indicador individual e vai até as categorias mais agregadas, permite que se faça um diagnóstico dos pontos mais problemáticos da regulação em cada país. Ressalte-se que os dados nos quais se baseiam os indicadores são em sua maioria derivados de questionários submetidos aos países participantes, e somente uma pequena parcela da informação baseia-se em outras fontes de informação, de modo que se garante um alto nível de comparabilidade entre os países. Os indicadores estão focados em políticas públicas estabelecidas e não se baseiam em opiniões subjetivas. A última safra de indicadores se refere ao ano de 2008 e inclui os 34 países-membros da OCDE, assim como o Brasil, a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul, os chamados BRICS[3].

O que os indicadores de RMP revelam da regulação dos mercados de produtos no Brasil?

Os dados da Tabela 1 e da Figura 2 indicam que a pontuação geral do Brasil é superior à média dos países da OCDE, o que sugere que a legislação brasileira é menos favorável à concorrência nos mercados de produtos do que na média daqueles países. A pontuação brasileira é comparável à do México e muito inferior (indicando a existência de menos entraves à concorrência) às dos outros BRICS (África do Sul, China, Índia e Rússia). Assim como nos países da OCDE, a pontuação geral do Brasil sugere que as restrições à concorrência são mais proeminentes nas áreas de “controle estatal” e de “barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo”. Os indicadores de “barreiras ao comércio internacional e ao investimento” revelam menor restrição à concorrência.

Tabela 1. Indicadores RMP, 2008

Brasil OCDE BRICS1
Indicador RMP geral 1.9 1.4 2.7
Controle estatal 2.7 2.1 3.7
1. Propriedade pública 2.9 2.9 4.1
Escopo das empresas estatais 2.7 3.1 4.6
Envolvimento do governo no setor de infraestrutura 2.3 2.9 4.2
Controle direto sobre as empresas privadas 3.8 2.8 3.5
2. Envolvimento na atividade econômica 2.4 1.3 3.3
Controle de preços 0.3 0.9 2.4
Regulação de controle (“command and control”) 4.5 1.7 4.1
Barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo 2.0 1.4 2.3
1. Opacidade regulatória e administrativa 1.9 1.1 1.7
Sistema de licenças e permissões 2.0 1.8 2.4
Comunicação e simplificação de regras e procedimentos 1.9 0.3 1.0
2. Entraves administrativos à abertura de empresas 2.4 1.6 3.1
Entraves administrativos para grandes empresas 1.8 1.7 3.0
Entraves administrativos para pequenas empresas 3.0 1.7 3.5
Entraves administrativos específicos a setores/atividades 2.4 1.4 2.8
3. Barreiras à competição 1.6 1.7 2.1
Barreiras legais 2.9 1.0 1.9
Isenções a regras de defesa da concorrência 0.0 0.4 0.8
Barreiras à entrada em indústrias de rede 2.4 2.0 3.3
Barreiras à entrada em serviços 1.0 3.2 2.4
Barreiras ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro 1.2 0.7 2.1
1. Barreiras explícitas 2.4 1.0 2.2
Barreiras ao Investimento Estrangeiro Direto (IED) 1.5 1.3 2.7
Tarifas de importação 3.0 1.1 2.4
Procedimentos discriminatórios 2.7 0.7 1.7
2. Outras barreiras 0.0 0.3 2.0
Barreiras regulatórias 0.0 0.3 2.0
Políticas por área funcional
Regulação administrativa 2.2 1.3 2.4
Regulação econômica 2.3 2.0 3.2

1. Refere-se à média das pontuações dos seguintes países: África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia.

Fonte: OCDE (base de dados PMR).

No quesito “controle estatal”, o Brasil se sai relativamente bem em termos da atuação das empresas estatais, incluindo os setores ligados à infraestrutura (energia, transportes, telecomunicações). Porém, ainda há restrições legais e constitucionais à redução da participação do Estado nessas empresas. O governo também tem direitos especiais de voto (por exemplo, golden shares) em firmas sob gestão privada.

No que se refere às “barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo”, há maiores exigências legais para a abertura de empresas no Brasil do que na maioria dos países da OCDE. As exigências administrativas, tais como o número de procedimentos necessários, o tempo que se leva para cumpri-los e os custos incorridos pelos empresários para registrar uma empresa, também são mais pesadas para firmas individuais do que para empresas maiores. Além disso, a exigência de licenças e permissões impõe custos administrativos adicionais em alguns setores do comércio varejista analisados na pesquisa. No entanto, há muito menos restrições regulatórias no Brasil para a entrada no setor de serviços do que na média dos países da OCDE, exceto no setor de infraestrutura, que inclui gás, eletricidade e transportes.

A experiência da OCDE mostra que há muito espaço para a desburocratização e a remoção de entraves à concorrência na maioria dos países. Altos níveis de “controle estatal” e de “barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo” costumam estar associados a procedimentos administrativos custosos e a políticas pouco conducentes à criação de um ambiente de negócios propício à concorrência. Barreiras legais à concorrência, tais como a limitação ao número de participantes em um determinado mercado, ainda persistem em alguns setores.

Na dimensão “barreiras ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro”, os indicadores mostram que as restrições presentes na legislação brasileira sobre o Investimento Estrangeiro Direto (IED) estão em linha com a média dos países da OCDE, e são baixas em comparação aos outros BRICS. No entanto, e apesar da flexibilização iniciada nos anos 1990, as tarifas médias de importação permanecem relativamente altas no Brasil quando comparadas às médias da OCDE e dos BRICS (exceto a da Rússia). As economias da OCDE são, em média, mais abertas ao comércio exterior, tendo havido uma redução significativa de todos os tipos de barreiras comerciais e ao investimento estrangeiro ao longo dos anos, o que aumentou o grau de abertura e a integração comercial dessas economias. A experiência desses países sugere que as barreiras domésticas à concorrência tendem a ser maiores em países que apresentam fortes restrições ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro.

