falhas de governo – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sun, 08 Jan 2012 19:46:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quais os efeitos de uma tributação mal planejada? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=979&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quais-os-efeitos-de-uma-tributacao-mal-planejada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=979#comments Sun, 08 Jan 2012 19:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=979 A Análise Econômica do Direito Tributário promove uma união entre o direito tributário e a economia, com o intuito de melhorar a eficiência alocativa, a justiça fiscal e a distribuição de renda. A economia pode oferecer subsídios ao direito tributário para evitar que a tributação gere desestímulo às atividades econômicas ou que piore a distribuição de recursos na sociedade.

Existem duas perspectivas para a Análise Econômica do Direito Tributário:

  • positiva;
  • normativa.

Na análise positiva, estuda-se o sistema tributário como ele é. Utilizam-se conceitos e métodos da ciência econômica para entender o direito positivado e as instituições jurídicas vigentes para então ver os efeitos que produzem à sociedade. Por exemplo, analisa-se o impacto das normas e das decisões judiciais, verificando-se se o efeito pretendido foi atingido e se o foi com o menor custo possível para a sociedade.

A perspectiva normativa busca oferecer soluções alternativas para o sistema tributário. Nesta abordagem, instrumentos econômicos e de outras áreas de conhecimentos são utilizados para elaborar e propor novos conceitos jurídicos ou reformar os vigentes. A Análise Econômica do Direito entende que os indivíduos são racionais ao reagir a incentivos, ao buscar maximizar suas próprias utilidades e ao efetuar escolhas consistentes baseadas em recursos limitados em vista de alternativas conflitantes. Assim, a Análise Econômica Normativa do Direito Tributário incorpora à normatização tributária conceitos como eficiência produtiva, eficácia alocativa, justiça distributiva e ordenamento institucional.

Quando se discute a elaboração de normas tributárias, no contexto do processo legislativo, vários cuidados deveriam ser tomados. Antes de a lei entrar em vigência, deveriam ser respondidas questões como: De que forma os contribuintes e demais agentes econômicos afetados reagirão à medida? Qual o efeito da medida proposta sobre a distribuição de renda e a alocação de recursos? A norma promoverá sonegação? O gasto com a fiscalização será excessivo? Está sendo criada margem para demandas judiciais? (para saber mais sobre o efeito da legislação no desenvolvimento, leia, neste site, Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?)

Sob o ponto de vista jurídico, o primeiro item a ser observado são as limitações ao poder de tributar previstos na Constituição. De certa forma, a Constituição resume os desejos da população, aos quais as leis têm de se conformar. É o caso dos fundamentos do Estado (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), dos direitos e garantias individuais e, especialmente, dos princípios da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição. Ao mesmo tempo em que a Constituição prevê que nosso sistema econômico seja baseado na propriedade privada e na livre concorrência, também prevê que as leis devem atender à soberania nacional, à função social da propriedade; à defesa do consumidor e do meio ambiente; além de buscar a redução das desigualdades regionais e sociais, o pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Ou seja, a Constituição, como forma de expressão dos anseios da sociedade, prevê que a ordem econômica não se restrinja ao livre mercado. Os princípios expressos no art. 170 são particularmente importantes porque preveem a atuação do Estado em circunstâncias nas quais as forças de mercado não conseguem gerar alocações que otimizam o bem estar social.  Sabemos que existem situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”, como a necessidade de o Estado prover bens de natureza pública, resolver externalidades, minimizar assimetrias de informação ou atuar contra abusos de poder de mercado, quando ocorrem restrições à competição.  Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. (a esse respeito veja, neste site, o texto Porque o governo deve interferir na economia? )

A tributação, em especial, tem um papel crucial na resolução de várias dessas falhas. Uma questão importante no Brasil, que se apresenta de forma bem grave, é a péssima distribuição de renda no país. Esse problema pode ser amenizado por um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais subutilizadas.

A tributação pode, assim, ser uma forma de o governo atuar para resolver as falhas de mercado.

