Infraestrutura – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 14 Dec 2018 19:35:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Transporte público pode ser transporte privado? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3186&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=transporte-publico-pode-ser-transporte-privado Thu, 28 Jun 2018 20:48:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3186 São comuns os entendimentos de que o mercado privado é ineficiente no provimento de bens públicos e que o Estado tem o dever de prover transporte público não somente a fim de maximizar suas as externalidades positivas na economia, mas também garantir a maior inclusão social dos segmentos que não possuem meios próprios de locomoção1. Embora verdadeiras as premissas, elas não conduzem à conclusão de que apenas o Estado deve prover o transporte público, muito pelo contrário.

Inicialmente é preciso reconhecer que transporte público não é necessariamente um bem público. Bem público é aquele que tem de ser fornecido na mesma quantidade para todos os consumidores envolvidos. Uma vez ofertado um bem público, não é possível restringir o consumo, nem o consumir em diferentes quantidades. Exemplos clássicos de bens públicos são o meio ambiente e a defesa nacional. Não é possível a um determinado cidadão obter mais ou menos defesa nacional. Independentemente de sua propensão a pagar mais ou menos tributos para evitar uma invasão estrangeira, todo cidadão recebe a mesma quantidade de defesa nacional. Da mesma forma, o ar puro, o mar limpo são bens que não podem ser consumidos de forma individualizada, independentemente da utilidade que os consumidores precificam esses bens2,3.

Algumas infraestruturas de transportes como calçadas, ruas, estradas e rodovias podem ter comportamento de bens públicos. Entretanto, há exceções. Quando a demanda é muito maior que a oferta ou quando os sistemas são fechados desaparece o comportamento de bens públicos em sistemas de transportes. Estradas congestionadas e sistemas metroferroviários, em geral, não têm comportamento de bens públicos. Essas infraestruturas são aptas a serem providas pelo mercado privado, pois têm efeito carona negligenciável. Aliás, esse é um fenômeno econômico antigo que vem se tornando cada vez mais contemporâneo nos países desenvolvidos.

A Inglaterra foi a nação precursora dos investimentos privados na provisão de infraestrutura de transportes terrestres. Em 1695, o mercado obteve segurança jurídica para investir na construção e manutenção de estradas pavimentadas, por meio de Acts of Parliament, que autorizavam a cobrança privada de tarifas sobre o tráfego ao longo de certa extensão das estradas. No século XVIII, os Turnpike Acts, do Parlamento inglês, revolucionaram a provisão de infraestrutura rodoviária. Naquele século, cresceu a malha e reduziram-se, substancialmente, os tempos de viagem, pois o interesse econômico era predominante na definição dos traçados das novas estradas pavimentadas4.

A partir dos anos 1820, com o desenvolvimento da ferrovia e da locomotiva a vapor, diversas firmas privadas prosperaram na provisão de infraestruturas ferroviárias de transportes, tanto no transporte de cargas – que até hoje vigora nos Estados Unidos da América –, quanto no transporte de passageiros. Em 1933, seis firmas privadas distintas operavam em Londres no que hoje é conhecido como Underground ou Tube.

Naquela época – e ainda hoje – o transporte ferroviário privado se viabilizava em função de dois motivos: a alternativa mais econômica para o usuário e a alternativa mais rentável para o investidor.

O primeiro motivo vem do fato de o usuário em geral pagar o preço mais barato pelo transporte. Em São Paulo, por exemplo, o transporte de café por ferrovias privadas poderia ser seis vezes mais barato que o transporte convencional por estradas carroçáveis no fim do século XIX5. Nos EUA, a ausência de barreiras a entradas e vantajosidade da ferrovia em relação as alternativas fomentaram a construção de uma rede de mais de 400 mil km de trilhos. A rede ferroviária américa reduziu-se ao longo dos últimos cem anos, paulatinamente, à medida que o preço do frete ferroviário foi se tornando mais caro que sua alternativa: o aquaviário a partir de 1914, com a abertura do canal do Panamá; o rodoviário a partir dos anos 1930, com a construção de rodovias pavimentadas pelo poder público; e o aéreo a partir dos anos 1950, com a entrada da aviação civil comercial. Mesmo assim, ainda hoje, as firmas ferroviárias privadas que exploram mais de 200 mil km de trilhos sobrevivem sem subsídios no competitivo mercado de transporte americano porque têm o preço mais barato na longa distância no interior do país.

O segundo motivo tem relação com a primeira lição de Manheim em seu clássico Fundamentals of Transportation Systems Analysis (1979). “O sistema de transporte de uma região interage com o sistema socioeconômico alterando a demanda de origens, destinos, rotas, volumes de bens e de pessoas transportadas no sistema”6. Sempre que a firma de transporte pode se aproveitar dos ganhos econômicos dessa interação acumulando receitas não apenas de tarifas de transportes, mas de atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que provê, então são criados fortes incentivos para que o sistema de transporte se expanda naturalmente. Este foi exatamente o caso das ferrovias americanas e inglesas que promoveram os primeiros metrôs em Nova Iorque e em Londres. As firmas agiram nesses territórios como firmas de desenvolvimento urbanístico, comprando terras a preços mais baixos na periferia, provendo infraestruturas de transportes a partir do centro, e depois revendendo e alugando imóveis a preços competitivos, suficientes para gerar lucros, e, ainda assim, a preços menores que os praticados nos centros da cidade. Um negócio em que todos ganham.

O mesmo expediente ainda hoje é praticado na Ásia. No Japão, somente no entorno de Tóquio cerca de 50 firmas privadas construíram e operam trens de passageiros, além de, também, hotéis, residenciais, escritórios e shopping centers. Na Ásia, as empresas metroferroviárias arrecadam aproximadamente entre 30% e 60% de seu faturamento das receitas advindas das atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que oferecem7.

Aliás, essa prática foi recentemente retomada nos EUA, especificamente na Flórida, onde um grupo privado de exploração imobiliária8 construiu e está operando desde maio deste ano um trem de média velocidade, entre Miami, Fort Lauderdale e West Palm Beach, ao custo de U$ 20 (vinte dólares americanos) por pessoa, por uma viagem de cerca de 112 km em um tempo de 1h e 15min. Novamente, o negócio se viabiliza para o usuário pelo custo de oportunidade, mais conveniente que as alternativas, e, para o investidor, pelos ganhos com receitas assessórias vinculadas ao negócio de transportes, como os imóveis de escritório, lojas e residenciais sobre a estação central em Miami e no entorno nas demais estações em Fort Lauderdale e West Palm Beach.

O caso da Brightline9 é um exemplo concreto e atual de que o transporte público pode ser integralmente idealizado, financiado, construído e operado pelo mercado privado, sem a necessidade de subsídios, burocracia, ou despesas do contribuinte. Ao custo de U$ 3,6 bi esse projeto não foi planejado em Washington-DC, nem licitado pela agência reguladora, nem teve o preço das tarifas fixado pelo poder público. É integralmente privado10.

Se as barreiras jurídicas a entradas e saídas no mercado de transportes são baixas, firmas privadas terão interesse em investir por diferentes abordagens, desde aquelas com baixa criação de infraestruturas, como, por exemplo, o Uber, 99, Cabify, até aquelas com intensiva criação de infraestruturas e custos afundados, como Brightline, Keio11, MTR12.

Todas essas firmas atuam onde a demanda, a rentabilidade e os riscos são compatíveis com seus modelos de negócio. A diferença entre elas está nos efeitos socioeconômicos que provocam nas cidades. Enquanto as primeiras contribuem para a diminuição da demanda pelo transporte coletivo e de forma indireta fomentam o espraiamento do tecido urbano, as últimas contribuem para o aumento da demanda pelo transporte coletivo e de forma direta fomentam a densificação do tecido urbano, pois, são remuneradas não apenas pelo preço da viagem, mas pelas receitas assessórias do maior fluxo de passageiros que transitam a pé pelo entorno das estações, frequentando suas lojas, escritórios e residenciais.

Com a introdução das firmas metroferroviárias privadas no mercado, o Estado ganha de três maneiras: arrecada mais tributos, deixa de gastar com a provisão direta dos serviços, e, além disso, também economiza na provisão otimizada de bens públicos, como vias, escolas, delegacias, prontos-socorros, etc que podem ser localizados em posições mais eficientes do tecido urbano.

Toda essa economia pública poderá ser aplicada em transporte de cunho social, aquele em que o mercado não tem interesse de prover por ser antieconômico, mas que o Estado tem dever de garantir aos mais pobres. Novamente, todos ganham.

A discussão sobre o modelo de ferrovias privadas autorizadas é necessária não apenas no transporte de passageiros, mas também no mercado de cargas, em complementação ao atual modelo brasileiro de concessões. Nos Estados Unidos o modelo de ferrovias autorizadas tem sido bastante exitoso. Lá, por exemplo, existem 546 ferrovias locais (short lines) administrando uma rede de 52.800 km, i.e., com extensão média de 96,7 km por ferrovia.13 Somente essas ferrovias locais têm uma extensão superior a toda malha ferroviária brasileira de 29.075 km de ferrovias em concessão.

Essa discussão é crucial para o futuro do desenvolvimento econômico e social do Brasil, não apenas porque a realidade fiscal do Estado não permitirá a concretização dos investimentos públicos necessários em transportes, mas porque em países desenvolvidos não se discute mais se a iniciativa privada pode ou não pode prover infraestruturas de transportes, o que se discute lá é qual será a tecnologia que a iniciativa privada irá construir e operar, se a tradicional ferrovia ou a disruptiva tecnologia hyperloop.

Hyperloop é uma modalidade conceitual de transporte em que pessoas ou cargas são transportadas em um tubo de baixa pressão impulsionadas por um trilho eletromagnético. Devido à redução do atrito com o ar rarefeito dentro do tubo o veículo poderia, em teoria, alcançar velocidades de cruzeiro superiores a 1.000km/h, tornando-se mais competitivo que o transporte aéreo. Atualmente diversas firmas privadas competem internacionalmente no desenvolvimento dessa nova tecnologia já tendo sido autorizadas a prospectar soluções em Chicago14, Pittsburg15, Dubai16, entre outras.

Firmas privadas sempre realizaram transporte aberto ao público. Entretanto, no Brasil, o transporte mormente o ferroviário é de forma equivocada compreendido pela legislação ordinária como um serviço público, outorgado apenas pelo Estado, após morosos processos de licitação, que às vezes sequer ocorrem, às vezes resultam desertos, como foi o já esquecido trem-bala entre o Rio de Janeiro e Campinas.

As evidências da história, no entanto, ensinam que não existe razão econômica suficiente a recomendar que todos os ovos do transporte sejam colocados exclusivamente na cesta do Estado, muito pelo contrário. Quanto mais aberto o País e as cidades estiverem para o livre interesse do mercado em construir por sua conta e risco infraestruturas de transportes, melhor para a sociedade, para os contribuintes, e, principalmente, para os mais pobres.

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1 Justificação PEC nº 74, de 2013 (Emenda Constitucional nº90, de 2015)

2 VARIAN, H. (1947) Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006 – 6ª reimpressão.

3 FELIX, M. K. R (2018) Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil.

4 BLANNING, T. C. (2007) The pursuit of glory: Europe, 1648-1815. Penguin.

5 SILVA, C. P. (1904). Política e Legislação de Estradas de Ferro. Volume I. São Paulo. Typ. Laemmert & Comp.

6 Tradução livre.

7 SUZUKI, H., MURAKAMI, J., HONG, Y. H., & TAMAYOSE, B. (2015) Financing transit–oriented development with land values: Adapting land value capture in developing countries. World Bank Publications

8 Florida East Coast Industries. http://www.feci.com/companies.html

9 https://gobrightline.com/

10 KENTON, M. M., & GIFFORD, J. (2015). Comparing Financing Models for US Intercity Passenger Rail Development. http://malcolmkenton.info/wp–content/uploads/2017/08/Kenton_PUBP–714_TermPaper.pdf

11 https://www.keio.co.jp/english/

12 http://www.mtr.com.hk/en/customer/tourist/index.php

13 Federal Railroad Administration (2014) Summary of Class II and Class III Railroad Capital Needs and Funding Sources.

14 https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-14/how-musk-s-hyperloop-became-just-a-loop-in-chicago-quicktake

15 https://www.daytondailynews.com/news/hyperloop-ohio-two-firms-study-feasibility/BlZkziMTFoZsZ4cySOxxWJ/

16 https://www.economist.com/special-report/2018/06/23/how-dubai-became-a-model-for-free-trade-openness-and-ambition

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Quanto custa uma empresa estatal administrando aeroportos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3053&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-uma-empresa-estatal-administrando-aeroportos Mon, 02 Oct 2017 20:21:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3053 A administração de aeroportos públicos no Brasil é atualmente compartilhada entre uma estatal federal (a Infraero com 56 aeroportos e 49% do tráfego), concessões federais à iniciativa privada (6 aeroportos e 46% do tráfego) e demais aeroportos sob responsabilidade de Estados e Municípios (508 aeroportos e 5% do tráfego), mediante convênio de delegação da União.

As concessões federais tiveram início no ano de 2011, com o leilão do aeroporto de Natal. Após o sucesso da licitação, nos anos seguintes foram concedidos cinco dos maiores aeroportos do país: Guarulhos, Brasília, Viracopos, Galeão e Confins.

Os números de investimentos realizados e de satisfação da qualidade do serviço denotam que as concessões trouxeram novo padrão ao transporte aéreo no país.

De 2012 a 2015, foram investidos pelos concessionários privados nas 6 concessões federais o montante de R$ 12 bilhões, a preços de janeiro de 2016. Além dos ganhos para o setor, esses investimentos aliviaram o orçamento da União, permitindo que mais recursos fossem utilizados para atender outras necessidades da população. Para efeito de comparação, de 2003 a 2011, o montante investido pela Infraero em todos os aeroportos federais totalizou R$ 9,1 bilhões (também a preços de janeiro de 2016). São ganhos significativos e apontam para um elevado interesse público na continuação do processo de concessões aeroportuárias.

Todavia, se de um lado tais investimentos se mostram muito significativos, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social, por outro são limitados (apenas nos aeroportos concedidos) e não endereçam apropriadamente duas importantes questões em aberto do sistema aeroportuário brasileiro: (i) ainda há uma flagrante necessidade de realização de investimentos em expansão de capacidade dessas infraestruturas em diversas outras localidades e (ii) existe uma urgência de desenvolvimento de uma solução integrada e sustentável para os aeroportos de médio porte (abaixo de 1 milhão de passageiros), que, muitas vezes, não conseguem gerar recursos financeiros suficientes para pagar os investimentos necessários a sua expansão e modernização, e de pequeno porte (abaixo de 100 mil passageiros), que apresentam déficits operacionais estruturais.

Assim, considerando as características sistêmicas do problema, e tendo em vista a dificuldade de disponibilidade de recurso e de execução de investimentos diretamente pelo poder público, realizamos estudo a fim de analisar a viabilidade econômica de se conceder toda a rede de 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero, incluindo tanto aeroportos com tráfego acima de 1 milhão de passageiros por ano, como aeroportos muito pequenos, como Ponta Porã (3.100 pax/ano) e Bagé (1.700 pax/ano).

Em vista do baixo potencial de geração de valor de aeroportos de médio e pequeno porte, adotamos um modelo de concessões em blocos, em que grandes aeroportos são agrupados com aeroportos menores, realizando um subsídio cruzado entre ativos.

A alternativa de conceder em blocos apresenta-se mais conveniente e oportuna que a alternativa de conceder cada aeroporto individualmente, sobretudo em razão de menores riscos e custos de execução dos processos licitatórios e de regulação de contratos. As concessões patrocinadas, com contrapartidas financeiras pelo poder público (as chamadas Parcerias Público Privadas – PPP), se aplicariam para a concessão individual de dezenas de aeroportos menores, ensejando maiores riscos para o setor privado e custos de execução e planejamento para o setor público, motivo pelo qual se defende o modelo de concessão em blocos.

Ressalta-se que a escolha por um subsídio cruzado interno ao contrato (concessão em blocos) não é algo novo no país, podendo-se citar as concessões de distribuição de energia elétrica e saneamento básico (rede de água e esgoto): o custo da prestação do serviço em uma área rural ou afastada do núcleo urbano é subsidiado pelo consumidor de baixo custo de atendimento, por exemplo, a residência em um prédio de muitos andares.

Para além das fronteiras internas, é possível citar concessões para a iniciativa privada de aeroportos em blocos em países como Colômbia, Argentina, México, Portugal, Inglaterra, com diferentes modelagens e resultados.

Assim, além das premissas acima descritas, adotamos a formação de blocos de aeroportos que tenham áreas contíguas, a fim de facilitar a gestão por um administrador central1, e que em cada concessão haja pelo menos um grande aeroporto (acima de 3 milhões de passageiros ao ano), de forma a garantir atratividade para investidores e geração de valor suficiente para suportar o déficit operacional de aeroportos menores, assim como pagar os investimentos estimados para todos os aeroportos do bloco.

Para estimativa de investimentos, adotamos para os aeroportos de capitais os parâmetros de capacidade de infraestrutura adotados nos estudos de viabilidade econômica, técnica e ambiental (EVTEA) das concessões federais já realizadas, amplamente disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

Por exemplo, um dos parâmetros para tamanho de terminal de passageiros é a referência de nível ótimo de área e tempo de filas adotados Airport Development Reference Manual – ADRM da International Air Transport Association2. Com base na comparação entre a infraestrutura necessária (para a demanda projetada) e a infraestrutura existente, alcança-se a infraestrutura a ser ampliada (em metros quadrados de terminal de passageiros, por exemplo) e, com base nos preços utilizados nas concessões anteriores, estimamos o valor dos investimentos ao longo da concessão de 30 anos de cada aeroporto do bloco.

Além da previsão de investimentos para cada aeroporto, consideramos referências de custos operacionais e receitas comerciais levantadas para os estudos de viabilidade das 6 concessões federais existentes, de operadores privados regionais e a carga tributária aplicada a aeroportos sob administração privada3. Ressalta-se que as tarifas aeroportuárias são definidas pela Agência Reguladora, constam em tabela fixada nos contratos de concessão e não são influenciadas pela oferta apresentada no leilão da concessão (diferentemente das concessões de rodovias). Portanto, a estimativa de receitas aeroportuárias (que não incluem as receitas comerciais) decorrem diretamente da projeção de crescimento da demanda de passageiros, aeronaves e cargas.

Para a projeção de demanda de passageiros, aeronaves e cargas, adotamos como premissa, e por simplificação, um crescimento igual para todos os blocos, a partir de 2018, equivalente à expectativa média do Brasil de 4% ao ano considerada nos EVTEAs apresentados pela Secretaria de Aviação Civil do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – SAC/MTPA para a concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis4.

Tendo em mãos o fluxo de receitas, despesas operacionais, investimentos e tributos, a modelagem financeira adotada calcula o valor de outorga necessário para que o Valor Presente Líquido do fluxo do projeto seja igual a zero5. Para o desconto do fluxo, utilizamos a taxa de 9% ao ano, líquido de tributos e em termos reais, que se mostra acima da taxa de 8,5% considerada nos EVTEAs dos aeroportos da União em processo de concessão e em linha com a taxa utilizada em outros setores em leilões recentes.

O mapa dos blocos para concessão desenhados conforme os parâmetros acima descritos teria a seguinte configuração:

Nessa perspectiva, estimamos que os 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero necessitam de R$ 17,6 bilhões em investimentos pelos próximos 30 anos para que seja possível atender à demanda esperada a um nível compatível com a qualidade de serviço hoje ofertada nos aeroportos concedidos.

Nesse cenário, encontramos farta viabilidade econômica na concessão dos blocos que contemplam todos os 56 aeroportos. Além dos R$ 17,6 bilhões em investimentos, que teria o efeito de desonerar o orçamento da União, o concessionário privado pagaria um outorga mínima de R$ 14 bilhões (R$ 2 bilhões à vista) ao longo do período da concessão (30 anos).

Ademais, há tributos que, ao contrário do concessionário privado, a Infraero não recolhe, em razão da imunidade tributária atualmente reconhecida pelo Poder Judiciário. Tais tributos somariam pelo período da concessão o montante de R$ 16,5 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões recolhidos diretamente pelos municípios onde se localizam o aeroporto, e R$ 13,1 bi à União.

Assim, quando consideramos o total de recursos que a União deixaria de gastar (investimentos), juntamente com o montante que passaria a receber (outorga e tributos), o valor chega R$ 48 bilhões em um período de 30 anos, a preços de 2016. Esse valor representa a diferença entre conceder para a iniciativa privada ou manter os 56 aeroportos atualmente em operação com a Infraero, sem levar em consideração, ainda, o ganho de bem-estar a ser experimentado diretamente pelos usuários e os novos negócios que poderão surgir nas localidades atendidas.

Além disso, o montante de R$ 48 bilhões considera, como cenário contrafactual, que a Infraero estaria em situação de equilíbrio financeiro pelos próximos 30 anos caso não houvesse a concessão dos aeroportos, ou seja, com lucro/prejuízo operacional igual a zero, antes de depreciação e resultado financeiro. Tendo em vista que essa linha da demonstração financeira se encontra negativa desde 2012, com a estatal acumulando centenas de milhões de reais de prejuízo, é possível afirmar que o montante envolvido na decisão de conceder a rede de aeroporto (R$ 48 bilhões) seja conservador.

Em que pese as incertezas naturalmente envolvidas em um estudo que busque estimar a evolução do setor nos próximos 30 anos, não nos parece haver dúvidas de que a concessão em blocos dos aeroportos da Infraero é uma alternativa socialmente e economicamente superior à operação desses ativos por uma empresa pública.

Numa época em que o Estado enfrenta dificuldades fiscais consideráveis e a população reclama serviços de melhor qualidade, é necessário avançar em soluções que promovam a melhoria das condições de desenvolvimento do país e gerem recursos para o enfrentamento dos grandes desafios que temos pela frente.

 

________________

1 Por conservadorismo, não foi considerado na modelagem financeira dos blocos ganhos de escala de custos administrativos com a concessão conjunta de aeroportos. No entanto, a modelagem captura ganhos tributários da apuração agregada de impostos sobre a renda.

2 Disponível em: http://www.iata.org/publications/store/Pages/airport-development-reference-manual.aspx

3 Por conservadorismo, não foram considerados possíveis benefícios tributários, como isenções em impostos sobre a renda reconhecidas pela SUDENE e SUDAM, e tampouco isenções relativas ao PIS e Cofins concedidos no âmbito do REIDI.

