Gasto Público – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 24 Jun 2015 14:58:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Gastos pró-cíclicos e crise fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2542&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=gastos-pro-ciclicos-e-crise-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2542#comments Wed, 24 Jun 2015 14:58:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2542 Já é bastante conhecido o fato de que o orçamento das três esferas de governo é rígido e não comporta cortes substanciais. Isso decorre de: despesas mínimas obrigatórias em saúde e educação; regras previdenciárias que geram obrigações  líquidas, certas e crescentes; impossibilidade política de cortes substanciais em programas sociais; estabilidade dos servidores no emprego somada a outras vantagens remuneratórias garantidas em lei. Em 2014, essas despesas consumiram 89% da receita primária disponível do Governo Federal, como mostra a tabela. Nos governos estaduais e municipais o quadro é similar.

Principais itens de despesa primária em 2014 (% da Receita Líquida do Gov. Federal)

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Outro problema fiscal menos debatido é que as regras que determinam esses gastos são pró-cíclicas. Ou seja, induzem o crescimento da despesa pública nos períodos em que a economia e a arrecadação estão crescendo. Isso significa que em períodos de bom desempenho econômico, como 2004-2010, o crescimento do PIB e da receita obrigam, facilitam ou estimulam a expansão da despesa. Justamente no momento em que seria mais fácil poupar (expandindo o superávit), guardando reservas para enfrentar momentos futuros de menor crescimento, há um estímulo a gastar mais, impedindo-se tal poupança. Quando o ciclo econômico se reverte, as despesas estão altas e crescendo rapidamente.

O ajuste fiscal se impõe quando se esgota o ciclo de expansão. Nesse momento, ocorre uma desagradável coincidência entre receitas em queda e despesas no pico. O ajuste se torna mais duro, pois tem que ser feito sem a ajuda do crescimento do PIB, com as restrições aos gastos em programas sociais coincidindo com a alta do desemprego e queda da renda, como temos visto em 2015. A ação do governo, em vez de atenuar os ciclos econômicos, acaba por intensificá-los, gerando tensão política e social.

Vejamos quais são essas regras pró-cíclicas. Na educação, a União é obrigada a aplicar 18% da sua receita de impostos, com o percentual subindo para 25% nos estados e municípios. Isso é calculado em bases anuais: arrecadação subiu, a despesa tem que subir. Na saúde, a despesa dos estados e municípios deve ser de, no mínimo, 12% e 15% da receita de impostos, respectivamente. Mais uma vez: subiu receita, subiu gasto obrigatório. Pela Emenda Constitucional 86/15, a despesa mínima da União em saúde é de 15% da receita corrente líquida (RCL). A RCL é calculada em termos anuais  e, portanto, altamente influenciada pelo ciclo econômico.

Os limites máximos de despesa de pessoal e de endividamento, para os três níveis de governo, são fixados, na LRF e em resoluções do Senado, como proporções da RCL. Em momentos de boom econômico abre-se mais espaço para endividamento e os sindicatos ganham mais argumentos para pressionar por reajustes remuneratórios.

As transferências da União a estados e municípios, e dos estados aos municípios também são pró-cíclicas, pois são calculadas, mensalmente, como um percentual da arrecadação. Com a economia acelerada, transferências crescentes estimulam mais gastos.

O salário mínimo, que indexa os gastos da previdência e diversos programas sociais, é corrigido pelo PIB de dois anos antes. Em momentos de reversão do ciclo econômico, quando a economia começa a cair, o salário mínimo tem correções elevadas, herdadas do período de bonança, o que agrava a crise fiscal, em especial as contas da previdência e a folha de pagamento dos municípios.

A qualidade das políticas também é prejudicada por essas regras pró-cíclicas. Na fase ascendente do ciclo, constroem-se hospitais e universidades e contratam-se mais profissionais. Quando o ciclo se reverte, as verbas obrigatórias para saúde e educação caem junto com a arrecadação e não se consegue dar conta das despesas correntes necessárias para gerir as novas instalações criadas nos anos anteriores. O limite máximo de despesa de pessoal é atingido e não se consegue remunerar adequadamente o quadro (recentemente expandido) de profissionais.

Observe-se que nem a inflação pode contribuir significativamente para reduzir o caráter pró-cíclico dos gastos, pois tanto o salário mínimo quanto os gastos com saúde e educação variam direta ou indiretamente (via aumento da RCL) com o aumento de preços. Como esses gastos são reajustados pela inflação passada, somente uma aceleração inflacionária poderia aliviar as contas públicas (e, obviamente, criar milhões de outros problemas).

Uma proposta simples para começar a reverter esse problema seria a revisão do período de tempo usado para calcular a RCL. Em vez de calculada com base nos doze meses anteriores ao de referência, esta passaria a levar em conta um período mais longo de, por exemplo, 60 meses (com correção pela inflação). Isso englobaria um ciclo econômico completo e arrefeceria a oscilação nas regras e limites referenciados pela RCL.

O Gráfico mostra a receita primária do Governo Central, corrigida pelo IPCA, calculada como uma média de 12, 36 e 60 meses. Fica evidente que a ampliação do período de cálculo torna a série mais suave, evitando saltos nos valores dos limites máximos e mínimos de despesa.

Receita Primária do Governo Central (R$ bilhões de março de 2015)

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Posteriormente se poderia dar passo adicional, discutindo-se mudança similar no cálculo do montante de impostos vinculado aos gastos, nas regras de partilha constitucional e no salário mínimo. Não adianta propor sofisticados modelos de cálculo de déficit estrutural e fixação de meta fiscal levando-se em conta a fase do ciclo econômico, se não for possível, por motivos legais, obter maior poupança na fase positiva do ciclo. É preciso, primeiro, mudar as regras de determinação da despesa. Isso dará mais estabilidade fiscal e mais previsibilidade de verbas para os gestores públicos, com impactos positivos não apenas no equilíbrio das contas, como na qualidade do gasto.

(Artigo publicado no Valor Econômico, em 19/6/2015)

 

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As Finanças Públicas do Governo de Pernambuco no Período Recente e o Processo de Ajuste em 2015 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2504&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-financas-publicas-do-governo-de-pernambuco-no-periodo-recente-e-o-processo-de-ajuste-em-2015 Mon, 11 May 2015 13:05:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2504 Recentemente publiquei neste blog uma análise agregada das contas fiscais dos estados. O presente texto faz avaliação similar, focada no Estado de Pernambuco. Mostro que esse Estado seguiu a mesma rota de deterioração fiscal observada para a média dos estados e que ele já iniciou o processo de ajuste em 2015, com forte redução das despesas de investimentos.

A preços de 2014 (descontando a inflação), o Estado saiu de uma posição fiscal poupadora (superávit) de R$ 280 milhões em 2010 para o registro de um déficit de R$ 2,1 bilhões em 2014.

Gráfico 1: Superávit Primário em R$ bilhões de 2014

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Essa deterioração fiscal ocorreu pela combinação de menor dinamismo das receitas (crescimento médio real anual de 5,9%), principalmente de transferências do Governo Federal, combinada com a manutenção do crescimento das despesas em patamar mais elevado (crescimento médio real de 6,9%).

Ocorreu uma péssima combinação de deterioração do balanço fiscal do governo de superavitário para deficitário, elevação da carga tributária sobre a sociedade (crescimento das receitas tributárias em 7,1% a.a., em comparação com a previsão de crescimento do PIB Estadual médio anual de 4,4% a.a.) e piora do perfil do gasto público.

Em relação às receitas primárias do estado, pode-se observar a perda de participação das receitas de transferências do Governo Federal. O crescimento médio real das receitas de transferências foi de 3,6% a.a. entre 2010 e 2014, ante crescimento de 9,9% a.a. de 2006 a 2009. Esse comportamento também foi observado nos demais estados brasileiros e é justificado pelo menor repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE) do Governo Federal. O FPE é calculado como uma proporção do Imposto de Renda e Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Nesse período, o Governo Federal realizou uma série de desonerações tributárias com o IPI (exemplo: automóveis e eletrodomésticos) e, além disso, houve redução da base tributária para a arrecadação desse tributo devido ao menor dinamismo do mercado interno.

Gráfico 2: Receitas Primárias, participação em relação ao total, em %

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Em relação às despesas públicas, o primeiro fato importante a ser notado é o crescimento do tamanho do estado na economia pernambucana. As despesas públicas cresceram em média 6,9% a.a. no período de 2010 a 2014, ante crescimento médio estimado para o PIB do estado de 4,4% a.a.. As despesas primárias passaram de 98,8% do total das receitas primárias em 2010 para 107,8% em 2014, o que explica a deterioração da situação financeira do Estado.

O crescimento da participação do estado na economia não é necessariamente ruim. O estado pode ser um importante indutor do crescimento por meio da ampliação dos investimentos em infraestrutura ou em capital humano, com despesas na área de educação. Porém, nesse período analisado, não foi isso que parece ter ocorrido.

Ao analisar o montante das despesas primárias nas três grandes categorias do gasto público: pessoal, custeio e investimentos, observa-se que o componente que mais cresceu no período entre 2010 e 2014 foi a despesa de pessoal, em 5,6 p.p. do total arrecadado pelo estado. Entre 2010 e 2014, o custeio cresceu 4,2 p.p. do total arrecadado e os investimentos1 tiveram uma ligeira retração de 0,5 p.p., após ter atingido seu valor máximo em 2013, possivelmente com os preparativos para a Copa do Mundo.

Gráfico 3: Despesas Primárias, % do Total das Receitas Primárias

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Observa-se, no Gráfico 4, que as despesas na área de educação não cresceram sua participação no total arrecadado pelo Estado de Pernambuco. Em suma, apesar do observado aumento da participação das despesas públicas na economia pernambucana, esse aumento parece não ter sido alocado para os necessários investimentos em infraestrutura e em educação.

Gráfico 4: Despesas em Educação, em % do Total das Receitas Primárias

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Um comportamento observado em Pernambuco, que também ocorreu com os demais estados da federação, foi o aumento do endividamento para compensar a queda das receitas de transferências. O Governo Federal autorizou uma série de operações de crédito para diversos estados entre 2012 e 2014. Pernambuco utilizou esse espaço financeiro apenas parcialmente para expandir os investimentos. Apesar do salto das receitas fruto de endividamento de um patamar de 2,5% das Receitas Primárias em 2011 para uma média de 9,7% das Receitas Primárias entre 2012 e 2014, os investimentos cresceram de 12% em 2011 para uma média ligeiramente maior, de 13,5%. Ou seja, maior parte do espaço financeiro que o estado teve fruto do endividamento foi canalizado para despesas de pessoal, notadamente em 2014.

Gráfico 5: Receitas de Operações de Crédito, em % do Total das Receitas Primárias

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Gráfico 6: Poupança Corrente (Capacidade de Investir), em % das Receitas Primárias

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Outro indicador orçamentário importante para mensurar a capacidade de um ente da federação em ser um propulsor de desenvolvimento, por meio da expansão dos investimentos, é a poupança corrente. Esse indicador mede o quanto de receitas próprias (excluindo endividamento) sobra após o pagamento das despesas obrigatórias (por exemplo, pessoal e custeio) para investir. Pelo Gráfico 6, observa-se que a poupança corrente do Estado apresentou forte deterioração, já que houve crescimento das despesas obrigatórias (com maior disponibilidade financeira pelo endividamento) e menor crescimento das receitas tributárias e de transferência. Ao final de 2014, o que sobra da arrecadação do estado para expandir investimentos, sem se endividar, é apenas 2,4% das receitas.

E temos um novo ciclo de ajuste fiscal iniciado em 2015…

O retrato da evolução das finanças públicas do Governo de Pernambuco é semelhante ao ocorrido na maior parte dos estados brasileiros. Observou-se, nos últimos 20 anos no Brasil, que o comportamento das finanças públicas é cíclico. Há períodos de bonança, quando os estados estão pouco endividados e a atividade econômica se aquece e, nesse momento, abre-se espaço fiscal para ampliar as despesas. O ideal seria que os estados pudessem “poupar” nesses períodos de bonança para enfrentar os períodos de “vacas magras” sem forte arrocho sobre as políticas públicas, notadamente os investimentos. Infelizmente, os ciclos políticos combinados com falta de planejamento fiscal de médio prazo inibem as instituições públicas agirem de forma mais eficiente para cumprir com os legítimos anseios da sociedade.

O que os últimos dados disponíveis de 2015 informam sobre o processo de ajuste fiscal implementado por Pernambuco? É possível ver pela Tabela 1 que o ciclo de ajuste já se iniciou e que ele segue o comportamento padrão que os demais entes do país adotam. Devido à alta rigidez orçamentária brasileira2, o saneamento das contas públicas passa necessariamente por medidas fiscais que trazem os efeitos mais perversos à economia, como a ampliação da carga tributária e corte nas despesas discricionárias, principalmente os investimentos públicos.

Observa-se o forte esforço fiscal que o Governo de Pernambuco implementou neste início do ano para restaurar as contas públicas. O superávit primário no primeiro bimestre de 2015 foi R$ 470 milhões superior ao mesmo período de 2014, um aumento de 63%. Essa poupança fiscal pode ser atribuída a 51% expansão das receitas de tributos e 49% pela redução das despesas. Em relação às despesas, destaca-se o forte corte sobre os investimentos públicos que caíram 68% em relação ao ano anterior. É importante também observar que as receitas de operações de crédito (endividamento) caíram bastante neste ano, com a tendência atual de restringir novas autorizações de endividamento para os Estados. Neste novo ciclo, haverá maior restrição financeira para a execução das despesas.

Tabela 1: Componentes do Resultado Primário, em R$ mil

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O processo de rigidez orçamentária (que explicado de uma forma simples, trata-se da falta de capacidade de cortar despesas do governo) é extremamente elevado no Brasil devido às regras obsoletas e ineficientes que regem o nosso serviço público. Essas regras prezam pela forma e pelo rito ao invés de buscar resultados concretos. Cria-se a cultura de que para ampliar ou melhorar as políticas públicas deve-se, necessariamente, contratar mais servidores e elevar custos, como se não houvesse ganhos de produtividade e redução de ineficiências no serviço público a serem perseguidas. Pobre do investimento público, que tanto a economia brasileira precisa para se modernizar e para crescer de forma sustentável no longo prazo, necessário para dar melhores condições de vida para a sociedade, mas que sempre é a opção escolhida para se fazer o ajuste fiscal.

* Os dados levantados neste estudo foram extraídos do Relatório Resumido de Execução Orçamentária do Estado de Pernambuco.

___________

1 Inclui-se na série de investimento as despesas também com inversões financeiras por se tratar da mesma natureza.
2 Cita-se como referência artigo “House of Cards e o Brasil” no Valor Econômico do dia 17/4/2015, em http://www.portalvalor.com.br/opiniao/4011216/house-cards-e-o-brasil

 

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O Governo Federal gasta pouco com educação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2478&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-governo-federal-gasta-pouco-com-educacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2478#comments Mon, 20 Apr 2015 14:04:26 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2478 1. Os números

A área de educação foi bastante privilegiada em termos de alocação de recursos federais na última década. A Tabela 1 mostra a evolução do gasto federal como proporção da receita líquida, dividindo-o em grandes grupos de despesa1. Percebe-se que, à exceção da despesa de pessoal, todos os demais itens ali retratados tiveram forte expansão e passaram a consumir parcelas crescentes dos recursos orçamentários disponíveis. A educação desponta como o item de despesa que mais cresceu. Em 2004 os desembolsos para o setor equivaliam a 4% da receita líquida do Tesouro, tendo passado a 9,3% em 2014. Um salto nada desprezível de 130%.

Tabela 1 – Diversos Itens de Despesa do Governo Federal: 2004 a 2014 (% da Receita Líquida do Tesouro Nacional)

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O Gráfico 1 mostra a evolução da despesa federal em educação em reais (corrigidos pela inflação para valores de 20142) e em porcentagem do PIB3. Nota-se que, de fato, a despesa quase quadruplicou no período em termos reais, passando de R$ 24,5 bilhões em 2004 para R$ 94,2 bilhões em 2014, o que equivale a 1,71% do PIB (em proporção do PIB o aumento foi de 2,3 vezes).

Gráfico 1 – Despesa do Governo Federal na Função Educação: 2004 a 2014 (R$ Bilhões de 2014 e % do PIB)

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Essa despesa superou o montante mínimo de despesa obrigatória em educação. De acordo com o art. 212 da Constituição, a União deve aplicar, no mínimo, 18% de sua receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. O Gráfico 2 mostra que ao longo de toda a década analisada o gasto superou esse patamar mínimo. Em especial, nos últimos três anos da série o gasto superou bastante o limite. Somente nos três últimos anos da série (2012-2014) a União gastou R$ 43,1 bilhões acima do limite mínimo (uma média de R$ 14,4 bilhões a mais por ano), conforme retrata a Tabela 2.

Gráfico 2 – Despesa do Governo Federal com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino: 2004 a 2014 (% da Receita de Impostos)

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Tabela 2 – Valor Mínimo Constitucional e Valor Efetivamente Gasto em Educação pelo Governo Federal: 2012 a 2014

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Abrindo-se a despesa nos tradicionais “grupos de natureza da despesa” (GND) temos o quadro mostrado na Tabela 3. Houve grande impulso nos investimentos e inversões financeiras (em especial, o Programa FIES, analisado adiante) que cresceram mais de 1.000% em termos reais no período. Os gastos com pessoal e outras despesas correntes que, em termos absolutos, representam mais de 70% da despesa total, também cresceram bastante.

Tabela 3 – Despesa do Governo Federal em Educação por Grupo de Natureza da Despesa: 2004 a 2014

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A Tabela 4 mostra o gasto em maior detalhe. Nela separou-se toda a despesa de pessoal das demais despesas, classificando-se essas últimas de acordo com ações orçamentárias agrupadas por grandes temas. O maior destaque fica para a expansão do financiamento para estudantes de ensino superior matriculados em escolas privadas. Esse programa, conhecido como “Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)”, já é o maior item de desembolso federal em educação, a exceção dos gastos em pessoal. Consumiu R$ 13,8 bilhões em 2014, o que representa um crescimento real de 1.100% em relação às cifras de 2004. Sozinho já representa 15% de toda a despesa federal em educação.

Tabela 4 – Despesa do Governo Federal em Educação em Pessoal e Encargos Sociais e em Grupos de Ações nas Demais GND: 2004 a 2014 (R$ Bilhões de 2014)

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É verdade que o FIES não é exatamente uma despesa, mas sim uma “inversão financeira”, ou seja, um empréstimo que o Governo Federal faz aos estudantes, e que deverá ser quitado por eles no futuro. Assim, a despesa atual (que corresponde ao total desembolsado pelo governo, a cada ano, com o pagamento das mensalidades escolares dos beneficiários) tem como contrapartida uma receita futura, sob a forma de quitação dos débitos pelos estudantes. Mas também é verdade que os juros reais cobrados nessa linha de financiamento são negativos, e não há no orçamento qualquer rubrica para registrar os subsídios creditícios daí decorrentes (o que acaba por subestimar a despesa). Ademais, é alta a perspectiva de inadimplência, visto que os mecanismos de aval e fiança utilizados nessa modalidade de crédito estudantil foram bastante flexibilizados nos últimos anos.

Ainda que no futuro haja o repagamento de parte desses empréstimos, melhorando a situação patrimonial do governo, o impacto imediato sobre a demanda agregada (e portanto, sobre a inflação) ocorre como se esta fosse uma despesa como qualquer outra. Por fim, deve-se considerar que mesmo excluindo-se os desembolsos do FIES (vide última linha da Tabela 4) tem-se um crescimento real de 245% da despesa com educação.

Outro item que chama atenção na Tabela 4 é a despesa da União com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Esse fundo tem por objetivo complementar o financiamento do ensino fundamental, da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos; que são providos pelos estados e municípios. O FUNDEB4 substituiu, em 2006, o FUNDEF que se restringia ao financiamento do ensino fundamental (1º ao 9º ano), expandindo os valores que a União fica obrigada a transferir a estados e municípios.

A Tabela 5 apresenta, em maior detalhe, a impressionante escalada dos desembolsos com o FIES e com o FUNDEF/FUNDEB. No caso do FUNDEF/FUNDEB percebe-se o grande salto na despesa no ano de 2007, quando as novas regras, instituídas com a aprovação do FUNDEB no ano anterior, passaram a ter impacto financeiro. Já o FIES deslanchou a partir de 2010, quando foi reduzida a taxa de juros do financiamento e facilitado o acesso ao crédito concedido pelo programa.

Tabela 5 – Despesa do Governo Federal em Educação com FIES e FUDEF/FUNDEB: 2004 a 2014

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O terceiro item de forte expansão do gasto, registrado na Tabela 4, refere-se ao setor de educação profissional e tecnológica. De fato, o Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) teve grande destaque nos debates eleitorais de 2014, evidenciando sua importância como prioridade de governo. As despesas nessa área subiram 1.533% em termos reais entre 2004 e 2014, alcançando R$ 7,1 bilhões no último ano da série.

Ainda entre os grandes itens de despesa mostrados na Tabela 4, destaca-se o funcionamento e investimento em universidades federais. Entre 2003 e 2014 foram criadas nada menos que 18 novas universidades federais. As universidades já existentes, por sua vez, ampliaram fortemente o número de vagas e expandiram suas instalações físicas. Com isso, chegou-se a 2014 com gastos no setor da ordem de R$ 8,8 bilhões, mais que o triplo, em termos reais, que o gasto em 2004.

Note-se a inércia que se cria no gasto público ao se fazer investimento pesado na criação ou expansão de universidades. Isso requererá mais gastos correntes no futuro, com a contratação de professores e funcionários, bem como com a aquisição de equipamentos e manutenção das instalações.

Chama atenção, também, a expansão da despesa com bolsas de estudo para o ensino superior, com expansão real de 562% no período, atingindo R$ 5,1 bilhões em 2014. Além das concessões regulares de bolsas para mestrado e doutorado, essa rubrica inclui o Programa Ciência sem Fronteiras, que passou a incluir os alunos de graduação entre os elegíveis a bolsas de estudos no exterior, antes restrita aos mestrandos e doutorandos.

Esses dados não contam toda a história dos dispêndios federais em educação. Há, ainda, os chamados “gastos tributários”, que representam as políticas públicas que, em vez de serem custeadas por gastos do Tesouro, o são por isenções e desonerações tributárias5. A Tabela 6 apresenta as estimativas da Receita Federal para esses gastos tributários. Percebe-se um forte aumento real de 324%, com os valores de 2014 atingindo R$ 8 bilhões. Os principais itens são os descontos com despesas em educação no Imposto de Renda e a isenção tributária concedida a instituições de ensino consideradas como sendo “sem fins lucrativos”. Os aumentos reais nesses dois itens decorrem, provavelmente, da própria expansão do acesso ao ensino privado decorrente das políticas do MEC e da elevação da renda da população.

Tabela 6 – Gastos Tributários do Governo Federal na Área da Educação: 2004 e 2014 (R$ Milhões de 2014)

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Deve-se chamar atenção para o terceiro item da lista, que é o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que não existia em 2004 e que, em 2014, consumiu R$ 601 milhões em benefícios tributários. O PROUNI consiste em aquisição de vagas em universidades privadas para alunos de baixa renda, por meio de concessão de benefícios fiscais.