É claro que a tributação também tem por finalidade levantar recursos para financiar as atividades do Estado. O que se questiona é que, frequentemente, essa arrecadação é fruto de leis que foram construídas sem uma avaliação minuciosa de seus efeitos, o que gera diversas falhas de governo. Ou seja, a atuação do governo, ao tentar resolver as falhas de mercado, pode gerar distorções maiores que aquelas a que ele propõe resolver. São as chamadas falhas de governo. (para saber mais, consulte, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?).

Vimos que um dos fundamentos do Estado é a livre iniciativa, ou seja, deve ser assegurada a liberdade de acesso ao mercado. Mas, depois do acesso, não há que se lutar pela permanência do empreendimento no mercado? A complexa legislação tributária brasileira, as falhas na fiscalização e alta carga tributária provocam diversas distorções que prejudicam a alocação ótima na sociedade e, em algumas vezes, aniquilam o empresário que procura cumprir todas as obrigações tributárias. Essa situação faz com que a tributação seja não neutra, pois prejudica mais fortemente algumas firmas (as que tentam cumprir a lei) do que outras, dentro de um mesmo setor, alterando – indevidamente – as condições de concorrência.

Outra importante consequência negativa da tributação brasileira é a guerra fiscal. Existem três possibilidades para a tributação do ICMS: na origem, no destino e um regime misto. Atualmente, vigora no Brasil o regime misto, em que estados produtores e estados compradores dividem o valor do imposto. A existência de uma alíquota interestadual gera incentivos para a guerra fiscal, uma vez que o estado que concede o benefício abre mão de sua arrecadação. Mas é uma arrecadação que, na ausência da guerra fiscal, não ocorreria de qualquer jeito, se a empresa não viesse a se instalar em seu território. Um dos grandes perdedores é o estado que sediava a empresa e que terá as atividades dela interrompidas em sua área, face à mudança para outra unidade da federação. Outro grande perdedor são os concorrentes que já estão produzindo em outros estados e cujos custos fixos associados à instalação da planta ainda não foram totalmente depreciados.

O estado que concede o incentivo ganha também de forma indireta porque atrai os fornecedores da empresa subsidiada, contribuindo para a criação de empregos e a dinamização da economia local. Imagine agora se todos os estados começam a dar incentivos fiscais para atrair empresas. A guerra fiscal gerará uma queda generalizada da arrecadação, com agravamento dos déficits públicos. Qual a solução para o dilema?

Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados. Ocorre que essa situação não agrada os estados que concentram a produção e aí a reforma tributária não caminha. (para saber mais sobre o tema, leia O que é guerra fiscal? neste site).

O processo legislativo é importante para explicar a qualidade de nossas leis. Um problema nesse sentido é a constante mudança da legislação tributária feita por Medidas Provisórias (MPs), em que praticamente não há discussão, uma vez que seus prazos de tramitação são bem exíguos. O resultado é que decisões que criam novas obrigações ou que concedem benefícios fiscais são tomadas sem a realização de debates, audiências públicas ou apresentação de contraditório.

Um exemplo dessa prática foi a Medida Provisória nº 512, de 2010, que foi convertida na Lei nº 12.407, de 2011. O principal item dessa lei é a concessão de incentivos fiscais com base na concessão de crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como ressarcimento da contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no montante do valor das contribuições devidas, em cada mês, decorrente das vendas no mercado interno para empresas automobilísticas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Além de haver evidências de que essa lei tem a função de privilegiar empresas específicas, conforme relatam Miranda e Santos (2011), os incentivos são oferecidos com perda da arrecadação do IPI. Ocorre que apenas 52% da arrecadação do IPI são da União, pois o restante é destinado ao Fundo de Participação dos Estados – FPE (21,5%), ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM (22,5% + 1%) e aos Fundos Constitucionais de Financiamento (3%), conforme o art. 159 da Constituição Federal.

Assim, além do custo da isenção fiscal que se espraia por toda a economia nacional, seria importante considerar o impacto da isenção do IPI nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, principalmente para seus vinte Estados, 2.704 Municípios e três Fundos Constitucionais de Financiamento. Será que a isenção conferida a poucas empresas automobilísticas (estimada em R$4,5 bilhões) compensa a perda de todos os outros entes da federação? No mínimo, essa questão precisaria de muito mais estudos técnicos para avalizá-la, se não, para conferir mais transparência ao processo.

