federalismo – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 29 Mar 2012 19:22:23 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-evoluiu-a-divida-estadual-nos-ultimos-dez-anos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154#comments Sun, 01 Apr 2012 22:00:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1154 O tema da dívida estadual adquiriu grandes proporções na década de noventa, quando o passivo dos Estados subiu rapidamente. Após a renegociação com a União nos anos finais da referida década, a atenção dada ao tema arrefeceu, mas reascende recorrentemente, em geral em meio a discussões sobre a partilha de receitas entre os entes federados. Depois de mais de uma década desde que a renegociação foi concluída, é preciso avaliar como evoluiu a dívida estadual nesse período. Antes, porém, cabe um histórico para situar o tema.

A atual situação da dívida estadual retrata importantes acontecimentos verificados na década de noventa, quando o passivo estadual subiu acentuadamente. Segundo Rigolon e Giambiagi (1999, p. 117), a dívida líquida dos Estados e Municípios aumentou de 5,8% do PIB, em 1989, para 14,4% do PIB, em 1998. A participação desse passivo na dívida líquida do setor público passou de 15%, em 1989, para 39%, na média do período 1995 a 1998, a despeito de renegociações realizadas nesse período.

O rápido aumento da dívida estadual levou a União a renegociá-la, o que se deu com base na Lei nº 9.496, de 1997. Antes dela, já haviam ocorrido outras renegociações com a União, mas que não foram suficientes para conter o crescente endividamento.

A renegociação de 1997 resultou em contratos firmados entre este ano e 1999 pela União e cada um dos Estados, a exceção do Amapá e de Tocantins. Como o mercado era credor de parte significativa da dívida estadual, a renegociação envolveu a assunção pela União desse passivo, tornando-se, em contrapartida, credora dos Estados nos termos negociados.

De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999, p. 129), a renegociação envolveu 77,9% da dívida líquida dos Estados e Municípios ao final de 1998, cerca de 11,3% do PIB. Nesse montante não estão incluídos os valores negociados no âmbito do Proes, programa por meio do qual se processou a alienação ou liquidação dos bancos estaduais. As maiores dívidas renegociadas foram a dos Estados mais ricos da Federação, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mora (2002, p. 27) informa que esses Estados foram responsáveis por cerca de 90% da dívida renegociada.

Os termos da renegociação serão analisados adiante. Vale agora destacar que esses termos não se restringiram a um ajuste financeiro, mas também fiscal e patrimonial, na medida em que os contratos firmados entre a União e cada um dos Estados contemplaram também metas, garantias e incentivos para a geração de superávits primários (receitas não financeiras deduzidas de despesas não financeiras) e venda de ativos.

Esses superávits eram necessários para viabilizar a adimplência dos encargos (juros e amortização) da dívida renegociada, ao longo do período da vigência dos contratos. A União foi também autorizada a utilizar as transferências constitucionais no pagamento dos encargos da dívida em caso de inadimplência. Como resultado da renegociação, os déficits primários dos Estados, vigentes até 1998, foram revertidos e tenderam a superávits nos anos seguintes. Esse ajuste mostrou-se muito importante por conta da grave crise econômica então vivida pelo Brasil, e que só foi debelada com o ajuste fiscal do setor público, entre outras providências.

Feito esse histórico, cabe avaliar como evolui a dívida estadual no transcurso de vigência da renegociação firmada entre Estados e União. Utiliza-se aqui os dados da dívida líquida do setor público, aferida pelo Bacen, disponível desde dezembro de 2001[1]. Esse é o indicador normalmente utilizado quando se quer retratar a situação do endividamento público no Brasil.

A dívida líquida dos Estados ao final de 2011 era de R$ 434 bilhões, o que correspondia a 10,5% do PIB. Em dezembro de 2001, o saldo era de 18,1% do PIB. Portanto, em dez anos, houve queda de 42,2%, ou de 7,2 pontos percentuais do PIB. No mesmo período, a dívida líquida da União caiu 23,7%, o que reduziu a participação da dívida estadual no total da dívida líquida do setor público de 31,7% para 27,3%. Em que pese essa participação inferior a 1/3, os Estados foram responsáveis por 48,7% da queda da dívida líquida do setor público nos dez anos em questão.

