Estado do Pará – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 14 Dec 2011 16:08:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Belo Monte deve ou não deve ser construída? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=939&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=belo-monte-deve-ou-nao-deve-ser-construida https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=939#comments Mon, 12 Dec 2011 11:11:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=939 A resposta a quem examina racionalmente a questão, exclusivamente do ponto de vista dos interesses da população brasileira, é uma só: sim. Para entender o porquê, vamos examinar os questionamentos que vêm sendo urdidos em torno de Belo Monte, muitos dos quais absolutamente desconhecidos pela sociedade brasileira. Os principais são o desmatamento da Floresta Amazônica, o desalojamento dos ribeirinhos e supostos prejuízos à população indígena.

Antes, porém, é preciso estabelecer de plano uma verdade: não existe geração de energia elétrica sem impacto ambiental, o que não é diferente no caso da geração de origem hidráulica, eólica ou solar. Dito isso, vamos aos fatos. De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), todas as hidrelétricas construídas e a construir na Amazônia – Belo Monte entre elas – ocupariam apenas 0,16% de todo o bioma amazônico, uma área de 10.500 km², algo como duas vezes o território do Distrito Federal, para se ter um elemento de comparação.

Na série de registros de desmatamentos feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre 1988 e 2010[1], o ano em que menos se desmatou a Amazônia foi o de 2010, quando se consumiu uma área de 7.000 km². Isso significa que a área total a ser ocupada pelos reservatórios de todas as usinas instaladas e potencialmente instaláveis na Amazônia brasileira é inferior à área desmatada em pouco mais de um ano! Ao que tudo indica, portanto, parece mais racional e razoável combater o desmatamento que a construção de hidrelétricas, se o objetivo for preservar a floresta.

O desalojamento de populações ribeirinhas é também um problema importante a ser examinado. Desde que conduzida adequadamente, a remoção dessas populações não deve representar problema. Na maioria dos casos, inclusive, os ribeirinhos vivem em condições miseráveis, em razão do que sua mudança para habitações dotadas de melhor padrão construtivo e sanitário significará uma melhora efetiva das suas condições de vida. Trata-se, neste caso, da remoção dos moradores atingidos pelo projeto, ação que precisa ser corretamente executada pelos empreendedores e tempestivamente fiscalizada pelo poder público.

Pedido recente do Ministério Público Federal para que o Ministério de Minas e Energia ampliasse o prazo de consulta pública do Plano Decenal de Expansão de Energia 2020 baseou-se, entre outros argumentos, no fato de que 113.502 pessoas serão afetadas pelo conjunto de empreendimentos hidrelétricos constantes do Plano, entre os quais a Usina Belo Monte.

Considerando que a energia produzida somente por Belo Monte tem potencial proporcionalmente muito maior – suficiente, por exemplo, para atender a 18 milhões de residências, ou cerca de 60 milhões de pessoas, para ficarmos somente no paralelo residencial –, não seria o caso de se avaliar, com prudência e profundidade, se o Brasil pode prescindir dessa e de outras usinas hidrelétricas apenas para não se ter que realocar, adequadamente, os ribeirinhos atingidos?

Por último, mas não menos importante, vem o tema das terras indígenas,  que são protegidas pela Constituição Federal. Mas, por mais que algumas lideranças indígenas da Amazônia estejam envolvidas na oposição a Belo Monte, o projeto não afeta qualquer reserva indígena, até porque, se assim fosse, não poderia ter sido licenciado. A Funai estava entre os órgãos ouvidos pelo Ibama para o licenciamento da usina e se manifestou favoravelmente à concessão da licença.

Examinemos agora a questão dos pontos de vista econômico e da segurança do abastecimento. A energia elétrica gerada por fonte hídrica é a de melhor relação custo-benefício existente, inclusive do ponto de vista ambiental. Ela praticamente não gera emissões de gases de efeito estufa (GEE) e oferece sub-produtos econômicos importantes: reservação de água para irrigação e consumo, piscicultura, turismo e controle da vazão dos rios, o que evita inundações a jusante das barragens.

As usinas de geração térmica, em contrapartida, não oferecem quaisquer externalidades positivas no seu processo produtivo e são, além disso, grandes emissoras de GEE. As térmicas nucleares, hoje já bastante mais seguras graças aos avanços da tecnologia, embora não sejam grandes emissoras de GEE, ainda precisam resolver o problema da disposição dos resíduos. Mesmo assim, são apontadas pelo cientista e ambientalista James Lovelock[2], criador da Teoria de Gaia, como uma alternativa melhor que as térmicas convencionais.