Na mesma linha de falhas causadas pela legislação tributária, Fortes e Bassoli (2010) trazem exemplo interessante. Em decorrência da grande sonegação no setor de bebidas, a Receita Federal expediu ato determinando que houvesse a instalação de medidores de vazão nas fábricas de cerveja. Assim, a tributação, que incide sobre o volume comercializado, passa a ser cobrada não pelo valor da venda no varejo, mas pela produção medida pela quantidade de litros de cerveja produzida (substituiu-se uma alíquota ad valorem por uma alíquota específica). O tributo de toda a cadeia produtiva passou a ser recolhido logo na fonte distribuidora.

A ideia parece fantástica, no entanto, gerou sérios problemas sob o ponto de vista da neutralidade fiscal. Como a alíquota é sobre o litro produzido, os produtos de melhor qualidade – supostamente de maior custo e mais caros – passaram a pagar relativamente menos tributos que as distribuidoras de produtos mais baratos, em geral, pequenos produtores. Isso favorece a concentração do mercado nas mãos das grandes produtoras. Em suma, a norma, ao baratear artificialmente a bebida mais cara, atrapalhou a concorrência igualitária.

De forma geral, a Análise Econômica do Direito Tributário sugere aos legisladores tributaristas evitar distorções em mercados específicos e atuar de forma redistributiva. Para tanto, recomenda-se: aplicar a tributação em base tributável grande (em vez de taxar alface, é melhor tributar verduras em geral, por exemplo); desenhar regras simples e objetivas (transparência, clareza visando menores custos de transação); fazer a incidência do tributo sobre bens ou atividades de demanda inelástica, ou seja, aqueles cuja demanda reage pouco a variações nos preços, o que reduz a ineficiência associada à tributação (por exemplo, combustíveis e energia elétrica); ser justo (não violar equidade); buscar quando possível ser progressivo (atribuição redistributiva); e ter baixo custo administrativo.

Algumas vezes tais princípios são conflitantes. Por exemplo, a demanda por bens de primeira necessidade, como produtos da cesta básica, é pouco elástica, o que, por questões de eficiência econômica, recomendaria tributação elevada. Entretanto, considerações de equidade recomendam que tais bens sejam pouco tributados. Cabe ao governante avaliar essas situações e definir quando questões de eficiência devem se sobrepor às de equidade, e vice versa.

Procuramos nesse texto mostrar a utilidade e as aplicações da análise econômica do direito tributário, frisando possíveis falhas que podem advir em consequência da ausência de uma avaliação de impacto da norma tributária. A legislação que cria ou majora tributos ou que concede benefícios fiscais deve ser cuidadosamente desenhada para que se aumente a eficiência da atividade econômica e se promova mais equidade. A tributação pode ser uma ferramenta interessante para solucionar falhas de mercado, mas também pode consistir em uma atuação governamental que prejudica o desenvolvimento econômico.

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Referências Bibliográficas.

Miranda, R. N.; Santos, C. B. “POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA CRÍTICA À MP 512”. Texto para Discussão nº 87, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm.

Fortes, F. C.; Bassoli, M. K. “Análise Econômica do Direito Tributário: Livre Iniciativa, Livre Concorrência e Neutralidade Fiscal”. Scientia Iuris, v. 14, nov/2010. Londrina: UEL, 2010.

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Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=510&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-intervencao-do-governo-pode-gerar-prejuizos-a-sociedade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=510#comments Thu, 05 May 2011 12:36:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=510 Já foi postado neste site um texto, de minha autoria, com o título “Por que o governo deve intervir na economia?”, em que argumento que existem “falhas de mercado”, como externalidades, assimetria de informações ou restrições à competição que reduzem o nível de bem-estar da sociedade. Uma intervenção do governo para solucionar essas “falhas de mercado”, se bem executada, pode elevar o nível de bem-estar da população. No presente texto vou discutir o outro lado da moeda: as “falhas de governo”, ou seja, os fatores que podem fazer com que as intervenções do governo gerem distorções maiores que aquelas que ele se propõe a resolver. Assim, toda ação governamental deveria ser precedida de uma análise prévia sobre as suas vantagens (correção de falhas de mercado) e desvantagens (possíveis falhas de governo decorrentes daquela ação).

