Governo – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 07 May 2019 16:23:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que é tão difícil fazer reformas no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3219&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3219#comments Tue, 07 May 2019 16:23:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3219 *Esse texto consiste em resumo de relatório de pesquisa desenvolvido pelo autor junto ao Instituto de Pesquisas Casa das Garças.

 

Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de reformas. Previdência, tributos, mercado de crédito, ambiente de negócios, segurança jurídica, abertura comercial, privatização, políticas sociais e educação.

Não é fácil fazer reformas em nenhum lugar do mundo. Reformar significa tirar privilégios de alguns grupos, que obviamente resistem. Os custos são concentrados em poucos, e os benefícios são difusos. Os prejudicados se organizam e resistem, enquanto os beneficiários muitas vezes nem sequer sabem que estão ganhando com aquela medida.

Reformas também provocam incerteza: ainda que todos saibam que o país ficará melhor no futuro, cada indivíduo enfrenta a incerteza de qual será a sua situação particular após a reforma. Afinal, empregos menos eficientes tendem a ser destruídos e outros são criados, requerendo novas habilidades. Muitas pessoas temem não se adaptar à nova realidade, em especial os mais velhos.

Os resultados das reformas também demoram a aparecer. No Chile, por exemplo, em 1985, dez anos após o início das reformas, a renda per capita ainda era a mesma de 1969. Somente nos anos 1990 a renda começou a subir de forma consistente.

Na Nova Zelândia, uma reforma radical, que transformou o país em uma das sociedades mais prósperas do mundo, gerou, inicialmente, uma taxa de desemprego de 14%, que só voltou ao padrão pré-reforma depois de dez anos.

O calendário das eleições é mais curto que o prazo para o efeito das reformas. O próximo pleito acontece antes de as reformas elevarem a popularidade do governante reformista.

Apesar dessas dificuldades, ao longo dos últimos 50 anos, muitos países fizeram reformas abrangentes. Estudando essas experiências, podemos observar características desses países que ajudaram a quebrar resistências. Infelizmente, o Brasil não possui nenhuma dessas características “facilitadoras” de reformas.

Em primeiro lugar, é mais fácil reformar economias de países pequenos. Estes não têm mercado interno significativo e precisam se abrir para o mundo. Com economia aberta, são mais vulneráveis a oscilações da economia internacional e, por isso, precisam manter a macroeconomia saudável. Para atrair capitais externos, precisam de uma Justiça rápida e segura.

Além disso, têm uma elite menos numerosa, o que diminui o custo de transação para realizar acordos. Também têm governo unitário, não sofrendo os conflitos e bloqueios gerados nos sistemas federativos. Singapura, Malta, Hong Kong, Estônia, Nova Zelândia e Irlanda seriam exemplos nesse grupo.

O Brasil, grande, fechado e com uma Federação conflituosa, está longe desse perfil.

Outra característica importante está na transição de ditaduras para democracias. Países que fizeram reformas econômicas antes da abertura política geraram uma economia dinâmica, capaz de elevar a renda, ampliar a classe média, criar ambiente de mercado estável e consolidar o liberalismo econômico, conduzindo a mais investimentos e crescimento. Com o tempo, a melhoria das condições de vida induz a transição para regime democrático, como ocorreu na Coreia do Sul, no Chile, na Malásia e na Indonésia, por exemplo.

Por outro lado, redemocratizar antes de reformar a economia pode levar ao populismo e a mecanismos de apropriação de renda por grupos de interesse.

Em uma economia fechada e estatizada, há grande espaço para a inscrição de privilégios e políticas inconsistentes na legislação. Esse parece ter sido o caso de Brasil, Argentina e Filipinas. Fazer reformas nesses países é muito mais difícil agora, pois significa desmontar benefícios a grupos organizados, cristalizados na Constituição e nas leis.

Também facilitam as reformas os sistemas político-eleitorais que induzem a geração de maioria no Legislativo, dando maior governabilidade ao Poder Executivo.

No Reino Unido, por exemplo, as eleições para o Parlamento seguem o modelo distrital, com voto majoritário, que induz a disputa entre dois grandes partidos, com o vencedor quase sempre sendo majoritário no Legislativo e, portanto, capaz de aprovar reformas sem precisar contar com o apoio de outros partidos.

Além disso, é mais fácil fazer reformas em Parlamentos unicamerais, onde uma medida não precisa passar pelo referendo de Câmara e Senado. Também facilita o fato de cada um dos três Poderes ter claramente delimitado o seu raio de ação, não havendo espaço para o Judiciário interferir em decisões do Legislativo.

Mais uma vez o Brasil não tem tais características. Nosso sistema eleitoral gera grande fragmentação partidária no Parlamento, temos sistema bicameral e frequente judicialização das decisões legislativas e das políticas públicas.

A literatura também mostra que sociedades mais coesas são mais capazes de gerar os acordos sociais necessários para realizar reformas. Essas são sociedades em que a classe média tem uma parcela grande da renda (e, portanto, a desigualdade geral é baixa) e na qual há baixo grau de violência.

Em geral, são sociedades em que as pessoas têm padrões de vida similares, não temem agressões físicas ou aos seus direitos. Por isso têm maior confiança umas nas outras e nas instituições públicas.

Confiança é essencial para o sucesso de reformas. Afinal, estas ​nada mais são que um acordo em que todos fazem sacrifícios no curto prazo com vistas a ter um futuro melhor. Se há baixa coesão e desconfiança, cada grupo de interesse tentará empurrar os custos da reforma para o outro, e a negociação emperra ou a reforma tem seus custos colocados nas costas dos mais fracos.

