incentivos – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 30 Nov 2015 11:49:05 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Como a economia comportamental pode contribuir para as políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-economia-comportamental-pode-contribuir-para-as-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691#comments Mon, 30 Nov 2015 11:49:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2691 O Estado é cada vez mais exigido e questionado no desempenho de suas funções. As ações estatais devem ser pensadas e construídas de forma a serem mais eficientes e efetivas para a melhoria da realidade socioeconômica, em especial no Brasil, onde existem tantas carências. Para atingir os objetivos em prol da população, os governos, em seus vários níveis, devem desenhar suas políticas públicas de forma que sejam criados os incentivos corretos para o atingimento do que se pretende.

Existem ferramentas e metodologias para se construir uma política pública adequada de forma a se alcançar o resultado desejado. No entanto, para qualquer metodologia utilizada, há que se ter em mente que o sucesso de qualquer atuação governamental depende de como as ações escolhidas vão influenciar o comportamento do cidadão, que, em muitos casos, não age de forma “racional” (basta ver quantos de nós dirigem enquanto enviam uma mensagem pelo celular, mesmo sabendo de todos os riscos envolvidos). Mais ainda, sua eficácia depende das hipóteses sobre o comportamento humano feitas pelos formuladores das políticas.

Nesse ponto é que se destaca a contribuição da Economia Comportamental, pois o estudo dessa área disponibiliza uma série de novas ferramentas que frequentemente permitem o alcance dos resultados almejados com menos custos ou menos efeitos colaterais, quando comparados com os conseguidos por meio da tributação ou da regulação, por exemplo.

Como ilustração, pode-se citar a aplicação da Economia Comportamental nas políticas públicas na área de educação. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Se o aluno pensasse de forma puramente racional, ele se empenharia para ficar na escola, pois os retornos futuros do estudo seriam altos o bastante para compensar seu esforço. No entanto, existem fatores que desviam os estudantes dessa racionalidade como valorizar o presente muito mais do que o retorno esperado no futuro, o contexto em que vivem, os modelos de comportamento que tem como inspiração, questões de saúde que possam impactar a sua assiduidade, o esforço exigido para chegar até a escola, entre outros. Assim, as políticas educacionais devem estar atentas a vieses comportamentais observados nos jovens, considerando que a tomada de decisão quando falamos de educação vai muito além de pesar custos e benefícios materiais a serem obtidos no futuro.

Os gestores públicos têm o desafio de incorporar a Economia Comportamental no ciclo das políticas e transformar esse desafio em oportunidades para gerar intervenções governamentais mais efetivas e eficientes.

Conforme mencionado no Relatório de 2015 do Banco Mundial (World Development Report, 2015),as pessoas, independentemente de sua classe social, em algum momento fazem escolhas contrárias ao seu próprio bem-estar, principalmente quando agem de forma automática. Elas podem também agir em decorrência de hábitos ou por inércia.  Existe ainda uma diferença entre ação e intenção (conflitos intertemporais) com consequências econômicas negativas para indivíduos, grupos e toda a sociedade. Isso abre um enorme espaço para a atuação do governo.

A Economia Comportamental surge mostrando em seus estudos empíricos que diversas variáveis, muitas vezes ignoradas, permitem influenciar decisivamente a forma como fazemos escolhas.  Fatores como a maneira de apresentação de uma opção ou o seu contexto podem, inclusive, ter impacto maior do que ações baseadas em incentivos financeiros

Para se ter ideia da importância da Economia Comportamental, importa saber que existe uma organização vinculada ao Governo Britânico, Behavioural Insights Team1, mais conhecida como Nudge Unit, cuja função é testar novas abordagens para se alcançar os objetivos das políticas públicas. Vários países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França e Arábia Saudita, vêm utilizando o modelo dessa organização para desenhar políticas que consideram o enfoque comportamental.

Outro fato que ressalta a importância do tema nos programas governamentais constitui-se a publicação de um conjunto de normas constantes na Executive Order2, de 15/09/2015, emitida pelo Presidente Barack Obama, que cria diretrizes para os órgãos públicos utilizarem o enfoque comportamental nas políticas públicas.

Thaler e Sunstein3defendem que a mudança de comportamento pretendida pode ser alcançada muitas vezes apenas com o correto desenho e aplicação de nudges. Um nudge(“empurrãozinho”) é um aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem criar proibições ou alterar os incentivos econômicos. Por exemplo, colocar as frutas da lanchonete da escola em uma prateleira que fique no nível dos olhos dos alunos de forma que eles comprem e comam mais frutas é um nudge. Por outro lado, criar uma regulamentação que encareça ou obrigue o banimento de comidas não saudáveis nas lanchonetes escolares não é.

O relatório MIND SPACE, divulgado pelo Cabinet Office e o Institute for Government da Inglaterra, propõe nove aspectos que podem interferir quando se fala em influenciar o comportamento das pessoas via políticas públicas. No relatório, buscam reunir de forma simplificada os principais aspectos que devem ser apropriados pelos formuladores de políticas públicas para se conseguir mais efetividade em suas ações. A seguir, tem-se uma síntese desses novos aspectos considerados principais para gerar uma mudança real de comportamento das pessoas frente a diferentes intervenções:

a) Mensageiro

Quem passa a informação e o modo como ela é passada tem implicação na força com que a mensagem é assimilada. Por exemplo, observa-se que a efetividade das intervenções aumenta quando os locutores são pessoas que detêm autoridade formal ou informal sobre o assunto, assim como pessoas ligadas àárea geográfica e de condição socioeconômica similar aos dos receptores.Pesquisa empírica4 no universo dos alunos de duas escolas canadenses observou estatisticamente que, num programa de prevenção de obesidade e doenças relacionadas, o resultado foi muito mais efetivo quando alunos mais velhos (treinados pelos professores) passavam as informações para os alunos mais novos sobre alimentação saudável, mostrando como a interação entre os pares facilitou a assimilação de hábitos alimentares melhores.

b) Incentivos

O mecanismo de incentivos deve ser usado pelos governos como uma estrutura que motiva a mudança de comportamento. A economia comportamental contribui para o tema ao revelar alguns instintos humanos. No geral, as pessoas preferem evitar perdas a ter ganhos de valor equivalente, assim, as políticas públicas devem focar não nos prêmios, mas nas perdas que acontecerão se determinado comportamento não for adotado.

Uma aplicação desse fato está detalhada em trabalho acadêmico5, no qual se comprova que a produtividade dos professores é mais incrementada quando eles ganham antecipadamente um bônus, com a possibilidade de o perderem caso os alunos não se saiam bem, do que uma política em que o bônus é dado em decorrência da melhoria da aprendizagem do aluno.

c) Normas sociais

As pessoas tendem a repetir o que os outros fazem. A utilização dessa constatação nas intervenções comportamentais tem dado resultado em diversas áreas e é um instrumento poderoso à disposição dos formuladores dos programas governamentais6. Primeiro, as campanhas devem focar o quanto a norma é aceita. Por exemplo, se o objetivo é incentivar o cinto de segurança, deve-se divulgar que um percentual alto de pessoas já o usam.É importante também considerar as redes sociais, pois as normas serão assimiladas quanto mais “contagioso” for seu efeito.

Um fator ainda subestimado por economistas, a Economia Comportamental tem explorado amplamente o poder da aplicação das normas sociais. Simplesmente invocar princípios relacionados à economia de dinheiro, ser sustentável ou mesmo ter uma atitude exemplar, não foi o suficiente para fazer com que as pessoas mudassem de atitude.

d) Padrões

Muitas das decisões que são tomadas na nossa rotina envolvem uma opção pré-selecionada caso nenhuma escolha seja feita. As pessoas, no geral, agem de forma preguiçosa aceitando o padrão. Isso é um mecanismo importantíssimo para as políticas públicas, pois estruturar os padrões de forma a garantir o máximo de benefício para a sociedade é uma maneira de influenciar o comportamento das pessoas sem restringir suas escolhas. Por exemplo, todos têm o direito de decidir se são doadores de órgãos ou não, mas a lei pode dispor que, caso a escolha não seja feita, o padrão é ser doador.