Em suma, os indicadores RMP oferecem uma valiosa visão agregada do estado da regulação em diferentes países. Mas há ressalvas. É difícil mensurar com precisão o vigor das forças de mercado e incluir possíveis práticas regulatórias informais na metodologia de cálculo de indicadores quantitativos como os de RMP, principalmente no que se refere às áreas de regulação sob responsabilidade dos governos estaduais e municipais. Há também práticas regulatórias, tais como medidas de autoregulamentação e diretrizes administrativas empregadas por associações profissionais, que são tratadas de forma bastante limitada pelo sistema de indicadores RMP. Além disso, deve-se levar em conta a capacidade de implementação de medidas regulatórias e a fiscalização do cumprimento das regras, que afetam o ambiente de negócios em geral e que são de difícil incorporação no sistema de indicadores.

Quais são as reformas necessárias para que a regulação de mercado de produtos seja mais estimuladora da concorrência no Brasil?

Tomando por base os indicadores de RMP, existem diversas áreas em que a regulação dos mercados de produtos poderia ser mais indutora da concorrência, o que geraria efeitos benéficos sobre o crescimento de longo-prazo. A remoção de barreiras ao empreendedorismo e ao comércio internacional seriam particularmente bem-vindas, já que são as áreas que apresentam maior distância entre os indicadores brasileiros e a média dos países da OCDE.

Com relação às barreiras ao empreendedorismo, as reformas deveriam buscar a redução dos entraves administrativos ao registro de empresas. Iniciativas de unificação do local para realização dos trâmites administrativos (one-stop shops), como o Fácil (um programa federal implementado em grandes cidades e capitais de estados), são passos importantes. Estender esse sistema a cidades menores, bem como unificar os procedimentos de registro nos três níveis de governo, contribuiria para reduzir os custos administrativos para abertura de empresas e faria com que os procedimentos consumissem menos tempo, o que tornaria a regulação mais indutora do empreendedorismo.

Uma revisão das licenças e permissões atualmente exigidas poderia ser levada a cabo com o objetivo de reduzir o seu número, pelo menos no que se refere às exigências a nível federal. A experiência de vários países da OCDE é instrutiva nessa área, porque houve uma sensível melhora no sistema de licenças e permissões quando se passou a generalizar o uso de locais unificados para realização de procedimentos administrativos e, em menor medida, quando a prática de “quem cala consente” ganhou espaço. Também é importante notar que, uma vez que essas reformas estimulam o empreendedorismo, a desregulamentação do mercado de produtos pode contribuir para a redução da informalidade no mercado de trabalho e para aumentar o consenso em torno das reformas na legislação trabalhista.

Também seria desejável reduzir as barreiras explícitas ao comércio exterior, especialmente mediante redução das tarifas de importação. Uma maior abertura comercial favorece o acesso por parte das empresas brasileiras a tecnologias incorporadas aos bens de capital e insumos intermediários importados, além de estimular a competição com bens importados no mercado doméstico, o que gera incentivos para que as empresas brasileiras inovem, tornem-se mais eficientes e dêem sustentação ao crescimento econômico. Em um ambiente global em que a regulação vem se tornando crescentemente favorável à concorrência, é importante que o Brasil torne-se mais atrativo a investimentos geradores de ganhos de produtividade, tanto por investidores nacionais como estrangeiros.

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Para ler mais sobre o tema:

OCDE (2009) Ten years of product market reform in OECD countries – insights from a revised PMR indicator. Working Paper nº 695. Disponível em: http://www.oecd.org/dataoecd/29/41/42779045.pdf


[1] A “paridade do poder de compra” é um ajuste que se faz quando da conversão do valor de bens e serviços de uma moeda local para uma moeda de referência (em geral o dólar dos EUA), considerando-se o poder de compra das diferentes locais para uma dada cesta de consumo. Em um exemplo bem simples, consideremos que a taxa de câmbio é de R$ 2,00 por US$ 1,00; e que um determinado bem custe, nos EUA, US$ 1,00 e, no Brasil, R$ 1,80 (ou US$ 0,9 à taxa de câmbio de mercado). Se o PIB do Brasil consistir na produção de 10 unidades desse bem, então o PIB do País em Reais será de R$ 18,00 (10 bens a R$ 1,80 cada). O PIB em US$ pela taxa de câmbio de mercado será de US$ 9,00 (R$ 18,00 dividido pela taxa de câmbio de R$2,00 por US$1,00). Porém, em paridade do poder de compra, o PIB avaliado pelo preço do bem em questão nos EUA seria de US$ 10,00 (dez unidades do bem a US$ 1,00 cada).

[2].   Veja http://www.oecd.org/dataoecd/29/41/42779045.pdf para uma discussão geral do tema e bibliografia acerca das ligações entre a intensidade da competição nos mercados de bens e serviços e a produtividade.

[3] O sistema de indicadores RMP tem uma forma de pirâmide, com vários indicadores na base da pirâmide e um indicador geral no topo. Os indicadores de base referem-se a aspectos específicos do marco regulatório, resumindo informação acerca de várias normas regulatórias que afetam a economia como um todo ou setores específicos. Os indicadores de nível mais alto são construídos como médias ponderadas dos indicadores do nível anterior. A atualização dos indicadores para 2008 é descrita em detalhe no Working Paper nº 695 da OCDE: “Ten years of product market reform in OECD countries – insights from a revised PMR indicator”.

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