A figura acima mostra que o grau de coesão social no Brasil é extremamente baixo. No eixo horizontal, temos a participação da classe média na renda (percentual da renda total que vai para os 60% dos indivíduos no centro da distribuição de renda). Somente África do Sul, Namíbia, Zimbábue, Moçambique e Guiné-Bissau têm classe média “mais magra” que a brasileira, ficando mais à esquerda no gráfico.

No eixo vertical temos um índice de violência e confiança mútua. Nesse quesito, o Brasil só supera Camarões e Costa do Marfim. E fica um pouco abaixo de Quênia, El Salvador e Libéria.

A localização do país na parte inferior esquerda do gráfico é uma imagem clara da nossa baixa coesão social. Somos inequivocamente um país desigual, violento, em que as pessoas não confiam umas nas outras. No canto superior direito do gráfico estão os países mais coesos.

A importância da coesão social como fator de estabilidade tem ficado clara nos recentes episódios de radicalização política vividos em diversos países. O encolhimento da participação da classe média na renda tem gerado desconforto com a representação política tradicional, e novos partidos extremistas têm ganhado espaço em vários países. Há crescente fragmentação partidária, levando a governos minoritários, como na Espanha e na Itália.

O brexit surgiu de movimento de descontentamento de uma classe trabalhadora ameaçada pela abertura comercial. Donald Trump e sua política externa mercantilista têm origem semelhante.

No Brasil, o baixo consenso social alimenta um ambiente antirreformas por uma combinação de populismo, conflito distributivo em torno de rendas intermediadas pelo Estado, fragmentação política e protecionismo comercial e regulatório.

Não obstante todas essas dificuldades “estruturais” para fazer reformas no Brasil, sempre surgem algumas janelas de oportunidade. Em geral, elas são criadas por crises, que evidenciam a necessidade de mudanças e enfraquecem a defesa de interesses corporativos específicos.

Também abre espaço para reformas o “efeito lua de mel”, que existe nos primeiros meses de gestão de um governante recém-eleito.

Desde os anos 1980, o Brasil aproveitou essas situações para fazer reformas. Assim, por exemplo, a crise de balanço de pagamentos de 1982-83 gerou reformas fiscais e monetárias. A hiperinflação criou condições para o sucesso do Plano Real.

O efeito lua de mel no governo Collor permitiu um movimento de abertura comercial, e nos governos FHC e Lula viabilizaram-se duas reformas da Previdência.

Da crise de balanço de pagamentos de 1998 vieram o sistema de metas de inflação, o câmbio flutuante e o regime de metas fiscais.

Porém, recentemente o Brasil andou na direção contrária. De 2005 a 2015 vivemos um período de reversão de reformas. A crise política do mensalão levou à expansão do gasto público como forma de sustentar politicamente o governo. Uma expansão no preço internacional de commodities deu impulso ao crescimento e criou a ilusão de que os desequilíbrios fiscais estruturais estavam resolvidos.

Relaxou-se o equilíbrio fiscal e praticou-se política pública na direção oposta das reformas de que o país necessita: aumentou a interferência estatal nas decisões privadas, a exploração do petróleo foi praticamente reestatizada, houve generalizada interferência do governo nos preços de energia e combustíveis, proteção setorial e fechamento da economia, grande desperdício de recursos públicos e privados em investimentos inviáveis.

 

Artigo publicado pela Folha de S. Paulo em 05 de maio de 2019.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3219 3
Os problemas da PEC do Orçamento Impositivo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3209&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-problemas-da-pec-do-orcamento-impositivo Mon, 22 Apr 2019 14:53:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3209 O principal objetivo da PEC do orçamento impositivo é tornar obrigatória a execução de emendas de bancadas estaduais , em valor equivalente a 1% da Receita Corrente Líquida (RCL). Atualmente, já é obrigatória a execução de emendas individuais dos parlamentares, aquelas que direcionam verbas para pequenas obras nos municípios. Com a PEC, tornam-se obrigatórias também as emendas de bancada que, a princípio, representam o acordo entre parlamentares de cada estado para destinar recursos a obras estruturantes, de impacto em todo o estado.

Há na PEC um mecanismo de aumento gradual para o máximo de recursos que pode ser aplicada obrigatoriamente em emendas de bancada: inicia-se com 0,8% da RCL e caminha-se para 1% da RCL. Também há uma adaptação à PEC dos gastos: os percentuais da RCL são apenas uma referência inicial. Depois de fixado o montante com base nesse parâmetro, nos anos futuros a correção do valor é pelo IPCA, para que a despesa cresça no mesmo ritmo do teto de gastos criado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016.

Da mesma forma que já funciona para as emendas individuais, há possibilidade de as emendas obrigatórias serem contingenciadas na mesma proporção das demais despesas discricionárias, para fins de cumprimento de meta fiscal. Nos casos em que há impossibilidade técnica de execução, há um rito para verificar tal impossibilidade e suspender a obrigatoriedade de execução.

Por que é inadequado dar prioridade a emendas que destinam recursos a estados e municípios

O orçamento é da União. Portanto, deve conter, prioritariamente, despesas de interesse de toda a coletividade nacional. O atendimento das necessidades de municípios e estados deve ser atribuição daquelas respectivas esferas da federação, pagos com os seus respectivos tributos. A utilização de verbas federais em investimentos de impacto local, objeto principal das emendas parlamentares, deve ser a exceção, e não a regra. Quando se garante o espaço das emendas, menos recursos sobrarão para as despesas de interesse geral do País que não sejam obrigatórias e que não estão protegidas por vinculações de receitas.

Os argumentos usualmente utilizados para justificar a obrigatoriedade de execução de emendas são:

(a) as emendas são a forma de participação dos parlamentares no orçamento, e o seu contingenciamento significa que o Executivo interfere na escolha do parlamento, o que deve ser evitado;

(b) não seria correto dizer que as emendas geram gastos de pior qualidade do que as programações sugeridas pelo Executivo, pois os parlamentares escutam suas bases e sabem qual a demanda do eleitor melhor que o Executivo.