A Tabela 7 consolida os gastos registrados no Orçamento Geral da União (Tabela 4)  com os gastos tributários (Tabela 6), indicando um dispêndio total em 2014 de R$ 102,2 bilhões. Um incremento real de 288% em relação ao ano de 2004.

Tabela 7 – Despesas do Orçamento Geral da União e Gastos Tributários do Governo Federal na Área da Educação: 2004 e 2014 (R$ Milhões de 2014)

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2. O que significam esses números?

Tal expansão de gastos pode ser considerada algo muito positivo para o país, se os programas nos quais o dinheiro está sendo aplicado efetivamente derem retornos à sociedade em termos de melhor qualificação da população, aumento de produtividade, ganhos de renda, redução das desigualdades de oportunidade, etc. Por outro lado, pode representar um aumento de custos sem retorno social se os programas federais voltados à educação forem ineficientes. Nesse caso, a sociedade estaria pagando mais impostos para custear serviços que não lhes dão o esperado retorno.

Em que situação estamos? Não é fácil dizer, porque são muito escassos no país os estudos de avaliação de programas públicos, tanto ex-ante, para definir a necessidade de criação de uma nova política; quanto ex-post, para checar se tal política está gerando os resultados desejados e para comparar seus custos a seus benefícios. As ações parecem decorrer de pressões políticas e impressões superficiais acerca da importância desse ou daquele tipo de programa.

Tomemos como exemplo o FIES. Em apenas quatro anos, entre 2010 e 2014, os gastos com o programa cresceram de R$ 1,2 bilhão para R$ 13,8 bilhões. Multiplicaram-se os alunos e as escolas privadas financiadas pelo programa. Várias dessas escolas viraram potências empresariais, com ações em bolsa de valores, financiadas principalmente pelos recursos do programa. Tudo isso sem que tenham sido respondidas questões básicas (também aplicáveis ao PROUNI), tais como:

  • Os cursos feitos pelos alunos financiados têm qualidade mínima, de modo que o gasto no seu financiamento retornará à sociedade no futuro, sob a forma de profissionais qualificados?
  • Os alunos selecionados para receber o financiamento têm um padrão mínimo de desempenho acadêmico que dê garantias mínimas à sociedade de que aproveitarão o subsídio público que estão recebendo?

É alvissareira a sinalização recente do Governo Federal de que pretende criar alguns critérios de mérito na distribuição do benefício como, por exemplo, exigir uma nota mínima no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) aos alunos candidatos ao financiamento do FIES. Da mesma forma sinaliza-se a concentração do financiamento em cursos que cumpram requisitos mínimos de qualidade. Isso, contudo, não parece suficiente para chancelar o programa como sendo uma iniciativa de retorno positivo para a sociedade. É preciso que se avalie com muito mais rigor os potenciais ganhos e custos de um programa antes de multiplicar seus gastos.

Destaque-se que o MEC, quando avalia a qualidade do curso, leva em consideração somente aspectos objetivos da estrutura e corpo docente: número de laboratórios, bibliotecas, número de professores com doutorado, etc. Não é apresentada nenhuma estimativa do retorno obtido por alunos formados em determinado curso. Sem essa medida, torna-se muito difícil fazer qualquer avaliação de custo-benefício do curso que está sendo analisado.

O mesmo tipo de consideração pode se aplicar aos demais programas federais em educação. Que tipo de estudo considerou meritório promover rápida expansão das universidades federais? Fez-se alguma avaliação das vantagens naturais de cada cidade para abrigar cursos específicos (proximidade com segmentos econômicos que demandam mão de obra com qualificação específica, existência de um polo de pesquisas já consolidado na região, etc.)? Ou foram apenas criadas universidades públicas que oferecem cursos em todas as áreas, multiplicando-se um modelo que já mostra grandes problemas nas universidades já existentes? Não seria o caso de ampliar o financiamento das escolas bem avaliadas e bem sucedidas, fechando-se ou reduzindo-se aquelas de pior desempenho?

Ademais, os gestores das universidades públicas mais antigas constantemente reclamam de falta de verbas e más condições para o ensino e pesquisa. Não seria o caso de concentrar os investimentos na recuperação e melhoria das instituições já existentes, para evitar sua deterioração e perda de patrimônio público, antes de se criar novas universidades?

Quais os resultados efetivos trazidos pelo Programa Ciência sem Fronteiras? Seriam casos isolados, aqueles retratados por matérias jornalísticas dando conta de alunos sem preparo e sem conhecimento do idioma do país onde foram estudar? Os cursos de graduação no Brasil estariam tão defasados que, para formarmos profissionais com um mínimo de competência, temos de enviá-los para o exterior? Ou estaríamos financiando um grande número de estudantes sem maturidade para o trabalho científico? Pouco se sabe, pouco se avaliou.

Também pouco se conhece sobre o impacto positivo do PRONATEC na empregabilidade e renda de seus alunos depois de formados, ou sobre a adequação dos currículos dos cursos às exigências do mercado de trabalho.

O que temos, em suma, é uma aposta. Escolheram-se alguns programas para serem turbinados. Despejou-se soma considerável de recursos em cada um deles, sem uma adequada hierarquização de prioridades ou avaliação do impacto de cada um deles. Espera-se que, com sorte, eles tragam resultados no futuro.

É digno de nota que, com exceção do Fundeb, os maiores aumentos de gastos foram direcionados para as etapas finais do ensino – cursos técnicos e ensino superior. Uma reorientação de gastos, privilegiando as etapas iniciais da educação, provavelmente repercutiriam mais positivamente sobre a distribuição de renda e produtividade da mão de obra em geral. A Tabela 8, construída a partir dos dados da Tabela 4, mostra que (excluindo-se a despesa de pessoal e outros itens de despesa para os quais não é possível associar um nível específico de ensino) a destinação de verbas para os programas ligados ao ensino superior e profissional passaram de 55% para 63% da despesa, havendo uma contração da participação das verbas dedicadas à educação básica na despesa total.

Tabela 8 – Despesa do Governo Federal em Educação: programas voltados para ensino superior e profissional vs.programas voltados para educação básica: participação % no total

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Em um país sujeito a fortes restrições fiscais, essa não parece ser a melhor forma de gerenciar os serviços públicos. Talvez seja por isso que estejamos testemunhando a contradição entre um governo que gasta cada vez mais em educação (e em outras políticas públicas) e uma população cada vez mais insatisfeita com os serviços que recebe.

 

Esse texto foi originalmente publicado como Boletim Legislativo nº 26 da Consultoria Legislativa do Senado. O autor agradece os comentários e sugestões de Alexandre Rocha, Carlos Murilo de Carvalho, Paulo Springer de Freitas, Tatiana Britto, Fernando Álvares Correa Dias, Pedro Fernando Nery, Mansueto Almeida e ao corpo técnico do FNDE que prestou informações relevantes sobre o Programa FIES. Bruna Abra Paggiaro e o serviço de pesquisa de informações da Consultoria Legislativa do Senado auxiliaram no levantamento de informações. Os eventuais erros e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva do autor.

___________

1 O conceito de despesa utilizado ao longo de todo o texto é o de despesa paga mais restos a pagar pagos e inclui as inversões financeiras (GND 5).

2 A correção inflacionária é feita com base na variação do IPCA acumulado entre junho de cada ano e julho de 2014. Tal procedimento é usado em todos os deflacionamentos apresentados no texto.

3 Os dados de PIB utilizados neste texto já são aqueles divulgados pelo IBGE após recente revisão (março de 2015) da metodologia de contas nacionais.

4O FUNDEB foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, que vigorou de 1998 a 2006.

5 Definição precisa do conceito de gasto tributário utilizado pela Receita Federal pode ser obtida em seus relatórios anuais de demonstrativos de gastos tributários, disponível em http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/demonstrativos-dos-gastos-tributarios-dgt

 

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Qual o custo das políticas de desenvolvimento regional no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2283&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-o-custo-das-politicas-de-desenvolvimento-regional-no-brasil Mon, 08 Sep 2014 16:55:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2283 O elevado nível de desigualdades regionais no Brasil é amplamente reconhecido e tem sido discutido com relativa frequência pelo menos desde meados do século XX. Essas desigualdades – que têm se mostrado bastante resilientes ao longo do tempo – evidenciam-se, por exemplo, nos diferenciais de renda per capita entre as regiões. De acordo com os dados mais recentes, a região Nordeste, que concentra cerca de 28% da população do país, representa aproximadamente 13% do produto interno bruto (PIB). Isso significa que a renda per capita a região corresponde a menos de metade da média nacional.

PIB, população e PIB per capita, Brasil, unidades da federação e macrorregiões, 2011 e 2013

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Com base em diagnósticos dessa natureza, políticas de desenvolvimento com foco explícito em parcelas definidas do território nacional são adotadas no Brasil desde meados do século XX e foram consagradas na Constituição Federal de 1988. O fundamento para a adoção de políticas dessa natureza é que, na ausência de incentivos fiscais e financeiros e de investimentos em infraestrutura em regiões menos desenvolvidas, a atividade econômica tenderia a concentrar-se nas regiões onde a oferta de insumos e de mão de obra fosse mais abundante e o mercado de consumo fosse mais próximo e dinâmico. Esse processo circular e cumulativo pode ser interrompido se as políticas de desenvolvimento regional adotadas forem capazes de influenciar as decisões de investimentos para direcioná-los para as regiões menos desenvolvidas.

Apesar de se praticarem políticas de desenvolvimento regional no país há cerca de setenta anos, as estimativas de seus custos fiscais são escassas e dispersas. O objetivo deste texto é, portanto, estimar esses custos.

Os critérios adotados para que uma determinada rubrica de custo fosse incluída nos custos das políticas regionais adotadas no país foram:

  • Foco explícito em uma parcela predeterminada do território. Com isso, recursos destinados aos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), por exemplo, são considerados custo da política regional, mas políticas sociais que não têm, entre os requisitos para o acesso a seus recursos, foco em uma parcela predeterminada do território não são consideradas políticas regionais, ainda que, na prática, acabem destinando a maior parte de seus recursos para as regiões menos desenvolvidas. Esse é o caso, por exemplo, do programa Bolsa Família, cujos recursos são majoritariamente destinados às regiões menos desenvolvidas, mas apenas porque essas regiões concentram seus beneficiários (e não porque ocupam uma parcela predeterminada do território nacional). No caso dos investimentos, que, ainda que tenham um caráter regional explícito, não necessariamente se dirigem às regiões menos desenvolvidas, consideraram-se apenas os valores mais do que proporcionais à participação das regiões menos desenvolvidas no PIB.
  • Aplicação por jurisdição territorialmente maior. Na prática, isso quer dizer que os recursos alocados pela União para reduzir as desigualdades regionais entre as unidades da federação compõem os custos das políticas de desenvolvimento regional, mas os recursos alocados por um determinado governo estadual para promover o seu desenvolvimento – por meio, por exemplo, de restituição do ICMS para a atração ou a fixação de investimentos –, não foram incluídos nesses custos.
  • Caráter orçamentário. Esse critério excluiu dos custos, por exemplo, os recursos alocados pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) ao girar recursos de capitalizações feitas pelo Governo Federal no passado, mas permitiu a inclusão, por exemplo, dos desembolsos da União em favor de fundos voltados para a promoção do desenvolvimento regional.

Assim, as rubricas que compõem os custos das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil foram segmentadas em três grupos:

  • Incentivos fiscais, que incluem, por exemplo, os incentivos fiscais concedidos no âmbito da ZFM e para as empresas instaladas nas áreas de atuação das superintendências de desenvolvimento regional.
  • Incentivos financeiros, que envolvem os recursos orçamentários destinados aos fundos constitucionais de financiamento e aos fundos de desenvolvimento regional.
  • Investimentos, calculados com base no excedente dos investimentos dirigidos para as regiões menos desenvolvidas após se considerar a destinação “natural” (isto é, proporcional a sua participação no PIB) de recursos.

A tabela a seguir registra os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil em milhões de reais correntes entre 2009 e 2013.

Custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil (R$ milhões correntes),
2009 – 2013

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Fonte: elaboração do autor. (clique na tabela para ampliar)

Conforme indicado na tabela, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil alcançaram R$ 53,8 bilhões em 2013. Nesse mesmo ano, os repasses para o Programa Bolsa Família e para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) alcançaram R$ 24,9 bilhões e R$ 33,1 bilhões, respectivamente. Assim, a título de comparação, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional correspondem a mais do que o dobro do custo do Programa Bolsa Família e a mais de 90% do somatório dos custos dos dois principais programas de transferência de renda e assistência social do Governo Federal.

Os custos totais das políticas de desenvolvimento regional em 2013 resultaram da soma de incentivos fiscais (R$ 31,7 bilhões), incentivos financeiros (R$ 14,2 bilhões) e investimentos (R$ 8,0 bilhões). Ao se examinar o período entre 2009 e 2013, é possível constatar que os incentivos fiscais representavam em média 58,2% dos custos das políticas de desenvolvimento regional; os incentivos financeiros responderam por 25,0% desses custos e o restante (16,8%) adveio dos investimentos diretos. Esses dados revelam que os investimentos diretos (por exemplo, em infraestrutura) são bem menos representativos do que os incentivos fiscais e financeiros. Contudo, conforme assinala Oliveira Júnior (2011), “teorias recentes da área de economia regional […] enfatizam a necessidade de combinar incentivos para atrair empresas para regiões periféricas e investimentos em infraestrutura para reduzir custos de transporte. Essa combinação daria mais eficiência às políticas de desenvolvimento regional”.

Ao longo dos últimos cinco anos, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional mantiveram-se razoavelmente estáveis em relação ao PIB. A razoável estabilidade dessa relação indica, obviamente, que o crescimento real dos custos das políticas de desenvolvimento regional (deflacionadas pelo deflator implícito do PIB) tem acompanhado o crescimento real do PIB, que alcançou, no período entre 2009 e 2013, uma taxa média anual de 3,33%.

A região Norte concentra mais de 55% dos custos das políticas de desenvolvimento regional adotadas no país. Cerca de ¾ dos recursos destinados a essa região correspondem aos incentivos fiscais concedidos no âmbito da ZFM. A região Nordeste, por sua vez, absorve cerca de um terço dos recursos. Já a região Centro-Oeste recebeu pouco mais de 9% dos recursos. Uma vez que uma fração dos recursos destinados à região Nordeste atende também parte dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, a região Sudeste recebeu um percentual inferior a 2% dos recursos destinados a financiar as políticas de desenvolvimento regional no Brasil.

______________

Esse texto corresponde a um extrato de CAVALCANTE, L. R. Políticas de Desenvolvimento Regional no Brasil: uma estimativa de custos. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, setembro/2014 (Texto para Discussão nº 154). Disponível em: http://www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 2 set. 2014.

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Quanto gastam a Assembleia Legislativa e o TCE do seu Estado? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2238&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-gastam-a-assembleia-legislativa-e-o-tce-do-seu-estado Mon, 16 Jun 2014 16:04:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2238 Existe uma sensação generalizada de que as assembleias legislativas e os tribunais de contas estaduais consomem elevados recursos financeiros. Este texto avalia se isso de fato ocorre. Ademais, compara as despesas dos diferentes estados, de modo ressaltar os casos mais extremos.

A primeira constatação que se faz ao se buscar dados acerca das despesas anuais das assembleias e tribunais de contas estaduais é que falta transparência na divulgação de tais dados. Supostamente as informações deveriam estar disponíveis no sítio do Tesouro Nacional na internet, em um sistema de informação chamado “SISTN”1. Contudo, quando se solicitam as contas dos legislativos e tribunais de contas estaduais em tal sistema, a resposta quase sempre obtida é de que os dados estão indisponíveis.

A segunda opção de levantamento de dados é uma pesquisa na página de cada assembleia e cada TCE na internet. Os resultados também são pouco satisfatórios. Em vários estados, o máximo que se consegue é o valor orçado, não havendo dados para os gastos efetivamente empenhados ou liquidados.

Frente às dificuldades expostas, os dados apresentados a seguir podem não refletir fielmente a efetiva despesa de cada assembleia ou tribunal de contas. São, contudo, o melhor que se pôde obter.

A Tabela 1 mostra que o gasto total de assembleias e tribunais estaduais tem valores totais bastante relevantes. Em 2013 foram R$ 14,5 bilhões, sendo R$ 9,4 bilhões nas assembleias e R$ 5,1 bilhões nos tribunais.

Tabela 1 – Despesa Total de Assembleias Legislativas Estaduais e Tribunais de Contas Estaduais – 2013 (R$ milhões)

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Fontes: sites das assembleias e tribunais de contas na internet. Elaborado pelo autor. Notas: Foi utilizada a despesa orçada para os seguintes estados: AP, CE, MA, PR, RO, RR, e para o TCE do PA.  Foi utilizada a despesa liquidada para os seguintes estados: BA, ES, MT, PB. Para os demais casos utilizou-se a despesa empenhada.

 

Uma forma de detectar excessos nas despesas das assembleias e TCEs é verificar sua evolução ao longo do tempo. Para isso, é importante ter em conta que ambas as instituições realizam funções bastante padronizadas. As assembleias propõem e aprovam leis, bem como fiscalizam ações do Poder Executivo local. Os TCEs cumprem função fiscalizadora com atribuições definidas nas constituições federal e estaduais. Por isso, suas estruturas operacionais e seus gastos não precisam crescer, ao longo do tempo, acima da inflação. Uma vez montada a estrutura de funcionamento de uma casa legislativa ou de um TCE (construção de sede, aquisição de equipamentos, etc.), os anos seguintes exigirão apenas as despesas de funcionamento (salários, material de escritório, etc.) e de reposição dos ativos depreciados (troca de móveis, de veículos, etc.).

Isso é muito distinto, por exemplo, da ação de uma secretaria de saúde, que amplia o número de postos de atendimentos, constrói novos hospitais, expande a clientela atendida. Difere, também, da ação de uma secretaria de educação, que incorpora novos alunos, contrata novos professores. Também não se compara às despesas de uma secretaria de obras que, a cada ano, gasta um montante maior ou menor de recursos, em função do número e do porte das obras realizadas.

Quando uma assembleia ou um tribunal de contas aumenta, ano após ano, a sua despesa acima da inflação, isso significa que, provavelmente, ela está contratando mais funcionários, ou está concedendo aumentos reais aos funcionários e dirigentes, ou, ainda, está ampliando o seu gasto de consumo. Tais aumentos podem ser aceitáveis em alguns momentos. Por exemplo, uma assembleia que estava desestruturada, constrói uma nova sede ou repõe seu mobiliário. Ou, então, contrata assessores mais capacitados, que ganham salários maiores. Porém, não se deve imaginar como normal uma situação de crescimento real de despesa de assembleias e tribunais de contas ano após ano. No máximo se poderia esperar que a folha de salários cresça, em termos reais, no mesmo ritmo dos salários do setor privado.

Infelizmente a falta de informações disponíveis impede que se avalie a evolução das despesas totais de assembleias e TCEs ao longo do tempo. Há, contudo, um conjunto de informações disponibilizado pela Secretaria do Tesouro Nacional que ajuda nessa avaliação. Trata-se da despesa dos estados com a chamada “função legislativa”, que é distinta da despesa total de assembleias e TCEs.

De acordo com o Manual Técnico de Orçamento do Ministério do Planejamento, a “função legislativa” abarca todas as despesas das assembleias e TCEs em suas respectivas áreas fins. Diferem da despesa total de cada órgão por não considerar seus gastos com aposentadorias e pensões (classificadas na função “assistência e previdência”), bem como outras despesas como, por exemplo, planos de saúde para os servidores (classificadas na função “saúde”).

Deve-se utilizar essa estatística com cautela, afinal não se pode afirmar com segurança que todos os estados usem critérios similares para incluir ou excluir despesas em cada uma das diferentes funções. Feitas essas ressalvas, o Gráfico 1 mostra que o somatório de despesas legislativas no Brasil cresceu em termos reais, entre 2002 e 2012, nada menos que 47%, passando de R$ 7,9 bilhões para R$ 11,6 bilhões (em valores de 2012). Se supusermos que em 2002 o gasto desses órgãos era suficiente para o cumprimento de suas funções, não haveria motivos para, em 2012, eles se situarem em nível 47% mais alto. Destaque-se a título de comparação que, de acordo com o IBGE, o salário real médio entre março de 2002 e abril de 2014 para os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho aumentou em torno de 17%.

Gráfico 1 – Despesa de Todos os Estados com a Função Legislativa – 2002-2012 (R$ bilhões)

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Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional – Execução Orçamentária dos Estados. Elaborado pelo autor.

 

Note-se que um dos fatores de elevação vegetativa da despesa, que é o aumento de gastos com aposentadorias e pensões, está excluído do conceito de “despesa legislativa”.

O Gráfico 2 mostra a evolução da despesa legislativa por estado, entre 2002 e 2012. Somente o RJ reduziu a despesa em 2012 na comparação com 2002. Porém, como será visto adiante, o nível dos gastos da assembleia e TCE desse estado foram bastante elevados em 2013, de modo que a queda real ao longo do tempo indica que houve apenas corte de parte do excesso.

Gráfico 2 – Despesa com a Função Legislativa por Estado – variação real entre 2002 e 2012 (%)

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Fontes: Secretaria do Tesouro Nacional – Execução Orçamentária dos Estados. Elaborado pelo autor. Nota: deflacionado pelo IPCA.

 

Somente RJ, SP, ES e MG não tiveram crescimento real significativo do gasto. Em nove estados a despesa mais que dobrou. Em RR multiplicou-se por 3,2. Onde cresceu pouco, essa despesa variou 25% entre 2002 e 2012, o que ainda é um aumento considerável.

O Gráfico 3 mostra que as despesas das assembleias e tribunais de contas consomem parcela significativa das receitas dos estados. Em média, elas representam 4,1% da Receita Corrente Líquida (RCL). Em Roraima chegam a consumir 7,7% da RCL.

Gráfico 3 – Despesa Total das Assembleias e TCEs como proporção da Receita Corrente Líquida  – 2013 (%)

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Fontes: sites das assembleias e tribunais de contas na internet e STN. Elaborado pelo autor.

 

Uma forma de verificar se isso representa uma despesa elevada, é comparar com outras categorias de despesa. Tomamos, a título de exemplo, os gastos estaduais com investimentos. Esses gastos são importantes para a população, visto que representam a construção de estradas, infraestrutura urbana, sistemas de saneamento básico, etc. O Gráfico 4 mostra que, em média, os gastos das assembleias e TCEs em 2013 equivalem a quase a metade de tudo o que se gastou com investimentos em 20122. Em Goiás e no Rio Grande do Sul, os gastos com aqueles órgãos superam 80% do que se gasta em investimentos.

Gráfico 4 – Despesa Total das Assembleias e TCEs em 2013 como proporção da Despesa com Investimento em 2012 (%)

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Fontes: sites das assembleias e tribunais de contas na internet e STN. Elaborado pelo autor.