Examinemos a tabela a seguir, com os preços de geração de energia elétrica por fonte:

Preço de geração de energia elétrica por fonte (R$/MWh) [3]

Fonte Custo fixo CVU(R$/MWh)² Preço final
Hidrelétrica de grande porte 84,58 84,58
Eólica 99,58 99,58
Hidrelétrica de médio porte 147,46 147,46
Pequena Central Hidrelétrica 158,94 158,94
Térmica nuclear 148,79 20,13 168,92
Térmica a carvão 159,34 169,09 328,43
Térmica a biomassa 171,44 167,23 338,67
Térmica a gás natural 166,94 186,82 353,76
Térmica a óleo combustível 166,57 505,76 672,33
Térmica a óleo diesel 166,57 630,29 796,86
Solar Fotovoltaica Não disponível

Fontes: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)

Como se vê, os custos da geração hidrelétrica são altamente competitivos. E, neste particular, Belo Monte é especialmente competitiva: vai gerar energia elétrica a R$ 77,97/MWh, valor ainda menor que a média das hidrelétricas de grande porte.

Destaca-se na tabela acima o preço competitivo das geradoras eólicas, atualmente favorecido por uma específica combinação de fatores conjunturais, da qual constam a baixa cotação do dólar, incentivos e condições especiais de financiamento, e os efeitos da crise econômica nos Estados Unidos e na Europa, fenômeno que reduziu dramaticamente a demanda por aerogeradores e tornou o Brasil virtualmente seu único demandante mundial, reduzindo-lhes o custo a níveis bastante baixos.

A fonte eólica, em conjunto com a fotovoltaica de origem solar, é comumente citada como a solução mais responsável, do ponto de vista ecológico, para a geração de energia elétrica. Sim; é verdade que a fonte eólica é uma fonte extremamente limpa; e que, além disso, vem apresentando custos contingencialmente mais baixos. Nada a obstar, portanto, que seu uso se intensifique, mantidas as condições atuais. Mas, neste ponto, é preciso acrescentar à análise de conjunto o fator da segurança do abastecimento.

O sistema brasileiro é fundamentalmente hidrotérmico. As razões para isso são várias. Em primeiro lugar, o Brasil está em terceiro lugar entre os países que dispõem dos maiores potenciais de aproveitamento de energia hidráulica, com 10% da disponibilidade mundial. Vem atrás da China, que dispõe de 13% do total, e da Rússia, que tem 12%. Após o Brasil, vêm o Canadá, com 7%; o Congo e a Índia, com 5%, cada; e os Estados Unidos, com 4%[4]. Nenhum país deixou de usar esses potenciais, e os que puderam já o aproveitaram todo, dada a sua relação custo-benefício.

As usinas hidrelétricas possuem, em geral, reservatórios que permitem a acumulação de água durante as chuvas, para que se possa gerar energia elétrica no período da estiagem. Mas a acumulação de água nem sempre é suficiente para atender a demanda nacional por energia elétrica. Assim, são necessários recursos complementares para assegurar o abastecimento nessas ocasiões, o que é mais adequadamente proporcionado por fontes térmicas.

Embora mais cara e mais poluente, a geração térmica garante a continuidade do abastecimento: basta acionar a usina termelétrica e tem-se a energia necessária no preciso momento em que ela é demandada. Isso já não ocorre com as geradoras eólicas: o vento venta quando venta, e não quando precisamos dele. Como se vê, ainda que a fonte eólica seja limpa e barata, ao menos nas condições atuais, ela somente tem uso como fonte complementar, permitindo poupar água nos reservatórios das hidrelétricas para os períodos de estiagem.

E já que se está falando de reservatórios, há outro ponto importante a ser abordado em relação à construção de novas hidrelétricas, Belo Monte à frente. O projeto dessa usina foi alterado, de modo a reduzir a área alagada pelo reservatório, em função principalmente das fortes objeções de caráter ambiental que enfrentou desde sua origem.

Em razão disso, Belo Monte acabou por tornar-se uma usina a fio d’água, ou seja,  sem reservatório, o que contribuiu fortemente para que sua potência média tenha caído para 4.571 MW, embora ela tenha turbinas capazes de gerar uma potência total de 11.233 MW. No projeto original, Belo Monte geraria 9.600 MW, em média, para uma área inundada de 1.300 km², mais que o dobro do previsto no projeto atual (516 km²). Um reservatório maior permitiria que a usina operasse em maior escala na seca, mais que dobrando sua produção energética média. Agora, os mesmos grupos de pressão que forçaram essa alteração, acusam o projeto de ineficiência, porque só irá gerar a metade do que poderia, uma vez mantidas as condições do projeto original!

