inflação – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Inflação e corrupção https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3602&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=inflacao-e-corrupcao Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3602 Inflação e corrupção

Por Luiz Alberto Machado*

 “Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que  corromper sua moeda – processo que empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, de modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.”

John Maynard Keynes

Alinho-me àqueles que consideram o Plano Real o grande divisor de águas da economia brasileira. A conquista da estabilidade monetária pôs fim a um perverso ciclo de planos de estabilização fracassados que foram responsáveis pela nossa permanência em prolongado atoleiro. Adotados com o objetivo de acabar com a inflação crônica e elevada vigente na década de 1980 e início da de 1990, tais planos agravaram as tradicionais consequências negativas da inflação – corrosão do valor da moeda, elevação dos preços, perda aquisitiva dos salários – adicionando a elas a instabilidade jurídica decorrente da ruptura de contratos juridicamente perfeitos, a instabilidade financeira decorrente da troca frequente da moeda e das ilusões de rentabilidade, e a ampliação do campo para a corrupção generalizada graças, entre outras coisas, à manipulação dos orçamentos públicos transformados em peças de ficção contábil.

Num artigo de 1992 do Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, há um parágrafo que retrata bem o que era viver num país com taxas de inflação como essas: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil”. 

É evidente que há uma diferença acentuada entre os níveis da inflação daquela época e o da atual, que chegou a 10,06% em 2021, conforme divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos dez anos, apenas em dois deles, 2015 e 2021, a inflação anual foi superior a 10%, como se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – A inflação nos últimos 10 anos: IPCA 2011-2021

Para enfatizar bem a diferença entre os dois contextos, vale lembrar, tanto para os que viveram nos primeiros anos da década de 1990 e, especialmente, para os que não viveram nessa época, a que patamar havia chegado a inflação no Brasil e como estávamos defasados em relação a nossos vizinhos latino-americanos que, àquela altura, já tinham obtido sucesso no esforço de debelar a inflação. Quase todos esses países, a exemplo do Brasil na década de 1980, conviveram com a combinação de estagnação prolongada, inflação crônica e endividamento elevado, no que se convencionou chamar de década perdida.

Como se vê no gráfico 2, a inflação anual do Brasil em 1992 foi de 1.178%, contrastando enormemente com a inflação dos outros países da região.

Gráfico 2 – A inflação na América Latina em 1992[1]

Em 1993, o ano que antecede a adoção do Plano Real, a situação foi ainda pior, com a inflação atingindo 2.567%, enquanto a média dos países da América Latina foi de 22% (gráfico 3). 

Gráfico 3  – A inflação na América Latina em 1993

Diz o ditado que “uma imagem vale mais que mil palavras”. As imagens desses três gráficos constituem, a meu juízo, razões mais do que suficientes para perceber que a inflação atual, mesmo estando bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central, está num patamar completamente diferente daquele verificado antes da estabilidade propiciada pelo Plano Real.

Porém, considerando que: (i) não conseguimos eliminar por completo alguns resquícios de cultura inflacionária; (II) já nos deparamos aqui e acolá com notícias dando conta de reivindicações de aumentos de salários e/ou de preços em setores isolados; (iii) tudo indica que continuaremos em 2022 com uma inflação anual superior à meta fixada pelo Banco Central; (iv) estamos em ano eleitoral, nos quais interesses eleitoreiros costumam levar a gastos públicos superiores aos recomendáveis; e (v) assistimos a um crescente desmanche de avanços recentes das instituições anticorrupção,  achei por bem lembrar a perigosa relação entre inflação e corrupção a fim de conscientizar a todos sobre a necessidade de cortarmos o mal pela raiz, fazendo todos os esforços para que a inflação não se alastre e suba de patamar, ameaçando as conquistas decorrentes da estabilização monetária que nos colocaram, depois de muitos anos de inflação crônica e elevada, num novo padrão de convivência civilizada, sem os riscos que a falta de um padrão monetário estável significam para a corrosão do acordo moral de que dependem tanto a manutenção da ordem democrática como o funcionamento do mercado.

Recorro novamente a um alerta de Eduardo Giannetti da Fonseca: “A inflação destrói a transparência da gestão de verbas públicas, mina a confiança da sociedade no Estado, provoca a deterioração da moralidade fiscal e deturpa irremediavelmente as relações de mercado”.

Porém, para confirmar a hipótese de que ainda não estamos vivendo num clima de descontrole generalizado como costuma ocorrer quando todos os agentes econômicos – empresários, trabalhadores, donas de casa etc. – alteram seu comportamento normal, atirando-se num clima alucinado de jogatina, encerro reproduzindo um trecho bastante ilustrativo de Lionel Robbins, que, a exemplo de John Maynard Keynes, foi um dos maiores economistas do século XX: “A honestidade pública e privada tendem a se deteriorar na atmosfera de cassino engendrada pela inflação alta. A inflação, tal qual nós a conhecemos, através da história, corrompe e distorce toda a base da sociedade. Eu não afirmo que o mundo chegará ao seu fim se nós degenerarmos até a posição da América Latina. Mas o que digo é que uma inflação da ordem de grandeza que estamos presenciando (15% ao ano) gradualmente acarreta uma mudança radical de atitude – uma mudança geral e deplorável de atitude em toda a sociedade”.

 

Referências

FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Em O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1992, p. 2.

_______________ As consequências morais da inflação. Em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 185-190.

KEYNES, John M. As consequências econômicas da paz. Prefácio de Marcelo de Paiva Abreu; tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. (Clássicos IPRI; v. 3).

ROBBINS, Lionel. Against inflation (1979). Em FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Braudel Papers, n° 1. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993, p. 6.

 

 * Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Baseado no artigo publicado no blog de Fausto Macedo do jornal O Estado de S. Paulo, em 15 de abril de 2022.

[1] A fonte dos gráficos 2 e 3 é a FGV.

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“Eu sou você amanhã”. De novo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3526&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=eu-sou-voce-amanha-de-novo Thu, 04 Nov 2021 14:04:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3526 Brasil e Argentina: “Eu sou você amanhã”. De novo?

 

Por Luiz Alberto Machado*

 

“Enquanto o Brasil sonha com um futuro que não chega, a Argentina sonha com um passado que não volta”.

Roberto Macedo

 

Houve um período relativamente longo, na década de 1980, em que as economias do Brasil e da Argentina se alternavam em situações críticas, ora com uma em situação mais difícil, ora com outra nessa indesejável posição. Numa analogia com um memorável comercial de uma marca de vodca, costumava-se utilizar a expressão “eu sou você amanhã”, para se referir a essa triste alternância.

Nesse período, as equipes econômicas, tanto no Brasil como na Argentina, fizeram diversas tentativas, lançando mão de planos para conter a inflação que assolava os dois países.

Na Argentina, o Plano Austral, de junho de 1985, optou pelo congelamento de preços, tarifas e salários. O congelamento acabou por distorcer os preços relativos da economia e afetar o abastecimento de produtos básicos, entre os quais a carne, produto essencial na dieta dos argentinos. Alguns ajustes ao plano foram feitos em fevereiro de 1986, mas já em agosto do mesmo ano estava claro que o congelamento de preços não funcionara. Em 1987, houve o agravamento da crise econômica, com a inflação se acelerando rapidamente, o que levou o governo argentino  a enfrentar grandes dificuldades fiscais. Em agosto de 1988, foi lançado o Plano Primavera, última tentativa do governo de Raúl Alfonsín de controlar a inflação, mas também sem sucesso.

Quase ao mesmo tempo, o Brasil seguia uma trajetória muito parecida com a dos hermanos. No final de fevereiro de 1986, foi anunciado o Plano Cruzado, que também congelava preços e salários. Assim como na Argentina, a desordem provocada nos preços relativos gerou graves distorções e desabastecimento. Ajustes ao Plano Cruzado foram feitos em novembro de 1986 (Plano Cruzado 2) e, depois da troca da equipe econômica, um novo plano foi adotado em junho de 1987 (Plano Bresser), repetindo a estratégia do controle de preços, igualmente sem resultado. A crise econômica se agravou em 1987 e o governo brasileiro, com dificuldades para pagar a dívida externa, recorreu a uma moratória. Depois de nova troca da equipe econômica, em janeiro de 1989, foi anunciado o Plano Verão, última tentativa do governo de José Sarney para controlar a inflação pela via do controle de preços, novamente sem sucesso[1].

Como o Brasil demorou mais do que outros países sul-americanos para conseguir reduzir a inflação[2], os planos heterodoxos adentraram a década de 1990 com o Plano Brasil Novo (mais conhecido como Plano Collor), anunciado logo a posse do presidente Fernando Collor em março de 1990, e o Plano Collor 2, de janeiro de 1991.

A sequência de insucessos compartilhados pelos dois países ficou conhecido como efeito Orloff: “Eu sou você amanhã”.  Ou seja, para saber o que iria acontecer no Brasil, bastava ver o que tinha acontecido na Argentina ou vice-versa. Em realidade, no comercial o alerta “eu sou você amanhã” vinha seguido da recomendação “pense em você amanhã, exija Orloff hoje”. A mensagem da propaganda de vodca vinculada na década de 1980 era evitar a ressaca do dia seguinte.

A partir do êxito obtido com o Plano Real, que, ao contrário dos planos heterodoxos anteriormente tentados, conseguiu estabilizar consistentemente a nossa moeda, a diferença com a situação econômica da Argentina foi se tornando cada vez mais nítida. Embora o Brasil também tenha testemunhado oscilações em sua economia nas duas últimas décadas e o crescimento médio esteja muito abaixo do observado entre 1870 e 1986[3], a inflação foi mantida sob controle em níveis considerados baixos para nossos padrões. Enquanto isso, a economia argentina passou a maior parte desse tempo envolvida em grave crise, com a perversa combinação de baixo crescimento, elevada inflação, alto desemprego e forte endividamento, tanto interno quanto externo, fazendo com que o país fosse obrigado a recorrer mais de uma vez ao Fundo Monetário Internacional.

Para favorecer uma comparação mais ampla entre o Brasil e a Argentina, vou me estender no exame da longa deterioração do país vizinho.

Nasci em 1955 e, graças ao basquete, a partir dos 13 anos de idade tive oportunidade de realizar uma série de viagens ao exterior, numa época em que tal prática não era tão comum como é nos dias de hoje. Mesmo tendo conhecido diversos outros países antes de conhecer a Argentina, o que aconteceu apenas em 1977, ouvi diversas referências ao elevado nível de desenvolvimento do país que, em meados do século passado, ostentava indicadores socioeconômicos superiores inclusive aos de diversos países da Europa.

Quando estive na Argentina pela primeira vez, o quadro já não era o mesmo e o processo de deterioração já se encontrava em curso. De lá para cá, tive a chance de retornar ao país mais de uma dezena de vezes e, a cada nova visita, constatava o agravamento da situação.

Embora, a exemplo do que ocorreu também no Brasil, tenham se observado algumas oscilações, a tendência declinante foi uma característica marcante da economia argentina nos últimos 60 anos. Marcos Aguinis, brilhante sociólogo argentino, descreve de forma contundente essa trajetória declinante num livro intitulado ¡Pobre patria mía!:

Fomos ricos, cultos, educados e decentes. Em poucas décadas nos convertemos em pobres, mal educados e corruptos. Geniais! A indignação me tritura o cérebro, a ansiedade me arde nas entranhas e enrijece todo o sistema nervoso. Adoto hoje [neste livro] o subgênero do panfleto – elétrico, insolente, visceral – para dizer o que sinto sem ter que por notas de rodapé ou assinalar as citações. O que quero transmitir é tão forte e claro que devo esculpir. Ao leitor que já me conhece só peço, como sucedia com os panfletos do século XIX, que considere minha voz como a voz dos que não têm voz. Ou que, se a tem, não sabem como nem onde transmiti-la. Não se trata de arrogância, mas sim de pedir permissão.[4]

Mais adiante, numa clara manifestação de inconformismo pela pouca importância que a comunidade internacional atribui atualmente a um país que já foi considerado o mais desenvolvido da América do Sul, Aguinis assinala:

Cada vez que regresso de uma viagem ao estrangeiro, alguém me pergunta: “Que opinam a nosso respeito?” Existe ansiedade por obter a aprovação alheia, como se fôssemos conscientes da culpa que carregamos por haver corrompido o presente argentino. Minha resposta, por muitos anos, tratava de refletir os conceitos que haviam chegado a meus ouvidos. Agora já não preciso me esforçar. Respondo sem anestesia: “Crês que opinam mal? Não te iludas! Nem sequer mal: já não falam de nós”.

O casal Kirchner ocupa posição de destaque no rol dos responsáveis pela situação ter chegado até o ponto em que se encontra. O trecho que se segue, extraído já da parte final do livro deixa isso claro:

Nunca o casal K entendeu que o mundo é uma imensa oportunidade, onde nossos produtos seriam avidamente devorados. Que teríamos tudo para abastecer o mercado. Nunca entendeu que se devem respeitar os direitos da propriedade privada porque, ao contrário do que supunha o desinformado Proudhon, constituem a raiz da riqueza e um estímulo ao respeito pelo outro e por si mesmo. Aristóteles demonstrou que “o que é de todos, não é de ninguém”. A carência de hierarquia da propriedade privada permite o avanço da depredação. O famoso “modelo K”, apesar de obscuro, pelo menos deixa entrever que ama a depredação.

A conclusão de Aguinis não deixa margem a qualquer dúvida. É dentro, e não fora do país, que se encontram as razões dessa prolongada decadência.

A firme defesa dos princípios defendidos pelo socialismo bolivariano e o fortalecimento das relações com a Venezuela, a Bolívia e o Equador que se verificaram nos últimos anos serviram apenas para agravar uma situação que já era difícil.

Considerando um horizonte temporal mais reduzido, é possível afirmar que a economia argentina encontra-se em recessão desde 2011. Conseguiu, graças a alguns resultados iniciais obtidos pelo governo do presidente Mauricio Macri, levar a situação com altos e baixos por algum tempo. Porém, quando ficou claro que as metas prometidas por Macri não seriam atingidas, a situação se deteriorou, obrigando o país a contrair um empréstimo de US$ 56,3 bilhões junto ao FMI em 2018. A vitória do peronista Alberto Fernandez no primeiro turno das eleições de outubro de 2019 trouxe alguma esperança a uma parcela da população argentina.  A falta de resultados imediatos e a chegada da pandemia, em março do ano passado, tornaram as coisas ainda mais difíceis.

Não é fácil enumerar todos os problemas que afligem a nação vizinha. Alguns deles, porém, chamam a atenção: (i) a economia argentina permanece dependente da exportação de produtos agrícolas, de baixo valor agregado, enquanto seu parque industrial apresenta sinais alarmantes de obsolescência; (ii) a inflação segue num patamar elevado para os padrões internacionais, apesar de sucessivas tentativas de mantê-la controlada por meio de congelamento e/ou tabelamento dos preços de determinados produtos; (iii) continua existindo na Argentina uma perigosa convivência da moeda local com o dólar, com um ativo mercado paralelo que reflete enorme desconfiança na moeda local; (iv) o país apresenta forte vulnerabilidade por não dispor de reservas internacionais suficientes para lhe permitir condições favoráveis no enfrentamento das pressões ou mesmo na negociação com os credores.

Em conversa recente com Norberto Vidal, ex-cônsul da Argentina em São Paulo,  sobre problemas vividos por nossos países, ele revelou que em consequência da derrota nas primárias realizadas em 12 de setembro, o governo argentino passou a adotar ações desesperadas, com farta distribuição de recursos públicos, com o objetivo de tentar evitar uma derrota ainda maior nas eleições legislativas que serão realizadas no próximo dia 14 de novembro.

Considerando a gravidade da situação vivida pela Argentina e esse comportamento descontrolado do governo, imaginei que a diferença com a situação da economia brasileira se ampliaria ainda mais.

Ledo engano. Num prazo muito mais curto do que eu poderia supor, deparei-me com uma série de ações que, também por motivos eleitoreiros, comprometeram rapidamente nossos indicadores econômicos, com elevação da inflação, deterioração do câmbio e violação do teto de gastos. O argumento, falacioso em minha opinião, foi a necessidade de priorizar aspectos sociais, como se houvesse incompatibilidade entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal.

As medidas adotadas provocaram, entre outras coisas, a demissão de dois dos mais importantes assessores do ministro Paulo Guedes, num raro exemplo, nos dias de hoje, de obediência aos padrões de decência por parte de integrantes do Executivo[5].

Com isso, além de nos aproximarmos da situação da Argentina, estamos caminhando celeremente para um passado em que, diante do descontrole na área fiscal, toda a responsabilidade pela contenção da inflação fica com a política monetária. Em outras palavras, com o Banco Central e sucessivas elevações da taxa de juros.

Como bem observa Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central:

Quando um governo irresponsável eleva os gastos sem ter os recursos, impõe ao Banco Central uma dura escolha. Ou este exerce sua independência, elevando a taxa de juros o que for necessário para cumprir seu mandato, ou se submete aos objetivos políticos do governo, tornando-se prisioneiro da dominância fiscal.

Sua conclusão é bem objetiva: “O que resta, diante da irresponsabilidade fiscal do governo e de sua base de apoio no Congresso, é a esperança de que o Banco Central exerça sua independência e cumpra seu mandato”.

 

 

Referências e indicações bibliográficas e webgráficas 

AGUINIS, Marcos. O atroz encanto de ser argentino. São Paulo: Editora Bei, 2002. 

_______________ ¡Pobre patria mía!: Panfleto. 9ª ed. Buenos Aires: Sudameris, 2009.

CHAGUE, Fernando. Eu (não) sou você amanhã. Folha de S. Paulo, 26 de dezembro de 2019. Disponível em https://porque.com.br/eu-nao-sou-voce-amanha. 

DEPOIS das pedaladas, a obscenidade fiscal. O Estado de S. Paulo, 23 de outubro de 2021, p. A3.

FRANCO, Gustavo. O teto e o precipício. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B6.

GOLFAJN, Ilan. ‘Responsabilidade social não significa irresponsabilidade fiscal’. Entrevista a José Fucs. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B4.

KUNTZ, Rolf. Bolsonaro e a privatização do Orçamento. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. A8.

MEIRELLES, Henrique. ‘Estou vendo uma volta para trás. Um retrocesso’. Entrevista a Adriana Fernandes. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B4.

MENDONÇA DE BARROS, José Roberto. Descendo a ladeira. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 2021, p. B3.

MING, Celso. O Brasil. Mais parecido com a Argentina. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B3. 

PASTORE, Affonso Celso. Só restou o Banco Central. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 2021, p. B2. 

RICUPERO, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização. São Paulo: Editora SENAC. Série Livre Pensar, 2001. 

SCHUETTINGER, Robert Lindsay; BUTLER, Eamonn. Quarenta séculos de controles de preços e salários: o que não se deve fazer no combate à inflação. Tradução de Anna Maria Capovilla. São Paulo: Visão, 1988.

 

 

[1] Lamentavelmente, os responsáveis pela condução da política econômica do Brasil e da Argentina jamais leram o livro Quarenta séculos de controles de preços e salários, que tem o sugestivo subtítulo o que não se deve fazer no combate à inflação.