4 Aeroportos em processo de concessão, com leilão agendado para dia 16 de março de 2017. Estudos de Viabilidade disponíveis em: http://www.aviacao.gov.br/assuntos/concessoes-de-aeroportos/novas-concessoes/pmi

5 Cabe destacar que a forma como a outorga será paga influencia no montante da própria outorga. Caso se pague 100% à vista, a outorga será equivalente ao próprio VPL do projeto. Na modelagem de blocos simulada, adotamos o perfil de pagamento semelhante ao utilizado na concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis: 25% à vista, 5 anos de carência e outorga e pagamentos anuais até o final da concessão.

 

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Olimpíadas e Copa do Mundo: prestígio a que preço? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2549&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=olimpiadas-e-copa-do-mundo-prestigio-a-que-preco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2549#comments Mon, 29 Jun 2015 12:42:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2549 Nota dos editores

Esta semana temos o privilégio de publicar um artigo do Historiador e Economista Stanley Engerman, da Universidade de Rochester (EUA), que gentilmente nos autorizou a traduzir e publicar suas considerações sobre os custos e benefícios enfrentados por países sede de grandes eventos esportivos internacionais (já tratamos desse assunto anteriormente em outro post). O que nos leva a retornar ao tema e publicar esse texto, escrito em 2012 (antes da Copa do Mundo do Brasil e das Olimpíadas de Londres) é mostrar ao leitor que não é apenas em países menos desenvolvidos que os orçamentos desses eventos estouram. Também no Canadá, Austrália, Japão, Coréia do Sul, Espanha e Estados Unidos, o viés de otimismo levou a projeções irreais de custos e receitas, bem como à superestimação das receitas e da participação do capital privado no financiamento da empreitada. Em geral, o resultado é prejuízo absorvido pelos cofres públicos e ampliação significativa da dívida pública.

Portanto, quando o Brasil decidiu concorrer como sede de uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, realizados com apenas dois anos de diferença, já tinha a sua disposição evidências empíricas de que haveria alto custo para o orçamento público. Ademais, os Jogos Panamericanos de 2007 também já haviam dado mostras suficientes de custos financeiros elevados, desperdícios e erros primários de planejamento.

Também nos motivou tratar desse assunto a recente operação do FBI que resultou na prisão de dirigentes da FIFA e da CBF. As conexões de grandes eventos com a corrupção e os negócios de Estado indicam que os prejuízos públicos têm, como contrapartida, alguns poucos ganhadores privados. Vamos ao texto…

 

 

Dois grandes eventos esportivos internacionais atraem ampla audiência em vários países: os jogos olímpicos e a copa do mundo de futebol (três eventos, se considerarmos, em separado, as Olimpíadas de Inverno e as Olimpíadas de Verão, como o fazem o Comitê Olímpico Internacional (COI) e as redes de TV desde 1994).

Esses eventos têm certas características em comum. Eles ocorrem a cada quatro anos, têm grande audiência televisiva em escala internacional, a localização do evento é diferente em cada edição, existem rumores de corrupção no processo de decisão do local dos jogos (geralmente porque essa corrupção existe), e há muita controvérsia acerca dos resultados do evento para a cidade ou país sede.

Cada um desses eventos é de propriedade de uma organização privada, que é responsável pela escolha da localização, pela supervisão da preparação do local dos jogos, pelas regras de seleção dos participantes e pelos contratos de televisão. Essa organização privada também faz tudo que esteja ao seu alcance para proteger o monopólio do logotipo do evento, dos equipamentos e dos produtos a ele associados.

Em 2014 a Copa do Mundo será no Brasil e, logo em seguida, em 2016, o Rio de Janeiro será a sede dos Jogos Olímpicos de Verão. Muitos no Brasil estão prevendo lucros e a transformação da infraestrutura do país. Será que tais expectativas são realistas?

Uma coisa é certa: a competição para se tornar a sede desses eventos tem se tornado cada vez mais intensa, com inúmeras cidades ou países fazendo ofertas pesadas para ganhar a disputa. E este é o primeiro passo para o desastre financeiro. Requer-se do hospedeiro dos jogos a provisão de ampla infraestrutura, incluindo instalações para as competições e hospedagem para os atletas. A esperança – dificilmente realizada – é de que os estádios e arenas terão finalidade útil nos anos seguintes, enquanto as vilas olímpicas serão vendidas como apartamentos residenciais. Em geral há problemas que limitam os ganhos potenciais (ou aumentam as perdas). A principal expectativa de ganhos refere-se à atração de habitantes de outras cidades que, no futuro, irão frequentar as arenas e estádios para assistir a shows e eventos esportivos, dinamizando  as receitas dos hotéis e restaurantes, ao mesmo tempo em que gastariam dinheiro com os ingressos dos eventos. Essas expectativas, contudo, não se realizam, e as receitas oriundas dessas fontes acabam sendo menores que as estimadas no momento em que as cidades ou países estão competindo para sediar o evento. Também é muito comum observar uma escalada dos custos de promoção do evento entre o momento da candidatura e a data de realização dos jogos. Tais custos são absorvidos pelos anfitriões, como parte de suas obrigações contratuais.

A generalizada frustração das receitas esperadas e o estouro dos custos são os principais responsáveis pelos problemas financeiros dos países e cidades anfitriões. Mas também importantes são os tipos de compromissos assumidos para obter o evento e as estimativas irreais quanto ao uso e rentabilidade das instalações após o evento, com muitas dessas instalações não tendo o uso pós-evento que se programou para elas.

Com apenas poucas exceções, os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo representaram grandes perdas para os anfitriões. Apesar de se saber disso, a disputa para ser sede desses eventos é grande, seja por excesso de otimismo ou pela crença de que o prestígio internacional compensa o custo. Daí a pergunta básica: prestígio e estatura internacional a que custo? Apenas os Jogos Olímpicos de Verão de 1984, realizados em Los Angeles, deram lucro. Todos os outros jogos de inverno e de verão terminaram em prejuízo – apesar dos lucrativos contratos de televisão, que aparentemente se tornaram a principal fonte de financiamento dos eventos. Embora haja conhecimento de corrupção, e tenha havido alguma reclamação quanto à maneira como o COI opera, não houve mobilização que mudasse ou ameaçasse a natureza do processo de seleção das sedes.

A primeira Olimpíada de Verão ocorreu em Atenas em 1896, com 14 nações participantes. Desde então esses jogos ocorrem a cada quatro anos, exceto durante as duas grandes guerras. A mais recente foi a Olimpíada de Pequim em 2008, com mais de duzentas nações participando. As Olimpíadas de Inverno começaram em 1924 e, também à exceção do período das duas grandes guerras, foram realizadas a cada quatro anos (até 1992) no mesmo ano das Olimpíadas de Verão. Depois de 1992, para o benefício do COI, as duas Olimpíadas foram divididas e passaram a ser feitas em anos não coincidentes, com os jogos de inverno seguintes sendo agendados para 1994, e desde então realizado a cada quatro anos. A Copa do Mundo, atualmente realizada pela FIFA, teve a sua primeira edição em 1930 e vem ocorrendo desde então a cada quatro anos, com exceção para o período das duas guerras mundiais. As Olimpíadas de Verão incluíram, em 1900, o futebol como modalidade olímpica, o que foi mantido nos anos seguintes (a exceção de 1932), mas essa competição perdeu prestígio em relação à Copa do Mundo.

Embora pouco se conheça acerca dos aspectos financeiros das primeiras edições das Olimpíadas, acredita-se que a edição de Los Angeles, em 1984, tenha sido a primeira (e provavelmente a última) a ser lucrativa. Há inúmeras histórias de horror financeiro, em que a cidade sede perdeu volume expressivo de dinheiro, com os custos excedendo as expectativas enquanto as receitas ficavam abaixo do programado. As Olimpíadas de Verão de Montreal (1976) custaram US$ 1,2 bilhão, deixando uma dívida de US$ 750 milhões, que só acabou de ser paga dois anos atrás (2010). Os jogos de Barcelona (1992) custaram US$ 10,7 bilhões e deixaram uma dívida para o governo da ordem de US$ 6,1 bilhões. As Olimpíadas de Atenas (2004) custaram entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões, montante equivalente a 5% do PIB grego, e deixaram uma dívida de US$ 11,5 bilhões. Os custos foram apenas uma parte dos problemas enfrentados por Atenas, uma vez que a demanda por ingressos foi inesperadamente baixa. Apenas aproximadamente dois terços dos tíquetes foram vendidos, e o número de turistas na Grécia caiu em torno de 12% em relação ao ano anterior.

Os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, custaram em torno de US$ 43 bilhões. Nos casos de Atenas e Pequim, muito da dificuldade financeira veio das exigências de construção de infraestrutura para os jogos, o que significava novos estádios e arenas. Em Atenas, 21 dos 22 estádios construídos ficaram subutilizados, e passaram a representar custos adicionais de manutenção. Resultado similar se observou na China onde, apesar do custo de US$ 43 bilhões, várias das novas instalações ficaram sem uso. Nenhum uso permanente se encontrou para o caríssimo (US$ 500 milhões) novo estádio. Parece que se decidiu transformá-lo em um shopping Center, enquanto outros estádios menores serão demolidos. O Parque Olímpico construído em Sydney, para os jogos de 2000, está sem uso. Após à Copa do Mundo da África do Sul, os novos estádios permaneceram vazios, após terem custado US$ 5,4 bilhões. As Olimpíadas de Inverno de Vancouver em 2010 também deixaram dificuldades financeiras. A expectativa inicial era de que a venda dos apartamentos da Vila Olímpica cobririam o custo, mas isso não ocorreu. Menos da metade dos apartamentos foi vendida, o que contribuiu para uma dívida de US$ 730 milhões. Isso, contudo, foi muito menos do que as perdas das Olimpíadas de Inverno do Japão, em 1998, que teve um custo entre US$ 13 bilhões e US$ 14 bilhões, deixando uma dívida de US$ 11 bilhões.

Uma importante fonte de perdas financeiras para as sedes de Olimpíadas e Copas do Mundo são as exigências de infraestrutura. Como parte das exigências para ser sede da Copa do Mundo de 2002, o Japão teve que construir sete estádios novos e reformar outros três, a um custo de US$ 4,5 bilhões; enquanto a Coréia do Sul construiu dez estádios ao custo de US$ 2 bilhões. Eles são agora usualmente chamados de “elefantes brancos”. O maior dos estádios japoneses, com 64 mil assentos, foi construído ao custo de US$ 667 milhões. Depois da Copa do Mundo, a cidade onde está localizado gasta US$ 6 milhões por ano em manutenção, e o estádio é usado por um time local que não consegue atrair mais de 20 mil pessoas aos seus jogos.

O Estádio Olímpico de Montreal foi inicialmente orçado em US$ 150 milhões, mas, quando foi concluído, o seu custo já somava US$ 1,47 bilhão, incluindo reparos, impostos e juros. Isso contribuiu para a dívida da cidade, que soma US$ 1 bilhão. Após os jogos, transformou-se em sede de um time de baseball deficitário até o ano de 2004, quando esse time mudou-se para os EUA. O estádio agora tem uso limitado para esportes e outros eventos. Não está alugado para nenhuma equipe  e é conhecido como “The Big One”, em referência à sua situação financeira.

A expectativa de déficit se mantém para as Olimpíadas de 2012 em Londres e para o Copa do Mundo do Brasil em 2014. As cidades-sede do Brasil têm mostrado lentidão para completar seus doze estádios e treze aeroportos (mais 50 projetos de transportes) que foram prometidos à FIFA, e há um rumor de que a FIFA entrará na justiça para induzir o Brasil a cumprir seus compromissos. No momento, o custo estimado é de US$ 11,2 bilhões, a maior parte em infraestrutura. A proposta de Londres tinha custo inicial de US$ 2,4 bilhões. Recentemente, a estimativa de custos já havia subido para US$ 9 bilhões, a maior parte financiada pelos cofres públicos. É provável que o subsídio público esteja entre 80% e 90% em olimpíadas anteriores: 90% (Montreal 1996) e 82% (Munique 1972).

Atualmente, a principal fonte de recursos para as Olimpíadas é a venda de direitos de transmissão às emissoras de TV, principalmente nas vendas para as redes dos EUA. Esses direitos pertencem ao COI, e a organização define a participação dos comitês locais, que foi uma fatia de aproximadamente 30% em 2000. Após várias décadas de fortes altas no pagamento por esses direitos, essa tendência sofreu, recentemente, uma desaceleração. No período pós-1980, as demandas feitas pelas redes de TV levaram a mudanças fundamentais nas regras para participação nas Olimpíadas, permitindo-se que atletas profissionais pudessem participar ao lado de amadores, e permitindo-se a remuneração pela participação. A mudança mais marcante em direção ao profissionalismo ocorreu nos Jogos Olímpicos de 1992, quando o time de basquete dos EUA deixou de ser composto por atletas universitários e jogadores amadores, passando a ser formado por jogadores da NBA, dando origem ao famoso “Dream Team”. Essa mudança foi feita por duas razões. Primeiro, para aumentar a atratividade das transmissões de TV. E segundo, devido à incapacidade dos EUA para vencer em edições anteriores dos jogos, gerando um desejo nacionalista de reafirmar a supremacia norte-americana no basquete.

O que parece um enigma, dada a quase certeza de perda financeira de grande magnitude gerada por esses eventos esportivos, é o crescente desejo de mais cidades em obter o direito de sediá-los. Em 1984 apenas uma cidade, Los Angeles, concorreu para ser cidade-sede. Para 2012 foram nove cidades, e, para 2016, doze!

Nos EUA as cidades frequentemente provêm subsídios aos seus times profissionais, por meio da construção de arenas e estádios. É bastante sabido que tais cidades não recuperam seus custos. A justificativa para manter o subsídio envolve alguma explicação não-pecuniária ou não-financeira, tais como o orgulho da cidade: como você pode considerar sua cidade como grande se ela sequer tem um time de futebol americano da NFL? Trata-se de ter o prestígio de ter um time na liga principal, de elevar o moral da cidade, de ganhar a atenção dos outros. Essas são algumas das explicações para manter uma atividade sabendo-se que ela gerará perda financeira. Essas explicações também se aplicam ao desejo de sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo, embora em uma escala mais ampla, dada a maior escala do custo financeiro. Por isso, a expectativa de perda financeira, baseada na experiência passada, não é suficiente para conter o incentivo a concorrer para ser cidade sede.

A combinação da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 promete ter impacto negativo nas finanças públicas do Brasil. A construção da infraestrutura necessária está atrasada devido ao fraco planejamento de obras e financeiro. E não está claro se eles completarão todos os seus compromissos em termos de estádios, qualidade dos aeroportos, e transportes terrestres. Como a situação será resolvida é algo que se verá no futuro, embora as autoridades brasileiras digam que tudo estará pronto a tempo.

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Faz sentido o BNDES financiar investimentos em infraestrutura em outros países? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2208&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=faz-sentido-o-bndes-financiar-investimentos-em-infraestrutura-em-outros-paises https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2208#comments Wed, 16 Apr 2014 13:28:26 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2208 O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem financiado a construção de infraestrutura em outros países. São portos, rodovias, aeroportos, saneamento básico, plantas de geração de energia entre outros investimentos. Esse tipo de atuação soa estranho a qualquer pessoa que saiba que o Brasil tem precária infraestrutura e é extremamente carente de tais investimentos. Por que razão um banco público brasileiro deve financiar o investimento em outros países, quando o Brasil é tão carente desses mesmos investimentos?

Recentemente o Presidente do BNDES veio a público explicar as razões desse tipo de operação (veja aqui a apresentação em Power Point). Argumentou que se trata de um mecanismo de incentivo à “exportação de bens e serviços de alto valor”. No caso, serviços de engenharia. A ideia, portanto, é de que não se trata de ajudar Cuba a construir um porto ou financiar o  metrô de Caracas. O que o BNDES estaria fazendo seria ajudar as grandes empreiteiras nacionais a vender seus serviços no exterior. Isso geraria diversos ganhos para o país.

Em primeiro lugar, as nossas empreiteiras encomendariam insumos da indústria brasileira, demandando bens e serviços de amplos segmentos da cadeia produtiva brasileira, desde a indústria mecânica, de material elétrico e siderurgia, até vestuário e serviços.  Em consequência, a economia brasileira cresceria, porque a maior demanda por tais produtos levaria as indústrias a expandir a produção, contratar trabalhadores, etc.

Em segundo lugar, a atividade de exportação de serviços de engenharia induz as firmas a buscar a melhoria nas suas técnicas de produção, impulsionando os ganhos de produtividade e o aperfeiçoamento tecnológico. Mais uma vez, os financiamentos resultariam em impulso ao crescimento da economia brasileira.

Em terceiro lugar, a atividade geraria dólares e fortaleceria o balanço de pagamentos brasileiro, aumentando nossa segurança contra crises externas e ataques especulativos ao real.

Em quarto lugar, o Brasil estaria fazendo nada menos do que fazem outros países: utilizar bancos públicos para, mediante financiamento, abrir caminho para as empresas nacionais no mercado externo. Coutinho cita, em sua apresentação, como países altamente engajados nesse tipo de política: China, EUA, Alemanha, França, Índia, Japão e Reino Unido (slide no 24). Cada um deles contando com o seu próprio banco ou agência de fomento.

Argumenta, ainda, o Presidente do BNDES, que o volume de financiamentos do Banco nessa modalidade é pequeno em relação à carteira de crédito da instituição. Entre 2007 e 2013 foram liberados apenas US$ 7,8 bilhões (slide 27). Entre 2011 e 2013, a média anual ficou em torno de US$ 1,4 bilhão. Trata-se de valor muito pequeno frente aos desembolsos totais do BNDES, que atingiram US$ 82,6 bilhões em 20131: ou seja, os financiamentos a investimentos em infraestrutura no exterior não representariam nem 2% dos desembolsos do BNDES.

O que há de questionável nesses argumentos?

O primeiro problema é que o Presidente do BNDES parece ignorar um fato básico: o BNDES é um banco do governo brasileiro. E esse governo é deficitário, ou seja, tem poupança negativa. Quem tem poupança negativa não dispõe de recursos próprios para emprestar para terceiros.

Imagine o leitor uma situação em que você está no vermelho no cheque especial, e não dispõe de nenhuma reserva financeira ou bens de valor que possam ser vendidos. O seu cunhado lhe faz uma visita de cortesia e lhe pede um dinheiro emprestado. Como gosta muito do seu parente, apesar de estar sem reservas e devendo ao banco, você vai tentar arrumar algum dinheiro para ajudá-lo. A única forma de fazer isso é aumentando o seu endividamento. Ou você pedirá mais dinheiro ao seu banco, ou pedirá um adiantamento salarial, ou recorrerá a um terceiro parente.

A situação do governo é a mesma. Para colocar dinheiro na mão do BNDES, para que este empreste à Venezuela, a Cuba ou a qualquer  outra instituição pública ou privada, o governo terá que arranjar dinheiro em algum lugar. Ou seja, ele terá que tomar empréstimo. Quando o governo vai ao mercado de crédito tomar esse dinheiro emprestado, ele retira do mercado dinheiro que poderia financiar investimentos no Brasil.

O banco que comprar títulos do Tesouro, a serem usados para custear os financiamentos externos do BNDES, deixará de usar esse dinheiro para financiar o investimento de uma firma brasileira, em território brasileiro. Ou, alternativamente, o dinheiro que o Tesouro Nacional toma emprestado e carreia para os financiamentos externos do BNDES poderia ser usado, alternativamente, pelo próprio Tesouro Nacional, para financiar investimentos públicos em infraestrutura no Brasil.

A escassez de poupança do governo não seria um problema se o setor privado brasileiro poupasse muito. Nesse caso, haveria poupança de sobra na economia para financiar o governo e os demais agentes privados que desejassem fazer investimentos. Mas esse não é o caso. Nossa poupança nacional agregada (pública e privada) não passa de 15% do PIB. Em um ranking de 156 países, estamos em  112o  lugar. Ou seja, entre os 30% de mais baixa poupança2.

Extrair dinheiro do mercado de crédito para repassar ao BNDES diminui a poupança disponível para financiar os demais agentes da economia, e resulta em aumento da taxa de juros (o crédito fica mais caro para todos os demais candidatos a financiamento).

O raciocínio do Presidente do BNDES (e da maioria dos membros e mentores da equipe econômica do governo Dilma) é de que a escassez de poupança não é problema, e de que o importante é estimular o crescimento da demanda, para que os empresários fiquem animados e invistam mais, fazendo a economia crescer (veja, neste site, acerca dos problemas dessa lógica, o texto “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). Mas como, de fato, a poupança é uma restrição, a conclusão é simples: o dinheiro que financia a infraestrura no exterior deixa de estar disponível para financiar infraestrutura no Brasil.

Como nossa carência de infraestrutura é muito alta, o retorno para a economia brasileira da construção de mais portos, ferrovias, etc. no país  possivelmente será maior que o retorno de um impulso à demanda por bens e serviços ofertados pelas indústrias da cadeia de produção de serviços de engenharia. Logo, não faz muito sentido o argumento de que devemos estimular a exportação de serviços de infraestrutura para criar demanda por bens e serviços da cadeia de produção associada aos serviços exportados. Seja porque a infraestrutura é escassa no país (e não se deve exportar o que falta internamente); seja porque os efeitos secundários sobre a demanda agregada não são o melhor caminho para se estimular o crescimento, quando comparado à opção de se expandir a infraestrutura doméstica. Ademais, o estímulo para a demanda agregada seria o mesmo, se não maior, caso o porto ou ferrovia fosse construído aqui, pois o mais baixo custo de transporte daria vantagem aos fornecedores nacionais. Quando as empreiteiras constroem obras em Cuba ou na Venezuela, os fornecedores locais tendem a ser favorecidos.

Tampouco se sustenta o argumento que a atividade de exportação de serviços de engenharia induz as firmas a buscar a melhoria nas suas técnicas de produção, impulsionando os ganhos de produtividade e o aperfeiçoamento tecnológico. Não é a atividade de exportação que estimula os ganhos de produtividade, mas a competição. O mesmo estímulo à competição pode ser dado com licitações para obras domésticas abertas a concorrentes externos. Adicionalmente, como discutiremos à frente, parte significativa das exportações de serviços de engenharia é direcionada para países com economias pouco orientadas para o mercado. Se os critérios para obtenção de contratos forem mais políticos do que econômicos, o estímulo ao aumento de produtividade reduz-se significativamente.