Problemas de escolha coletiva

O processo de decisão governamental é feito de forma diferente do processo de decisão individual. Se pretendo comprar um carro, faço uma análise dos custos dessa compra e dos benefícios que ela vai me proporcionar. Ao fazer isso, uso minha escala de valores individuais para avaliar os custos e benefícios (se dou muito ou pouco valor a ter um carro bonito; ou se prefiro um carro mais barato que não seja tão bonito; avalio quanto estou disposto a pagar por um câmbio automático ou um banco de couro; etc.). As minhas preferências podem ser diferentes das preferências do meu vizinho, mas nesse processo decisório apenas as minhas preferências são relevantes.

Nas decisões governamentais temos um processo de escolha coletiva, em que os valores e preferências de todos os eleitores devem ser levados em consideração, o que torna o processo decisório muito mais complicado. Além disso, não há uma votação direta de todos os eleitores cada vez que uma decisão de governo tem que ser tomada. As pessoas votam em representantes (deputados, governadores, etc.) que passarão a representá-las nas decisões públicas. Esses representantes votam um orçamento, para que o dinheiro público seja gasto.

O representante político, ao votar por este ou aquele gasto público, terá dois problemas. Primeiro, ele não conhece inteiramente as preferências de seu eleitorado. No máximo ele tem uma idéia de que, por exemplo, o seu eleitor está demandando mais segurança pública e menos educação pública, ou que prefere menos impostos com menos serviços do que a expansão dos serviços financiada por mais impostos. Segundo, o seu eleitorado não é homogêneo, e ele terá que encontrar uma forma de atribuir pesos às diversas preferências.

Mesmo que as pessoas sejam perguntadas, em pesquisa de opinião, sobre as suas preferências por serviços públicos, elas não terão incentivo para revelar suas verdadeiras preferências. Suponhamos que se faça uma pesquisa em que se pergunte a cada eleitor que tipo de serviço público ele deseja, e que se avise a esse eleitor que ele terá que pagar impostos proporcionalmente aos serviços que queira receber (quem escolher mais serviços públicos pagará mais impostos). Esse tipo de consulta incentivará os eleitores a dar respostas que subestimem a sua real demanda por serviços públicos, para evitar pagar por eles. Eu não vou dizer que gostaria de ter mais policiais nas ruas. Vou esperar que outra pessoa dê essa resposta e arque com esse custo. Uma vez que haja mais policiais nas ruas eu também vou me beneficiar disso sem precisar pagar a conta.

Por outro lado, se for feita a mesma pesquisa, avisando-se ao eleitor que, independentemente da lista de serviços públicos que ele elencar como desejáveis em resposta à pesquisa, ele pagará um imposto prefixado (não relacionado com a quantidade de serviços públicos desejados), então ele terá incentivos a superestimar suas verdadeiras demandas. Afinal, já que vai pagar a mesma coisa por 5 ou 10 policiais nas ruas, o eleitor prefere ter 10 policiais.

Note que a resposta do eleitor depende da maneira como é feita a pergunta, isso, em Economia, é estudado pela Teoria de Desenho de Mecanismos.

Mesmo que se considere possível em um sistema democrático conhecer as preferências de cada eleitor, e que seja possível consultá-los a cada decisão, o processo decisório pode ter um viés na direção da expansão do gasto público e da intervenção do governo na economia.

Tal viés acontece porque na maioria das economias, e a economia brasileira não é uma exceção, a distribuição de renda não é simétrica em torno da média. Há uma concentração maior de pessoas abaixo da média, dado que umas poucas pessoas muito ricas puxam a média para cima. Isso significa que a renda mediana[1] será menor que a renda média. Se a tributação for proporcional à renda, então o eleitor com renda igual à mediana pagará menos impostos que o eleitor com renda igual à média.

Pagando menos impostos que o restante da sociedade, todos os eleitores com renda igual ou inferior à mediana tenderão a preferir mais serviços públicos (pois são subsidiados pelos demais eleitores), enquanto os eleitores com renda igual ou superior à media tenderão a  preferir menos serviços públicos (pois pagam proporcionalmente mais impostos). Porém, como o primeiro grupo é mais numeroso, ele tende a ganhar as eleições e o resultado será uma tendência à expansão do gasto público.