Trata-se de evolução bastante distinta do descontrole verificado na década de noventa. Mesmo assim, são recorrentes as tensões entre Estados e União em torno do tema. Para entender essa situação é preciso analisar a composição da dívida bruta dos governos estaduais, sem considerar as estatais e os haveres. Do total de R$ 453,5 bilhões do saldo desse passivo em dezembro de 2011, os compromissos junto à União representavam R$ 407,8 bilhões ou 89,9%. São os passivos renegociados na década de noventa, especialmente a renegociação feita com base na Lei nº 9.496, de 1997, e que atualmente corresponde a 90,6% da dívida dos governos estaduais junto à União.

O passivo junto à União também caiu de forma expressiva de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, tal qual a dívida líquida dos Estados. Nesse período, aquele passivo passou de 16,2% do PIB para 9,8% do PIB, queda de 39,2% ou 6,4 pontos percentuais do PIB. Entretanto, é preciso qualificar essa queda.

Em primeiro lugar, a queda ocorreu, em boa medida, em virtude dos aumentos do PIB. Na média do período de 2002 a 2011, o produto aumentou 12,3%. Quando a dívida dos governos estaduais junto à União é medida em termos reais, utilizando-se como índice de preços o IGP-DI, a queda real durante os dez anos foi de apenas 11,11%.

Em segundo lugar, mesmo em relação ao PIB, a queda de 6,4 pontos percentuais não é tão expressiva quanto parece. Vale observar que se trata de passivo que está há anos sendo amortizado, sem que novos empréstimos sejam feitos. Se o ritmo da queda verificado até aqui se reproduzir nos próximos anos (0,64 ponto de PIB por ano), serão ainda necessários mais quinze anos aproximadamente para que a dívida dos governos estaduais junto à União seja quitada, partindo-se do saldo atual de 9,8% do PIB. Esse prazo se transforma em dezenove ou em treze anos se o ritmo de queda reproduzir o período 2002-2006 ou o período 2007-2011, respectivamente.

Em quaisquer desses cenários está implícita a continuidade do esforço fiscal dos Estados. Em 2011, o superávit primário dos governos estaduais foi de 0,72% do PIB, mesmo número da média do período de 2002 a 2011. Possivelmente, o descontentamento dos Estados decorra do esforço fiscal requerido para manter a trajetória de queda da dívida e do tempo que ainda será necessário mantê-lo.

Mas porque razão a dívida dos governos estaduais junto à União não está caindo mais rapidamente, a despeito dos superávits primários gerados? A razão está nas condições dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, que, conforme visto, rege grande parte do passivo estadual. Entre os termos firmados com cada Estado, destacam-se o pagamento em 360 prestações (30 anos), nas quais se incluem os juros e as amortizações; taxa de juros de 6% ao ano (7,5% em alguns casos); correção do saldo devedor pelo IGP-DI; e limite aos desembolsos feitos pelos Estados, dado por um percentual da receita estadual.

Esse último item merece um exemplo. Suponha que os desembolsos relativos aos encargos do passivo junto à União de um determinado Estado estejam limitados a 13,5% de sua receita. Caso a prestação, em um certo momento, corresponda a 16,5% da receita, essa diferença de três pontos percentuais deixa de ser paga imediatamente, e se junta ao saldo devedor, igualmente sujeita ao IGP-DI e à taxa de juros.

Dados esses termos, notadamente o limite para os desembolsos e a correção do passivo pelo IGP-DI, somado ainda ao cenário macroeconômico que determinou a evolução desse índice, os pagamentos feitos pelos Estados corresponderam basicamente aos juros reais (dados pelos 6% ou 7,5% ao ano), enquanto a amortização da dívida e a sua correção pelo IGP-DI se somaram ao saldo devedor, ao ultrapassarem o limite dos desembolsos.

Esses traços gerais dos fluxos financeiros da dívida renegociada com base na Lei nº 9.497, de 1996, podem ser observados a partir da análise dos usos e fontes da dívida líquida dos governos estaduais, divulgados pelo Bacen. Apesar de contemplarem a integridade dessa dívida, esses números são fortemente condicionados pelo amplamente majoritário passivo renegociado com base na referida lei.