 

Conforme afirmado acima, tanto as assembleias quanto os TCEs fazem um trabalho padronizado, tendo as mesmas atribuições constitucionais e legais nos diferentes estados. Por isso não há motivos para que as despesas das diferentes casas legislativas e TCEs do país sejam muito distintas entre si. Todas elas têm um custo fixo representado pela manutenção de sua sede e um custo variável, decorrente das suas operações cotidianas.

No caso das assembleias, o custo variável tende a crescer com o número de deputados: quanto mais deputados, maior o número de assessores, gabinetes, etc. O que o Gráfico 5 mostra, contudo, é uma grande dispersão do gasto total dividido pelo número de deputados.  Enquanto no Acre esse indicador é de  R$ 4,7 milhões por deputado; no Rio de Janeiro essa cifra chega a R$ 15,9 milhões.

Gráfico 5 – Despesa Total das Assembleias por Deputado – 2013 (R$ milhões)

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Fontes: sites das assembleias na internet. Elaborado pelo autor.

 

É verdade que estados com maior PIB e maior arrecadação tendem a gastar um pouco mais com suas assembleias. Afinal, o processo legislativo torna-se mais complexo, exigindo assessoria e estrutura operacional mais qualificada e, portanto, mais cara.

Esse argumento, contudo, não é suficiente para explicar a alta despesa de RJ e MG. Afinal, São Paulo, mais populoso e com população maior e organização urbana e econômica mais complexas, gasta bem menos por deputado. Também não há justificativa para gastos por deputado tão altos em MT, DF e SC.

No caso dos TCEs não há, sequer, diferença no número de conselheiros entre estados, visto que o art. 75, parágrafo único, da Constituição Federal determina que todos eles devem ter sete conselheiros. Assim, o custo total de todos os TCEs deve ser bastante similar, o que faria com que os estados de menor receita gastassem uma parcela maior desta com o órgão. Ainda que se possa argumentar que estados com orçamentos maiores exigiriam auditorias mais complexas e mais caras, elas não seriam tão mais caras a ponto de, por exemplo, dobrar o custo de operação do TCE.

O Gráfico 6 mostra que o estado de maior receita (SP) tem, de fato, menor relação entre despesa do TCE e sua RCL. Contudo dois outros estados de alta RCL (MG e RJ) têm despesa muito maior como proporção da receita, ao passo que estados de menor receita, como CE e BA, figuram com baixa relação entre despesa do TCE e RCL. Ou seja, a grande dispersão mostrada pelo Gráfico 6 sugere que há estados que gastam com os seus TCEs muito acima do que seria exigido por uma operação eficiente desses órgãos. O MT, por exemplo, apresenta razão entre gastos e RCL equivalente ao dobro da média nacional.

Gráfico 6 – Despesa Total dos TCEs como proporção da Receita Corrente Líquida – 2013 (%)

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Fontes: sites dos TCEs na internet e STN. Elaborado pelo autor.

 

O Gráfico 7 mostra que os estados que têm alta relação entre despesa com TCE e RCL também tendem a ter alta relação entre gasto com a assembleia e a RCL. A correlação entre as duas variáveis é razoavelmente alta, equivalente a 0,45. Ou seja, parece haver uma decisão política, em cada estado, na qual alguns destinam muitos recursos para os dois órgãos, enquanto outros controlam mais fortemente ambas as despesas.

Gráfico 7 – Despesa Total das Assembléias e dos TCEs como proporção da Receita Corrente Líquida – 2013 (%)

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Fontes: sites dos TCEs e Assembleias na internet e STN. Elaborado pelo autor.

 

Há, portanto, evidências estatísticas de que as despesas das assembleias e tribunais de contas estaduais cresceu acima do necessário ao longo dos últimos anos, bem como de que, pelo menos em alguns estados, situa-se muito acima do necessário para financiar o adequado provimento dos serviços essenciais fornecidos por aqueles órgãos.

_________________

1 https://www.contaspublicas.caixa.gov.br/sistncon_internet/index.jsp
2 Não foi possível obter, de forma desagregada para todos os estados, dados para os investimentos em 2013.

 

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Como a Constituição afeta o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1996&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-constituicao-afeta-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1996#comments Wed, 09 Oct 2013 12:53:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1996 A transição democrática ancorada pela Constituição de 1988 representou a passagem de um modelo político fechado e centralizado, para uma democracia descentralizada.

Na arena política houve maior pressão por aumento dos gastos públicos. Era preciso recuperar os precários indicadores sociais herdados do governo militar e atender grupos organizados, que adquiriram capacidade de reivindicação no novo ambiente democrático. Ademais, a elite econômica foi capaz de manter os privilégios que adquiriu durante o governo militar, tais como financiamentos subsidiados junto a bancos públicos, estudo universitário gratuito, aposentadorias de alto valor em tenra idade.

No campo fiscal e tributário ampliou-se o poder do Congresso na definição do orçamento e o repasse de receitas aos estados e municípios.

A maior participação do Congresso no orçamento se fez de forma desequilibrada. Por um lado, os parlamentares têm interesse em aumentar a despesa, para conquistar votos. Por outro lado, a responsabilidade política (e o ônus eleitoral) pelo desequilíbrio fiscal recai sobre o Poder Executivo, responsável pelo controle da inflação. Daí o viés do Legislativo a favor de mais gastos.

A descentralização fiscal também estimulou o gasto público, além de levar à má alocação de recursos. Primeiro, porque os estados e municípios são financiados primordialmente por transferências federais. Dinheiro que “vem de fora”, e não sai do bolso do contribuinte local, induz baixa responsabilidade fiscal. Segundo porque as regras de transferências induziram a criação de pequenos municípios (e seus respectivos custos administrativos), sem escala mínima para operar de forma eficiente, apenas para receber transferências.

Recursos em excesso mandados aos pequenos municípios geraram falta de verbas nas metrópoles. Elas passaram a acumular graves problemas, sem ter verbas para enfrentá-los.

A maior autonomia dos estados na gestão do ICMS, por sua vez, gerou uma guerra fiscal em busca de atração de investimentos. Isso corrói a receita dos estados e aumenta a dependência de verbas federais.

Criou-se, então, um ambiente hostil ao crescimento econômico. Para financiar o gasto corrente crescente, ampliou-se a carga tributária e cortaram-se os investimentos em infraestrutura, além de se produzir aumento no déficit público. A carga tributária alta e complexa reduz a rentabilidade das empresas. Para fugir do fisco muitas empresas permanecem pequenas e informais, o que as torna menos produtivas. A falta de estradas, portos e aeroportos eleva os custos das empresas e impede o acesso a novos mercados no país e no exterior. O financiamento do déficit público drena poupança do país, que poderia estar sendo investida na expansão da produção.

O caos nos grandes centros urbanos gera perda de produtividade da indústria e dos serviços. A guerra fiscal gera insegurança jurídica às empresas e aos estados, devido às contestações judiciais que enseja. Além disso, os estados compensam a perda de receita gerada pelos incentivos com maior tributação sobre setores como energia elétrica e telefonia, o que se converte em altos custos de produção das empresas.

Ao atender demandas de todos os estratos sociais e níveis de governo, a nova constituição colocou panos quentes nos conflitos sociais e federativos, criando harmonia política necessária à consolidação da democracia. Também ajudou a reduzir a miséria e a desigualdade.

Todavia, criou travas ao crescimento que podem interromper a queda da desigualdade e, até mesmo, fraturar o sistema democrático, pois, enquanto a farinha do PIB escasseia, todos continuam querendo engrossar o seu pirão.

(Texto publicado com pequenas modificações na edição eletrônica da Folha de S. Paulo de 6/10/2013)

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Crescimento e desigualdade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1872&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=crescimento-e-desigualdade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1872#comments Wed, 05 Jun 2013 12:11:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1872 O Valor Econômico publicou recentemente caderno especial que discutiu os motivos do baixo crescimento do país. Os diagnósticos apontam, corretamente, para uma combinação de alto e crescente gasto público, tributação elevada e complexa, baixa escolaridade, economia excessivamente fechada, infraestrutura precária e juros elevados. Se essas causas do baixo crescimento estão claramente identificadas há bastante tempo, por que o país não foi capaz de encaminhar a solução dos problemas? Reclama-se há anos da infraestrutura e as estradas continuam no buraco; os economistas estão roucos de apontar os malefícios do gasto público excessivo, e ele continua a crescer. Reforma tributária simplesmente não acontece…

Essa aparente inércia decorre do fato de que as causas acima apontadas são, em grande medida, consequência de uma característica histórica da sociedade brasileira: a desigualdade de renda e de patrimônio. Uma sociedade desigual é tipicamente composta por uma grande maioria de pobres e um pequeno grupo muito rico. Após à transição para a democracia, em 1985, a classe política gradativamente percebeu que a maioria dos votos está entre os pobres: sem atender os interesses imediatos desse grupo não se ganha eleição. Daí a expansão do gasto público e a dificuldade em conter seu crescimento: aumentos reais para o salário-mínimo, expansão da aposentadoria rural, universalização da saúde, etc. Iniciou-se vigorosa “redistribuição para os pobres”.

Por outro lado, os muito ricos dispõem de poder financeiro para influenciar as decisões governamentais, de onde decorrem: proteção comercial para a indústria, crédito subsidiado para empresas escolhidas a dedo, políticas de desenvolvimento regional capturadas pelos ricos das regiões pobres, fundos de pensão de estatais prontos a financiar projetos “geniais” de pessoas bem conectadas, agências reguladoras frágeis que facilitam a vida dos grupos regulados. Essa “redistribuição para os ricos” também custa dinheiro e pressiona o gasto público e a dívida pública, além de impedir a livre concorrência e envenenar o ambiente de negócios.

Nos primeiros anos da nova era democrática, essas pressões redistributivas (em favor dos pobres e dos ricos) foram financiadas pela inflação. Quando o custo desta alternativa se tornou insuportável para a sociedade, foi possível fazer avanços institucionais que resultaram em maior controle fiscal e monetário. Mas a desigualdade continuou pressionando o gasto público. Para manter o equilíbrio fiscal foi preciso jogar a tributação para as alturas e abandonar os investimentos em infraestrutura (que geram ganhos para todos no longo prazo, mas não são prioridade de curto prazo para nenhum dos dois grupos situados nos extremos da distribuição de renda). Ainda assim persiste significativo déficit público, que drena a poupança da sociedade e pressiona a taxa de juros para cima.

As causas imediatas do baixo crescimento, listadas no primeiro parágrafo são, na verdade, as consequências do caminho que a sociedade brasileira encontrou para evitar que a

desigualdade levasse à instabilidade política: os pobres são atendidos e não se revoltam, os ricos são atendidos e deixam de sonhar com golpes de estado. E graças a isso já temos quase trinta anos de estabilidade democrática. A Constituição de 1988 é a segunda mais longeva da história da República, perdendo apenas para a Carta de 1891, que ficou 43 anos em vigor.

Porém, no meio do caminho há uma classe média que não se beneficia dos gastos direcionados para os ricos e para os pobres, e que está sufocada por impostos, má infraestrutura, juros elevados e por ambiente de negócios inóspito, sem espaço para empreender e prosperar.

As perspectivas de longo-prazo tornam-se medíocres, pois no longo-prazo só se muda de patamar de desenvolvimento através do crescimento da economia.

A notícia positiva é que a desigualdade aos poucos vem caindo, em boa medida devido às políticas de “redistribuição para os pobres”. É possível que em alguns anos a chamada nova classe média passe a pressionar menos por redistribuição pró-pobres; aumentando sua demanda por políticas que facilitem a prosperidade da iniciativa privada, o que criaria suporte político para o controle do gasto público, racionalização tributária, etc. Nesse caso, o baixo crescimento de hoje seria o preço a pagar pelo maior crescimento no futuro.

Há, contudo, o risco de que o redistributivismo atual (para ricos e pobres) persista por muito tempo, e que o país viva décadas de baixo crescimento, o que pode até mesmo romper a estabilidade política, pois muitos anos de estagnação fará o cobertor ficar curto para atender às demandas dos extremos da distribuição de renda, além de saturar a paciência da classe média, que paga a conta do atual modelo.

Para evitar esse cenário negativo, e facilitar o caminho do país em direção a maior crescimento e maior igualdade, é necessário dar prioridade a políticas redistributivas pró-pobres mais eficazes e de menor custo. Investimentos em saneamento básico e educação fundamental, por exemplo, são bons para os pobres e para o crescimento econômico ao mesmo tempo. Reajustes elevados para o salário-mínimo, por outro lado, reduzem a competitividade das empresas e pressionam os gastos públicos. É verdade que tais reajustes redistribuem renda para os mais pobres, mas a um custo muito mais alto do que outras políticas, como o Bolsa Família, que além de mais barata tem maior impacto redistributivo. Subsidiar universidades de qualidade duvidosa para os jovens pobres talvez não seja tão eficaz quanto gastar mais em ensino fundamental para crianças pobres.

Tão desafiador quanto reorientar a política de redistribuição para os pobres é conter a redistribuição para os ricos. Não é fácil extinguir privilégios e reformar instituições: justiça lenta e enviesada, feudos políticos dentro da administração pública, corporações viciadas em subsídios públicos. É preciso fortalecer a democracia e a transparência, para que tais políticas percam legitimidade. E continuar martelando a necessidade das reformas institucionais.

Os óbices que a desigualdade impõe ao desenvolvimento não são uma armadilha inescapável. O Chile tem uma história de desigualdade bastante semelhante à nossa, mas encontrou caminhos produtivos para lidar com ela e fortalecer conjuntamente a democracia e a economia. O Brasil precisa encontrar o seu próprio caminho.

(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico de 3 de junho de 2013.)

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O que é e para que serve a desvinculação de receitas da União (DRU)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-e-para-que-serve-a-desvinculacao-de-receitas-da-uniao-dru https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906#comments Mon, 05 Dec 2011 14:19:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=906 A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, quando da implementação do Plano Real. Os seus objetivos principais são:

a)     aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade;

b)    permitir a geração de superávit nas contas do governo, elemento fundamental para ajudar a controlar a inflação.

A necessidade de criação da DRU decorre de algumas regras estipuladas pela Constituição. A primeira delas é a divisão do orçamento do Governo Federal em duas partes: o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social. A seguridade social compreende as atividades do governo nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. As demais áreas têm seus gastos programados no orçamento fiscal.

Além de segmentar o orçamento em duas partes, a Constituição também segmentou as receitas que deveriam financiar cada um dos orçamentos. Para o orçamento da seguridade foram reservadas as chamadas “contribuições sociais”, que são tributos que incidem, principalmente, sobre a folha de pagamento das empresas, o lucro, o faturamento ou a receita[1]. São exemplos dessas contribuições: as contribuições para a previdência social, COFINS, CSLL e a extinta CPMF.

Para o orçamento fiscal ficaram os impostos tradicionais, como os impostos sobre renda, sobre produtos industrializados, sobre exportação e importação, as taxas e as contribuições econômicas como a Cide-combustíveis.

Ocorre que a Constituição também determinou que a maioria dos impostos deve ter sua receita repartida com os estados e municípios, enquanto as contribuições não estão sujeitas a tal partilha.

Quando o Governo Federal se viu na necessidade de elevar a arrecadação para promover uma redução do déficit público e poder pagar a elevada dívida pública, ele percebeu que estava em um beco sem saída.

Se elevasse os impostos, parte da receita arrecadada teria que ser dividida com estados e municípios, de modo que restaria apenas em torno de 50% da receita adicional nos cofres da União. Se elevasse as contribuições sociais, estas teriam que ser direcionadas para os gastos com saúde, assistência social e previdência, não havendo a possibilidade de se carrear a nova receita para o pagamento da dívida pública.

Foi aí que se criou a DRU, que nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social.

Isso abriu um caminho para que o Governo Federal promovesse forte elevação da tributação via contribuições sociais, que não precisavam ser divididas com estados e municípios e, graças à DRU, poderiam ser usadas para pagamento da dívida pública ou pagamento de outras despesas fora do orçamento da seguridade social.

De fato, a partir da introdução da DRU em 1994, podemos notar um crescimento da carga tributária, em sua maior parte decorrente da criação ou majoração das contribuições sociais, como mostrado no Gráfico 1.

A receita de impostos e taxas, integrante do orçamento fiscal, manteve-se no patamar de 6 a 8% do Produto Interno Bruto (PIB); já a receita de contribuições, em sua maior parte integrante do orçamento da seguridade social, passou de 8,1% do PIB, em 1995, para 12,9% em 2010.

A DRU trazia também outra vantagem. A Constituição não criou apenas a vinculação entre as receitas de contribuição e o orçamento da seguridade. Existe um grande número de outras vinculações. Por exemplo: os recursos arrecadados pelo PIS/PASEP devem ser entregues ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), 18% da receita de impostos devem ser gastas em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), as taxas cobradas por órgãos públicos em geral são vinculadas ao financiamento das despesas desses órgãos (por exemplo: taxa de serviços aeroportuários devem financiar o custeio da Infraero[2]).

As vinculações de receitas, somadas a gastos em boa medida incompressíveis – despesas com pessoal, benefícios previdenciários, serviço da dívida etc. –, dificultam a capacidade de o governo federal alocar recursos de acordo com suas prioridades sem trazer endividamento adicional para a União.

Com a DRU, 20% das vinculações caía por terra e o Governo ganhava mais flexibilidade para usar os recursos nas finalidades que considerasse necessárias.

O mecanismo, que era para ser provisório, foi renovado diversas vezes.

Contudo, como veremos adiante, a sua importância foi se reduzindo ao longo do tempo. Primeiro, porque as despesas da seguridade social, em especial da saúde e da previdência, cresceram fortemente. As despesas da previdência aumentaram muito devido aos seguidos reajustes do salário mínimo acima da inflação. Como o salário mínimo é referência para os benefícios previdenciários, a despesa da previdência cresceu muito[3].

As despesas com saúde cresceram devido à regra instituída pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que determinou que o gasto da saúde deve crescer no mesmo ritmo de crescimento do PIB. Como o PIB cresce acima da inflação, as despesas com saúde acompanham esse ritmo.

Se esses dois setores passaram a demandar cada vez mais dinheiro, passaram a sobrar menos recursos de contribuições sociais para serem remanejados para o pagamento de outras despesas e a amortização da dívida pública.

Outro fator que enfraqueceu o poder da DRU de gerar recursos para livre alocação é o exercício de pressão por parte dos grupos que se consideram prejudicados pelo mecanismo. A cada renovação da DRU a sua abrangência torna-se mais restrita.

FUNDAMENTO LEGAL

O mecanismo foi criado em 1994, com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE). Desde então, esse instrumento foi prorrogado, com algumas alterações, com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2007, foi aprovada pelo Congresso Nacional sua prorrogação, até 31 de dezembro de 2011, pela Emenda Constitucional (EC) nº 56, de 20 de dezembro de 2007.

O fundamento legal da DRU, atualmente em vigor, é a Emenda Constitucional nº 56, de 2007, que a prorrogou nos mesmos termos da EC nº 42, de 2003. O dispositivo desvinculou de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

Em 2011 o Poder Executivo encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 61, de 8 de junho de 2011, prorrogando mais uma vez a DRU, desta vez até 31 de dezembro de 2015. A proposta mantém a atual redação do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apenas prorrogando o seu prazo e atualizando a sua redação.

Comparando-se o texto atual da DRU com aquele vigente na sua primeira versão (FSE de 1994) percebe-se que foram excluídos do alcance da DRU as transferências aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios previstas na Constituição Federal[4] (ou seja, a desvinculação não afeta essas transferências constitucionais, de forma que estados, DF e municípios, nesses casos, não sofrem perdas com a DRU como sofriam com o FSE).

Por outro lado, foram incluídas as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) entre as receitas sujeitas à desvinculação. Com isso, a contribuição incidente sobre combustíveis (CIDE-Combustíveis) foi desvinculada, resultando em perdas para os estados e municípios[5]. Essa perda foi contornada com o aumento da participação dos governos subnacionais de 25% para 29% da receita da CIDE, por força da Emenda Constitucional nº 44, de 2004[6].

A versão atual da DRU também exclui da desvinculação a contribuição social do salário-educação, devida pelas empresas, ao financiamento do ensino fundamental público.

Em relação à desvinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, determinou a redução progressiva do percentual da DRU incidente sobre esses recursos. Assim, para efeito do cálculo dos recursos para MDE, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. Portanto, a partir deste ano, a DRU deixará de afetar as vinculações para MDE e, portanto, não mais implicará aumento dos recursos de livre alocação decorrente da desvinculação de impostos.

Por fim, as leis de diretrizes orçamentárias têm ressalvado da desvinculação as contribuições sociais do trabalhador e do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos, em observância ao disposto no inciso XI do art. 167 da Constituição Federal.

GASTOS SOCIAIS

A principal controvérsia suscitada pela desvinculação de recursos refere-se a seu possível efeito de reduzir os gastos sociais. Desde a aprovação do FSE, em 1994, essa polêmica é renovada a cada proposta de prorrogação do mecanismo. De um lado, a oposição em geral critica a desvinculação[7], pois defende o aumento dos gastos ditos sociais[8]. De outro, o governo federal, pelos motivos já apontados, defende a desvinculação.

Esse último busca negar o impacto negativo da DRU sobre os gastos da área social. Argumenta que não há redução de recursos destinados à previdência social, porque o gasto com aposentadorias e pensões é incompressível. Para responder a suspeitas de que a DRU desvia recursos de suas finalidades sociais, demonstra que, desde 1996 até 2010, as despesas nas áreas de saúde e educação vêm crescendo. Por fim, afirma que a DRU não implica elevação no montante de receitas disponíveis para o governo federal em detrimento dos estados e municípios.

De fato, as despesas com determinadas funções sociais do governo não deixaram de ser atendidas em decorrência da existência DRU, em especial, as despesas obrigatórias da seguridade social.

No entanto, a DRU evita que a disponibilidade de recursos vinculada ao orçamento da seguridade, em valores superiores àqueles necessários para cobrir os gastos determinados pelo reajuste do salário mínimo ou pelo crescimento do PIB, venha a gerar pressão política para expansão ainda mais acelerada dos gastos da seguridade. Com isso, a DRU impede a aceleração dos gastos e gera excedentes para a redução do déficit público e a amortização da dívida.

Impacto da DRU sobre o orçamento da seguridade social

Do ponto de vista do orçamento da seguridade social, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais acaba voltando para esse orçamento. Portanto, com o crescimento das despesas da seguridade, atualmente o Tesouro Nacional realiza aportes significativos, de forma que não se pode afirmar que a DRU implique perdas significativas para a seguridade social.

TABELA 1
SEGURIDADE SOCIAL – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
INSS 206.843
Cofins 107.974
Recursos Livres (Fonte 100) 37.626
CSLL 33.967
PIS-Pasep 17.179
CPSS – Patronal 12.681
Royalties do Petróleo 11.614
Recursos Próprios Financeiros 9.776
Outras 37.417
Total 475.075
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Dos R$ 46,6 bilhões desvinculados das contribuições sociais (vide Tabela 1), em sua quase totalidade receitas do orçamento da seguridade social, R$ 37,6 bilhões retornam como recursos de livre alocação (Fonte 100) para pagamento de despesas desse orçamento. Ou seja, a área da seguridade social cede recursos líquidos de cerca de R$ 8,9 bilhões, que poderiam expandir suas despesas.