[2] Em 1992, a inflação anual na Argentina foi de 17%, enquanto no Brasil atingiu 1.178%. Em 1993, ano anterior ao da adoção do Plano Real, a inflação brasileira foi de 2.567%, ao passo que a inflação média no continente foi de 22%.

[3] No consagrado trabalho World Economic Performance Since 1870, Angus Maddison, um dos mais respeitados analistas de ciclos longos de desenvolvimento, identificou o Brasil como o país que apresentou melhor desempenho de 1870 a 1986, numa amostra que reunia os cinco maiores países da OCDE (EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Japão) e os cinco maiores de fora da OCDE (Rússia, China, Índia, México e Brasil). Nesse estudo, publicado em 1987 e apontado pelo embaixador Rubens Ricupero (2001, p. 103) como “o mais impressionante de todos, por comparar grandes economias, portanto entidades pertencentes mais ou menos à mesma ordem de grandeza, e por cobrir duração de tempo tão extensa”, Maddison concluiu que “o melhor desempenho tinha sido o brasileiro, com a média anual de 4,4% de crescimento; em termos per capita, o Japão ostentava o resultado mais alto, com 2,7%, mas o Brasil, não obstante a explosão demográfica daquela fase, vinha logo em segundo lugar, com 2,1% de expansão por ano”.

[4] Todas as citações do livro ¡Pobre patria mía! foram traduzidas para o português pelo autor.

[5] Os dois assessores que pediram exoneração de seus cargos no dia 21 de outubro foram Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, e Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

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O ‘V’, o ‘K’ e o ‘X’ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3497&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-v-o-k-e-o-x Tue, 14 Sep 2021 21:28:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3497 O ‘V’, o ‘K’ e o ‘X’

 Paulo Guedes encharca-se com ideias equivocadas, enquanto a sociedade fica mais injusta e desigual

 Por Luís Eduardo Assis*

A divulgação do PIB do segundo trimestre gerou confusão. Como sempre, o IBGE deu destaque para os números dessazonalizados. Retirar dos indicadores a influência de fatores sazonais requer modelos econométricos que não têm a pretensão de oferecer mais do que aproximações. Conforme os parâmetros escolhidos os resultados podem variar bastante, sem falar que a pandemia deve ter alterado os padrões sazonais. Olhando os dados brutos, sem adivinhar os fatores sazonais, o que se sabe é que o PIB entre abril e junho subiu (sim, subiu) 1,2% em relação ao primeiro trimestre e foi 12,4% maior que no mesmo período do ano passado.

Esse desempenho, de todo modo pífio, animou o ministro da Economia a jactar-se da recuperação “em V” do nível de atividade. Aqui Paulo Guedes ataca espantalhos. Nunca se disse que, passado o isolamento social, a economia iria manter o nível de atividade de antes. Se houve interrupção momentânea das atividades, o retorno à rotina anterior só poderia aparecer nos gráficos com a forma de um V. Não há nada de surpreendente. O que assusta é que, na falta de um projeto de crescimento, essa recuperação nem sequer nos coloca na posição medíocre em que estávamos antes. Comparado com o segundo trimestre de 2019, estamos hoje com um PIB apenas 0,2% maior. Em relação ao segundo trimestre de 2013, o PIB do segundo trimestre de 2021 ficou ainda 2,5% menor. Nesses oito anos, a população cresceu 6,1%.

Além de irrisória, a recuperação da economia vem agravar nossas iniquidades, já que a retomada foi ainda mais frágil no mercado de trabalho. A Pnad mostra que entre dezembro de 2019 e agosto de 2020 a pandemia reduziu em 12,9 milhões, ou quase 14%, o número de pessoas ocupadas. Desde então, a recuperação econômica reincorporou apenas 6,1 milhões de pessoas. Para os trabalhadores, não houve V. A inflação também acirrou a desigualdade. Nos 12 meses terminados em julho, a inflação das pessoas com renda inferior a R$ 1.810,13 foi de mais de 10%, ante 7,1% da inflação dos felizardos que têm renda mensal maior que R$ 18.106,00. O item “Alimentação no Domicílio”, que atinge em cheio as pessoas mais pobres, aumentou 21,8%, ante 6,7% para a alimentação fora do domicílio. O desemprego comprime a renda dos trabalhadores menos qualificados. O custo dos serviços de manicure compilados no IPCA subiu menos de 5% nos últimos 12 meses. Para “Cabeleireiros e Barbeiros”, o aumento foi ainda menor, 1,6%, o que não é tão ruim quanto o caso das costureiras, cujo serviço ficou 0,4% mais barato nesse período.

Enquanto isso, o gás de cozinha aumentou 32,8% e o coxão duro ficou 37,6% mais caro. Na outra ponta do Brasil, o mercado de bens de luxo vai de vento em popa. Os endinheirados que têm aplicações no exterior se regozijam com o dólar mais caro e, na falta das viagens internacionais, se deleitam comprando aqui mesmo. Qual a forma de combater a inflação? Juros mais altos é o que temos para o momento, o que premia os rentistas, deteriora as finanças públicas e aguça a concentração de renda. Ou seja, a recuperação tem mais a forma de um K. A população mais pobre vê sua condição se deteriorar, enquanto os mais ricos têm dificuldade em escolher no que gastar. Como lembra J. Stiglitz em The Price of Inequality, a desigualdade custa muito caro: instabilidade econômica, menor crescimento e riscos à democracia. O ministro da Economia perde-se em especulações nefelibatas, encharca-se com ideias equivocadas, contenta-se com o V minúsculo e ignora que o X da questão é o fato de que estamos criando uma sociedade ainda mais injusta e desigual. Terá muito o que explicar no futuro. Paulo Guedes tem um passado pela frente.

* Luís Eduardo Assis é economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e é membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. e-mail : luiseduardoassis@gmail.com

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 13 de setembro de 2021.

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Seu Jorge e a Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3044&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=seu-jorge-e-a-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3044#comments Tue, 12 Sep 2017 14:31:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3044 Aos 77 anos, Giorgos não imaginava passar por aquela situação. Após trabalhar por anos na mina de carvão e na fundição, ele saíra naquela manhã de verão para sacar a aposentadoria da mulher. Sensibilizou-se com os pedintes que viu pelo caminho. Lembrou-se dos suicídios: não suportava mais ver o seu país assim. Tentou o saque da aposentadoria em uma agência, não conseguiu. Depois foi a mais um banco, nada. Insistiu em fazer o saque em mais outro, mas novamente sem sucesso. Na quarta vez que não conseguiu receber o benefício, Seu Giorgos não aguentou. Sentou no meio da calçada e chorou.

Um ano depois, talvez tivesse algum conhecido seu entre os que manifestavam contra o 15º corte no valor das aposentadorias, que ocorria mesmo após um ano da posse do primeiro-ministro Tsipras, do partido que chegara ao poder com discurso antiausteridade. Naquela ocasião, os manifestantes de cabelos brancos toparam com um ônibus da polícia no meio de sua passeata. Juntaram-se para tentar retirá-lo do caminho. A polícia respondeu à investida dos idosos. Com spray de pimenta.

Irresponsabilidade fiscal e contabilidade criativa foram alguns dos causadores da complicada crise da Grécia. Em um dos países mais envelhecidos da Europa, a crise levou a cortes de aposentadorias e até a feriados bancários, como o que Seu Giorgos Chatzifotiadis enfrentou. A foto do seu pesadelo, “O homem que chora”, correu o mundo.

***

Em alguns anos, Seu Giorgos pode ser Seu Jorge. Um idoso de mesmo nome que acreditou na mesma promessa de seu país de pagar a ele uma aposentadoria como pagou a de outros. Seu Jorge está desesperado com a sua aposentadoria cortada. A idade avançada não lhe permite mais trabalhar, e ele não consegue tratar suas doenças crônicas no SUS, cada dia mais sem dinheiro. É arrimo de família, uma vez que seus parentes jovens estão desempregados. Seu país vive uma crise grega, só que com sua renda per capita de Turquemenistão. Antes dos cortes, Seu Jorge já ganhava a metade do que ganhava Seu Giorgos.

Não acredita no que acontece. Vários anos antes ouviu de novo aquela ladainha de reforma da Previdência, mas recebeu no Whatsapp o vídeo explicando que tudo era mentira: a Previdência não tinha déficit, sobrava dinheiro que o governo desviava pra alguma coisa que Seu Jorge não entendeu muito bem o que era.

Seu Jorge não sabia que o vídeo fora criado por Nelson. Nelson ganhava bem mais que Seu Jorge, tinha direito a uma aposentadoria muito maior e com aumentos mais generosos, custeados não por suas próprias contribuições, mas pelas de pessoas como Seu Jorge. Nelson perderia esses direitos se o governo fizesse uma reforma.

Nelson era um orgulhoso servidor público, membro  da associação que representava a sua carreira. Seu Jorge confiou na informação do vídeo que recebeu porque tinha o selo de uma associação nacional de auditores. É coisa de doutor, pensou. Seu Jorge não sabia que cabia a associação de Nelson representar a carreira de elite com maior número de aposentados e pensionistas da União, 20 mil.

Entre as pautas da associação de Nelson, publicamente apresentadas em seu site em 2017, estavam o direito aos aumentos generosos, o fim da contribuição de servidores aposentados e até o direito desses aposentados receberem bônus de produtividade – de acordo com o aumento da arrecadação de impostos. No momento em que Seu Jorge recebeu o vídeo, este bônus era inclusive negociado pela associação de Nelson com o governo no meio de uma medida provisória. Insatisfeita com a proposta, a associação de Nelson contratou até um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal para levar o pleito à Justiça. A associação também mobilizava seus recursos em 2017 para a campanha mostrando que não existia déficit na Previdência ou na Seguridade Social.

Nelson tinha um ponto de vista claro sobre como devem ser apresentadas as contas da Seguridade, mas Seu Jorge não tinha a mesma clareza. No vídeo que produziu, Nelson omitiu que a contabilidade de sua associação exclui as despesas com as aposentadorias e pensões dos próprios servidores públicos, e também não achou necessário mostrar que ainda assim havia um déficit já para o ano de 2016.

Seu Jorge não dava bola para o papo de crise na Previdência. Além do vídeo, ficou tranquilo ao ler no jornal que uma importante entidade da sociedade civil alertava que a reforma do governo era baseada em premissas equivocadas. Não entendia do assunto, mas novamente quem estava afirmando era doutor.

Seu Jorge também não percebia que cabia a esta outra entidade defender advogados como Miguel. O escritório de Miguel lucra ao conseguir benefícios do INSS para seus clientes, retendo em honorários uma parte do pagamento de aposentadorias rurais, aposentadorias especiais e aposentadorias por invalidez. Preocupado não só com seus clientes, mas também com seu negócio, Miguel, como outros advogados, acionou a entidade a que pertence e ela se manifestou contra a reforma da Previdência, pelos seus abusos sociais.

Em uma tarde daquele 2017, Seu Jorge perdeu tempo no trânsito com uma passeata. Porém, ficou resignado e a apoiou, porque se solidarizou com a causa dos trabalhadores do campo prejudicados pela reforma da Previdência. O protesto foi organizado por José. Como Miguel, José também ficou preocupado com as mudanças na aposentadoria rural. José é presidente de um sindicato rural cuja maior parte do filiados só se registrou para conseguir uma declaração atestando anos de trabalho no campo. Essa declaração é essencial para que recebam a aposentadoria rural.

Após a filiação para receber a aposentadoria, parte desses filiados terá mensalmente, e para sempre, descontos nos benefícios para financiar a atividade sindical, conforme autorizaram.  José não é o único presidente de sindicato rural preocupado com a reforma: ao todo, são cerca de 4 mil. Apesar da urbanização das décadas anteriores, existiam no Brasil em 2017 mais sindicatos de trabalhadores do campo do que sindicatos urbanos filiados à CUT e à Força Sindical, juntas. Caso fosse aprovada a reforma do governo, a comprovação de trabalho rural para aposentadoria seria feita com contribuições ao INSS ao longo da vida do trabalhador, e não apenas no momento de pedir da aposentadoria com intermédio de um sindicato como o de José ou de um advogado como Miguel.

***

Prosperando a mobilização de entidades com interesses como os de Miguel e José, sob a desinformação disseminada por entidades como a de Nelson, nenhuma reforma da Previdência será feita. Apesar das aposentadorias serem extremamente protegidas em nosso sistema jurídico, o absurdo cenário de relativização do direito adquirido e corte de benefícios pode aparecer no horizonte. Ele ocorrerá depois da redução em despesas não obrigatórias (mas não desimportantes) e do aumento de impostos, bem como do aumento do endividamento público que reprimirá a economia com juros altos. A outra saída é a hiperinflação.

Tem sido assim no Rio de Janeiro e foi assim em países europeus, como a Grécia de Seu Giorgos, o outro Seu Jorge. O duro corte de aposentadorias nesses países foi de tal forma imperativo que terminou validado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O tribunal foi provocado pela servidora pública portuguesa Maria Alfredina, que não aceitava o desconto da ‘contribuição extraordinária de solidariedade’, que é como se diz corte de aposentadorias em português de Portugal.

O córtex pré-frontal ventromedial é uma região de nossos cérebros que fica ativada quanto pensamos em nós próprios. Estudos mostram que quando pensamos em nós no futuro, porém, a região não se ativa: nossa incapacidade de pensar em nosso amanhã seria tal que é como se o cérebro estivesse pensando em outra pessoa. Enquanto país, talvez enfrentemos dificuldade semelhante. Encaramos uma reforma da Previdência como desnecessária e sequer questionamos a atividade dos grupos de interesse que atuam no debate. Fazer reforma da Previdência é ruim. A questão que devemos nos indagar é se não fazê-la é ainda pior, dando a Seu Jorge o destino de Seu Giorgos. Vamos deixá-lo chorando na calçada?

 

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Sob Tombini, o Copom foi mais “pombo” ou mais “falcão”? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2838&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sob-tombini-o-copom-foi-mais-pombo-ou-mais-falcao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2838#comments Mon, 22 Aug 2016 13:02:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2838 Introdução

Em junho de 2016, Ilan Goldfajn tomou posse como novo Presidente do Banco Central, após cinco anos e meio de presidência de Alexandre Tombini. O Comitê de Política Monetária (Copom) durante a presidência de Tombini é um interessante objeto de estudo porque, desde 2012, os votos de seus membros passaram a ser de conhecimento público, com o advento da Lei de Acesso à Informação (LAI). O período também é de especial interesse por a taxa de inflação ter sempre ficado acima da meta, atingindo quase 11% em 2015, gerando acusações de que a política monetária era demasiado influenciada por interesses políticos do Planalto e do partido da Presidenta afastada.

Este texto se propõe a analisar o comportamento do Copom entre 2012 e 2016 como colegiado, sem se aprofundar em discussões mais técnicas sobre a política monetária (discutida recentemente no blog aqui). Em especial, analisamos como os diretores participantes do Copom se situam em um espectro pombo-falcão. Simplificadamente, em economês, a postura de um pombo (dove) é a de uma política monetária mais frouxa, expansionista (juros menores, associado a maior crescimento do PIB no curto prazo, com inflação maior) e a de um falcão (hawk) é a de uma política monetária mais restritiva (juros maiores, inflação menor). Em uma visão mais simplista, o pombo é associado a um voto de esquerda, enquanto o falcão a um de direita.

Exemplos de exercícios desse tipo para o Federal Reserve (FED), a autoridade monetária norte-americana, são apresentados nas Figuras 1 e 2, abaixo.

img_2838_1

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Uma escala pombo-falcão

Para gerar uma escala semelhante para o Banco Central do Brasil, usamos um modelo espacial de votação (introduzido no blog em um estudo sobre o Supremo Tribunal Federal). Por meio de um estimador de máxima verossimilhança, o modelo apresenta em um gráfico, dentre N possibilidades de pontos ocuparem um espaço, a que melhor reproduz uma amostra de votações. Na aplicação, cada ponto representa um dos diretores do Banco, que votam no Copom. Quanto mais distante um ponto estiver ponto do outro, mais um diretor divergiu de outro.

Entre maio de 2012 (primeira reunião com dados disponíveis pela LAI) e junho de 2016 (última reunião de Tombini), foram realizadas 33 reuniões (votações), que compõem a amostra usada.

Como as votações do Copom têm uma única decisão (qual direção deve tomar a taxa de juros), a interpretação do espaço em que os diretores estão é simples: a inclinação em reduzir ou aumentar os juros (ou uma escala pombo-falcão). Nesta aplicação, quanto mais à direita estiver uma coordenada, mais inclinado a votar pelo aumento dos juros esteve um diretor (falcão).

O resultado é apresentado na Figura 31.

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A Figura 3 representa adequadamente 99,4% dos votos da amostra (310 de 312), sugerindo que a escala pombo-falcão captura bem o comportamento do Copom. Em uma escala (relativa) de 0 (mais pombo, dovish) a 1 (mais falcão, hawkish), os diretores se posicionam da seguinte forma:

img_2838_4

 

Comentários

Existem questões interessantes que pesquisas futuras podem explorar. Pela Figura 3, Tombini, além de ter um voto de minerva na diretoria, surge como o votante mais próximo de um mediano – votante que tende a ser mais decisivo e aparecer com maior frequência compondo a maioria (ou seja, vencendo)2. Poder-se-ia especular se isso é resultado de Tombini ser influente (considerando que o voto seja “sincero”) ou que busca integrar a maioria (considerando queo o voto seja “estratégico”).

Outro ponto interessante é o fato da maioria dos diretores estar na parte mais “pomba” (dovish) do espectro, com exceção de Anthero Meirelles, Carlos Hamilton e Sidnei Marques, em um período em que a inflação esteve sempre acima da meta. Este resultado dá fôlego aos defensores da tese de independência do Banco Central (discutida aqui).

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Ainda, pesquisa futura pode discutir também o papel das indicações dos presidentes Lula e Dilma na política monetária: visualmente, há concentração de diretores indicados por Dilma na “metade” pomba do espectro, embora o indicador de 0 a 1 da Tabela 1 seja 10% mais falcão para os diretores indicados por ela3.

Também é de interesse entender porque o Copom é um colegiado com relativo pouco dissenso, especialmente em um período em que a política monetária esteve cercada de tanta controvérsia. Uma hipótese é que o colegiado gostaria de projetar em suas decisões a imagem de convergência. A Figura 4, abaixo, expande o espectro da Figura 3 para mostrar toda a possível gama de divergência que poderia ter havido, e não houve, no colegiado.

img_2838_6

Por fim, novos estudos podem analisar o padrão de votação de acordo com cada diretoria do Banco. É comum que um mesmo diretor ocupe diretorias diferentes em períodos diferentes. Há diferença no padrão de votação de um diretor que muda, por exemplo, da Diretoria de Normas para a de Política Monetária? Uma composição do Copom mais típica de uma autoridade monetária (“Banco Central puro”), descartando a participação de diretorias afetas à regulação ou à administração interna do órgão, traria resultados diferentes na condução da política monetária?  O acesso a dados de votações anteriores à LAI pode sugerir também eventuais estratégias que passaram a ser usadas após a obrigatoriedade da publicação, em especial de sinalizações ao mercado ou a atores políticos.