Mas a questão dos reservatórios não se restringe a Belo Monte. Em função desse tipo de pressão, outras usinas vêm sendo projetadas sem reservatórios, a fio d’água, contrariando – além do bom senso e do aproveitamento ótimo desse imenso patrimônio nacional – a Lei nº 9.074, de 1995. Isso se converteu no que foi chamado, em outra ocasião, de “política pública de fato”[5].

A Lei nº 9.074/95, em seu art. 5º, § 3º, conceitua de forma precisa aproveitamento ótimo como “todo potencial definido em sua concepção global pelo melhor eixo do barramento, arranjo físico geral, níveis d’água operativos, reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para divisão de quedas de uma bacia hidrográfica.”. O § 2º do mesmo artigo determina que nenhum aproveitamento hidrelétrico poderá ser licitado sem a definição do aproveitamento ótimo pelo poder concedente, no caso, a União.

O inciso 3º do art. 3º da Lei nº 9.427, de 1996, conferia à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a atribuição de definir o “aproveitamento ótimo”, em nome da União. Contudo, esse dispositivo foi revogado pela Medida Provisória nº 144, de 11 de dezembro de 2003 (convertida na Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004). Posteriormente, essa competência foi de novo delegada à ANEEL por meio do Decreto nº 4.970, de 30 de janeiro de 2004 (art. 1º, inciso II).

Os inventários das bacias hidrográficas podem ser feitos por quaisquer agentes privados ou pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mediante registro junto à ANEEL, que autoriza a sua realização por despacho. Cabe, também, à Agência, como dispõe mencionado Decreto, a aprovação dos inventários realizados, o que inclui, por óbvio, a verificação do atendimento do requisito aproveitamento ótimo.

Essa “política pública de fato” precisa ser interrompida imediatamente, para evitar um dano irreversível ao patrimônio nacional. Essas decisões equivocadas, na fase de projeto, se transformam em empreendimentos que não exploram plenamente os potenciais hidrelétricos, com grave prejuízo para o País.

Para finalizar, não parece difícil concluir – se o critério de avaliação for o interesse nacional – que Belo Monte deve ser construída, e não apenas ela! Sem desprezar quaisquer outras formas de geração de energia elétrica – cuja oportunidade de uso tem que ser sempre avaliada por critérios econômicos e ambientais responsáveis –, devemos priorizar a construção de usinas hidrelétricas, de modo a manter nossa matriz de geração entre as mais limpas e mais baratas do mundo. Nesse quesito, o Brasil se mostra, uma vez mais, um país rico: seu potencial hidrelétrico inexplorado está estimado em cerca de 130 mil MW, maior que todo o parque gerador brasileiro hoje em operação, com cerca de 116.500 MW instalados.

Cabe à sociedade brasileira – sem prejuízo da questão ambiental, e a partir de informação completa e imparcial – decidir sobre a conveniência dos novos projetos hidrelétricos, porque seguirá sendo necessário obter energia barata e limpa. Precisamos dessa energia para que possamos viver com dignidade, produzir em condições competitivas e, com isso, construir um futuro melhor.

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Para saber mais sobre o tema:

Abbud, Omar e Tancredi, Márcio – Transformações Recentes na Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica: Causas e Impactos Principais – Texto para Discussão nº 69, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD69-OmarAbbud_MarcioTancredi.pdf

Montalvão, E.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte I. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal, Texto para Discussão nº 93. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD93-EdmundoMontalvao.pdf

Faria, I.D.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte II. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal, Texto para Discussão nº 94. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD94-IvanDutraFaria.pdf

Faria, I.D.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte III. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal, Texto para Discussão nº 93. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD99-IvanDutraFaria.pdf

Vídeo no Youtube: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=feG2ipL_pTgP


[1] http://www.obt.inpe.br/prodes/

[2] James Lovelock, Ph.D. em medicina e químico de formação, um dos precursores do movimento ambientalista mundial. Membro da Real Sociedade da Inglaterra e autor de mais de 200 artigos científicos, Lovelock registrou mais de 50 patentes, algumas das quais têm sido usadas pela NASA para a exploração planetária.

[3] Os custos fixos de geração da tabela são preços médios dos Leilões de Energia Nova do período de 2005 a 2010, com exceção do custo da energia eólica, que é o valor alcançado no Leilão de 17/08/2011, primeiro leilão de que participaram as eólicas.

O custo fixo de geração de térmica nuclear é o valor da tarifa estabelecida pela ANEEL para as Usinas Angra I e II em revisão feita em novembro de 2011.