Observa-se que, de 2002 a 2011, o superávit primário gerado pelos governos estaduais ou, em outros termos, os desembolsos feitos por conta dos encargos da dívida (juros e amortizações), foi de R$ 186,6 bilhões. Trata-se de montante elevado, mas muito próximo dos R$ 177,4 bilhões relativos aos juros líquidos da dívida interna, os quais incluem, majoritariamente, o pagamento da taxa de juros de 6% ao ano (ou de 7,5% para alguns Estados). Já a correção monetária da dívida líquida dos governos estaduais, que contempla basicamente a correção pelo IGP-DI, totalizou R$ 207,5 bilhões no período, em grande parte refinanciada por meio da sua incorporação ao principal da dívida.

Enfim, intencionalmente ou não, percebe-se que os superávits primários dos governos estaduais, calibrados pelo limite dado como percentual da receita estadual, são suficientes para pagar os juros reais da dívida, enquanto a amortização e a correção do passivo são automaticamente refinanciadas. Desse modo, não é de se estranhar que o saldo da dívida dos governos estaduais junto à União tenha caído apenas 11,11% de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, em termos reais, corrigido pelo próprio indexador majoritário do passivo que é o IGP-DI. Note-se uma vez mais que, durante esses dez anos, houve apenas desembolsos, sem qualquer novo empréstimo da União aos Estados.

Um aspecto negligenciado até agora, mas que não pode deixar de ser considerado, são as especificidades de cada Estado, já que a situação de endividamento é bastante heterogênea entre eles. Isso pode ser constatado pelos dados da relação entre dívida consolidada líquida e de receita corrente líquida apresentados por Estado, para os anos de 2000 a 2010, pela Secretaria do Tesouro Nacional[2].  Esses dados constam da tabela abaixo.

Dívida consolidada líquida em relação à

receita corrente líquida por Estado

Estados dez./

2010

dez./

2000*

Variação

(%)

Estados dez./

2010

dez./

2000

Variação

(%)

RIO GRANDE DO SUL 2,14 2,66 -19,7 BAHIA 0,52 1,64 -68,2
MINAS GERAIS 1,82 2,34 -22,1 PERNAMBUCO 0,38 0,86 -55,3
ALAGOAS 1,62 2,23 -27,6 PARAÍBA 0,36 1,53 -76,6
RIO DE JANEIRO 1,56 2,07 -24,5 SERGIPE 0,33 0,88 -62,2
SÃO PAULO 1,53 1,93 -20,8 PARÁ 0,29 0,57 -49,6
GOIÁS 1,30 3,13 -58,5 CEARÁ 0,28 0,87 -68,3
MATO GRASSO DO SUL 1,20 3,10 -61,3 AMAZONAS 0,27 1,00 -72,9
PARANÁ 0,89 1,29 -30,8 RIO GRANDE DO NORTE 0,20 0,71 -71,4
MARANHÃO 0,64 2,58 -75,3 DISTRITO FEDERAL 0,18 0,36 -49,6
SANTA CATARINA 0,63 1,83 -65,6 AMAPÁ 0,18 0,05 294,4
MATO GROSSO 0,55 2,50 -77,9 ESPÍRITO SANTO 0,17 0,98 -82,4
PIAUÍ 0,54 1,73 -68,8 TOCANTINS 0,16 0,35 -53,3
RONDÔNIA 0,54 1,11 -51,3 RORAIMA 0,04 0,31 -86,7
ACRE 0,54 1,04 -48,5 TOTAL 1,12 1,70 -34,1

Fonte primária: STN.

* 2001, no caso de Minas Gerais.

Percebe-se que há um grupo de Estados cuja situação do endividamento é menos favorável. São eles: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses quatro Estados respondem por 76,8% da dívida estadual e ocupam, juntamente com Alagoas, as cinco primeiras posições na classificação por ordem decrescente de relação entre dívida e receita, para o ano de 2010. A situação menos confortável é a do Rio Grande do Sul com relação de 2,14. Somente mais dois Estados, Goiás e Mato Grosso do Sul, possuem relação superior à unidade. Ocorre que, nesses dois casos, a relação caiu de forma expressiva de 2000 a 2010, ao contrário do que se constada com os quatro grandes Estados, cuja queda oscilou entre 19,7% e 24,5%, muito abaixo dos 60,9% relativos a todos os demais Estados.