Acerca desse tema, pesquisa7procurou entender o fato de que países vizinhos como Dinamarca e Suécia tinham uma quantidade tão discrepante de doadores de órgãos – 4,25% e 85,9% respectivamente –, sendo que as suas bases culturais são muito parecidas. O que se descobriu foi que o método utilizado para que o cidadão declarasse se era ou não efetivamente um doador desencadeava um efeito divergente entre o número de doadores dos países. Em seus experimentos, os pesquisadores descobriram que a diferença residia na variação do desenho dos formulários em que as pessoas eram questionadas sobre serem doadores ou não.

e) Ressaltar o que interessa

Nossa atenção é desviada para a informação que vem destacada, que está acessível e que é simples. Isso facilita o registro mental. Como frisamos mais as perdas do que os ganhos, uma aplicação interessante disso é dar destaque ao valor dos impostos junto das mercadorias. Isso fará o consumo cair. Tal medida pode ser utilizada, por exemplo, numa política para diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.

f) Primeiras impressões

O comportamento das pessoas muda conforme algumas sugestões são passadas a elas preliminarmente, como determinadas palavras ou imagens. Por exemplo, pesquisas mostram que a leitura de expressões que tragam a mensagem de vida atlética e saudável na entrada de um prédio faz com que as pessoas usem mais as escadas do que os elevadores.

g) Emoções

O estado emocional da pessoa interfere em como ela tomará suas decisões. Experimentos mostram que cartas enviadas com a oferta de empréstimo são mais aceitas quando trazem figuras atrativas em vez de simplesmente o lado financeiro da questão. Provocar determinado estado emocional no público alvo pode facilitar o atingimento do que se pretende. Como ilustração, houve uma campanha pública em Gana para se incentivar que as pessoas lavassem as mãos. Num primeiro momento, a campanha abordava o benefício de lavar a mão. Em uma segunda etapa, associou-se o não-lavar as mãos com um sentimento de nojo. Essa segunda campanha teve muito mais efetividade.

h) Compromissos públicos

As pessoas tendem a procrastinar ações mais relacionadas com médio e longo prazos. Uma maneira de aumentar o custo da procrastinação é fazer um compromisso público que envolva outras pessoas ou instituições. Por exemplo, uma ideia de compromisso que se comprovou eficaz é a utilização de uma conta de poupança para fumantes que tentam largar o vício. Mensalmente é feito um depósito pelo fumante e, ao final de seis meses, se ele passar num teste de nicotina, pode sacar o dinheiro, caso contrário, o dinheiro é confiscado.

i) Ego

Todos nós tendemos a tomar ações que nos façam parecer pessoas melhores. Trabalhar uma política pública de forma que o resultado venha associado com a melhoria da imagem positiva do cidadão ajudará muito o atingimento dos objetivos.

Concluindo, o campo da Economia Comportamental tem atraído uma crescente atenção dos governos no mundo todo, tanto para ajudar a explicar os resultados aparentemente irracionais quanto por suas implicações diretas na efetividade das políticas públicas. Seus estudos,baseados em experimentos e evidências empíricas, fornecem insights valiosos que podem e devem ser integrados ao ciclo das políticas públicas.  Além disso, intervenções com baixo custo, como pequenas mudanças na forma de as opções serem apresentadas ou na forma de como a informação é transmitida, podem levar a grandes mudanças no comportamento dos cidadãos.

No Brasil, a ciência comportamental ainda é pouco utilizada na formulação das políticas públicas. No entanto, aos poucos, tal arcabouço começa a ganhar espaço. Recentemente, na discussão da Medida Provisória nº 676, de 2015, que promoveu mudanças nos planos de benefícios da previdência, foi aprovada emenda na qual se utiliza uma opção pré-selecionada (padrão ou default). O texto enviado para a sanção da Presidência dispõe que os servidores públicos serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar, podendo, a qualquer tempo, requerer o cancelamento de sua inscrição, ou seja, se o servidor nada fizer, ele integrará a previdência complementar.

Iniciativas como essa são exemplos de que os instrumentos da economia comportamental aqui destacados, ao serem disseminados e utilizados de forma adequada entre os gestores governamentais, ajudam a entender e a mudar o comportamento das pessoas para melhorar o bem-estar social. No caso brasileiro, onde há forte restrição orçamentária e enormes demandas sociais da população, a economia comportamental pode contribuir com a acurácia da atuação do governo, agregando eficiência e efetividade às ações do Poder Público.

 

Este texto consiste numa versão resumida do artigo “A Economia Comportamental aplicada a políticas públicas”, dos mesmos autores, publicado no Guia de Economia Comportamental e Experimental. Para acessar o trabalho completo, veja o link www.economiacomportamental.org/guia

 

___________

1http://www.behaviouralinsights.co.uk/

2https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american

3Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness

4Stock, Miranda, Evans, Plessis and Ridley. (2007) Healthy buddies: a novel, peer-led health promotion program for the prevention of obesity and eating disorders in children in elementary school. Pediatrics 120:e1059-68.

5Fryer, Roland G., Steven D. Levitt, John List, and Sally Sadoff (2012) “Enhancing the Efficacy of Teacher Incentives through Loss Aversion: A Field Experiment.” National Bureau of Economic Research Working Paper 18237

6Dolan, P.; Hallsworth, M.; Halpern, D.; King, D.; Vlaev, I. (2010). MINDSPACE: Influencing Behaviour through Public Policy. Institute for Government and the Cabinet Office. Disponível em 21/09/2915, http://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/mindspace

7Johnson, Eric J. e Goldstein, D.; (2003). “Do Defaults Save Lives?”. Science (November 21). Disponível em 21/09/2015, http://www.dangoldstein.com/papers/DefaultsScience.pdf

 

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A reforma política reforma os políticos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2567&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reforma-politica-reforma-os-politicos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2567#comments Mon, 13 Jul 2015 17:17:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2567 A política sem romance. É assim que o Nobel James Buchanan define a teoria da escolha racional, em que os políticos são racionais como os consumidores da microeconomia: buscam a própria satisfação, atuando para alcançar objetivos próprios, não necessariamente os da sociedade que os elegeu. Esse entendimento é útil para uma análise econômica da reforma política, com resultados pouco otimistas em relação às mudanças propostas.

Outro instrumento útil é a teoria econômica do crime, do também Nobel Gary Becker. Por essa teoria, um criminoso pesa os ganhos e perdas esperados com um crime antes de cometê-lo. Essa noção pode parecer sofisticada para crimes comuns, mas é aceita para crimes de colarinho branco, associados à política. Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato, defende justamente que a corrupção é um crime racional, sendo necessário para combatê-la aumentar seus riscos.

Assim, a economia joga luz sobre as principais propostas de reforma política, como o financiamento público de campanha. A proposta se baseia na lógica que o custo das campanhas induz os políticos a se corromperem. Empresários financiariam esses políticos com a expectativa de, ajudando a elegê-los, serem favorecidos em um seu mandato.  Aos políticos restaria se renderem a essa dinâmica, sob risco de não se elegerem.

Como o financiamento público afeta os incentivos dados ao mau político e ao mau empresário? Os ganhos e perdas esperados de cada um são alterados ao continuarem se valendo desse mecanismo, agora ilegal? Na teoria dos jogos, essa dinâmica pode ser entendida como um jogo simultâneo, em que o político e o empresário decidem se optam por aceitar ou fazer uma doação.

Por essa lógica, fica claro que as chances de mudanças positivas com o financiamento público são pequenas, dando vazão a práticas como o caixa-dois ou o soft money (financiamento indireto). Se a votação de um candidato é de fato dependente dos seus gastos, o payoff da doação ilegal será altíssimo: no financiamento público, na margem, recursos adicionais seriam essenciais para o candidato. Esse ganho esperado seria maior do que sem o financiamento público, porque o erário não será capaz de arcar com o valor bilionário das campanhas. Por isso, o financiamento público pode vir com um teto de gastos.  A distribuição dos recursos, que pode ser igualitária, também limita as despesas.  Marginalmente o ganho esperado com a doação cresceria.