Os valores de CVU (custo variável de geração quando a térmica é chamada a gerar) são médias dos custos variáveis das térmicas utilizados pelo ONS para elaboração da Revisão 3 do Plano Mensal de Operação do mês de setembro de 2011(semana operativa de 17 a 23/09/2011).

[4] Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 3ª. ed., 2008, Agência Nacional de Energia Elétrica.

[5] Abbud, Omar e Tancredi, Márcio – Transformações Recentes na Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica: Causas e Impactos Principais – Texto para Discussão nº 69, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD69-OmarAbbud_MarcioTancredi.pdf

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Será a divisão do Estado do Pará uma boa idéia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=598&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sera-a-divisao-do-estado-do-para-uma-boa-ideia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=598#comments Mon, 13 Jun 2011 11:56:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=598 O Congresso Nacional promulgou em 26 de maio o Decreto Legislativo nº 136, que dispõe sobre a realização de plebiscito para criação do Estado do Carajás. Corre simultaneamente no Legislativo o projeto para criação do estado do Tapajós, que foi aprovado com modificações na Câmara dos Deputados e, por isso, deverá retornar ao Senado para reapreciação.

Apesar da aprovação iminente destes dois Decretos Legislativos, ainda pairam várias dúvidas legais sobre o processo, das quais a mais importante é aquela sobre a abrangência do plebiscito. Não se sabe ainda se todos os paraenses serão consultados, ou se só os habitantes dos futuros estados decidirão sobre a cisão.

Essa questão, assim como muitas outras serão deixadas para decisão judicial, evitando assim um possível desgaste político da proposição. Outra decisão estratégica que parece ter sido tomada pelos apoiadores da divisão é a de se votar conjuntamente as duas divisões, o que aparentemente aumentaria as chances de sucesso de ambas.

É importante ressaltar que estes projetos são os primeiros de uma lista de 14 proposições de criação de novos estados ou territórios e, portanto, possuem um caráter, se não de jurisprudência, pelo menos de formação de precedentes. Em suma, o trâmite e procedimentos eleitorais das outras proposições serão balizados pelas decisões estabelecidas nesses dois casos.

Se levados a cabo, tais projetos reduziriam o Estado do Pará a 22% da sua área atual (Figura 1). No entanto, o território que restaria do Estado do Pará conservaria 71% de sua população atual de cerca de 7,5 milhões de habitantes. Carajás somaria uma população de cerca de 1,5 milhão de pessoas e Tapajós, de pouco mais de 800 mil[1].

Figura 1

Como Ficaria o Atual Estado do Pará

Um ponto notável dessa reordenação territorial seria a discrepância de densidades demográficas dela resultante: o Pará ficaria com 18,1 habitantes por km2, o que representa cerca de quatro vezes a densidade de Carajás e dezesseis vezes aquela que seria observada no Tapajós.

Sob o ponto de vista econômico, os dois estados nascentes seriam bastante díspares. Carajás teria um PIB estadual de cerca de 20 bilhões de reais, enquanto Tapajós contaria com um PIB de pouco mais de 4 bilhões[2]. A divisão setorial dos PIBs também se revela bastante distinta: em Carajás ocorre uma predominância industrial, setor que responderia por 54% do futuro estado, enquanto que o setor de serviços, com 42% da produção, seria o mais importante no caso de Tapajós.

Mas talvez a maior diferença entre os dois estados esteja nos PIBs per capita. Quando esses valores são apreciados, parece que o Pará está sendo dividido em regiões por ordem de pobreza. A região que formaria o Estado do Tapajós apresentou em 2008 um PIB per capita de R$ 5.628, o que corresponde a 70% do PIB per capita paraense naquele ano. Já para Carajás, tal valor chega a R$ 14.000, sendo 76% maior que o PIB do Pará. A diferença entre os PIBs per capita de Carajás e Tapajós seria de 150%, o que grosseiramente quer dizer que cada habitante de Carajás seria 2,5 vezes mais rico em média que os moradores do Tapajós.

Um forte argumento, a meu ver, contra a criação desses estados é a insustentabilidade financeira de ambos. Utilizando uma metodologia desenvolvida para estimar os custos de manutenção das unidades federativas brasileiras[3] é possível ter uma ideia de qual seria o montante de gastos anuais necessários para a condução das máquinas estaduais dos governos a serem criados.

Essa metodologia calcula o custo do governo estadual baseada no PIB estadual, na população do estado, na sua área geográfica e no número de municípios que o estado contém. A lógica aqui é a de que quanto mais população e PIB o estado tiver, maiores deverão ser os gastos estaduais, uma vez que a produção de serviços públicos, tanto sociais quanto de infraestrutura, também terá que ser majorada.