Não existem informações detalhadas sobre o endividamento de cada Estado. O desempenho dos quatro Estados pode estar associado a vários fatores, mas um elemento que parece decisivo é o peso da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997. O Bacen divulga a composição da dívida por Região, somando-se Estados e Municípios[3]. O peso dessa dívida no total do passivo dos entes da Região Sudeste e Sul ao final de 2010 é de 88% e 83%, respectivamente[4]. Reflexo disso é a similaridade entre a queda de 19,7% a 24,5%, de 2000 a 2010, da relação entre dívida e receita desses quatro Estados, e a queda de 24,7%, de 2001 a 2011, da dívida renegociada com base na referida lei, aferida em relação ao PIB.

Assim, constata-se que os traços gerais da dinâmica da dívida dos governos estaduais perante a União, considerando-se os Estados conjuntamente, retratam mais fielmente a situação financeira dos quatro maiores Estados do Brasil, responsáveis por grande parte do passivo estadual.

Conforme visto, a continuidade desse arranjo, superávits primários inclusive, juntamente com um cenário macroeconômico que não seja pior do que a média dos últimos dez anos, tornará a dívida dos governos estaduais junto à União irrelevante ao longo dos próximos quinze anos, aferida em relação ao PIB. A questão em aberto é qual o grau de disposição dos Estados em aceitar a continuidade das linhas gerais desse arranjo por esse tempo extra. O descontentamento se expressa em demandas pela alteração dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, notadamente quanto ao indexador e/ou à taxa de juros empregados.

Existem importantes obstáculos a uma nova renegociação da dívida dos governos estaduais junto à União. Há a proibição imposta pelo art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº 101, de 2000). Entretanto, mesmo que esse dispositivo seja alterado, os contratos firmados são atos jurídicos perfeitos, o que significa que a revisão dos contratos depende da concordância da União.

É justamente na disposição da União onde reside a maior dificuldade. As alterações que possam ser relevantes representam, em última instância, transferências de recursos da União para os Estados, a serem financiados de algum modo por aquele ente. Suponha-se que a taxa de juros de 6% ao ano ou o limite de desembolsos seja diminuído. Tal mudança reduziria o superávit primário dos Estados, pois os recursos liberados provavelmente financiariam despesas primárias, como gastos correntes ou investimentos. Se a União pretendesse manter o superávit e a trajetória da dívida do setor público, teria que elevar compensatoriamente seu próprio superávit, com cortes de gastos e/ou elevação de receitas federais.

Existem ainda outras dificuldades a serem suplantadas para rever os contratos. Cabe referência a duas delas. Quanto à primeira, costuma-se sugerir a troca do IGP-DI pelo IPCA como indexador da dívida estadual junto à União. De fato, no transcurso dos contratos, o acumulado do primeiro índice subiu mais rapidamente que o segundo. Ocorre que não há qualquer garantia de que o padrão se mantenha no futuro. Aliás, não se observa tendência de afastamento entre os índices desde 2003. O problema do IGP-DI é a sua correlação com a taxa de câmbio e, enquanto não houver desvalorizações acentuadas do real, a referida tendência deverá ser mantida.

Certamente, a situação é bastante distinta se a revisão do índice for retroativa ao período anterior a 2003. A resistência da União em abrir a negociação decorre em boa medida do receio das demandas retroativas.

Quanto à segunda dificuldade, diz respeito à já comentada heterogeneidade da situação de endividamento dos Estados. Os termos da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997, afetam os Estados de modo muito distinto. Os mais beneficiados por uma eventual renegociação tendem a ser os maiores da Federação. Provavelmente, os outros Estados fariam demandas compensatórias no próprio âmbito da discussão da dívida ou em qualquer outro tema dentre as várias opções propiciadas pelo complexo federalismo fiscal brasileiro, a exemplo da distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados ou dos royalties relativos à exploração do petróleo.

Em meio às tensões entre os entes federados, o resultado poderá ser a flexibilização dos controles sobre novos empréstimos dos Estados junto aos bancos públicos ou privados ou junto aos credores externos. De certo modo, isso já vem ocorrendo nos últimos anos, ainda que timidamente. Cabe discernir as consequências caso esse financiamento seja ou não condicionado ao uso na amortização da dívida junto à União.

Caso a autorização para novos financiamentos seja condicionada ao uso na amortização da dívida junto à União, os Estados só terão interesse se o custo desse novo financiamento for mais baixo que o custo da dívida junto à União. Isso possivelmente só ocorrerá para o financiamento externo. Dois problemas advirão, então. Os Estados estarão mais sujeitos ao risco cambial e as operações de crédito externo serão um fator a mais a reduzir o preço do dólar no mercado cambial, uma tendência macroeconômica contra a qual o Governo Federal vem lutando, a fim de proteger a indústria nacional da concorrência dos produtos importados.