Na outra ponta do jogo, a do empresário, também há ganhos em fazer a doação irregular. É ingênuo supor que para manter seus lucros com o governo o mau empresário se tornaria mais competitivo, produtivo. A doação permaneceria sendo vantajosa, e mais ainda se o financiamento público reduzir a oferta de políticos que podem ser comprados, tornando o payoff da doação maior.

Resta analisar o outro componente do comportamento estratégico dos jogadores: as perdas esperadas. Ao engajarem na prática ilegal, o político e o empresário têm como perda a expectativa de punição, que por sua vez é determinada pela probabilidade da ação ser descoberta e punida, e pelo tamanho da pena. No caso do político, um componente adicional da perda esperada é a punição do eleitor.

O problema é que o financiamento público por si não aumenta a perda esperada, que só seria majorada com o fortalecimento das instituições de fiscalização e controle, o endurecimento da legislação penal e a conscientização do eleitor. A análise econômica evidencia que o financiamento público aumenta os ganhos esperados de uma doação irregular e também não tem qualquer efeito sob as perdas esperadas. Se os ganhos esperados são altos e as perdas pequenas, as doações ocorrerão. Em economês, é o equilíbrio de Nash.

A mesma lógica um comportamento estratégico por um político que visa a objetivos próprios pode ser ampliada para outras ideias da reforma política, como a proibição da reeleição (a mãe de todas as corrupções, para Joaquim Barbosa). Consoante com a teoria de political business cycles, a proibição impediria o uso da máquina para fins eleitorais. Em tese.

Entretanto, o mau político que usaria a máquina para se reeleger pode continuar usando-a para outros objetivos. A proibição o impede de se candidatar ao mesmo cargo, mas não de participar das eleições. Nesse caso, ele ainda dependeria da sua popularidade e apoio político, podendo contar com o direcionamento do governo.

Cabe lembrar que a proibição da reeleição no Executivo já existe no Brasil, depois de dois mandatos. Mesmo assim, foram frequentes casos de prefeitos que buscaram um terceiro mandato em município vizinho, ou de governadores que participam das eleições para o Legislativo.

Para manter seus interesses, o mau político pode ainda usar um poste. Essa prática já é comum hoje: o lançamento de vice ou secretário de governo como candidato, que sozinho não tem densidade eleitoral, cuja plataforma eleitoral está associada à máquina, e escolhido pelo próprio governante. Isso sugere uma baixa efetividade da mudança.

As medidas propostas no âmbito da reforma parecem partir da premissa de que o criminoso não é culpado pela corrupção, mas vítima do sistema que o corrompe. O que parece existir, porém, é um equilíbrio de seleção adversa, em que a percepção da política como um lugar fértil para a corrupção e hostil aos honestos atrai maus candidatos e repele os bons, alimentando um ciclo vicioso.

Conforme a análise com a teoria econômica feita, para quebrar o ciclo, é necessário aumentar a perda esperada das más práticas, de modo que maus políticos e empresários sejam punidos pelas instituições e pelo eleitor. Logo, vale mais o apoio ao pacote anticorrupção do Ministério Público Federal do que a algumas das propostas da reforma política. Não se pode esperar muito da reforma porque não há bala de prata para vencer a corrupção. Política não é romance.

 

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Como nossos impostos afetam o meio ambiente? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2362&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-nossos-impostos-afetam-o-meio-ambiente https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2362#comments Fri, 19 Dec 2014 13:38:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2362 1. Introdução.

Na teoria econômica, a relação entre impostos e meio ambiente começou a ser analisada desde o trabalho seminal de 1920 do economista inglês Arthur Pigou1. De lá para cá, muito foi estudado em relação à matéria e muitos países passaram a adotar “tributos ambientais”2. Neste texto, fazemos uma introdução sobre a questão, pela ótica da teoria econômica do meio ambiente. Em primeiro lugar, discute-se a superioridade do imposto como mecanismo de defesa do meio ambiente em relação às políticas de comando e controle, como concebida na teoria. Em seguida, é apresentada a “hipótese do duplo dividendo”, a possibilidade de uma reforma tributária ambiental trazer também ganhos econômicos, além dos ganhos ambientais. Ainda, detalha-se a visão da economia política do tributo ambiental, debatendo a impopularidade, entre diversos stakeholders, do imposto como instrumento de preservação ambiental. Por fim, são apresentados exemplos na legislação tributária que se harmonizam (ou não) com a sustentabilidade, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e a proposta da Cide-Carbono.

 

2. Por que usar impostos?

Um tributo ambiental tem motivação extrafiscal, ou seja, não objetiva o aumento da arrecadação. O que se pretende é estabelecer incentivos (e desincentivos) para que a produção de bens e serviços seja sustentável.

Na teoria econômica, o imposto “pigouviano” é concebido como um imposto capaz de corrigir uma externalidade. Por sua vez, de maneira simplificada, a externalidade é o impacto de uma atividade em terceiros que não decidem sobre ela. Um exemplo básico de uma externalidade, negativa, é a poluição gerada por uma fábrica.

Neste exemplo, a produção da fábrica impõe custos a terceiros (externalidade) sob a forma de poluição. O imposto seria capaz de “internalizar” a externalidade: isto é, fazer com que o próprio gerador da poluição pagasse o custo da poluição. Cabe observar que a motivação do imposto não seria de criar um  novo custo, mas apenas de transferir um custo já existente ― que estaria sendo pago por terceiros (ex: sociedade) ― a quem de fato seria responsável por ele (o poluidor).

No jargão da área, o ponto de equilíbrio da produção deixaria de ser o ótimo privado (poluir tanto quanto necessário para maximizar o lucro privado) para ser o ótimo social (reduzir a produção para poluir menos): com o imposto, o nível de produção seria eficiente do ponto de vista da sociedade, e não, como antes, apenas do ponto de vista do produtor.

Como instrumento da política ambiental, o imposto se opõe às medidas de comando e controle (normas e punição para seu descumprimento). Exemplos dessas medidas incluem o estabelecimento, por uma prefeitura, de limites máximos de emissão de monóxido de carbono e hidrocarbonetos nos veículos, ou a determinação de uma percentagem de cada propriedade que deve ser preservada variando em diferentes biomas (Reserva Legal). No caso simples aqui tratado, de poluição de fábricas, visando reduzir o impacto ambiental, uma norma poderia ser baixada limitando a produção de todas as fábricas a certa quantidade.

Na teoria, a superioridade do imposto em relação às normas se daria por sua flexibilidade, já que as normas ignoram diferenças de custos entre as empresas. Assim, o imposto seria mais eficiente, ao minimizar a “perda de peso morto” (deadweight loss) – que pode ser entendida como o valor da produção perdida. O tributo ambiental permitiria que os custos ambientais e os custos econômicos fossem compatibilizados. Outra vantagem seria induzir a inovação tecnológica pelos produtores, na tentativa de minimizar o impacto ambiental.

Entretanto, a superioridade do imposto como instrumento de política ambiental é contestada. Mesmo economistas reconhecem que a superioridade desse instrumento se dá apenas sob condições específicas3. As principais críticas focam nas dificuldades de implementação prática (por exemplo, de um imposto sobre a poluição), considerando o imposto pigouviano uma “obsessão” teórica.

O tributo ambiental também é criticado pela ausência de estigma que concede às condutas poluidoras4, com base na crença de que a preservação do meio ambiente não deveria ser “mercantilizada”, devendo ser um valor em si. Também há preocupações ligadas à desigualdade, já que empresas maiores poderiam produzir e poluir mais pagando mais impostos, enquanto a produção de empresas menores ficaria comprometida.

 

3. Ganhos econômicos, além de ganhos ambientais?

Mais recentemente, os economistas têm discutido a chamada “hipótese do duplo dividendo”5. Considerando o pressuposto de que o imposto é o melhor instrumento para preservação ambiental, alguns especialistas defendem que uma reforma tributária ambiental traria não apenas ganhos ambientais (“dividendo verde”), mas também ganhos econômicos (“dividendo azul”).