Para o futuro, as sinalizações dadas publicamente pela nova diretoria vão ao sentido de uma política monetária menos expansionista, o que migraria a média do Copom para à direita, com menos pombos e mais falcões.

 

Este texto é baseado na apresentação do working paper “A Map for COPOM: consent and dissent between 2012-2016 na UnB em junho de 2016 (First International Workshop in Economics & Politics – FIWEP/
Fourth Annual Meeting of the Economics and Politics Research Group)

 

_______________

1 Não houve amostra suficiente para estimar pontos para os diretores Tony Volpon e Otávio Ribeiro Damaso, por isso são apresentadas coordenadas somente para Sidnei Corrêa MARQUES, Carlos HAMILTON Vasconcelos Araújo, Anthero de Moraes MEIRELLES, Alexandre Antonio TOMBINI, Aldo Luiz MENDES, Altamir LOPES, Luiz Edson FELTRIM e Luiz AWAZU Pereira da Silva.

2 Não há de fato um mediano, pelo número par de votantes.

3 0.45 (Dilma) a 0.40 (Lula). Awazu, com indicador 0,  foi indicado por Lula, puxando a média para baixo.

 

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Como fazer um ajuste fiscal no Governo Federal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2337&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-fazer-um-ajuste-fiscal-no-governo-federal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2337#comments Mon, 17 Nov 2014 12:22:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2337 O Governo Federal está com grande desequilíbrio em suas contas. De janeiro a setembro de 2014 o setor público (União, Estados e Municípios) acumulou um déficit primário de R$ 15,3 bilhões, quando a meta fiscal para o ano era de superávit  de R$ 99 bilhões. Temos, portanto, uma brecha de R$ 114,3 bilhões (aproximadamente 2% do PIB) entre a intenção e a realidade. O déficit nominal (aquele que inclui as despesas com juros) já chegou a 4,9% do PIB, mais que o dobro dos 2,43% do PIB observados a menos de dois anos, em janeiro de 2013. A dívida bruta do governo geral, que era de 56,7% do PIB em dezembro de 2013,  pulou para 61,7% do PIB em setembro de 2014 (5 pontos percentuais do PIB em menos de um ano!)1.

O desequilíbrio fiscal deve ser considerado o problema número um a ser enfrentado pelo Governo. O objetivo do presente texto é apresentar as linhas gerais do ajuste de que necessita o país.

Deve-se observar, desde já, que não necessariamente o ajuste aqui proposto representará sacrifício à parcela mais pobre da sociedade. É equivocada a associação entre racionalização de gastos públicos e perdas para os mais pobres. Na verdade, como se verá adiante, boa parte do ajuste diz respeito a gastos públicos que beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade. Há espaço para um ajuste que não agrave a nossa elevada desigualdade de renda ou que piore os indicadores de pobreza.

A deterioração da qualidade de vida dos pobres e miseráveis ocorrerá, isto sim, se não for feito qualquer ajuste. A alta inflação e o crescimento econômico próximo a zero já estão mostrando seus efeitos sobre essa parcela da sociedade: o número de pessoas extremamente pobres parou de cair e já mostra inflexão positiva (eram 10,08 milhões em 2012 e passaram a 10,45 milhões em 2013). O mesmo está ocorrendo com a desigualdade de renda, que interrompeu sua trajetória de queda e está estacionado em nível ainda alto (índice de Gini de distribuição da renda domiciliar per capital em torno de 0,53 desde 2011)2.

Antes de listar as propostas de um ajuste fiscal, é preciso compreender por que ele tem importância vital para a retomada do crescimento e o controle da inflação. São vários os canais pelos quais o desequilíbrio das contas públicas prejudica a economia:

  • Não havendo ajuste fiscal, as agências de avaliação de risco retirarão do país a classificação de “grau de investimento”. Este “selo de qualidade” indica que é desprezível o risco de o governo não pagar sua dívida. Se o Brasil perder este certificado de qualidade, grandes investidores mundiais (entre eles os fundos de pensão) ficarão proibidos, por seus estatutos, de investir no país, o que representará forte queda da entrada de investimentos externos. Isso não só terá impacto negativo no crescimento, mas também no nosso balanço de pagamentos. Atualmente temos déficit de 3,72% do PIB em transações correntes (negociações de bens e serviços com o exterior), que é coberto por entrada de capitais via investimentos e financiamentos da ordem de 4,65% do PIB. Escasseando a entrada de capitais, sofreremos rápida redução de nossas reservas e o real se desvalorizará frente ao dólar. A desvalorização cambial aumentará a inflação. Com menos reservas no Banco Central, será mais arriscado para investidores estrangeiros investir no país, pois pode haver falta de dólares na hora em que eles desejarem levar seus capitais de volta ao país de origem. Em suma: aumenta a inflação, cai o nível de investimento e diminui o ritmo de crescimento econômico.3
  • O desequilíbrio fiscal também exerce pressão sobre a inflação por meio de outro mecanismo: o aumento da demanda agregada. Com o governo gastando acima do que arrecada, ele coloca na economia mais dinheiro (via gastos) do que retira (via tributos). Com isso, além do efeito direto do consumo do governo, há aumento do consumo das famílias (aqueles que recebem do governo – funcionários públicos, fornecedores, beneficiários de programas sociais, etc – terão mais dinheiro no bolso para consumir). Ocorre que a economia brasileira enfrenta diversas barreiras para aumentar a oferta de bens para atender essa maior demanda: baixo investimento (devido a incertezas, como será explicado a seguir), deficiências de infraestrutura, baixa poupança para financiar investimentos, entre outras. Com maior demanda e oferta restrita, o resultado é o aumento dos preços.
  • Os agentes econômicos desconfiam fortemente da capacidade do governo para controlar suas contas, não só em função dos maus resultados recentes, mas também pelo esforço feito pela atual administração para esconder a situação através de expedientes de contabilidade criativa (sobre contabilidade criativa ver neste site o texto O que é contabilidade criativa?). Por isso, a perpetuação e agravamento do desequilíbrio fiscal representará desestímulo ao investimento, levando a baixo crescimento da economia nos próximos anos;
  • As despesas do governo com juros tendem a aumentar agravando ainda mais o déficit público, pois o Banco Central tende a combater a maior inflação por meio do aumento dos juros. Além disso, o aumento da dívida pública (decorrente dos déficits sucessivos) aumenta a base sobre a qual os juros devidos são calculados. O setor público já gasta a elevada quantia de 5,5% do PIB com juros todos os anos, e essa conta tende a aumentar.4
  • Em um contexto de desajuste fiscal torna-se impossível aprovar uma reforma tributária que reduza o impacto negativo do atual sistema sobre a eficiência e a produtividade da economia. Qualquer reforma que racionalize o sistema tributário implicará perda de receita, o que não é fácil de suportar em momento de crise fiscal. Em consequência se perpetua o bloqueio que o sistema tributário ineficiente exerce sobre o crescimento econômico;
  • A deterioração nos indicadores de inflação, crescimento, balanço de pagamentos e rating de crédito realimentarão o desequilíbrio fiscal pois, com a economia crescendo menos, o governo arrecada menos. Cria-se uma espiral de más notícias que só será rompida com a mudança do regime fiscal.

Não se pode, portanto, brincar com desequilíbrio fiscal no nível em que ele se encontra. É preciso lançar medidas de reequilíbrio das contas públicas. Acredito que um programa de ajuste deveria se apoiar em três pilares, que devem ser apresentados em conjunto (como um pacote) e postos em prática simultaneamente:

  • Recuperação da credibilidade do governo na gestão fiscal;
  • Ajuste de curto prazo;
  • Ajuste de médio e longo prazo.

RECUPERAÇÃO DA CREDIBILIDADE

Esta dimensão do programa de ajuste consistiria em acabar com a contabilidade criativa e dar transparência à real situação financeira do setor público. Algumas das medidas listadas a seguir agravariam os dados oficiais no curto prazo, simplesmente porque há déficit escondido nas contas públicas. Mas uma política fiscal crível deve resistir à tentação de produzir estatísticas que não reflitam a real situação fiscal, sob pena de não conquistar o apoio dos agentes econômicos. O simples fato de se anunciar o fim de procedimentos nocivos ao equilíbrio fiscal – e atuar de acordo! – ainda que não represente melhora nas contas no curto prazo, já cria expectativa positiva em relação ao futuro.

As principais medidas nessa área seriam:

  1. Suspensão dos empréstimos do Tesouro ao BNDES e redução gradualmente da carteira de empréstimos desse Banco. Caso sejam necessários aportes residuais para cumprir contratos em andamento, eles devem ser registrados como despesa primária do Tesouro, sendo contabilizados como inversão financeira no Banco. Essas operações geram elevado custo de juros para o Tesouro (da ordem de R$ 30 bilhões ao ano) e não têm sido eficaz em atingir seu principal objetivo, que seria o estímulo ao investimento privado.
  2. Fixação, por lei, do montante máximo de dividendos que as empresas públicas podem pagar ao Tesouro a cada ano. Tal medida visa impedir que o Tesouro, ansioso por fechar suas contas, force as empresas a pagar dividendos excessivos, que levem à descapitalização das empresas e à necessidade de, no futuro, o próprio Tesouro ter que fazer aporte de capital para recuperá-las. Os dados mostram evidente aumento de pagamentos de dividendos ao Tesouro: entre 2000 e 2008 tais pagamentos foram equivalentes a 0,26% do PIB ao ano, e entre 2009 e 2014 eles saltaram para 0,55% do PIB.5
  3. Acerto de contas do Tesouro com as empresas, fundos e bancos públicos que, na condição de agentes pagadores de programas do governo, detêm créditos junto ao Tesouro em função de atrasos de pagamentos. Essas chamadas “pedaladas” orçamentárias precisam ser explicitadas e ter um cronograma claro de redução ao longo do tempo. Somente com o FGTS, o Tesouro Nacional tem dívida de R$ 17,7 bilhões6, havendo ainda passivos junto à Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES, cujos números não são claramente divulgados.
  4. Interrupção do lançamento de sucessivos programas de parcelamento de débitos fiscais. Esses programas, conhecidos como REFIS, têm por objetivo facilitar o pagamento de débitos dos contribuintes inadimplentes, gerando uma entrada extra no caixa. Ocorre que a sua repetição, ano após ano, induz o contribuinte a não pagar regulamente suas obrigações, esperando pelo parcelamento em condições facilitadas. Há evidente desmoralização do fisco e queda na arrecadação regular de tributos. Entre os anos 2000 e 2013 foram abertos nada menos que sete programas de parcelamento e refinanciamento de débitos. Os sinais de esgotamento desse mecanismo já são claros. Em 2014 a arrecadação esperada por meio do refinanciamento era de R$ 13 bilhões, mas teve que ser minorada e agora está entre R$ 7 e R$ 9 bilhòes.7
  5. Suspensão de todas as operações entre o Tesouro e empresas públicas ou de economia mista cuja finalidade seja a antecipação da entrada de recursos no Tesouro, como por exemplo, a venda de direitos de royalties de Itaipu para o BNDES ou a venda de direito de exploração de petróleo diretamente à Petrobras, sem a realização de leilão aberto a outras empresas.
  6. Contabilização em separado das receitas de concessão e venda de ativos públicos, apresentando-se o resultado primário com e sem essas receitas não recorrentes. O resultado primário nos últimos anos tem ficado cada vez mais dependente de receitas não-recorrentes, ou seja, receitas que não pertencem ao fluxo regular de arrecadação de tributos, tais como vendas de ativos ou recebimento de dividendos em valores acima do que se observa no mercado; o que indica fragilidade das contas públicas. É preciso mostrar, separadamente, o superávit/déficit advindo dos fluxos regulares de despesas e receitas e aqueles decorrentes de eventos extraordinários. Em 2013, por exemplo, de um superávit primário de 1,9% do PIB, nada menos que 0,9% do PIB resultaram de receitas não recorrentes.8
  7. Definição de um cronograma multianual de redução dos “restos a pagar”, que são despesas orçamentárias feitas no ano “t” cujo pagamento é adiado para o ano “t+1”. Tais adiamentos têm criado uma bola de neve. Em 2004 os restos a pagar (inscritos menos os cancelados) no Orçamento Geral da União equivaliam a 0,7% do PIB. Em 2014 já alcançava 3,4% do PIB.
  8. Apresentação ao Congresso Nacional de proposta orçamentária com base em projeções realistas (de crescimento econômico, inflação, etc.), evitando-se a superestimação das receitas e enfatizando-se o difícil quadro fiscal de curto prazo (a recente propostas apresentada ao Congresso de se ampliar a maquiagem do déficit, por meio de desconto de investimentos e desonerações tributárias é condenável e vai na direção contrária do que está sendo aqui proposto). Em especial é preciso evitar o já “manjado” jogo de cena, feito ao longo dos últimos anos, em que se aprova um orçamento com receitas e despesas irrealistas e, em seguida, faz-se um contingenciamento (sempre com o número mágico de R$ 50 bilhões) que, na verdade, representa cortar despesas que não seriam realizadas, pois não haveria receitas para financiá-las.

AJUSTE DE CURTO PRAZO

As medidas de curto prazo são aquelas voltadas a produzir aumento de receita e redução de despesa com reflexo imediato nas contas governamentais:

  1. Reverter a chamada “desoneração da folha de pagamento”, não só porque ela gera significativa perda de arrecadação (R$ 20 bilhões ou aproximadamente 0,4% do PIB)9 como também cria problemas relativos à eficiência da economia (a esse respeito ver, neste site, o texto “O que é desoneração da folha de pagamento e quais são seus possíveis efeitos?”).
  2. Reverter a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedida a vários produtos, pois ela representa perda de arrecadação (no mínimo R$ 7 bilhões por ano) e estímulo ao consumo em um momento de inflação em alta.
  3. Enfrentar a grande pressão por aumento de gastos de pessoal, que vem sobretudo do Poder Judiciário, sob a forma de: criação de adicional de tempo de serviço não sujeito ao teto remuneratório constitucional (PEC 63/2013 – custo de até R$ 10 bilhões ao ano para a União e R$ 14 bilhões para os estados10); introdução de auxílio moradia para juízes e procuradores (demanda já aprovada no STF e que deve ser enfrentada na esfera judicial – custo estimado em R$ 1,5 bilhão por ano11); forte aumento do teto remuneratório proposto pelo STF (de R$ 29,4 mil para R$ 35,9 mil – acréscimo de 22%, que levaria a aumento de despesa de R$ 1,4 bilhão em 201512). Esses aumentos rapidamente repercutem na remuneração do restante do funcionalismo, desencadeado reajustes em cascata e demandas por realinhamento de remuneração entre carreiras, o que pode aumentar ainda mais o custo estimado da medida. São nocivos não apenas pelo desarranjo fiscal que provocam, mas também por serem fator de concentração de renda, visto que os servidores públicos (em especial os do Judiciário) estão no topo da pirâmide de renda.
  4. Também no STF está tramitando causa relativa ao chamado direito de “desaposentadoria” que, de forma resumida, pode ser descrito como a elevação dos benefícios recebidos pelas pessoas que se aposentaram, mas continuaram no mercado de trabalho. Se aprovada tal possibilidade, haverá um custo de, no mínimo, R$ 70 bilhões com possibilidade de se multiplicar ao longo dos anos (sobre esse ponto ver neste site O que é desaposentadoria e qual o seu impacto? e Por que o julgamento do STF sobre desaposentadoria é importante?)
  5. Suspender a determinação governamental e os estímulos regulatórios voltados a expandir o crédito ao consumo, ofertado pelos bancos públicos. A forte expansão desse crédito em passado recente (o saldo das operações com pessoas físicas passou de 13% do PIB em 2007 para 26% do PIB em 2014)13, associada ao baixo ritmo de crescimento da economia, tende a aumentar o potencial de inadimplência da carteira de crédito dos bancos públicos. Isso representará perda patrimonial e futura necessidade de aporte de recursos do Tesouro àquelas instituições. Foi anunciado recentemente, por exemplo, uma transferência de créditos “podres”da Caixa Econômica para a Empresa Gestora de Ativos (Engea), da ordem de R$ 5 bilhões. A Engea é uma espécie de agência para lidar com créditos de instituições públicas de difícil cobrança 14.
  6. Reverter a política recentemente adotada pelo Tesouro Nacional de facilitar a tomada de empréstimos por estados e municípios. Esses governos subnacionais têm seus limites de endividamento controlados pelo Tesouro, em conformidade com regras estipuladas pelo Senado. Se as regras forem cumpridas à risca, os estados e municípios têm que obter superávit primário para pagar seus débitos vincendos. Quando se abre aos estados e municípios a possibilidade de tomar novos empréstimos, deixa de ser necessário fazer superávit para pagar suas dívidas. Basta fazer dívida nova para pagar dívidas antigas. O resultado foi a queda do superávit fiscal de estados e municípios, que deteriora a situação fiscal agregada do setor público. O superávit primário de estados e municípios caiu de 1,15% do PIB em 2008 para 0,34% do PIB em 2013.