E o que dizer do argumento de que a exportação de serviços de infraestrutura ajuda a equilibrar o balanço de pagamentos? Certamente a expansão das exportações é bem-vinda em uma economia com um histórico de crises de balanço de pagamentos. Mas esse não necessariamente será o efeito final da política de crédito em análise. Como a concessão de crédito pelo BNDES corresponde a uma expansão fiscal (gasto de dinheiro público, financiado por endividamento), haverá um impulso à demanda agregada da economia (comemorada pelo governo), que induzirá o aumento do consumo de produtos importados, pesando negativamente no balanço de pagamentos. Não há porque esperar que o efeito final da política de crédito do BNDES sobre as contas externas seja igual ao valor dos serviços de engenharia exportados.

Quanto ao argumento de que outros países fazem o mesmo que o BNDES está fazendo, vale analisar o perfil das nações apontadas pelo Banco como principais incentivadores das vendas de suas empresas no mercado internacional (slide no 24 da apresentação do BNDES), conforme mostra a Tabela 1.

Dos sete países listados pelo BNDES como os grandes incentivadores de suas exportações, o Brasil é o único que exporta predominantemente commodities, um tipo de produto cuja venda não é dependente de financiamentos à exportação. Ademais, dos países citados, apenas dois não fazem parte do grupo de potências mundiais: China e Índia que, não por coincidência, têm taxas de poupança doméstica muito superiores à brasileira, da ordem de 49% e 29% do PIB, respectivamente.   Podem, portanto, se dar ao luxo de alocar parte dessa poupança para crédito ao exterior, pois isso não pressionará o preço do crédito dentro de seus países (taxa de juros).

Tabela 1 –Apoio à exportação, exportações totais e taxa de poupança

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Quando olhamos o valor do apoio à exportação como proporção do valor exportado (ignorando a distorção gerada pelo grande peso das commodities nas exportações brasileiras), percebemos que o Brasil não difere muito da Alemanha, que é uma eficiente “máquina” de exportações. Se comparássemos apenas o valor dos incentivos como proporção do valor das exportações incentivadas, certamente o Brasil ultrapassaria a Alemanha. Portanto, não se pode dizer que o Brasil é acanhado na alocação de recursos públicos para o incentivo às exportações.

Quanto ao fato de que os incentivos direcionados especificamente ao financiamento de obras de infraestrutura no exterior somarem “apenas” US$ 7,8 bilhões (ou R$ 18 bilhões) nos últimos sete anos, cabe perguntar o que poderia ter sido feito, no Brasil, com esse dinheiro. Trata-se de recurso suficiente para construir uma hidrelétrica de grande porte3, que ajudaria o país a se afastar do risco de racionamento de energia. Ou, ainda, construir aproximadamente 40 km de metrô em uma grande cidade como São Paulo2, o que atenderia boa parte da demanda por transporte de qualidade nos grandes centros.

É, portanto, um volume significativo de recursos. Dizer que esse montante é pouco significativo por representar uma parcela pequena dos desembolsos do BNDES apenas revela outro problema: o BNDES empresta recursos demais (ou seja, não é o numerador que é pequeno, e sim o denominador que é grande). É de pleno conhecimento que o BNDES praticamente monopoliza o mercado de crédito de longo prazo no Brasil. Os próprios dados apresentados por Luciano Coutinho em sua apresentação (slide no 6) revelam isso. Enquanto o banco de fomento da China é responsável por 8% do estoque de crédito daquele país e o da Alemanha por 12,7%, o BNDES é o credor de nada menos que 21% do estoque de crédito do Brasil! É uma parcela muito grande do crédito nacional, financiada em grande parte por dívida pública, alocada por critérios não necessariamente de mercado.

Por fim, deve-se observar que se as operações do BNDES para financiar investimento no exterior fossem, de fato, uma simples operação de apoio à venda de serviços de engenharia no mercado externo, os países beneficiados por essas vendas seriam definidos com base em critérios de mercado. Faz-se investimento em infraestrutura em todos os lugares do mundo, e nossas “multinacionais da engenharia” deveriam estar buscando clientes em todos os continentes, chegando a qualquer mercado que representasse oportunidade de um bom negócio. Soa muito estranho que nada menos que 76% dos recursos tenham sido carreados para projetos em apenas 4 países: Angola (33%), Argentina (22%), Venezuela (14%) e Cuba (7%) (vide transparência no 27 da apresentação do BNDES). Coincidentemente são países ideologicamente identificados com o Partido dos Trabalhadores. Parece tratar-se muito mais de acordos políticos entre grupos políticos no poder, que se identificam e se apoiam mutuamente, do que operações comerciais de apoio a exportadores de serviços que, após prospectar mercados, vão ao BNDES solicitar financiamento a suas exportações de serviços.
_____________

1 R$ 190,4 bilhões convertidos para dólares por uma taxa de câmbio de 2,3. A fonte da informação é a apresentação em Power Point acima referida.
2 Fonte: CIA Factbook
3 A Usina de Santo Antônio, em construção, está com orçamento atualizado de R$ 14,7 bilhões. Ver file:///C:/Users/user/Downloads/SAESA_DF_2013_port.pdf, p. 3.
4 Tomando-se o custo de construção da linha 4 do metrô de São Paulo, conforme http://www.metro.sp.gov.br/noticias/acontecendo/governador-geraldo-alckmin-inicia-2a-fase-da-linha-4amarela.fss

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Quanto custa um estádio de futebol? Ou: ainda temos tempo de economizar 42 Maracanãs https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1883&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-um-estadio-de-futebol-ou-ainda-temos-tempo-de-economizar-42-maracanas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1883#comments Wed, 26 Jun 2013 15:56:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1883 Apesar do caráter difuso dos protestos populares que tomaram conta do país neste mês de junho de 2013, um ponto parece claro: a população está indignada com as prioridades adotadas pelos governantes. Tomou-se consciência de que os governos federal, estaduais e municipais preferiram construir estádios de futebol a investir na superação dos nossos crônicos problemas de transporte urbano ou na melhoria da oferta de serviços de saúde e educação.

A indignação não é apenas com a inversão de prioridades, mas também com os custos totais dos estádios, que levantam suspeitas acerca de superfaturamento e corrupção.

Será que os estádios brasileiros realmente custaram caro, quando comparados com outros construídos para copas do mundo anteriores? Essa comparação pode ser feita consultando-se a base de dados da ONG Play the Game (www.playthegame.org), uma entidade com sede na Dinamarca, cujo objetivo é fortalecer a ética no esporte. O critério básico de custo utilizado por essa entidade é o custo total dos estádios dividido pela sua capacidade (custo por assento).

A Tabela 1 compara o custo médio por assento dos seis estádios brasileiros já concluídos e dos estádios utilizados nas Copas de Japão/Coréia do Sul, Alemanha e África do Sul. Observa-se que o custo por assento da Copa brasileira ficou 10% acima do observado na Copa da África do Sul e 14% superior ao da Copa de Japão e Coréia do Sul. Há grande diferença em relação à Alemanha, cujo custo de estádios foi quase 40% menor que o brasileiro.

Ainda que diferenças no poder de compra das moedas possa afetar essa comparação, é surpreendente que o Brasil não tenha gasto muito mais que Japão e Coréia do Sul, que são países muito mais produtivos e com processo de engenharia mais avançado que o Brasil. Todos aqueles que conhecem o Brasil esperariam preços muito acima da média internacional, não só devido a uma percepção de alta corrupção e ineficiência, como também pelo fato de que o custo de investir no Brasil é elevado1.

A grande diferença entre a Alemanha e as outras sedes de Copas se deve ao fato de que aquele país já dispunha, antes de sua Copa, de diversos estádios que atendiam ao padrão da FIFA, e que necessitavam de apenas alguns ajustes. Isso reduziu fortemente os custos de reforma e construção. Para a Copa brasileira todos os 12 estádios foram construídos do zero ou fortemente reformados. Um exemplo oposto ao do Brasil foi o da Copa dos EUA, para a qual não foi preciso construir um estádio sequer, pois bastou adaptar os já existentes campos de futebol americano.

Paira a dúvida se todos os estádios brasileiros realmente precisavam ser totalmente reconstruídos, ou se faltou capacidade de negociação de nossas autoridades junto à FIFA, no sentido de flexibilizar exigências. Principalmente no caso do Maracanã, que passou por ampla reforma há poucos anos.

Tabela 1 – Custo Médio dos Estádios das Últimas Quatro Copas do Mundo (US$ por assentos)

Fontes:www.playthegame.org (estádios internacionais) e Portal da Transparência da Copa 2014. Elaborado pelos autores.
(*) Seis estádios já concluídos em junho de 2013 e utilizados na Copa das Confederações.
(**) Os valores dos estádios internacionais foram corrigidos de US$ de 2010 para US$ de 2013 pela taxa de inflação ao consumidor dos EUA. Os valores dos estádios brasileiros foram convertidos para dólar pela taxa média do período janeiro de 2012 – maio de 2013 (R$ 1,97).


A Tabela 2, abaixo, apresenta estádios dos outros países que foram inteiramente construídos ou sofreram grandes reformas, para tornar a comparação mais equilibrada com as arenas brasileiras, que, como afirmado acima, estão todas na categoria de nova construção/grande reforma. Para tanto, utilizamos os estádios de maior custo porque o relatório da Play the Game não especifica quais foram os estádios das três copas passadas que estão na categoria construção/grandes reformas2.

Tabela 2 – Custo por Assento de Estádios Construídos ou Submetidos a Grandes Reformas para as Últimas Quatro Copas do Mundo (US$ por assentos)

Fontes: Fontes:www.playthegame.org (estádios internacionais) e Portal da Transparência da Copa. Elaborado pelos autores.
(*) Valor inclui despesas a realizar relativas à infraestrutura no entorno dos estádios
(**) Todos os estádios brasileiros incluem custos de infraestrutura no entorno, tais como acesso viário e estações de metrô.
(***) Os valores dos estádios internacionais foram corrigidos de US$ de 2010 para US$ de 2013 pela taxa de inflação ao consumidor dos EUA. Os valores dos estádios brasileiros foram convertidos para dólar pela taxa média do período janeiro de 2012 – maio de 2013 (R$ 1,97).


Nessa comparação os estádios brasileiros não parecem estar fora do padrão de preço internacional. Apenas o Mané Garrincha, em Brasília, e o Maracanã estão entre os mais caros, mas há na experiência internacional estádios que custaram ainda mais caro. Quatro dos seis estádios brasileiros representados na amostra estão abaixo da média da amostra. É verdade que estamos comparando com os estádios mais caros de cada um dos demais países, mas o retrato mostrado na Tabela 2 não parece ser o de um “desastre” generalizado de custos unitários. O que as Tabelas 1 e 2 estão mostrando é que estádio de futebol custa muito caro: aqui e no exterior.

A Tabela 3, por sua vez, compara o custo projetado para cada um dos estádios em 2010 com a despesa efetivamente verificada. Existem três casos distintos. O Maracanã e o Mané Garrincha sofreram claros estouros de orçamento, o que os levou a serem os dois estádios mais caros.

O Mineirão também estourou o orçamento, porém devido a uma mudança de planos no meio da execução da obra. Após a demolição resolveu-se alterar o projeto. Pelos custos estimados para o novo projeto, no momento da sua reformulação, praticamente não houve estouro de orçamento. Porém, a necessidade de alterar o projeto durante a execução da obra revela fragilidade técnica e/ou excesso de otimismo inicial.

Por fim, há os três estádios da Região Nordeste, que foram executados dentro da expectativa e, em dois casos, custaram menos que previsto.

Tabela 3 – Diferença entre o custo final da obra e a estimativa inicial de custo (%)

Fontes: Matriz de responsabilidade da Copa 2010 e Tabelas 1 e 2. Elaborado pelos autores.


O que diferencia o Maracanã e o Mané Garrincha dos demais estádios é que ambos foram reformados pelos respectivos governos estaduais, por meio de contratação de empreiteiras. Nos demais casos a execução da obra foi pela modalidade de PPP, em que as empresas que construíram as arenas serão responsáveis por sua gestão, contando com uma subvenção estatal. Tais empresas tinham, portanto, incentivos para reduzir os custos, pois quanto maiores fossem seus custos, menor o retorno que elas obteriam com a gestão do estádio. Já no caso do Maracanã e do Mané Garrincha esse incentivo não existia, pois as empreiteiras envolvidas na construção não iriam gerir os estádios posteriormente; estavam apenas recebendo pelo serviço de construção.

A história que parece ser contada pelas Tabelas 1 a 3 não é simplesmente de superfaturamento e corrupção na construção de estádios. Isto pode ter ocorrido, em especial nos estádios que tiveram maior custo por assento. Mas há outros fatores envolvidos.

Em pelo menos três casos (Maracanã, Mané Garrincha e Mineirão) o custo inicialmente apresentado era muito otimista, quando comparado com a experiência internacional e com a obra que efetivamente se executou.

Além disso, mesmo nos estádios em que não houve otimismo na estimativa de custos, houve superestimação dos benefícios a serem proporcionados pela Copa: investimentos complementares nas infraestruturas urbanas, estímulo à economia pelo aumento do turismo, melhoria da imagem internacional do país.

Com alguns estádios tendo seu custo subestimado e o evento como um todo tendo benefícios superestimados, a diferença entre benefícios e custos tornou-se douradamente positiva.

Igualmente otimista foi o argumento adicional de que parte substancial dos investimentos seria feita pela iniciativa privada, não onerando o erário. Na prática, mesmo nos projetos contratados sob a forma de PPP, há significativos recursos públicos envolvidos, seja na participação direta dos governos estaduais no financiamento das obras, seja no financiamento subsidiado concedido pelo BNDES, que, em última instância, obtém seus recursos por meio de receitas tributárias federais e de transferências do Tesouro Federal.

Superestimou-se, também, a capacidade de planejamento e execução do setor público brasileiro. Acreditou-se que seria possível fazer não só estádios, mas também ampla reformulação da infraestrutura urbana. Na prática, o esforço financeiro, de logística e organização para a construção dos estádios subtraiu recursos, capacidade de planejamento e tempo de trabalho que se pretendia investir na ampliação da infraestrutura urbana. Em vez de mais e melhores meios de transportes e equipamentos urbanos, a Copa deixará como legado um conjunto de estádios que implicarão custos de manutenção. Mesmo os que estão contratados sob a forma de PPP requererão participação pública em sua manutenção.

Muitos estádios não gerarão receita suficiente para cobrir tais custos. Compare-se, por exemplo, o Mané Garrincha com o Saporo Dome, do Japão. Este é o estádio mais caro entre os elencados na Tabela 2. No entanto, de acordo com o já citado relatório da Play the Game, o estádio japonês é intensamente utilizado e lucrativo, recebendo eventos tão distintos quanto competições de esqui, jogos de baseball e de futebol. Já o Mané Garrincha tem poucas possibilidades de utilização após a Copa, dada a fragilidade da liga brasiliense de futebol e a baixa flexibilidade do estádio para receber outros tipos de eventos.

O excesso de otimismo em projetos de engenharia e a consequente apresentação de relação benefício-custo superestimada é um fenômeno muito comum em todo o mundo sendo, inclusive, objeto de estudos acadêmicos. Bent Flyvbjerg3, por exemplo, afirma que:

A psicologia e a economia política explicam a imprecisão das estimativas. A psicologia explica a imprecisão em termos de viés de otimismo, ou seja, uma predisposição cognitiva, encontrada na maioria das pessoas, para julgar os eventos futuros em uma perspectiva mais positiva do que aquela oferecida pela experiência passada. A economia política, por sua vez, explica a imprecisão em termos de deturpação estratégica. Nesse caso, os planejadores deliberadamente superestimam os benefícios e subestimam os custos para aumentar a probabilidade de que os seus projetos, e não os projetos rivais, recebam aprovação e financiamento. (…)Embora os dois tipos de explicação sejam diferentes, o resultado é o mesmo: estimativas imprecisas e relação benefício-custo inflada. (tradução livre – grifo nosso)

Com relação aos estádios brasileiros, o leite está derramado ou, como gostam de dizer os economistas, o custo dos estádios está “afundado”. Não há como recuperá-lo. Mas ainda há como a população brasileira tirar proveito da experiência e obter um legado efetivamente positivo. As instituições públicas e privadas, tais como o TCU, o Ministério Público, as comissões temáticas do legislativo, as associações de classe, a imprensa e as ONGs precisam tomar consciência da existência do viés de otimismo e da deturpação estratégica. Cada vez que um planejador público apresentar um projeto de alto custo, é preciso questionar as estimativas de custos e benefícios que são apresentadas.

Outra lição fundamental a ser aprendida pelos brasileiros é de que é fundamental elencar os investimentos por ordem de prioridade. Não é possível fazer tudo ao mesmo tempo, ainda mais com a restrição fiscal e a baixa capacidade de planejamento/execução do nosso setor público. O governo, ainda que conte com a participação da iniciativa privada, não consegue, ao mesmo tempo, construir estádios, ampliar metrôs, redesenhar corredores de ônibus, ampliar o saneamento básico, construir hospitais ou aperfeiçoar a educação. É imperioso ter uma lista de prioridades.

Há atualmente no Brasil um projeto de engenharia que tem “toda pinta” de, assim como os estádios da Copa, ser um caso clássico de baixa prioridade associada à  superestimativa de retorno econômico-social. Trata-se do chamado trem-bala, que ligará o Rio a São Paulo.

O projeto não é prioritário porque será um meio de transporte de luxo, com passagens caras, destinado a transportar pessoas de renda alta entre Rio e São Paulo. O nó urbano em que vivemos evidentemente indica que o prioritário é fazer São Paulo, Rio e demais cidades saírem do engarrafamento permanente que existe dentro de cada cidade, em vez de investir em transporte rápido, acessível a poucos, entre as cidades.

Quando questionado sobre quão prioritário seria o trem-bala em relação a outros projetos de infraestrutura, uma autoridade governamental diretamente encarregada de desenvolver o projeto deu clara demonstração de não estar preocupada com o adequado ordenamento de prioridades:

o que temos que entender no Brasil é que esse falso dilema de prioridades levou o País a parar. Quer dizer, vai lá no Pará e no Amazonas e vê se a Transamazônica não tem nenhuma funcionalidade lá hoje, se ela não gerou nenhuma transformação naquela região.

Quer dizer, a gente tem que perceber que temos que olhar este País no que ele precisa e buscar fazer o que ele precisa. Vamos supor: vamos abandonar o trem de alta velocidade, vamos puxar um projeto e colocá-lo em pé. E qual será o projeto?4 (grifo nosso)

Fazer uma lista de prioridades é, para essa autoridade, um “falso dilema”, ou seja, uma perda de tempo. Não importa buscar o projeto de maior retorno econômico e social: escolha-se qualquer um e toque-se em frente. É esse mesmo raciocínio que coloca estádios de futebol à frente de saneamento básico, transporte urbano e outras prioridades gritantes da realidade urbana brasileira.

Os sinais de subestimativa de custos e superestimativa de benefícios no projeto do trem-bala estão por toda a parte. O leitor que se interessar pode vê-los em outro artigo neste site (Vale a pena construir o trem-bala?5).

O enredo da novela é muito parecido com o dos estádios da Copa. Inicialmente, as autoridades afirmavam que não haveria um centavo de dinheiro público no projeto. Na formatação atual o governo já admite forte envolvimento de recursos públicos e subsídios do Tesouro via financiamento do BNDES, bem como está disposto a dar todo tipo de garantias e a absorver riscos.

Mesmo antes do início das obras, a estimativa de custo já pulou de R$ 18 bilhões para R$ 35,6 bilhões. Este é o valor atualmente apresentado pelas autoridades, mas com a ressalva de que está a preços de 20086. Corrigindo-se tal custo pelo índice de preços da construção civil (INCC) chegamos a R$ 50 bilhões! Essa é a estimativa oficial, provavelmente subestimada, como analisado nos estudos acima citados, que apontam indícios de viés de otimismo e deturpação estratégica no projeto do trem de alta velocidade.

R$ 50 bilhões são nada menos que 42 Maracanãs! Se a experiência negativa da sociedade brasileira com os estádios da Copa servir para que possamos definitivamente interromper o projeto do trem-bala, recanalizando os recursos para prioridades mais urgentes, isso valerá mais que um hexacampeonato.

*Agradecemos a Gustavo Mendes que contribuiu para o levantamento estatístico usado neste texto.

________________

1 Sobre esse ponto ver, por exemplo, http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2013/05/24/preco-do-investimento-no-brasil/

2 Relatório completo sobre os estádios das Copas Coréia/Japão, Alemanha e África do Sul está disponível em http://www.playthegame.org/knowledge-bank/theme-pages/world-stadium-index.html

3 Flyvbjerg,B.  Curbing Optimism Bias and Strategic Misrepresentation in Planning: Reference Class Forecasting in Practice, European Planning Studies, v. 16, n. 1, p. 3-21, 2008.

4 Transcrição do depoimento de Bernardo Figueiredo, então presidente da ANTT, atual presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) à Comissão de Infraestrutura do Senado, em debate sobre o trem-bala, em 12/4/2011.

5 Análises mais detalhadas estão publicadas nos seguintes textos para discussão Trem de Alta Velocidade: caso típico de problema de gestão de investimento e Trem de Alta Velocidade: novas informações para debater o projeto

6 Fonte: http://www.epl.gov.br/tav

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A nova Empresa de Planejamento e Logística (EPL) resolve os problemas de infraestrutura do País? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1586&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-nova-empresa-de-planejamento-e-logistica-epl-resolve-os-problemas-de-infraestrutura-do-pais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1586#comments Mon, 12 Nov 2012 12:59:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1586 O plano de logística anunciado pelo governo parte, corretamente, do diagnóstico de que o setor público não tem sido capaz de planejar a infraestrutura. É preciso definir uma hierarquia de problemas prioritários a resolver, fazer bons projetos para solucioná-los, escolher a melhor modalidade de exploração (concessão, parceria público-privada, ou gestão 100% pública), ou, ainda, integrar diferentes projetos. De fato, atualmente constroem-se hidrelétricas sem que seja aproveitado o potencial para a construção de eclusas que viabilizem o transporte aquaviário; projetos de transporte urbano não têm conexão entre si; obras ganham prioridade por desejo de governantes, e não como resultado de estimativas de seu retorno econômico e social.

Foi criada a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a tarefa de definir prioridades, planejar e integrar os investimentos em infraestrutura. A EPL poderá chamar para a mesma mesa diversos ministérios, Ministério Público, IBAMA e TCU durante a elaboração dos projetos, para encontrar soluções técnicas que evitem contenciosos futuros e reduzam o risco de paralisação de obras. Poderá, também, avaliar a posteriori os investimentos realizados para evitar repetição de erros e aperfeiçoar o processo de planejamento.   Trata-se, portanto, de um poderoso instrumento de planejamento e gestão que pode levar a grandes ganhos na qualidade da infraestrutura disponível.