TABELA 2
SEGURIDADE SOCIAL – DESVINCULAÇÕES E APORTES
R$ milhões
2006 2007 2008 2009 2010
1 Desvinculação de Contribuições Sociais¹ 34.175 38.908 39.570 39.176 46.557
2 Aporte de Recursos Livres (Fonte 100)² 14.532 20.395 31.208 37.132 37.626
3 Líquido (1-2) 19.643 18.513 8.362 2.045 8.931
4 Percentual (2/1) 43% 52% 79% 95% 81%
Fonte: Balanço Geral da União e SIAFI/Prodasen.
1: Não inclui multas, juros e dívida ativa.
2: Despesa liquidada.

Vemos na Tabela 2 que o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional ao orçamento da seguridade social tem aumentado nos últimos anos. Esses aportes passaram de R$ 14,5 bilhões, em 2006, para R$ 37,6 bilhões, em 2010, correspondentes a 43% e 81% da desvinculação de contribuições sociais. Isso mostra que os recursos desvinculados pela DRU, atualmente, retornam em sua maior parte para o orçamento da seguridade social. Esse fato é explicado pela expansão das despesas com benefícios previdenciários e assistenciais (especialmente devido a aumentos reais do salário mínimo), e pelo aumento dos gastos na área de saúde (vinculados ao crescimento do PIB).

Em 2009, especificamente, o menor crescimento do PIB e das receitas tributárias levou a que o Tesouro Nacional realizasse aporte de recursos ordinários quase equivalente à desvinculação de contribuições sociais.

Impacto da DRU sobre as despesas com educação

Cabe esclarecer que não existe maneira inquestionável de aferir até que ponto a desvinculação impõe diminuição de recursos a órgão, fundo ou despesa. Isso só seria possível se apenas uma fonte de recursos financiasse cada ação de governo ou órgão. Se, ao contrário, retiram-se recursos de fontes vinculadas, mas se aportam montantes de outras fontes, como dizer se essas outras fontes estariam presentes caso não tivesse havido a desvinculação?

Para efeito do cálculo dos recursos para MDE, por força da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. A tabela abaixo mostra o efeito da DRU sobre os recursos destinados à MDE:

TABELA 3
REDUÇÃO DE RECURSOS VINCULADOS A MDE – 2008 a 2011
R$ milhões
2008 2009 2010 2011¹
Percentual de Desvinculação (A) 20,0% 12,5% 5,0% 0,0%
Receita de Impostos (B) 256.147 244.071 280.141 347.713
Desvinculação (C) = (B)*(A) 51.229 30.509 14.007 0
Redução de Recursos de MDE (D)=18%*(C) 9.221 5.492 2.521 0
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
1: Lei Orçamentária para 2011

Vê-se que a redução de recursos destinados à MDE decresce de R$ 9,2 bilhões, em 2008, quando o percentual de desvinculação era de 20%, e passa a ser nulo a partir de 2011. Cabe considerar que a PEC nº 61, de 2011, que propõe nova prorrogação da DRU, mantém explicitamente o fim da desvinculação desses recursos, em consonância com a EC nº 59, de 2009.

No entanto, a área de educação como um todo é custeada por diversas fontes de recursos. Assim, um aumento dos recursos vinculados para MDE poderia ser simplesmente compensado pela diminuição de recursos livres e outros. Portanto, a conclusão de que a área de educação perde com a desvinculação (ou ganha com o fim desta), embora aparentemente evidente, não é necessariamente correta.

TABELA 4
FUNÇÃO EDUCAÇÃO – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
Recursos Vinculados a MDE 26.911
Recursos Livres (Fonte 100) 10.791
Salário-Educação 4.725
Outras 6.018
Total 48.446
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Em 2010, por exemplo, foram alocados recursos do Tesouro Nacional de R$ 10,8 bilhões na área de educação, face à redução de recursos destinados à MDE de apenas R$ 2,5 bilhões.

Impacto da DRU sobre o FAT

No caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ao contrário dos recursos da MDE, há efetivamente uma perda de recursos com a DRU. Isso ocorre porque o FAT é custeado, quase integralmente, por recursos próprios:

TABELA 5
FAT – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
PIS/Pasep 28.765
Recursos Próprios Financeiros 11.088
Recursos Livres (Fonte 100) 1.133
Outras 212
Total 41.198
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

As fontes de recursos do FAT são a arrecadação do PIS/Pasep e recursos financeiros próprios, constituídos pelo retorno dos financiamentos do BNDES. Esses recursos só podem ser aplicados no FAT. Ademais, o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional é pouco significativo, no valor de R$ 1,1 bilhão, bem inferior ao valor desvinculado da arrecadação do PIS/PASEP de R$ 8,0 bilhões.

Assim, a DRU efetivamente retira recursos que poderiam ser aplicados em ações do FAT ou em financiamentos do BNDES. Também cabe notar que parte das receitas do PIS/Pasep alimenta saldo positivo na conta única do Tesouro Nacional, não sendo efetivamente despendida.

CONCLUSÕES

São válidas as seguintes conclusões: (1) atualmente, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais retorna ao orçamento da seguridade social, de forma que a redução de seus recursos é hoje muito menos relevante que no passado; (2) não se pode afirmar que a área de educação tenha perdas de recursos e, a partir de 2011, não haverá mais desvinculação de recursos de MDE; (3) o FAT abre mão de recursos para gastos com o seguro-desemprego e outras ações a seu encargo e de seu patrimônio aplicado no BNDES.

A possibilidade de troca de fontes de recursos enfraquece o argumento de que a DRU reduz os gastos sociais: o que se retira por meio da DRU pode voltar para aquela área por meio de alocação de recursos orçamentários livres.

Ademais, cabe observar que os gastos da seguridade social não são determinados pela disponibilidade de recursos vinculados e, sim, pelas decisões de criação ou aumento de despesas públicas. Na área de educação, a criação de cargos e o aumento de sua remuneração determinam parte substancial da despesa. Em relação ao FAT, suas despesas dependem do valor do salário mínimo e das regras de concessão do seguro-desemprego.

Por outro lado, se não houvesse a DRU, a diferença entre a arrecadação total de contribuições sociais e a despesa total da seguridade geraria a impressão de que estaria “sobrando” dinheiro na seguridade, o que estimularia o aumento de gastos na área.

Esse raciocínio, contudo, não é correto. Como visto acima, o Governo Federal elevou fortemente a tributação por meio de contribuições sociais para gerar recursos não só para a seguridade, mas também para o financiamento do orçamento fiscal. O foco no aumento de contribuições, em vez de impostos, foi para evitar partilhar as receitas com estados e municípios.

Se a DRU for simplesmente extinta, e toda a receita de contribuições tiver que ser alocada no orçamento da seguridade, os R$ 9 bilhões que atualmente são transferidos liquidamente do orçamento da seguridade para o orçamento fiscal (vide Tabela 1) se converterão em gastos públicos, aumentando o déficit público e exigindo a elevação de impostos para o custeio das despesas do orçamento fiscal.

O mesmo ocorrerá com os R$ 7 bilhões líquidos que a DRU retira do FAT.

A extinção da DRU também retira do Governo a possibilidade de promover novas elevações de tributação via contribuições sociais nos momentos em que desejar reforçar o caixa da União.

Podemos concluir que a DRU ainda é necessária, embora talvez menos que no passado, devido à progressiva redução de sua base de cálculo.

As sucessivas prorrogações da DRU mostram a necessidade desse mecanismo, ainda que como alternativa a uma ampla reforma nas finanças públicas brasileiras. A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da sociedade, especialmente nas áreas de saúde, assistência e previdência social. Muitas dessas demandas assumiram a forma de vinculações de receitas a órgão, fundo ou despesa. A DRU surge como uma forma de reduzir essas vinculações, dada a dificuldade política de realizar uma reforma fiscal abrangente. Em visão mais ampla, a desvinculação representa um mecanismo para compatibilizar o arcabouço da Constituição de 1988 com a bem-sucedida estabilização econômica de 1994.

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Para ler mais sobre o tema:

Dias, F.A.C.(2011) Desvinculações de receitas da União, ainda necessárias? Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 103. Disponivel em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Vide art. 195 da Constituição.

[2] A respeito da arrecadação e despesas da Infraero ver, neste site, o texto As receitas da Infraero são suficientes para garantir aeroportos de boa qualidade?

[3] Para uma análise do impacto do salário mínimo sobre as despesas da previdência, ver neste site o texto O aumento do salário mínimo e dos benefícios a ele vinculados favorece ou dificulta a eliminação da miséria no Brasil?

[4] Conforme o § 1º do art. 76 do ADCT.

[5] Com essa alteração, também há perdas referentes a vinculações de menor importância, como a Cota-Parte Adicional do Frete para Renovação da Marinha Mercante e outras.

[6] Equivalente a 23,2% da receita integral.

[7] Não toda a oposição ou somente ela. Há membros da bancada da saúde e da educação tanto na oposição quanto na situação.

[8] Deve-se observar que nem sempre os gastos nas áreas de educação e previdência social favorecem as camadas mais pobres da população, o que torna o termo “gasto social” um tanto impreciso.

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Por que o governo gasta tanto com terceirização? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=746&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-gasta-tanto-com-terceirizacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=746#comments Mon, 26 Sep 2011 10:00:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=746 A chamada “terceirização” de mão-de-obra e serviços é uma ideia voltada tanto para a redução de custos quanto para o aumento da eficiência operacional das organizações, sejam elas públicas ou privadas.

Trata-se de contratar, junto a terceiros, serviços necessários ao dia-a-dia da organização, mas que não dizem respeito às suas áreas-fins. Em geral terceirizam-se os serviços de: conservação, limpeza, jardinagem, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações, manutenção de equipamentos.

Para os órgãos públicos a vantagem evidente, em termos de custos, é de não precisar dar estabilidade no emprego e outras vantagens do funcionalismo (gratificações, promoções por tempo de serviço, etc.) a profissionais que não exercem atividades típicas de governo. Em termos de eficiência, a vantagem está na possibilidade de rescindir o contrato de prestação de serviços com firmas que prestem serviços ruins, ou determinar à firma a substituição de profissionais que apresentem baixo rendimento, e de ganhar flexibilidade organizacional, à medida que atividades de apoio se tornem obsoletas com o passar do tempo.

Além disso, o órgão público, em tese, estaria livre de administrar toda essa mão-de-obra (folha de pagamentos, férias, obrigações patronais, controle de frequência, etc.), o que permitiria o enxugamento dos departamentos administrativos.

Não obstante essas vantagens, um dado curioso chama atenção: a despesa com terceirização tem crescido de forma acelerada. A tabela abaixo compara tal despesa com outros “elementos de despesa” do orçamento do governo federal. Nota-se que a despesa com terceirização cresceu 82% entre 2005 e 2010, uma taxa muito superior aos gastos fixos e variáveis com pessoal civil, aos gastos com material de consumo, com aposentadorias e com pensões.

Ainda que as despesas com terceirização apresentem valores absolutos muito mais modestos que as demais rubricas apresentadas na tabela, a forte taxa de crescimento merece análise. Afinal, se estiver ocorrendo alguma disfunção no processo de terceirização, então tanto a economicidade quanto a eficiência que ela promete entregar podem estar comprometidas.

Elementos de Despesa do Orçamento do Governo Federal: despesa empenhada em 2005 e 2010 (R$ milhões de 2010)

Fonte: Siafi. Sistema Siga Brasil
(*) Locação de mão-de-obra e outras despesas de pessoal decorrentes de contratos de terceirização.
Deflator: IPCA

Uma primeira causa para a expansão dos gastos com terceirização pode estar na tendência dos órgãos públicos em expandir excessivamente suas áreas-meio. Um comportamento típico do setor público é o de que, não havendo forte controle da direção do órgão público, induzindo a entidade a concentrar seus esforços em suas áreas-fim, tende a ocorrer a expansão de atividades de apoio, tais como centros de treinamento, atividades culturais e recreativas, relações públicas, comunicação social,  manutenção de departamentos cujos serviços se tornaram obsoletos tecnologicamente, etc[1].

Outra possível fonte de crescimento da despesa de terceirização é a ocupação de postos em áreas-fim da administração por trabalhadores terceirizados. Conhecido no jargão do Governo Federal como “terceirização ilegal”, esse fenômeno vem sendo reprimido pelo TCU, mas o próprio Tribunal tem limitações para checar se a prática tem sido abandonada ou não pelos órgãos públicos. Nesse caso estaria havendo uma substituição de despesa de pessoal efetivo por despesa com terceirizados.

Porém, o ponto central deste artigo é o fato de que os custos unitários dos contratos tradicionais de terceirização estão crescendo fortemente para o setor público, acima dos serviços similares prestados a empresas privadas.

A razão disso parece ser o fato de que, no setor público, há menos incentivos para conter custos e evitar desperdícios. Como já argumentado no texto “Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?“, publicado neste site, o administrador público usa um dinheiro que não é dele, para comprar bens e serviços que não serão usados por ele próprio. Nessa situação, não tem incentivos nem para buscar um menor preço de aquisição nem para exigir maior qualidade no serviço prestado.

Esse incentivo parece aplicar-se nos casos de contratos de terceirização. Para apresentar evidências nesse sentido, é preciso chamar atenção, primeiro, para o fato de que a quase totalidade dos custos envolvidos em contratos de terceirização diz respeito à remuneração da mão-de-obra contratada (os insumos utilizados na prestação dos serviços têm pequena participação no custo total dos contratos).

Em segundo lugar, deve-se atentar para o fato de que os pisos salariais fixados em convenções coletivas ou dissídios trabalhistas têm, praticamente, força de lei, em conformidade com o estabelecido no art. 7º, inciso XXVI da Constituição[2].

A ideia do legislador constitucional, ao estabelecer tal regra, foi a de garantir que as conquistas obtidas nas negociações trabalhistas sejam efetivamente reconhecidas, obrigando as empresas a pagar, no mínimo, o piso salarial de cada categoria.

Pressupõe-se que, em toda negociação salarial, há interesses opostos entre empresas e seus empregados: os empregados buscam aumentar ao máximo seus rendimentos e empregos e os patrões, para preservar sua margem de lucro, tentam conter o aumento da folha de pagamento.

Porém não é exatamente assim que as coisas acontecem nos contratos de terceirização. As firmas de prestação de serviços e locação de mão-de-obra têm suas remunerações baseadas em um percentual do custo total do serviço prestado. Isso significa que quanto maior o aumento da sua folha de pessoal, maior o percentual que as firmas receberão. Portanto, a negociação entre patrões e empregados, nesse setor, não se dá como em outras áreas da economia. Tanto os patrões quanto os empregados desejarão que a folha salarial seja a maior possível, pois todos ganham com isso.

O que pode limitar essa lógica de aumentar o máximo possível os salários é o fato de que os serviços terceirizados passem a ficar caros e as empresas e órgãos públicos passem a contratar quantidades menores de serviços terceirizados. Por exemplo: um aumento real muito expressivo nos salários de profissionais de limpeza levaria um shopping center a reduzir seu contrato, passando a usar 30 faxineiros em vez dos 50 que utilizava anteriormente.

A ameaça de redução do valor total do contrato faria com que as firmas de serviços terceirizados tivessem incentivos para conter as demandas salariais de seus empregados. De maneira simplificada, aumentos exagerados nos preços unitários poderiam redundar em reduções mais que proporcionais na receitas totais, pelo corte mais que proporcional nas quantidades contratadas.

No entanto, o setor público é menos ágil e tem menos incentivos para diminuir as quantidades contratadas frente a aumentos de custos. Além disso, os valores de contratos com o setor público são muito superiores aos dos contratos com empresas privadas. Isso incentiva as firmas de terceirização a relaxarem nas negociações salariais, pois essa postura aumenta seus ganhos e gera repasse de custos à administração pública.

É interessante comparar a evolução dos pisos salariais estabelecidos por convenções coletivas entre empresas e sindicatos de trabalhadores de serviços terceirizados[3] com as convenções coletivas relativas a trabalhadores que atuam tipicamente no setor privado. É interessante fazer essa comparação no âmbito do Distrito Federal, onde a administração pública tem peso significativo na economia. Para representar o grupo de trabalhadores do setor privado escolhemos a categoria dos comerciários, que atua tipicamente em estabelecimentos comerciais privados[4].

Esse tipo de comparação usa os empregados do setor privado como uma espécie de “grupo de controle”. As condições gerais do mercado de trabalho (ritmo de crescimento da economia, inflação, taxa de desemprego, etc.) são similares para os dois setores. O que houver de diferença na evolução dos salários dos dois setores é, muito provavelmente, decorrente de dinâmicas diferentes em cada um dos setores.

O gráfico abaixo mostra que, tomando o ano de 2003 como base, os salários das duas categorias evoluem de modo similar. No entanto, a partir de 2009 o piso salarial dos trabalhadores em serviços terceirizados dispara, ficando 16% acima do piso salarial dos comerciários.

Ou seja, desde 2009 o setor de serviços terceirizado, que no Distrito Federal atende principalmente o setor público, tem encontrado condições mais fáceis de reajuste salarial do que em uma atividade tipicamente privada, na qual as negociações salariais são “para valer”.

Gráfico 1 – Evolução nominal do piso salarial dos trabalhadores de serviços terceirizados no DF e dos trabalhadores do comércio do DF


Fontes: SEAC e Fecomércio

O gráfico acima analisou a taxa de variação dos salários no tempo. Há que se verificar, também, o nível dos salários. E nesse caso há evidências ainda mais claras de que o setor público paga caro nos serviços terceirizados. As empresas de terceirização, quando encontram espaço, conseguem discriminar o preço cobrado de clientes do setor privado e de clientes do setor público.

Detectamos dois casos em que essa discriminação de preços ocorre há muitos anos: serviços de vigilância e de bombeiros de brigadas de incêndio. No caso das convenções coletivas dos trabalhadores em vigilância no Distrito Federal, historicamente fixam-se pisos salariais maiores para os vigilantes que trabalham no Banco do Brasil (uma empresa controlada pelo governo) e no Banco Central (um órgão público). A tabela abaixo mostra que o Banco do Brasil paga 34% a mais que os bancos privados, enquanto o Banco Central paga 95% a mais.

Tabela 1 – Piso salarial de vigilantes no DF estabelecido em convenção coletiva para o período 2010/2011


Fontes: Sindicato dos Vigilantes do DF. www.sindesvdf.com.br

Consultamos gestores do Banco Central e do Banco do Brasil acerca dos motivos da diferença. A resposta das duas instituições foi basicamente a mesma: quando se decidiu desfazer o quadro próprio de vigilantes e passar  a adotar serviços terceirizados, o BB e o BACEN pagavam acima do mercado privado. Decidiram, então, manter os salários mais altos para não prejudicar os então empregados, também preservando todos os postos de trabalho[5].

Ou seja, as instituições públicas não atuaram no sentido de reduzir seus custos, priorizando outros objetivos: a manutenção do emprego e do salário em níveis superiores ao de minimização de custos (conta que, obviamente, é paga pelo contribuinte e, no caso do BB, também pelos acionistas privados).

Deve-se notar que um vigilante não exerce tarefas adicionais ou corre maior risco por trabalhar no BB do que, digamos, no Itaú ou no Santander; o mesmo raciocínio se aplicando para o Banco Central.

Os sindicatos de trabalhadores e os de empresas desse setor aproveitam essa brecha e praticam a chamada discriminação de preços. Para maximizar os empregos no setor privado – e a receita das empresas de terceirização –, fixam um piso menor para os vigilantes empregados por esse setor, pois há a ameaça de o setor privado retaliar reduzindo mais que proporcionalmente o contingente total contratado; e para maximizar salários – e as receitas das empresas de terceirização –, fixam um piso maior para as empresas públicas, onde praticamente não há ameaça de retaliação, já que não se prevê ameaça de redução do número de contratados, a despeito de aumentos de salário sensivelmente acima dos praticados no setor privado.

Fenômeno similar ocorre com a categoria de bombeiros profissionais do Distrito Federal, profissionais destacados para o trabalho de prevenção de incêndios em prédios. Sua convenção coletiva, firmada com o Sindicato de empresas de terceirização (SEAC), discrimina claramente dois tipos de contratantes dos serviços.

De um lado ficam os clientes do setor público: “órgãos da administração pública federal direta e indireta, empresas públicas, sociedades de economia mista, administração pública direta e indireta do distrito federal, empresas públicas, sociedades de economia mista”. De outro lado, os clientes do setor privado: “empresas privadas, condomínios, shoppings e congêneres”[6]

A tabela abaixo mostra a diferença de pisos salariais praticados para cada grupo: o setor público paga 53% mais caro por um bombeiro de nível básico e 66% mais caro por um bombeiro líder.

Tabela 2 – Piso salarial de bombeiros profissionais no DF estabelecido em convenção coletiva para o período 2010/2011


Fontes: SEAC

Em geral os administradores públicos responsáveis pelos contratos de terceirização argumentam que nada podem fazer pois, por determinação da Constituição, precisam obedecer às convenções coletivas e pagar os reajustes estabelecidos.

Há, inclusive, uma norma do Ministério do Planejamento determinando o efetivo e integral repasse dos reajustes salariais aos contratos de terceirização (Instrução Normativa nº 2, de 2008 – alterada pela IN nº 3, de 2009):

§ 4º A repactuação para reajuste do contrato em razão de novo acordo, dissídio ou convenção coletiva deve repassar integralmente o aumento de custos da mão-de-obra decorrente desses instrumentos.

Estará o setor público, por força da regra constitucional, impotente diante desse aparente conluio entre patrões e empregados de serviços terceirizados? Não necessariamente.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a  Lei de Licitações (Lei nº 8.666, de 1993) estipula, em seu art. 57, inciso II,  que a renovação de contratos de terceirização, mediante aditamento, sem a realização de nova licitação, deve ter por objetivo gerar preços e condições mais vantajosas para a administração. Há, espaço, portanto, para uma renegociação do contrato.

Isso pode ser feito mediante uma sinalização ou efetiva redução do valor total do contrato (com correspondente redução do serviço prestado). A Lei de Licitações fixa, no seu art. 65, § 1º [7], que a administração pública pode, a qualquer momento, e unilateralmente, reduzir em até 25% o valor de seus contratos. Portanto, uma forma de reagir a aumentos excessivos no custo de mão-de-obra embutido nos contratos terceirizados seria sinalizar aos prestadores que a reação a aumentos abusivos seria o corte no tamanho do contrato. Isso induziria as empresas a conter o valor dos reajustes salariais para não perder no valor total do contrato.

Mas para que essa atitude pró-ativa se torne realidade, é preciso que os gestores do setor público tenham incentivos a agir; não sendo trivial criar tais incentivos.

Alternativamente se poderia propor norma (legal ou infralegal) que proibisse a fixação de pisos salariais ou reajustes salariais diferenciados em função de o trabalhador prestar serviços ao setor público ou ao setor privado.