AJUSTE DE LONGO PRAZO

  1. Não há dúvida de que o ajuste de longo prazo mais importante é a retomada da reforma da previdência. Esse é o maior item de despesa do orçamento (consumindo quase 40% de toda a receita primária do Tesouro, com gastos anuais de R$ 350 bilhões ou 7,3% do PIB em 201315). É também a categoria de despesa que tem maior potencial de crescimento, seja devido às regras benevolentes de concessão de benefícios, seja pelo rápido envelhecimento da população, que afetará não só o lado do gasto, mas também o lado da receita, pela diminuição da parcela da população participante no mercado de trabalho e contribuinte para a previdência. As pessoas com mais de 65 anos de idade eram 7% da população em 2012 e serão 22% em 205016. Por isso, faz-se necessário, pelo menos: instituir idade mínima para aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), aumentar o tempo de contribuição necessária para que se pleiteie aposentadoria por idade, rever o instituto das aposentadorias especiais, rever o tempo reduzido de aposentadoria para mulheres, reduzir a benevolência dos benefícios associados à pensão por morte.
  2. A segunda prioridade também é a previdência! Isso porque tramitam no Congresso mais de uma centena de projetos que aumentam benefícios, concedem novas aposentadorias especiais, propõem a institucionalização da desaposentadoria e/ou reduzem exigências para gozo de benefícios existentes. Olhando-se isoladamente cada um desses projetos, eles parecem inofensivos em termos fiscais. Muitos se baseiam em argumentos meritórios. Porém, quando analisados em conjunto, têm potencial explosivo sobre os custos da previdência. A cada ano alguns desses projetos são aprovados e sancionados, cavando um pouco mais o poço do déficit previdenciário (sobre esse ponto será futuramente publicado texto específico neste site). É preciso instituir um mecanismo de avaliação do impacto fiscal desses projetos, e dar a eles atenção redobrada durante sua tramitação no Congresso.
  3. Logo após à previdência, o segundo maior item de despesa é a folha de pessoal do Governo Federal (R$ 221 bilhões ou 4,6% do PIB)17. Como já afirmado acima, esta tende a crescer em função da pressão do Judiciário por aumento de remuneração. Além disso, a política de pessoal do setor público brasileiro é ineficiente e dispendiosa, pagando remunerações elevadas e contratando acima da necessidade, além de garantir estabilidade no emprego de forma generalizada. Um ponto fundamental a ser mudado na política de pessoal diz respeito aos direitos e deveres dos servidores em relação à greve. Atualmente há um desequilíbrio: os servidores podem fazer greve, mas não há instrumentos para punir greves abusivas, não há corte de remuneração dos dias parados nem a possibilidade de demissão. Isso estimula a realização de greves e coloca o poder público contra a parede, resultando em remunerações elevadas e perda de qualidade dos serviços públicos em função de sucessivos movimentos paredistas. A aprovação de uma lei de greve que equilibrasse direitos e deveres contribuiria tanto para conter o peso fiscal da folha de pagamento, quanto para recuperar a qualidade dos serviços prestados.
  4. Ainda em relação ao serviço público, é preciso rever regras de contratação, remuneração e promoção visando criar incentivos para o bom desempenho, assim como conter a contratação em excesso (propostas nesse sentido estão no texto O que fazer para melhorar a eficiência dos servidores públicos e reduzir as despesas de pessoal do governo?). De especial interesse seria a adoção de modelos alternativos de prestação de serviços públicos, como a atuação de organizações sociais mediante contrato de gestão na área de saúde, ou a adoção (mediante avaliação de seus efeitos) de políticas de voucher escolar e terceirização de gestão das escolas públicas.
  5. As políticas de assistência social (Bolsa Família, Abono Salarial, Seguro Desemprego, Benefício de Prestação Continuada – BPC, aposentadorias rurais) têm apresentado peso crescente na despesa pública (elas consumiam 6,2% da receita primária em 2004, pulando para 10,3% em 2013 – em reais foram R$ 182 bilhões ou 3,7% do PIB). Embora algumas dessas políticas representem importante contribuição à redução da pobreza e da desigualdade, outras não são tão eficazes e devem ser descontinuadas. É preciso focar os benefícios nos mais pobres, para ter o máximo de resultado ao menor custo possível. Essa foi a chave do sucesso do Bolsa Família, um programa barato e eficaz. Sob essa ótica, o Abono Salarial é um candidato a ser extinto, o que representaria economia de R$ 19 bilhões em 201518. O seguro desemprego tem sido objeto de fraudes, e precisa passar por mudanças nas suas regras e mecanismos de fiscalização. O valor do salário mínimo, que rege o reajuste do BPC e o piso das aposentadorias, deveria passar a ser corrigido pela inflação adicionada de um índice de produtividade (ou, para facilitar, a taxa de crescimento do PIB per capita). Isso garantiria a manutenção do poder de compra dos benefícios (agregado a um ganho real) em ritmo compatível com o crescimento da economia e da capacidade fiscal. A regra atual de elevação do salário mínimo é mais benevolente, porém sacrifica as contas públicas e tira dos pobres, via inflação, o que lhes dá por meio do reajuste dos benefícios.
  6. Na área de educação é preciso tomar a decisão de focar a ação do setor público na pré-escola e no ensino básico, revendo-se a prioridade até hoje conferida ao ensino superior, em especial à injustificável gratuidade do ensino superior para estudantes de famílias que podem pagar pelo serviço.
  7. É essencial que se instaure no Estado brasileiro mecanismos de avaliação das inúmeras políticas públicas em execução. Os programas são criados e perpetuam-se sem que se avalie se eles geram mais benefícios do que custos. Algumas perguntas básicas devem ser respondidas sobre cada programa público: a quem beneficiam? Qual o custo per capita? Há programas alternativos que beneficiariam mais gente ao mesmo custo? Há necessidade de intervenção do governo ou o problema que se quer resolver pode ser solucionado pelo livre funcionamento de mercado (ou seja, há falhas de mercado envolvidas?)? Qual o impacto sobre a distribuição de renda e redução da pobreza? Quais os efeitos colaterais positivos e negativos que os programas geram para a sociedade?
  8. A criação de uma instituição fiscal independente (ver sobre isso, neste site, no texto “O que são instituições fiscais independentes?”) ou a criação de programas de avaliação de impacto no âmbito do Poder Executivo (já há iniciativa nesse sentido no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos) ajudaria a colocar luz sobre programas públicos ineficientes, que devem ser descontinuados ou reformados, bem como indicar quais são as experiências bem-sucedidas que devem ser replicadas e ampliadas.
  9. Reavaliação do modelo de investimento público. O famoso PAC é um programa baseado na ideia de “quanto mais investimentos melhor”. Ele reuniu e embrulhou em um só pacote diversos projetos que existiam e estavam a espera de financiamento, sem uma avaliação da qualidade e oportunidade desses projetos. E, sobretudo, sem se fazer uma escala de prioridades. Ocorre que o país não tem recursos fiscais nem capacidade gerencial para tocar um grande número de projetos ao mesmo tempo. Acabam ocorrendo casos de projetos mal executados ou inadequados (desconsiderando-se outras opções mais baratas e eficientes), obras interrompidas por falta de recursos, estouro de orçamento em função de mau planejamento. Nesse sentido, seria necessário criar uma agência (ou dar atribuição a um órgão já existente) que centralizasse o planejamento dos investimentos públicos, buscando a sinergia entre diferentes projetos, e definindo com clareza quais seriam objeto de concessão, parceria público-privada ou investimento público direto.
  10. Ainda sobre os investimentos em infraestrutura, é preciso mudar a política adotada naqueles destinados ao modelo de concessão. Não se pode usar a concessão como uma forma de trazer o investidor privado para trabalhar pelo governo, submetendo-o a uma remuneração inferior ao seu custo de capital. Ou seja, medidas populistas, voltadas a reprimir o preço das tarifas pagas pelos usuários, acabam levando a baixa qualidade dos serviços ou relações espúrias entre prestador de serviço e governo, que passam a buscar meios de remuneração menos transparentes (via subsídios extraorçamentários, subsídios cruzados, etc.). O custo para o contribuinte e as distorções de preços relativos e perda de eficiência da economia acabam sendo maiores que a economia no preço do serviço. Em segundo lugar, não se pode usar os programas de concessão tendo por objetivo principal maximizar a receita fiscal obtida nos leilões. Isso porque para maximizar tal receita, o poder público acaba tendo que permitir que o concessionário preste um serviço de pior qualidade (e tenha menor custo e maior lucro), em troca de um pagamento inicial mais polpudo. O ganho fiscal de curto prazo acaba gerando perda de qualidade, e portanto de produtividade, no longo prazo.

CONCLUSÕES

Os pontos aqui esboçados, se adotados em conjunto, dariam aos agentes econômicos uma perspectiva de equilíbrio, eficiência e transparência das contas públicas no longo prazo. Isso atuaria no sentido de conter a inflação e o déficit no balanço de pagamentos. Estimularia os investimentos, permitiria a redução da taxa de juros de equilíbrio e resultaria em maior crescimento econômico.

Resta, como desafio, argumentar que este não seria um “pacote de arrocho” com consequências negativas aos mais pobres.

Uma breve revisão das principais medidas propostas permite constatar que muitas delas, na verdade, desconcentram a renda. É o caso das políticas que visam restringir as altas remunerações do Poder Judiciário, e praticar uma política salarial no setor público mais próxima do que se paga no setor privado. Conter a expansão do efetivo de servidores públicos também atuará no sentido da redistribuição. Parte significativa do funcionalismo está entre os 5% mais ricos do país.

A adoção de políticas voltadas a estimular os servidores públicos a serem mais eficientes, bem como os modelos alternativos de prestação de serviços de saúde e educação, resultaria em melhores serviços prestados aos mais pobres, que são os maiores usuários desses serviços, visto que os mais ricos há muito migraram para os serviços privados.

Igual efeito terá a reforma da previdência, pois em sua conformação atual, o sistema de benefícios é apropriado majoritariamente pela classe média, em detrimento dos mais pobres. Os projetos de mudanças avulsas no sistema previdenciário (na direção contrária à do ajuste das contas), que aos poucos vão sendo aprovados no Congresso, também são, muitas vezes, direcionados a grupos de pressão de classe média, tendo um custo equivalente ao necessário para tirar um grande contingente de famílias da miséria.

A focalização das políticas sociais também seria um instrumento de fazer mais e melhor em favor dos mais pobres, eliminando-se os “vazamentos” de benefícios que hoje vão para a classe média.

Também no caso dos investimentos em infraestrutura é possível buscar um enfoque pró-pobre. Um adequado planejamento e hierarquização de prioridades levaria ao aumento de investimentos em áreas como saneamento básico, remoção de habitações de áreas de risco para conjuntos habitacionais populares e melhorias nos investimentos e gestão do transporte público. São evidentes os benefícios aos mais pobres e à classe média.

A adoção de monitoramento e avaliação de programas públicos de forma sistemática deixaria claro para a sociedade os programas que, embora aparentem gerar muitos benefícios, têm custos elevados. Se submetidas a avaliações desse tipo, iniciativas do chamado Sistema S, que consomem em torno de R$ 15 bilhões por ano, provavelmente se mostrariam caras e ineficientes. O uso dos recursos do imposto sindical e dos programas de treinamento financiados pelo Ministério do Trabalho também ficaria mais claro, podendo-se aferir até que ponto são os trabalhadores ou uma elite sindical que se beneficia dos recursos.

A contenção no ritmo de crescimento do salário mínimo não pode ser vista como uma medida de “arrocho” contra os pobres. Afinal, em algum momento do tempo o salário mínimo terá que parar de subir acima dos demais salários. Do contrário, no longo prazo ele se tornará um “salário máximo”. Os ganhos em termos de redução da pobreza e da desigualdade, decorrentes do reajuste do salário mínimo acima da inflação tendem a ser cada vez menores. Primeiro, porque passarão a pressionar a inflação e retirar renda dos mais pobres.Segundo, porque esse salário passará a ser cada vez mais pesado para as empresas, desestimulando a contratação de trabalhadores pobres menos qualificados (com produtividade abaixo da remuneração mínima). Ademais, a medida proposta não é de redução do valor real do salário mínimo, e sim de moderação na sua taxa de crescimento real.

Por fim, mas não menos importante, o fim dos bilionários subsídios concedidos pelo Tesouro a grandes empresas, por meio de financiamentos do BNDES e o fim dos subsídios implícitos nas desonerações de IPI e folha de pagamentos deixarão de carrear bilhões de reais para o topo da pirâmide de renda.

____________________

1 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil, Nota para a Imprensa, out 2014.
2 Fonte de dados: www.ipeadata.gov.br
3 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, out. 2014.
4 Fonte dos dados: Banco Central do Brasil. Nota para a Imprensa, out. 2014.
5 Fonte dos dados: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro – Série histórica.
6 Valor Econômico, 17/11/2014.
7 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrecadacao-do-refis-frustra-governo-e-deixa-meta-fiscal-mais-distante-imp-,1555788
8 Fontes: Banco Central do Brasil e Banco Itaú (2013). “Contas públicas: dimensionando o impacto das operações não recorrentes”.
9 Fonte: Receita Federal do Brasil – Desonerações instituídas.
10 Fonte: Valor Econômico, 2/6/14.
11 Fonte: O Globo 7/10/14.
12 Fonte: Folha de S. Paulo 5/11/14.
13 Fonte: www.ipeadata.gov.br
14 Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/11/caixa-repassa-r-5-bilhoes-em-creditos-podres.html
15 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro Nacional
16 Estimativas de Marcelo Caetano, com base em dados do IBGE.
17 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Resultado do Tesouro Nacional
18 Fonte: Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2015.

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Os investimentos no Brasil estão perdendo valor? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2138&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-investimentos-no-brasil-estao-perdendo-valor https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2138#comments Mon, 24 Feb 2014 15:16:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2138 1. Introdução

Ao final de janeiro, o blog Beyond Brics, ligado ao jornal Financial Times, ventilou uma notícia sobre a perda de valor dos investimentos feitos por estrangeiros no Brasil. A notícia, além de trazer preocupações em seu título (Investing in Brazil: Value creation and value destruction), traz outra ainda maior sob o ponto de vista da estrutura do balanço de pagamentos e da posição de vulnerabilidade externa.

As duas principais contas do balanço de pagamentos1 – o resultado em transações correntes e a conta capital e financeira – servem como referência para avaliar a situação do país frente ao sistema financeiro internacional. Países deficitários em transações correntes – ou seja, aqueles que consomem mais do que produzem, precisando importar bens e serviços do exterior – precisam recorrer ao financiamento externo, seja por investimento estrangeiro ou por ajuda externa, como faz o Fundo Monetário Internacional (FMI) ao detectar países com desequilíbrios nas contas externas. O Brasil, nos últimos dez anos, tem conseguido manter o financiamento de seu déficit em transações correntes de forma saudável, sendo o investimento direto a principal fonte de financiamento. De 2002 até o final de 2012, não havia necessidade de financiamento externo nas contas externas2. Esse cenário benéfico, entretanto, foi revertido em 2013, com o desempenho ruim da balança comercial, passando o país a necessitar de 0,8% do PIB para financiar o resultado negativo das transações correntes.

Apesar do resultado, o país não fechou as contas em 2013 de forma totalmente negativa porque os investimentos estrangeiros em carteira3 ajudaram no financiamento do saldo negativo. Preocupa, todavia, o fato de que investidores estrangeiros possam estar perdendo dinheiro ao investir no país, fazendo com que esses atores revejam suas estratégias de investimento para outros países emergentes. O artigo supracitado argumenta que houve destruição de valor nos investimentos de estrangeiros no Brasil e expõe dados do Banco Central para avaliar o tamanho da perda de valor no estoque de investimento estrangeiro no país, tanto direto, como em renda fixa e em ações.

O objetivo desse texto é avaliar os números de estoque e fluxo de investimento estrangeiro no Brasil, verificar se há perda de valor desses investimentos e avaliar se essa perda está relacionada com a volatilidade cambial e/ou com a perda do valor dos ativos nacionais.

2. Investimento Estrangeiro Direto

Avaliando os dados atualizados recentemente pelo Banco Central4, observa-se que, entre janeiro de 2003 e novembro de 2013, o fluxo de IED no Brasil valia US$405 bilhões e que o estoque de IED – todo o investimento acumulado nesse período – aumentou em quase US$600 bilhões. Esse aumento se deve aos fluxos e à valorização dos ativos. Os números podem ser observados no Gráfico 1.

Gráfico 1

img_1

Importante ressaltar que o País tem atraído fluxos de investimento direto cada vez maiores, por anos seguidos e acumula, entre 2003 e 2013, um estoque de investimento estimado em US$725 bilhões5. Em 2010, apesar de um fluxo menor de IED em relação a 2009, o país captou investimentos no valor de US$26 bilhões. Além da alta no valor das empresas brasileiras nesse ano (IBOVESPA), a apreciação do Real (que altera o valor do estoque em dólar) também ajuda a explicar parte da alta no valor do estoque entre 2009 e 2010. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para explicar o grande recuo no estoque de IED a partir de 2011, quando o valor das empresas brasileiras caiu e o houve subsequentes desvalorizações da moeda nacional. Por exemplo, enquanto o dólar valia R$1,69 ao final de 2010, esse valor subiu para R$1,83 ao final de 2011, uma desvalorização de 8,5% em um ano. Um investidor estrangeiro que tenha trazido R$1.690 (ou US$1.000) para o país em 2010, se resolvesse retirar essa quantia do país ao final de 2011, teria o valor equivalente a US$923,5, ou seja, perda de US$76,5. O Gráfico 2 mostra que a correlação6 entre a variação no estoque de IED e a variação cambial é de -0,75, ou seja, uma desvalorização cambial está fortemente associada a uma variação negativa do estoque de IED.

Gráfico 2

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Em 2010, observa-se que a alta dos ativos brasileiros influenciou fortemente o aumento no valor dos estoques de investimento no país. Como mostra o Gráfico 3, a correlação entre o índice Bovespa e os estoques de investimento direto 7é fortemente positiva, de forma que aumentos no índice Bovespa estão associados a variações positivas no valor do estoque de IED. Portanto, a queda no valor desses estoques, observadas a partir de 2011, além de refletir a desvalorização cambial, também é resultado do baixo desempenho das ações das empresas negociadas na Bovespa.

Gráfico 3

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3. Investimento Estrangeiro em Renda Fixa

A análise seguinte compara estoques e fluxo dos investimentos estrangeiro em renda fixa a partir de 2002. O dado mais recente do Banco Central mostra que o estoque de renda fixa em posse de estrangeiros soma US$175,5 bilhões no período. Entre 2009 e 2010, o fluxo em renda fixa, somado, foi de US$ 47 bilhões e o estoque aumentou US$56,5 bilhões.

Gráfico 4

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Como apontam a maioria dos economistas em comércio internacional, investimentos em carteira, ao contrário dos investimentos diretos, são movidos por diferenças no retorno ao capital (Markusen et al, 1995). No caso dos investimentos em renda fixa, devido ao grande diferencial de juros oferecido pelos ativos brasileiros, estes têm sido pouco afetados pela mudança de percepção no risco e pela queda de valor das empresas brasileiras. Entre 2011 e 2012, por exemplo, enquanto o valor do estoque do IED caía, o estoque nessa categoria de investimento apresentou uma alta de US$42 bilhões. As variações do dólar não alteram tanto a decisão de investimento no país, quanto nos outros investimentos, como mostra o Gráfico 5, embora possa ser observada uma correlação negativa relativamente alta.

Gráfico 5

img_5

4. Investimento Estrangeiro em Ações

Quanto aos investimentos estrangeiros em ações, importante componente do investimento em carteira, há uma forte relação entre o valor do estoque e o valor das ações das empresas brasileiras avaliadas no IBOVESPA. O valor do estoque dos investimentos estrangeiros em ações caiu fortemente em 2008, ano da crise financeira internacional, quando houve perda no valor das empresas listadas no Ibovespa (em Reais), acompanhada da desvalorização da moeda nacional, como mostra o Gráfico 6.

Gráfico 6

img_6

Apesar da recuperação do valor do estoque dos investimentos em carteira em 2009 e 2010, a variação estimada do valor desses estoques a partir de 2011 é negativa. O recuo no estoque de investimentos em ações, nos últimos 3 anos, apesar do país ter recebido fluxos positivos no período, resulta da desvalorização cambial recente, dado que houve leve recuperação nos valores das empresas brasileiras. O Gráfico 7, que mostra a relação entre a variação do valor do estoque dos investimentos em carteira e a variação cambial, aponta uma correlação de -0,87.

Gráfico 7

img_7

5. Considerações Finais

A situação de vulnerabilidade externa brasileira atual é muito diferente do observado pela história econômica do país. O país hoje possui reservas internacionais suficientes para cobrir sua dívida externa total. A dívida externa líquida, negativa, mostra que o país está na posição de credor internacional, algo inédito até 1998 (Gráfico 8).

img_8

Esses indicadores, entretanto, são extremos quando se considera as condições das contas externas. É possível explicar que a perda de valor dos investimentos estrangeiros, tanto direto quanto em carteira, ocorre devido à um ajuste cambial. Mas a queda nos preços dos ativos, causando a perda de valor no estoque dos investimentos em ações, preocupa, visto que este tem sido complementar no financiamento do déficit em transações correntes.