As duas afirmações são passíveis de contestação. A participação do parlamento no orçamento é muito maior que aprovar emendas individuais e de bancada. Cabe ao Congresso discutir todo o orçamento, e não apenas direcionar verbas e investimentos para as bases eleitorais dos parlamentares. Pode-se argumentar que o orçamento já está fortemente comprometido com despesas obrigatórias de previdência e pessoal, entre outras, e com vinculações orçamentárias. Assim, pouco sobra, além das emendas, para influenciar o perfil do gasto público.

Nesse caso, defender as prerrogativas do Congresso em relação ao orçamento não é reforçar o status das emendas de bancada. Mas sim votar reformas que freiem a expansão da despesa obrigatória e flexibilizem vinculações. Optar pelo atalho da obrigatoriedade de emendas dispersa poder e apequena a missão do parlamento.

Com relação à qualidade do gasto gerado pelas emendas, há elementos suficientes para dar suporte à ideia de que elas têm efeito negativo. Não por serem propostas por parlamentares, mas por dificuldades práticas do processo decisório.

Em primeiro lugar, há uma tendência à pulverização dos recursos em pequenas intervenções, em prejuízo de obras estruturantes. Em segundo lugar, não é simples coordenar a ação de 513 deputados e 81 senadores propondo milhares de investimentos distintos. Não são poucos os casos de prefeitos que “recebem um hospital” que não é necessário e que não têm verba para manter; de escolas agrícolas que, em vez de um, recebem três equipamentos iguais. ou de tomógrafos que sequer saem da caixa porque o município não tem condições de construir um prédio nas especificações adequadas para a operação do aparelho. Em terceiro lugar, as iniciativas não são sujeitas a prévia avaliação de custo-benefício ou avaliação de viabilidade técnica e econômica. Muitas vezes inicia-se uma obra sem os projetos adequados, o que leva à paralisação e estouro dos custos previstos.

Tendo em vista que o interesse maior do parlamentar é tipicamente buscar suporte junto aos prefeitos de sua base eleitoral, e com isso reforçar sua base de votos para a próxima eleição, há uma natural tendência à fragmentação da despesa em pequenos investimentos. Quando as emendas de bancada se tornam obrigatórias, ganhando força dentro do orçamento, haverá incentivos para se realizar o gasto de impacto municipal por meio da emenda de bancada, levando à chamada “rachadinha”: em vez de a bancada apresentar uma emenda para uma obra estruturante, como a pavimentação de uma rodovia estadual, utiliza-se a dotação para uma finalidade que pode ser distribuída para vários municípios (por exemplo, ambulâncias, quadras esportivas, calçamento de ruas, etc.). Ou seja, a obrigatoriedade das emendas de bancada corre o risco de se transformar em uma expansão das emendas individuais, aprofundando os problemas acima descritos.

Note-se que o próprio sistema já adotado para a execução das emendas contém elemento de ineficiência. Primeiro aprova-se a emenda. Depois é que se verifica se é possível executá-la em termos técnicos. Essa verificação ex-post gera uma série de custos: (a) deixa-se de alocar recursos escassos para outras finalidades que seriam viáveis, empoçando recursos que não poderão ser liberados; (b) corre-se o risco de começar uma determinada despesa e não concluí-la, por inviabilidade constatada durante a execução.

O ideal é que não houvesse a obrigatoriedade de emendas, sejam elas individuais, sejam de bancadas. Porém, parece inevitável a aprovação da PEC em análise. Para que o seu impacto seja minimizado, o que se propõe é que se tornem obrigatórias apenas as emendas voltadas a acrescentar recursos a dotações já contidas na proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo ou para investimentos que estejam relacionados em um banco de projetos.

Esse banco de projetos conteria aquelas propostas de investimento que já tivessem projeto executivo, certificado de adequação ambiental e demais requisitos técnicos que demonstrem que a obra não só é viável como também gerará benefícios superiores a seus custos. Trata-se de mudar o momento em que se faz o controle da viabilidade. Substitui-se o atual controle ex-post (incluir a obra no orçamento para depois ver se é viável) por um controle ex-ante (só incluir aquelas que já se sabe que são viáveis). Essa seria uma oportunidade para melhorar a qualidade do gasto público.

Pode-se até mesmo pensar em um sistema misto: o orçamento aceitaria emendas para investimentos não depositados no banco de projetos. Mas para esses a execução não seria obrigatória. O parlamentar e as bancadas estaduais teriam a opção: escolher um investimento do banco de projetos, com certeza de execução, ou propor um investimento que não esteja no banco, que terá que disputar espaço com outras despesas do orçamento.

Obrigatoriedade da despesa para além das emendas

O segundo grande problema da PEC está relacionado ao seguinte dispositivo, que vai além das emendas e se aplica a todo o orçamento, inclusive a estados e municípios:

§10. A administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.

Esse dispositivo pode ser lido de duas formas distintas. Na primeira, partindo-se do princípio de que tudo o que a administração pública faz é para, direta ou indiretamente, “entregar bens e serviços à sociedade”, pode-se concluir que a administração terá que executar todas as programações orçamentárias. Nesse caso, toda a despesa orçamentária se torna obrigatória.

É evidente que isso enrijece o orçamento. Ficará difícil fazer ajuste fiscal pelo controle da despesa. Só restará o ajuste pelo aumento de impostos. Cedo ou tarde o teto de gastos será  revogado, usando-se o argumento jurídico de que a própria Constituição impede a limitação da despesa . Frente à limitação para aumento da já elevada carga tributária e da dívida pública em trajetória insustentável, não temos cenário bonito para o futuro.