Basicamente o que se tem é um grupo (eleitores de renda igual ou inferior à mediana) pegando carona no gasto financiado pelos eleitores de renda mais alta. Esse mesmo fenômeno pode ter manifestações distintas. Por exemplo, em um país organizado sob a forma de federação, os governos estaduais terão incentivos a buscar recursos federais (impostos pagos por contribuintes de todo o país) para investir em projetos que beneficiem principalmente os moradores do estado. É o que ocorre, por exemplo, com as famosas emendas parlamentares, em que os deputados e senadores de um estado têm incentivos a colocar despesas em favor de seus estados no orçamento federal. Afinal, os eleitores desses estados estariam recebendo benefícios sem ter de pagar integralmente por eles.

Outra manifestação comum desse tipo de problema é a sobreposição de programas públicos executados pelo governo federal, estadual e municipal. Digamos que os políticos percebam que um determinado programa (por exemplo: distribuição de leite a famílias de baixa renda) gera muitos votos. Então tanto o presidente da república, quanto o governador e o prefeito desejarão obter esse ganho eleitoral para seus respectivos partidos, e introduzirão programas semelhantes, gerando um excesso de oferta daquele serviço público.

Sintetizando, o problema da escolha coletiva gera tendência ao aumento dos gastos públicos e consequente aumento dos impostos. Daí a necessidade de regras e instituições que ponham limites a essas pressões, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, limitações a emendas parlamentares e possibilidade de contingenciamento de despesas.

Problema principal-agente e informação assimétrica

Os eleitores não têm como monitorar plenamente os políticos eleitos. E os políticos eleitos não têm como monitorar os servidores que nomeiam para gerenciar as políticas públicas. Por isso, servidores e políticos podem, no exercício da função, buscar os seus objetivos individuais (ampliar poder político, enriquecer, trabalhar pouco, etc.) em vez de buscar os objetivos da comunidade, uma vez que não há informação suficiente para que se conheça a real eficácia de sua gestão.

O problema do principal–agente surge em condições de informação assimétrica, ou seja, quando os atores envolvidos não possuem a mesma quantidade ou qualidade de informação. No caso, o “principal” contrata o “agente” numa situação em que pode haver conflito de interesses, de forma que o “agente”, por deter informação privilegiada, e terá incentivos para tirar proveito pessoal do negócio do “principal”. Por exemplo, um eleitor (principal) não conhece todos os detalhes contratuais  e de custos de uma compra pública, o que abre espaço para um agente (gestor público) superfaturar a compra e obter ganho privado.

Diversos fenômenos conhecidos surgem desse problema. Suponha uma empresa pública que preste serviço de abastecimento de água. A intenção inicial do governo, ao criar essa empresa, foi lidar com uma falha de mercado conhecida como “monopólio natural”. Não é eficiente que várias empresas fornecedoras de água instalem encanamentos pela cidade para distribuir água às residências. O custo seria muito alto. É mais barato ter uma única rede de distribuição. Mas, nesse caso, a empresa operadora será monopolista e poderá cobrar muito caro pela água. Uma solução possível é prestar o serviço por meio de uma empresa estatal que, não tendo fins lucrativos e sendo voltada para o bem coletivo, irá estabelecer um preço justo para a água.

Ocorre que os políticos e servidores nomeados para gerenciar a empresa (agentes)  podem resolver usar o poder de monopólio em proveito próprio. Aproveitando-se da menor informação que os eleitores (principais) têm sobre custos e receitas da empresa, os “agentes”, em vez de fixar um preço da água que apenas cubra os custos operacionais e de investimento, fixarão preço mais elevado e usarão o excedente em seu favor (altos salários, participações no lucro, baixo esforço para ser eficiente, contratação de pessoas de seu grupo político, etc.).