Em adicional, uma percepção de maior risco do país, acompanhada de baixo retorno dos ativos brasileiros frente a outros países – que pode piorar diante do rebaixamento da nota brasileira – tende a deixar o país em uma posição vulnerável, com saída de capitais estrangeiros. A divulgação de matérias como a do blog Beyond Brics altera a percepção de investidores estrangeiros sobre os ativos brasileiros e preocupa caso haja uma reversão no fluxo de investimento estrangeiro para o país.

_________________

1Instrumento de contabilidade que resume as transações econômicas de bens e serviços entre residentes e não residentes.
2Necessidade de financiamento externo= déficit de transações correntes menos os investimentos estrangeiros diretos líquidos.
3O investimento direto é constituído quando o investidor detém 10% ou mais das ações ordinárias ou do direito a voto numa empresa; considera-se como investimento em carteira quando ele for inferior a 10%.
4O Banco Central revisa periodicamente os dados de estoque de investimento estrangeiro no país para fins de demonstração da posição internacional de investimento, conforme o Padrão Especial de Disseminação de Dados, requerido pelo FMI.
5O estoque de investimento estimado depende do fluxo líquido captado e do valor de mercado desses investimentos durante cada ano. O valor do estoque de IED, em dólares, aumentou muito em 2009, resultado tanto da apreciação cambial quanto da alta no valor das ações brasileiras.
6O coeficiente de correlação mostra a influência que uma variável tem sobre a outra. Valores próximos a 1 (ou -1) mostram que elas são fortemente positivamente (ou negativamente) relacionadas.
7Por definição, investimentos acima de 10% em ações de uma mesma empresa são classificados como IED.

Referências:

Banco Central do Brasil, Sistema de Séries Temporais.
KRUGMAN, P., OBSTFELD, M., MELITZ, M., International Economics: Theory and Policy. Cap. 8, 9ª edição, 2011.
MARKUSEN, J., MELVIN, J., KAEMPFER, W., MASKUS, K., International Trade: theory and evidence. Cap. 22, 1995.
SARTORI, A., Estatística e Introdução à Econometria. Cap. 1, 2003.
Wheatley, J. Investing in Brazil: value creation and value destruction.  Financial Times, Beyond Brics. Publicado em 23 de jan. 2014

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O enigma das altas taxas de juros no Brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1347&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-enigma-das-altas-taxas-de-juros-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1347#comments Mon, 06 Aug 2012 14:44:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1347 As taxas de juros estão em um nível historicamente baixo no Brasil, se considerarmos sua tendência histórica. Mas essas taxas ainda são muito altas se comparadas com as de outros países emergentes que, como o Brasil, utilizam o regime de metas de inflação (Figura 1). Excluíndo-se o período de hiperinflação (1988-1994), quando as taxas de juros reais foram extremamente voláteis (o que poderia distorcer a análise), as taxas de juros ex-post (aquelas medidas após se conhecer o valor da inflação no período em que se avalia a taxa de juros) caíram, em média, de aproximadamente 40% ao ano nos anos 1980 para algo como 20% na segunda metade da década de 90, antes da introdução do regime de metas de inflação e da mudança do regime cambial de fixo para flutuante em 1999. As taxas declinaram ainda mais, para 10% ao ano no período 2000-2005, decrescendo para menos de 8% ao ano entre 2006 e 2009, atingindo seu menor nível em toda a série histórica considerada em 2009, ficando um pouco abaixo de 5% ao ano. Esse é um nivel bastante baixo para os padrões brasileiros, ainda que esteja em torno de quatro pontos percentuais acima da média dos países emergentes que usam o regime de metas de inflação.

Figura 1. Taxas de juros reais de curto prazo (ex-post), média 2000 – 2009

A alta taxa de juros é frequentemente citada como uma das mais importantes restrições ao desenvolvimento econômico do país. Alguns autores se referem a esse problema como a mais importante restrição ao crescimento (Hausmann 2008). Portanto, é um exercício importante entender quais são os fatores que podem estar associados com essa tendência de queda nas taxas de juros reais, e tentar explicar como o Brasil pode reduzir ainda mais os juros de modo a convergir para a taxa média das outras economias emergentes que utilizam o regime de metas de inflação.

Os argumentos que buscam explicar as taxas de juros historicamente altas no Brasil podem ser agrupados em alguns grupos temáticos. Há cinco tipos de razões apresentadas pela literatura:

A. Considerações sobre a política fiscal

O principal argumento fiscal refere-se aos efeitos da chamada “dominância fiscal” e ao risco de default da dívida pública. Favero e Giavazzi (2002) mostram que as taxas de juros são altas no Brasil devido ao alto nível da dívida pública. Rogoff (2005) argumenta que o historico de defaults (sete episódios de defaults ou reestruturações de dívida no período 1824–2004) significa que o Brasil, mesmo com um relativamente baixo nível de dívida pública,  já começa a pagar um prêmio de risco elevado. As evidências empíricas sobre o efeito da dívida pública na taxa de juros real no Brasil não são conclusivas. Muinhos e Nankane (2006), por exemplo, não encontram evidência de uma relação negativa entre o nível da dívida pública e a taxa de juros real. De fato, um simples exame da tendência da  taxa de juros real e da dívida pública  mostra que não há aparente relação entre as variáveis (Figura 2). Embora essa seja apenas uma relação entre duas variáveis, a inclusão da dívida pública bruta em uma regressão em painel também não produz resultados robustos, e em algumas especificações o efeito aparece com o sinal inverso.

Figura 2. Brasil: Divida Publica Bruta (em porcentagem do PIB), 1996–2009

B. Poupança doméstica

O Brasil tem um nível de poupança doméstica relativamente baixo. Hausmann (2008) argumenta que essa é a principal restrição ao crescimento e a razão para a alta taxa de juros. Um argumento similar sobre o efeito da baixa poupança sobre a taxa de juros real é feito por Fraga (2005). Miranda e Muinhos (2003) também fazem referência a esse argumento, mas não o testam empiricamente. A intuição por trás desse argumento é convincente. De acordo com a teoria clássica de investimento e poupança, se a demanda por investimento excede a oferta de poupança doméstica, a taxa de juros real de equilíbrio se eleva. É bem verdade que em uma economia aberta ao exterior a poupança doméstica pode não ser uma restrição, pois pode ser complementada pela poupança externa. Porém, Feldstein e Horioka (1980), e vários outros estudos posteriores, encontram grande correlação entre poupança doméstica e investimento doméstico. Rogoff e Obstfeld (2000) descrevem esse fenômeno como um dos principais enigmas da macroeconomia moderna.

Figura 3. Poupança doméstica e taxa de juros real em países emergentes – média 2000–09

A relação entre poupança doméstica e a taxa de juros real parece ser forte (Figura 3). Entre as mais baixas taxas de juros em uma amostra de países emergentes que utilizam o regime de metas de inflação estão os países do sudeste asiático (Coréia, Indonésia e Tailândia), que têm altos níveis de poupança doméstica (em torno de 30% do PIB). Chile e Mexico têm poupança doméstica media entre  6 e 7 pontos percentuais maiores que o Brasil e níveis consideravelmente mais baixos de juros reais. No entanto, Brasil e Turquia aparecem muito longe da média. Ambos têm juros elevados porque suas poupanças domésticas são baixas em relação aos demais países, mas a previsão linear traçada na Figura 3 sugere que as taxas de juros de Brasil e Turquia deveriam ser aproximadamente 4 pontos percentuais mais baixas que os valores efetivamente observados.

C. Fragilidade institucional

Há argumentos de que a alta taxa de juros decorre, por um lado, da fragilidade das instituições políticas e econômicas brasileiras, necessárias para prover proteção aos investidores (garantia de cumprimento de contratos e de direitos de propriedade); e por outro lado da falta de independência do Banco Central.

  • Incerteza jurisdicional. Esse é um termo vagamente definido que se refere à fraqueza dos direitos de propriedade e das instituições responsáveis por garantir o cumprimento dos contratos. O termo foi criado por Arida, Bacha, e Lara-Resende (2004) que o descrevem como uma espécie de vies anti-credor, o risco de mudança no valor dos contratos antes ou no momento de sua execução, e o risco de interpretação desfavorável do contrato em seu julgamento pela justiça. O problema dessa hipótese é que muitos outros países emergentes não têm instituições de defesa do direto de propriedade e de garantia de cumprimento de contratos melhores que as do Brasil e, mesmo assim, têm taxas de juros muito mais baixas. Ademais, evidências empíricas não dão sustentação a essa hipótese, como demonstrado por Gonçalves, Holland, e Spacov (2007).
  • Falta de completa independência do Banco Central. Esse argumento é citado por Rogoff (2005) e outros. Esse é um importante argumento, mas difícil de testar empiricamente, uma vez que não é fácil quantificar e testar qual deve ser o nível crítico de independência do Banco Central.

D. Histórico de alta inflação e volatilidade da taxa de inflação

O Brasil tem uma longa história de inflação alta e volátil. A inflação anual foi moderadamente alta nos anos 1970 (media de 30%); muito alta no período 1980–88, (média de mais de 200%); e se transformou em hiperinflação entre 1989 e 1994, (média de 1.400%). Entre 1980 e 1994 o Brasil foi o país com a mais longa história de inflação alta entre os países emergentes que agora usam metas de inflação. Não é de surpreender que haja uma forte correlação entre inflação alta e taxas de juros altas. A taxa de juros precisou subir para puxar a inflação para baixo,  e algumas vezes precisou ir a níveis muito altos. A queda da inflação e da volatilidade de suas taxas no Brasil permitiu que as “expectativas inflacionárias fossem domadas” (Bevilaqua et al, 2007). Esse parece ter sido um fator chave para garantir a tendência declinante nas taxas de juros reais.

E. Fatores que afetam o mecanismo de transmissão da política monetária no Brasil

Várias peculiaridades do caso brasileiro têm sido citadas como fragilizadoras do mecanismo de transmissão da política monetária e como possíveis fontes de pressão adicional sobre a taxa de juros. Podem ser citados:

  • Segmentação do mercado de crédito. Empréstimos feitos abaixo das taxas de Mercado pelo BNDES e pelos setores de habitação e agricultura podem estar puxando para cima a taxa de juros real de equilíbrio no mercado de crédito livre. A intuição por trás desse argumento é que se o setor publico oferece crédito com taxas subsidiadas,  a taxa de juros controlada pelo Banco Central, para efeito de política monetária, precisará ficar mais alta, para conter a demanda por crédito em um nível consistente com a meta de inflação.
  • Outros fatores. Barbosa (2008) apresenta ampla revisão de outros fatores que afetam a eficácia da política monetária no Brasil e podem estar associados com altas taxas de juros reais, quais sejam:  (i) inércia inflacionária causada pela indexação de preços-chave da economia, o que cria rigidez da inflação brasileiro a mudanças na taxa de juros, e requer uma grande redução da demanda agregada para que a inflação seja reduzida; (ii) fraqueza do “efeito riqueza”, devido à indexação e o curto prazo de vencimento da dívida pública, o que neutraliza o efeito negativo sobre o valor dos títulos público gerado por uma alta da taxa de juros; e (iii) uma relativamente baixa relação crédito-PIB em comparação com outras economias emergentes, o que reduziria o impacto do canal do crédito de um dado aumento da taxa de juros.

O uso de um modelo econométrico (veja detalhes em IMF 12/62) mostra que o aumento da poupança doméstica parece ser o fator individual mais importante para a redução da taxa de juros real no Brasil ao longo do tempo. Essa é a variável que tem potencialmente o mais promissor efeito porque o Brasil ainda tem uma base muito baixa, o que permitiria a expansão da poupança doméstica. A Figura 4 mostra que se a taxa de poupança doméstica crescesse de sua media amostral de 16,5% do PIB para a média do México (22,6% do PIB), o modelo indicaria que a taxa de juros real poderia declinar em 2 pontos percentuais. Ao passo que uma redução mais intensa dos juros reais, de 4 a 5 pontos percentuais, requereria o incremento da poupança doméstica para os níveis de Tailândia ou Coréia (em torno de 30% do PIB), o que nunca foi observado na história do Brasil. Atingir o nível de poupança doméstica do México seria mais factível para o Brasil, e permitiria reduzir a diferença do país em relação à média dos demais países emergentes com metas de inflação em quase 50%.

Figura 4. Brasil: reduções na taxa de juros real se a poupança doméstica crescesse ao nível daquelas observadas em outros países emergentes com metas de inflação.

A alta taxa de juros no Brasil é provavelmente resultado de baixa poupança doméstica e de imperfeições no mercado de crédito. Quanto ao primeiro ponto, aumentar a poupança doméstica por meio de melhorias na situação  fiscal (ou seja, pelo aumento na poupança do governo) provavelmente produzirá grande efeito. Isso é sugerido pela maior magnitude dos coeficientes de regressão associados à poupança do governo. No entanto, a redução integral da diferença entre o Brasil e a media dos demais países da amostra utilizando-se apenas o aumento da poupança doméstica requereria taxas de poupança similares às da Coréia e Indonésia (30% do PIB). Isso não parece realista para o Brasil no curto prazo. Os resultados também mostram que, controlado os outros efeitos do modelo, a taxa de juros real do Brasil ainda fica 2 pontos percentuais acima dos demais (esse efeito é capturado pelo efeito fixo do modelo de regressão).Tal resultado sugere  que há questões específicas do país que podem estar associadas com a alta taxa de juros, que vão além daquelas analisadas no modelo. Fatores importantes a esse respeito, que não podem ser testados empiricamente, e que requereriam atenção particular em pesquisas futuras, seriam as imperfeições do mercado de crédito e o efeito dos empréstimos públicos a taxas subsidiadas. Embora esse tipo de empréstimo tenha sido uma das mais eficazes ferramentas de política anti-cíclica durante a crise após à quebra do Lehman Brothers, o seu uso em tempos normais deve levar em conta o fato de que ele pode estar enfraquecendo o mecanismo de transmissão da política monetária e contribuindo para taxas de juros reais de equilíbrio de mercado mais altas.

O presente texto é um resumo do IMF Working Paper “The Puzzle of Brazil’s High Interest Rates” (IMF 12/62), traduzido e publicado com autorização do autor e do FMI.

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REFERÊNCIAS

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Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=incentivar-o-consumo-ou-a-poupanca-para-estimular-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=898#comments Fri, 02 Dec 2011 16:49:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=898 Há certo consenso entre os economistas de que é necessário investir mais para garantir taxas mais altas de crescimento no longo prazo. Afinal, uma das maneiras mais efetivas de aumentar a produção de bens e serviços da economia é estimulando os investimentos em capital fixo (máquinas, equipamentos, estradas, etc.).

Os números variam, mas estima-se que uma taxa de investimento equivalente a 25% do PIB parece ser o mínimo necessário para garantir que o PIB possa crescer em torno de 5% a.a., sem superaquecer a economia (situação em que as empresas não conseguem produzir tudo o que é demandado pelos compradores, havendo falta de mercadorias, e na qual as empresas não conseguem encontrar trabalhadores para seus postos vagos; o que acaba por elevar salários e preços, gerando aumento da inflação).

Sabemos que uma das identidades básicas da economia é que a poupança deve igualar o investimento. Logo, se a intenção for investir 25% do PIB, é necessário que haja uma poupança também equivalente a 25% do PIB. Sabe-se também que a poupança total é a soma da poupança doméstica (poupança das famílias e do governo) com a poupança externa. Ocorre que a poupança doméstica brasileira tem se situado em torno dos 17% do PIB. Logo, seria necessário tomar emprestado uma poupança externa de uns 8% do PIB para sustentar investimentos de 25% do PIB.

Aí começa a dificuldade, pois a poupança externa corresponde ao saldo em transações correntes (TC) no balanço de pagamentos. Assim, mantidas as condições atuais, precisaríamos de um déficit em transações correntes equivalente a 8% do PIB para financiar o investimento. Ou seja, precisaremos ter um déficit nas transações com os outros países, o que exigiria a entrada de moeda estrangeira no país, decorrente de empréstimos e investimentos estrangeiros, para que tivéssemos divisas internacionais para cobrir o tal déficit em transações correntes (afinal, os parceiros externos não aceitam o Real como meio de pagamento, pois a nossa moeda não tem curso no mercado internacional).

Apesar de não existir uma “lei” estipulando limites máximos para déficits em TC, na prática, dificilmente países conseguem financiamento externo superior a 5% do PIB por períodos prolongados. Em geral, quando o déficit em TC passa dos 4%, a luz amarela já acende e os países passam a ter problemas de financiamento (é preciso garantir constantemente a entrada moeda estrangeira no país para pagar os compromissos em moeda estrangeira, o que deixa os credores do país, em moeda estrangeira, temerosos de não receber seus créditos, havendo uma redução da oferta de empréstimos internacionais ao país, ou o aumento do custo cobrado por esses empréstimos).

Por outro lado, a imprensa muitas vezes noticia que poupar é ruim em um cenário de crise. Ao poupar, as pessoas e o governo não gastam, o que reduz a demanda agregada, o que gera desemprego, reduzindo ainda mais a demanda, etc. Ou seja, estariam criadas as condições para um ciclo perverso: o governo e as famílias não consomem, as indústrias e demais empresas não vendem, há redução no ritmo de produção, aumenta o desemprego e ocorre nova rodada de encurtamento da atividade econômica.

Como resolver essa questão? Deve-se aumentar ou diminuir a poupança? Essa discussão é antiga e passa pela disputa entre keynesianos e clássicos.

A Escola Clássica tem por princípio o liberalismo, isto é, todos os agentes, em busca de obter o máximo de satisfação pessoal, promovem a obtenção do bem-estar de toda a sociedade. De maneira geral, privilegiam o equilíbrio do orçamento público, o controle da expansão da moeda para conter a inflação e um baixo grau de intervencionismo estatal. Consideram que a insuficiência de demanda agregada não é a regra na economia, ocorrendo apenas em momentos de crise. Também argumentam que os investimentos levam um longo período para aumentar a capacidade produtiva da economia (por exemplo, uma máquina precisa ser construída, vendida e ter sua operação iniciada; uma estrada leva um longo tempo para ficar pronta). Por isso, tal Escola considera que a expansão da demanda agregada, baseada em ampliação do consumo (e consequente redução da poupança), pode até estimular a economia e o investimento, porém tenderá a gerar inflação antes de provocar a expansão da atividade econômica, tendo em vista que entre o aumento da demanda agregada e a ampliação da capacidade produtiva da economia haverá um largo intervalo de tempo, em que a maior demanda enfrentará uma oferta rígida, gerando aumento de preços.

Já o Keynesianismo defende que a solução para o problema do desemprego viria com uma forte intervenção do Estado por meio do incremento dos investimentos públicos, que garantiriam o pleno emprego e influenciariam positivamente a demanda agregada. Para essa escola a demanda agregada gera, automaticamente, maior oferta de bens e serviços (implicitamente, ou não se considera o hiato de tempo entre o estímulo a investir criado pela demanda mais alta e a entrada em funcionamento dos novos ativos decorrentes do investimento ou se supõe haver ociosidade permanente na economia, que permite a contratação de fatores de produção sem aumento dos custos), não havendo o impacto inflacionário previsto pela Escola Clássica.