Até porque não há qualquer cláusula de escape, nem mesmo em caso de frustração de receitas. Ao contrário da obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares, em que há a possibilidade de contingenciamento ou de não execução em caso de inviabilidade técnica, o presente § 10 apenas estabelece o dever de executar, sem qualquer margem para ajuste.

Pode-se interpretar que a expressão “adotando os meios e medidas necessários” abre margem para que o gestor apresente uma justificativa dizendo que fez o que pôde, mas não conseguiu. Mas quem julgará se efetivamente foi feito todo esforço possível?

Cada auditor de controle interno ou externo terá o seu próprio juízo sobre o que é o conjunto de “meios e medidas necessários”. A insegurança para o CPF do gestor crescerá signficativamente, afastando dos cargos gerenciais aqueles mais avessos ao risco, abrindo espaço para outros de espírito mais aventureiro. Dado que a regra se aplica a estados e municípios, o problema se multiplica.

A segunda forma de ler esse dispositivo é aquela que traça uma divisão entre programações orçamentárias “finalísticas”, que resultam em efetiva entrega de bens e serviços à sociedade (campanha de vacinação, aluno em sala de aula, etc.), e atividades “meio” (serviços  administrativos, limpeza, vigilância, etc.). Se for esta a interpretação correta, então entramos no campo da insegurança jurídica. Certamente não existe uma definição clara do que é atividade fim e atividade meio. Basta ver o longo histórico de judicialização que ocorreu na legislação trabalhista, quando se considerava que somente as atividades meio poderiam ser terceirizadas. Em um país no qual não se consegue chegar a um consenso sobre o que é “despesa de pessoal”, para fins de aplicação da LRF, imagine-se a dificuldade para definir o que é “entrega de bens e serviços à sociedade”.

Ainda que se conseguisse regulamentar claramente quais são as rubricas orçamentárias de caráter finalístico, o resultado seria o maior engessamento do orçamento. A tendência à contabilidade criativa, para tirar ou colocar uma despesa no rol das finalísticas, ao sabor das conveniências, deterioraria a qualidade do processo orçamentário.

Não há dúvida que esse dispositivo precisa ser retirado do texto ou, pelo menos, submetido a uma cláusula de escape, para os casos de frustração de receitas. Nesse segundo caso, também seria importante melhorar a redação do dispositivo, para deixar claro quais despesas estariam sujeitas à regra. Se só as finalísticas, definir quais são essas despesas.

Na sua nova análise pela Câmara, o texto dessa PEC precisa ser analisado com cuidado técnico e sem a pressa de se criar fatos políticos. Será elevado para o País o custo de um texto que gera problemas tão graves, em um contexto de contas públicas deterioradas e de incerteza quanto as reformas necessárias para saneá-las. Não há dúvida de que essa PEC é um tiro no pé, que vai cobrar um preço caro em termos de qualidade do gasto público, produtividade da economia e possibilidade de equilíbrio das contas públicas.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=510&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-intervencao-do-governo-pode-gerar-prejuizos-a-sociedade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=510#comments Thu, 05 May 2011 12:36:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=510 Já foi postado neste site um texto, de minha autoria, com o título “Por que o governo deve intervir na economia?”, em que argumento que existem “falhas de mercado”, como externalidades, assimetria de informações ou restrições à competição que reduzem o nível de bem-estar da sociedade. Uma intervenção do governo para solucionar essas “falhas de mercado”, se bem executada, pode elevar o nível de bem-estar da população. No presente texto vou discutir o outro lado da moeda: as “falhas de governo”, ou seja, os fatores que podem fazer com que as intervenções do governo gerem distorções maiores que aquelas que ele se propõe a resolver. Assim, toda ação governamental deveria ser precedida de uma análise prévia sobre as suas vantagens (correção de falhas de mercado) e desvantagens (possíveis falhas de governo decorrentes daquela ação).

Problemas de escolha coletiva

O processo de decisão governamental é feito de forma diferente do processo de decisão individual. Se pretendo comprar um carro, faço uma análise dos custos dessa compra e dos benefícios que ela vai me proporcionar. Ao fazer isso, uso minha escala de valores individuais para avaliar os custos e benefícios (se dou muito ou pouco valor a ter um carro bonito; ou se prefiro um carro mais barato que não seja tão bonito; avalio quanto estou disposto a pagar por um câmbio automático ou um banco de couro; etc.). As minhas preferências podem ser diferentes das preferências do meu vizinho, mas nesse processo decisório apenas as minhas preferências são relevantes.

Nas decisões governamentais temos um processo de escolha coletiva, em que os valores e preferências de todos os eleitores devem ser levados em consideração, o que torna o processo decisório muito mais complicado. Além disso, não há uma votação direta de todos os eleitores cada vez que uma decisão de governo tem que ser tomada. As pessoas votam em representantes (deputados, governadores, etc.) que passarão a representá-las nas decisões públicas. Esses representantes votam um orçamento, para que o dinheiro público seja gasto.

O representante político, ao votar por este ou aquele gasto público, terá dois problemas. Primeiro, ele não conhece inteiramente as preferências de seu eleitorado. No máximo ele tem uma idéia de que, por exemplo, o seu eleitor está demandando mais segurança pública e menos educação pública, ou que prefere menos impostos com menos serviços do que a expansão dos serviços financiada por mais impostos. Segundo, o seu eleitorado não é homogêneo, e ele terá que encontrar uma forma de atribuir pesos às diversas preferências.