Porém, a pressa de concluir projetos para mostrá-los na propaganda eleitoral pode dificultar a estruturação da EPL. Trata-se de uma empresa nova, que precisará contratar engenheiros, organizar seu funcionamento, estabelecer rotinas. Isso toma tempo. Apressar projetos significa manter a lógica de querer fazer rápido e acabar fazendo malfeito, o que desestrutura qualquer tentativa de hierarquizar e estudar os problemas e projetos. O timing da política é diferente do timing do desenvolvimento econômico, e a pressa é o que diferencia o político comum do estadista.

Há também o risco de o governo se afastar do diagnóstico de que o problema central está na qualidade dos projetos e, como já ocorrido no passado, voltar a direcionar as suas baterias para o sintoma e não a causa do problema: a atuação de órgãos de controle (TCU, órgãos ambientais, Ministério Público). Esses órgãos, na maioria das vezes, interrompem obras que estão baseadas em projetos ruins, superfaturadas ou com outras irregularidades graves. É verdade que há casos de atuação quixotesca, como a recente interrupção da construção de Belo Monte, ou decorrente de interesses privados. Mas essas são exceções, que podem ser combatidas com recurso a instituições como o Conselho Nacional de Justiça, ou pelo debate nos fóruns governamentais. Atropelar os órgãos de controle é fazer a festa de quem quer lucrar à margem da lei.

Outro risco está na origem da EPL. Originalmente ela seria a ETAV, empresa criada pra administrar o Trem-Bala: um projeto que está longe de ser prioritário, com graves falhas de planejamento e com alto risco de gerar grande passivo para o governo. Se a transformação da ETAV em EPL decorre de que o governo resolveu colocar o Trem-Bala em banho-maria, passando a priorizar projetos mais importantes, temos um cenário benigno. Porém, se o governo insistir em levar a frente aquele projeto, a EPL corre o risco de concentrar toda a sua incipiente capacidade gerencial e técnica em um único projeto de alta complexidade, e será incapaz de cumprir a função de viabilizar os melhores projetos de infraestrutura.

Há, ainda, o risco de a EPL ser capturada por interesses corporativos de grupos dedicados a cultivar boas relações políticas, ou de se transformar em um planejador estatal à moda antiga, que acredite ser capaz de impor projetos aos parceiros privados. Disso resultariam projetos ruins, com alto custo de oportunidade na alocação de recursos públicos e privados.

Restam duas questões centrais. A primeira é como financiar o aumento nos investimentos em infraestrutura. O capital privado que será investido em infraestrutura não é “dinheiro novo” que entra na economia. Permanece no país o velho problema de baixa poupança (sobre esse assunto, leia neste site “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). O capital que o setor privado investirá em infraestrutura terá que ser deslocado de outros investimentos, que passarão a enfrentar escassez de financiamento. Tal escassez só não ocorrerá se o governo aumentar a sua poupança, por meio do controle do gasto corrente, reduzindo a sua demanda por recursos para financiar sua dívida. Ou, alternativamente, teremos que absorver poupança externa, aceitando a valorização do real e a ampliação do déficit em conta-corrente. Ou seja, o uso de concessões e parcerias público-privadas (PPP) não afasta a restrição ao investimento imposta pela baixa poupança nacional. Ela apenas viabiliza que, havendo uma madura e equilibrada relação contratual, os investimentos em infraestrutura sejam mais produtivos.

O segundo problema reside na enfática determinação do governo de tabelar a rentabilidade dos parceiros privados, impondo limites à taxa interna de retorno das concessões. Ora, cada candidato a concessionário tem o direito de apresentar, no leilão de concessão, a oferta (e consequente taxa de retorno implícita) que lhe parecer mais adequada, taxa essa que levará em conta o risco específico de cada um e será confrontada com a remuneração das demais possibilidades de aplicação dos recursos envolvidos. Ao final, o leilão decide quem leva a concessão.

Quem compra sapato barato, leva para casa um produto de qualidade inferior. Na compra de infraestrutura é a mesma coisa: dificilmente se pagará barato por uma estrada de primeira. A diferença em relação ao sapato é que o comprador dessa mercadoria sofre sozinho as consequências da sua escolha. No caso da infraestrutura todo o país sofre com a escolha errada do governo.

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Publicado no Valor Econômico em 1/10/2012

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Produtividade para todos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1404&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=produtividade-para-todos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1404#comments Mon, 20 Aug 2012 12:20:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1404 O Governo Federal tem buscado proteger a indústria nacional. São isenções tributárias seletivas, barreiras à concorrência de importados, permissão legal para se pagar mais por produtos nacionais em licitações públicas, exigências de alto coeficiente de insumos nacionais em grandes empreendimentos, como o pré-sal e  a telefonia móvel 4G, além de crédito subsidiado do BNDES.

Ao adotar essas políticas o Governo está dizendo que vale a pena pagar mais caro por produtos nacionais de pior qualidade para preservar a indústria nacional. Os maiores beneficiários dessa política são parcelas específicas da população: empregados, proprietários e acionistas das empresas protegidas, sob a forma de salários e lucros mais altos. Temos, assim, claramente, benefícios privados e custos socializados.

Quando analisamos a política do Governo Federal em relação às concessões de infraestrutura o discurso governamental muda completamente. O argumento passa a ser o de que é preciso oferecer estradas, portos, aeroportos e ferrovias ao menor custo possível para toda a população. Nesses casos, não se está disposto a aceitar que a sociedade “pague mais caro”, para ter expansão rápida e de qualidade na infraestrutura.

Vimos isso no caso das concessões rodoviárias de 2007, em que as regras de leilão geraram pedágios baratíssimos. O fenômeno se repetiu no leilão dos aeroportos ao final de 2011 quando, em nome de estimular o máximo possível de concorrência, o Governo fixou normas muito brandas de qualificação técnica, o que resultou em forte concorrência e altos ágios pagos pelos vencedores.

A princípio, esses seriam resultados fantásticos. Os usuários seriam contemplados com pedágios rodoviários baratos e com maiores investimentos do governo nos aeroportos que continuam sob controle estatal, cujo financiamento se daria com o dinheiro dos ágios dos leilões dos aeroportos mais rentáveis.

Na prática, contudo, nas estradas de pedágio barato os investimentos realizados, após cinco anos de concessão, estão muito aquém do que fora inicialmente previsto, resultando em estradas ruins e acidentes em alta. As tarifas, que deveriam subir de acordo com a variação do IPCA, sofreram reajustes bem acima da inflação.

Nos leilões de aeroportos, os vencedores foram operadores aeroportuários sem experiência na gestão de grandes aeroportos e empresas com histórico não muito recomendável em outras concessões similares. Isso permite antever problemas futuros.

O que teria dado errado?

A questão é que a regulação de serviços públicos concedidos enfrenta um conhecido dilema entre: 1) estimular o empenho do concessionário, permitindo-lhe internalizar parte dos ganhos decorrentes de seus esforços, ou 2) oferecer serviços a baixos custos aos usuários finais, por meio de tarifas baratas ou extração de renda dos concessionários via ágio.

A opção pela primeira hipótese é fácil de justificar. Se os potenciais concessionários se deparam com regras que remuneram adequadamente tanto a qualidade do serviço prestado, como a ampliação da infraestrutura e os esforços de redução de custos, eles terão incentivos para serem mais produtivos e cumprirem as metas de investimento e qualidade. Se as regras da concessão não premiarem o esforço, o Governo, que não tem como medir o grau de empenho empreendido pelos concessionários, pouco pode fazer, e os concessionários tendem a se tornar mais relaxados.

Ao optar por pedágios baratos (nas rodovias) e por altos ágios (nos aeroportos), o governo sinalizou que não estava disposto a remunerar adequadamente os investimentos na ampliação dos serviços, ou a busca de qualidade e produtividade pelo concessionário.

Esse tipo de sinalização costuma atrair consórcios que já entram no leilão pensando em renegociar os termos do contrato após vencê-lo. Oferecem lances muito competitivos, ganham o certame e, depois, começam a atrasar os investimentos programados, a reduzir a qualidade do serviço e a pedir reajustes tarifários acima da inflação.

O Governo pode, a princípio, simplesmente cancelar o contrato e fazer outra licitação, buscando um melhor concessionário. Mas isso tem alto custo. Há um longo processo de preparação da nova licitação, demandas judiciais da empresa destituída por reparação de custos, e prejuízo eleitoral para o governante pela descontinuidade ou má qualidade do serviço prestado. Acaba sendo melhor para o governante – e não necessariamente para a população – renegociar os contratos e ceder às vantagens solicitadas pelo concessionário. O pedágio barato ou o ágio elevado acabam virando serviços de má qualidade, preços crescentes e insuficiente ampliação dos serviços.

Nossa infraestrutura é precária. Necessitamos urgentemente de gerar ganhos de produtividade, para acelerar o crescimento da economia, e o setor de infraestrutura é vital nesse esforço. Nossas agências reguladoras não são suficientemente independentes para impor a ferro e fogo o cumprimento dos contratos. Nosso judiciário não tem tradição de zelar pelo cumprimento de contratos.

Por isso, torna-se inevitável aceitar que os concessionários tenham uma margem de lucro maior. Forçar a mão em favor de tarifas mais baixas ou da geração de ágios para financiar outros investimentos públicos tende a afastar os concorrentes que se recusam a trabalhar com a hipótese de colocar a “faca no pescoço” do Governo após o leilão, exigindo renegociações. Aqueles que aparentemente aceitam as regras do jogo o fazem por acreditar que terão cacife político para renegociar o contrato a posteriori e mudar as regras a seu favor.

Ao contrário da política de proteção da indústria nacional, em que os custos são socializados e os benefícios apropriados por poucos, no caso da concessão de infraestrutura vale a pena pagar mais caro. Ou melhor: é imperioso pagar mais caro,  porque uma boa infraestrutura beneficiará a todos, mediante fortes externalidades, que aumentarão a produtividade de toda a economia, expandindo a renda e o crescimento. Entre os beneficiários da boa infraestrutura se inclui a própria indústria nacional, que ganhará competitividade de forma sustentável e não apenas artificial.

Texto publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 21 de maio de 2012.

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Como o setor privado pode ajudar a melhorar os serviços públicos de infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-setor-privado-pode-ajudar-a-melhorar-os-servicos-publicos-de-infraestrutura https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191#comments Thu, 26 Apr 2012 13:54:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1191 Há alguns fatos estilizados que caracterizam o setor público brasileiro: (a) os gastos correntes são elevados e não restam recursos para investimento em infraestrutura; (b) o governo tem baixa competência para prospectar e elaborar projetos de qualidade na área de infraestrutura, assim como para gerir portos, aeroportos, estradas e outros serviços de infraestrutura; (c) a participação privada no setor de infraestrutura pode ajudar a elevar a produtividade desses serviços, dando impulso ao crescimento mais acelerado da economia brasileira.

Isto posto, cabe analisar as principais modalidades de participação do setor privado como provedor de serviços associados a atividades públicas. Em texto recente publicado neste site (O que são parcerias público privadas (PPP)?) analisei uma dessas modalidades: a PPP. O objetivo do presente texto é analisar o amplo leque de relações contratuais entre os setores público e privado. Ao fazê-lo, aponto, em primeiro lugar, os potenciais ganhos de produtividade no setor público e na economia decorrentes dessa participação privada. Em segundo lugar, procura-se mostrar até que ponto a legislação brasileira admite cada uma das modalidades apresentadas, e quais dependem de inovação na legislação. Em terceiro lugar, elencam-se os problemas práticos observados no funcionamento cotidiano dessas modalidades no Brasil, com vistas a sugerir aperfeiçoamentos, legais e de gestão, que potencializem os ganhos decorrentes da participação privada. Especial ênfase é dada aos modelos aplicáveis aos serviços de infraestrutura.

1 – GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS

Esta é a modalidade de contratação mais simples. Nela, o setor privado é contratado para administrar uma infraestrutura pública já existente (construída pelo setor público) ou um serviço assessório necessário à prestação de serviço público (em geral não associado à área fim do governo).

Na modalidade prestação de serviços podem-se citar, como exemplos, empresas que são contratadas pelo setor público para atividades como a limpeza e a segurança de um órgão público ou os serviços de manutenção de equipamentos.

No setor de infraestrutura essa modalidade de contratação pode ser utilizada nas áreas-meio de gestão operacional. Assim, por exemplo, um aeroporto gerido pelo setor público pode contratar empresas privadas para as tarefas de bilhetagem, pesagem de carga, transporte de bagagem, armazenagem, serviços de comunicação.

Os ganhos de produtividade potenciais estão no fato de o setor público poder concentrar suas energias na realização das atividades-fim da organização, deixando que as atividades-meio fiquem a cargo de uma empresa contratada, que se responsabiliza pelo planejamento e realização do serviço, bem como pela contratação e gestão de pessoal e a compra de equipamentos e insumos.

Esses contratos permitem reduzir custos para o setor público (não é necessário, por exemplo, contratar pessoal de segurança e limpeza por meio de contratos de trabalho de servidor público, com garantia de estabilidade no emprego e outras vantagens) e melhorar a qualidade do serviço, uma vez que as empresas especializadas têm vantagem comparativa nos serviços que prestam, realizando-os melhor que o setor público.

O relacionamento entre o setor público e o privado é bastante simples. O setor público mantém a propriedade do equipamento público e o setor privado tem relacionamento exclusivamente com o setor público. O parceiro privado não presta serviços nem cobra tarifas da população, sendo remunerado exclusivamente pelo setor público.

O setor privado não assume riscos comerciais, pois o contrato já estabelece previamente o montante, as características e o valor do serviço a ser prestado. Por isso, não há o risco de variações na demanda pelo serviço, ao contrário do que ocorre, por exemplo, em uma concessão de serviço público, em que a empresa privada obtém sua remuneração de tarifas cobradas dos usuários. Dependendo do contrato, o setor privado sequer assume o risco de variações do custo da mão-de-obra e de outros insumos, que são integralmente repassados para o setor público.

Não há necessidade de agência reguladora para fiscalizar a prestação do serviço. O setor público é um consumidor no mercado de bens e serviços como qualquer outro, com eventuais desacordos sendo resolvidos por meio judicial. Os contatos são, normalmente, de curto-prazo, de dois a cinco anos.

Trata-se de uma modalidade que não ajuda a expandir a infraestrutura existente, mas potencialmente aumenta a produtividade daquela que já existe e é gerida pelo setor público.

A legislação brasileira que abarca esse tipo de contrato é a Lei de Licitações (Lei 8.666, de 1993), que se aplica não apenas à administração direta, mas também às autarquias, fundações e empresas estatais[1].

Embora seja o modelo mais simples de participação do setor privado em serviços públicos, e usado de forma generalizada na administração pública brasileira, esses contratos enfrentam muitos problemas de ordem legal e gerencial. É preciso resolver esses problemas para que essas parcerias sejam mais eficientes e se expandam, gerando ganhos efetivos de produtividade na gestão da infraestrutura pública.

O primeiro problema diz respeito ao fato de que esses contratos, muitas vezes, incluem um grande contingente de mão-de-obra (principalmente nas áreas de limpeza, segurança e informática). A prática de empreguismo, que foi cerceada no serviço público por meio da exigência legal de concurso público, acabou sendo transferida para os contratos de terceirização de serviços. Gestores públicos acabam por contratar serviços em proporções maiores que as necessárias para poder gerar empregos no âmbito de sua clientela política. Com isso, reduz-se a eficiência na prestação dos serviços, que passam a ter custos inflados.

Em segundo lugar, a legislação trabalhista brasileira transfere para o contratante de serviços terceirizados (no caso, o setor público) a responsabilidade subsidiária pelo cumprimento de obrigações trabalhistas. Isso acaba constituindo estímulo para que as empresas privadas contratadas fiquem inadimplentes com suas obrigações, como forma de repassá-las ao setor público. Este, para se defender dessa possibilidade, acaba instituindo controles sobre a folha de pagamento das empresas prestadoras de serviços que implicam custos administrativos ao erário. Assim, perde-se parte da vantagem da terceirização, que é justamente a de aliviar o setor público de gerir atividades-meio.

Ainda no campo da legislação trabalhista, a obrigatoriedade constitucional de obediência às decisões de convenções coletivas de trabalho[2] acaba elevando os custos dos contratos de serviços do setor público que sejam intensivos em mão-de-obra. Isso porque, em obediência à regra de que os acordos coletivos e dissídios são soberanos, o setor público não contesta reajustes salariais obtidos pelos empregados das empresas prestadoras de serviço; repassando os reajustes para os valores dos contratos.

Ocorre que, como as empresas prestadoras em geral se especializam em fornecer para o setor público, elas não têm incentivos a se contrapor aos pedidos de aumentos salariais de seus empregados, pois tais aumentos são absorvidos nos custos dos contratos pelo setor público. Mais do que isso: a maioria dos contratos é desenhada de forma a remunerar as empresas com um percentual do valor do serviço. Assim, os aumentos salariais redundam, também, em aumentos nas remunerações das empresas (sobre esse ponto ver, neste site, o texto Por que o governo gasta tanto com terceirização?)

Esse não seria um grande problema se os órgãos públicos pudessem, ao final de cada contrato (em geral com duração de um a dois anos), fazer nova licitação dos serviços, contratando empresas que oferecessem preços mais baixos. Tal possibilidade de contestação dos preços em vigor exerceria uma pressão de contenção de reajustes. Porém a burocracia associada a licitações gera alto custo de transação[3], induzindo os gestores públicos a renovarem os contratos vigentes (em vez de fazer novas licitações), ainda que por preços mais altos que os disponíveis no mercado, para evitar o risco de o atraso na licitação provocar interrupção nos serviços, ou para evitar os custos administrativos de uma nova licitação.

A esses problemas devem-se juntar as possibilidades de corrupção dos agentes públicos em sua relação com as empresas prestadoras de serviços e a formação de cartéis de fornecedores com vistas a fraudar licitações.

Outro problema relevante é o fato de que a Lei de Licitações confere prioridade máxima ao menor preço como critério de decisão de licitações. Isso significa que serviços e produtos de baixa qualidade (e menor custo) levem vantagem na disputa. A impossibilidade de se monitorar qualidade durante a execução do serviço, ou de se exigir padrões mínimos de qualidade antes da licitação, por restrições da Lei de Licitações, impõe perdas à eficiência e produtividade do serviço final.

É necessário, portanto, aperfeiçoar os processos de licitação, tornando-os menos morosos, o que dará à administração pública poder para evitar a renovação de contratos onerosos, substituindo-os por outros mais baratos. Diversos procedimentos burocráticos poderiam ser abolidos, inclusive mediante o uso mais intensivo dos leilões eletrônicos. O governo poderia, para tanto, criar um grupo de especialistas em licitação, tanto do Poder Executivo, quanto do TCU, para propor reformulações da legislação que agilizem os processos licitatórios, o que já garantiria ganhos de eficiência e produtividade.

Por outro lado, todos esses senões à contratação de serviços diretamente pelas empresas estatais gestoras de infraestrutura indicam que o processo de concessão de serviços públicos e privatização, quando possíveis, são um caminho para elevar a eficiência e a produtividade. Se um aeroporto, uma estrada ou um porto deixam de ser diretamente administrados pelo setor público, não há mais a necessidade de obediência à Lei de Licitações para a contratação de serviços. A negociação privada na aquisição desses serviços tende a reduzir seus custos e a elevar sua qualidade.

2 – PROJETO E CONSTRUÇÃO

Nessa modalidade de relacionamento contratual, o setor privado projeta e constrói infraestrutura, entregando-a para o setor público em um estágio em que esteja pronta para operar. O setor privado recebe um valor fixo para fazer a obra, normalmente definido em licitação pública.

É o caso típico de licitações de obras públicas, como construção de rodovias, prédios públicos, entre outros. É um contrato igualmente simples, que não requer o monitoramento por agência reguladora, uma vez que o parceiro privado encerra a sua participação no negócio logo após entregar a obra.

O grau de risco assumido pela empresa privada já é maior, pois qualquer aumento de custo ou imprevisto ocorridos durante as fases de projeto e construção tendem a ficar por conta da contratada.

O ganho potencial de eficiência está no fato de que as empresas de engenharia têm maior capacidade que o governo para elaborar e executar projetos de construção civil. Todavia, o fato de a empresa desligar-se do negócio tão logo a obra seja entregue significa que o contratado privado não terá incentivos a fazer uma obra de qualidade, sendo estimulado a, sempre que possível, economizar nos custos para aumentar seu lucro, em prejuízo da qualidade final. Essa tendência é exacerbada pelo fato, já exposto acima, de que a Lei de Licitações dá prioridade ao menor preço como fator de decisão de licitações.

Na legislação brasileira, essa modalidade de contratação está regulamentada pela Lei de Licitações (art. 6º, inciso VIII, alínea e)[4].

Também aqui há problemas de corrupção de agentes público, de baixa capacidade da Justiça para impor o cumprimento de contratos e punir comportamentos ilegais.

Três problemas específicos dessa modalidade de contrato (e de todas as modalidades que envolvem algum tipo de obra) são os complexos processos de licenciamento ambiental;  a baixa qualidade dos projetos básicos de engenharia; e a baixa capacidade de planejamento do setor público.

Os conflitos e ineficiências existentes no licenciamento ambiental levam ao licenciamento “à força”, por pressão política, de projetos que são potencialmente danosos, sem os estudos e compensações adequados e, por outro lado, ao embargo de projetos de baixo impacto.

A baixa qualidade dos projetos básicos, em geral elaborados pelo setor público, acaba sendo usada como mecanismo para elevação do custo das obras a cifras muito superiores ao valor resultante das licitações. Quando as empresas realizam os projetos executivos, mais detalhados, os custos reais dos projetos se elevam, e os contratos passam a ser aditados para abrigar os novos custos. Obviamente as possibilidades de superfaturamento e corrupção são elevadas.

Uma proposta usualmente veiculada para resolver esse problema tem sido a exigência de elaboração do projeto executivo antes da licitação. A ideia seria, justamente, evitar os aditamentos contratuais decorrentes da especificação do projeto executivo.

Contudo, essa opção não é isenta de custos. É possível que, por falta de recursos orçamentários para financiar os projetos executivos, importantes obras, que teriam avaliação positiva de viabilidade, sequer sejam avaliadas e deixem de ser licitadas. Há o risco de que o setor público seja  mais lento e gaste maisque o setor privado para elaborar projetos executivos. Ou, ainda, que sejam contratados projetos executivos igualmente deficientes, que serão rejeitados pelas empresas vencedoras da licitação para construção.