A aplicação de políticas keynesianas fora de um contexto de crise, ou seja, sem que a economia esteja em depressão, com grande ociosidade nos seus meios de produção, tende a gerar pressões inflacionárias.

Frente a essa disparidade de visões, o que se deve fazer para garantir crescimento econômico: controlar as despesas das famílias e do governo, para aumentar a poupança e consequentemente os investimentos; ou ampliar os gastos públicos e das famílias para estimular a demanda agregada, gerando redução da poupança?

Se a economia não estiver em situação de crise, com alto grau de capacidade ociosa (situação ideal para a aplicação de política keynesiana), é preciso encontrar caminhos para expandir a capacidade de crescimento sem gerar inflação ou desequilíbrio no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos.

Podem-se fazer algumas conjecturas continuando a explorar as identidades básicas da teoria econômica. Sabe-se que a poupança é a parte da renda que não foi utilizada no consumo. Assim, para aumentar a poupança interna, há duas possibilidades imediatas: ou baixar o consumo ou aumentar a renda.

O ideal é que se consiga aumentar a renda sem ter que restringir o consumo.

Para tanto, pode-se aumentar a produtividade do trabalhador, ou seja, criar condições para que ele produza mais com menos insumos. Isso abre uma janela para que se aumente o salário real, sem gerar inflação, pois o incremento na renda está calcado no incremento da produtividade.

Outra possibilidade para conseguir ganhos na renda é aumentar a produtividade do capital investido na produção pelas empresas e pelo governo. Isso permite a geração de lucros maiores, ou seja, novamente tem-se mais renda, sem inflação, pois os preços não tiveram que subir para gerar os lucros maiores.

A pergunta que fica é como aumentar a produtividade dos fatores de produção, como conseguir mais eficiência no processo produtivo. Para isso há dois caminhos. O primeiro é aumentar o investimento, para agregar novas tecnologias, mais eficientes, ao processo produtivo. Mas aí voltamos ao ponto inicial: como aumentar o investimento sem mexer com a poupança. Como no curto prazo a renda é limitada pela disponibilidade de fatores de produção, se não houver  recursos ociosos, o aumento do investimento exigirá o aumento da poupança, e o aumento da poupança necessariamente passa pela redução do consumo. Nessa situação, portanto, é mais importante conter o consumo no curto prazo, para que se tenha mais poupança e se possa financiar mais investimentos.

Outra forma de se conseguir ganhos de produtividade é redirecionar os gastos (do governo e das famílias) para atingir uma educação de qualidade em todos os níveis (apesar de a literatura já reconhecer que gastos com educação são investimento em capital humano, as contas nacionais continuam a classificá-los como gastos correntes).

A recomendação de cunho keynesiano,  de poupar menos e gastar mais, pode até ser eficaz em sustentar o PIB no curto prazo, em situações de grande ociosidade de fatores de produção. Mas, no longo prazo, não existe mágica. É preciso criar condições para aumentar a produtividade do capital e dos trabalhadores, aumentar a poupança para poder financiar mais investimentos sem impacto inflacionário e sem desequilíbrio no balanço de pagamentos. Apenas expandir gastos de consumo, mantendo baixa a poupança, bem como a produtividade dos trabalhadores e capital, é a receita certa para ter alta inflação e baixo crescimento.

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Para ler mais sobre o tema:

Jones, Charles: Introdução à teoria do crescimento econômico. Campus. 2000.

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Por que o governo tributa cada vez menos a produção de petróleo enquanto tributa cada vez mais os demais setores da economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-tributa-cada-vez-menos-a-producao-de-petroleo-enquanto-tributa-cada-vez-mais-os-demais-setores-da-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879#comments Wed, 30 Nov 2011 13:02:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=879 As mudanças na cobrança de tributos federais e das participações governamentais sobre a produção de  petróleo implicaram redução da carga tributária incidente sobre o setor. Esse fato se verifica desde meados da década passada, em uma tendência flagrantemente contraditória com o crescimento da carga tributária incidente sobre os demais setores da economia, inclusive famílias.

Por que motivos o governo estaria tributando cada vez mais a produção e consumo da maioria dos bens e serviços e, ao mesmo tempo, aliviando a carga tributária sobre o setor de petróleo?

É curioso como um setor fundamental para a geração de receita tributária não tem sido objeto de análises mais criteriosas, de maior debate público e, em especial, objeto de mais atenção e prudência na formulação e execução da política tributária, em especial no âmbito do governo federal. E isso apesar de toda atenção que despertou o recente conflito federativo em torno da divisão da receita de royalties de petróleo e gás.

Razões para o Relaxamento

Uma primeira explicação para  esse  relaxamento na tributação do petróleo seria o esforço do governo para tentar controlar a taxa de inflação ao segurar indiretamente o preço dos derivados de petróleo, que muito pesam no cálculo do custo de vida. O governo resiste a deixar que a estatal que domina o setor repassar os aumentos nos preços internacionais dos combustíveis para os preços internos, o que inevitavelmente impõe prejuízos à Petrobras. Possivelmente,  como uma compensação, se deixou a carga tributária do setor seguir ladeira abaixo – bem, ao menos, coincidiram as evoluções, de um lado do desalinhamento dos preços internos com os internacionais, de outro da diminuição da razão arrecadação/PIB do setor. No caso específico da CIDE, o governo federal nem esconde que joga com a sua alíquota para segurar preços ao consumidor – inclusive, na última decisão recente, declarou abertamente que a reduziu para melhorar a rentabilidade das empresas do setor.

Esse tipo de política gera vários problemas alocativos e distributivos. Em primeiro lugar, quando o preço do petróleo sobe, o preço dos seus derivados deve subir e, com isso, estimular os consumidores a comprar menos desse bem, de modo que a economia passe a usar com mais parcimônia um insumo mais caro (ou o substitua por fontes alternativas de energia). Manter o preço artificialmente baixo estimula a atitude ineficiente de se consumir mais de um insumo mais caro.

Em segundo lugar, a decisão tem efeitos sobre a distribuição de renda da economia: as petroleiras perdem com o não reajuste de preços e seriam  parcialmente compensadas pela redução tributária. Os demais contribuintes perdem porque o governo eleva outros impostos para compensar a menor tributação do petróleo. Os setores da economia que fazem uso intensivo de combustíveis podem ganhar com o congelamento de preços mas isso se passa às custas dos contribuintes.

Ademais, sabe-se que a melhor política para o controle da inflação, no longo prazo, é manter as contas públicas em equilíbrio. Tentar manter a inflação mediante retenção do reajuste de alguns bens é ineficiente (como deixaram claro os planos econômicos que congelaram preços). Fazê-lo em conjunto com a redução da receita pública é ainda mais sujeito a crítica.

A defasagem de preços do petróleo no Brasil pode ser medida de várias formas. Vale citar apenas os dois combustíveis mais relevantes e em relação ao preço interno: conforme Pires (2011), “… o aumento acumulado do preço da gasolina permanece abaixo do IPCA desde julho de 2009, enquanto o aumento do preço do óleo diesel está abaixo do índice de inflação desde junho de 2009.” [1] Essa defasagem impôs, obviamente, inegáveis e pesadas perdas às empresas que atuam no setor. Pires estimou as perdas da PETROBRAS na casa de R$ 10 bilhões em meados de 2011,[2] antes da desvalorização do Real. Tal prejuízo já foi até maior, como na virada de 2008 para 2009 – ver gráfico a seguir em que o referido especialista calcula o impacto dos preços depreciados.

Neste contexto, na origem das questões tributárias eventualmente pode estar uma visão imediatista de governo – isto é, priorizar acima de tudo o controle da inflação. Para tanto, foram congelados os preços internos de combustíveis, provavelmente por imposição do controlador da sociedade de economia mista (o Governo Federal), que, apesar de ser regida pelo direito privado e ter acionistas privados, parece que acabou transformada ou reduzida a um instrumento de política anti-inflacionária.

A essa razão de corte conjuntural se soma outra de natureza estrutural:  um  viés estatizante que passou a predominar nas decisões estratégicas do Governo Federal em relação ao setor, especialmente depois da descoberta das riquezas do pré-sal e que culminou na mudança do regime para sua exploração da concessão para a partilha da produção (a respeito das diferenças nos dois regimes ver, neste site, o artigo Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo?.

No novo regime de partilha a PETROBRAS foi definida como sócia obrigatória de qualquer campo que vier a ser explorado. Mais simbólico ainda do que seria uma intervenção direta e total do governo na produção seria a proposta que chegou a ser aventada, mas depois abandonada no Senado, durante a votação da proposta de redistribuição da receita de royalties, que permitiria a União se tornar diretamente sócia na exploração dos campos de petróleo que ela própria partilha no novo regime, ou seja, sem passar pela empresa estatal que controla. [3]

Não há a menor dúvida de que será monumental o esforço de investimento exigido da PETROBRAS para se extrair as riquezas recém-descobertas do pré-sal, seja qual for o regime, sejam quais forem as parceiras. A imperiosidade de gerar cada vez mais recursos próprios para inversões tão enormes só agrava o problema decorrente da defasagem de preços e induz a demanda da empresa por facilidades tributárias.

Por ambas óticas, controle conjuntural de preços e maior estatização da exploração do petróleo, podem ser apontadas razões para a flexibilização na tributação do setor, ou mesmo um eventual relaxamento na sua fiscalização.

No regime de partilha o óleo é de propriedade do Estado, ao contrário do regime de concessão, em que o petróleo é de propriedade da empresa concessionária. Essa diferença jurídica tende a reduzir ainda mais a base de incidência tributária no setor petróleo. Isso porque quando o petróleo se torna propriedade estatal ele deixa de ficar sujeito à tributação. O óleo que constituir um bem governamental deve se beneficiar da imunidade tributária recíproca, garantida pela Constituição e que o STF já julgou com clasula pétrea (de modo que nem mesmo emenda constitucional pode a mudar), como será discutido a seguir.

Evidências da Tributação

Poucos estudos tratam da tributação do petróleo, e costumam focar mais nas participações governamentais na extração.[4] Notícias recentes até mencionaram a redução ou a má tributação do setor.[5] Para uma avaliação mais acurada, aqui foram reunidos dados de 3 fontes: i) a receita administrada federal (RAD),[6] excluídas contribuições previdenciárias; ii) a arrecadação do Imposto Estadual sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);[7] e iii) as chamadas rendas de exploração – royalties e participações especiais na extração.[8] Entre 2000 a 2010, conforme tabela a seguir, a razão receita/PIB apresenta duas fases bem distintas –aumento da carga conjunta até 2006; decréscimo desde então. A oscilação foi mais explicada pela RAD e participações, enquanto o ICMS oscilou um pouco menos.

Ao confrontar essa evolução com a carga tributária global ao longo do mesmo período (mesmo excluída a CPMF), se observa que no ciclo de alta a carga tributária sobre o  petróleo cresceu mais que a nacional, de modo que o setor aumentou seu peso relativo, de 7,6% para 10,7% entre 2000 e 2006. Depois, o movimento foi inverso e muito rápido, recuando essa proporção para 7,5% em 2010. A carga de petróleo decresceu em 0.9 ponto do PIB entre 2007 e 2010 enquanto a do resto da economia cresceu em 2,7 pontos do PIB no mesmo período.

Não se pode falar que a queda da carga resultaria de má performance do setor. Ora, a tendência decrescente da carga se processou exatamente quando disparou a produção nacional de petróleo. De acordo com dados da PETROBRAS, a produção total de óleo e gás passou de 1.637 mil barris equivalentes de petróleo (boed)  em 2001 para 2.600 mil boed em 2011, um crescimento acumulado de pouco mais de 58,83% no período ou um crescimento médio de aproximadamente 4,74 % ao ano. É possível identificar ao menos dois fatos relevantes que conspiraram para reduzir a RAD de petróleo: primeiro, o intenso recurso a mecanismos de compensação tributária em 2009, muitas vezes no limite das regras tributárias; segundo, as mudanças na aplicação das contribuições sobre vendas (que passaram a ser cobradas na forma de um valor fixo por unidade de combustível; isso não seria uma distorção se o fixado para a COFINS e o PIS em abril de 2004 nunca mais tivesse sido alterado).

Tal leitura é reforçada ao examinar a evolução dos tributos pagos pela PETROBRAS, conforme ela informa aos investidores.[9] Convertidos em proporção do PIB, no longo prazo exposto na tabela seguinte, se destaca que entre 2003 e 2010 a sua carga total diminuiu em 0.64 ponto do PIB enquanto a carga nacional medida pelo Ministério da Fazenda aumentou em 2,15 pontos, o que significa que, para os demais contribuintes, o incremento foi ainda maior, de 2.78 pontos do produto.

No caso das participações governamentais (participação especial mais royalties), a carga paga em 2010 foi inferior à registrada em 2003: como a produção de óleo no País foi crescente, batendo recorde depois da crise global, se pode inferir que o desenho atual das participações governamentais não acompanhou a expansão da  produção física, das receitas e, sobretudo, de rentabilidade do setor. Já no caso das contribuições econômicas (os tributos clássicos), dados mais detalhados revelam que o pico da carga foi no já distante ano de 2003.

No que diz respeito às participações governamentais na receita de petróleo, é fato que  a  a chamada “participação especial”, incidente sobre os poços de alta produtividade, tem falhado em tributar a grande produção e a grande rentabilidade, até porque a sua atual fórmula não considera os preços na hora de definir as alíquotas progressivas.

No caso dos tributos em geral,  a legislação (não se pode acreditar em falha na fiscalização da maior empresa do País) parece ser inadequada pois não transformou o bom desempenho da produção, das vendas e dos lucros da citada empresa estatal em aumento de carga, como fez com os demais contribuintes do País nos últimos anos.

Subtributação do Pré-Sal

A discrepância recente na evolução da carga tributária, setor versus nacional,  será potencializada com o novo regime de partilha de produção, além de aprofundar a centralização de sua receita na divisão federativa. [10] O óleo será propriedade de um governo (União), e não mais de uma empresa (estatal ou privada), sendo que a administração pública não é contribuinte de muitos tributos (não gera lucro para pagar IR ou CSSL e nem fatura para pagar COFINS ou PIS) e nem pode um governo tributar o outro (caso do ICMS).[11]

Assim, a nova modelagem para explorar a maioria das riquezas do pré-sal reduzirá, por princípio, a incidência tributária sobre essa receita futura e, ao mesmo tempo, centralizará tal renda pública nas mãos do governo federal, em claro detrimento dos governos estaduais e municipais (sem lucro empresarial, por exemplo, não será gerado imposto de renda das empresas e nem ganhos para os fundos de participação – FPE e FPM), e também da aplicação compulsória na seguridade social, no amparo ao trabalhador e mesmo na educação e saúde (sem faturamento e lucro, não cabe cobrar contribuições sociais, como COFINS, PIS/PASEP e CSLL; se não houver incidência do ICMS e sem aumento do FPE/FPM, também os governos locais deixarão de aplicar mais recursos vinculados ao ensino e para a saúde).

Não é de se estranhar que as propostas do pré-sal escondam medidas e detalhes operacionais na tributação e no fisco que configuram a constituição de um paraíso fiscal no país. A proposta fiscal implícita para o futuro do pré-sal é só reedição escondida do desempenho tributário passado recente do pós-sal. O resto das empresas e todas as famílias brasileiras já pagam e devem continuar pagando mais impostos para subsidiar o setor de petróleo.

Conclusões

A atual política e prática tributária têm beneficiado indiretamente os consumidores de combustíveis e/ou os acionistas das empresas de petróleo  por conta da redução inegável da carga tributária do setor. Tais incentivos não são explícitos, e a perda de receita setorial não tem sido comentada nem mesmo pelos especialistas em tributação.

Se a leitura das estatísticas revela uma incontestável redução da carga tributária de petróleo no Brasil, puxada pela maior empresa do setor, e se as indicações são de que a tributação decrescente será ainda mais acentuada no novo regime de exploração por partilha de produção, cabe abstrair do debate localizado para uma posição geral de política econômica e mesmo de políticas públicas.

Controlar inflação manipulando preços de uma empresa estatal e, ainda, estatizar investimentos e produção de um insumo estratégico da economia pode ser uma opção da política econômica (talvez até mesmo de um suposto projeto de Estado Brasileiro), mas tal escolha deve ser feitas de forma aberta e assumida à sociedade. A democracia moderna cobra cada vez mais transparência na formulação e na execução das políticas públicas, especialmente das econômicas.

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AFONSO, J. R.; JUQUEIRA, G, G.; CASTRO, K. P. (2009). Desempenho da Receita Tributária Federal no primeiro semestre de 2000 a 2009: perdas temporárias ou rebaixamento estrutural? Texto para Discussão nº 9 da ESAF. Brasília, Out/2009. p. 31. Disponível em: http://bit.ly/qGERB2

Azevedo, J. S. G. O que pagamos não é pouco. O Globo, 10/04/2011. Disponível em: http://bit.ly/r3vGuI

Brahmbhatt, M.; Canuto, O. Natural Resources and Development Strategy after the Crisis, The World Bank, February 2010. Disponível em: http://bit.ly/nZFcAM

Davis, J. M.; Ossowski, R.; Fedelino, A. Fiscal policy formulation and implementation in oil-producing countries. 21/03/2003. Dispoível em: http://bit.ly/nOvfmt

DELOITTE. Brazilian E&P Concessions – Government Take. 2010.

FLORES, A. L. S. A. O Impacto do marco regulatório sobre o desenvolvimento das reservas do Pré-Sal. Seminários DIMAC/IPEA, mar/2010. p. 13.

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GOBETTI, S. W.; ORAIR, R. O que explica a queda recente a receita tributária federal? Nota Técnica da Dimac IPEA. Brasília, ago/2009. p. 18. Disponível em: http://bit.ly/razowM

Goldsworthy, B.; Zakharova, D. Evaluation of the oil fiscal regime in Russia and proposals for reform. IMF Working Paper WP/10/33, February 2010. Disponível em: http://bit.ly/mUQUXb

INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, Estudos sobre o pré-sal. IEDI/Instituto Talento Brasil, Dezembro 2008. Disponível em: http://bit.ly/nKnVQY

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PIRES, Adriano. Preço do Petróleo e Defasagem dos Preços dos Combustíveis. Mimeo. Outubro de 2011.


[1] Segundo Pires (2011), “… considerando 2005 como ano base, os preços da gasolina e do diesel, praticados nas refinarias nacionais, registram um aumento acumulado até agosto de 2011 de 23,06% e 18,60%, respectivamente, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo Banco Central para fixar a meta de inflação no Brasil, registra aumento acumulado de 38,31% no período.”