Mesmo que as pessoas sejam perguntadas, em pesquisa de opinião, sobre as suas preferências por serviços públicos, elas não terão incentivo para revelar suas verdadeiras preferências. Suponhamos que se faça uma pesquisa em que se pergunte a cada eleitor que tipo de serviço público ele deseja, e que se avise a esse eleitor que ele terá que pagar impostos proporcionalmente aos serviços que queira receber (quem escolher mais serviços públicos pagará mais impostos). Esse tipo de consulta incentivará os eleitores a dar respostas que subestimem a sua real demanda por serviços públicos, para evitar pagar por eles. Eu não vou dizer que gostaria de ter mais policiais nas ruas. Vou esperar que outra pessoa dê essa resposta e arque com esse custo. Uma vez que haja mais policiais nas ruas eu também vou me beneficiar disso sem precisar pagar a conta.

Por outro lado, se for feita a mesma pesquisa, avisando-se ao eleitor que, independentemente da lista de serviços públicos que ele elencar como desejáveis em resposta à pesquisa, ele pagará um imposto prefixado (não relacionado com a quantidade de serviços públicos desejados), então ele terá incentivos a superestimar suas verdadeiras demandas. Afinal, já que vai pagar a mesma coisa por 5 ou 10 policiais nas ruas, o eleitor prefere ter 10 policiais.

Note que a resposta do eleitor depende da maneira como é feita a pergunta, isso, em Economia, é estudado pela Teoria de Desenho de Mecanismos.

Mesmo que se considere possível em um sistema democrático conhecer as preferências de cada eleitor, e que seja possível consultá-los a cada decisão, o processo decisório pode ter um viés na direção da expansão do gasto público e da intervenção do governo na economia.

Tal viés acontece porque na maioria das economias, e a economia brasileira não é uma exceção, a distribuição de renda não é simétrica em torno da média. Há uma concentração maior de pessoas abaixo da média, dado que umas poucas pessoas muito ricas puxam a média para cima. Isso significa que a renda mediana[1] será menor que a renda média. Se a tributação for proporcional à renda, então o eleitor com renda igual à mediana pagará menos impostos que o eleitor com renda igual à média.

Pagando menos impostos que o restante da sociedade, todos os eleitores com renda igual ou inferior à mediana tenderão a preferir mais serviços públicos (pois são subsidiados pelos demais eleitores), enquanto os eleitores com renda igual ou superior à media tenderão a  preferir menos serviços públicos (pois pagam proporcionalmente mais impostos). Porém, como o primeiro grupo é mais numeroso, ele tende a ganhar as eleições e o resultado será uma tendência à expansão do gasto público.

Basicamente o que se tem é um grupo (eleitores de renda igual ou inferior à mediana) pegando carona no gasto financiado pelos eleitores de renda mais alta. Esse mesmo fenômeno pode ter manifestações distintas. Por exemplo, em um país organizado sob a forma de federação, os governos estaduais terão incentivos a buscar recursos federais (impostos pagos por contribuintes de todo o país) para investir em projetos que beneficiem principalmente os moradores do estado. É o que ocorre, por exemplo, com as famosas emendas parlamentares, em que os deputados e senadores de um estado têm incentivos a colocar despesas em favor de seus estados no orçamento federal. Afinal, os eleitores desses estados estariam recebendo benefícios sem ter de pagar integralmente por eles.

Outra manifestação comum desse tipo de problema é a sobreposição de programas públicos executados pelo governo federal, estadual e municipal. Digamos que os políticos percebam que um determinado programa (por exemplo: distribuição de leite a famílias de baixa renda) gera muitos votos. Então tanto o presidente da república, quanto o governador e o prefeito desejarão obter esse ganho eleitoral para seus respectivos partidos, e introduzirão programas semelhantes, gerando um excesso de oferta daquele serviço público.

Sintetizando, o problema da escolha coletiva gera tendência ao aumento dos gastos públicos e consequente aumento dos impostos. Daí a necessidade de regras e instituições que ponham limites a essas pressões, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, limitações a emendas parlamentares e possibilidade de contingenciamento de despesas.

Problema principal-agente e informação assimétrica

Os eleitores não têm como monitorar plenamente os políticos eleitos. E os políticos eleitos não têm como monitorar os servidores que nomeiam para gerenciar as políticas públicas. Por isso, servidores e políticos podem, no exercício da função, buscar os seus objetivos individuais (ampliar poder político, enriquecer, trabalhar pouco, etc.) em vez de buscar os objetivos da comunidade, uma vez que não há informação suficiente para que se conheça a real eficácia de sua gestão.

O problema do principal–agente surge em condições de informação assimétrica, ou seja, quando os atores envolvidos não possuem a mesma quantidade ou qualidade de informação. No caso, o “principal” contrata o “agente” numa situação em que pode haver conflito de interesses, de forma que o “agente”, por deter informação privilegiada, e terá incentivos para tirar proveito pessoal do negócio do “principal”. Por exemplo, um eleitor (principal) não conhece todos os detalhes contratuais  e de custos de uma compra pública, o que abre espaço para um agente (gestor público) superfaturar a compra e obter ganho privado.

Diversos fenômenos conhecidos surgem desse problema. Suponha uma empresa pública que preste serviço de abastecimento de água. A intenção inicial do governo, ao criar essa empresa, foi lidar com uma falha de mercado conhecida como “monopólio natural”. Não é eficiente que várias empresas fornecedoras de água instalem encanamentos pela cidade para distribuir água às residências. O custo seria muito alto. É mais barato ter uma única rede de distribuição. Mas, nesse caso, a empresa operadora será monopolista e poderá cobrar muito caro pela água. Uma solução possível é prestar o serviço por meio de uma empresa estatal que, não tendo fins lucrativos e sendo voltada para o bem coletivo, irá estabelecer um preço justo para a água.

Ocorre que os políticos e servidores nomeados para gerenciar a empresa (agentes)  podem resolver usar o poder de monopólio em proveito próprio. Aproveitando-se da menor informação que os eleitores (principais) têm sobre custos e receitas da empresa, os “agentes”, em vez de fixar um preço da água que apenas cubra os custos operacionais e de investimento, fixarão preço mais elevado e usarão o excedente em seu favor (altos salários, participações no lucro, baixo esforço para ser eficiente, contratação de pessoas de seu grupo político, etc.).