Outro exemplo interessante: uma conhecida falha de mercado (associada à falta de informações relativas a garantias para empréstimos) faz com que alguns setores da sociedade (como pequenos agricultores, micro e pequenos empresários) não tenham acesso ao crédito oferecido pela rede bancária tradicional. Essa falha de mercado justificou a criação de bancos estaduais no Brasil, voltados a ofertar crédito a tais segmentos. Mas o resultado foi uma falha de governo. Os governadores e gestores dos bancos estaduais (agentes) passaram a gerir tais bancos em desacordo com os objetivos anunciados aos eleitores (principais): os bancos estaduais viraram, em sua maioria, financiadores de campanhas eleitorais e de “empresários amigos”, deixando grandes rombos financeiros que acabaram sendo pagos pelo governo federal. O resultado final, em termos de bem-estar social, foi negativo.

Inexistem incentivos à eficiência.

Atribui-se ao economista Milton Friedman[2] um interessante raciocínio sobre o incentivo a analisar custo e qualidade dos produtos ao se decidir por uma compra. Quando eu compro um produto com o meu dinheiro para o meu uso, eu me preocupo em analisar tanto o preço quanto a qualidade do produto. Afinal, tanto os custos quanto os benefícios do produto vão recair sobre mim.

Porém, quando compro alguma coisa com o meu dinheiro, para o uso de outra pessoa, me preocupo mais com o preço que pagarei do que com a qualidade. Nessa situação, não serei o usuário do produto, logo minha preocupação recai mais sobre os custos (que pagarei) do que sobre os benefícios (que recairão sobre outra pessoa). Pense no seu processo de decisão ao escolher um presente para o seu amigo oculto na festa de fim de ano no trabalho: você certamente sabe que seu colega gostaria mais de ganhar um IPAD, mas acaba concluindo que ele ficará feliz com um CD ou um livro.

Quando vou comprar alguma coisa para o meu uso, pagando com o dinheiro dos outros, vou olhar mais para a qualidade e me preocupar menos com o preço. Pense em um adolescente fazendo compras com o cartão de crédito do pai.

Na situação em que vou comprar alguma coisa para ser usada por outra pessoa, pagando com um dinheiro que não é meu, não vou me preocupar nem com o preço que pago, nem com a qualidade do produto. Essa é a situação de um funcionário público que está adquirindo bens e serviços a serem usados pela população.

Ou seja, o incentivo do agente governamental para buscar o menor preço é baixo, pois não é ele que está pagando diretamente pela compra. Também não vai fazer grande esforço para buscar qualidade, se o serviço público é para atender a população em geral e não ao servidor em particular.

Há, também, pouco incentivo à inovação no serviço público. Em geral, a inovação é estimulada e bem remunerada no setor privado, pois ela é fonte de geradora de lucros. Já no serviço público impera a regra da obediência ao regulamento e da responsabilização individual em casos de fracasso. Nesse contexto, por que devo inovar, se corro o risco de errar e ser responsabilizado? Prefiro cumprir os regulamentos e esperar pelas promoções por tempo de serviço. O resultado é a aversão ao risco e o apego a procedimentos burocráticos.

Associe-se a isso a estabilidade no emprego e estará completo o quadro de desestímulo ao esforço. No caso brasileiro, do ponto de vista do servidor, a competição ocorre antes (no concurso) e não durante o exercício profissional. As pessoas fazem esforço colossal para serem aprovadas em concorridos certames de seleção para o serviço público. Mas, uma vez aprovadas, não correndo risco de demissão por baixo esforço, nem vislumbrando ganhos salariais decorrentes do esforço individual, reduzem seu nível de dedicação ao trabalho.

Além disso, o setor público é monopolista na prestação de muitos serviços (infraestrutura urbana, policiamento, controle de poluição, justiça, etc.), logo não há o estímulo à eficiência gerada pela competição.

Alto custo de transação nas decisões públicas

Imaginemos que o parlamento está prestes a votar uma lei que autoriza um aumento de 0,5% na tarifa de telefonia. Uma empresa telefônica que fature, digamos, R$ 2 bilhões por ano, tem uma expectativa de ganho de R$ 10 milhões com a aprovação da lei. Para ela será lucrativo gastar, digamos, R$ 1 milhão em pagamento a lobistas para pressionar pela aprovação da lei. Além disso, como são poucas as empresas de telefonia operando no país, será fácil, para elas, juntarem-se para financiar o lobby em favor do projeto.