[2] Explicando a conta de Pires (2011): “O custo de oportunidade da Petrobras se refere ao saldo líquido acumulado decorrente da diferença entre os preços praticados pela empresa no mercado interno e os preços internacionais da gasolina e do diesel. … desde janeiro de 2003, a Petrobras acumula um saldo líquido negativo de aproximadamente R$ 9,6 bilhões. A partir de janeiro de 2011, os preços internacionais do diesel e da gasolina ultrapassaram os praticados pela Petrobras, acarretando o acumulo de perdas mensais, conjuntura semelhante ao período anterior à crise econômica. Análises preliminares indicam que a manutenção da política de convergência de preços no longo prazo pela Petrobras resulta em um acumulo de perdas na ordem de R$ 4,2 bilhões até julho de 2011, sendo que a gasolina representou perda de R$ 1,7 bilhão e o diesel R$ 2,5 bilhões.”

[3] A proposta foi incluída pelo Relator, Senador Vital do Rêgo, em seu parecer original no projeto de lei nº 448/2011 (disponível em: http://bit.ly/tlqBfT ) , que pretendia até criar uma seção específica para joint venture a ser formada com (sic) recursos orçamentários da União. A justificativa era: “… o engajamento do Estado como sócio do contratante na assunção de custos e partilha de lucros na exploração e no desenvolvimento do projeto e, também, embora raro, na fase de produção. Apesar de não ser tão comum na experiência internacional, a maioria dos países resguarda para si o direito de iniciar uma joint venture por cláusula expressa no contrato de partilha de produção.”

[4] Vale citar Afonso e Castro (2010); Ramos (2004); Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (2008); Springer (2009); Gobetti e Orair (2009); Delloitte (2010); e Goldsworthy e Zakharova (2010) – este uma comparação internacional que trata do Brasil.

[5] Em 18/9/2011, O Globo publicou “Carga tributária cresce no país, mas fatia da PETROBRAS é cada vez menor”, e o Estado de S.Paulo, “Petroleiras usam brechas da legislação e importam até biquínis sem imposto” – ver http://bit.ly/pcnSMD e http://bit.ly/ratE4N .

[6] A RAD considerada contempla apenas a chamada receita administrada pela antiga Receita Federal, tais como tributos sobre lucros das empresas (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), vendas (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE), importações e retenções na fonte (Imposto de Renda (IR) dos empregados). Não são computadas as receitas de Simples, previdência social e compensações financeiras

[7] A arrecadação de ICMS proveniente de combustíveis é informada, mensalmente e por unidade federada, pelo CONFAZ, no portal do Ministério da Fazenda. Para uma análise específica sobre sua estruturação, inclusive importância regional, ver Afonso (2010).

[8] A fonte primária dessa informação é a ANP, que divulga relatórios periódicos e com máxima discriminação (inclusive de beneficiários) em seu portal na internet.

[9] Ver página sobre Tributos no portal da empresa – em: http://bit.ly/n4NURB Uma evolução histórica constou da exposição do seu Presidente no Senado em: http://bit.ly/o4VC6e .

[10] Como a tributação do petróleo se confunde com os ciclos de centralização e descentralização fiscal na Federação foi objeto da análise de Afonso e Almeida (2011).

[11] A Constituição da República sempre previu a imunidade recíproca de impostos, já a jurisprudência recente a expandiu para as contribuições.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=879 1
Como o gasto público elevado desequilibra a economia brasileira? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-gasto-publico-elevado-desequilibra-a-economia-brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=643#comments Mon, 04 Jul 2011 16:37:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=643 Em comparação internacional, há argumentos para mostrar que o gasto público brasileiro é alto. Utilizando dados da Penn World Table (uma confiável fonte de informação comparada de contas nacionais) acerca do consumo dos governos[1], é possível estimar qual seria o excesso/insuficiência de consumo governamental de cada país em relação à média internacional.

Foram realizadas nove diferentes estimações[2]. Elas mostraram que o Brasil teria um excesso de gastos entre 14% e 26%. Tal excesso o colocaria próximo ao topo do ranking de países com maior excesso de gastos. Na média das nove estimações realizadas, o Brasil fica em 13º lugar em um conjunto de 103 países. Portanto, entre os 13% que mais gastam. A Tabela 1 apresenta o ranking dos 20 países com maior excesso de gastos nas estimações realizadas.

Se olharmos em uma perspectiva temporal, também constataremos que o gasto público tem crescido de forma consistente no Brasil. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[3].

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O gasto público elevado e crescente gera um ciclo vicioso retratado na Figura 1 a seguir. Para manter o equilíbrio das contas públicas, em um contexto de gastos não-financeiros crescentes, e atingir a meta de superávit primário, o governo aumenta tributos (seta nº 1) e corta investimento público (seta nº 2), o que acaba desestimulando o investimento privado (seta nº 3): a maior carga tributária reduz a rentabilidade líquida dos empreendimentos privados e a queda do investimento público gera deterioração da infra-estrutura de transportes, aumentando o custo final da produção. Essa redução no investimento privado e em outros componentes da despesa agregada sempre que o Estado aumenta a despesa pública é conhecido na literatura econômica como efeito crowding-out.

Tabela 1 –  Posição dos países no ranking de excesso de gasto (valor observado menos valor estimado) em cada uma das nove estimações

País I II III IV V VI VII VIII IX Média das posições no ranking Desvio Padrão das posições no ranking
1 Cuba 1 11 1 1 5 2 1 1 4 3.0 3.4
2 Niger 2 1 18 4 1 7 10 8 6 6.3 5.4
3 Netherlands 9 25 7 8 11 6 2 3 2 8.1 7.1
4 Mali 5 7 20 5 2 8 20 16 17 11.1 7.1
5 South Africa 4 26 4 10 12 4 15 12 16 11.4 7.2
6 Botswana 36 15 14 3 6 5 8 5 23 12.8 10.8
7 Denmark 7 10 2 13 16 46 6 7 30 15.2 14.1
8 Hungary 11 29 5 14 17 13 17 17 20 15.9 6.6
9 Venezuela 8 28 17 25 22 20 12 13 10 17.2 7.0
10 India 40 57 35 2 3 1 7 10 7 18.0 20.5
11 Sweden 22 41 6 12 14 27 9 11 22 18.2 11.0
12 Japan 19 39 30 31 38 9 5 6 1 19.8 15.0
13 Brazil 12 32 19 20 28 12 21 21 14 19.9 6.8
14 France 27 43 21 15 18 22 13 15 12 20.7 9.7
15 Czech Republic 23 40 22 16 24 10 23 23 15 21.8 8.4
16 Bulgaria 25 33 23 17 26 15 25 24 24 23.6 5.2
17 Colombia 6 18 8 18 23 16 42 43 46 24.4 15.3
18 Finland 18 12 11 24 30 43 26 28 40 25.8 11.1
19 Sierra Leone 53 8 49 6 4 3 38 34 38 25.9 20.5
20 United Kingdom 33 52 26 21 27 33 16 18 13 26.6 11.9

Fontes: Estimações do autor. Dados originais:

Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn World Table Version 6.3, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, August 2009. http://pwt.econ.upenn.edu/php_site/pwt_index.php).

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/

http://stat.wto.org/StatisticalProgram/WSDBStatProgramHome.aspx

http://www.indexmundi.com/trade/exports/

http://www.associatedcontent.com/article/56207/list_of_socialist_countries_with_individual.html?cat=37

http://www.oecd.org/document/9/0,3343,en_2649_39263238_41266761_1_1_1_1,00.html

A queda dos investimentos público e privado, por sua vez, reduz o potencial de crescimento da economia: reduz-se o PIB potencial do país, aquele que pode ser atingido sem que haja pressão inflacionária (seta nº 4)[4].

Com um baixo crescimento potencial do PIB, a estreita margem de crescimento não inflacionário da economia leva o Banco Central a manter juros reais elevados pois, se por um lado, o PIB potencial é reduzido, por outro o crescimento do gasto do governo pressiona a demanda agregada (seta nº 5).

A taxa de juros elevada, que é eficiente para manter a taxa de inflação sob controle no curto prazo, acaba por se constituir em mais um fator de desestímulo ao investimento privado (seta nº 6). E isso realimenta o baixo potencial de crescimento do produto a médio prazo. Com o potencial de crescimento do produto tendo sido reduzido, nos próximos anos será necessário manter a taxa de juros elevada, pois o gasto corrente do governo continua crescendo e pressionando a demanda; enquanto a oferta agregada não consegue acompanhar o aumento da demanda, devido à repressão aos investimentos público e privado.

Ou seja, configura-se um modelo em que o equilíbrio se dá com gasto público elevado e crescente, juros reais elevados e baixo potencial de crescimento da economia.

Esse modelo também tem reflexos no lado externo, sendo seu principal efeito a valorização da taxa de câmbio real. Ela ocorre por dois efeitos paralelos: o ingresso de capitais via investimento financeiro e a mudança de preços relativos entre bens não-comercializáveis e comercializáveis.

O primeiro efeito ocorre porque a taxa de juros real elevada atrai capitais externos para investimentos financeiros no país (títulos públicos e privados) (seta nº 7). A entrada de capitais não apenas valoriza a taxa de câmbio real, mas também a torna bastante volátil, variando ao sabor do humor dos mercados financeiros internacionais, com rápidas mudanças no movimento de entrada e saída de capital (seta nº8).

O segundo efeito sobre a taxa de câmbio real é uma relação direta entre o aumento do gasto público e a valorização do câmbio (seta nº 9). Ele ocorre porque a expansão do gasto público eleva o poder de compra posto nas mãos do consumidor. Isso resulta em aumento de demanda por bens e serviços. Ocorre, então, um aumento nos preços dos bens não-comercializáveis – tais como construção e serviços – (que não sofrem a concorrência de produtos importados) em relação aos bens comercializáveis (cujo aumento de demanda pode ser rapidamente suprido via importações). Há, portanto, uma mudança de preços relativos (o preço dos não-comercializáveis aumenta e o preço dos comercializáveis, dado pelo mercado internacional, se mantém constante). A taxa de câmbio real, definida como a taxa nominal (R$/US$) vezes a relação “preços externos / preços internos” cai, representando um aumento do poder de compra real da moeda nacional em relação ao Dólar.

A valorização cambial desestimula as exportações e estimula as importações (setas nº 10). E a volatilidade do câmbio real reduz a capacidade de previsão e planejamento do empresariado, o que mais uma vez desestimula o investimento privado, em especial (mas não exclusivamente) no setor exportador da economia. Há uma ampla literatura econômica que associa alta volatilidade de variáveis chaves (como câmbio e preços) a baixo crescimento econômico[5].

Figura 1 – Ciclo Vicioso


Outro forte desestímulo às exportações provém da redução do investimento público em infraestrutura de transportes e portos (seta nº 11). Maurício Moreira Mesquita[6] e Fernando Lagares Távora[7] já mostraram, em trabalhos distintos, que a deficiência de infraestrutura é muito mais prejudicial ao comércio exterior brasileiro que o protecionismo dos países desenvolvidos ou a falta de acordos gerais de comércio.

O impacto desse modelo sobre o produto é dúbio: por um lado, o barateamento das importações dos bens comercializáveis facilita a importação de máquinas e equipamentos, barateando os investimentos; mas, por outro lado, o desestímulo às exportações e a baixa previsibilidade e alto risco gerados pela volatilidade do câmbio reduzem o potencial de crescimento (seta nº 12).

Há ganhos no controle da inflação pela via da contenção dos preços dos bens comercializáveis (seta nº 13).

O balanço de pagamentos se equilibra via conta de capitais. Ou seja, a acumulação de reservas ocorre principalmente em função da entrada dos investimentos externos financeiros (seta nº 14), em especial, de entrada de capital de curto prazo, que tem por objetivo aproveitar o diferencial entre a taxa de juros doméstica e internacional.

É uma posição arriscada, que depende da mudança de humor dos investidores internacionais e pode ser revertida rapidamente, dada a grande abertura da conta de capitais. Por isso, é preciso acumular muitas reservas no Banco Central (seta nº 15), o que gera custo fiscal elevado (diferença de custo entre a dívida pública emitida para comprar reservas e a rentabilidade das reservas), reduzindo a disponibilidade de recursos para investimentos públicos (seta nº 16) e, portanto, realimentando o ciclo vicioso.

Esse modelo básico tornou-se menos ruim nos últimos anos devido à forte expansão do volume exportado e dos preços das commodities, o que permitiu, mesmo com valorização cambial, manter as exportações em alta e gerar um efeito positivo sobre o PIB potencial (as importações de equipamentos ficaram mais baratas, estimulando o investimento privado, e as receitas de exportação cresceram pelo efeito preço, impulsionando o PIB).

Mas o resultado básico permanece: temos um equilíbrio de taxa de juros real alta e gastos correntes crescentes; inflação sob controle, taxa de câmbio valorizada e volátil e necessidade de um custoso seguro contra volatilidades da conta de capital. Observe-se que a manutenção desse ciclo vicioso depende da disponibilidade de financiamento externo que, por sua vez, depende, além de fatores associados à liquidez internacional, da percepção de que a relação dívida/PIB não irá explodir.

No segundo semestre de 2009 vivemos outra fase da crise: o efeito colateral do remédio aplicado pelo Banco Central norte-americano. A grande liquidez injetada pelo FED, a custo zero, na economia internacional, tem migrado para os países emergentes, em busca de rentabilidade mais elevada. É um “oceano” de liquidez que, somado à promoção do Brasil a grau de investimento, provoca forte entrada de capitais e forte valorização cambial[8].

À parte do episódio de crise internacional, e tendo em conta que pouco podemos fazer em relação ao excesso de liquidez internacional, o desequilíbrio principal desse modelo (no que diz respeito aos pontos sobre os quais o governo tem poder de ação) vem da expansão dos gastos correntes do governo. E novos desafios se impõem:

  • Não há mais como comprimir o investimento público, sob pena de jogar na ruína toda infraestrutura pública; na verdade o investimento tem começado a crescer nos últimos anos, e continuará a crescer em função do PAC, da Copa do Mundo e das Olimpíadas; logo, se o gasto corrente não for contido, a taxa de crescimento do gasto público total será ainda maior;
  • A sociedade resiste cada vez mais à ampliação da carga tributária;
  • Mudanças no mercado de crédito, como a criação do crédito consignado, ampliaram o potencial de consumo, elevando a taxa de juros real de equilíbrio necessária para conter a inflação, caso não se contraia o gasto corrente;
  • A redução das oportunidades de ganho financeiro ao redor do mundo, em função da crise mundial, colocou o Brasil em posição de destaque na rentabilidade dos investimentos de renda fixa e variável, aumentando o influxo de capitais e intensificando a valorização e volatilidade da taxa de câmbio; isso requer uma redução da taxa interna de juros, que só poderá ocorrer de maneira segura (com baixo risco de inflação) se o governo reduzir a sua pressão sobre a demanda agregada.

Para enfrentar esses desafios é preciso conter o gasto corrente do governo e colocar a economia em um ciclo virtuoso, que nada mais é que o funcionamento “inverso” do ciclo vicioso apresentado na Figura 1, iniciado por uma redução do gasto público.

O crescimento real do gasto do governo é o principal e básico desequilíbrio da economia brasileira. Não adianta interferir em outro ponto do processo (reduzir juros na marra, tributar investimento estrangeiro em bolsa, criar barreiras legais ao crédito, criar barreiras a importações, subsidiar exportações, etc.), pois os efeitos serão temporários ou nulos, e gerarão custos de ineficiência.

O controle do gasto (que não precisa ser corte, mas apenas um crescimento mais lento, abaixo do crescimento do PIB), viabilizaria: aumento do investimento público, redução da carga tributária e redução dos juros reais de equilíbrio. Isso elevaria a taxa de investimento da economia, elevando o PIB potencial e, portanto, a oferta agregada futura. Por isso, haveria, nos próximos anos, mais espaço para crescimento sem inflação, conduzindo a uma taxa de juros de equilíbrio menor.

No front externo, a redução da taxa de juros desestimularia a entrada de capital para investimento financeiro. E o maior vigor da economia real estimularia o aumento do investimento direto estrangeiro. A substituição de capital financeiro por capital produtivo diminuiria a volatilidade do câmbio, visto que este último tem menor mobilidade e maior prazo de maturação. Além disso, o maior investimento direto estrangeiro estimularia a expansão do PIB potencial, reforçando o movimento de queda da taxa de juros real de equilíbrio.

Com relação à valorização do câmbio, haveria dois efeitos em sentido inverso. Por um lado, o efeito de valorização do câmbio em função da entrada de capitais externos se manteria, apenas com a substituição de capital financeiro por investimento direto. Por outro lado, o efeito direto do gasto público sobre o câmbio real faria com que houvesse uma desvalorização cambial (menor pressão sobre a demanda agregada, menor pressão sobre os preços dos bens não-comercializáveis, desvalorização do câmbio real). Além disso, é preciso atentar para o detalhe de que o investimento direto estrangeiro, ao promover ganhos de capacidade produtiva e de produtividade no setor de bens não-comercializáveis expandiria a capacidade deste para reagir a aumentos na demanda agregada. Assim, o impacto de aumentos da demanda sobre os preços de não- comercializáveis seria menor, com menor impacto sobre a taxa de câmbio real.

Essa taxa de câmbio menos valorizada e mais estável permitiria que o Balanço de Pagamentos se equilibrasse através da Balança Comercial e não da conta de capitais[9].

Havendo espaço para o aumento do investimento público em infraestrutura de transportes, haveria mais um reforço às exportações.

O equilíbrio externo via balança comercial é mais seguro para o País, reduzindo os riscos de crise cambial. O efeito direto da desvalorização cambial sobre o PIB potencial é incerto (queda de importação de máquinas e equipamentos vs. aumento e diversificação das exportações).  Haveria impacto inflacionário da desvalorização cambial, porém compensável pelo maior espaço para crescimento da economia via expansão do PIB potencial e pela maior produtividade decorrente do aumento de investimento externo direto. A menor volatilidade cambial e dos investimentos financeiros internacionais exigiriam nível menor de reservas, com menor custo fiscal, reduzindo a pressão das contas públicas sobre a demanda agregada e aumentando a capacidade de poupança e investimento do setor público.

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Para ler mais sobre o tema:

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.


[1] O consumo final do governo representa os serviços individuais e coletivos prestados de forma gratuita (ou parcialmente gratuita) por todas as esferas de governo (União, estados e municípios). Ele é medido pela remuneração dos servidores públicos, mais o consumo final de bens e serviços pelo governo (por exemplo, o pagamento a um hospital privado que presta serviços ao SUS, o giz para sala de aula ou os canapés de uma recepção oficial), e pela depreciação do capital fixo do governo. É importante observar que esse conceito não inclui as despesas de transferências (juros, aposentadorias e pensões, seguro-desemprego, bolsa-família). Também não estão incluídas as empresas estatais (de economia mista ou 100% pública). Somente as empresas dependentes de verbas dos tesouros federal, estadual e municipal são consideradas. Ademais, o consumo do governo restringe-se ao gasto corrente, não incluindo o investimento público. É, portanto, grosso modo, a despesa corrente de manutenção da máquina pública (salários mais consumo final de bens e serviços).

[2] Detalhes das estimações podem ser solicitadas ao autor.