A eficiência do tributo ambiental e o chamado dividendo azul ocorreriam porque o aumento da arrecadação proveniente dos tributos ambientais permitiria a redução ou eliminação de outros impostos distorcivos associados com a perda de peso morto, aumentando a eficiência da produção na economia como um todo.

A hipótese do duplo dividendo é controversa, e existe em três formas diferentes (weak double dividend, strong double dividend, employment double dividend), com diferentes graus de aceitação6.

 

4. Economia Política

Apesar do reconhecimento na teoria da superioridade do imposto como instrumento de política ambiental em vários casos, o que se observa na prática é uma popularidade muito maior das políticas de comando e controle.

Dietz e Vollebergh (1999)7 avaliam que as políticas de comando e controle são preferidas pelos poluidores, ambientalistas, políticos e burocratas.

O prêmio Nobel James Buchanan, em trabalho de 19758, demonstra que as normas podem causar um aumento de custo menor para os poluidores do que os tributos, motivo pelo qual eles teriam maior resistência aos impostos ambientais.

Paradoxalmente, também grupos ambientalistas teriam preferências por políticas de comando e controle em relação a políticas de mercado como instrumentos de preservação do meio ambiente, com base em “valores morais”. Para esses grupos, as políticas de mercado, como o imposto ambiental, poderiam dar legitimidade à prática poluidora, enquanto a penalidade sinalizaria melhor a rejeição da sociedade  e estigmatizaria a poluição.

Já a classe política consideraria que as medidas de comando e controle teriam maior apelo junto ao eleitorado. Para um político, uma norma seria mais oportuna para reproduzir a imagem de defensor do meio ambiente do que a criação de um imposto.

Por seu turno, a burocracia teria nas normas maior possibilidade de exercer influência e possuir poder e prestígio. Juntas, as preferências de poluidores, ambientalistas, políticos e burocratas ajudariam a explicar a popularidade maior dos instrumentos de comando e controle em relação aos de mercado, como o imposto.

 

5. Política tributária e sustentabilidade no Brasil

Ainda que a aplicabilidade do imposto ambiental idealizado na teoria não seja consensual, a teoria econômica mostra como a tributação pode estimular comportamentos desejáveis e desestimular os indesejáveis. Alguns exemplos são pertinentes para visualizar como isso pode acontecer.

Em anos recentes, no Brasil, com o objetivo de aquecer a economia e conter a inflação, o governo federal reduziu as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e zerou as alíquotas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Combustíveis) incidente sobre as operações realizadas com combustíveis9.

Assim, o tratamento tributário diferenciado acabou por elevar o consumo de combustíveis fósseis, prejudicando a qualidade do ar e a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Também prejudicou um setor importante para a economia verde, o do etanol, que passou a ter custo pouco competitivo para o consumidor final, comparado à gasolina.

Em termos de boas práticas que harmonizam política tributária e sustentabilidade, há casos inovadores em nível estadual e municipal. O Estado do Pará, por meio da Lei Estadual nº 7.638, de 12 de julho de 2012, e do Decreto nº 775, de 26 de junho de 2013, entrou no rol dos estados que utilizam o “ICMS Verde”, com critérios sofisticados para a distribuição dos recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre os municípios.

O recebimento dos recursos varia, por município, de acordo com a redução ocorrida no desmatamento e porcentagem de área ocupada por unidades de conservação, terras indígenas e terras quilombolas ― entre outros critérios. Dessa forma, o ICMS Verde reduz os ganhos econômicos do desmatamento, incentivando a preservação ambiental.

Em nível municipal, a cidade de Guarulhos, uma das maiores do interior do Brasil, criou em 2010 o IPTU-Verde, concedendo descontos no Imposto sobre Propriedade Predial Territorial Urbana (IPTU) para condomínios que, entre outras práticas, participem da coleta seleta de lixo, tenham materiais sustentáveis em sua construção ou reusem água da chuva.

No mundo, dezenas de países implementaram um tributo sobre carbono (carbon tax). Esse tipo de imposto já existe em vários países europeus, no Japão e em estados do Canadá e dos Estados Unidos, além de em países emergentes como Índia, África do Sul, México, Costa Rica e Chile. Appy et. al (2014) propõe usar o caráter extrafiscal da Cide e criar a Cide-Carbono no Brasil, incidindo sobre combustíveis fósseis e abate tardio de bovinos10.

____________________

1 PIGOU, A. The Economics of Welfare. Londres: Macmillan, 1920.

2 Neste artigo usamos “imposto” e “tributo” como sinônimos, cientes da distinção dos termos no Direito Tributário.

3 HELFAND, G. Standards versus Taxes in Pollution Control.  In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

4 KELMAN, S. What Price Incentives? Economists and the Environment. Boston: Auburn House Publishing Company, 1981.

5  FULLERTON, D. Environmental levies and distortionary taxation: Comment. American Economic Review, v. 87, pp. 245-51, 1997.

6 MOOIJ, R. The double dividend of an environmental tax reform. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

7 DIETZ, F.; VOLLEBERGH, H. Explaining instrument choice in environmental policies. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

8 BUCHANAN, J.; TULLOCK, G. ‘Polluters’ profits and political response: direct controls versus taxes. American Economic Review, v. 65, pp. 139-47, 1975.

9 Conforme, atualmente, o Decreto nº 8.279, de 30 de junho de 2014, e o Decreto nº 7.764, de 22 de junho de 2012.

10 APPY, B.; TOLEDO, C.; MICCOLIS, A.; MARSON, R.; GOMES, V. Cide-Carbono: mais florestas, menos gases estufas. In: LIMA, A.; MOUTINHO, P. (Org.). Política Tributária Brasileira e sua “Pegada” Climática: por uma transição rumo à sustentabilidade. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM): Brasília, 2014.

 

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Ética & Incentivos: o que diz a Teoria Econômica sobre recompensar quem denuncia a corrupção? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1989&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=etica-incentivos-o-que-diz-a-teoria-economica-sobre-recompensar-quem-denuncia-a-corrupcao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1989#comments Tue, 24 Sep 2013 13:09:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1989 No dia 5 de agosto deste ano foi publicado no Diário Oficial da Câmara Legislativa do DF projeto de lei aprovado em 27 de julho que “concede prêmio à pessoa que comunicar às autoridades competentes a prática de crime contra a Administração Pública do Distrito Federal, de que resulte a efetiva recuperação de valores do Erário.” (Pinheiro, I., 2013).

A publicação do PL, que tem por objetivo estimular a sociedade a se envolver com mais afinco no controle da corrupção, gerou imediata repercussão na mídia, nem sempre favorável ao projeto.

O Correio Braziliense (2013), por exemplo, em reportagem de 6/8/2013, inicia seu texto afirmando que “No que depender da Câmara Legislativa, o Distrito Federal voltará à época do Velho Oeste americano” e apresenta argumentos de especialistas contra o PL. Segundo a reportagem, para o cientista político Leonardo Barreto, “retirar parte do recurso roubado dos cofres públicos e entregá-lo para um delator é desviar o dinheiro duas vezes. Barreto comparou a situação a um roubo de caminhão de carga, no qual a pessoa que teve conhecimento do crime e entregou os ladrões às autoridades leve certa quantidade do carregamento para casa, como recompensa pelo ato.” O artigo cita a seguinte frase do cientista político: “Se quer incentivar um comportamento mais correto, talvez, sim, com uma premiação, mas nunca com o produto do roubo”.

O Correio Braziliense cita ainda posicionamento do cientista político Valdir Pucci segundo o qual repartir recursos públicos “com um número restrito de pessoas, mesmo que com um bom propósito” é começar “um jogo de soma zero”. “O Estado não ganha, a sociedade não ganha, não tem retorno para ninguém”. Teria ainda o cientista político chamado a atenção para o fato de que “Pagar por esse serviço pode acender uma onda de denuncismo, que também terá prejuízos para o Estado. É preciso analisar como essa informação será recebida e tratada, para não virar outro problema, de investigações inválidas e consequências ruins para pessoas inocentes”.