Outra opção no campo da legislação seria fixar que, no caso de serviços terceirizados, os reajustes dos contratos decorrentes de variação de custo de mão-de-obra não poderiam ser superiores a uma variação de uma cesta de salários praticados no setor privado, que passaria a ser tomada como referência. Tal medida não afetaria a soberania das convenções coletivas, uma vez que os salários ali fixados seriam pagos, mas a administração ficaria obrigada a reduzir o tamanho do contrato, com a consequente redução do número de trabalhadores prestando o serviço.

O problema de diferenciação salarial tratado neste texto é apenas um dos muitos problemas que envolvem os contratos de terceirização e que minam a capacidade desse instrumento para reduzir custos e aumentar eficiência administrativa.

Entre outros problemas pode-se apontar o fato de que há um conjunto de grandes empresas de terceirização com significativo poder de mercado, que tende a gerar práticas de cartel (o que poderia ser objeto de análise pelas autoridades responsáveis pela preservação da concorrência).

Outro problema decorre da intensa interação das empresas de terceirização com administradores públicos. Isso acaba por gerar práticas de reciprocidade que, embora vetadas pela legislação e pelos normativos do Ministério do Planejamento, tornam-se comuns, como a indicação, pelos dirigentes públicos, das pessoas que serão contratadas pelas firmas de terceirização.

A convivência dos terceirizados com os corredores do poder lhes dá espaço para reivindicar a manutenção de seus empregos junto a dirigentes políticos. Isso significa que os gestores dos contratos de terceirização perdem mais uma ferramenta de barganha: a ameaça de reduzir o tamanho dos contratos em caso de reajustes muito elevados nos valores dos salários.

Para piorar a situação, a justiça do trabalho, em sua  jurisprudência,  coloca o contratante de serviços terceirizados como responsável solidário pelo pagamento de direitos trabalhistas. Isso, por um lado, protege o trabalhador  mas, por outro, cria incentivos para que as empresas se tornem inadimplentes com relação a essas obrigações, como forma de forçar a administração pública a pagá-las. Não é incomum a prática de deixar uma empresa de terceirização quebrar, depois de ter recebido a quase totalidade dos pagamentos  feitos pelo setor público, deixando-se o “mico” trabalhista nas mãos do erário.

Por fim, vale registrar que boa parte da simplificação administrativa esperada com a terceirização acaba não ocorrendo. As regras impostas pelo Ministério do Planejamento e o temor dos administradores públicos quanto à possibilidade de as firmas lhes empurrarem custos trabalhistas acabam induzindo a criação de um controle administrativo paralelo. Assim, a administração pública acaba tendo que alocar pessoal para controlar os pagamentos de salários e auxílios (transporte, alimentação, etc.) aos terceirizados que lhes prestam serviços.

O resultado é um custo de terceirização elevado e crescente, pela fixação de remunerações acima daquelas que as leis do mercado estabeleceriam, pela manutenção de pessoal terceirizado acima do nível ótimo e pela manutenção de uma aparato administrativo interno de monitoramento de contratos de terceirização do qual, em um modelo racional, a administração pública deveria prescindir.

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[1] Sobre a dificuldade do setor público para conter seus custos e manter atividades com relação custo-benefício negativo ver, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?

[2] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

……………………………………………………………………..

XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

………………………………………………………………………

[3] Convenções coletivas entre o Sindicato dos empregados de empresas de asseio, conservação, trabalho temporário, prestação de serviço e serviços terceirizáveis do Distrito Federal (Sindiserviços) e o Sindicato de empresas de asseio, conservação, trabalhos temporários e serviços terceirizáveis do DF (SEAC). Disponível em www.seac-df.com.br

[4] Convenções coletivas entre a Federação do Comércio de Bens, Turismo e Serviço do Distrito Federal (FECOMERCIO) o o Sindicato dos Empregados no Comércio do DF (Sindicom). Disponível em www.fecomerciodf.com.br

[5] O técnico do Banco Central consultado a respeito adicionou, ainda, o argumento de que, eventualmente, um vigilante de prédio do Banco Central pode vir a ser requisitado a fazer escolta armada de valores e que, por isso, o Bacen paga ao vigilante de prédio remuneração igual à do vigilante de escolta armada, apesar da baixa probabilidade de que ele seja, efetivamente, requerido a fazer tal serviço.

[6] Convenção coletiva 2010/2011, SEAC-Sindbombeiros do DF, cláusula 3ª.

[7] Art. 65…………………………………………….

…………………………………………………………

1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

………………………………………………………………

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Por que a previdência social brasileira gasta tanto com o pagamento de pensões por morte? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=677&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-previdencia-social-brasileira-gasta-tanto-com-o-pagamento-de-pensoes-por-morte https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=677#comments Mon, 01 Aug 2011 14:16:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=677 Fato peculiar à previdência social brasileira é sua desigualdade, em termos relativos, bastante substancial para as pensões por morte que somam mais que o triplo, no que se refere à proporção do PIB, daquele observado em outros países.

O gráfico abaixo permite melhor visualização do exposto acima. A proporção dos gastos com pensões no produto do país é expressiva tanto para uma comparação com países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apresentam alta renda, como para os demais países de renda média ou baixa.

Gráfico 1

Fonte: Banco Mundial, Fontes Nacionais e MPS.

Necessita-se, portanto, identificar as razões da divergência dos indicadores referentes à quantidade de benefícios em relação ao padrão internacional.  A principal razão deste comportamento reside no conjunto de regras que permitem o recebimento das pensões por morte no Brasil por mais pessoas e por um maior número de anos, tal como exposto na Tabela 1.

Tabela 1

Comparativo das Condições de Elegibilidade às Pensões por Morte

Brasil e Resto do Mundo

Brasil Resto do Mundo
Carência de tempo contributivo do instituidor. Não há. Exigência de um período contributivo mínimo.
Estado Civil Não necessita ser casado. Exigência de um período mínimo de casamento ou união.
Idade Não há limite mínimo de idade. Restrições aos pensionistas mais jovens. Em especial, viúvas ou viúvos com menos de 45 anos de idade.
Novo matrimônio Pensão se mantém inalterada com contração de novo matrimônio. Pensão usualmente finda com novo casamento.

Como se observa, o Brasil dispõe de regras mais lenientes para a concessão de benefícios de pensão por morte em comparação com outros países. A não exigência de um período contributivo mínimo por parte do instituidor, assim como a possibilidade de receber pensão em qualquer idade, a ausência de necessidade de laço matrimonial ou mesmo a manutenção do benefício após novo casamento permitem que o número de beneficiários de pensão por morte no Brasil seja mais expressivo que noutras nações. Esses fatores explicam, ao menos parcialmente, o fato de o país despender com estes benefícios mais que o triplo da média internacional.

De modo equivalente, a fórmula de cálculo do benefício da pensão por morte é o segundo fator que torna os gastos deste benefício no Brasil bem superior à média internacional. A Tabela 2 apresenta o comparativo das regras do valor deste benefício.

Tabela 2

Comparativo das Fórmulas de Cálculo das Pensões por Morte

Brasil e Resto do Mundo

Brasil Resto do Mundo
Redução do valor da pensão caso o pensionista receba outro benefício ou salário. Não há redução. Há redução ou, em alguns casos, impossibilidade de acumular pensão com aposentadorias ou salários.
Influência da idade do pensionista no valor do benefício. Nenhuma. Usualmente pensionistas mais jovens recebem benefícios menores.
Influência do número de dependentes no valor da pensão por morte. Nenhuma. A reposição é sempre de 100% independente do número de cotistas da pensão. A taxa de reposição gira em 70% com habitual acréscimo de 10% por beneficiário, atingindo no máximo 100%.

As regras brasileiras também se diferenciam bastante no que se refere à fórmula de cálculo do benefício das pensões. Em primeiro lugar, estas sempre repõem 100% do valor do benefício de aposentadoria no RGPS independente do número de beneficiários que dividem a pensão, enquanto em outros países esse é o valor máximo que uma pensão por morte pode atingir.  Assim mesmo, para alcançar esse valor, uma viúva deve dividir sua pensão com alguns órfãos. Em segundo lugar, a acumulação de uma pensão com uma aposentadoria ou salário decorrente de trabalho ativo em nada altera o valor do benefício, enquanto o comum internacionalmente é haver redução ou até mesmo impossibilidade de acumulação. Por fim, viúvas ou viúvos jovens não têm seus benefícios de pensão por morte reduzidos em função de sua baixa idade. No padrão internacional, as pessoas idosas recebem reposições nas pensões por morte superiores aos jovens.

Como, em termos econômicos, tudo tem seu preço, a elevada despesa previdenciária gera dois revezes. Em primeiro lugar, para cobrir tantos gastos, necessita-se tributar muito. As alíquotas de contribuição previdenciária brasileira estão entre as mais altas do mundo e são incompatíveis com o nosso perfil demográfico. Mesmo a União Européia, conhecida por seu avançado estado de bem-estar social e com população envelhecida em mais que o dobro que a brasileira, tem alíquotas que se aproximam de ¼ da folha de salários, enquanto no Brasil avizinham 1/3. As conseqüências imediatas são elevadas cunha fiscal e carga tributária que reduzem os incentivos à formalização do mercado de trabalho e que prejudicam a criação e manutenção de negócios que garantiriam a geração de riqueza do país. Na segunda ótica, a composição dos gastos públicos brasileiros indica elevada participação da despesa previdenciária, a qual não proporciona ao sistema econômico produtividade equivalente a outros gastos públicos como saúde, educação e infraestrutura.

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Como o gasto público elevado desequilibra a economia brasileira? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-gasto-publico-elevado-desequilibra-a-economia-brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=643#comments Mon, 04 Jul 2011 16:37:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=643 Em comparação internacional, há argumentos para mostrar que o gasto público brasileiro é alto. Utilizando dados da Penn World Table (uma confiável fonte de informação comparada de contas nacionais) acerca do consumo dos governos[1], é possível estimar qual seria o excesso/insuficiência de consumo governamental de cada país em relação à média internacional.

Foram realizadas nove diferentes estimações[2]. Elas mostraram que o Brasil teria um excesso de gastos entre 14% e 26%. Tal excesso o colocaria próximo ao topo do ranking de países com maior excesso de gastos. Na média das nove estimações realizadas, o Brasil fica em 13º lugar em um conjunto de 103 países. Portanto, entre os 13% que mais gastam. A Tabela 1 apresenta o ranking dos 20 países com maior excesso de gastos nas estimações realizadas.

Se olharmos em uma perspectiva temporal, também constataremos que o gasto público tem crescido de forma consistente no Brasil. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[3].

.

O gasto público elevado e crescente gera um ciclo vicioso retratado na Figura 1 a seguir. Para manter o equilíbrio das contas públicas, em um contexto de gastos não-financeiros crescentes, e atingir a meta de superávit primário, o governo aumenta tributos (seta nº 1) e corta investimento público (seta nº 2), o que acaba desestimulando o investimento privado (seta nº 3): a maior carga tributária reduz a rentabilidade líquida dos empreendimentos privados e a queda do investimento público gera deterioração da infra-estrutura de transportes, aumentando o custo final da produção. Essa redução no investimento privado e em outros componentes da despesa agregada sempre que o Estado aumenta a despesa pública é conhecido na literatura econômica como efeito crowding-out.

Tabela 1 –  Posição dos países no ranking de excesso de gasto (valor observado menos valor estimado) em cada uma das nove estimações

País I II III IV V VI VII VIII IX Média das posições no ranking Desvio Padrão das posições no ranking
1 Cuba 1 11 1 1 5 2 1 1 4 3.0 3.4
2 Niger 2 1 18 4 1 7 10 8 6 6.3 5.4
3 Netherlands 9 25 7 8 11 6 2 3 2 8.1 7.1
4 Mali 5 7 20 5 2 8 20 16 17 11.1 7.1
5 South Africa 4 26 4 10 12 4 15 12 16 11.4 7.2
6 Botswana 36 15 14 3 6 5 8 5 23 12.8 10.8
7 Denmark 7 10 2 13 16 46 6 7 30 15.2 14.1
8 Hungary 11 29 5 14 17 13 17 17 20 15.9 6.6
9 Venezuela 8 28 17 25 22 20 12 13 10 17.2 7.0
10 India 40 57 35 2 3 1 7 10 7 18.0 20.5
11 Sweden 22 41 6 12 14 27 9 11 22 18.2 11.0
12 Japan 19 39 30 31 38 9 5 6 1 19.8 15.0
13 Brazil 12 32 19 20 28 12 21 21 14 19.9 6.8
14 France 27 43 21 15 18 22 13 15 12 20.7 9.7
15 Czech Republic 23 40 22 16 24 10 23 23 15 21.8 8.4
16 Bulgaria 25 33 23 17 26 15 25 24 24 23.6 5.2
17 Colombia 6 18 8 18 23 16 42 43 46 24.4 15.3
18 Finland 18 12 11 24 30 43 26 28 40 25.8 11.1
19 Sierra Leone 53 8 49 6 4 3 38 34 38 25.9 20.5
20 United Kingdom 33 52 26 21 27 33 16 18 13 26.6 11.9

Fontes: Estimações do autor. Dados originais:

Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn World Table Version 6.3, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, August 2009. http://pwt.econ.upenn.edu/php_site/pwt_index.php).

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/

http://stat.wto.org/StatisticalProgram/WSDBStatProgramHome.aspx

http://www.indexmundi.com/trade/exports/

http://www.associatedcontent.com/article/56207/list_of_socialist_countries_with_individual.html?cat=37

http://www.oecd.org/document/9/0,3343,en_2649_39263238_41266761_1_1_1_1,00.html

A queda dos investimentos público e privado, por sua vez, reduz o potencial de crescimento da economia: reduz-se o PIB potencial do país, aquele que pode ser atingido sem que haja pressão inflacionária (seta nº 4)[4].

Com um baixo crescimento potencial do PIB, a estreita margem de crescimento não inflacionário da economia leva o Banco Central a manter juros reais elevados pois, se por um lado, o PIB potencial é reduzido, por outro o crescimento do gasto do governo pressiona a demanda agregada (seta nº 5).

A taxa de juros elevada, que é eficiente para manter a taxa de inflação sob controle no curto prazo, acaba por se constituir em mais um fator de desestímulo ao investimento privado (seta nº 6). E isso realimenta o baixo potencial de crescimento do produto a médio prazo. Com o potencial de crescimento do produto tendo sido reduzido, nos próximos anos será necessário manter a taxa de juros elevada, pois o gasto corrente do governo continua crescendo e pressionando a demanda; enquanto a oferta agregada não consegue acompanhar o aumento da demanda, devido à repressão aos investimentos público e privado.

Ou seja, configura-se um modelo em que o equilíbrio se dá com gasto público elevado e crescente, juros reais elevados e baixo potencial de crescimento da economia.

Esse modelo também tem reflexos no lado externo, sendo seu principal efeito a valorização da taxa de câmbio real. Ela ocorre por dois efeitos paralelos: o ingresso de capitais via investimento financeiro e a mudança de preços relativos entre bens não-comercializáveis e comercializáveis.

O primeiro efeito ocorre porque a taxa de juros real elevada atrai capitais externos para investimentos financeiros no país (títulos públicos e privados) (seta nº 7). A entrada de capitais não apenas valoriza a taxa de câmbio real, mas também a torna bastante volátil, variando ao sabor do humor dos mercados financeiros internacionais, com rápidas mudanças no movimento de entrada e saída de capital (seta nº8).

O segundo efeito sobre a taxa de câmbio real é uma relação direta entre o aumento do gasto público e a valorização do câmbio (seta nº 9). Ele ocorre porque a expansão do gasto público eleva o poder de compra posto nas mãos do consumidor. Isso resulta em aumento de demanda por bens e serviços. Ocorre, então, um aumento nos preços dos bens não-comercializáveis – tais como construção e serviços – (que não sofrem a concorrência de produtos importados) em relação aos bens comercializáveis (cujo aumento de demanda pode ser rapidamente suprido via importações). Há, portanto, uma mudança de preços relativos (o preço dos não-comercializáveis aumenta e o preço dos comercializáveis, dado pelo mercado internacional, se mantém constante). A taxa de câmbio real, definida como a taxa nominal (R$/US$) vezes a relação “preços externos / preços internos” cai, representando um aumento do poder de compra real da moeda nacional em relação ao Dólar.

A valorização cambial desestimula as exportações e estimula as importações (setas nº 10). E a volatilidade do câmbio real reduz a capacidade de previsão e planejamento do empresariado, o que mais uma vez desestimula o investimento privado, em especial (mas não exclusivamente) no setor exportador da economia. Há uma ampla literatura econômica que associa alta volatilidade de variáveis chaves (como câmbio e preços) a baixo crescimento econômico[5].

Figura 1 – Ciclo Vicioso


Outro forte desestímulo às exportações provém da redução do investimento público em infraestrutura de transportes e portos (seta nº 11). Maurício Moreira Mesquita[6] e Fernando Lagares Távora[7] já mostraram, em trabalhos distintos, que a deficiência de infraestrutura é muito mais prejudicial ao comércio exterior brasileiro que o protecionismo dos países desenvolvidos ou a falta de acordos gerais de comércio.

O impacto desse modelo sobre o produto é dúbio: por um lado, o barateamento das importações dos bens comercializáveis facilita a importação de máquinas e equipamentos, barateando os investimentos; mas, por outro lado, o desestímulo às exportações e a baixa previsibilidade e alto risco gerados pela volatilidade do câmbio reduzem o potencial de crescimento (seta nº 12).

Há ganhos no controle da inflação pela via da contenção dos preços dos bens comercializáveis (seta nº 13).

O balanço de pagamentos se equilibra via conta de capitais. Ou seja, a acumulação de reservas ocorre principalmente em função da entrada dos investimentos externos financeiros (seta nº 14), em especial, de entrada de capital de curto prazo, que tem por objetivo aproveitar o diferencial entre a taxa de juros doméstica e internacional.

É uma posição arriscada, que depende da mudança de humor dos investidores internacionais e pode ser revertida rapidamente, dada a grande abertura da conta de capitais. Por isso, é preciso acumular muitas reservas no Banco Central (seta nº 15), o que gera custo fiscal elevado (diferença de custo entre a dívida pública emitida para comprar reservas e a rentabilidade das reservas), reduzindo a disponibilidade de recursos para investimentos públicos (seta nº 16) e, portanto, realimentando o ciclo vicioso.

Esse modelo básico tornou-se menos ruim nos últimos anos devido à forte expansão do volume exportado e dos preços das commodities, o que permitiu, mesmo com valorização cambial, manter as exportações em alta e gerar um efeito positivo sobre o PIB potencial (as importações de equipamentos ficaram mais baratas, estimulando o investimento privado, e as receitas de exportação cresceram pelo efeito preço, impulsionando o PIB).

Mas o resultado básico permanece: temos um equilíbrio de taxa de juros real alta e gastos correntes crescentes; inflação sob controle, taxa de câmbio valorizada e volátil e necessidade de um custoso seguro contra volatilidades da conta de capital. Observe-se que a manutenção desse ciclo vicioso depende da disponibilidade de financiamento externo que, por sua vez, depende, além de fatores associados à liquidez internacional, da percepção de que a relação dívida/PIB não irá explodir.

No segundo semestre de 2009 vivemos outra fase da crise: o efeito colateral do remédio aplicado pelo Banco Central norte-americano. A grande liquidez injetada pelo FED, a custo zero, na economia internacional, tem migrado para os países emergentes, em busca de rentabilidade mais elevada. É um “oceano” de liquidez que, somado à promoção do Brasil a grau de investimento, provoca forte entrada de capitais e forte valorização cambial[8].

À parte do episódio de crise internacional, e tendo em conta que pouco podemos fazer em relação ao excesso de liquidez internacional, o desequilíbrio principal desse modelo (no que diz respeito aos pontos sobre os quais o governo tem poder de ação) vem da expansão dos gastos correntes do governo. E novos desafios se impõem:

  • Não há mais como comprimir o investimento público, sob pena de jogar na ruína toda infraestrutura pública; na verdade o investimento tem começado a crescer nos últimos anos, e continuará a crescer em função do PAC, da Copa do Mundo e das Olimpíadas; logo, se o gasto corrente não for contido, a taxa de crescimento do gasto público total será ainda maior;
  • A sociedade resiste cada vez mais à ampliação da carga tributária;
  • Mudanças no mercado de crédito, como a criação do crédito consignado, ampliaram o potencial de consumo, elevando a taxa de juros real de equilíbrio necessária para conter a inflação, caso não se contraia o gasto corrente;
  • A redução das oportunidades de ganho financeiro ao redor do mundo, em função da crise mundial, colocou o Brasil em posição de destaque na rentabilidade dos investimentos de renda fixa e variável, aumentando o influxo de capitais e intensificando a valorização e volatilidade da taxa de câmbio; isso requer uma redução da taxa interna de juros, que só poderá ocorrer de maneira segura (com baixo risco de inflação) se o governo reduzir a sua pressão sobre a demanda agregada.

Para enfrentar esses desafios é preciso conter o gasto corrente do governo e colocar a economia em um ciclo virtuoso, que nada mais é que o funcionamento “inverso” do ciclo vicioso apresentado na Figura 1, iniciado por uma redução do gasto público.

O crescimento real do gasto do governo é o principal e básico desequilíbrio da economia brasileira. Não adianta interferir em outro ponto do processo (reduzir juros na marra, tributar investimento estrangeiro em bolsa, criar barreiras legais ao crédito, criar barreiras a importações, subsidiar exportações, etc.), pois os efeitos serão temporários ou nulos, e gerarão custos de ineficiência.

O controle do gasto (que não precisa ser corte, mas apenas um crescimento mais lento, abaixo do crescimento do PIB), viabilizaria: aumento do investimento público, redução da carga tributária e redução dos juros reais de equilíbrio. Isso elevaria a taxa de investimento da economia, elevando o PIB potencial e, portanto, a oferta agregada futura. Por isso, haveria, nos próximos anos, mais espaço para crescimento sem inflação, conduzindo a uma taxa de juros de equilíbrio menor.

No front externo, a redução da taxa de juros desestimularia a entrada de capital para investimento financeiro. E o maior vigor da economia real estimularia o aumento do investimento direto estrangeiro. A substituição de capital financeiro por capital produtivo diminuiria a volatilidade do câmbio, visto que este último tem menor mobilidade e maior prazo de maturação. Além disso, o maior investimento direto estrangeiro estimularia a expansão do PIB potencial, reforçando o movimento de queda da taxa de juros real de equilíbrio.

Com relação à valorização do câmbio, haveria dois efeitos em sentido inverso. Por um lado, o efeito de valorização do câmbio em função da entrada de capitais externos se manteria, apenas com a substituição de capital financeiro por investimento direto. Por outro lado, o efeito direto do gasto público sobre o câmbio real faria com que houvesse uma desvalorização cambial (menor pressão sobre a demanda agregada, menor pressão sobre os preços dos bens não-comercializáveis, desvalorização do câmbio real). Além disso, é preciso atentar para o detalhe de que o investimento direto estrangeiro, ao promover ganhos de capacidade produtiva e de produtividade no setor de bens não-comercializáveis expandiria a capacidade deste para reagir a aumentos na demanda agregada. Assim, o impacto de aumentos da demanda sobre os preços de não- comercializáveis seria menor, com menor impacto sobre a taxa de câmbio real.