Outro exemplo interessante: uma conhecida falha de mercado (associada à falta de informações relativas a garantias para empréstimos) faz com que alguns setores da sociedade (como pequenos agricultores, micro e pequenos empresários) não tenham acesso ao crédito oferecido pela rede bancária tradicional. Essa falha de mercado justificou a criação de bancos estaduais no Brasil, voltados a ofertar crédito a tais segmentos. Mas o resultado foi uma falha de governo. Os governadores e gestores dos bancos estaduais (agentes) passaram a gerir tais bancos em desacordo com os objetivos anunciados aos eleitores (principais): os bancos estaduais viraram, em sua maioria, financiadores de campanhas eleitorais e de “empresários amigos”, deixando grandes rombos financeiros que acabaram sendo pagos pelo governo federal. O resultado final, em termos de bem-estar social, foi negativo.

Inexistem incentivos à eficiência.

Atribui-se ao economista Milton Friedman[2] um interessante raciocínio sobre o incentivo a analisar custo e qualidade dos produtos ao se decidir por uma compra. Quando eu compro um produto com o meu dinheiro para o meu uso, eu me preocupo em analisar tanto o preço quanto a qualidade do produto. Afinal, tanto os custos quanto os benefícios do produto vão recair sobre mim.

Porém, quando compro alguma coisa com o meu dinheiro, para o uso de outra pessoa, me preocupo mais com o preço que pagarei do que com a qualidade. Nessa situação, não serei o usuário do produto, logo minha preocupação recai mais sobre os custos (que pagarei) do que sobre os benefícios (que recairão sobre outra pessoa). Pense no seu processo de decisão ao escolher um presente para o seu amigo oculto na festa de fim de ano no trabalho: você certamente sabe que seu colega gostaria mais de ganhar um IPAD, mas acaba concluindo que ele ficará feliz com um CD ou um livro.

Quando vou comprar alguma coisa para o meu uso, pagando com o dinheiro dos outros, vou olhar mais para a qualidade e me preocupar menos com o preço. Pense em um adolescente fazendo compras com o cartão de crédito do pai.

Na situação em que vou comprar alguma coisa para ser usada por outra pessoa, pagando com um dinheiro que não é meu, não vou me preocupar nem com o preço que pago, nem com a qualidade do produto. Essa é a situação de um funcionário público que está adquirindo bens e serviços a serem usados pela população.

Ou seja, o incentivo do agente governamental para buscar o menor preço é baixo, pois não é ele que está pagando diretamente pela compra. Também não vai fazer grande esforço para buscar qualidade, se o serviço público é para atender a população em geral e não ao servidor em particular.

Há, também, pouco incentivo à inovação no serviço público. Em geral, a inovação é estimulada e bem remunerada no setor privado, pois ela é fonte de geradora de lucros. Já no serviço público impera a regra da obediência ao regulamento e da responsabilização individual em casos de fracasso. Nesse contexto, por que devo inovar, se corro o risco de errar e ser responsabilizado? Prefiro cumprir os regulamentos e esperar pelas promoções por tempo de serviço. O resultado é a aversão ao risco e o apego a procedimentos burocráticos.

Associe-se a isso a estabilidade no emprego e estará completo o quadro de desestímulo ao esforço. No caso brasileiro, do ponto de vista do servidor, a competição ocorre antes (no concurso) e não durante o exercício profissional. As pessoas fazem esforço colossal para serem aprovadas em concorridos certames de seleção para o serviço público. Mas, uma vez aprovadas, não correndo risco de demissão por baixo esforço, nem vislumbrando ganhos salariais decorrentes do esforço individual, reduzem seu nível de dedicação ao trabalho.

Além disso, o setor público é monopolista na prestação de muitos serviços (infraestrutura urbana, policiamento, controle de poluição, justiça, etc.), logo não há o estímulo à eficiência gerada pela competição.

Alto custo de transação nas decisões públicas

Imaginemos que o parlamento está prestes a votar uma lei que autoriza um aumento de 0,5% na tarifa de telefonia. Uma empresa telefônica que fature, digamos, R$ 2 bilhões por ano, tem uma expectativa de ganho de R$ 10 milhões com a aprovação da lei. Para ela será lucrativo gastar, digamos, R$ 1 milhão em pagamento a lobistas para pressionar pela aprovação da lei. Além disso, como são poucas as empresas de telefonia operando no país, será fácil, para elas, juntarem-se para financiar o lobby em favor do projeto.

Olhemos, agora, o lado de um consumidor que gaste R$ 2 mil por ano em sua conta de telefone. Para ele, o custo adicional da aprovação da lei será de R$ 10. Vale a pena para ele fazer esforço e se mobilizar com vistas a economizar R$ 10? Quanto tempo e dinheiro ele irá gastar para conclamar os milhares de usuários de telefone a se organizarem para protestar em conjunto?

Ou seja, os lobbies em favor de interesses específicos, de grupos restritos, levam vantagem nas decisões políticas, pois têm menor custo de transação e maior resultado financeiro esperado nas decisões tomadas pelo governo; enquanto que, para a maioria que paga a conta, não vale a pena o custo de se mobilizar para brecar a demanda do lobby (o custo é dividido por todos e o benefício é concentrado).

Todos os grupos que conseguirem arcar com os custos de mobilização tendem a levar vantagem no processo de decisão política em detrimento do contribuinte: sindicatos de trabalhadores, movimentos de trabalhadores sem terra, federações empresariais, clubes de futebol, etc.