Por outro lado, podemos a elaboração prévia do projeto executivo como um seguro: o custo a mais que o governo pode ter para fazer os projetos executivos mais do que seriam compensados ao se evitar investimentos de baixo retorno econômico e social.

Uma opção alternativa seria tomar medidas para melhorar a capacidade de elaboração de projetos básicos pelo próprio setor público. Outra possibilidade é a licitação conjunta da construção e operação do serviço por uma mesma empresa (em vez de se licitar apenas a obra), o que gerará estímulo para o desenvolvimento de projetos eficientes, como será analisado mais adiante.

Algumas modificações pontuais na Lei de Licitações teriam o potencial de tornar mais eficientes as licitações de obras e aquisições de equipamentos, sem com isso fragilizar os necessários requisitos de segurança. Trata-se de retirar estímulos negativos, hoje existentes no texto legal, quais sejam: incentivos à litigância, oportunidades de colusão entre participantes e a participação de licitantes de má fé. Seriam procedimentos como a inversão de fases (em que a verificação de qualificação é feita após a definição do vencedor), desclassificação de propostas que estejam muito abaixo do custo estimado pelo setor público (para evitar propostas aventureiras) e intensificação do uso do pregão eletrônico, estendendo-o para obras de engenharia (para reduzir as possibilidades de colusão e corrupção).

3 – GESTÃO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FINAL

Essa modalidade é similar ao contrato de GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS, mas aqui a empresa privada presta o serviço diretamente aos consumidores (e não ao governo) e cobra do consumidor final uma tarifa para prestar o serviço.

A infraestrutura pertence ao governo, o parceiro privado não faz nenhuma construção ou reforma de vulto. Apenas opera os serviços. Os investimentos necessários durante a vigência do contrato são feitos pelo governo (que assume os riscos inerentes a esse investimento: custos, acidentes, etc.), enquanto o operador privado fica com os riscos operacionais (frustração de demanda, flutuações na economia, etc.).

Seria o caso, por exemplo, da concessão de aeroportos, portos e estradas em que o contrato não preveja a realização de grandes investimentos ou reformas. Outro exemplo seria a concessão de estacionamentos e lojas de aeroportos e rodoviárias públicos.

O prestador privado pode repassar o valor arrecadado ao governo e ser remunerado por um valor fixo, ou pode ficar com o valor arrecadado e pagar uma taxa fixa ou percentual ao governo.

Esse modelo tem a vantagem de constituir uma relação contratual mais simples que a da concessão, em que se prevê a realização de investimentos e reformas pelo parceiro privado, mas resulta em baixo investimento privado. Tem mais efeito sobre a eficiência operacional da infraestrutura existente do que sobre a ampliação da infraestrutura.

Essa modalidade, ao contrário das apresentadas acima, passa a exigir uma entidade pública reguladora, que fiscalizará se o serviço está sendo prestado na quantidade e qualidade contratadas e definirá critérios de reajuste das tarifas.

A legislação brasileira que abriga esse tipo de contrato é a Lei das Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Toda concessão deve ser feita mediante licitação, nos termos da Lei nº 8.666, de 1993, acima comentada. Contudo, para as concessões , as licitações são mais flexíveis do que as previstas na Lei nº 8.666, de 1993, em que o critério decisório é praticamente limitado ao menor preço. Já nas licitações associadas a contratos de concessão, há um conjunto maior de possibilidades, tais como: o menor valor da tarifa a ser cobrada do usuário, o maior valor da outorga pago ao poder público, a melhor proposta técnica ou a combinação dos três critérios. Admite-se, também, a exigência de qualificação técnica prévia dos participantes.

Por um lado, ganha-se com a flexibilidade nos critérios de contratação, que permitem ao poder público criar regras para afastar os aventureiros e garantir a contratação de um prestador competente. Por outro lado surge a necessidade de uma agência reguladora.

Tal agência precisa ter isenção técnica e estar afastada dos interesses político-partidários do governo, e os órgãos de controle devem ser eficazes. Do contrário haverá espaço para corrupção nos processos de definição de tarifas, de exigência e fiscalização do cumprimento de metas de qualidade, das definições dos critérios técnicos para participar do processo licitatório, etc.

O Brasil ainda tem muito a avançar em termos de autonomia funcional, financeira e decisória de suas agências reguladoras. Atualmente seus dirigentes são, muitas vezes, selecionados com base em indicações político-partidárias, com a qualificação técnica e isenção ficando em segundo plano. Esta é, sem dúvida, uma forte restrição para se obter serviços concedidos de qualidade.

4 – CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO

Dando um passo adiante em termos de complexidade contratual, passamos ao caso em que o parceiro privado não apenas opera a infraestrutura, mas também a constrói ou promove reformas em uma infraestrutura recebida no contrato de concessão. A infraestrutura pode pertencer tanto ao governo como ao parceiro  privado, sendo a definição feita em contrato.

A empresa privada pode pagar ao governo para ter o direito de assumir a construção/reforma e operação, nos casos em que o empreendimento tem retorno financeiro elevado; ou pode receber para fazê-lo, nos casos em que o serviço não é por si só lucrativo, e necessita de um subsídio governamental para se tornar financeiramente viável. (sobre esse ponto ver, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?)

Em geral essa modalidade é usada na construção/reforma de equipamentos e prestação de serviços finais aos consumidores, com cobrança de tarifas (portos, aeroportos, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia). Também pode ser usado na construção de infraestrutura de prestação de serviços que serão operados pelo governo (hospitais, escolas, prisões) em que o parceiro privado constrói, dá manutenção e presta alguns serviços não ligados à área fim (fornecimento de alimentação, reformas, manutenção, limpeza).  Esta modalidade difere do modelo de GESTÃO,  FORNECIMENTO E SERVIÇOS porque aqui há, também, a construção.

Outro exemplo é a construção de uma infraestrutura (rodovias, ferrovias) pelo parceiro privado, que também opera o serviço e é pago diretamente pelo governo (em vez de ser remunerado pelas tarifas).

Pode abrigar, também, contratos que, em vez de construção de instalações físicas, exijam que o parceiro privado adquira bens de capital, como no caso das concessões ou permissões de linhas de transporte coletivo urbano, em que o concessionário tem que adquirir ônibus dentro de um padrão previamente estabelecido pelo poder concedente e prestar o serviço dentro de padrões de regularidade, eficiência, etc.

Esses contratos de CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO têm prazo mais longo que o das modalidades anteriores. Apresentam a grande vantagem de gerar ganhos de eficiência, pois o empreendedor privado vai se esforçar para construir/reformar com qualidade, pois será ele mesmo o usuário dessa infraestrutura ao longo de muitos anos, e terá interesse em minimizar os custos de reparos e as perdas decorrentes de má qualidade da construção/reforma.

Além disso, há menor probabilidade de que o projeto venha a ser abandonado, como muitas vezes ocorre com obras públicas que são interrompidas por falta de recursos orçamentários. No caso da concessões, o parceiro privado só começa a ter receitas quando inicia a operação do serviço, ao contrário das obras públicas, em que o empreiteiro recebe ao longo da construção. Por isso, ao interromper um contrato de obras públicas, não haveria mais dívidas a saldar com a empreiteira, pois ela recebe o pagamento ao longo da construção. Já no caso das concessionárias, a interrupção de obras levaria a uma quebra de contrato, porque a concessionária só começaria a auferir receitas após a operação do serviço. Adicionalmente, é de interesse do concessionário cuidar da manutenção da obra, uma vez concluída.

Outra vantagem da modalidade CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO é que atrai significativo aporte de investimento privado para a infraestrutura. Assim, contribui não só para melhorar a qualidade, mas também para ampliar a  quantidade de infraestrutura disponível.

A amplitude de riscos assumida pelo parceiro privado já é maior que nas categorias anteriores: risco de demanda, de custo de construção, de financiamento, além dos riscos inerentes a um contrato de longo prazo (oscilações macroeconômicas, mudanças de governo, risco político).

O maior aporte de capital do parceiro privado passa a exigir complexas operações de financiamento junto ao mercado (emissão de ações, contratação de empréstimos, etc.).

O parceiro privado tende a operar por meio de uma “sociedade de propósito específico” (SPE) que tem as vantagens de: (1) reunir empresas diferentes para prestação de um serviço específico objeto de concessão, cada uma atuando em sua área de especialidade e, com isso, contribuindo para uma gestão eficiente e especializada (por exemplo, na construção e operação de um aeroporto forma-se um consórcio entre uma empreiteira, especializada na parte da construção, e uma operadora de aeroportos, especializada na prestação dos serviços) e ; (2) isolar ativos, passivos e direitos daquela concessão, facilitando a transferência para outro parceiro em caso de descumprimento de contrato e evitando que outros compromissos/dívidas dos participantes da SPE interfiram na saúde financeira ou gestão da concessão. O governo pode ser um dos participantes da SPE, de forma a alocar capital e garantias ao projeto (joint venture).

Há o possível envolvimento financeiro do governo por meio de empréstimos ou garantias ao parceiro privado, o que representa risco para o governo e para as finanças públicas, exigindo um contrato mais complexo, envolvendo contragarantias, cancelamento da concessão e troca do parceiro privado em caso de descumprimento contratual. Tendo em vista a já comentada dificuldade das instituições brasileiras para garantir o cumprimento dos contratos, os riscos de parte a parte são elevados.

Os contratos exigem uma ação mais completa da agência reguladora, que vai fiscalizar tanto os padrões quanto os prazos de reajuste tarifário. E, como já afirmado anteriormente, esse é um ponto fraco das instituições brasileiras.

Há também que definir e dar cumprimento à regra que estabelece com quem ficarão os ativos ao final da concessão (se com o setor público ou com o parceiro privado). Nos casos de serviços públicos concedidos de telefonia, internet (Lei Geral de Comunicações, Lei 9472\97),  televisão e rádio (CF art. 223), a maior parte dos ativos construídos é de propriedade do parceiro privado. Já nas concessões de infraestrutura de transportes a tendência é que haja reversão dos investimentos ao setor público ao final do contrato.

No Brasil todas essas modalidades estão previstas em lei. Quando se trata de concessão e permissão de serviços nos quais o prestador privado será remunerado por meio de tarifa cobrada junto ao usuário, o marco legal é a Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Quando há a necessidade de pagamento ou subsídio público, a concessão é regida pela chamada “Lei das PPP” (Lei nº 11.079, de 2004). Sobre as dificuldades para implantação de PPP no Brasil veja, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?

5 – PROJETO, CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO

Em relação à modalidade tratada no item anterior, esta agrega a participação do parceiro privado na fase de projeto, aumentando os potenciais ganhos de eficiência, pois agora o parceiro privado não só vai se esmerar na construção, mas também na busca de um projeto de qualidade, de forma a facilitar suas operações quando a infraestrutura estiver pronta. Nessa modalidade tira-se proveito da maior capacidade do setor privado para prospectar oportunidades de lucro em projetos financeira e/ou economicamente viáveis.

Há restrições na legislação brasileira para se conceder, conjuntamente, todo o pacote, desde o projeto até a operação. De acordo com o art. 7º, § 2º, inciso I  da Lei de Licitações só se pode licitar um projeto que disponha de “projeto básico” aprovado por autoridade competente. A ideia por trás dessa restrição é evitar a licitação de projetos sem adequada caracterização, o que daria ao parceiro privado excessiva liberdade para decidir o que e como construir. De acordo com os críticos de se licitar desde o projeto à operação, estar-se-ia licitando uma obra (e o respectivo serviço de operação da infraestrutura) no escuro[5].

A Lei nº 12.462, de 2011 (Lei do regime diferenciado de contratações), abriu exceção a essa regra, mas apenas para a construção da infraestrutura relacionada à realização da Copa do Mundo. É importante que essa regra seja generalizada para um conjunto maior de projetos de infraestrutura, depois que as obras da Copa sejam utilizadas como projeto piloto.

Se o governo investir na melhoria de sua capacidade de elaborar projetos, conforme já comentado acima, e puder contar nessa tarefa com a participação de sugestões do setor privado (antes da licitação do projeto), será possível fazer licitações a partir de anteprojetos de engenharia que sejam melhores do que os atuais (falhos) projetos básicos.

O fato de que quem planeja e constrói também ser o operador da infraestrutura já é, em si, um incentivo para que as obras de engenharia sejam feitas com economicidade e agilidade, pois disso depende a lucratividade e os baixos custos de manutenção do parceiro privado durante toda a vida da concessão. Obviamente, os resultados desse tipo de contratação, assim como das concessões comuns e PPPs depende dos detalhes de desenho dos contratos, em especial da alocação de riscos e obrigações entre os parceiros privado e público. E, com ainda mais motivos que nas modalidades anteriores, é essencial uma autoridade reguladora autônoma e técnica.

6 – CONCLUSÕES

A legislação brasileira já abriga a maior parte das modalidades de cooperação privada na provisão de infraestrutura pública, exceção feita à às licitações integradas desde o projeto básico até a execução do serviço. Mas mesmo essa possibilidade já vem sendo introduzida de forma exploratória para os investimentos relacionados à Copa do Mundo de 2014.

Não obstante haver possibilidades legais para a cooperação público-privada, diversos problemas políticos e operacionais travam a participação privada ou reduzem a sua eficiência:

  • a baixa independência política, técnica e financeira das agências reguladoras e dos órgãos de defesa da concorrência para coibir eventuais comportamentos ilegais dos parceiros privados durante a vigência dos contratos;
  • os percalços que a legislação trabalhista impõe à terceirização de serviços;
  • a dificuldade institucional do judiciário para impor o fiel cumprimento dos contratos;
  • a baixa accountability do setor público abre espaço para disfunções como: o uso da terceirização como mecanismo político de geração de emprego para clientelas políticas, formação de cartel de fornecedores ao setor público, corrupção de agentes públicos;
  • os altos custos de transação envolvidos no processo licitatório dificultam o uso de novas licitações para contestar os preços de contratos vigentes;
  • a falta de capacitação técnica e as amarras excessivas à contratação de PPPs;
  • prioridade excessiva conferida pela Lei de Licitações ao menor preço dificulta que o setor público imponha critérios de qualificação prévias que retirem da disputa concorrentes oportunistas;
  • baixa capacidade do setor público para prospectar e elaborar projetos representa perda de oportunidade de novos empreendimentos por falta de formatação adequada da relação entre os setores público e privado;
  • descoordenação e baixa capacidade técnica na elaboração de licenças ambientais travam investimentos de baixo impacto e/ou acabam na liberação “à força” de empreendimentos cujo impacto ambiental não é adequadamente mitigado.

A solução dos problemas acima listados representaria ganho de produtividade nos investimentos em infraestrutura, com a abertura de novos projetos viáveis para realização por meio de concessões. Em especial, permitiria que os investimentos em infraestrutura e a gestão dos serviços por eles prestados fossem de melhor qualidade.

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Para ler mais sobre o tema:

UNESCAP (2007) Public-private partnership in infrastructure development: an introduction to issue from different perspectives. Transport and Tourism Division UNESCAP. Bangkok, Thailand.


[1] Em seu art. 6º, inciso II, esta lei admite a contratação, pelo setor público, de serviços de: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. O Capítulo III da mesma lei define as características desses contratos.

[2] Art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal.

[3] Custos de transação são aqueles incorridos por uma instituição para realizar uma determinada tarefa. No caso específico, os custos de transação para realizar uma licitação são todas as despesas financeiras e o tempo gasto com a preparação e realização do certame licitatório.

[4] Art. 6º, VIII, e) empreitada integral – quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada;

[5] Para uma crítica a essa modalidade de contratação ver Resende, Renato M. (2011) O regime diferenciado de contratações públicas: comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD100-RenatoRezende.pdf .

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1191 7
O que são Parcerias Público-Privadas (PPP)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1166&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-sao-parcerias-publico-privadas-ppp https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1166#comments Mon, 09 Apr 2012 03:01:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1166 A literatura internacional define uma PPP como sendo um contrato de longo prazo entre um governo (federal, estadual ou municipal) e uma entidade privada, no qual essa entidade se compromete a oferecer serviços de infraestrutura. Há diferentes tipos de contrato, em que o setor público e o parceiro privado dividem entre si as responsabilidades referentes ao financiamento, projeto, construção, operação e manutenção da infraestrutura. A empresa privada pode ser remunerada tanto pela cobrança de tarifas diretamente aos usuários (pedágio, por exemplo), quanto por pagamentos feitos a ela diretamente pelo governo (Banco Mundial, 2012).

A definição acima  difere do conceito de PPP estipulado pela legislação brasileira, que é bem mais restrito. Neste artigo apresenta-se primeiro a definição internacional e, em seguida, mostra-se como a definição brasileira é um subconjunto daquela definição mais ampla.

No conceito internacional, mais amplo, podemos citar como exemplo de PPP  um contrato para que uma empresa passe a cuidar da manutenção de uma estrada, cobrando pedágio dos usuários. Também temos uma PPP quando uma empresa constrói uma prisão e opera os serviços de limpeza, alimentação, manutenção predial, entre outros, enquanto o governo se encarrega da atividade-fim do presídio, que é o serviço de controle e escolta de presidiários. Outro exemplo de PPP seria a construção e operação de uma linha de metrô por uma empresa privada, em que a remuneração do parceiro privado vem de duas fontes:  a tarifa cobrada dos usuários e um  pagamento mensal feito pelo governo.

Na definição apresentada no primeiro parágrafo, dois termos estão grifados: “longo-prazo” e “serviços de infraestrutura”. Esses são aspectos importantes da caracterização de uma PPP. O termo “serviços de infraestrutura” indica que o parceiro privado não vai simplesmente construir uma estrada, uma ferrovia, um hospital ou um aeroporto e entregá-lo para ser administrado pelo governo ou empresa estatal. Ele vai construir e operar uma parte ou todos os serviços oferecidos por aquela infraestrutura. Ou então ele vai simplesmente operar (sem construir ou apenas reformar) os serviços de uma infraestrutura já existente, de propriedade do governo. Ou seja, para caracterizar uma PPP é importante que o parceiro privado atue na provisão do serviço público associado à infraestrutura que lhe foi confiada.

Os contratos são de longo-prazo porque, em primeiro lugar, estão relacionados a serviços públicos que exigem investimentos de grande vulto, seja na construção, seja na manutenção: estradas, portos, aeroportos, ferrovias, prédios públicos com características especiais (hospitais, prisões) ou construídos em grande quantidade (escolas), etc. Portanto, nos casos em que o parceiro privado investe seu capital, ele precisa que o contrato tenha um prazo dilatado, para dar tempo de pagar o investimento.

Mesmo quando não há uma elevada imobilização de capital pelo parceiro privado (por exemplo, contratos para operar infraestrutura já existente), pode ser interessante estabelecer um contrato de longo-prazo, pois seria ineficiente trocar o administrador da infraestrutura diversas vezes em prazos curtos, tendo em vista o custo de licitação e o custo de aprendizagem, associado ao período em que o novo concessionário está ajustando a oferta do novo serviço, quando usualmente há quebras na qualidade dos serviços.

Note que não se encaixam na definição de PPP os contratos mais simples, como os que preveem a prestação de serviços de limpeza e vigilância de prédios públicos, fornecimento de alimentação, conservação de jardins, assistência técnica em informática, etc. Esses são contratos de curto-prazo, normalmente conhecidos como “terceirização”. Enquanto os contratos de PPP normalmente têm prazos que superam vinte anos, os contratos de terceirização de serviços duram por volta de cinco anos (sobre contratos de terceirização no Brasil e seus problemas ver, neste site, Por que o governo gasta tanto com terceirização?)

Um ponto central para o sucesso de uma PPP está na divisão de riscos entre o setor público e o parceiro privado. A construção e operação de uma rodovia, por exemplo, implica diversos riscos financeiros: a obra pode custar mais que o projetado (risco de construção), o volume de tráfego (e, portanto, a receita de pedágio) pode ser menor que o esperado (risco de demanda), a eleição de um novo governante pode colocar em risco o cumprimento do contrato (risco político), etc.

Não é trivial, portanto, a redação de um contrato de PPP, que deve ser o mais detalhado possível no que diz respeito a qual das partes deve assumir que tipos de riscos. Essa é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso, também, que haja um Poder Judiciário com capacidade para impor o cumprimento dos contratos. Em países em que o Judiciário é influenciado pelo Poder Executivo, o risco político incorrido pelos parceiros privados é alto.

Os contratos de PPP em geral associam a revisão dos pagamentos feitos aos parceiros privados, ao longo da vida do contrato, com base no cumprimento de metas de qualidade e quantidade do serviço oferecido. Por exemplo, em um contrato de PPP de um aeroporto, o parceiro privado terá direito a um maior reajuste da tarifa se conseguir fazer todos os investimentos de expansão do aeroporto que estavam previstos no contrato inicial. Ou, alternativamente, será punido com um reajuste menor se os índices de qualidade dos serviços prestados estiverem abaixo das metas contratuais (tempo de espera no check-in, atraso nos voos de responsabilidade do aeroporto, etc.).

Essa característica dos contratos pressupõe a existência de uma agência reguladora com suficiente capacidade e independência técnica para dar pleno cumprimento à verificação das metas contratuais e efetivamente punir ou premiar o parceiro privado. Agências reguladoras sem autonomia em relação ao governo, ou cujos cargos de comando sejam distribuídos ao sabor de negociações partidárias, acabam aproximando perigosamente a necessidade de recursos dos partidos políticos (para financiamento de campanha) do poder institucional de conferir ganhos financeiros não merecidos a parceiros privados que não cumprem contratos.

E qual seria a grande vantagem de um contrato de PPP em relação ao modelo tradicional, em que o governo contrata a construção de uma infraestrutura junto a empresas privadas e depois opera, ele próprio, o serviço oferecido por essa infraestrutura? A vantagem é que, ao se contratar uma mesma empresa para construir (ou reformar/ampliar) uma infraestrutura e, em seguida, passar a operá-la, essa empresa terá incentivos para fazer uma construção (reforma/ampliação) de boa qualidade. Isso porque uma infraestrutura bem construída vai reduzir os custos de manutenção e reparo ao longo do contrato de operação, bem como vai permitir a prestação de um serviço de maior qualidade (viabilizando ganhos financeiros quando a tarifa estiver atrelada à qualidade do serviço prestado).

Em um contrato comum de simples construção e entrega da infraestrutura ao governo, as empresas têm incentivos para construir rapidamente e economizar nos custos, colocando em segundo plano a qualidade final do trabalho. O governo, por sua vez, não tem informação suficiente sobre o andamento das obras e seus detalhes para exigir maior qualidade.

Outra vantagem das PPP é que elas trazem capital privado para investimentos em que antes só havia dinheiro público. Como os orçamentos públicos estão cada vez mais restritos frente à necessidade de manter o equilíbrio fiscal, a entrada de capital privado é um bem-vindo reforço ao financiamento das obras de infraestrutura.