A reportagem chama ainda a atenção para a possibilidade do PL ser inconstitucional e acrescenta o posicionamento do fundador e secretário-geral da Organização Não-Governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, que “acredita que a obrigação de todo cidadão é agir contra o que é errado. Recompensar quem age corretamente, segundo o especialista, não é uma atitude ética”. Teria ainda afirmado o secretário-geral que “A remuneração vai contra os princípios da cidadania. No nosso país, vai ter conluio de quem roubou com quem denunciou”.

Por outro lado, em seu editorial de 9/8/2013, a Folha de São Paulo reconhecendo que, em tese, “qualquer pessoa que tome conhecimento de um crime tem o dever moral de denunciá-lo às autoridades competentes”, também lembra que “No mundo real, delatar um crime envolve riscos. No mínimo, de ser tachado de alcaguete. Na pior das hipóteses, a própria vida é ameaçada.” Por essa razão, o editorial argumenta que “a sociedade precisa reconhecer que, dentro de certos limites, determinadas medidas pragmáticas constituem um avanço.” E conclui com uma visão positiva do PL, afirmando que “Se bem regulamentada, a recompensa pode representar importante ferramenta – e impulsos morais automáticos não deveriam impedi-la.”

Não obstante essa última visão favorável, o Governador do Distrito Federal achou por bem vetar o PL em 30/8/2013. Segundo reportagem no R7 Notícias (2013a), “Após avaliar todo o conteúdo do projeto, o chefe do Executivo do DF entendeu que a proposta causou polêmica jurídica e constitucional e não envolveu a sociedade para debates e amadurecimento da ideia.” A reportagem adiciona um posicionamento mais claro do Governador: “Agnelo também disse que denúncias envolvendo políticos devem ser feitas pelos cidadãos de bem como obrigação cívica e não podem estar vinculadas às possibilidades de conseguir vantagens financeiras.” Cita ainda as palavras do Governador Agnelo: “O crime é nocivo a toda a comunidade. Não pode ser causa de lucro para absolutamente ninguém, nem mesmo aos que o denunciam.”

A reportagem da R7 Notícias ainda inclui posicionamento do professor titular da cadeira de Direito Público na UnB, prof. Marcelo Neves, que afirma o PL ser “inconstitucional desde a criação porque fere o princípio da Moralidade Administrativa.” Segundo o professor, “O Estado jamais poderá vincular pagamento de valores a produtos da corrupção. Se a lei fosse sancionada, quem fizesse a denúncia se tornaria tão criminoso quanto, porque receberia um valor em cima da própria criminalidade e estaria se beneficiando da própria corrupção.”

Os posicionamentos citados acima mostram que o assunto se reveste de grande polêmica, especialmente ao incorporar argumentos de ordem moral ao debate. Uma análise dos argumentos contra o PL permite classificá-los em essencialmente duas categorias. Aqueles que afirmam existir um imperativo cívico que obrigaria o cidadão a denunciar corrupção e aqueles que afirmam ser imoral ou aético remunerar aqueles que, em consequência de suas denúncias, permitam a recuperação de recursos desviados. Como a discussão envolve recursos públicos, surge naturalmente a questão de se a teoria econômica teria alguma contribuição a oferecer a esse debate. O objetivo deste artigo é justamente revisitar os argumentos oferecidos acima com o instrumental teórico e prático da economia da informação e dos incentivos.

Para começar, considere o argumento da cidadania: todo cidadão tem a “obrigação cívica” de denunciar a corrupção, portanto não há razão para recompensar quem assim o fizer. Aqui a teoria econômica chama a atenção para a distinção entre imperativos morais, cívicos e até legais, e a ação. De fato, todo agente (econômico) está constantemente buscando tomar boas decisões num mundo repleto de limitações. Essa realidade pode fazer com que ele opte por não seguir seus imperativos cívicos, optando por uma ação que, dadas as limitações existentes, lhe pareça melhor. Um exemplo mundano diz respeito ao lixo nas ruas. Há obrigação cívica mais fundamental do que não sujar nossas cidades? É isso, de fato, que observamos, ou seja, os indivíduos guardando seus entulhos até encontrarem a lata de lixo mais próxima? Apesar de termos feito muito progresso nessa direção, parece a este autor que ainda temos um longo caminho a percorrer no nosso país. De forma semelhante, com que frequência ouvimos notícias de cidadãos contribuindo no combate à corrupção?

Mas porque nem todos os brasileiros guardam seu lixo ou denunciam práticas corruptas? A razão é muito simples, e foi muito bem apresentada no editorial da Folha de São Paulo supracitado: custo. É desagradável, custoso, para o transeunte carregar consigo a lata vazia de cerveja por dezenas de metros até encontrar uma lata de lixo. Isso faz com que, na ausência de outros incentivos, ele talvez prefira deixar a lata na via. Que outros incentivos poderia ele ter? Naturalmente, se houvesse um benefício pecuniário, talvez ele guardasse sua lata para recebê-lo. Nos Estados Unidos, por exemplo, há estações de reciclagem perto de estabelecimentos comerciais em que as pessoas depositam suas latas e, em troca, recebem alguns centavos por isso. Há também os incentivos negativos. A multa por jogar um toco de cigarro pela janela do carro no estado americano de Washington pode chegar a US$1000, segundo Orlando Sentinel (2011); procedimento similar ao que a Prefeitura do Rio de Janeiro acaba de implantar naquela cidade. Já no Japão a vergonha de ser chamado a atenção nas ruas das cidades por jogar lixo pode representar um “custo moral” superior à multa americana. Não é de se admirar que nesses países se jogue bem menos lixo nas ruas.

Em suma, a Teoria dos Incentivos explica que, quando existe um custo em se executar certa tarefa, os agentes necessitam ser de alguma forma motivados para fazê-lo, seja por meio de incentivos positivos, como remuneração ou algum tipo de premiação, seja por meio de incentivos negativos, como punição ou recriminação. O “custo”, no caso da lata de cerveja, é bem primário e se reduz a ter que carregá-la consigo. Em outros casos, pode ser bem elevado. Suponha que você esteja caminhando na rua e um pedestre ao seu lado é assaltado. Talvez concorde comigo que seu dever cívico é agir, atacando o bandido, gritando, chamando a polícia. Essas atitudes, no entanto, envolvem o risco de o bandido se voltar contra você, causando-lhe potencialmente grande prejuízo. Não é sem razão que ouvimos com frequência, especialmente nas grandes cidades, notícias de assaltos em ambientes públicos sem que as pessoas em volta do bandido reajam.

No caso particular da denúncia à corrupção, existem pelo menos dois tipos de custos muito claros. O primeiro foi ressaltado no editorial da Folha de São Paulo supracitado, bem como pelo próprio autor do PL, o deputado distrital Professor Israel Batista, que diz que a recompensa “expressa de forma física o reconhecimento de que o denunciante prestou um serviço de importância extremada, ao se arriscar e arriscar a sua família”1. De fato, existe um risco ao se denunciar um crime de corrupção. Esse risco já seria suficiente para desestimular muitos, contrabalançando o sentimento de dever cívico.

Mas e se não houver risco, como no caso uma denúncia anônima? Será que os cidadãos, imbuídos do dever cívico se dedicarão à tarefa de descobrir e denunciar os crimes de corrupção? A própria existência do PL sugere que não, uma vez os telefones anônimos para denúncia estão disponíveis à sociedade. O limitado uso desse mecanismo relativamente seguro de denúncia anônima está associado ao segundo tipo de custo, qual seja, o custo de oportunidade.

De fato, já existe literatura econômica sobre a questão da recompensa ao esforço do cidadão de denunciar corrupção. O artigo Bugarin & Vieira (2008) analisa justamente essa questão, ou seja, modela cuidadosamente a decisão do cidadão quanto a se envolver no esforço social de combate à corrupção.