Essa taxa de câmbio menos valorizada e mais estável permitiria que o Balanço de Pagamentos se equilibrasse através da Balança Comercial e não da conta de capitais[9].

Havendo espaço para o aumento do investimento público em infraestrutura de transportes, haveria mais um reforço às exportações.

O equilíbrio externo via balança comercial é mais seguro para o País, reduzindo os riscos de crise cambial. O efeito direto da desvalorização cambial sobre o PIB potencial é incerto (queda de importação de máquinas e equipamentos vs. aumento e diversificação das exportações).  Haveria impacto inflacionário da desvalorização cambial, porém compensável pelo maior espaço para crescimento da economia via expansão do PIB potencial e pela maior produtividade decorrente do aumento de investimento externo direto. A menor volatilidade cambial e dos investimentos financeiros internacionais exigiriam nível menor de reservas, com menor custo fiscal, reduzindo a pressão das contas públicas sobre a demanda agregada e aumentando a capacidade de poupança e investimento do setor público.

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  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.


[1] O consumo final do governo representa os serviços individuais e coletivos prestados de forma gratuita (ou parcialmente gratuita) por todas as esferas de governo (União, estados e municípios). Ele é medido pela remuneração dos servidores públicos, mais o consumo final de bens e serviços pelo governo (por exemplo, o pagamento a um hospital privado que presta serviços ao SUS, o giz para sala de aula ou os canapés de uma recepção oficial), e pela depreciação do capital fixo do governo. É importante observar que esse conceito não inclui as despesas de transferências (juros, aposentadorias e pensões, seguro-desemprego, bolsa-família). Também não estão incluídas as empresas estatais (de economia mista ou 100% pública). Somente as empresas dependentes de verbas dos tesouros federal, estadual e municipal são consideradas. Ademais, o consumo do governo restringe-se ao gasto corrente, não incluindo o investimento público. É, portanto, grosso modo, a despesa corrente de manutenção da máquina pública (salários mais consumo final de bens e serviços).

[2] Detalhes das estimações podem ser solicitadas ao autor.

[3] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[4] A idéia keynesiana clássica de que os gastos do governo alavancam o crescimento econômico aplica-se a situações de forte ociosidade do sistema produtivo em uma perspectiva de curto prazo e desconsiderando as questões de solvência e liquidez do setor público. Quando saímos dessa situação especial, a aceleração dos gastos públicos tem efeitos dinâmicos perversos sobre o crescimento econômico no médio e longo prazos, na linha descrita no presente texto. Vide, a esse respeito, Rocha, F. (2006)  Ajuste fiscal, composição do gasto público e crescimento econômico In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Topbooks.

O uso do gasto público como instrumento de política anti-cíclica, em um contexto típico keynesiano, também enfrenta dificuldades no campo da economia política: quando a economia cresce de forma acelerada e a arrecadação fiscal gera excedentes (momento em que não é necessário acelerar os gastos) surgem incentivos para se gastar mais, dada a maior disponibilidade de receita pública; e nos momentos em que se faz necessária a ação do estado, para retirar a economia de uma recessão, a arrecadação fiscal está em baixa e a restrição orçamentária do governo se faz muito mais forte. Em países que sofrem grande risco de iliquidez e insolvência do setor público, fica muito restrito o espaço para política fiscal anti-cíclica em momentos de crise.

[5] Ver, por exemplo, a literatura citada em Hausmann, R. e Rigobon, R. (2003) An alternative interpretation of the “resource curse”: theory and policy implications. In: Davis, J.M. et all (Eds) Fiscal policy formulation and implementation in oil-producing countries. IMF Publication Service.

[6] Moreira, M.M., Volpe, C., Blyde, J.S. (2008) Desobstruindo as Artérias: o impacto dos custos de transporte sobre o comércio exterior da América Latina e Caribe. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Harvard University Press. Disponível em http://idbdocs.iadb.org/wsdocs/getdocument.aspx?docnum=1662398

[7] Távora, F.L (2008) Developments in the World Soybean Market: a Partial Equilibrium Trade Model. Wageningen University – Holanda. Tese de Mestrado

[8] Vide, a esse respeito, o artigo de Nouriel Roubini “Quanto maior a bolha atual, maior será o inevitável estouro” – Folha de S. Paulo, 3 de novembro de 2009.

[9] Uma forma alternativa de ver este ponto é perceber que a poupança do governo aumentaria com a redução dos gastos, o que exigiria um menor volume de poupança externa (déficit em transações correntes) para financiar um dado nível de investimentos.

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Por que é importante controlar o gasto público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-controlar-o-gasto-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634#comments Tue, 28 Jun 2011 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=634 Sempre que se fala em controlar o gasto público surge na cabeça de muitas pessoas uma reação automática: “trata-se de proposta neoliberal com o objetivo de cortar programas de governo, o que vai prejudicar a população, em especial os mais pobres”.

O senso comum é de que o gasto do governo gera benefícios sem custos. Na verdade, o que ocorre é que cada programa público gera benefícios bastante visíveis para um grupo específico de pessoas (aposentados são beneficiários do pagamento das aposentadorias, usuários do SUS são beneficiários dos gastos em saúde, credores do governo são beneficiários dos gastos com juros, etc.); ao passo que os custos são pagos por todos os contribuintes, de forma difusa.

O resultado é que os beneficiários diretos têm incentivos para lutar pela criação, expansão ou manutenção de gastos em seu favor. Quem não quer receber um serviço que será oferecido a uma parcela da sociedade, mas cujo pagamento será dividido entre toda a população? A mobilização lhes proporcionará ganhos elevados, o que estimula a criação de grupos de pressão em defesa de seus interesses.

Por outro lado, os contribuintes, que pagam a conta, terão menos incentivos a protestar contra o aumento dos gastos e consequente aumento da carga tributária. Primeiro porque o custo de um novo programa público a ser suportado individualmente por cada contribuinte é pequeno. Segundo, porque é difícil coordenar a formação de um grupo de pressão formado por todos os contribuintes do país.

Esse maior incentivo à mobilização dos beneficiários em relação aos que pagam a conta desequilibra a balança em favor da expansão dos gastos do governo. Não se está, aqui, fazendo juízo de valor sobre a importância ou não de cada programa de governo. Apenas se faz o registro de que há, em sociedades democráticas, um viés em favor da expansão dos gastos.

Outro argumento contrário ao controle do gasto público é o de que tal gasto estimula o crescimento da economia. Cortá-lo, portanto, provocaria menor crescimento do PIB, prejudicando toda a sociedade e não apenas os beneficiários diretos das despesas.

O presente texto tem por objetivo chamar atenção para o outro lado da questão: os custos diretos e indiretos da expansão do gasto público prejudicam o crescimento de longo-prazo do país. Ainda que no curto-prazo uma expansão dos gastos do governo estimule o crescimento; no longo prazo um governo que imponha alta carga tributária, e que tenha déficit e dívida elevados, acaba prejudicando importantes propulsores do crescimento econômico, quais sejam: o aumento da produtividade, a inovação, a concorrência, a flexibilidade do mercado de trabalho e a competitividade dos exportadores no mercado externo.

A redução e maior eficiência do gasto público como proporção do PIB são condições necessárias para que o Brasil possa obter mais crescimento econômico, mais renda, menor desigualdade, mais oportunidades de trabalho e uma vida mais longa e recompensadora para sua população.

O estado brasileiro cresceu fortemente nos últimos anos e parece estar excessivamente grande. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[1]. E a carga tributária imposta pela União, estados e municípios saltou de 27% do PIB, em 1995, para mais de 33,6% em 2009[2].

Isso significa que quase 34% daquilo que os trabalhadores e empresas produzem ao longo do ano é retirado das rendas privadas e, posteriormente, re-injetado na economia por meio dos gastos do governo. Isso significa que os dirigentes do setor público detêm grandepoder, pois podem decidir quem vai ficar com 34% da renda do país.

A princípio, a ação do governo tende a estimular o crescimento econômico e a igualdade social. Como mostra outro artigo deste site (Por que o governo deve interferir na economia?), o mercado privado está sujeito a várias falhas, que podem ser corrigidas pelo governo. Por exemplo, a construção de uma estrada ligando indústrias a um porto de exportações pode ser importante para o desenvolvimento do país, mas o retorno financeiro da empreitada, em si, pode não ser compensador para que um investidor privado decida construí-la. Nesse caso, a ação do governo, retirando dinheiro compulsoriamente da sociedade e investindo-o na estrada, permitirá que a sociedade atinja um nível mais elevado de renda.

Todavia, quando o governo cresce excessivamente, os custos de suas ações tendem a superar os benefícios, e surgem diversos motivos pelos quais ele passa a prejudicar o desenvolvimento econômico e social.

Para sustentar uma máquina pública grande e em expansão, é preciso impor crescente tributação à sociedade. Como as fontes tradicionais de tributação (renda, patrimônio e consumo) são limitadas, o governo, em busca de mais receitas do que essas bases tributárias podem oferecer, opta por criar também impostos de baixa qualidade, que incidem sobre o faturamento das empresas, a folha de pagamentos, os depósitos bancários; e que acabam por impor custos excessivos à sociedade.

Vale citar o caso da tributação sobre os investimentos em saneamento básico. Como é demonstrado pela literatura[3], a instalação de redes de água e esgoto, bem como o adequado tratamento dos resíduos, gera muitas externalidades positivas: redução de doenças infectocontagiosas, menor custo de assistência hospitalar, maior produtividade dos trabalhadores, valorização imobiliária, ampliação do setor turismo, etc. Por isso, é recomendável que o governo evite tributar tal setor e, além disso, o estimule mediante subsídios. No Brasil, as empresas de saneamento pagam mais de R$ 3 bilhões em impostos por ano, a maior parte incidente sobre seu faturamento. Uma recente tentativa de desonerar a tributação do setor, embutida na Lei nº 11.445, de 2007[4], foi vetada pelo Presidente da República, sob o argumento de que “permitir desoneração adicional de tributos significaria dificuldades para a manutenção das despesas sociais em níveis satisfatórios”. Ou seja, o alto nível de despesas impede que se conceda uma isenção tributária que, por si só, teria grande impacto socioeconômico e ambiental. E a justificativa para negar a desoneração é a necessidade de se fazer gastos em políticas sociais. Cabe perguntar o que seria melhor: garantir condições de melhoria de vida mediante expansão do saneamento ou ampliar o atendimento em hospitais públicos dos aproximadamente 500 mil[5] casos anuais de infecções gastrintestinais, gerados pelo saneamento deficiente?

Além da tributação excessiva, o governo tende a criar e ampliar mecanismos de poupança forçada (PIS/PASEP, FGTS), que obrigam empresas e empregados a depositar em fundos públicos, em troca de baixa remuneração, um dinheiro que poderia ser usado de forma mais produtiva no consumo ou poupança privados, sem que critérios políticos afetassem a alocação desses recursos.

Esse sistema tributário pesado e distorcido onera a criação de novos negócios, dificulta a ampliação das empresas, e prejudica as exportações, que são algumas das molas mestras do crescimento econômico. Um novo equipamento, que poderia duplicar a produção de uma empresa, fica muito mais caro devido ao aumento dos impostos, podendo deixar de ser uma opção lucrativa para a empresa (o impacto da tributação sobre as transações econômicas é tratado neste site no texto Como os impostos afetam o crescimento econômico).

Quando se tributa excessivamente a folha de salários, desestimula-se a contratação de novos empregados. Isso afeta não só o potencial de geração de empregos, mas também as possibilidades de crescimento das empresas.

Não se consegue exportar parte da produção porque as empresas dos países concorrentes têm custos tributários menores e, por isso, oferecem preços menores.

Outra importante fonte de crescimento – o aumento da produtividade – também é afetada pela tributação excessiva. Em um contexto de tributação elevada, pagar ou não todas as obrigações tributárias passa a ser, muitas vezes, uma decisão determinante para a sobrevivência das empresas. Muitas optam por não pagar impostos e, para não aparecer aos olhos do fisco, não podem crescer, mantendo-se pequenas e pouco produtivas, não podendo aproveitar os ganhos decorrentes do aumento da escala de produção e do acesso a técnicas mais eficientes.

Um mestre de obras e seus operários, por exemplo, terão dificuldade para crescer a ponto de se tornarem uma pequena empreiteira, formalmente registrada, com acesso a crédito na rede bancária e junto a fornecedores, com uma sede em endereço publicamente divulgado, onde poderão organizar a administração, receber clientes, etc.

Ao se tornar visível para o fisco, o empreendimento corre o risco de ser inviabilizado pelo peso da carga tributária. Com isso, multiplicam-se no país as feiras e camelôs, onde deveria haver lojas bem organizadas; os quebra-galhos e biscateiros, em lugar das pequenas empresas de serviços; as fabriquetas de fundo de quintal, os quiosques de comida sem higiene. Todos empreendimentos de baixa qualidade e impedidos, pela asfixiante carga fiscal, de crescerem e de se tornarem mais produtivos.

A concorrência, que estimula a eficiência e a produtividade, também é afetada. Devido à alta carga de tributos, são poucas as empresas de porte médio com capital disponível suficiente para crescer e tentar obter uma fatia de mercado atendida por grandes empresas. Estas, por falta de concorrência, não precisam se esforçar (aumentar qualidade e produtividade) para manterem suas fatias de mercado; basta confiar no fato de que somente as grandes empresas têm condições de atender as exigências burocráticas e o esforço financeiro requerido pelo fisco. A alta carga tributária acaba se transformando em barreira à entrada, protegendo as grandes empresas de terem seus mercados ameaçados por novas empresas de porte médio. O resultado é uma economia pouco dinâmica e pouco inovadora.

Uma característica dos governos grandes é que, mesmo com uma tributação elevada, eles dificilmente conseguem equilibrar suas contas. Para cada nova receita arrecadada, a burocracia, os políticos e sua clientela ou as demandas da população (muitas delas legítimas) já criaram uma despesa nova. A tendência, então, é que governos grandes acumulem dívidas igualmente grandes.

Um governo que deve muito representa risco para os emprestadores, que dele cobrarão altas taxas de juros. Pagando juros elevados e absorvendo parcela significativa dos recursos disponíveis na sociedade, o governo reduz o crédito disponível para o setor privado e eleva o custo dos financiamentos. Muitos empreendimentos se tornam inviáveis em função desse custo financeiro. A taxa de investimento do país cai, prejudicando o crescimento.

No governo, os incentivos para agir com eficiência são menores, afinal o burocrata ou governante gastam um dinheiro que não é seu (veja a esse respeito, neste site, o artigo Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?). Quando um percentual elevado da renda do país passa pelas mãos do governo, isso significa que um setor com baixo incentivo para ser produtivo tem prioridade na decisão de alocação dos recursos escassos da sociedade. O resultado é a baixa eficiência e produtividade e, mais uma vez, menos crescimento.

Já que é o governo quem decide a alocação de 34% da renda nacional, torna-se interessante, para cada indivíduo, ter acesso a essa parcela da renda. Isso significa que muitas pessoas vão investir tempo e dinheiro para se especializar em obter recursos públicos. Vão, por exemplo, buscar relacionamentos pessoais que facilitem o acesso a instâncias de decisão no governo. Ou, ainda, buscarão uma militância partidária ou em grupos de interesse que abram as portas para um cargo público comissionado ou para um patrocínio de uma empresa estatal.

Essa é a chamada atividade de “caçador de renda”, que não cria riqueza nova para a sociedade, mas apenas busca capturar recursos já existentes, produzidos por outros. É fácil perceber que será baixo o crescimento e a produtividade de longo prazo em um país onde valha mais fazer bons relacionamentos do que gastar horas estudando para se tornar um profissional produtivo; onde é mais lucrativo explorar brechas da lei para processar o estado do que desenvolver um novo produto.

Já que o governo está entre os maiores compradores de bens e serviços do país, o nível de lucro de muitas empresas depende de decisões tomadas pelo governo. Por outro lado, as decisões de governo tendem a ser fortemente influenciadas pelos objetivos dos governantes que, em geral, buscam, em primeiro lugar, a sobrevivência política e a vitória nas próximas eleições. Nesse contexto, muitas vezes será mais interessante para uma empresa investir no financiamento de campanhas eleitorais, que garantam a eleição de um governante amigo e mantenha o acesso a contratos públicos, a investir na busca de produtos mais eficientes e de menor custo.

Não podemos nos iludir, contudo, com a idéia do estado mínimo. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, é fundamental que sejam tomadas ações que busquem melhorar a distribuição da renda e das oportunidades. Isso, contudo, não é justificativa suficiente para a expansão ilimitada do gasto público. Tome-se o exemplo do setor de saneamento, citado acima, em que a necessidade de se financiar gastos sociais vem impedindo a redução da tributação em um setor fundamental à melhoria das condições de vida da população pobre. É preciso fazer escolhas racionais, ainda que difíceis e sujeitas a perda de popularidade.

Por mais meritório que seja um programa público, seus objetivos podem se perder devido a baixos incentivos para implementá-lo de forma eficiente, ou pela captura de seus benefícios por grupos outros que não o seu público alvo. Daí porque toda criação de um novo programa, projeto, subsídio ou contratação pública deve ser analisada com muito critério.

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Para ler mais sobre o tema:

Hausmann, R. (2009) Diagnóstico do Crescimento Econômico Brasileiro. CLP Papers nº 1. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Schuknecht, L e Tanzi, V (2005) Reforming public expenditure in industrilised countries: are there trade-offs? European Central Bank. Working Paper Series nº 435

Zettelmeyer, J. (2006) Growth and reforms in Latin America: a survey of facts and arguments. IMF working paper nº 06/210. www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2006/wp06210.pdf.


[1] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[2] Fonte: Receita Federal do Brasil.

[3] Ver, por exemplo, FGV (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Mimeo,  Instituto Trata Brasil. Disponível em: www.tratabrasil.org.br.

[4] Vide art. 54 da Lei nº 11.445/2007.

[5] FGV(2010), op. cit.

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Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=510&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-intervencao-do-governo-pode-gerar-prejuizos-a-sociedade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=510#comments Thu, 05 May 2011 12:36:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=510 Já foi postado neste site um texto, de minha autoria, com o título “Por que o governo deve intervir na economia?”, em que argumento que existem “falhas de mercado”, como externalidades, assimetria de informações ou restrições à competição que reduzem o nível de bem-estar da sociedade. Uma intervenção do governo para solucionar essas “falhas de mercado”, se bem executada, pode elevar o nível de bem-estar da população. No presente texto vou discutir o outro lado da moeda: as “falhas de governo”, ou seja, os fatores que podem fazer com que as intervenções do governo gerem distorções maiores que aquelas que ele se propõe a resolver. Assim, toda ação governamental deveria ser precedida de uma análise prévia sobre as suas vantagens (correção de falhas de mercado) e desvantagens (possíveis falhas de governo decorrentes daquela ação).

Problemas de escolha coletiva

O processo de decisão governamental é feito de forma diferente do processo de decisão individual. Se pretendo comprar um carro, faço uma análise dos custos dessa compra e dos benefícios que ela vai me proporcionar. Ao fazer isso, uso minha escala de valores individuais para avaliar os custos e benefícios (se dou muito ou pouco valor a ter um carro bonito; ou se prefiro um carro mais barato que não seja tão bonito; avalio quanto estou disposto a pagar por um câmbio automático ou um banco de couro; etc.). As minhas preferências podem ser diferentes das preferências do meu vizinho, mas nesse processo decisório apenas as minhas preferências são relevantes.

Nas decisões governamentais temos um processo de escolha coletiva, em que os valores e preferências de todos os eleitores devem ser levados em consideração, o que torna o processo decisório muito mais complicado. Além disso, não há uma votação direta de todos os eleitores cada vez que uma decisão de governo tem que ser tomada. As pessoas votam em representantes (deputados, governadores, etc.) que passarão a representá-las nas decisões públicas. Esses representantes votam um orçamento, para que o dinheiro público seja gasto.

O representante político, ao votar por este ou aquele gasto público, terá dois problemas. Primeiro, ele não conhece inteiramente as preferências de seu eleitorado. No máximo ele tem uma idéia de que, por exemplo, o seu eleitor está demandando mais segurança pública e menos educação pública, ou que prefere menos impostos com menos serviços do que a expansão dos serviços financiada por mais impostos. Segundo, o seu eleitorado não é homogêneo, e ele terá que encontrar uma forma de atribuir pesos às diversas preferências.

Mesmo que as pessoas sejam perguntadas, em pesquisa de opinião, sobre as suas preferências por serviços públicos, elas não terão incentivo para revelar suas verdadeiras preferências. Suponhamos que se faça uma pesquisa em que se pergunte a cada eleitor que tipo de serviço público ele deseja, e que se avise a esse eleitor que ele terá que pagar impostos proporcionalmente aos serviços que queira receber (quem escolher mais serviços públicos pagará mais impostos). Esse tipo de consulta incentivará os eleitores a dar respostas que subestimem a sua real demanda por serviços públicos, para evitar pagar por eles. Eu não vou dizer que gostaria de ter mais policiais nas ruas. Vou esperar que outra pessoa dê essa resposta e arque com esse custo. Uma vez que haja mais policiais nas ruas eu também vou me beneficiar disso sem precisar pagar a conta.

Por outro lado, se for feita a mesma pesquisa, avisando-se ao eleitor que, independentemente da lista de serviços públicos que ele elencar como desejáveis em resposta à pesquisa, ele pagará um imposto prefixado (não relacionado com a quantidade de serviços públicos desejados), então ele terá incentivos a superestimar suas verdadeiras demandas. Afinal, já que vai pagar a mesma coisa por 5 ou 10 policiais nas ruas, o eleitor prefere ter 10 policiais.

Note que a resposta do eleitor depende da maneira como é feita a pergunta, isso, em Economia, é estudado pela Teoria de Desenho de Mecanismos.

Mesmo que se considere possível em um sistema democrático conhecer as preferências de cada eleitor, e que seja possível consultá-los a cada decisão, o processo decisório pode ter um viés na direção da expansão do gasto público e da intervenção do governo na economia.

Tal viés acontece porque na maioria das economias, e a economia brasileira não é uma exceção, a distribuição de renda não é simétrica em torno da média. Há uma concentração maior de pessoas abaixo da média, dado que umas poucas pessoas muito ricas puxam a média para cima. Isso significa que a renda mediana[1] será menor que a renda média. Se a tributação for proporcional à renda, então o eleitor com renda igual à mediana pagará menos impostos que o eleitor com renda igual à média.

Pagando menos impostos que o restante da sociedade, todos os eleitores com renda igual ou inferior à mediana tenderão a preferir mais serviços públicos (pois são subsidiados pelos demais eleitores), enquanto os eleitores com renda igual ou superior à media tenderão a  preferir menos serviços públicos (pois pagam proporcionalmente mais impostos). Porém, como o primeiro grupo é mais numeroso, ele tende a ganhar as eleições e o resultado será uma tendência à expansão do gasto público.