Se os Estados aderirem à estratégia de reestruturação do passivo, é claro que a União terá que utilizar os recursos extras, decorrentes da amortização mais rápida do crédito junto aos Estados, no resgate da sua própria dívida. De outro modo, a dívida líquida federal subirá, pois a redução do crédito não será compensada por equivalente redução do passivo.

Quanto à outra alternativa, a não obrigatoriedade do uso dos novos financiamentos no resgate do passivo junto à União, o resultado provavelmente será o aumento da dívida estadual e, por consequência, da dívida do setor público, aferida em relação ao PIB, eventualmente revertendo a tendência de queda verificada nos últimos anos. Isso só não ocorrerá se a própria União agir para que a dinâmica do seu passivo compense o aumento da dívida estadual.

Em qualquer hipótese, a flexibilização das restrições ao aumento do financiamento estadual terá que levar em conta as diferentes situações de endividamento dos Estados, de modo a não reiniciar as condições que levaram à dolorosa experiência da década de noventa.

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Referências bibliográficas:

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, de março de 2002.

(http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados. In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.


[1] Notas para a Imprensa – Política Fiscal (http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC). Como a série começou em 2001, não necessariamente é compatível com os dados relativos ao período anterior.

[2] Esses conceitos foram introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), com o intuito de estabelecer parâmetros legais de desempenho fiscal para os Entes Federados. A série completa dessas duas variáveis para o período 2000 a 2010 pode  ser encontrada em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/downloads/financas_estaduais_divida_liquida.pdf

[3] Http://www.bcb.gov.br/ESTATISTICADLSP.

[4] Vale observar que, no caso da Região Sul, o passivo dos Municípios é inexpressivo, e o Rio Grande do Sul responde por 64,2% da dívida estadual dessa Região.

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O que é guerra fiscal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=665&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-guerra-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=665#comments Thu, 28 Jul 2011 15:50:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=665 Alguém já disse que toda unanimidade é burra. Não sei se essa regra se aplica ao consenso brasileiro a favor da reforma tributária. Digo isso porque considero a reforma tributária uma falsa unanimidade. Todos a desejam, é verdade – empresários, trabalhadores, consumidores, estados, municípios e – pasmem! – até a União, que tem sido a grande beneficiária do nosso caos fiscal. Mas cada um a quer por razões diferentes e com objetivos diferentes. Portanto, cada grupo almeja uma reforma tributária diferente, incompatível com a reforma tributária pretendida pelos demais, e unanimidade é o que menos há nesse tema.

Para começar, empresários, trabalhadores e consumidores querem uma reforma tributária para pagar menos tributos; já municípios, estados e a União a querem para combater a sonegação e a guerra fiscal – isto é, para elevar a arrecadação. Fato interessante: a União quer uma reforma para elevar a arrecadação dos Estados, já que a sua tem sido fonte inesgotável de alegrias. Tanto que o Governo Federal acha até melhor não mexer em seus tributos – nem para criar novos (como o imposto sobre grandes fortunas – IGF), nem para ressuscitar os falecidos (como a contribuição sobre movimentação financeira – CPMF).

Uma reforma tributária pode mirar muitos objetivos: justiça fiscal, eficiência econômica, simplificação tributária, repartição de recursos entre os entes da Federação, desoneração de exportações, etc. Mas no Brasil – em que pesem certas tentativas abafadas de tempos em tempos – a reforma tributária virou um samba de uma nota só: seu único objetivo tem sido evitar a chamada “guerra fiscal” entre os estados.

Infrutífero objetivo, aliás; malsucedida reforma que nunca aconteceu.

A abertura da economia, no início da década de 1990, e a estabilização de 1994 criaram um novo ambiente de negócios no país e começaram a atrair capitais, estimular a instalação de novas empresas e a ampliação das existentes. Percebendo a oportunidade, os estados da Federação (inclusive o Distrito Federal) passaram a disputar os novos investimentos. Instituíram benefícios fiscais variados, muitos dos quais com base no ICMS, para atrair as empresas ­– especialmente as industriais, mas também comerciais (atacadistas, por exemplo) e de alguns serviços.