Um custo de transação adicional está na inércia das regras e na dificuldade para se alterar leis. A agenda do parlamento é congestionada e os projetos de lei devem esperar na fila a oportunidade para serem votados. Assim, um projeto de lei que revogue um privilégio injustificado de um grupo social pode simplesmente não ser aprovado porque o lobby dos beneficiários obtém sucesso em mantê-lo no final da fila.

Conclusões

As falhas de governo aqui apontadas não devem ser interpretadas como uma apologia ao estado mínimo, nem devem levar à falsa ideia de que as decisões de governo são sempre equivocadas ou enviesadas. É inconcebível, nas sociedades modernas, prescindir da ação estatal.

O que se pode concluir, após a constatação de que as “falhas de governo” existem e representam grandes distorções, custos e perda de bem-estar, é tentar minimizá-las. Isso pode ser feito de duas formas.

A primeira delas é sempre procurar questionar quais são os benefícios e custos de uma política estatal antes de implementá-la. A discussão acerca da oportunidade de se criar um novo programa público deve sempre buscar responder às seguintes questões: (a) qual é a falha de mercado que se está procurando resolver? (b) que falhas de governo podem vir a ser criadas pelo novo programa? (c) como minimizar as possíveis falhas de governo? (d) o risco de criar falhas de governo compensaa possível correção das falha de mercado que se pretende combater?

A segunda abordagem seria no sentido de reduzir o espaço para a ocorrência de falhas de governo, buscando-se:

  • transparência e prestação de contas pelas instituições públicas e imprensa livre;
  • entidades de controle externo (como o TCU, a Controladoria Geral da União ou o Conselho Nacional de Justiça) são instituições de supervisão cuja função é justamente induzir as instituições públicas a perseguir objetivos públicos, penalizando os agentes que buscam benefícios privados (sempre havendo o risco de que as próprias instituições de controle passem a ser utilizadas em favor dos interesses de quem as controla);
  • uma legislação que limite a prática do lobby;
  • regras eleitorais que reflitam o melhor possível as preferências do eleitor mediano e tornem as eleições baratas, evitando que os eleitos se tornem reféns de seus financiadores de campanha;
  • restrições ao gasto, à carga tributária, à dívida e ao déficit público, como as que estão estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, reduzem o espaço de manobra para aqueles que querem usar o orçamento público como veículo para interesses privados;
  • organização das carreiras do serviço público com incentivos ao esforço e ao mérito, como promoções por bom desempenho, minimização da influência política e regras salariais baseadas na remuneração do setor privado;
  • manter a economia aberta à competição externa, o que cria um clima de competição e menor espaço para criação de privilégios legais. Em uma economia aberta e competitiva, o governo não pode sobretaxar as empresas (sob pena de reduzir sua competitividade) o que limita o tamanho do estado; o judiciário é induzido a ser rápido e eficiente (para solucionar controvérsias comerciais sem demora); e sobra pouco espaço para políticas de subsídios a setores privilegiados.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.


[1] Se ordenarmos a população da menor para a maior renda, a renda mediana será a daquele indivíduo que se encontra exatamente na metade da lista.

[2] Não foi possível confirmar a autoria.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=510 7
Por que é importante investir em infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=31&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-investir-em-infraestrutura Wed, 09 Feb 2011 23:52:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=31 “Governar é construir estradas”. A afirmação de Washington Luís, Presidente do Brasil entre 1926-1930, procurava destacar a importância da infraestrutura de transportes para o desenvolvimento da economia: boas estradas reduzem o custo de transportes e, portanto, o preço final dos produtos, tornando-os mais acessíveis ao consumidor e mais competitivos com os concorrentes. Também permitem que cada região se especialize nas atividades econômicas para as quais tenham maior vocação (agricultura, pecuária, serviços, etc.), gerando ganhos de produtividade e qualidade para toda a economia. A redução do tempo de viagem entre duas cidades permite aumentar os laços econômicos e sociais (é possível morar em uma cidade e estudar, fazer compras e consultar médicos em outra cidade, por exemplo), o que aumenta o universo de escolha dos consumidores e a concorrência entre as empresas.

Obviamente quando se fala em infraestrutura não se está falando apenas em estradas. A construção de usinas hidrelétricas aumenta a oferta de energia no país e viabiliza a expansão das indústrias. Sistemas de irrigação facilitam a expansão da agricultura para terras antes consideradas impróprias para cultivo. Portos eficientes reduzem os custos das exportações aumentando a capacidade das empresas nacionais para vender seus produtos no exterior, o que aumenta o emprego no país.

Os investimentos em infraestrutura também podem ter importante impacto na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida da população de menor renda. Há um efeito direto de aumento da oferta de empregos e salários quando a economia cresce e se torna mais eficiente e competitiva. Mas há, também, um aumento no valor de mercado do patrimônio da população pobre quando a sua residência passa a ser servida por rede de esgoto, água e telefone. Da mesma forma, a propriedade rural passa a valer mais quando uma estrada facilita seu acesso à cidade mais próxima. A redução de incidência de doenças na população pobre, decorrente da expansão do saneamento básico, se reflete em aumento da capacidade de aprendizado escolar das crianças e da capacidade laboral dos adultos. Telefones e demais sistemas de comunicação eficientes e baratos permitem que pequenos negócios informais tenham custos operacionais baixos e possam crescer, pois se torna barato encontrar novos negócios (torna-se  mais fácil construir uma ponte entre comprador e vendedor). Além disso, uma comunicação melhor permite agilizar a pesquisa por matérias-primas de menor custo e aperfeiçoar as condições de negociação de venda de safra pelo pequeno produtor rural. Transportes urbanos rápidos e baratos dão liberdade para se optar por uma residência mais distante, com preços mais acessíveis.