Há dois conceitos relevantes acerca de rentabilidade de projetos que devem ser analisados quando se fala em PPP: a viabilidade financeira e a viabilidade econômica. Um projeto tem viabilidade financeira quando, estimados todos os seus custos e receitas, o resultado é um lucro que seja suficiente para atrair uma empresa privada para operar o negócio. Trata-se, pois, de um conceito de rentabilidade privada.

A viabilidade econômica leva em conta, além das receitas e custos financeiros, os benefícios e custos sociais decorrentes do projeto. Por exemplo, uma nova rodovia pode gerar como benefícios sociais a economia de tempo de deslocamento dos usuários, o aumento da produtividade das empresas, que podem entregar seus produtos com mais rapidez, etc; por outro lado, essa mesma rodovia pode gerar custos sociais, como o aumento da poluição em cidades que fiquem à beira da rodovia ou um custo de pedágio que seja incompatível com o nível de renda da população local.

Quando um projeto tem viabilidade financeira e econômica (benefícios maiores que os custos nos dois conceitos), então é interessante para o país que ele seja desenvolvido. E sendo sustentável do ponto de vista financeiro, o governo pode fazer uma licitação para que um parceiro privado cuide sozinho do negócio, sendo remunerado mediante tarifas pagas pelo usuário.

Quando um projeto tem viabilidade econômica, mas não financeira, temos uma situação em que vale a pena para a sociedade implementar o projeto, mas não haverá nenhum parceiro privado disposto a se responsabilizar sozinho por ele, pois se trata de um negócio que não dá lucro. Nesses casos, o governo pode fazer uma PPP na qual se comprometa a pagar um subsídio ao parceiro privado, elevando a sua rentabilidade até um ponto em que valha a pena investir no negócio.

Por exemplo, pode ser importante para o desenvolvimento econômico de uma região do país a construção de uma nova estrada. Porém, o fluxo previsto de veículos nos primeiros anos pode ser baixo, e há um risco considerável de esse fluxo não aumentar nos anos seguintes em decorrência de eventual insucesso do plano de desenvolvimento. Eventuais tarifas cobradas, portanto, seriam insuficientes para remunerar o setor privado, tanto pelo capital investido, como pelo risco incorrido. Nesse caso, o governo pode arcar com parte dos custos do negócio. Seriam várias as opções: pagar parte do custo de construção, pagar um valor mensal ao parceiro privado durante a operação da estrada, conceder ao parceiro privado um financiamento subsidiado para custear a construção, etc. Com esse subsídio, a construção de uma infraestrutura que gere mais benefícios que custos para a sociedade passa a ser viável.

A legislação brasileira considera como sendo PPP apenas os casos em que os projetos têm viabilidade econômica, mas não têm viabilidade financeira. Ou seja, os projetos que, como no exemplo acima, requerem algum tipo de subsídio governamental. Os projetos financeiramente viáveis são conceituados como “concessões comuns”, enquanto os projetos que requerem algum tipo de complementação financeira estatal são conceituados como PPP e divididos em dois grupos distintos: as PPP patrocinadas (em que o parceiro privado obtém sua remuneração mediante cobrança de tarifas e subsídios estatais) e as PPP administrativas (nas quais a remuneração do parceiro privado é paga integralmente pelo governo). As concessões comuns estão reguladas pelas Leis nº 8.987 e nº 9.074, ambas de 1995, enquanto às PPP se aplicam os dispositivos daquelas leis e, adicionallmente, a Lei nº 11.079, de 2004.

Note-se que esta é uma distinção apenas no campo legal e semântico. Do ponto de vista da análise econômica, as considerações feitas acima valem tanto para as concessões comuns quanto para as PPP no conceito brasileiro.  Ambas requerem agências reguladoras e instituições judiciais capazes de impor o cumprimento do contrato, geram potenciais benefícios quanto à eficiência dos projetos desenvolvidos, atraem capital privado para o investimento em infraestrutura, requerem contratos que dividam claramente os riscos entre as partes, etc.

Uma constatação que se faz ao observar o caso brasileiro é que as PPP no conceito local (concessões patrocinadas e administrativas) têm enfrentado grandes dificuldades para serem postas em prática, ao passo que as concessões comuns têm sido feitas com mais frequência.

Até hoje o governo federal não concretizou uma única PPP. A que está mais avançada refere-se à construção de um datacenter pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica, no qual um parceiro privado irá construir, equipar e gerir o banco de dados. Há, ainda, um projeto de irrigação e Petrolina-PE, a instalação de um sistema nacional de TV digital pública e a construção, lançamento e operação de um satélite geoestacionário. Todas as iniciativas, a exceção do datacenter, ainda estão nos passos iniciais.

Os governos estaduais andaram um pouco mais rápido e já colocaram em prática alguns projetos, tais como:  construção e gestão de estádio de futebol, conjuntos habitacionais de baixa renda, centros de atendimento ao cidadão, emissão submarina de esgotos, hospitais. O Estado de São Paulo é o que tem mais se destacado na implantação das concessões patrocinadas e administrativas, com projetos de maior vulto nas áreas de de transportes (linhas de metrô, trem e sistema metropolitano de ônibus), esgotamento sanitário e abastecimento de água.

São vários os fatores que têm emperrado as “PPP brasileiras” (concessões patrocinadas e administrativas).  Em primeiro lugar, elas necessitam de contratos mais complexos que os das concessões comuns; pois além de toda a partilha de risco entre as partes, é preciso que se estime qual será o subsídio público pago ao parceiro privado. Isso implica não só dificuldade no desenho dessa relação financeira de longo prazo, como também embute risco de corrupção, de acusações políticas de beneficiamento de empresas, etc.

Em segundo lugar, o Tesouro Nacional e os tesouros estaduais têm sido bastante cautelosos em relação ao risco fiscal que existem no fato de o governo assumir o compromisso de fazer pagamentos ao longo de muitos anos a uma empresa privada. Existe a possibilidade de que agentes governamentais passem a usar esse mecanismo para driblar as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal relativas a limite máximo de endividamento dos entes públicos, e a fazer gastos públicos sem registrá-los no orçamento. O resultado é o estabelecimento de inúmeras instâncias burocráticas para autorização das concessões administrativas ou patrocinadas, que emperram o processo.

As concessões comuns, por sua vez, em vez de criar obrigações financeiras para o governo, muitas vezes geram receitas imediatas, nos casos em que os seus editais preveem o pagamento de um valor de outorga pela empresa vencedora. No leilão de concessão de três aeroportos federais (Guarulhos, Brasília e Campinas), realizado em fevereiro de 2012, por exemplo, as empresas vencedoras comprometeram-se a pagar outorgas que somaram R$ 24,5 bilhões. Politicamente é mais interessante mostrar ao eleitorado que se está fazendo grandes obras e, ao mesmo tempo, obtendo receita para o governo.

Surge, com isso, o incentivo ao governo de modelar as parcerias com o setor privado sob a forma de concessão simples, com vistas a obter ganhos fiscais. Isso é um problema, pois projetos com benefício social positivo, que poderiam ser objeto de  concessão patrocinada ou administrativa, são colocados em segundo plano.

O terceiro problema está na baixa capacidade do setor público brasileiro para prospectar e formular projetos de infraestrutura. Ao lidar com esses projetos, as agências públicas acabam, muitas vezes, não sendo capazes de avaliar e distinguir corretamente a viabilidade financeira e a viabilidade econômica. Em consequência, acaba-se dando preferência para os projetos mais rentáveis, que são implementados por meio de concessões comuns.

O quarto problema está no fato de que a Lei nº 11.079, de 2004, em seu art. 7º,, ao contrário do que ocorre em outros países, não admite que sejam pagos subsídios aos parceiros privados durante a fase de construção (reforma/ampliação) da infraestrutura. Tal pagamento só pode ser feito quando tiver sido iniciada a operação dos serviços. Isso inviabiliza as concessões patrocinadas e administrativas que requerem um grande investimento inicial e um longo tempo de atividades pré-operacionais.

O quinto problema é o baixo grau de autonomia política e financeira das nossas agências reguladoras, que reduzem o grau de segurança do investidor privado (que teme ser pressionado por questões políticas) e da população (que vê a possibilidade de corrupção nas relações com os parceiros privados). Igualmente problemática é a dificuldade do sistema judiciário brasileiro para impor o cumprimento de contratos com rapidez e com procedimentos claros e previsíveis.

Tendo em vista a baixa disponibilidade orçamentária do setor público brasileiro e a grande carência de infraestrutura que vivemos, parece ser prioritário o aperfeiçoamento da legislação e das instituições (em especial das agências reguladoras) que viabilizem a expansão das PPP em sentido amplo, sejam elas concessões simples, sejam concessões administrativas ou patrocinadas.

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Para ler mais sobre o tema:

Banco Mundial (2012) Best practices in public-private partnerships financing in Latin-America:  the role of subsidy mechanisms. Washington – DC.

Paiva, S. e Rocha, C. (2004) A parceria público-privada: o papel do Senado Federal na discussão e aprovação da Lei nº 11.079, de 2004. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 25.

UNESCAP (2007) Public-private partnership in infrastructure development: an introduction to issue from different perspectives. Transport and Tourism Division UNESCAP. Bangkok, Thailand.

Consulte também o site www.pppbrasil.com.br para diversos artigos e comentários sobre as PPP no Brasil.

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Por que o modelo de concessões de rodovias federais no Brasil não está apresentando bons resultados? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-modelo-de-concessoes-de-rodovias-federais-no-brasil-nao-esta-apresentando-bons-resultados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=927#comments Wed, 07 Dec 2011 11:52:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=927 Em reportagem de 16 de novembro de 2011, a Revista “ Veja” aponta um padrão comum de problemas nas sete rodovias federais com operação concedida à iniciativa privada em 2007: em todas elas as obras de melhorias e manutenção acordadas nos contratos de concessão estão longe de serem cumpridas pelos concessionários. No caso da Rodovia do Aço a paralisia de obras teria levado inclusive a um aumento significativo do número de acidentes.

À época, o resultado do procedimento licitatório que indicou as empresas OHL para cinco rodovias e BRVia e Acciona para as outras duas foi tido como um retumbante sucesso pelo governo, especialmente em função dos deságios dos lances para os preços dos pedágios considerados elevados, como no caso de trecho da Fernão Dias que atingiu 65,4%.

Este resultado frequentemente se contrapunha ao que seriam os elevados pedágios cobrados nas concessões realizadas pelo governo paulista.

A principal razão da diferença de desempenho entre os dois modelos residiria no próprio formato do leilão. O governo federal optou por um procedimento no qual o critério de definição do vencedor seria dado pelo menor valor do serviço, no caso do pedágio. Já no caso do governo paulista, a escolha foi por um critério do maior valor pago pela concessão, deixando a regra do pedágio integralmente para a regulação. O governo federal defendia que o seu modelo seria naturalmente mais pró-consumidor ao induzir os participantes do certame a reduzir ao máximo os preços do pedágio já no próprio leilão. Nos leilões paulistas, ao contrário, o modelo teria privilegiado o aporte de recursos ao Estado em detrimento do consumidor.

A despeito de a intuição deste raciocínio parecer muito cristalina, ela desconsidera os incentivos que permeiam o comportamento dos participantes do certame em cada um desses modelos (menor pedágio ou maior preço da concessão).

Na verdade, esta não é uma discussão nova na teoria econômica da regulação. Demsetz (1968)[1] propôs que concessões de serviços regulados fossem realizadas por um leilão de menor preço do serviço. Isto resolveria um dos problemas fundamentais dos reguladores, em um contexto de assimetria de informações sobre custos das firmas reguladas: definir qual seria o preço ótimo do serviço. Assumindo um leilão suficientemente competitivo, os participantes estariam dispostos a fazer lances, oferecendo preços dos serviços menores até atingir os seus respectivos custos médios. No critério de menor preço do serviço, o vencedor seria aquele com menor custo médio, pois este estaria disposto a fazer lances em valores entre o seu próprio custo médio e o do segundo mais eficiente, que todos os outros participantes não estariam dispostos a fazer, dado que, se o fizessem, incorreriam em prejuízo[2]. Assim, além do certame baseado no menor preço do serviço se constituir em um mecanismo de revelação da informação sobre o preço ótimo do serviço regulado para o regulador (uma preciosidade em um contexto de assimetria crônica de informação do regulador), também viabiliza que o escolhido seja aquele participante com maior eficiência. Dois coelhos com um só tiro!

O problema deste mecanismo foi apontado por Williansom (1976)[3]. No caso do leilão baseado nos preços dos serviços haveria uma tendência sistemática dos participantes do certame a realizarem lances com valores abaixo daqueles minimamente consistentes com a sua função custo. Isso ocorreria na medida em que tais participantes acreditassem ser capazes ex-post de convencer o regulador a permitir o incremento dos preços dos serviços acima daquilo que foi resultado do lance no leilão. O ponto principal para Williansom é que faltaria capacidade ex-ante ao regulador de se comprometer (commitment) a não ceder às demandas ex-post de reajuste das tarifas acima do combinado. Ou seja, o regulador não é capaz de se comprometer a não renegociar o valor fundamental que ensejou o resultado do leilão, ou seja, o preço do serviço. Isso decorre especialmente das dificuldades do poder público para trocar o fornecedor do serviço ex-post rapidamente e com baixo custo.

Um dos maiores geradores de custos de troca ex-post são os elevados sunk costs (custos afundados) que permitem comportamentos oportunistas tanto do concessionário como do próprio Estado[4][5].

Se o governo demandar ex-post uma troca de contratante por descobrir que a proposta feita pelo atual concessionário, à época do leilão, era irrealista, deverá ser efetuada a compensação dos sunk costs já incorridos pela empresa. De fato, provavelmente, haverá substancial custo judicial para determinar os valores da compensação e ainda o provável questionamento do concessionário na Justiça sobre as razões da opção do governo pela troca. Aduzam-se ainda os custos e a demora para organizar e realizar uma nova licitação. O tempo perdido deve afetar negativamente a probabilidade de reeleição do governante, em função do custo político no atraso da entrega da obra à população. Como os serviços concedidos como rodovias são usualmente utilizados por elevada parcela da população, este custo político da maior demora na entrega da obra em função da troca do concessionário por outro mais “apropriado” tende a ser grande. É justamente este custo político que deteriora a capacidade do governo em se comprometer ex-ante a não renegociar ex-post.

Se os participantes do certame racionalmente esperam ex-ante que realmente faltará commitment ao regulador ex-post se pressionado a renegociar, o valor do preço do serviço que eles devem propor em seus lances passa a ser desvinculado dos seus reais fundamentos de demanda e custo. Pior, é razoável postular que o valor do preço do serviço definido no lance de cada participante reflita não a sua eficiência própria, como custos menores, mas sim a capacidade percebida de cada um  em realizar um lobby bem sucedido no regulador quando o contrato estiver em operação. Ou seja, vencerá quem tiver melhores conexões políticas ou quem for mais otimista em relação às dificuldades do regulador em evitar uma renegociação ou mesmo minimizar o incremento de preços demandado pelo concessionário ex-post.

Nesse contexto, um dos principais objetivos do mecanismo de leilão, que é o de garantir a escolha do participante mais eficiente, é comprometido. Outro objetivo do mecanismo que seria o de “revelar” para o regulador qual o “preço certo” do serviço também não é alcançado e a assimetria de informação regulador-regulado persevera.

No caso da concessão das rodovias federais foi justamente o que aconteceu. Os concessionários em curto espaço de tempo já solicitaram aumentos dos valores do pedágio e o governo federal já os concedeu.

Além da hipótese do lobby bem sucedido, o governo federal tem outra boa razão para ceder: se o pedágio é muito baixo, os serviços de obras e manutenção da rodovia definidos no edital e/ou contrato de concessão se tornam naturalmente mais lentos, prejudicando a meta de melhorar a qualidade das rodovias do país.

E se o governo tentar fazer valer o que está no edital/contrato, ao preço do serviço definido no leilão, o concessionário provavelmente alegará o desequilíbrio econômico-financeiro da concessão. E a alegação é, ainda por cima, verdadeira. Só não é uma novidade: desde o leilão o concessionário já sabia que havia um desequilíbrio, mas estava certo que conseguiria renegociar, um típico comportamento oportunista.

Dada a assimetria de informação existente entre regulador e regulado, é difícil muitas vezes saber, no momento do leilão, se o lance vencedor embute um valor irrealista, fruto de comportamento oportunista. No caso em tela, entretanto, o conhecimento sobre o desequilíbrio ex-ante não parece ter ficado restrito ao concessionário. Na abertura dos envelopes com os lances do leilão, todos os outros participantes ficaram muito surpresos com a “agressividade” dos lances das vencedoras e estas, por sua vez, afirmavam que a “surpresa” não passava do “choro dos derrotados”. O governo federal parece ter concordado com esta avaliação até para não estragar a “festa” do elevado deságio verificado.

Sendo assim, o ponto principal aqui levantado não é que o governo federal esteja sendo excessivamente generoso ao permitir ex-post o incremento dos preços dos serviços. Se este não for permitido, a meta de incremento da qualidade das rodovias simplesmente não se realiza. O problema é que o desenho do leilão, baseado em preços do serviço, é que definiu os incentivos para lances irrealistas e, por conseguinte, a inviabilidade dos investimentos requeridos. E caso o governo busque punir, agora, o comportamento oportunista pela troca do concessionário, também incorrerá em elevados custos políticos.

Note-se que o problema indicado não se limita aos leilões de concessão baseados na variável “preço de serviço”. Qualquer critério de seleção de concessionário que se basear em variáveis que vão se realizar ex-post, também padecem do mesmo problema se não forem dados incentivos apropriados ex-post para o cumprimento da obrigação ofertada no lance. Um exemplo é o leilão de áreas de exploração de petróleo pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) que inclui no critério do procedimento licitatório o Programa de Exploração Mínima (PEM) – conjunto de estudos que o concessionário se comprometeria a fazer como condição para exploração de determinada área.

É possível, inclusive que, para variáveis como preço, o problema seja menor já que a permissão posterior para reajustar acima do valor do lance tende a ser politicamente mais custosa. A reação negativa dos eleitores a incrementos da tarifa pode ser até maior que a reação à qualidade da rodovia. Já variáveis nas quais a atenção do eleitorado é naturalmente reduzida, como no caso do PEM, o custo incorrido pelo governo por ceder e negociar é relativamente menor.

De outro lado, a mesma reportagem de “Veja” destaca que as rodovias paulistas, concedidas pelo critério de maior preço pago pela concessão, apesar de contarem com pedágios mais altos, tiveram as obras contratadas entregues antes mesmo do prazo. O regulador paulista simplesmente não contou com o leilão para “revelar” a informação de qual o “melhor preço” do serviço, mas tão somente para conhecer quem será o candidato a concessionário mais eficiente a ser escolhido. Isso porque, em geral, os participantes que fazem lances maiores pela concessão são os com melhores prognósticos de lucros, os quais por sua vez estão associados a menores custos e/ou maior demanda em função de um serviço de mais qualidade. Em síntese, à maior eficiência. Os valores a serem pagos pela concessão ocorrem imediatamente ou em prestações. A capacidade do concessionário pressionar para renegociar tais valores e do regulador para aceitar tal pressão é praticamente inexistente, pois se tal ocorrer o risco de um processo judicial por malversação de recursos públicos é alto. Isso eleva a capacidade de o regulador se comprometer em relação ao pleno cumprimento da obrigação relativa ao lance de preço do leilão. Aqui, a principal fonte de commitment é o Tribunal de Contas da União (TCU) ou do Estado, conforme o caso. Em síntese, há naturalmente um commitment muito maior no critério do preço da concessão do que no preço do serviço.

Dado o que se verificou na prática, é muito razoável postular que os incentivos abordados foram chave na explicação de porque as rodovias paulistas estão melhores que as sete rodovias concedidas pelo governo federal em 2007.

Cabe uma palavra sobre benefícios e custos de uma eventual renegociação dos termos dos contratos de concessão. A despeito de adotarmos como premissa que renegociações são ruins, este nem sempre é o caso. Há contingências não previstas que derivam do fato de o contrato de concessão de rodovias, como todos contratos deste tipo, ser incompleto. A correção ex-post dos problemas derivados dessas contingências é desejável.  Há também contingências previsíveis ex-ante cuja solução deveria ser tratada no próprio edital e/ou contrato de concessão, sendo, portanto, consideradas por todos os participantes do certame. Nos dois casos (contingências imprevisíveis e/ou previsíveis e incluídas no contrato), a renegociação não gera distorções no processo de escolha do vencedor e nem de oportunismo. A renegociação traz mais benefícios do que custos, seja no curto (ex-post), seja no longo prazo (ex-ante e ex-post).

O problema aqui analisado, no entanto, diz respeito a uma contingência previsível e até provável, ou seja, o preço do pedágio não ser suficiente para financiar os custos das obras, em um típico comportamento oportunista do concessionário. Apesar de a renegociação ser ótima no curto prazo (por gerar preços baixos),  ex-post, ela se revela desvantajosa.

Guasch (2004)[6] sumaria este ponto de quando a renegociação é ou não desejável:  “se os licitantes acreditam que é possível e provável  renegociar, seus incentivos e lances serão afetados, e o leilão irá selecionar não o provedor mais eficiente, mas sim aquele mais apto em renegociações. A renegociação deve ocorrer apenas quando justificada por contingências previstas no contrato ou por eventos de grande impacto não previstos” (tradução livre) [7].

Os incentivos envolvidos no leilão por menor preço do serviço levam, inclusive, a um incremento da probabilidade de renegociação. Guasch (2004), a partir de dados de contratos de concessão em toda a América Latina e Caribe, achou um resultado no qual o índice de renegociação dos contratos de concessão foi de 60% quando o critério do leilão foi o de menor preço do serviço contra 11% quando o critério foi o de maior valor pago pela concessão[8].

Enfim, o problema aqui tratado é típico da chamada nova economia institucional na linha de Douglas North (1990)[9]. O modelo de leilão baseado no menor preço do serviço exige capacidade institucional significativamente maior do governo no sentido de se comprometer a não renegociar os termos do contrato de concessão quando a demanda se derivar de um comportamento oportunista do operador.

Outro ponto relevante é que há um dilema  entre preços dos serviços mais baixos e qualidade/velocidade das obras de manutenção/melhoria das rodovias. Dada a assimetria de informação do regulador em relação à função custo do regulado, uma obsessão muito grande por modelos de concessão que gerem preços menores naturalmente compromete as obras de manutenção/melhoria das rodovias. A aceitação de preços maiores incrementa o potencial de obras mais bem feitas e rápidas.