Olhemos, agora, o lado de um consumidor que gaste R$ 2 mil por ano em sua conta de telefone. Para ele, o custo adicional da aprovação da lei será de R$ 10. Vale a pena para ele fazer esforço e se mobilizar com vistas a economizar R$ 10? Quanto tempo e dinheiro ele irá gastar para conclamar os milhares de usuários de telefone a se organizarem para protestar em conjunto?

Ou seja, os lobbies em favor de interesses específicos, de grupos restritos, levam vantagem nas decisões políticas, pois têm menor custo de transação e maior resultado financeiro esperado nas decisões tomadas pelo governo; enquanto que, para a maioria que paga a conta, não vale a pena o custo de se mobilizar para brecar a demanda do lobby (o custo é dividido por todos e o benefício é concentrado).

Todos os grupos que conseguirem arcar com os custos de mobilização tendem a levar vantagem no processo de decisão política em detrimento do contribuinte: sindicatos de trabalhadores, movimentos de trabalhadores sem terra, federações empresariais, clubes de futebol, etc.

Um custo de transação adicional está na inércia das regras e na dificuldade para se alterar leis. A agenda do parlamento é congestionada e os projetos de lei devem esperar na fila a oportunidade para serem votados. Assim, um projeto de lei que revogue um privilégio injustificado de um grupo social pode simplesmente não ser aprovado porque o lobby dos beneficiários obtém sucesso em mantê-lo no final da fila.

Conclusões

As falhas de governo aqui apontadas não devem ser interpretadas como uma apologia ao estado mínimo, nem devem levar à falsa ideia de que as decisões de governo são sempre equivocadas ou enviesadas. É inconcebível, nas sociedades modernas, prescindir da ação estatal.

O que se pode concluir, após a constatação de que as “falhas de governo” existem e representam grandes distorções, custos e perda de bem-estar, é tentar minimizá-las. Isso pode ser feito de duas formas.

A primeira delas é sempre procurar questionar quais são os benefícios e custos de uma política estatal antes de implementá-la. A discussão acerca da oportunidade de se criar um novo programa público deve sempre buscar responder às seguintes questões: (a) qual é a falha de mercado que se está procurando resolver? (b) que falhas de governo podem vir a ser criadas pelo novo programa? (c) como minimizar as possíveis falhas de governo? (d) o risco de criar falhas de governo compensaa possível correção das falha de mercado que se pretende combater?

A segunda abordagem seria no sentido de reduzir o espaço para a ocorrência de falhas de governo, buscando-se:

  • transparência e prestação de contas pelas instituições públicas e imprensa livre;
  • entidades de controle externo (como o TCU, a Controladoria Geral da União ou o Conselho Nacional de Justiça) são instituições de supervisão cuja função é justamente induzir as instituições públicas a perseguir objetivos públicos, penalizando os agentes que buscam benefícios privados (sempre havendo o risco de que as próprias instituições de controle passem a ser utilizadas em favor dos interesses de quem as controla);
  • uma legislação que limite a prática do lobby;
  • regras eleitorais que reflitam o melhor possível as preferências do eleitor mediano e tornem as eleições baratas, evitando que os eleitos se tornem reféns de seus financiadores de campanha;
  • restrições ao gasto, à carga tributária, à dívida e ao déficit público, como as que estão estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, reduzem o espaço de manobra para aqueles que querem usar o orçamento público como veículo para interesses privados;
  • organização das carreiras do serviço público com incentivos ao esforço e ao mérito, como promoções por bom desempenho, minimização da influência política e regras salariais baseadas na remuneração do setor privado;
  • manter a economia aberta à competição externa, o que cria um clima de competição e menor espaço para criação de privilégios legais. Em uma economia aberta e competitiva, o governo não pode sobretaxar as empresas (sob pena de reduzir sua competitividade) o que limita o tamanho do estado; o judiciário é induzido a ser rápido e eficiente (para solucionar controvérsias comerciais sem demora); e sobra pouco espaço para políticas de subsídios a setores privilegiados.

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Para ler mais sobre o tema:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.


[1] Se ordenarmos a população da menor para a maior renda, a renda mediana será a daquele indivíduo que se encontra exatamente na metade da lista.

[2] Não foi possível confirmar a autoria.

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