Após a estabilização monetária, o equilíbrio fiscal e a sustentabilidade da dívida pública passaram à frente na agenda política. Por isso, as propostas de reforma tributária convergiram, pouco a pouco, na direção do combate à guerra fiscal, que ameaçava os orçamentos estaduais e poderia tornar-se um calcanhar de aquiles da estabilização. Pelo menos era o que argumentavam os defensores da reforma: era preciso manter a arrecadação dos estados, para garantir que as dívidas estaduais não crescessem.

Desde então, testemunhamos algumas variações sobre o mesmo tema. Os demais objetivos da reforma ficaram, quando muito, para segundo plano. Mesmo o capítulo mais recente dessa novela – a redução das alíquotas interestaduais do imposto (que explicarei em seguida) – não rompe essa tradição.

Para perceber a dimensão do problema, é importante notar que o ICMS é a principal fonte de receita própria para a ampla maioria dos estados, em especial para os mais industrializados e para aqueles que têm maior potencial de industrialização – que são os protagonistas da guerra fiscal.

A reforma tributária não acabaria com a guerra fiscal, mas enfraqueceria substancialmente o seu principal instrumento, que é o incentivo concedido com base no ICMS. Para entender melhor a questão e as soluções propostas, é importante entender, antes, como funciona o ICMS. Como o ICMS é um imposto bastante complexo, vou simplificar a exposição, atendo-me ao que interessa e ignorando algumas tecnicidades do tema.

O ICMS incide sobre a circulação de mercadorias entre diferentes estabelecimentos e na venda a consumidor final, e também sobre a prestação de alguns serviços de comunicação e transportes. É um imposto estadual, mas também incide sobre a circulação de mercadorias e serviços entre pessoas em estados diferentes da Federação. Até 1996, incidia também sobre algumas operações de exportação.

Para avaliar o poder que os estados detêm na guerra fiscal, é preciso saber que o ICMS poderia obedecer a um de três regimes: o regime de origem, o regime de destino e o regime misto.

No regime de origem, uma transação realizada entre um comprador de um estado e um vendedor de outro geraria receita apenas para o estado onde se encontra o vendedor (ou seja, a operação seria tributada apenas pelo estado de origem da mercadoria ou serviço).

No regime de destino, em contraste, essa transação geraria receita apenas para o estado do comprador (ou estado de destino da mercadoria ou serviço).

No regime misto, os estados partilhariam a receita do imposto segundo alguma regra pré-definida.

No Brasil, adotamos o regime misto. Para definir a partilha entre os estados, criamos duas categorias de alíquotas de ICMS: as alíquotas internas e as alíquotas interestaduais. Digo que são duas categorias de alíquotas porque há duas alíquotas interestaduais e inúmeras alíquotas internas. As alíquotas interestaduais são definidas por resolução do Senado Federal, e as internas, pela legislação tributária de cada estado.

A alíquota interna incide sobre todas as operações ocorridas dentro do estado. Em geral, é de 17%, embora haja casos em que passe de 20%.

A alíquota interestadual somente incide sobre as transações ocorridas entre contribuintes de estados diferentes. Nesse caso, o estado de origem recebe o equivalente à incidência da alíquota interestadual sobre o valor da transação, e o estado de destino receberá o equivalente à incidência da diferença entre a alíquota interna prevista na sua legislação de ICMS e a alíquota interestadual. Assim, o imposto é partilhado pelos dois entes, sem que o contribuinte pague mais por isso.

Um exemplo ajudará a visualizar melhor. Suponhamos que uma empresa industrial de Minas Gerais venda uma mercadoria para uma empresa localizada no Paraná, no valor total de R$ 10 mil. Nesse caso, é necessário saber qual é a alíquota interna do Paraná. Digamos que seja de 17%. Então o imposto total devido na operação é de 17% sobre R$ 10 mil, ou R$ 1.700,00.

Como a alíquota interestadual, nesse caso, é de 12%, caberá à Fazenda de Minas Gerais a quantia de 12% sobre R$ 10 mil, ou R$ 1.200,00. O Tesouro do Paraná arrecadará o restante, ou R$ 500,00, equivalente à aplicação da diferença de alíquotas (17% – 12% = 5%) sobre a base de cálculo de R$ 10 mil. Note que, somando as duas parcelas, obtemos os mesmos R$ 1.700,00 que seriam arrecadados pelo Estado do Paraná, se a mercadoria adquirida pela empresa paranaense tivesse sido fabricada naquele estado, em vez de sê-lo em Minas, e não ocorresse partilha do imposto.