O artigo chama a atenção para o fato de que o tempo e o esforço dedicados pelo cidadão ao controle da corrupção compete com suas outras atividades, em particular o trabalho, que lhe gera renda, e o lazer, que lhe gera felicidade. Em outras palavras, para dedicar-se ao controle da corrupção, o cidadão deve abrir mão ou de tempo de trabalho, reduzindo sua renda, ou do tempo dedicado ao lazer. Sem dúvida, ele será beneficiado direta ou indiretamente por sua ação, seja pela felicidade pessoal de contribuir para a redução da corrupção (satisfação cívica), seja pelo benefício que será gerado para a sociedade como um todo pelo uso apropriado do recurso público recuperado. No entanto, esse último benefício é diluído por toda a sociedade, enquanto a perda, seja em termos de horas de trabalho ou de lazer, é exclusivamente sua. Por essa razão, Bugarin & Vieira (2008) mostra que o envolvimento social espontâneo tende a ser muito reduzido, muito aquém do que seria ótimo para a sociedade.

O artigo acima citado, de fato vai mais além e propõe um mecanismo para estimular a dedicação dos cidadãos ao esforço oficial de controle da corrupção via recompensa àquele que se mostre instrumental na elucidação e recuperação dos recursos públicos desviados pela corrupção. Nesse artigo de 2008 é proposta a recompensa como um percentual do valor dos recursos recuperados, exatamente o que propunha o PL. Ademais, o artigo mostra que esse mecanismo pode ser calibrado de forma que o governo, o cidadão que se dedica e a sociedade como um todo fiquem melhor (em termos esperados) quando o mecanismo de recompensa é usado2.

Considere agora o argumento da moralidade, segundo o qual é aético ou imoral remunerar o denunciante. O fundamento parece se encontrar no sentimento de que seria moralmente condenável usar-se de recurso previamente desviado para remunerar o denunciante. Transcrevo novamente a citação do CB de 6/8/2013: “Barreto comparou a situação a um roubo de caminhão de carga, no qual a pessoa que teve conhecimento do crime e entregou os ladrões às autoridades leve certa quantidade do carregamento para casa, como recompensa pelo ato.”

Para discutir essa argumentação, peço ao leitor que imagine que um de seus amigos tenha perdido sua carteira contendo R$1000,00. Suponha ainda que um transeunte a tenha encontrado, procurado seu telefone a partir do nome em sua carteira de identidade, também perdida na carteira, tenha telefonado e marcado um local para entregá-la. Seu amigo então lhe conta que recebeu a carteira, na qual ainda estavam os R$1000, agradeceu ao cidadão pelo seu esforço e dele se despediu sem lhe oferecer qualquer recompensa. Suponha agora uma situação mais radical em que seu amigo é vítima de um ladrão de carteirinha na rua. Um transeunte, ao perceber o ato criminoso, persegue o ladrão aos gritos e gestos que chamam a atenção da polícia que, por sua vez, prende o ladrão, de forma que sua carteira é recuperada. Seu amigo, estimando que é dever cívico do cidadão lutar contra esse ato criminoso, agradece sua contribuição sem recompensá-lo pelo risco envolvido na perseguição do bandido.

O que você pensaria de seu amigo? Que diferença existe entre o exemplo hipotético citado por Barreto e este exemplo?

Passando para situações reais, inúmeros são os mecanismos institucionais de recompensa. Por exemplo, a Receita americana (Internal Revenue System) recompensa os cidadãos que provêm informação relevante sobre evasão fiscal, dando a eles um percentual normalmente correspondendo a 10% do valor recuperado, curiosamente o mesmo percentual proposto no PL3. Existe no Brasil desde 2000, e em muitos outros países há mais tempo, os programas de leniência4 que permitem a uma empresa envolvida em conluio ilegal negociar com o governo uma redução ou até mesmo a eliminação total de sua punição caso ajude as autoridades nas investigações sobre o comportamento ilegal de cartelização. Os auditores-fiscais no país recebem uma gratificação denominada Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação-GIFA que é computada em função de cumprimento de metas de arrecadação. Portanto, se os auditores descobrirem irregularidades tributárias de empresas e, com isso, conseguem aumentar a arrecadação federal, obterão recompensa. Outro exemplo recente, curiosamente aprovado exatamente na mesma sessão da Câmara Legislativa do DF que aprovou o PL em questão, o projeto de lei no. 1.447/20135, de iniciativa do Governador do Distrito Federal, institui a gratificação a policiais, que varia de R$400 a R$1200, por apreensão de arma de fogo no DF.

Uma possível diferença entre os exemplos institucionais acima apresentados e aquele proposto pelo PL, que parece ter gerado grande reação negativa, é o fato de que a remuneração prevista corresponde a um percentual do montante desviado, dando a impressão de “duplo desvio”: “retirar parte do recurso roubado dos cofres públicos e entregá-lo para um delator é desviar o dinheiro duas vezes”, teria afirmado

o cientista político Barreto. Essa distinção da origem do dinheiro, no entanto, é essencialmente ilusória. Suponha, por exemplo, que o PL fosse reapresentado conforme descrevo a seguir. Inicialmente, cria-se um “Fundo de Combate à Corrupção”, no qual se aloca quantia considerável de recursos orçamentários. Em seguida, se determina que o Fundo será usado da seguinte forma. Toda vez que uma denúncia acarrete recuperação de recurso público desviado por corrupção, o denunciante é pago com recursos do Fundo em valor correspondente a 10% do valor recuperado. Neste caso, formalmente o denunciante estará recebendo um pagamento oriundo dos recursos orçamentários e o recurso recuperado volta integralmente aos cofres públicos. O argumento do duplo desvio deixa de existir. O funcionamento do mecanismo, no entanto, é exatamente o mesmo e, portanto, os incentivos por ele gerados são idênticos.

À guisa de conclusão, a teoria econômica ressalta a diferença que existe entre princípios morais, por um lado, e as decisões tomadas pelos cidadãos, por outro, chamando a atenção para o fato de que um cidadão pode decidir não cumprir com suas obrigações cívicas se os custos ou riscos envolvidos no cumprimento dessas obrigações forem elevados. Nesse caso, incentivos tanto positivos quanto negativos podem e devem ser usados de forma a estimular o comportamento desejado do cidadão. Ignorar esse fato levará simplesmente à manutenção do status quo de pouco envolvimento espontâneo da sociedade civil no esforço de controle da corrupção.

Ademais, a teoria econômica chama a atenção para a possível criação de conflitos inexistentes devido à simples forma de se descrever um mecanismo. Segundo o Correio Braziliense, o cientista político Barreto, crítico do PL, teria dito: “Se quer incentivar um comportamento mais correto, talvez, sim, com uma premiação, mas nunca com o produto do roubo”. Com o supramencionado Fundo de Combate à Corrupção se teria exatamente o efeito de apresentar a recompensa como uma premiação e não um fruto do “produto do roubo”, sem que isso alterasse a essência do mecanismo proposto pelo PL.

Finalmente, a teoria econômica ajuda a identificar semelhanças entre diferentes mecanismos, mostrando, por exemplo, a similaridade entre o mecanismo de gratificação a policiais por apreensão de armas e o mecanismo gratificação ao cidadão por “apreensão de corrupto”, sendo que o primeiro mecanismo foi proposto pelo Executivo Distrital enquanto o segundo foi vetado pelo mesmo Executivo.

Resta, por fim, a constatação de que o Distrito Federal talvez tenha perdido uma oportunidade de se posicionar na vanguarda do país no que diz respeito aos mecanismos institucionais de incentivo ao envolvimento da sociedade na árdua tarefa de controle da corrupção.

(Trabalho preparado para apresentação no Primeiro Encontro Anual do Economics and Politics Research Group, UnB, 21/9/2013.)

____________

1 EBC, 2013.
2 Detalhes da modelagem utilizada podem ser consultados em: http://bugarinmauricio.files.wordpress.com/2012/12/quaeco419.pdf
3 Cooter e Garoupa (2001).
4 Veja Considera, Correa e Guanais (2001) para o caso brasileiro e Paul (2000) para o caso americano.
5 R7 Notícias, 2013b.