Enfim, reconhecer que a capacidade institucional do Estado brasileiro ainda é insuficiente e até que a obsessão por preços do serviço muito baixos pode ser muito custosa para assegurar o investimento em infraestrutura seria uma “humildade saudável” do governo.  Ou são aperfeiçoados os mecanismos de “amarrar as mãos do regulador” (ou de commitment) ou são alterados os critérios do leilão. Acreditamos que, no caso da concessão de rodovias, o segundo caminho seja o mais indicado.

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[1] Demsetz, Harold: “Why Regulate Utilities?”. Journal of Law and
Economics, Vol. 11, No. 1, (Apr., 1968).

[2] Assumindo as premissas do teorema da equivalência de receitas esperadas nos leilões, este resultado seria verdadeiro tanto para um leilão aberto descendente quanto com um leilão de um só lance em envelopes fechados. Ver Klemperer, Paul: “Auctions: Theory and Practice”. Princeton University Press, 2004.

[3] Williamson, Oliver E. (1976), “Franchise Bidding for Natural Monopolies-in General and with Respect to CATV”, The Bell Journal of Economics, Vol. 7, No. 1 (Spring).

[4] Sunk costs ou custos afundados são aqueles que não podem ser recuperados. Por exemplo, uma máquina que vale R$ 100 e que pode ser vendida no mercado de segunda mão por R$ 50, o sunk cost (não incorporando a taxa de desconto) seria R$ 50. No caso de rodovias, os investimentos em manutenção/recuperação/ampliação em uma rodovia X não podem ser removidos do local e utilizados em outra rodovia Y, tornando os sunk costs 100% dos valores investidos. Estes são custos literalmente afundados. Este, no entanto, é um problema mais genérico dos setores de infraestrutura.

[5] Note-se que há várias situações em que o oportunista é o Estado e não o concessionário: após a realização dos custos afundados pelo último, o Estado (especialmente governos recém-eleitos descomprometidos com a estabilidade das regras do procedimento licitatório) é que tenta forçar as tarifas para níveis inferiores ao estabelecido. Este problema aconteceu tanto no Paraná como no Rio Grande do Sul nesse mesmo setor de concessão de rodovias. Analisar a possibilidade de oportunismo do Estado, apesar de frequente, não é o objetivo desta nota.

[6] Guasch, J.Luis: “Granting and Renegotiating Infrastructure Concessions Doing it Right”. The World Bank Institute, 2004.

[7] if bidders believe that renegotiation is feasible and likely, however, their incentives and bidding will be effected, and the auction will likely select, not the most efficient provider, but the one most skilled at renegotiations. Renegotiation should occur only when justified by the initial contract´s built-in contingencies or by major unexpected events”.

[8] O autor analisa vários outros itens do contrato de concessão que condicionam a renegociação.

[9] North, Douglas.: Institutions, Institutional Change and Economic Performance”. Cambridge University Press, 1990.

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As receitas da Infraero são suficientes para garantir aeroportos de boa qualidade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=701&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-receitas-da-infraero-sao-suficientes-para-garantir-aeroportos-de-boa-qualidade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=701#comments Thu, 18 Aug 2011 12:23:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=701 Há quase cinco anos do “apagão” ocorrido em dezembro de 2006, são reiteradas e duradouras as manifestações para melhoria da prestação dos serviços aeroportuários brasileiros.

Seja por ascensão da chamada “classe C” ao mercado de transporte aéreo, seja por sucateamento da infraestrutura existente ou, mais recentemente, pela demanda de vultosos investimentos em virtude de grandes eventos esportivos (principalmente a Copa do Mundo de 2014), o tema constantemente ocupa a pauta dos noticiários jornalísticos.

De modo geral, em todas as análises empreendidas a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) é percebida como causa central de todos os males apontados. Por isso, diversas soluções vêm sendo apresentadas, sendo a principal delas associada à necessidade de aporte de capitais ao setor, seja por intermédio da abertura de capital da empresa, seja por venda do seu controle acionário, ou, mais recentemente por intermédio de concessões de aeroportos.

Independente de qual venha a ser a solução adotada, será fundamental a geração de receitas para remunerar a empresa prestadora dos serviços e para garantir investimentos em modernização e ampliação de aeroportos. Portanto, há que se responder uma questão central: as receitas geradas pela prestação de serviços hoje providos pela Infraero são suficientes para financiar investimentos em serviços aeroportuários de qualidade?

O que se mostra nesse artigo é:

(a) a Infraero gera um volume significativo de recursos (aproximadamente R$ 10 bilhões no período 2002-2010) que poderiam ser empregados em investimentos e serviços aeroportuários;

(b) esses recursos são, em sua maior parte, transferidos ao Tesouro e ao Comando da Aeronáutica, não revertendo em investimentos no setor;

(c) a Infraero obtém receita mediante a aplicação financeira desses recursos entre o momento da arrecadação e o momento da sua transferência ao Tesouro ou à Aeronáutica, o que gera distorção de foco na gestão da empresa, que passa a se preocupar mais com a gestão desse caixa do que propriamente com os serviços que deve prestar.

A infraestrutura aeroportuária pública no Brasil é explorada, com pequenas exceções, pela União por meio da Infraero, empresa pública criada pela Lei nº 5.862/72. Atualmente, a Infraero administra 67 aeroportos, opera 69 grupamentos de navegação aérea e 34 terminais de carga, e mantém 51 unidades técnicas de aeronavegação.

A Infraero é uma empresa de natureza comercial cuja função primordial é a de prestar serviços aos passageiros e às companhias aéreas operacionalizando embarques, pousos e oferecendo serviços de armazenagem e capatazia, entre outros.

A Infraero utiliza a infraestrutura aeroportuária da União para desempenhar suas atividades operacionais, aufere receitas a partir deste uso e realiza investimentos nesses ativos.

Parte dos recursos tarifários arrecadados, pagos por passageiros e por empresas aéreas, é classificada como receitas da Infraero, outra parte dos recursos é transferida para o Comando da Aeronáutica e para o Tesouro Nacional. A tabela abaixo apresenta os recursos que são classificados como receitas na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) da Infraero.

Receitas da Infraero

Receitas na Demonstração de Resultado do Exercício (DRE)
Aeronáuticas Comerciais
Tarifa de pouso e permanência, tarifa de embarque e 41% das tarifas de telecomunicação e auxílio à navegação aérea – TAN e TAT Tarifa de armazenagem e capatazia, concessão de áreas – esta especificamente registrada como ‘comerciais’ na DRE – e outros serviços

Fonte: demonstrações contábeis da Infraero disponíveis em www.infraero.com.br.

Os recursos tarifários que não são classificados como receitas da Infraero, enquanto não transferidos ao Comando da Aeronáutica e ao Tesouro Nacional, ficam registrados num grupo de contas do passivo chamado de ‘Recursos de Terceiros’. Este grupo é dividido em três contas: a) recursos de terceiros do Comando da Aeronáutica, b) recursos de terceiros do Tesouro Nacional, c) recursos de terceiros vinculados a investimentos.

Realizamos uma análise de rentabilidade da Infraero com base na fórmula de Dupont[1] e seus resultados foram cotejados com os fluxos de caixa gerados pelas atividades empreendidas.

A análise foi realizada como se os aeroportos fossem parte integrante do balanço da Infraero. A fórmula de Dupont revela que a rentabilidade da empresa é extremamente amplificada pelas receitas financeiras.

Observou-se que a alavancagem financeira e o spread são responsáveis por mais da metade da lucratividade da empresa na maioria dos períodos examinados. O retorno da atividade financeira da Infraero é tão preponderante que ajuda a sua rentabilidade a subir muito nos anos em que a atividade operacional gera lucro e impede que o prejuízo seja maior nos anos em que a atividade operacional gera prejuízos.

Ou seja, a empresa ganha muito mais, proporcionalmente, aplicando no mercado financeiro do que nas suas atividades finalísticas. Essa é uma grave distorção.

A explicação para a existência de receita financeira tão vultosa encontra-se no ganho de floating que a empresa aufere em virtude da atividade de administração dos recursos da conta “Recursos de Terceiros”, especialmente aqueles repassados à União, por intermédio do Tesouro Nacional e do Comando da Aeronáutica, e os relativos à Ataero vinculados a investimentos.

Qualquer incentivo a incrementar os serviços finalísticos de administração de serviços de embarque, capatazia e armazenagem, típicos do mercado aéreo, que gerariam mais receitas e a consequente eficiência operacional são minados em virtude da necessidade de a empresa repassar parcela considerável das tarifas para os “proprietários” controladores.

O incentivo, portanto, não é voltado à lucratividade operacional como forma de maximizar dividendos para os “proprietários” (a União, no caso), já que parcela considerável das tarifas que poderiam cobrir os custos operacionais, gerar uma boa rentabilidade operacional e fazer face às necessidades de investimento em infraestrutura aeroportuária é repassada ao Comando da Aeronáutica e ao Tesouro Nacional.

Como contrapartida, à empresa é concedido o direito de administrar esses recursos e obter receitas financeiras com seu floating. Assim, a empresa desvia-se da sua vertente operacional e concentra seus esforços na administração do fluxo de caixa dos “Recursos de Terceiros”. Com esses incentivos inversos, o modus operandi da empresa mais se assemelha ao de uma instituição financeira do que ao de uma administradora e prestadora de serviços aeroportuários.

A transferência dos recursos ao Tesouro e ao Comando da Aeronáutica não seria um problema se eles retornassem ao setor aeroportuário, por meio de investimentos públicos nos aeroportos. Mas não é isso que acontece. Para melhor entender o caminho dos recursos no setor, a figura abaixo apresenta o fluxo de recursos entre União e Infraero.

O Tesouro Nacional faz aportes de capital na Infraero, e dela recebe tanto dividendos quanto a transferência das receitas que são destinadas ao Comando da Aeronáutica ou à amortização da dívida pública.

Fluxo de recursos entre União e Infraero (veja tabela em versão pdf)

A tabela abaixo apresenta os valores desses fluxos.

Transações da Infraero com a União

Transações com a União 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 Total
Aportes de Capital 3 3 91 573 350 0,7 192 2 1.215
Dividendos 7 19 38 76 503 2 24 140 52 861
Comando da Aeronáutica (a) 629 1.132 1.110 1.046 951 767 746 489 439 7.309
Tesouro Nacional 236 220 198 241 164 234 225 201 142 1.861

Nota. Em R$ milhão; (a) no Comando da Aeronáutica os recursos são repartidos entre Fundo Aeronáutico, Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e Secretaria de Economia e Finanças (Sefa). Fonte: demonstrações contábeis e notas explicativas da Infraero de 2002 a 2010 disponíveis em www.infraero.com.br.

Somando os dividendos com as transferências ao Tesouro e à Aeronáutica, temos que, no período 2002-2010, a Infraero repassou ao Governo Federal R$11,5 bilhões. Deduzindo os aportes de capital feitos na empresa, o volume líquido transferido ao Governo foi de R$ 10,3 bilhões.

Os recursos repassados ao Tesouro Nacional são destinados à amortização da dívida pública federal, nos termos das Leis nos 9.825/99 e 10.744/2003. Os recursos repassados ao Comando da Aeronáutica, nos termos do art. 1º, §1º, da Lei nº 7.920/89, são destinados à “aplicação em melhoramentos, reaparelhamento, reforma, expansão e depreciação de instalações aeroportuárias e da rede de telecomunicações e auxílio à navegação aérea”.

Se o dinheiro transferido ao Comando da Aeronáutica fosse, efetivamente, investido nessas finalidades, teríamos o significativo valor de R$ 7,3 bilhões adicionais com destinação específica para investimentos em infraestrutura aeroportuária.

A questão é saber se esses recursos foram efetivamente empregados na sua destinação obrigatória prevista na Lei nº 7.920/89.

Nas demonstrações contábeis e no relatório de administração elaborados pela Infraero, não existem informações específicas sobre a realização desses investimentos compulsórios. Os dados disponíveis apresentam os investimentos com recursos próprios e de outras fontes que não os recursos do Comando da Aeronáutica, conforme descrito na tabela abaixo.

Fonte dos Recursos Total 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002
Recursos próprios 1771 320,1 71,5 63,8 241,7 209,9 228,8 260,2 96,9 278,1
Recursos do orçamento fiscal 781,4 117,7 72,7 145,3 95,8 96,1 253,8
Recursos Ataero (parte Infraero) 1651,9 205,8 71 62,4 101,6 225 198,1 241,1 407,2 139,7
Recursos de convênios 426,2 297,4 39,9 9,2 10,7 69
Total 4630,5 643,6 215,2 271,5 439,1 828,4 720,6 510,5 514,8 486,8

Nota. Em R$ milhões. Fonte: demonstrações contábeis e notas explicativas da Infraero de 2002 a 2010 disponíveis em www.infraero.com.br.

Vê-se que, no período de 2002 a 2010 foram realizados investimentos de R$ 4,6 bilhões em infraestrutura aeroportuária. Se aqueles outros R$ 7,3 bilhões, transferidos ao Comando da Aeronáutica, tivessem sido aplicados na sua destinação compulsória, o sistema aeroportuário teria realizado, nesse mesmo período, investimentos na casa de R$ 12 bilhões em nossos aeroportos.

A tabela abaixo apresenta o fluxo de recursos para o Fundo Aeronáutico e os dispêndios realizados pelo Comando da Aeronáutica.

Recursos do Fundo Aeronáutico e aplicações em despesas do Comando da Aeronáutica

2010 2009 2008 2007 2006
Fundo Aeronáutico
Receita do Fundo Aeronáutico 2.017,30 1.805,88 1.734,47 1.437,15 1.336,54
– Receita de Serviços (a) 1.333,60 1.200,41 1.246,12 973,99 858,91
– Receita Patrimonial (b) 323,64 318,38 189,54 222,29 259,47
– Outras (c) 360,06 287,09 298,81 240,87 218,16
Despesas do Fundo Aeronáutico 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Comando da Aeronáutica
Despesa do Comando da Aeronáutica (d) 621,48 990,54 787,62 670,96 700,41
– Adestramento e Operações Militares da Aeronáutica 0,00 0,00 3,41 4,37 3,55
– Proteção ao Voo e Segurança do Tráfego Aéreo 0,00 0,00 560,85 471,04 522,17
– Desenvolvimento da Infraestrutura Aeroportuária 114,31 320,14 196,68 176,54 146,87
– Apoio Administrativo 37,21 34,72 26,68 19,01 27,61
– Serviço de Saúde das Forças Armadas 0,00 0,00 0,00 0,00 0,21
– Segurança de Voo e Controle do Espaço Aéreo 469,84 631,21 0,00 0,00 0,00
– Preparo e Emprego da Força Aérea 0,12 4,47 0,00 0,00 0,00

Notas: Em R$ milhão. (a) Inclui as seguintes naturezas de receita: 1600.31.00 (tarifa e adicional sobre tarifa aeroportuária), 160031.01 (tarifa aeroportuária), 1600.31.02 (adicional sobre tarifa aeroportuária), 1600.31.03 (parcela da tarifa de embarque internacional), 1600.33.01 (tarifas de uso das comunicações e dos auxílios e navegação aérea em rota), 1600.33.02 (adicional sobre tarifas de uso das comunicações e dos auxílios à navegação aérea em rota). (b) Remuneração das disponibilidades aplicadas no “caixa” do fundo aeronáutico. (c) Inclui, entre outros, arrendamentos, taxas de ocupação de imóveis, convênios, etc. (d) Despesa realizada com recursos das fontes de recursos advindas da Infraero pelo Comando da Aeronáutica em nome do Fundo Aeronáutico. Fonte: balanços-gerais da União (BGU).

Pelas informações apresentadas, há um considerável volume de recursos arrecadados e um valor substantivamente menor de despesas realizadas. O constante e expressivo superávit somado aos recursos depositados no caixa e arrecadados em exercícios anteriores, conforme apresentado na próxima tabela, sugere que o sistema aéreo brasileiro, por meio da cobrança de tarifas, gera recursos suficientes para praticamente triplicar o montante de investimentos em sua infraestrutura aeroportuária.

Recursos do sistema aéreo e aplicações em despesas do Tesouro Nacional

2010 2009 2008 2007 2006
Caixa do Fundo Aeronáutico 3.043,42 2.693,24 2.271,56 2.091,08 1.878,69
– Depositados na Conta Única 209,06 570,47 143,79 238,98 24,89
– Aplicados (basicamente em LTN) 2.834,36 2.122,77 2.127,77 1.852,10 1.853,80

Notas: Em R$ milhão. Fonte: balanços-gerais da União (BGU).

Conclui-se, portanto, que a estrutura tarifária já garante recursos vultosos ao setor aeroportuário. Contudo, o atual sistema de partilha gera incentivos perversos: a Infraero é estimulada a maximizar receitas financeiras, em vez de se concentrar na gestão dos aeroportos; e o Tesouro é estimulado a reter recursos que deveriam financiar os investimentos aeroportuários.

Qualquer mudança no setor, seja ela no sentido de privatizar a Infraero, abrir seu capital ou fazer concessão dos aeroportos precisará corrigir esse sistema de partilha de recursos. O Tesouro precisa estar consciente de que perderá recursos hoje destinados à geração de superávit primário. Esse será o preço para buscar um sistema aeroportuário mais eficiente.

“O artigo expressa opiniões pessoais dos seus autores. Nenhuma responsabilidade é assumida pelos autores em razão das consequências da utilização das suas opiniões e/ou de qualquer informação contida neste artigo, que de forma alguma devem ser vistas como sendo as visões, posições ou opiniões institucionais do Tribunal de Contas da União.”

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[1] Método de análise financeira que decompõe o retorno sobre o patrimônio líquido (RSPL) em: retorno sobre o ativo operacional líquido (RSOL) + spread (diferença entre o RSOL e a rentabilidade do ativo financeiro) x alavancagem financeira (grau de endividamento da empresa).

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Vale a pena construir o Trem Bala? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=454&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=vale-a-pena-construir-o-trem-bala https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=454#comments Wed, 13 Apr 2011 03:01:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=454 Está em andamento um projeto para construir um trem de alta velocidade (TAV), popularmente conhecido como “trem-bala” entre Rio e Campinas, passando por São Paulo. É um trem de passageiros (sem possibilidade de uso para transporte de cargas, a não ser pequenas encomendas), com possíveis estações intermediárias em São José dos Campos, Aparecida do Norte, Resende, Volta Redonda e Barra Mansa. Os aeroportos de Viracopos (Campinas), Guarulhos (São Paulo) e Galeão (Rio de Janeiro) também seriam servidos por estações. A distância total a ser percorrida é de 511 km, sendo que o trecho principal (Rio – São Paulo) teria 412 km. O tempo mínimo de viagem entre Rio e São Paulo seria de 1 hora e 33 minutos, caso venha a ser possível atingir velocidade máxima de 300 km por hora e sem paradas. A viagem do Rio a Campinas, com paradas, levaria 2 horas e 27 minutos.

No atual estágio de desenvolvimento da infraestrutura no Brasil, este não parece ser um investimento que valha a pena. A razão é simples: ele vai consumir um volume elevado de recursos públicos (entre R$ 15 bilhões e R$ 36 bilhões)[1], fora o montante adicional a ser aportado por investidores privados (o custo total da obra está orçado oficialmente em R$ 34,6 bilhões, mas pode chegar facilmente aos R$ 50 bilhões, devido a subestimativas de custos no projeto de viabilidade).

Para que se tenha uma idéia de como o projeto é caro, a tabela abaixo compara o orçamento oficial do TAV com outras obras. Colocar entre R$ 15 bilhões e R$ 36 bilhões de dinheiro do Tesouro em um único projeto, significa gastar mais do que tudo o que foi investido em ferrovias entre 1999 e 2008. Trata-se, portanto, de um gasto de vulto que vai drenar dinheiro que poderia ser aplicado em outros investimentos públicos.

Custo total estimado para construção do TAV Rio de Janeiro – Campinas, para outros projetos de infraestrutura de grande vulto e despesa efetivamente realizada em infraestrutura ferroviária e aeroportuária

R$ bilhões

TAV 1 34,6
Usina Hidrelétrica de Belo Monte 2 19,0
Usina Hidrelétrica de Santo Antônio 3 8,8
Usina Hidrelétrica de Jirau 4 8,7
Ferrovia Norte-Sul 5 6,5
Ferrovia Transnordestina 6 5,4
Transposição do Rio São Francisco 7 4,5
   
Invest. público e privado em ferrovias de 1999 a 2008 8 16,6
Invest. público em aeroportos de 1999 a 2008 9 3,1

Elaborado pelo autor. Fontes: ver http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/NOVOS%20TEXTOS/TD%2082%20-%20Marcos%20Mendes.pdf

Sem dúvida que a idéia de viajar do Rio a São Paulo em um transporte moderno, sem correr o risco de aeroportos fechados ou congestionados, é atrativa. Porém, sempre que se pretende colocar dinheiro público em um empreendimento, a primeira pergunta a ser feita é: existe aplicação melhor para esse dinheiro? E no caso do TAV, parece haver muitos outros investimentos de retorno econômico e social mais elevados, que deveriam ser considerados prioritariamente.

O PROJETO NÃO É PRIORITÁRIO

O principal serviço a ser prestado pelo TAV é o transporte de pessoas de alta renda no eixo Rio – São Paulo – Campinas. Trata-se de um serviço que já é prestado (ainda que com alguns problemas) pela ponte aérea e pelas rodovias, sem necessidade de subsídio público. Em um país com grandes carências na área de infraestrutura, o TAV não passa de um bem de luxo.

Apenas para citar um exemplo, no Brasil apenas 59% dos domicílios particulares permanentes são atendidos por rede coletora de esgoto ou fossa séptica ligada à rede coletora e 84% são atendidos por rede geral de abastecimento de água; enquanto países do leste asiático e da OCDE já universalizaram esse atendimento.

O que será que geraria maior benefício à população brasileira: um transporte rápido entre Rio e São Paulo, ou um investimento maciço na direção da universalização do acesso á água e esgoto? Estudo coordenado pelo economista Marcelo Neri mostra que a disponibilidade de água filtrada e acesso à rede de esgoto diminuem em 24% a probabilidade de uma mulher ter algum filho nascido morto. Mostra também que as crianças pobres, do sexo masculino, entre 1 e 6 anos são as principais vítimas da falta de saneamento[2]. Estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) indica que até 2015, 55% dos municípios brasileiros (3.059 cidades) poderão ter problemas com abastecimento de água. Com R$ 9,6 bilhões seria possível solucionar o problema nas 256 maiores cidades, que concentram quase a metade da população do país[3].