No caso das alíquotas interestaduais, há apenas duas. A alíquota geral, de 12%, incide sobre quase todas as operações interestaduais. A alíquota reduzida, de 7%, incide apenas nas operações em que o estado de origem esteja nas Regiões Sul e Sudeste, exceto o estado do Espírito Santo, e o estado de destino esteja nas Regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste ou no estado do Espírito Santo.

Então, se a empresa de Minas Gerais do exemplo acima vender mercadorias no valor de R$ 10 mil para uma empresa situada na Paraíba, e supondo que a alíquota interna da Paraíba também seja de 17%, o total do imposto pago sobre essa operação será o mesmo, mas a repartição entre os estados será diferente. Minas Gerais ficará com o valor relativo à alíquota interestadual reduzida de 7%, ou R$ 700, enquanto a Paraíba ficará com os 10% restantes, ou R$ 1.000,00.

Essa é uma forma de assegurar aos estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste uma participação maior nas receitas de ICMS. Mas também lhes confere uma vantagem importante sobre os demais estados na guerra fiscal, pois quem tem mais, também pode conceder mais incentivos fiscais.

A alíquota interestadual desempenha papel estratégico na guerra fiscal, embora os incentivos tipicamente sejam vinculados ao valor total do ICMS devido. É a alíquota interestadual que permite ao estado atrair empresas, oferecendo-lhes vantagens que superam o seu sacrifício de receita. É uma mágica interessante, e o segredo reside no fato de que, no sistema brasileiro, os estados têm aliviado a carga do imposto que seria cobrado nas operações de venda a outras unidades da Federação.

Assim, se uma empresa da Paraíba vender uma mercadoria para outra de Minas Gerais, aplica-se a alíquota interestadual de 12%. Mantendo o exemplo de que o produto custa R$ 10 mil, então a Paraíba pode conceder incentivos sobre o tributo devido de R$ 1.200,00 a uma empresa que se instale no seu território para produzir e vender para cidades do Sul e do Sudeste. Já o Estado de Minas, que tem direito a uma alíquota de 7% para vender para Paraíba, só poderá dar incentivos fiscais de R$ 700, em uma transação similar, em que se produza em Minas para vender para a Paraíba e outros estados do Nordeste e do Norte.

O objetivo do estado que concede um benefício para reduzir de fato a alíquota interestadual é atrair uma empresa que ainda não opera em seu território. Logo, ele não arrecada nem um centavo a título de alíquota interestadual com as operações dessa empresa e, a rigor, pouco perderia ao oferecer uma isenção a ela. Quem perderia mais é o estado onde essa empresa está localizada, que deixaria de arrecadar o imposto sobre as vendas dela aos demais estados, caso a empresa se mudasse para o estado que oferece o incentivo.

O estado que concede o incentivo ganha mais: ao atrair a empresa, ele provavelmente atrairia também alguns de seus fornecedores, ou fortaleceria os fornecedores que já estão instalados em seu território, e criaria mais empregos. Isso tende a gerar um aumento de receita tributária que pode contrabalançar a perda do ICMS devido nas operações internas. Logo, a conta fecha positivamente para o estado que oferece o incentivo fiscal.

Para evitar essas disputas possivelmente danosas aos orçamentos estaduais, a Constituição proibiu a concessão unilateral de incentivos com o ICMS, forçando a atuação cooperativa dos estados, na forma de lei complementar. Coerentemente, a Lei Complementar (LC) 24/75 proíbe expressamente a concessão de incentivos com o ICMS sem que haja aprovação unânime dos estados.

Ora, a disputa de sede e localização de empresas entre estados concorrentes tem potencial para gerar conflitos intermináveis e muito pouca concórdia. De fato, as leis estaduais que criam incentivos fiscais com o ICMS têm sido aprovadas nas Assembleias Legislativas e aplicadas ao arrepio da LC 24/75, e passando por cima da autoridade do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que é o fórum para apreciar a aprovar as concessões de incentivos fiscais com o ICMS.