[3] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[4] A idéia keynesiana clássica de que os gastos do governo alavancam o crescimento econômico aplica-se a situações de forte ociosidade do sistema produtivo em uma perspectiva de curto prazo e desconsiderando as questões de solvência e liquidez do setor público. Quando saímos dessa situação especial, a aceleração dos gastos públicos tem efeitos dinâmicos perversos sobre o crescimento econômico no médio e longo prazos, na linha descrita no presente texto. Vide, a esse respeito, Rocha, F. (2006)  Ajuste fiscal, composição do gasto público e crescimento econômico In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Topbooks.

O uso do gasto público como instrumento de política anti-cíclica, em um contexto típico keynesiano, também enfrenta dificuldades no campo da economia política: quando a economia cresce de forma acelerada e a arrecadação fiscal gera excedentes (momento em que não é necessário acelerar os gastos) surgem incentivos para se gastar mais, dada a maior disponibilidade de receita pública; e nos momentos em que se faz necessária a ação do estado, para retirar a economia de uma recessão, a arrecadação fiscal está em baixa e a restrição orçamentária do governo se faz muito mais forte. Em países que sofrem grande risco de iliquidez e insolvência do setor público, fica muito restrito o espaço para política fiscal anti-cíclica em momentos de crise.

[5] Ver, por exemplo, a literatura citada em Hausmann, R. e Rigobon, R. (2003) An alternative interpretation of the “resource curse”: theory and policy implications. In: Davis, J.M. et all (Eds) Fiscal policy formulation and implementation in oil-producing countries. IMF Publication Service.

[6] Moreira, M.M., Volpe, C., Blyde, J.S. (2008) Desobstruindo as Artérias: o impacto dos custos de transporte sobre o comércio exterior da América Latina e Caribe. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Harvard University Press. Disponível em http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=1662398

[7] Távora, F.L (2008) Developments in the World Soybean Market: a Partial Equilibrium Trade Model. Wageningen University – Holanda. Tese de Mestrado

[8] Vide, a esse respeito, o artigo de Nouriel Roubini “Quanto maior a bolha atual, maior será o inevitável estouro” – Folha de S. Paulo, 3 de novembro de 2009.

[9] Uma forma alternativa de ver este ponto é perceber que a poupança do governo aumentaria com a redução dos gastos, o que exigiria um menor volume de poupança externa (déficit em transações correntes) para financiar um dado nível de investimentos.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=643 12
A taxa de juros é a principal causa dos desequilíbrios macroeconômicos do Brasil (e ainda, o Copom pode ser substituído por um computador)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=474&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-taxa-de-juros-e-a-principal-causa-dos-desequilibrios-macroeconomicos-do-brasil-e-ainda-o-copom-pode-ser-substituido-por-um-computador https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=474#comments Mon, 18 Apr 2011 10:00:59 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=474 Quando se discutem os problemas macroeconômicos do Brasil, frequentemente surge o diagnóstico de que a causa de nossos males é a alta taxa de juros. Basicamente, há quatro canais pelos quais os juros altos prejudicariam a economia:

i)                   os juros altos desestimulam o investimento, o que, por sua vez, reduz a aumento da capacidade produtiva. Ao final do processo, a economia não cresce e cria-se um círculo vicioso: a baixa oferta provoca mais inflação, que faz os juros subirem mais, que inibe novos investimentos, o que, ao final, leva a taxas de investimento mais baixas;

ii)                 os juros altos também desestimulam o consumo, porque tornam o consumo presente (em contraposição ao consumo futuro) muito caro. O indivíduo passa a considerar mais seriamente a hipótese de consumir menos hoje e utilizar os recursos poupados (acrescidos dos juros) para consumir mais no futuro. Sem ter consumidores, os empresários decidem reduzir sua produção, e diminuem as contratações. Mais gente sem emprego significa menos consumo, e o círculo vicioso se perpetuaria;

iii)               em situações favoráveis no mercado internacional, os juros altos apreciam a taxa de câmbio porque tornam aplicações em títulos brasileiros mais atraentes. A taxa de câmbio apreciada reduziria a competitividade da indústria nacional, prejudicando nossas exportações e emprego;

iv)               os juros altos aumentam o custo da dívida. O governo tem então de desviar cada vez mais recursos do orçamento para pagar a dívida, deixando de realizar gastos considerados mais produtivos, seja investindo em infraestrutura, educação ou em programas sociais.

Pretendo argumentar neste artigo que a taxa de juros não é causa, mas conseqüência de outros desequilíbrios de nossa economia. Para tanto, explicarei como funciona o regime de metas para a inflação. Por falta de espaço, não discutirei a importância de se manter a inflação baixa e estável. Mas, para citar somente um dos problemas com inflação alta, basta lembrar que, quanto mais alta e volátil a inflação, mais difícil se torna fazer previsões sobre inflações futuras. Assim, quanto mais alta a inflação, maior o desestímulo para contratos de longo prazo, com sérios prejuízos para o desenvolvimento econômico.

Explicaremos então por que o regime de metas para a inflação pode contribuir para que a inflação seja mantida em níveis baixos e estáveis. Aproveitaremos a oportunidade para responder a segunda pergunta do título: o Copom (Comitê de Política Monetária, órgão colegiado do Banco Central que decide a taxa de juros) pode ser substituído por um computador? A resposta para essa pergunta é um claro não.

Sinteticamente, um regime de metas para a inflação é um regime em que o banco central utiliza os instrumentos de que dispõe para fazer com que a inflação atinja uma meta pré-estabelecida.

Uma característica fundamental do regime de metas é que a inflação é o único objetivo da política monetária. Ao descartar outros objetivos, como câmbio ou taxa de crescimento do PIB, o regime de metas ajuda a ancorar as expectativas dos agentes, aumentando a previsibilidade da inflação. Não é que câmbio e PIB não interessem para o banco central. Indiretamente, como essas variáveis afetam a inflação, elas influenciam as decisões sobre política monetária.

Há várias críticas no sentido de que o banco central não se importa com o crescimento do PIB. Em primeiro lugar, já vimos que isso é incorreto porque o nível de atividade influencia a inflação. Em segundo lugar, conforme será discutido mais adiante, há situações em que o banco central deve optar por deixar a inflação subir, para não prejudicar o crescimento econômico. Mas, por que o banco central não deve ter o PIB como meta? Trata-se da escolha do instrumento correto para cada tipo de problema. O crescimento do produto é uma variável real, que depende de fatores estruturais da economia, como disponibilidade de capital (físico e humano), de recursos naturais, produtividade, garantia do direito de propriedade e ambiente institucional. A política monetária consegue influenciar o PIB, se muito, no curto e médio prazo. No longo prazo, a política monetária influencia somente o nível de preços. É mais eficiente, portanto, que a política monetária cuide somente dos preços, utilizando os instrumentos de forma a conduzir a expectativa dos agentes econômicos em direção à meta, e deixar que outros instrumentos sejam utilizados para garantir a estabilidade do produto.

No Brasil, a meta é estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e, atualmente, está fixada em 4,5% para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, divulgado pelo IGBE), com intervalo de tolerância de 2 pontos percentuais. A meta é estabelecida para o ano calendário. Assim, o Banco Central do Brasil (Bacen) terá cumprido a meta se a inflação acumulada no ano até dezembro ficar entre 2,5% e 6,5%. Se não tiver cumprido, terá de redigir uma carta aberta ao Ministro da Fazenda explicando por que não cumpriu, o que fará para que a inflação retorne à meta e em quanto tempo espera que esse retorno se verifique. Observe que, se ao longo do ano, a inflação acumulada nos doze meses anteriores superar 6,5%, não há problemas: a meta só é aferida em dezembro.

O Bacen dispõe de alguns instrumentos para conter a inflação. O principal deles é o controle da taxa de juros básica da economia, chamada de taxa Selic. A meta para a taxa Selic é decidida nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne oito vezes por ano. O Comitê é formado pela diretoria do Banco Central, e a decisão sobre a Selic é tomada pela maioria dos membros, não havendo (e, frequentemente, não ocorrendo) necessidade de unanimidade. Um aumento da taxa de juros ajuda a combater a inflação por meio de dois canais principais: demanda agregada e câmbio.

Um aumento da taxa de juros desestimula o investimento e o consumo, conforme explicado nos primeiros parágrafos deste texto. Diante de uma menor demanda, os preços tendem a cair, o que reduz a inflação. Há também o canal do câmbio, descrito no início do texto: um aumento da taxa de juros estimula a entrada de capital externo no país. Isso aumenta a oferta de divisas, o que faz com que seu preço caia. Visto de outra forma, a queda do preço das divisas corresponde a uma apreciação do real. Isso torna os produtos importados mais baratos, e limita a capacidade de reajuste de preços em reais dos produtos exportáveis. Assim, pelo canal de câmbio, um aumento da taxa de juros também tem o impacto de reduzir a inflação.

Destaca-se que há várias outras taxas de juros na economia: as taxas variam conforme o prazo do empréstimo, conforme o tomador (pessoa física ou jurídica, governo ou setor privado), conforme a modalidade do crédito (cartão de crédito, cheque especial, crédito para aquisição de veículos, financiamento imobiliário, hot money, etc). Ainda assim, as demais taxas tendem a acompanhar a Selic, de forma que, quando a Selic varia, as demais taxas tendem a variar na mesma direção. Dessa forma, ao ter o poder de fixar a Selic, o Bacen consegue influenciar (o que é diferente de determinar) as demais taxas de juros da economia.

Há outros instrumentos à disposição do Banco Central, como alíquota de depósitos compulsórios, requerimento de capital ou a taxa de assistência financeira de liquidez. Mas, para o argumento que se segue, é indiferente discutir qual o instrumento utilizado, de forma que podemos simplificar a exposição nos referindo somente à taxa Selic, ou taxa de juros.

A regra geral para a atuação do banco central em um regime de metas seria aumentar os juros (ou usar outros instrumentos com o objetivo de reduzir a inflação) quando projetar uma inflação acima da meta, e reduzir os juros (ou usar devidamente os demais instrumentos) quando a inflação projetada for inferior à meta.

Mas as decisões do Copom são bem mais complexas do que o descrito acima. Em primeiro lugar, não existe a projeção de inflação. Haverá tantas projeções quantos modelos existentes. Haverá modelos projetando inflação acima da meta, outros abaixo da meta. Haverá ainda modelos projetando inflação acima da meta para o ano corrente, e abaixo da meta para o ano seguinte.

Em segundo lugar, há também incertezas sobre como a inflação reagirá a variações nos juros. Não somente as estimativas oferecem diferentes respostas, como essa reação dependerá de circunstâncias específicas do momento em que a decisão for tomada. Por exemplo, o anúncio de um aumento da taxa de juros terá um impacto mais forte sobre a inflação se a diretoria do banco central gozar de maior credibilidade junto à sociedade.

Em terceiro lugar, a melhor resposta do banco central depende dos choques que atingem a economia: se o choque é de demanda ou de custos.

Choques de demanda são choques associados a aumentos inesperados de componentes da demanda agregada, como consumo, investimento, gastos do governo ou exportações. Por exemplo, um aumento de gastos do governo; um estado de maior euforia da população, que estimula o consumo (digamos, em decorrência de ganhar a Copa do Mundo); ou um aumento da demanda externa por nossas exportações.

Já choques de custos estão normalmente associados a fatores que aumentam os custos de produção, ou a variações na oferta. É o caso de quebras de safra, de uma mudança no estado de confiança dos mercados internacionais (que afetam diretamente a taxa de câmbio), de aumentos salariais acima da produtividade do trabalho (por exemplo, em decorrência da fixação de um novo salário mínimo) ou de tragédias naturais.

A reação dos juros também depende da duração esperada do choque. O problema é que só sabemos a duração do choque quando ele termina. Quando o Copom se reúne, tem de definir a taxa Selic sem saber qual será a duração desse choque (por exemplo, quanto tempo durará a crise financeira internacional).

De acordo com a teoria econômica, o banco central deve tentar neutralizar integralmente o impacto inflacionário de choques de demanda. Intuitivamente, choques de demanda tendem a aumentar a inflação e deixar a economia superaquecida (produzindo acima daquilo que é capaz de produzir em condições normais). Um aumento da taxa de juros teria o efeito simultâneo de pressionar a inflação para baixo e permitir que a economia volte a operar em um ritmo normal.

Já choques de custos tendem a pressionar a inflação e a levar a economia para uma situação de desemprego porque desestimulam a produção. Se o banco central tentar neutralizar totalmente o impacto inflacionário de um choque de oferta, aumentando os juros, poderá ser bem sucedido em fazer a inflação voltar para a meta, mas agravará o problema do desemprego. Por esse motivo, a teoria recomenda que o banco central acomode parcialmente um choque de oferta, deixando a inflação subir um pouco, para preservar o produto no curto prazo.

Observe que isso não é contraditório com o fato de o banco central ter como único objetivo controlar a inflação. Está-se apenas sacrificando um pouco da inflação para evitar uma queda forte do produto no curto prazo, o que é diferente de dizer que a política monetária está orientada para garantir que o crescimento do PIB atinja determinado nível. Por outro lado, se o custo a ser pago pela manutenção do crescimento do PIB for uma forte aceleração da inflação, o banco central poderá optará por elevar os juros e manter a inflação na meta.

Novamente, a teoria é bem mais fácil que a prática. Muitas vezes, o mesmo fenômeno traz impactos semelhantes a choques de demanda e de oferta, simultaneamente, e em sentidos opostos. Por exemplo, no início da crise financeira internacional, no segundo semestre de 2008, o aumento da aversão ao risco fez com que houvesse uma tendência de desvalorização do real. Isso corresponderia a um choque de custos. Mas, ao mesmo tempo, a crise financeira empurrou o mundo para uma recessão, o que provocou queda no preço das commodities e na demanda por nossas exportações. Isso corresponde a um choque negativo de demanda. Coube ao Banco Central avaliar qual desses impactos seria o mais relevante para a nossa trajetória de inflação.

Outro exemplo de evento com conseqüências em direções opostas é o terremoto acompanhado de tsunami que atingiu o Japão em março. Por um lado, há um claro choque de oferta: perda de capital físico, problemas para geração de energia, e os estragos em geral diminuíram a capacidade produtiva da economia e, portanto, tem um impacto inflacionário em todos os países que têm vínculos econômicos relevantes com o Japão. Mas a tragédia natural trouxe também uma forte deterioração nas expectativas dos agentes acerca do ritmo da atividade econômica, o que pode ser interpretado como um choque de demanda negativo, com impacto deflacionário.

Todas as incertezas colocadas acima mostram o quão difícil e subjetivo deve ser a decisão a respeito da taxa de juros. Ao contrário do que muitos supõem, a decisão sobre taxa de juros pode ser tudo, menos mecanicista. Modelos econômicos podem ajudar a orientar o Copom, mas a decisão é, antes de tudo, subjetiva: a opção entre diferentes modelos de previsão; a interpretação da natureza do choque; e o quanto o Banco Central está disposto a tolerar de inflação para reduzir o sacrifício em termos de produto; tudo isso depende da interpretação e das preferências de cada membro do Comitê.

Tendo respondido a segunda pergunta (o Copom pode ser substituído por um computador), retornemos à primeira pergunta: os juros são a causa de nossos problemas?

Ora, se os juros constituem uma ferramenta para conter as pressões inflacionárias, as causas de nossos problemas não podem ser os juros. O problema está nos fatores que causam as pressões inflacionárias. Nos últimos anos vimos que, dificilmente, conseguimos sustentar taxas anualizadas de crescimento de 4,5% a.a. por vários semestres seguidos, sem pressionar a inflação. O Banco Central é então obrigado a reagir, aumentando a taxa de juros. Mas, e se o Bacen não reagisse? A economia continuaria crescendo indefinidamente a 5% a.a.? A resposta é não!

A inflação é resultado de um excesso de demanda em relação à oferta (seja porque a demanda aumentou ou porque a oferta diminuiu). Quando o Banco Central aumenta os juros, o desequilíbrio entre demanda e oferta é solucionado, principalmente, via redução da demanda (embora não se possa ignorar que a apreciação cambial permite um aumento da oferta de bens, via importações).

Se o Banco Central não reagir, o equilíbrio, a solução de mercado é um aumento da inflação, pois o aumento de preços reduz a renda real e desestimula a demanda (também é possível um impacto favorável sobre a oferta, pois aumentos de preços estimulam as empresas a produzir e vender mais, mas esse impacto tende a se reduzir à medida que a inflação se torna mais alta e menos previsível).

É possível também uma solução extra-mercado, por exemplo, um racionamento. O racionamento faz justamente o papel do aumento de preços para conter a demanda, porém, de forma mais ineficiente e insustentável no longo prazo. Ou seja, em todas as opções, a economia retornará para um novo equilíbrio, com demanda (e, consequentemente, renda) menor. A diferença é que, com o Banco Central atuando de forma correta, esse equilíbrio é atingido com inflação mais baixa.

E por que não aumentar a oferta? Em primeiro lugar, isso é muito difícil no curto prazo (a não ser via aumento de importações). No médio e longo prazos, é possível, aumentando a produtividade da economia e os investimentos. Mas, para tanto, são necessárias diversas reformas, frequentemente divulgadas na imprensa: redução do tamanho do Estado na economia; maior eficiência dos gastos públicos, com aumento da proporção de investimentos em relação aos gastos correntes; maior investimento (público e privado) em educação e qualificação de mão-de-obra; melhoria do ambiente institucional, com maior garantia para cumprimento de contratos; e aumento da poupança pública e privada, necessário para financiar o aumento de investimentos[1]. Para tanto, devem-se aprovar reformas que reduzam os gastos públicos e o consumo privado. Desvinculação do uso de receitas governamentais, redução de gastos obrigatórios, uma política mais realista para o salário mínimo e uma reforma da previdência que migrasse para o regime de capitalização individual poderiam contribuir para o aumento da poupança doméstica.

Em suma, a taxa de juros Selic é um instrumento para conter a inflação no curto prazo. Garantir as condições para crescimento mais acelerado e inflação mais baixa no longo prazo depende de políticas e instrumentos que estão fora do controle do Banco Central, e que devem ser da responsabilidade de todo o governo, em especial dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento.

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Leituras sugeridas

CLARIDA, Richard,  Jordi Gali e Mark Getler: “The Science of Monetary Policy: A New Keynesian Perspective.” Journal of Economic Literature. Vol. XXXVII (December, 1999), p. 1661-1707.

FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. “Does Inflation Targeting Works in Emerging Markets?” in World Economic Outlook September 2005. IMF Graphics Section. Washington, DC, Estados Unidos, 2005. Texto disponível em: http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2005/02/pdf/chapter4.pdf


[1] Há uma identidade básica em economia que diz que poupança é igual a investimento. Em situações normais, se a poupança doméstica é menor do que o investimento, a diferença pode ser suprida via poupança externa, que corresponde ao déficit em transações correntes. O Brasil tem hoje uma poupança doméstica de 16% do PIB. Se quisermos atingir níveis de investimento da ordem de 25% do PIB, será necessária poupança externa, ou déficit em transações correntes, de 9% do PIB. Trata-se de um fluxo extremamente alto e improvável – usualmente, déficits em transações correntes permanentemente acima de 5% já levam um país à crise cambial –, o que aponta para a necessidade de aumento de nossa poupança doméstica.

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