Ser desenvolvido é viabilizar transporte em trem-bala para a população de alta renda ou é garantir o abastecimento de água e reduzir a mortalidade infantil decorrente da falta de saneamento? Os países que se dão ao luxo de investir nesse trem ultrarápido há muito já resolveram suas carências básicas em infraestrutura.

Para colocar a comparação no campo da infraestrutura de transportes, podemos perguntar se não seria mais interessante investir no transporte público urbano, para reduzir os congestionamentos e aumentar a qualidade do serviço prestado à população (majoritariamente de baixa renda) que dele necessita nos deslocamentos cotidianos. Enquanto o estudo de viabilidade do TAV prevê a realização de 35 milhões de passageiros por ano, o metrô de São Paulo transporta 3,4 milhões de passageiros por dia, o que equivale a 1,24 bilhão de passageiros por ano. O impacto da ampliação da rede de metrô e sua integração com outros transportes públicos sobre a qualidade de vida e a produtividade dos grandes centros urbanos possivelmente seria muito superior ao impacto do TAV.

Não é preciso ser especialista em infraestrutura para saber que outras áreas também estão muito atrasadas no Brasil: estradas necessitam de recuperação e duplicação; há grande concentração de habitações em áreas de risco que precisam ser removidas; os aeroportos são acanhados e estão congestionados; os portos são ineficientes e insuficientes; há déficit na geração e distribuição de energia elétrica, há inúmeros projetos de ferrovias de carga por desenvolver e as já existentes necessitam de investimentos para aumentar sua produtividade.

O PROJETO CONFLITA COM A POLÍTICA MACROECONÔMICA

Mas o problema do TAV não está apenas no fato de não ser um investimento prioritário. Outro problema é que o projeto conflita com as diretrizes de política econômica do governo. Sabe-se que um dos principais problemas macroeconômicos do País é a valorização do real frente ao dólar, que encarece as exportações brasileiras e reduz a competitividade dos produtos nacionais no exterior. Para enfrentar essa dificuldade, nada melhor que investir na redução dos custos incorridos pelos exportadores (o famoso “Custo Brasil”). Na área de infraestrutura, a melhor maneira de fazê-lo parece ser por meio de investimentos no transporte ferroviário de carga e na modernização dos portos. Investir em transporte ferroviário de passageiros em nada ajuda nesse processo.

Outra forma de enfrentar a desvalorização do dólar é por meio de um ajuste fiscal, que reduza a despesa pública como proporção do PIB. Expandir a despesa pública com a construção do TAV não apenas vai contra essa necessidade, como também torna ainda mais restrita a disponibilidade de recursos para outros investimentos de maior prioridade.

O TESOURO ASSUME RISCO FINANCEIRO EXCESSIVO

Outro problema grave está no mecanismo financeiro criado para financiar o investimento. O risco é suportado inteiramente pelo Tesouro Nacional. Isso ocorre porque o BNDES concederá um investimento de R$ 20 bilhões ao consórcio escolhido para fazer a obra. O Tesouro será o garantidor do empréstimo: se o consórcio não pagar, o Tesouro paga ao BNDES. Para tanto, o Tesouro receberá contragarantias da parte do consórcio. Se tiver que honrar o empréstimo, o Tesouro acionará tais contragarantias para ser ressarcido. O problema é que tais contragarantias são muito frágeis. Ficou estabelecido que elas serão representadas pelas ações do consórcio e pela sua receita operacional. Ora, se o TAV enfrentar dificuldades financeiras, as ações vão valer pouco (ações de empresas com problemas se desvalorizam) e a receita operacional será baixa. Logo, as contragarantias não serão suficientes para ressarcir o Tesouro.

E mesmo que o Tesouro receba as ações do consórcio para se ressarcir, isso significará uma estatização do TAV. E o que o governo vai fazer: passar a operar o trem com uma empresa estatal, engordando a administração pública com uma atividade não-típica de governo, e com incentivos à ineficiência? A outra opção seria leiloar novamente a concessão, mas um novo concessionário fará grandes exigências financeiras para assumir o negócio, tendo em vista que as perspectivas de ganho já se mostraram restritas, a ponto de o primeiro concessionário não ter conseguido pagar a dívida do empreendimento.

Frente à ameaça de ter que estatizar o TAV, o resultado provável é que o governo fique refém do consórcio operador do trem, concedendo-lhe mais e mais subsídios fiscais e creditícios ao longo do tempo.

O ESTUDO DE VIABILIDADE É VAGO QUANTO AOS POSSÍVEIS BENEFÍCIOS

Há que se questionar, também, quais seriam os benefícios trazidos pelo TAV. Nesse ponto, o que chama atenção é a superficialidade dos estudos técnicos[4]. Não há qualquer análise oficial que detalhe ou quantifique os benefícios a serem gerados pelo TAV. São apresentadas apenas referências genéricas a potenciais ganhos. Muitos desses alegados benefícios poderão ser, na prática, reduzidos por efeitos colaterais não levados em conta pelo estudo de viabilidade, que deveria não só considerá-los, mas, também, quantificá-los na medida do possível.

O primeiro argumento é o de que a ligação Rio – São Paulo está saturada, e que é fundamental um novo modal de transportes de passageiros além do rodoviário e do aéreo. Mas o próprio estudo de viabilidade mostra que pelo menos 60% do tráfego estimado de passageiros será no eixo São Paulo – Campinas – São José dos Campos. O trecho Rio – São Paulo ficaria com apenas 18% das viagens. Ora, nesse caso, seria muito mais interessante pensar em um sistema de trens que ligasse, inicialmente, apenas as três cidades paulistas, deixando para uma segunda etapa a extensão até o Rio de Janeiro (que, diga-se de passagem, representa o trecho da obra com maiores desafios de engenharia, devido à necessidade de lidar com o declive da Serra das Araras). Já existe, no âmbito do Governo do Estado de São Paulo, projetos de ferrovias que atenderiam bastante bem, a custo muito menor, a demanda por transporte ferroviário de passageiros entre as cidades paulistas. A ligação Rio – São Paulo poderia ser atendida por meio de ampliação de aeroportos ou construção de novos aeroportos, que serviriam não apenas essa ligação, mas todos os demais destinos nacionais e internacionais.

Alega-se que o TAV irá reduzir o tráfego de automóveis e ônibus nas estradas, minimizando congestionamentos, elevando a segurança dos viajantes e gerando impacto ambiental positivo, pela substituição do consumo de combustíveis fósseis pela energia elétrica renovável a ser usada na propulsão dos trens.

Há que se considerar, porém, que a construção do TAV irá drenar significativos recursos financeiros e impedirá a realização de investimentos no transporte ferroviário de carga em todo o País. A consequência será a expansão do número de caminhões trafegando nas estradas de todo o país (que poderiam ser substituídos por trens de carga), queimando óleo diesel, aumentando o tráfego e os riscos de acidentes.

A respeito desse efeito, é interessante citar a comparação feita por O´Toole (2008, p.12-13) entre o transporte de cargas nos EUA (que não têm TAV) e a Europa (onde há ampla rede de TAV): “a ênfase da Europa no uso de trens para o transporte de passageiros teve profundo efeito na movimentação de cargas. Nos EUA, um pouco mais de um quarto das cargas são transportadas por estradas e mais de um terço por trens. Na Europa quase ¾ seguem pela estrada (…). A baixa capacidade de transporte de carga das ferrovias da Europa e do Japão indicam que um país ou região pode usar seu sistema ferroviário para passageiros ou carga, mas não para os dois.  Gastar US$ 100 bilhões por ano em transporte ferroviário de passageiros pode tirar uma pequena porcentagem de carros das estradas, mas uma possível consequência é um grande aumento no número de caminhões nas estradas” – tradução livre.

O’Toole (2008, p. 6 e 8) também contesta idéia de que o TAV é capaz de promover significativo desafogamento de rodovias. Afirma que, no caso do projeto em estudo na Flórida – EUA, “os planejadores estimaram que a linha de trem removeria apenas 2% dos carros de um segmento não-saturado da rodovia I-4, e parcelas ainda menores de outros segmentos(…)[Na Califórnia] o trem de alta velocidade tiraria, em média, 3,8% dos carros das rodovias paralelas às linhas férreas” – tradução livre.

O benefício ambiental decorrente da substituição da queima de combustíveis fósseis por energia elétrica renovável também pode vir a ser eliminado pelo impacto ambiental causado pela construção do TAV: uma grande quantidade de carbono será liberada durante o longo processo de construção, lembrando que o projeto brasileiro atravessará ampla área de mata atlântica e nascentes. O estudo de viabilidade deveria mostrar esses dados e fazer as devidas comparações. Mas simplesmente silencia a respeito.

Outro argumento apresentado pelos defensores do trem bala consiste no fato de que o investimento no TAV reduziria os investimentos necessários na reforma e ampliação de aeroportos. Tal idéia só se aplica aos aeroportos de Santos Dumont e Congonhas, que atualmente operam a ponte aérea, e aos do Galeão e de Guarulhos, que estão na rota do TAV. O outro aeroporto inserido no trajeto – Viracopos, Campinas – teria seu tráfego ampliado, ao se tornar uma opção atraente de acesso à cidade de São Paulo, exigindo mais investimentos. Além disso, a realização de grandes eventos esportivos nos próximos anos e o atraso histórico na capacidade e eficiência dos aeroportos brasileiros exigirão grandes investimentos em aeroportos, independentemente de se construir ou não o TAV.

Há, também, o argumento de que o TAV utilizaria faixa de terreno mais estreita que as rodovias, o que propiciaria economia em termos de uso do solo. Tal argumento parece ser válido apenas para os trechos não urbanos, pois as rodovias acabam na entrada da cidade e, a partir dali, utilizam-se as pistas já existentes. No caso do trem será preciso desapropriar solo urbano (em geral mais caro que o não urbano) para uso exclusivo da linha férrea, que entra na cidade para chegar até a estação. Há que se considerar, ainda, os custos gerados pelo seccionamento das cidades pela linha férrea. No caso do TAV, que não admite o cruzamento da linha por carros ou pedestres, e que fica isolado por altas grades e muretas, será preciso criar túneis, pontes ou trechos subterrâneos de modo a não bloquear a livre circulação da população no interior das cidades por onde passar.

E o que dizer do argumento de desenvolvimento regional? De fato o TAV tende a gerar prosperidade para as cidades que, incluídas em seu trajeto, são contempladas com estações. Ahlfeldt e Feddersen (2010) mostram evidências estatísticas de progresso econômico em cidades do interior da Alemanha que se tornaram mais acessíveis aos grandes centros de Colônia e Frankfurt. Mas esse benefício tem como contrapartida os custos impostos às cidades onde o trem passa, mas não pára: essas cidades sofrem os efeitos negativos (poluição sonora e visual, seccionamento do seu território, demolição de equipamentos públicos preexistentes, etc.), sem ter o benefício de serem servidas pelo trem. Ademais, o TAV irá circular sobre a região mais desenvolvida do País. Do ponto de vista de impacto regional, e lembrando que haverá gastos do governo federal para viabilizá-lo, o TAV representa, assim, uma transferência de renda das regiões mais pobres do País para o eixo Rio – São Paulo – Campinas.

Há, também, que se comparar os benefícios das cidades contempladas com estações aos custos pagos pelos contribuintes de todo o país, muitos dos quais jamais utilizarão o trem nem tampouco receberão benefícios indiretos gerados por esse equipamento.

A assertiva de que a construção do TAV permitirá a absorção de tecnologia pelo país suscita a seguinte dúvida: tal tecnologia tem aplicação em outras áreas da indústria ou se limita à construção de trens velozes? Se não tiver externalidades para outro segmento será inútil absorvê-la, pois não parece haver outros trechos com possível viabilidade para construção de TAV no país.

Alega-se que os trens de alta velocidade de outros países geram redução do tempo total de viagem em relação ao avião, pois não exigem gasto de tempo com check in, além de terem estações mais próximas aos centros das cidades que os aeroportos, que costumam se situar fora da área urbana. No caso brasileiro esse último argumento não se aplica, pois os aeroportos Santos Dumont e Congonhas, que servem a ponte aérea entre Rio e São Paulo, têm localização mais privilegiada que aquelas planejadas para as estações do TAV, fato que é reconhecido pelo estudo de viabilidade. Além disso, inovações tecnológicas, como o check-in prévio, via web, e o check-in eletrônico disponível no próprio aeroporto reduzem esse diferencial de tempo sem a necessidade de grandes investimentos.

Em suma, se o Governo pretende lançar dinheiro público em um projeto arriscado, que pode custar entre R$ 14 e R$ 36 bilhões ao contribuinte, é preciso muito mais do que simplesmente apresentar uma lista de possíveis benefícios. É essencial que se façam estudos aprofundados e detalhados desses alegados benefícios, para verificar se, de fato, eles se materializarão, com que intensidade, e quais os possíveis efeitos colaterais que reduzirão o ganho líquido estimado. Além disso, esses benefícios precisam ser superiores aos gerados por outros investimentos de infraestrutura.

Referências bibliográficas

Ahlfeldt e Feddersen (2010) From periphery to the core: economic adjustments to high speed rail. Disponível em http://www.ieb.ub.edu/aplicacio/fitxers/WS10Ahlfeldt.pdf

O’Toole, Randal (2008) High-speed rail: the wrong road for America. Policy Analysis, nº 625. CATO Institute. Disponível em http://www.cato.org/pubs/pas/pa-625.pdf

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Para ler mais sobre o tema:

Mendes, Marcos (2010) Trem de alta velocidade: caso típico de problema de gestão de investimentos. Centro de Estudos da Consultoria do Senado. Texto para Discussão nº 77. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/NOVOS%20TEXTOS/Texto%2077%20-%20Marcos%20Mendes%20-%20TAV.pdf

Mendes, Marcos (2010) Trem de alta velocidade: novas informações para debater o projeto. Centro de Estudos da Consultoria do Senado. Texto para Discussão nº 82. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/NOVOS%20TEXTOS/TD%2082%20-%20Marcos%20Mendes.pdf


[1] Estas estimativas foram feitas em artigo do autor sobre o tema, disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/NOVOS%20TEXTOS/TD%2082%20-%20Marcos%20Mendes.pdf

[2] http://www3.fgv.br/ibrecps/CPS_infra/sumario.pdf

[3] Fonte: Valor Econômico, edição de 22 de março de 2011.

[4] Tais estudos estão disponíveis em www.tavbrasil.gov.br

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=454 63
Por que é importante investir em infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=31&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-investir-em-infraestrutura Wed, 09 Feb 2011 23:52:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=31 “Governar é construir estradas”. A afirmação de Washington Luís, Presidente do Brasil entre 1926-1930, procurava destacar a importância da infraestrutura de transportes para o desenvolvimento da economia: boas estradas reduzem o custo de transportes e, portanto, o preço final dos produtos, tornando-os mais acessíveis ao consumidor e mais competitivos com os concorrentes. Também permitem que cada região se especialize nas atividades econômicas para as quais tenham maior vocação (agricultura, pecuária, serviços, etc.), gerando ganhos de produtividade e qualidade para toda a economia. A redução do tempo de viagem entre duas cidades permite aumentar os laços econômicos e sociais (é possível morar em uma cidade e estudar, fazer compras e consultar médicos em outra cidade, por exemplo), o que aumenta o universo de escolha dos consumidores e a concorrência entre as empresas.

Obviamente quando se fala em infraestrutura não se está falando apenas em estradas. A construção de usinas hidrelétricas aumenta a oferta de energia no país e viabiliza a expansão das indústrias. Sistemas de irrigação facilitam a expansão da agricultura para terras antes consideradas impróprias para cultivo. Portos eficientes reduzem os custos das exportações aumentando a capacidade das empresas nacionais para vender seus produtos no exterior, o que aumenta o emprego no país.

Os investimentos em infraestrutura também podem ter importante impacto na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida da população de menor renda. Há um efeito direto de aumento da oferta de empregos e salários quando a economia cresce e se torna mais eficiente e competitiva. Mas há, também, um aumento no valor de mercado do patrimônio da população pobre quando a sua residência passa a ser servida por rede de esgoto, água e telefone. Da mesma forma, a propriedade rural passa a valer mais quando uma estrada facilita seu acesso à cidade mais próxima. A redução de incidência de doenças na população pobre, decorrente da expansão do saneamento básico, se reflete em aumento da capacidade de aprendizado escolar das crianças e da capacidade laboral dos adultos. Telefones e demais sistemas de comunicação eficientes e baratos permitem que pequenos negócios informais tenham custos operacionais baixos e possam crescer, pois se torna barato encontrar novos negócios (torna-se  mais fácil construir uma ponte entre comprador e vendedor). Além disso, uma comunicação melhor permite agilizar a pesquisa por matérias-primas de menor custo e aperfeiçoar as condições de negociação de venda de safra pelo pequeno produtor rural. Transportes urbanos rápidos e baratos dão liberdade para se optar por uma residência mais distante, com preços mais acessíveis.

Todas essas vantagens do investimento em infraestrutura podem se perder se os investimentos forem mal feitos, se os custos forem superfaturados, se o material utilizado nas obras for de má qualidade, se a infraestrutura construída não for submetida a periódica manutenção. Uma estrada que ligue o “nada” a “lugar algum” não terá efeitos positivos sobre a economia e representará desperdício de valiosos recursos públicos. Uma estrada esburacada não realizará todo seu potencial de reduzir custos e aproximar lugares distantes.

Outro problema relevante é a subordinação das decisões sobre que obras devem ser executadas aos interesses econômicos das empresas que fazem as obras. Não é difícil imaginar que um eficiente lobby convença gestores públicos a fazer um investimento que não seja prioritário ou necessário para a população, mas que seja lucrativo para os construtores e fornecedores. As possibilidades de corrupção também são grandes.

Para que os investimentos públicos em infraestrutura realizem todo seu potencial benéfico à população é preciso que o estado tenha capacidade técnica para planejar e monitorar investimentos (e evitar ficar a reboque de projetos apresentados por empreendedores privados, que têm interesse em lucrar com a execução do projeto e menor interesse na eficácia da infraestrutura quando esta estiver pronta). Também é fundamental que existam mecanismos de estado que promovam avaliações independentes dos projetos (por instituições de controle como o TCU e a Controladoria Geral da União), para que haja uma checagem dos projetos elaborados pelo governo. É importante que se tenha uma lei de licitações que garanta efetiva competição entre os candidatos a realizar a obra, evitando conluios e cartéis. Fiscalização das obras (qualidade do material empregado, cumprimento de prazo, correta execução dos projetos, etc.) é outro componente fundamental.

Falhas nesses quesitos fizeram com que os investimentos públicos em infraestrutura no Brasil muitas vezes aparecessem para a população como fonte de desperdício de recursos, perdendo apoio entre os eleitores. Por outro lado, a realização de políticas que geram benefícios mais imediatos aos eleitores, as chamadas “políticas sociais” (tais como o aumento do salário mínimo, a criação de ajuda financeira aos pobres e a expansão da quantidade e do valor das aposentadorias) mostraram ter importante impacto na popularidade dos políticos, facilitando sua eleição ou reeleição.

Junte-se a isso a necessidade de manter o equilíbrio das contas do governo, e tem-se uma situação em que a expansão dos gastos com as políticas sociais acaba levando à necessidade de se frear os investimentos em infraestrutura. Não se está aqui julgando que as políticas sociais são inapropriadas (este deve ser assunto de para outro texto analítico). Faz-se apenas a constatação de que o seu crescimento ocupou o espaço dos investimentos na composição da despesa pública.

Além disso, nos diversos episódios de crises nas contas do governo (motivada não só pela expansão das políticas sociais, mas também por expansão ineficiente da máquina pública), em que se fez necessário um corte abrupto de despesas, os investimentos em infraestrutura se tornaram o principal alvo dos cortes. É fácil entender os motivos. O primeiro motivo é que o corte de um único investimento de grande valor já gera significativa redução de despesas, enquanto que o corte de despesas correntes (salários, benefícios sociais, manutenção dos órgãos públicos, etc.) precisaria ser feito em diversos programas, para que a soma total equivalesse ao valor cortado no investimento. O segundo motivo é que há restrições legais ao corte de importantes despesas correntes (há limites para a demissão de pessoal, não se pode reduzir o valor dos vencimentos dos servidores, a constituição obriga a realização de um montante mínimo de gastos em saúde e educação, etc.). O terceiro motivo é que investimentos em infraestrutura são gastos que ainda não trouxeram um benefício concreto para a população – esse benefício somente se materializará quando a obra estiver completa. Já o corte de programas sociais traz um prejuízo imediatamente sentido pela população afetada e, por isso, é mais custoso politicamente. Daí a preferência pelo caminho mais fácil: adiar ou cancelar investimentos públicos em infraestrutura.

Como conseqüência desses fatores, o investimento público em infraestrutura no Brasil caiu de 3,6% do PIB no período 1981-1986 para 1,15% no período 2001-2006, de acordo com estudo de Calderón e Servén[1]. O mesmo estudo mostra que, em decorrência dessa redução de investimentos, o Brasil, na comparação com outros países emergentes, ficou para trás em termos de quantidade, qualidade e acesso da população a estradas, energia elétrica, telefones, internet, água e saneamento. A conseqüência é a perda de eficiência e competitividade da economia, com redução da possibilidade de crescimento econômico, de geração de emprego e renda e de redução da pobreza.

A reversão desse quadro desfavorável passa, em primeiro lugar, pela recuperação da capacidade do estado brasileiro para planejar e gerir investimentos públicos em infraestrutura, de acordo com os pontos já listados acima, desde a elaboração de um bom plano de investimentos até uma boa fiscalização de obras e adequada manutenção da infraestrutura já existente.

Quando a população passar a enxergar nos investimentos públicos de qualidade um efetivo caminho para melhorar sua qualidade de vida, haverá um natural arrefecimento da demanda por medidas imediatas de assistência social para alívio da pobreza e por aumentos salariais via elevação do salário mínimo. Fazer obras boas, úteis e necessárias obras voltará a dar votos.

Um segundo caminho para lidar com a falta de recursos públicos para financiar investimentos é recorrer aos investimentos privados em infraestrutura, tema que será abordado em outro texto.

Para ler mais sobre o tema:

Banco Mundial. Avaliação da gestão da eficiência do investimento público. Outubro de 2009. Disponível em http://www.njobs.com.br/2-seminario-orcamento/public/palestras.php –  painel 1, painelista Jim Brumby.

Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

Frischtak, C. O investimento em infraestrutura no Brasil: histórico recente e perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.  38, n. 2, ago 2008, p. 307-348.

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[1] Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

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