Quero que o leitor perceba que o vigor da guerra fiscal deve-se à existência da alíquota interestadual, que é típica do regime misto. Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de diversas leis estaduais que concediam incentivos fiscais com o ICMS, por inobservância da LC 24/75. Essa decisão esclarece as regras para concessões de incentivos fiscais e contribui para que cada estado saiba o que tem a ganhar e a perder em uma eventual reforma tributária. Com mais segurança jurídica, a negociação tende a ficar mais clara. No entanto, há ainda uma ação a ser julgada, que tem o potencial de inverter o quadro atual. A regra de aprovação de incentivos fiscais no Confaz, estabelecida pela LC 24/75, exige unanimidade dos estados presentes. A necessidade desse consenso está sendo questionada, também na Corte Suprema.

No início de 2011, o Poder Executivo Federal anunciou que estuda proposta de reforma tributária baseada na redução das alíquotas interestaduais do ICMS a 2%. Essa proposta, muito mais simples do que a unificação das alíquotas do ICMS, encontrará, decerto, alguns inimigos. Os estados mais industrializados, que derivam forte receita das operações interestaduais, dificilmente terão interesse em aprovar uma iniciativa que os prive dessa fonte de recursos. (Além disso, essa proposta teria outras consequências, relevantes para os estados exportadores.)

Considerando as diversas propostas apresentadas, creio que a mais atraente, sob diversos aspectos, é a criação de um imposto sobre o valor adicionado (IVA), em substituição à legião de tributos incidentes sobre o valor adicionado, a receita ou o faturamento (ICMS, IPI, PIS, Cofins, ISS).

No entanto, muitas das propostas até hoje apresentadas trazem no pacote um aspecto desnecessário e que pode atrapalhar a aprovação da reforma. Falo da unificação das alíquotas internas, que passariam a ser idênticas, para cada produto ou serviço, em todo o território nacional. Embora haja previsão de alguma flexibilidade, essa unificação limitaria substancialmente a possibilidade de praticar alíquotas mais baixas, criando um obstáculo à guerra fiscal.

Por outro lado, essa unificação é arriscada, pois deixaria os estados à mercê de decisões nacionais que não necessariamente atenderiam suas necessidades. Essa heteronomia fiscal seria ainda mais perigosa porque a maior parte dos gastos públicos tem caráter obrigatório, e muitas despesas são inflexíveis. Apesar de abrir espaço para sensíveis reduções de alíquotas (em especial as relativas a energia elétrica, combustíveis e telecomunicações, atualmente muito altas), a criação de uma receita igualmente inflexível poderia desorganizar a administração financeira de alguns estados. Por isso mesmo, geraria pressão política para elevar, mesmo quando dispensável, as alíquotas do ICMS dos demais estados, criando uma tendência ao aumento da carga tributária.

Mas, além do combate à guerra fiscal, para que é necessária uma reforma tributária?

Certamente não para pagar menos tributos. Para isso, bastaria reduzir alíquotas, o que independe de uma reforma tributária. Para simplificar o sistema tributário, entretanto, seria extremamente útil, e talvez seja esse o maior ganho potencial de uma reforma tributária hoje no Brasil, considerando o emaranhado de leis, portarias, regras e exceções e a sobreposição de tributos de natureza semelhante, para desespero do contribuinte. E também para conferir maior neutralidade ao sistema e impedir que induza ineficiências econômicas. A cumulatividade (que por si só vale outro artigo), foi reduzida para as grandes empresas, após a reforma da legislação do PIS e da Cofins, mas se expandiu para as pequenas e microempresas, que não foram abrangidas por essas mudanças e que, ao aderirem ao Simples, ingressaram em um sistema cumulativo por natureza.

Lamentavelmente, a convergência da reforma para uma e apenas uma de suas vertentes empobreceu a discussão e limitou os objetivos a serem alcançados. Como nem o caminho escolhido rendeu frutos, restou um cansaço do tema e uma sensação de impotência, reflexos do malogro sucessivo de inúmeras tentativas.

Já estamos debatendo o tema há mais de 20 anos. Não há necessidade de ideias inovadoras ou mirabolantes. Sabemos onde aperta o sapato tributário e quais soluções simplesmente não vingarão. E mesmo que não o soubéssemos por nós mesmos, bastaria inspecionar a experiência internacional – à qual, país da jabuticaba que somos, temos tanta aversão.

O impasse da reforma tributária é um vergonhoso atraso na agenda política do país. Se não desatarmos o nó das negociações, a reforma, à moda do solilóquio de Hamlet, jamais sairá do to be or not to be. Ou, se sair, será apenas para avançar algumas linhas mais, até o melancólico to die, to sleep, no more.

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