Referências:

Batista, I. (2013). Projeto de Lei 857/2012, disponível em http://profisrael.com.br/wp-content/uploads/2012/07/RDI-PL-00857-2012.pdf

Bugarin, M. e Vieira, L. (2008). “Benefit Sharing: An Incentive Mechanism for Social Control of Government Expenditure”. Quarterly Review of Economics and Finance, 48: 673-690.

Considera, C., Correa, P. e Guanais, F. (2001). Building a leniency and amnesty policy: The Brazilian experience. Global Competition Review, 44–46.

Cooter, R. e Garoupa, N. (2001). The virtuous circle of distrust: A mechanism to deter bribes and other cooperative crimes. The Berkeley Law & Economics Working Papers, Vol. 2000, Issue 2, Article 13.

Correio Braziliense (2013). “Lei aprovada no Distrito Federal recompensa quem denunciar corruptos”, 6/8/2013, disponível em http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/08/06/interna_cidadesdf,380868/projeto-de-lei-preve-recompensa-em-dinheiro-a-quem-denunciar-corruptos.shtml

EBC (2013). “Lei do DF prevê prêmio para quem denunciar casos de corrupção”, 6/8/2013, disponível em: http://www.ebc.com.br/print/66131

Folha de São Paulo (2013). Editorial, 9/8/2013, editorial, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/08/1323819-editorial-delacao-mais-premiada.shtml

Orlando Sentinel (2011). “If a cop sees you litter, it’ll cost you”, 28/3/2011, disponível em http://articles.orlandosentinel.com/2011-03-28/news/os-law-and-you-litter-20110328_1_litter-cigarette-butts-trash-cans

Paul, R. (2000). International Cartels in Crosshairs. New York Law Journal.

R7 Notícias (2013a). “Governador do DF veta projeto de lei que prevê recompensa a quem denunciar políticos corruptos”, 30/8/2013, disponível em http://noticias.r7.com/distrito-federal/governador-do-df-veta-projeto-de-lei-que-preve-recompensa-a-quem-denunciar-politicos-corruptos-30082013

R7 Notícias (2013b). “Comissão da Câmara Legislativa aprova recompensa a policiais que aprenderem armas de fogo”, 7/5/2013, disponível em http://noticias.r7.com/distrito-federal/noticias/camara-legislativa-aprova-a-recompensa-a-policiais-que-aprenderem-armas-de-fogo-20130507.html

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O que se espera da Rio+20 em termos de avanços no desenvolvimento sustentável? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1177&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-se-espera-da-rio20-em-termos-de-avancos-no-desenvolvimento-sustentavel https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1177#comments Wed, 18 Apr 2012 13:57:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1177 O objetivo geral da Conferência Rio+20 será renovar o compromisso político com o desenvolvimento sustentável, incentivando a economia verde (para saber mais sobre economia verde, leia, neste site, O que é economia verde e qual o papel do governo para sua implementação?).

Segundo o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de terem atendidas também as suas. Assim, o desenvolvimento sustentável deve, no mínimo, salvaguardar os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: atmosfera, águas, solos e seres vivos.

Além disso, o desenvolvimento sustentável impõe a consideração de critérios de sustentabilidade social, ambiental e de viabilidade econômica. Apenas as soluções que considerem esses três elementos, isto é, que promovam o crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais, merecem essa denominação.

A economia atual induz o consumo excessivo de recursos naturais para garantir o crescimento, inviabilizando a sustentabilidade. Em face da degradação do meio ambiente já provocada por sua exploração descontrolada, a tendência atual é de abordar o tema sob a seguinte premissa: se forem adequadamente quantificados e internalizados os custos ambientais dos empreendimentos, não há margem para a dicotomia entre crescimento econômico e sustentabilidade, isto é, se determinado projeto for lucrativo após a incorporação dos custos associados aos prejuízos ambientais que acarreta, ele pode ser implementado.

É essa a lógica dos pressupostos da economia verde: proporcionar os corretos incentivos aos agentes econômicos para garantir o desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a promoção da economia verde deve ser entendida não como um substituto, mas como um meio para atingir o desenvolvimento sustentável.

A atuação governamental dispõe de vários instrumentos como a política fiscal, a mudança nos subsídios nocivos, o emprego de instrumentos para corrigir falhas de mercado, a intervenção e a fiscalização do poder público, os investimentos públicos, a regulamentação e o incentivo à inovação. Essas intervenções são fundamentais para corrigir os preços dos recursos (prevenir a escassez futura) e criar os incentivos para direcionar a economia para corretos investimentos em inovação, em capital humano, em conhecimento e em pesquisa e desenvolvimento. (para ler mais sobre esses instrumentos, ver, neste site, o texto Por que o governo deve interferir na economia?).

Uma ilustração do problema, do lado do consumidor, é a do motorista que decide utilizar seu carro levando em conta o preço do combustível, do estacionamento e do transporte alternativo, mas não atribui qualquer valor ao fato de que seu veículo emitirá gases de efeito estufa, porque esse efeito não lhe será cobrado. Se não houver alguma medida restritiva, em geral os motoristas utilizarão seus carros com base apenas em fatores precificados (combustível, pedágio, etc.). Uma providência para atribuir um custo ao “uso do ar limpo”, com o objetivo de tentar preservá-lo respirável para todos, seria a imposição de taxas, medidas restritivas (como o rodízio de veículos) ou multas que encarecerão o uso do carro.

Ou seja, torna-se necessária a intervenção do Estado para impor custos adicionais ao usuário e ao produtor que reflitam o custo efetivo do fator, visando ao uso menos intensivo e à preservação da atmosfera natural. De forma simétrica, pode-se subsidiar o consumo de bens e serviços geradores de externalidade positiva para o meio-ambiente: subsídios à tarifa de transportes coletivos, ao consumo de etanol em substituição à gasolina, etc.

Outro caminho a explorar é a regulação estatal no sentido de forçar produtores e consumidores de produtos geradores de impacto ambiental negativo a reduzir tais impactos. Assim, mantendo o exemplo do automóvel, temos a obrigatoriedade legal de realizar vistoria periódica para aferir o grau de emissão de poluentes dos veículos e o estabelecimento de metas para a indústria visando à produção de carros menos poluentes.

A Conferência Rio+20 possui ainda outros desafios econômicos em relação ao desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, a tentativa de destravamento, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Rodada Doha, cujo objetivo é diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo, principalmente para os países em desenvolvimento. Outro desafio, nesse mesmo campo, é induzir a proteção ambiental pelo estímulo ao comércio internacional, sem, contudo, gerar barreiras não tarifárias de base ambiental, ou seja, sem criar um “protecionismo verde”.

Mas por que é importante reduzir as barreiras comerciais? Pelo fato de que o comércio internacional pode contribuir para o aumento da produtividade. Ser mais produtivo significa, em última instância, produzir mais bens e serviços a partir do mesmo estoque de insumos. Ser mais produtivo é, antes de tudo, reduzir desperdícios. Daí a importância do aumento da produtividade para o crescimento sustentável.

Há evidências de que o desempenho econômico dos países que adotam estratégias favoráveis ao livre comércio é superior ao desempenho daqueles que conduzem políticas protecionistas. Porém, a Rodada Doha tem se mostrado emperrada, frente aos constantes desacordos entre os principais países envolvidos nas negociações.

O desenvolvimento sustentável deve ser uma meta para todas as nações; no entanto, o Brasil, como outros países emergentes, enfrenta ainda graves desequilíbrios nas áreas econômicas e sociais. Assim, sua política ambiental, apesar de avançada em muitos pontos, passa, na prática, para o segundo plano quando se trata das prioridades na atuação governamental. Esse contexto é agravado pelo fato de que a situação de pobreza conflita muitas vezes com a proteção dos recursos naturais. A urgência do crescimento econômico para gerar mais renda e empregos, aliada a outros fatores, e a falta de uma ação mais coercitiva por parte do Estado levam à exploração predatória da natureza, à poluição descontrolada do ar e da água e ao uso indevido do solo.