Todas essas vantagens do investimento em infraestrutura podem se perder se os investimentos forem mal feitos, se os custos forem superfaturados, se o material utilizado nas obras for de má qualidade, se a infraestrutura construída não for submetida a periódica manutenção. Uma estrada que ligue o “nada” a “lugar algum” não terá efeitos positivos sobre a economia e representará desperdício de valiosos recursos públicos. Uma estrada esburacada não realizará todo seu potencial de reduzir custos e aproximar lugares distantes.

Outro problema relevante é a subordinação das decisões sobre que obras devem ser executadas aos interesses econômicos das empresas que fazem as obras. Não é difícil imaginar que um eficiente lobby convença gestores públicos a fazer um investimento que não seja prioritário ou necessário para a população, mas que seja lucrativo para os construtores e fornecedores. As possibilidades de corrupção também são grandes.

Para que os investimentos públicos em infraestrutura realizem todo seu potencial benéfico à população é preciso que o estado tenha capacidade técnica para planejar e monitorar investimentos (e evitar ficar a reboque de projetos apresentados por empreendedores privados, que têm interesse em lucrar com a execução do projeto e menor interesse na eficácia da infraestrutura quando esta estiver pronta). Também é fundamental que existam mecanismos de estado que promovam avaliações independentes dos projetos (por instituições de controle como o TCU e a Controladoria Geral da União), para que haja uma checagem dos projetos elaborados pelo governo. É importante que se tenha uma lei de licitações que garanta efetiva competição entre os candidatos a realizar a obra, evitando conluios e cartéis. Fiscalização das obras (qualidade do material empregado, cumprimento de prazo, correta execução dos projetos, etc.) é outro componente fundamental.

Falhas nesses quesitos fizeram com que os investimentos públicos em infraestrutura no Brasil muitas vezes aparecessem para a população como fonte de desperdício de recursos, perdendo apoio entre os eleitores. Por outro lado, a realização de políticas que geram benefícios mais imediatos aos eleitores, as chamadas “políticas sociais” (tais como o aumento do salário mínimo, a criação de ajuda financeira aos pobres e a expansão da quantidade e do valor das aposentadorias) mostraram ter importante impacto na popularidade dos políticos, facilitando sua eleição ou reeleição.

Junte-se a isso a necessidade de manter o equilíbrio das contas do governo, e tem-se uma situação em que a expansão dos gastos com as políticas sociais acaba levando à necessidade de se frear os investimentos em infraestrutura. Não se está aqui julgando que as políticas sociais são inapropriadas (este deve ser assunto de para outro texto analítico). Faz-se apenas a constatação de que o seu crescimento ocupou o espaço dos investimentos na composição da despesa pública.

Além disso, nos diversos episódios de crises nas contas do governo (motivada não só pela expansão das políticas sociais, mas também por expansão ineficiente da máquina pública), em que se fez necessário um corte abrupto de despesas, os investimentos em infraestrutura se tornaram o principal alvo dos cortes. É fácil entender os motivos. O primeiro motivo é que o corte de um único investimento de grande valor já gera significativa redução de despesas, enquanto que o corte de despesas correntes (salários, benefícios sociais, manutenção dos órgãos públicos, etc.) precisaria ser feito em diversos programas, para que a soma total equivalesse ao valor cortado no investimento. O segundo motivo é que há restrições legais ao corte de importantes despesas correntes (há limites para a demissão de pessoal, não se pode reduzir o valor dos vencimentos dos servidores, a constituição obriga a realização de um montante mínimo de gastos em saúde e educação, etc.). O terceiro motivo é que investimentos em infraestrutura são gastos que ainda não trouxeram um benefício concreto para a população – esse benefício somente se materializará quando a obra estiver completa. Já o corte de programas sociais traz um prejuízo imediatamente sentido pela população afetada e, por isso, é mais custoso politicamente. Daí a preferência pelo caminho mais fácil: adiar ou cancelar investimentos públicos em infraestrutura.

Como conseqüência desses fatores, o investimento público em infraestrutura no Brasil caiu de 3,6% do PIB no período 1981-1986 para 1,15% no período 2001-2006, de acordo com estudo de Calderón e Servén[1]. O mesmo estudo mostra que, em decorrência dessa redução de investimentos, o Brasil, na comparação com outros países emergentes, ficou para trás em termos de quantidade, qualidade e acesso da população a estradas, energia elétrica, telefones, internet, água e saneamento. A conseqüência é a perda de eficiência e competitividade da economia, com redução da possibilidade de crescimento econômico, de geração de emprego e renda e de redução da pobreza.

A reversão desse quadro desfavorável passa, em primeiro lugar, pela recuperação da capacidade do estado brasileiro para planejar e gerir investimentos públicos em infraestrutura, de acordo com os pontos já listados acima, desde a elaboração de um bom plano de investimentos até uma boa fiscalização de obras e adequada manutenção da infraestrutura já existente.

Quando a população passar a enxergar nos investimentos públicos de qualidade um efetivo caminho para melhorar sua qualidade de vida, haverá um natural arrefecimento da demanda por medidas imediatas de assistência social para alívio da pobreza e por aumentos salariais via elevação do salário mínimo. Fazer obras boas, úteis e necessárias obras voltará a dar votos.

Um segundo caminho para lidar com a falta de recursos públicos para financiar investimentos é recorrer aos investimentos privados em infraestrutura, tema que será abordado em outro texto.

Para ler mais sobre o tema:

Banco Mundial. Avaliação da gestão da eficiência do investimento público. Outubro de 2009. Disponível em http://www.njobs.com.br/2-seminario-orcamento/public/palestras.php –  painel 1, painelista Jim Brumby.

Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

Frischtak, C. O investimento em infraestrutura no Brasil: histórico recente e perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.  38, n. 2, ago 2008, p. 307-348.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

[1] Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

]]>