Basicamente o que se tem é um grupo (eleitores de renda igual ou inferior à mediana) pegando carona no gasto financiado pelos eleitores de renda mais alta. Esse mesmo fenômeno pode ter manifestações distintas. Por exemplo, em um país organizado sob a forma de federação, os governos estaduais terão incentivos a buscar recursos federais (impostos pagos por contribuintes de todo o país) para investir em projetos que beneficiem principalmente os moradores do estado. É o que ocorre, por exemplo, com as famosas emendas parlamentares, em que os deputados e senadores de um estado têm incentivos a colocar despesas em favor de seus estados no orçamento federal. Afinal, os eleitores desses estados estariam recebendo benefícios sem ter de pagar integralmente por eles.

Outra manifestação comum desse tipo de problema é a sobreposição de programas públicos executados pelo governo federal, estadual e municipal. Digamos que os políticos percebam que um determinado programa (por exemplo: distribuição de leite a famílias de baixa renda) gera muitos votos. Então tanto o presidente da república, quanto o governador e o prefeito desejarão obter esse ganho eleitoral para seus respectivos partidos, e introduzirão programas semelhantes, gerando um excesso de oferta daquele serviço público.

Sintetizando, o problema da escolha coletiva gera tendência ao aumento dos gastos públicos e consequente aumento dos impostos. Daí a necessidade de regras e instituições que ponham limites a essas pressões, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, limitações a emendas parlamentares e possibilidade de contingenciamento de despesas.

Problema principal-agente e informação assimétrica

Os eleitores não têm como monitorar plenamente os políticos eleitos. E os políticos eleitos não têm como monitorar os servidores que nomeiam para gerenciar as políticas públicas. Por isso, servidores e políticos podem, no exercício da função, buscar os seus objetivos individuais (ampliar poder político, enriquecer, trabalhar pouco, etc.) em vez de buscar os objetivos da comunidade, uma vez que não há informação suficiente para que se conheça a real eficácia de sua gestão.

O problema do principal–agente surge em condições de informação assimétrica, ou seja, quando os atores envolvidos não possuem a mesma quantidade ou qualidade de informação. No caso, o “principal” contrata o “agente” numa situação em que pode haver conflito de interesses, de forma que o “agente”, por deter informação privilegiada, e terá incentivos para tirar proveito pessoal do negócio do “principal”. Por exemplo, um eleitor (principal) não conhece todos os detalhes contratuais  e de custos de uma compra pública, o que abre espaço para um agente (gestor público) superfaturar a compra e obter ganho privado.

Diversos fenômenos conhecidos surgem desse problema. Suponha uma empresa pública que preste serviço de abastecimento de água. A intenção inicial do governo, ao criar essa empresa, foi lidar com uma falha de mercado conhecida como “monopólio natural”. Não é eficiente que várias empresas fornecedoras de água instalem encanamentos pela cidade para distribuir água às residências. O custo seria muito alto. É mais barato ter uma única rede de distribuição. Mas, nesse caso, a empresa operadora será monopolista e poderá cobrar muito caro pela água. Uma solução possível é prestar o serviço por meio de uma empresa estatal que, não tendo fins lucrativos e sendo voltada para o bem coletivo, irá estabelecer um preço justo para a água.

Ocorre que os políticos e servidores nomeados para gerenciar a empresa (agentes)  podem resolver usar o poder de monopólio em proveito próprio. Aproveitando-se da menor informação que os eleitores (principais) têm sobre custos e receitas da empresa, os “agentes”, em vez de fixar um preço da água que apenas cubra os custos operacionais e de investimento, fixarão preço mais elevado e usarão o excedente em seu favor (altos salários, participações no lucro, baixo esforço para ser eficiente, contratação de pessoas de seu grupo político, etc.).

Outro exemplo interessante: uma conhecida falha de mercado (associada à falta de informações relativas a garantias para empréstimos) faz com que alguns setores da sociedade (como pequenos agricultores, micro e pequenos empresários) não tenham acesso ao crédito oferecido pela rede bancária tradicional. Essa falha de mercado justificou a criação de bancos estaduais no Brasil, voltados a ofertar crédito a tais segmentos. Mas o resultado foi uma falha de governo. Os governadores e gestores dos bancos estaduais (agentes) passaram a gerir tais bancos em desacordo com os objetivos anunciados aos eleitores (principais): os bancos estaduais viraram, em sua maioria, financiadores de campanhas eleitorais e de “empresários amigos”, deixando grandes rombos financeiros que acabaram sendo pagos pelo governo federal. O resultado final, em termos de bem-estar social, foi negativo.

Inexistem incentivos à eficiência.

Atribui-se ao economista Milton Friedman[2] um interessante raciocínio sobre o incentivo a analisar custo e qualidade dos produtos ao se decidir por uma compra. Quando eu compro um produto com o meu dinheiro para o meu uso, eu me preocupo em analisar tanto o preço quanto a qualidade do produto. Afinal, tanto os custos quanto os benefícios do produto vão recair sobre mim.

Porém, quando compro alguma coisa com o meu dinheiro, para o uso de outra pessoa, me preocupo mais com o preço que pagarei do que com a qualidade. Nessa situação, não serei o usuário do produto, logo minha preocupação recai mais sobre os custos (que pagarei) do que sobre os benefícios (que recairão sobre outra pessoa). Pense no seu processo de decisão ao escolher um presente para o seu amigo oculto na festa de fim de ano no trabalho: você certamente sabe que seu colega gostaria mais de ganhar um IPAD, mas acaba concluindo que ele ficará feliz com um CD ou um livro.

Quando vou comprar alguma coisa para o meu uso, pagando com o dinheiro dos outros, vou olhar mais para a qualidade e me preocupar menos com o preço. Pense em um adolescente fazendo compras com o cartão de crédito do pai.

Na situação em que vou comprar alguma coisa para ser usada por outra pessoa, pagando com um dinheiro que não é meu, não vou me preocupar nem com o preço que pago, nem com a qualidade do produto. Essa é a situação de um funcionário público que está adquirindo bens e serviços a serem usados pela população.

Ou seja, o incentivo do agente governamental para buscar o menor preço é baixo, pois não é ele que está pagando diretamente pela compra. Também não vai fazer grande esforço para buscar qualidade, se o serviço público é para atender a população em geral e não ao servidor em particular.

Há, também, pouco incentivo à inovação no serviço público. Em geral, a inovação é estimulada e bem remunerada no setor privado, pois ela é fonte de geradora de lucros. Já no serviço público impera a regra da obediência ao regulamento e da responsabilização individual em casos de fracasso. Nesse contexto, por que devo inovar, se corro o risco de errar e ser responsabilizado? Prefiro cumprir os regulamentos e esperar pelas promoções por tempo de serviço. O resultado é a aversão ao risco e o apego a procedimentos burocráticos.

Associe-se a isso a estabilidade no emprego e estará completo o quadro de desestímulo ao esforço. No caso brasileiro, do ponto de vista do servidor, a competição ocorre antes (no concurso) e não durante o exercício profissional. As pessoas fazem esforço colossal para serem aprovadas em concorridos certames de seleção para o serviço público. Mas, uma vez aprovadas, não correndo risco de demissão por baixo esforço, nem vislumbrando ganhos salariais decorrentes do esforço individual, reduzem seu nível de dedicação ao trabalho.

Além disso, o setor público é monopolista na prestação de muitos serviços (infraestrutura urbana, policiamento, controle de poluição, justiça, etc.), logo não há o estímulo à eficiência gerada pela competição.

Alto custo de transação nas decisões públicas

Imaginemos que o parlamento está prestes a votar uma lei que autoriza um aumento de 0,5% na tarifa de telefonia. Uma empresa telefônica que fature, digamos, R$ 2 bilhões por ano, tem uma expectativa de ganho de R$ 10 milhões com a aprovação da lei. Para ela será lucrativo gastar, digamos, R$ 1 milhão em pagamento a lobistas para pressionar pela aprovação da lei. Além disso, como são poucas as empresas de telefonia operando no país, será fácil, para elas, juntarem-se para financiar o lobby em favor do projeto.

Olhemos, agora, o lado de um consumidor que gaste R$ 2 mil por ano em sua conta de telefone. Para ele, o custo adicional da aprovação da lei será de R$ 10. Vale a pena para ele fazer esforço e se mobilizar com vistas a economizar R$ 10? Quanto tempo e dinheiro ele irá gastar para conclamar os milhares de usuários de telefone a se organizarem para protestar em conjunto?

Ou seja, os lobbies em favor de interesses específicos, de grupos restritos, levam vantagem nas decisões políticas, pois têm menor custo de transação e maior resultado financeiro esperado nas decisões tomadas pelo governo; enquanto que, para a maioria que paga a conta, não vale a pena o custo de se mobilizar para brecar a demanda do lobby (o custo é dividido por todos e o benefício é concentrado).

Todos os grupos que conseguirem arcar com os custos de mobilização tendem a levar vantagem no processo de decisão política em detrimento do contribuinte: sindicatos de trabalhadores, movimentos de trabalhadores sem terra, federações empresariais, clubes de futebol, etc.

Um custo de transação adicional está na inércia das regras e na dificuldade para se alterar leis. A agenda do parlamento é congestionada e os projetos de lei devem esperar na fila a oportunidade para serem votados. Assim, um projeto de lei que revogue um privilégio injustificado de um grupo social pode simplesmente não ser aprovado porque o lobby dos beneficiários obtém sucesso em mantê-lo no final da fila.

Conclusões

As falhas de governo aqui apontadas não devem ser interpretadas como uma apologia ao estado mínimo, nem devem levar à falsa ideia de que as decisões de governo são sempre equivocadas ou enviesadas. É inconcebível, nas sociedades modernas, prescindir da ação estatal.

O que se pode concluir, após a constatação de que as “falhas de governo” existem e representam grandes distorções, custos e perda de bem-estar, é tentar minimizá-las. Isso pode ser feito de duas formas.

A primeira delas é sempre procurar questionar quais são os benefícios e custos de uma política estatal antes de implementá-la. A discussão acerca da oportunidade de se criar um novo programa público deve sempre buscar responder às seguintes questões: (a) qual é a falha de mercado que se está procurando resolver? (b) que falhas de governo podem vir a ser criadas pelo novo programa? (c) como minimizar as possíveis falhas de governo? (d) o risco de criar falhas de governo compensaa possível correção das falha de mercado que se pretende combater?

A segunda abordagem seria no sentido de reduzir o espaço para a ocorrência de falhas de governo, buscando-se:

  • transparência e prestação de contas pelas instituições públicas e imprensa livre;
  • entidades de controle externo (como o TCU, a Controladoria Geral da União ou o Conselho Nacional de Justiça) são instituições de supervisão cuja função é justamente induzir as instituições públicas a perseguir objetivos públicos, penalizando os agentes que buscam benefícios privados (sempre havendo o risco de que as próprias instituições de controle passem a ser utilizadas em favor dos interesses de quem as controla);
  • uma legislação que limite a prática do lobby;
  • regras eleitorais que reflitam o melhor possível as preferências do eleitor mediano e tornem as eleições baratas, evitando que os eleitos se tornem reféns de seus financiadores de campanha;
  • restrições ao gasto, à carga tributária, à dívida e ao déficit público, como as que estão estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, reduzem o espaço de manobra para aqueles que querem usar o orçamento público como veículo para interesses privados;
  • organização das carreiras do serviço público com incentivos ao esforço e ao mérito, como promoções por bom desempenho, minimização da influência política e regras salariais baseadas na remuneração do setor privado;
  • manter a economia aberta à competição externa, o que cria um clima de competição e menor espaço para criação de privilégios legais. Em uma economia aberta e competitiva, o governo não pode sobretaxar as empresas (sob pena de reduzir sua competitividade) o que limita o tamanho do estado; o judiciário é induzido a ser rápido e eficiente (para solucionar controvérsias comerciais sem demora); e sobra pouco espaço para políticas de subsídios a setores privilegiados.

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Para ler mais sobre o tema:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.


[1] Se ordenarmos a população da menor para a maior renda, a renda mediana será a daquele indivíduo que se encontra exatamente na metade da lista.

[2] Não foi possível confirmar a autoria.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=510 7
O gasto público ajuda ou atrapalha o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=408&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-gasto-publico-ajuda-ou-atrapalha-o-crescimento-economico Fri, 01 Apr 2011 11:15:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=408 1. Motivação

Desde o início da recente crise econômica global, muitos governos têm elevado seus gastos para gerar um estímulo de curto prazo à economia. Todavia, o efeito desses estímulos sobre o crescimento econômico ainda não são plenamente conhecidos.

A importância do gasto público, inclusive da composição desse gasto, vem sendo amplamente estudada na literatura, seguindo a contribuição seminal de Barro (1990). Embora muitos estudos sugiram que existe uma relação positiva entre despesa pública e crescimento da economia, há diferentes visões sobre quais categorias de gasto promovem tal crescimento[1].

Há duas questões interessantes a analisar:

1.                      Será que nos países em desenvolvimento que apresentam rápido crescimento a relação entre o nível da despesa pública, composição dessa despesa e o crescimento econômico é distinta da que ocorre em países em desenvolvimento que apresentam taxas mais baixas de crescimento?

2.                       Qual é o papel da composição da despesa pública com respeito ao desempenho da economia dos países em desenvolvimento.

A resposta a essas questões pode ter importantes implicações sobre a gestão pública, no que diz respeito à composição da despesa governamental, uma vez que essa composição pode ter impactos diferenciados, e até opostos, sobre o crescimento de curto e de médio prazo.

2. Metodologia

2.1 Seleção da Amostra

A maioria das análises empíricas que estudam a ligação entre despesa pública, seus componentes, e o crescimento econômico combinam muitos países diferentes em suas amostras. A presente análise classifica os países em dois grupos: uma amostra de países em desenvolvimento com desempenho de crescimento similares e uma amostra de comparação incluindo países em desenvolvimento com desempenhos variados durante o período considerado (1970-2005)[2]. O primeiro grupo é composto pelos seguintes países: Coréia do Sul, Singapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, Botswana e Ilhas Maurício; que estão entre os melhores desempenhos do mundo em termos de crescimento do Produto Nacional Bruto real per capita durante o período sob análise. O segundo grupo inclui: Chile, Costa Rica, México, Filipinas, Turquia, Uruguai e Venezuela. Estes países formam um grupo de comparação[3].

2.2 Classificação da despesa pública

Essa análise usa duas classificações alternativas de despesa pública. A despesa pública total é, primeiro, desagregada usando definição baseada em Bleaney, Gemmell, e Kneller (2001) e em Kneller, Bleaney e Gemmell (1999), que classificam a despesa, a priori, como tendo alguns componentes que são produtivos e outros improdutivos. Trata-se de um critério baseado na expectativa de impacto do gasto público na função de produção do setor privado. O conjunto de despesas produtivas é formado por aquelas referentes a: serviços públicos gerais, defesa, educação, saúde, habitação, transportes e comunicações.

Neste texto introduzimos uma classificação alternativa: despesas fundamentais versus não-fundamentais, que podem ser mais apropriadas para os países em desenvolvimento. As despesas fundamentais são: serviços públicos gerais, educação, saúde, habitação, transportes, comunicação, e combustível e energia.

A principal diferença entre as duas definições é que a última inclui a categoria “combustível e energia”, que frequentemente tem ligação estreita com outras categorias de despesa com impacto significativo sobre o crescimento. Além disso, há a exclusão da despesa com “defesa”, uma categoria sobre a qual os economistas nem sempre têm conhecimento suficiente.

3. Análise qualitativa e quantitativa

3.1 Estudo comparativo

Enquanto os países de rápido crescimento tiveram (em média) um crescimento de 5% no Produto Nacional Bruto per capita no período 1970-2005, os países do grupo de comparação cresceram apenas 1,6%. O tamanho da despesa pública como proporção do Produto Nacional Bruto é bastante próximo nos dois grupos (em torno de 21%). O déficit orçamentário é um pouco maior no grupo de comparação (1,9% do PNB contra 1,3% do PNB, em média).

Quando se comparam os componentes do gasto público, a participação das despesas consideradas como produtivas na despesa total é significativamente maior para o grupo de rápido crescimento econômico: 64% contra 50% no grupo de comparação. Outra observação interessante é que esse percentual tende a declinar significativamente para o grupo de comparação, especialmente após 1980.

Possíveis diferenças entre os dois grupos também podem estar associadas com a efetividade do governo e qualidade da governança. Em termos de efetividade[4], todos os países do primeiro grupo (com exceção da Indonésia) estão melhor ranqueados que os do segundo grupo. De modo similar, existe um grande hiato entre os dois grupos em termos de qualidade da burocracia.

3.2 Resultados empíricos

Os resultados gerais sugerem que o gasto público, especialmente os seus componentes produtivos, tem, de fato, impacto positivo e estatisticamente significante na taxa de crescimento real per capita do PNB dos países do primeiro grupo. Para os países do grupo de comparação não se pode estabelecer uma relação similar que seja estatisticamente robusta. Além disso, o efeito líquido conjunto da política fiscal (calculado como a soma dos coeficientes estimados para as despesas, receitas e resultado fiscal) é também positivo e estatisticamente significante apenas para o primeiro grupo.

Os resultados originais se mantêm quando se usa a classificação alternativa dos gastos: despesas fundamentais versus não-fundamentais. Os componentes fundamentais são, mais uma vez, estatisticamente correlacionados com o crescimento econômico apenas no primeiro grupo de países.

É fundamental reconhecer a contribuição do setor privado e da estabilidade macroeconômica para o crescimento. A inflação é negativamente correlacionada com o crescimento, principalmente no primeiro grupo, indicando que reduzir a inflação estimula o crescimento desses países e, portanto, o crescimento responde mais à estabilidade macroeconômica. As duas variáveis de controle utilizadas, de forma alternada, para capturar a influência do setor privado (investimento privado e abertura comercial) também tendem a ser fortemente significantes na explicação do crescimento do primeiro grupo de países. Esses resultados apontam para a existência de uma política econômica que cria um ambiente mais propício ao crescimento, bem como uma forte contribuição do setor privado no primeiro grupo.

Outro resultado interessante é que, quando os dois grupos são combinados em uma única estimação, a significância estatística e econômica, bem como a magnitude do efeito da despesa total sobre o crescimento, cai substancialmente. De modo similar, quando diferentes componentes do gasto público são desagregados, as despesas “produtivas” e as “fundamentais” se tornam estatisticamente não significativas para a explicação do crescimento da amostra total (primeiro e segundo grupo de países juntos).

Esses resultados indicam que quando um grupo mais heterogêneo de países em desenvolvimento (em termos de desempenho de crescimento) é incluído no estudo, cai a significância da despesa pública e de outros componentes do orçamento na explicação do crescimento econômico. Isso pode explicar porque alguns dos estudos empíricos prévios que misturaram países com diferentes padrões de crescimento não encontraram relações estatísticas significativas entre gasto público e crescimento.

3.3 Implicações para a política fiscal

Os resultados mostram que, levando em conta o impacto (negativo) da tributação sobre o crescimento, a despesa pública tem efeito positivo sobre o desempenho da economia através dos seus componentes “produtivos” e “fundamentais”, em um ambiente de política econômica em que o investimento privado, a abertura da economia, e a estabilidade macroeconômica também são indutoras de crescimento.

A análise indica que o volume de despesa pública nos setores produtivos ou fundamentais, que consistem em uma combinação de despesas correntes e despesas de capital em infraestrutura, saúde, educação e outros setores econômicos críticos para o desenvolvimento, podem ter significativo impacto conjunto sobre o crescimento. Para os formuladores de políticas públicas, esse resultado implica que o planejamento e a execução integrados de despesa nesses setores estratégicos, levando em conta as inter-relações existentes entre eles, bem como entre os seus componentes correntes e de capital, tendem a conduzir ao crescimento.

Esses resultados têm importante implicação para o debate acerca do desenho de regras fiscais em um contexto de crescimento. Muitos países em desenvolvimento, usando a “regra de ouro”[5], tentam manter o equilíbrio ou superávit nos seus orçamentos de despesa corrente, enquanto a despesa de capital é crescentemente financiada por empréstimos. Mais precisamente, sob a regra de Blanchard-Giavazzi (2002), os governos devem tomar empréstimos em termos líquidos continuamente apenas para financiar investimentos líquidos (ou seja, investimentos brutos menos a depreciação do da infraestrutura pública). Essa regra permite crescente endividamento bruto para o propósito de refinanciar dívida vincenda, desde que se mantenha a dívida líquida constante.

Em adição à “contabilidade criativa”[6], aos incentivos negativos[7], e à fragmentação e distorção do orçamento que a regra de Blanchard-Giavazzi podem gerar, outro possível problema com tal regra seria o fato de que ela não leva em conta a possível interação entre categorias setoriais da despesa pública independentemente de elas serem despesa corrente ou de capital. Sob a vigência da regra de ouro, é possível que alguns investimentos, como em hospitais e escolas, sejam plenamente financiados ao mesmo tempo em que não exista verba para financiar despesa de contratação de pessoal para funcionamento desses hospitais e escolas, bem como para sua manutenção. Dado que essas despesas correntes são essenciais para garantir o funcionamento adequado dos ativos de capital, a sua escassez resultará em serviços públicos ineficientes e, no final das contas, um peso para o país, com duvidosos efeitos sobre o crescimento econômico.

Todavia, é importante notar que para ser capaz de extrair recomendações em relação à composição da despesa pública para um país específico, com vistas a estimular o crescimento, é necessário adicionar às conclusões aqui obtidas estudos empíricos individuais sobre o país em questão. Tais estudos devem considerar características específicas do país que possivelmente afetem a composição do gasto público, assim como os outros determinantes do crescimento.

A sugestão de classificação dos gastos como “produtivos” ou “fundamentais” feita neste artigo deve ser guiada e adaptada pelas características individuais de cada país[8]. Por exemplo, em um país em que a agricultura represente um alto percentual do PNB, despesas públicas com irrigação, infraestrutura rural e energia rural devem ser consideradas como “fundamentais”, enquanto em outros países muito dependentes da exportação de produtos minerais e energia, fundos públicos alocados para aquele setor devem ser incluídos no grupo de despesas “fundamentais”.

Finalmente, dado que a análise qualitativa mostrou que a qualidade da governança, medida pela efetividade e qualidade da burocracia do governo, é consistentemente maior para o grupo de países de alto crescimento, os efeitos de grupo que são introduzidos na especificação empírica (países de rápido crescimento versus grupo de comparação) capturam parcialmente a qualidade da governança. Por isso, uma importante extensão da presente análise seria um estudo detalhado do papel dos indicadores de qualidade da governança na relação entre gasto público e crescimento econômico.

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Para ler mais sobre o tema:

Moreno-Dodson, B. 2008. “Assessing the Impact of Public Spending on Growth: An Empirical Analysis for Seven Fast-Growing Countries.” World Bank Policy Research Working Paper 4663, Washington, DC.

Referências bibliográficas:

Ang, J. B. 2009. “Do Public Investment and FDI Crowd In or Crowd Out Private Domestic Investment in Malaysia?” Applied Economics 41(7): 913–19.