Esperemos que o debate mundial promovido pela Rio+20 para viabilizar a transição em direção a uma economia verde possa gerar frutos verdadeiros em prol de um crescimento sustentável.

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O que é economia verde e qual o papel do governo para sua implementação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=693&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-economia-verde-e-qual-o-papel-do-governo-para-sua-implementacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=693#comments Mon, 08 Aug 2011 19:23:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=693 De acordo com a ONU, a Economia Verde pode ser definida como aquela que resulta em melhoria do bem-estar das pessoas devido a uma maior preocupação com a equidade social, com os riscos ambientais e com a escassez dos recursos naturais. Muito se discute sobre essa nova economia, e muitos pesquisadores acreditam que a economia verde requer um novo marco teórico. Como iremos mostrar neste texto, não é necessário um novo paradigma para se implementar políticas sociais que tornem a economia mais verde. Os instrumentos da economia neoclássica tradicional podem – e devem – ser utilizados para orientar os formuladores de políticas públicas com vistas ao desenvolvimento da economia verde.

Nesta reconciliação entre a economia e o meio ambiente, a proposta é usar as ferramentas analíticas da ciência econômica para buscar soluções que promovam qualidade ambiental. Ao se introduzir uma abordagem microeconômica à questão ambiental, o debate passa a focar quais são os corretos incentivos que levarão os agentes naturalmente a procurar práticas de conservação ou estratégias para reduzir a poluição.

A preservação do meio ambiente é um típico problema em que ocorre falha de mercado e que requer intervenção do Estado. Poluição e desmatamento são atividades em que tipicamente o custo social supera o custo privado. Por isso, se as atividades poluidoras ou desmatadoras não sofrerem nenhum tipo de interferência governamental, o resultado final será um nível de poluição acima (ou um grau de preservação do meio ambiente abaixo) daquilo que seria considerado socialmente ótimo. A utilização de instrumentos econômicos que induzem os agentes ao comportamento social desejado deve contar com a participação efetiva do Estado, pois as medidas de política fiscal (como impostos mais pesados para firmas poluidoras ou subsídios para implantação de tecnologias ambientalmente corretas) juntamente com a regulação (como limites quantitativos para emissão de gases ou consumo máximo de energia permitido para determinados aparelhos) constituem, talvez, os meios mais efetivos de garantir uma transição da economia marrom para a economia verde.

Do lado da receita pública, é fato que a estrutura de tributação do Estado tem um efeito fundamental sobre os incentivos que enfrentam empresas e famílias, tanto no consumo quanto nas decisões de investimento. Quanto às despesas públicas, a distribuição dos gastos, tanto na manutenção da máquina administrativa (despesas correntes), quanto os que aumentam a capacidade produtiva do país (despesas de capital, principalmente investimentos em infraestrutura), dão o tom de como será o caminho trilhado para o desenvolvimento econômico.

Por exemplo, um passo para a implantação da economia verde seria uma tributação mais pesada sobre combustíveis fósseis, de forma que outras formas de energia renovável ficassem relativamente mais atraentes do ponto de vista do preço de consumo. Outra possibilidade é a diminuição de subsídios concedidos a atividades prejudiciais ao meio ambiente.

Pelo lado da despesa pública, a promoção do crescimento econômico mais sustentável passa pela provisão de infraestrutura energética mais limpa, suporte para pesquisa e desenvolvimento em novas tecnologias não poluentes e mais produtivas, além da concessão de subsídios que alavanquem investimentos verdes pelas famílias e empresas.

Uma melhor distribuição de riqueza ao redor do mundo também é afetada pela política fiscal. Conforme relatório da ONU, estima-se que se as nações desenvolvidas retirassem o subsídio dado à produção de algodão em seus países, a renda real das nações integrantes da região da África subsaariana aumentaria em US$150 milhões por ano.

Sabe-se, contudo, que não é simples administrar as distorções causadas pelo sistema tributário. Um “imposto verde” será mais eficiente quando incidir sobre o bem mais diretamente ligado ao dano ambiental. Isto é, os “impostos ambientais” devem ser aplicados diretamente sobre os poluentes, que muitas vezes não são facilmente observáveis. Ao tributar combustíveis fósseis para diminuir as emissões de carbono, por exemplo, provavelmente se está utilizando uma base eficiente, porque as emissões estão diretamente relacionadas ao volume de combustível consumido. Por outro lado, a tributação de fertilizantes para controlar a poluição da água talvez não seja tão eficiente, pois essa poluição depende dos métodos empregados na agricultura, que podem impedir o escoamento dos agentes poluentes. Nesse caso, seria mais eficiente multar o agricultor que poluir as águas. Dessa forma ele teria incentivo para continuar utilizando o fertilizante, mas adotando as prevenções necessárias para não poluir o meio ambiente.

Do ponto de vista da regulação, uma medida que vários governos ao redor do mundo vêm criando é o sistema cap and trade, sistema de comércio de licenças de emissão, onde as emissões totais são fixadas ou limitadas. O Protocolo de Quioto estabelece um sistema cap and trade no sentido de que as emissões dos países desenvolvidos são fixadas e quem poluir acima do limite pode adquirir direitos de emissão de países que poluem abaixo da meta acordada.

Nos Estados Unidos (EUA), há um debate no Congresso Norte-Americano sobre a instituição de sistemas cap and trade para determinados processos produtivos, produtos ou serviços, de forma que as empresas que não atingirem sua quota de emissão de poluentes possam vender o excedente a outras. A lógica desse mecanismo é que a aferição de um valor econômico às licenças para as emissões irá estimular as empresas a poluírem menos, pois lucrariam com a venda dos excedentes. Isso também terá impacto nos países que exportam tais bens para os EUA.

Claro que também existem aspectos negativos relacionados com a mitigação da poluição. A Austrália apresentou recentemente um projeto (“Securing a clean energy future”), cujo objetivo é diminuir as emissões de carbono pelo país. A principal medida sugerida é a taxação das empresas por tonelada de dióxido de carbono jogada na atmosfera. No entanto, há várias críticas no sentido de que tal taxação apenará toda a sociedade, aumentando o nível de preços, prejudicando a produção e reduzindo os empregos. Esse impacto adverso sobre a economia é consequência, principalmente, do alto custo que o projeto implicará para a geração de energia elétrica, que na Austrália é extremamente poluente por se basear na queima de carvão.

O governo australiano defende-se argumentando que os recursos arrecadados com a tributação do carbono serão devolvidos às famílias por meio de algum tipo de abatimento em outros impostos ou por aumento nas transferências de renda, como pensões.

De qualquer forma, dadas as ações indutoras por menos poluição em vários países, percebe-se uma mudança de comportamento no meio empresarial, inclusive no brasileiro. Em recente publicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI)[1], os empresários são advertidos sobre como é importante entender os múltiplos impactos e riscos que podem influenciar o ambiente de negócios em uma transição para a economia de baixo carbono. Segundo a CNI, há riscos regulatórios, como os custos devidos ao pagamento de taxas e impostos sobre produtos e serviços carbono intensivos e pagamento de multas, caso as metas mandatórias de redução de emissões não sejam alcançadas. Há ainda custos reputacionais e competitivos, como gastos relacionados à perda de fatia de mercado, menor acesso a fontes de capital, bem como perda do valor da marca, caso haja discriminação das empresas não aderentes à economia verde.

Em suma, a política fiscal e a administração das finanças públicas são fatores-chave na transição de um país para uma economia mais verde. O Congresso Nacional, ao votar o orçamento, ao discutir a legislação tributária, tem papel fundamental na definição do caminho que o país adotará.

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Para ler mais sobre o tema:

United Nations Environment Programme. Driving a Green Economy: Through Public Finance and Fiscal Policy Reform. 2011 (Disponível em http://www.unep.org/greeneconomy).


[1] CNI. Estratégias Corporativas de Baixo Carbono: Gestão de Riscos e Oportunidades, 2011.

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