Baldacci, E., B. Clements, S. Gupta, and Q. Cui. 2008. “Social Spending, Human Capital, and Growth in Developing Countries.” World Development 36(8): 1317–41.

Barro, R. J. 1990. “Government Spending in a Simple Model of Endogenous Growth.” Journal of Political Economy 98 (October): s103–s25.

Bayraktar, N., and B. Moreno-Dodson. 2010. “How Can Public Spending  Help You Grow? An Empirical Analysis for Developing Countries. World Bank Policy Research Working Paper No. 5367 (July), Washington, DC.

Benos, N. 2009. “Fiscal Policy and Economic Growth: Empirical Evidence from EU Countries.” Unpublished work, University of Ioannina.

Blanchard, Olivier J., and Francesco Giavazzi. 2002. “Current Account Deficits in the Euro Area: The End of the Feldstein Horioka Puzzle?” Brookings Papers on Economic Activity 33(2): 147–210.

Bleaney, M., N. Gemmell, and R. Kneller. 2001. “Testing the Endogenous Growth Model: Public Expenditure, Taxation, and Growth over the Long Run.” Canadian Journal of Economics 34(1): 36–57.

Bose, N., M. E. Haque, and D. R. Osborn. 2007. “Public Expenditure and Economic Growth: A Disaggregated Analysis for Developing Countries.” The Manchester School 75(5): 533–56.

Brahmbhatt, Milan. Forthcoming. “Fiscal Policy for Growth and Development in India: A Review.” Working Paper, Washington, DC.

Calvo, Oscar. Forthcoming. Peru Public Expenditure Review (PER). Washington, DC, World Bank.

Colombier, C. 2009. “Growth Effects of Fiscal Policies: An Application of Robust Modified M-Estimator.” Applied Economics 41(7): 899–912.

Ghosh, S., and A. Gregoriou. 2008. “The Composition of Government Spending and Growth: Is Current or Capital Spending Better?” Oxford Economic Papers 60 (June): 484–516.

Kneller, R., M. Bleaney, and N. Gemmell. 1999. “Fiscal Policy and Growth: Evidence from OECD Countries.” Journal of Public Economics 74(2): 171–90.

Segura-Ubiergo, A., A. Simone, S. Gupta, and Q. Cui. 2009. “New Evidence on Fiscal Adjustment and Growth in Transition Economies.” Comparative Economic Studies 52(1).


[1] Veja Moreno-Dodson (2008) e Bayraktar e Moreno-Dodson (2010) para uma detalhada revisão da literatura. Alguns dos recentes estudos nessa área são os seguintes: Bose, Haque e Osborn (2007), em um estudo focando países em desenvolvimento, encontram que a despesa de capital, especialmente na área de educação (construção de escolas, por exemplo), está positivamente correlacionada com crescimento, enquanto a despesa corrente não tem impacto significativo. Benos (2009), usando 14 países da União Européia, mostra que a realocação de componentes do gasto do governo, especialmente em direção à infraestrutura e ao capital humano, pode estimular o crescimento. Ghosh e Gregoriou (2008), analisando um grupo de 15 países em desenvolvimento, mostram que a despesa corrente tem impacto positivo no crescimento, enquanto o gasto de capital tem efeito negativo. Baldacci et al. (2008) indicam que, com o uso explícito de controles para a governança e incorporando não-linearidades, os gastos em educação e saúde dão suporte a um maior crescimento econômico nos países em desenvolvimento. Segura-Ubiergo et al. (2009) apresentam um impacto positivo do ajuste fiscal no crescimento de economias em transição. Colombier (2009), focalizando os países da OCDE, e Ang (2009), estudando o caso da Malásia, apontam a importância das despesas de capital do governo para o crescimento.

[2] O presente estudo é uma extensão de Moreno-Dodson (2008), que inclui apenas países de rápido crescimento. Moreno-Dodson mostra que a ligação entre despesa pública total e crescimento é positiva no geral, com alguns componentes de despesa sendo particularmente importantes para o crescimento. Componentes improdutivos da despesa pública são menos significantes – ou têm até mesmo impacto negativo sobre o crescimento – enquanto os componentes produtivos da despesa pública são estatisticamente significantes.

[3] A principal fonte de dados é o Government Financial Statistics, do FMI.

[4] Usando os indicadores de governança KMM.

[5] Regra que estabelece que o governo deve se endividar apenas para financiar despesa de capital. (NT)

[6] Por exemplo, classificar despesas correntes como sendo despesas de capital para viabilizar seu financiamento via dívida (NT).

[7] Por exemplo, preferência por investimentos, que podem ser financiados via dívida, a despesas correntes, que precisam ser financiados por tributação (NT)

[8] Para uma aplicação dessa metodologia a país individual ver, por exemplo, o Peru public expenditure review (Calvo, a publicar), e o World Bank Working Paper “Fiscal Policy for Growth and Development in India: a review” (Brahmbhatt, a publicar).

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Como as eleições afetam a economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=397&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-eleicoes-afetam-a-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=397#comments Tue, 29 Mar 2011 19:15:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=397 A relação entre flutuações econômicas e decisões eleitorais de uma população constitui um dos tópicos mais estudados tanto em economia como em ciência política.

Diversos estudos confirmam a relação entre a situação econômica e suas oscilações com o resultado nas urnas. Um estudo pioneiro de Kramer (1971) analisa o resultado das eleições norte-americanas para a Presidência e o Congresso dos EUA, de 1896 a 1964. Ficou evidenciada a relação entre o desempenho da economia e a manutenção do partido titular no poder, concluindo que uma redução de 10% na renda per capita gera uma perda de aproximadamente 5% das cadeiras ocupadas pelo partido do presidente no Congresso. Além disso, o estudo sugere que flutuações econômicas explicam aproximadamente 50% da variância do voto no Legislativo daquele país.

Considerando a importância que os eleitores atribuem ao desempenho da economia no momento de votar, fica clara a existência de um incentivo para que um político no poder tente induzir maior crescimento econômico em períodos próximos às eleições, de forma a receber o bônus eleitoral desse crescimento. Um exemplo disso é novamente os EUA, após a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. A prosperidade econômica do país foi interrompida e fez a economia mergulhar em grave crise recessiva. Isso fez com que o Partido Republicano, então no poder, perdesse as eleições. O democrata Franklin Delano Roosevelt assumiu a Presidência em 1933 e reelegeu-se por mais três mandatos consecutivos, até sua morte em 1945, realizando uma política de desenvolvimento baseada em pesados investimentos estatais para estimular a recuperação econômica.

O trabalho precursor que tenta explicar esse comportamento do governante é o de Nordhaus (1975), que cunha a expressão Political Business Cycle (ciclos políticos de negócios). Segundo esse estudo, ao perceber o efeito da economia no voto, o governante decide aumentar a oferta da moeda (via novas emissões ou por meio do Banco Central adquirindo títulos do mercado privado), em ano eleitoral de forma a conseguir incremento na produção do país e, assim, diminuir o desemprego. Em consequência, os eleitores reagem positivamente nas urnas, desconhecendo que o ato do governo federal gerará inflação, trazendo novos problemas à sociedade no futuro.

O problema do trabalho de Nordhaus é que ele admite a possibilidade de os eleitores serem constantemente enganados pelo governante, apesar do limitado efeito que a política de expansão monetária traz ao crescimento econômico no médio prazo. Na verdade, esse crescimento artificialmente induzido é perdido no primeiro ano após as eleições, devido à estagnação econômica e à inflação. Eleitores racionais e com razoável memória não se deixariam enganar por mais de uma vez.

Essa teoria teve um refinamento conhecido como Political Budget Cycle (ciclos políticos orçamentários), feito por Rogoff (1990), que focou a estratégia do governante não na política monetária, mas sim na política fiscal, como a carga tributária, as transferências governamentais e as despesas correntes do governo, concluindo que o governante tende a distorcê-la, cortando tributos, aumentando transferências e promovendo gastos que tenham visibilidade imediata. Tal comportamento do governante, provavelmente, geraria ou agravaria uma situação de déficit fiscal. Segundo esse estudo, o político mais votado é aquele que tende a gerar maior desequilíbrio nas contas públicas, contrariamente ao político preocupado com os recursos do Estado.

Vale mencionar que os prejuízos futuros dessa política são tão graves quanto à inflação provocada pela expansão monetária. Só que, no caso da política fiscal, os efeitos nefastos como aumento da taxa de juros, elevação da carga tributária ou redução da produtividade da economia somente são sentidos em prazos mais longos, sendo difícil para o eleitor identificar que a origem do problema aconteceu pelo comportamento irresponsável de governantes passados que deram causa ao desequilíbrio.

Será que os ciclos políticos orçamentários se aplicam ao Brasil? O gráfico abaixo retrata, com dados do Tesouro Nacional, a evolução dos gastos da União em comparação com o PIB.

Além da óbvia tendência de aumento dos gastos públicos durante o período, percebe-se que a série forma ciclos que coincidem com os mandatos presidenciais. Dentro de cada ciclo de quatro anos (1994-1998, 1999-2002, 2003-2006, 2007-2010), o maior percentual de gastos em relação ao PIB acontece nos anos de realização das eleições (indicado pelas setas).

Tendo em vista essa tendência de aumento dos gastos públicos em ano eleitoral, a sociedade deve se mobilizar para colocar limites nos gastos que visam somente angariar votos. Em parte, isso foi feito com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que criou algumas restrições para aumento de gastos públicos e endividamento do Estado nos anos eleitorais, no entanto, em muitos casos é difícil provar a distinção entre a despesa que tem motivação eleitoral e aquele gasto que realmente mereceria ser feito para o benefício da população.

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Para ler mais sobre o tema:

Kramer, G. H. (1971). “Short Term Fluctuations in U.S. Voting Behavior, 1896-1964”, American Political Science Review, 65:131-43.

Meneguin, F.B.; Bugarin, M.S.; Carvalho, A.X. (2005). “O que leva um governante à reeleição?” Texto para Discussão IPEA, nº 1135.

Nordhaus, W. (1975). “The Political Business Cycle”. Review of Economic Studies, 42:169-190.

Rogoff, K. (1990). “Equilibrium Political Budget Cycles”. American Economic Review, 80:21-36.

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É possível controlar o gasto do Governo apenas enxugando os desperdícios? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=220&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-possivel-controlar-o-gasto-do-governo-apenas-enxugando-os-desperdicios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=220#comments Thu, 24 Feb 2011 01:48:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=220 É muito comum o argumento de que o governo é “perdulário” e que ações visando o enxugamento de desperdícios seriam suficientes para conter a expansão do gasto público. Sendo válido esse argumento, a política de controle de gastos deveria se concentrar nas chamadas “despesas de custeio” da máquina governamental: diárias e passagens, material de consumo, serviços terceirizados (limpeza, vigilância, etc.), consultorias prestadas por empresas privadas, etc.

O que se demonstra nesse texto é que, embora seja desejável a redução de eventuais desperdícios no custeio, esse tipo de controle de gasto nem de longe resolveria o desequilíbrio das contas do Governo Federal.

Em valores de 2010, um ajuste fiscal significativo estaria na ordem de R$ 40 a R$ 50 bilhões. O que se poderia obter com um corte radical no custeio não passaria de R$ 19 bilhões.

Tomando-se os dados da execução orçamentária do Governo Federal, temos que os “gastos de custeio” são aqueles classificados como “outras despesas correntes”. Mostra-se, a seguir, que a efetiva e significativa redução das “outras despesas correntes” depende de mudanças de fôlego na legislação e nas políticas públicas, tais como: alteração nos requisitos para concessão de aposentadorias e pensões, revisão da política de valorização real do salário mínimo e reavaliação da indexação do gasto com saúde ao crescimento do PIB nominal.

São, portanto, medidas muito mais profundas do que a restrição ao gasto com passagens aéreas ou com compra de material de consumo.

A Tabela 1 abre as “outras despesas correntes” em grandes itens de despesa. Olhando o valor da despesa total (R$ 594 bilhões) parece fácil fazer o ajuste fiscal. Se precisamos cortar R$50 bilhões para zerar o déficit nominal do Governo, então estamos falando de um ajuste de menos de 10% no custeio da máquina pública: nada que um “aperto de cintos” não pudesse resolver.

Mas essa impressão é ilusória. As outras linhas da Tabela 1 desagregam a despesa total, apresentando os itens em que ela é rígida, seja por determinação legal, seja por se tratar de política pública prioritária.

O primeiro item refere-se à “distribuição obrigatória de receitas”: Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, Fundo Constitucional do DF, royalties de petróleo, etc. O Governo Federal, por determinação constitucional ou de diversas leis, é obrigado a compartilhar sua arrecadação com estados. Trata-se, portanto, de despesa obrigatória e incomprimível[1].

O segundo item de despesa é aquele referente à Saúde. De acordo com a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, o Governo Federal é obrigado a gastar com saúde o valor efetivamente gasto no exercício anterior acrescido da variação nominal do PIB. Portanto, tudo o que se gasta em saúde em um ano converte-se em despesa obrigatória para o ano seguinte, reajustado pela variação do PIB. Não só não há possibilidade de cortes, como há obrigatoriedade de crescimento real desse gasto ano após ano.

Tabela 1 – Outras despesas correntes do Governo Central (orçamentos fiscal e da seguridade social): 2010

Despesa R$ Bilhões % do Total
OUTRAS DESPESAS CORRENTES (TOTAL) (A) 593,8 100%
1 – DISTRIBUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE RECEITAS 137,0 23%
2 – SAÚDE 50,9 9%
3 – ASSOCIADA A PESSOAL E ENCARGOS (EXCETO SAÚDE) 3,8 1%
4 – SENT. JUDIC., EXERC ANT. E COMPR. FINANC.(EXCETO SAUDE) 16,5 3%
5 – BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E ASSISTENCIAIS (EXCETO SAUDE) 246,5 42%
6 – SEGURO DESEMPREGO E PIS PASEP 29,2 5%
7 – BENEFÍCIO MENSAL AO DEFICIENTE E AO IDOSO 22,2 4%
9 – EDUCAÇÃO 22,0 4%
10 – Bolsa Família 13,5 2%
SOMATÓRIO DAS DESPESAS RÍGIDAS (1+2+…+8) (B) 541,7 91%
OUTRAS DESPESAS CORRENTES NÃO RÍGIDAS (C)=(A)-(B) 52,1 9%
Memo: Despesas vinculadas ao salário mínimo, ao PIB ou à inflação: 2+5+6+7 348,8 59%

Fonte: SIAFI – Sistema “Siga Brasil”. Elaborado pelo autor.

(*) Conceito de “despesa liquidada”.

O terceiro grupo de despesas é aquele associado aos gastos com pessoal. Os pagamentos de remunerações de servidores públicos não são classificados como “outras despesas correntes”. São classificados como “pessoal e encargos sociais”. Não fazem parte, portanto, do “custeio” analisado nesse texto. Porém, existem despesas classificadas como “outras despesas correntes” intimamente ligadas à despesa de pessoal, tais como: auxílio alimentação, auxílio transporte, salário família, etc. Todas essas despesas decorrem de obrigações legais da União na condição de empregadora. Logo, o seu valor é determinado a reboque das despesas com pessoal e encargos sociais. Sua redução dependeria, portanto, da redução nos gastos de pessoal. Mas os gastos de pessoal também são rígidos, devido a fatores como estabilidade no cargo e irredutibilidade de vencimentos[2].

O quarto item da Tabela 1 representa despesas geradas no passado e que não podem ser cortadas no presente. É o caso, por exemplo, de sentenças judiciais, indenizações e restituições que a União é obrigada a pagar. A única forma de cortar dispêndio nesse item seria desobedecer ao Judiciário ou ficar inadimplente junto a credores. Certamente essa não é uma forma consistente de se fazer ajuste fiscal[3].

O item 5 representa as aposentadorias, pensões e outros benefícios previdenciários pagos pelo INSS. Obviamente essa é uma despesa devida a todos aqueles que preenchem os requisitos legais para requerer uma aposentadoria, uma pensão, um auxílio doença ou qualquer outro benefício pago pelo INSS. Não há como fazer redução dessa despesa negando-se a concessão de benefícios para os quais os requerentes tenham direito.

Ademais, por decisão governamental, o salário mínimo (que é a base de referência para aproximadamente 2/3 dos benefícios previdenciários) tem subido acima da inflação. Nos últimos anos o seu reajuste tem sido feito com base no crescimento do PIB. Os benefícios previdenciários superiores a um salário mínimo são reajustados pela inflação passada.

Por isso, as únicas formas de redução desse tipo de dispêndio são a reforma na legislação previdenciária ou a desvinculação do valor dos benefícios básicos do valor do salário mínimo[4].

Os itens 6 e 7 são similares ao anterior. Referem-se a benefícios que são pagos a todos os requerentes que cumpram os requisitos legais. A Lei Orgânica da Assistência Social define a obrigatoriedade do pagamento de benefícios aos deficientes físicos e idosos de baixa renda. Tais benefícios são indexados ao salário mínimo. O PIS-PASEP e o seguro desemprego pagam abonos e remuneram temporariamente os desempregados. Embora esse benefício não esteja formalmente vinculado ao salário mínimo, parte substancial dos beneficiários está nessa faixa de renda, de modo que os reajustes reais do mínimo também impactam essa categoria de despesa.

O item 8 contém as “outras despesas correntes” em educação. Na educação há um complexo sistema de vinculação de impostos aos gastos com “manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE)”[5]: 18% da arrecadação de impostos do Governo Federal devem ser destinados a essa finalidade. Além disso, há a obrigatoriedade de se fazer aportes de recursos federais, a título de complementação, ao Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB)[6].

Tais obrigações legais não chegam a ser uma fonte importante de rigidez nas “outras despesas correntes” em educação, pois o gasto obrigatório recai quase que totalmente no item “despesa de pessoal e encargos sociais”. No entanto, esse é um setor prioritário da gestão pública. Ainda que possa haver desperdícios no custeio da educação, a economia eventualmente feita com o corte desses desperdícios tenderia a ser reaplicada em outros programas (mais eficientes) dentro da própria área da educação. No limite, fazendo uma hipótese heróica, poderíamos imaginar que um corte radical no custeio da educação representaria uma economia de 10 a 20%. Ou seja, no máximo R$ 4,4 bilhões.

O último item diz respeito ao Programa Bolsa Família. De acordo com a Lei nº 10.836, de 2004, que rege o programa, é o Governo que define o valor e a quantidade de bolsas a serem concedidas. A rigor, se desejasse cortar o programa, não seria necessário revogar a lei. Bastaria definir um valor irrisório para a bolsa (cujo valor não está indexado ao salário mínimo ou a qualquer outro indicador) ou reduzir drasticamente o número de beneficiários.

Obviamente, o grande peso político desse programa, aliado aos seus resultados positivos na mitigação da miséria, e possíveis contestações judiciais à redução do valor do benefício, tornam tal procedimento bastante improvável.

Ao deduzir todos esses itens rígidos das “outras despesas de custeio” sobram apenas R$ 52 bilhões de despesas flexíveis: 9% da despesa total. Como fazer um ajuste fiscal da ordem de R$ 50 bilhões (necessários para zerar o déficit nominal) se o conjunto de despesas a ser submetida a enxugamento é de R$ 52 bilhões? Seria preciso interromper todos os programas de governo que não tenham sido listados na tabela 1: saneamento básico, ciência e tecnologia, defesa, urbanização, agricultura, meio-ambiente, etc.

Outro indicador da dificuldade de se cortar o custeio está na última linha da Tabela 1: nada menos que 59% das “outras despesas correntes” são reajustados, automaticamente, pela variação do PIB ou pela inflação do ano anterior.

Um corte forte nas “outras despesas correntes” não rígidas, da ordem de 20%, levaria a uma economia de R$ 10,4 bilhões. Somando-se a isso a economia na área da educação, acima calculada em R$ 4,4 bilhões, teríamos um corte de R$ 14,8 bilhões, obtido mediante forte comprometimento da gestão governamental. E mesmo esse grande esforço não nos colocaria nem perto do necessário ajuste de R$ 50 bilhões.

Ademais, seriam altas as chances de que esses cortes fossem revertidos em exercícios posteriores, mediante pressões para a retomada de política públicas por eles prejudicadas.

Fica claro que não há opções de ajuste fiscal permanente, consistente e com efeito a longo prazo que se baseie apenas no “enxugamento de desperdícios nas despesas de custeio”. Embora seja salutar e desejável que se busque cortar desperdícios, o ajuste necessário vai além e requer reorientação da ação do Governo em políticas relevantes. É preciso, inclusive, tomar medidas que ajustem a despesa em itens que não foram aqui analisados, como a despesa de pessoal, investimentos e inversões financeiras.

Um roteiro para um ajuste da despesa pública passa pelos seguintes pontos:

a)        racionalização da política de pessoal, voltada para a qualidade na contratação, o estímulo ao bom desempenho e o controle da folha de pagamento;

b)        forte esforço de avaliação dos investimentos públicos prioritários, com o cancelamento de investimentos desnecessários ou questionáveis;

c)        dinamização dos procedimentos de concessões e demais modalidades de participação da iniciativa privada nos investimentos de infraestrutura (inclusive a melhoria na regulação e na capacidade de atuação das agências reguladoras), com vistas a se acelerar os investimentos nessa área, com o envolvimento de menos recursos públicos e com maior eficiência;

d)       revisão da política de reajuste do salário mínimo, para reduzir a velocidade de crescimento das despesas a ele indexadas;

e)        complementação da reforma da previdência social;

f)         revisão da regra de despesa mínima em saúde, vinculando-se a expansão da verba a melhorias na gestão e a indicadores de qualidade;

g)        revisão das políticas industrial e de incentivos regionais, visando à redução dos recursos aplicados em financiamentos subsidiados a programas de baixo retorno social ou à gradual retirada do Governo Federal do mercado de financiamento de longo prazo ao setor privado.

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Para ler mais sobre o tema:

Mendes, Marcos (2011). Desembrulhando o ajuste fiscal: há espaço para ajuste fiscal no Governo Federal sem reformas legais ou revisão de políticas públicas? Texto para Discussão nº 86. Centro de Estudos da Consultoria do Senado. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Note-se que não foi considerado nesse total o montante de transferências emergenciais, feitas aos estados e municípios em 2009 e 2010, a título de compensação por perdas de receitas decorrentes da crise econômica internacional. Esta seria uma despesa não-obrigatória.

[2] Não se considera nesse item as “outras despesas correntes” associadas ao gasto com pessoal na função saúde, pois já foram incluídas no item anterior.

[3] Mais uma vez, não se incluem nesse item as despesas realizadas no âmbito da função saúde, já consideradas no item 2.

[4] Sempre há a necessidade de manter vigilância em relação às fraudes contra a previdência. No passado recente, por exemplo, um maior rigor na concessão de auxílio doença provocou uma forte desaceleração no crescimento dessa despesa. Mas esse tipo de providência gerencial não é capaz de fazer a despesa da previdência diminuir de forma significativa.

[5] Vide art. 212 da Constituição Federal.

[6] Lei nº 11.494, de 2007.

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