Os valores estimados por este método apontam para um total de gastos estaduais de R$ 1,9 bilhão no Estado de Tapajós e de R$ 3,7 bilhões no caso de Carajás[4].

Quando esses valores são confrontados com a produção local, pode-se ter uma ideia preliminar sobre a viabilidade econômica dos novos estados. Os PIBs dos potenciais estados podem ser calculados pela agregação dos PIBs dos municípios que o formariam.

Por exemplo, o Estado do Tapajós gastaria com o seu governo estadual a proporção de 44% do seu PIB. Naturalmente, isso não quer dizer que essa proporção do PIB do estado seria alocada para financiar as despesas estaduais, mas sim que a máquina estadual consumiria um valor equivalente a 44% da produção local.

No caso do Estado de Carajás a situação, embora melhor, ainda estaria longe de ser confortável. Esse Estado gastaria o equivalente a 19% do seu PIB com o governo estadual, o que é bem menos que a proporção do Tapajós, mas ainda assim é maior que a média nacional (12,5%) e maior que a média do Pará (16%).

Um ponto que merece ser frisado é que esses gastos acima citados dizem respeito apenas ao funcionamento regular dos governos estaduais e não computam os gastos necessários à construção da infraestrutura para seu funcionamento (sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; sede do Ministério Público; equipamentos para as secretarias de governo; etc.).

Também é possível se ter uma ideia, ainda que aproximada, do montante de receitas disponíveis a cada um destes novos estados. Para se realizar este exercício, tomam-se como base as receitas totais do estado do Pará em 2009, cujos valores são os últimos disponíveis[5]. Calcula-se então quanto desta receita iria para os novos estados baseado na proporção da arrecadação municipal das novas unidades. Assim se a receita municipal do conjunto dos municípios do novo estado corresponde a 20% da receita do total dos municípios paraenses, supõe-se que a receita total do novo estado será igual a 20% da receita estadual do Pará. Baseado nessas proporções, os valores encontrados para os Estados de Tapajós e Carajás são, respectivamente, 1,057 e 2,666 bilhões de reais.

Tais receitas e despesas dos novos estados implicam um déficit conjunto de R$ 1,873 bilhões, distribuídos entre Tapajós (R$ 864 milhões) e Carajás (R$ 1,009 bilhões). A Tabela 1 consolida essas estimativas:

Tabela 1

Estimativas Fiscais para os Estados de Carajás e Tapajós

Carjás Tapajós Total
Gasto Estimado do Estado em R$ bilhões 3,676 1,922 5,597
PIB* em R$ bilhões 19,232 4,343 23,574
Gasto em %PIB 19,1 44,2 23,74
Receita Orçamentária Estimada em R$ bilhões 2,666 1,057 3,724
Déficit Anual Estimado em R$ bilhões 1,009 0,864 1,874
Gasto por Habitante em R$ 2.681 2.490 2.613

Os números apontam para um déficit conjunto de 1,8 bilhão de reais anuais. Esse valor teria que ser coberto de alguma forma, provavelmente, para não dizer inevitavelmente, pela União.

As informações apresentadas não pretendem menosprezar os anseios das populações locais por melhores serviços públicos e qualidade de vida. Muitos dos habitantes dessas regiões se sentem negligenciados pelo governo estadual, em muitos casos com razão. O fato de o Pará ter amplo território faz com que a distância entre Belém e os rincões mais longínquos muitas vezes seja um obstáculo para a boa governança necessária ao desenvolvimento local. É inegável que governos mais próximos da população seriam mais responsabilizáveis[6] e que as regiões seriam beneficiadas pela criação dos respectivos estados.

No entanto, podem existir razões menos nobres, de maior ou menor legitimidade por trás das proposições de criação destes estados. Dentre elas a criação de inúmeros novos cargos eletivos e de confiança que permitiriam uma diluição da concorrência política por posições públicas.

O domínio político de áreas potencialmente geradoras de tributos também pode ser uma das razões motivadoras dessas proposições. A região que formaria o Estado do Carajás é rica em minerais e já conta com uma grande operação da Vale. A usina de Belo Monte, a ser construída nos próximos anos, será localizada em Vitória do Xingu, município que integraria o estado do Tapajós. Dificilmente o orçamento monumental dessa operação terá passado despercebido.

Contudo, a principal motivação para as proposições parece ser a inevitabilidade de aplicação de recursos federais nas regiões após o surgimento dos novos estados. Seja para construir a infraestrutura física, seja para saldar o déficit que, como foi visto acima, será criado a partir da criação das novas unidades federativas. Parece impossível que não haja aplicação adicional de fundos da União na hipótese de concretização da divisão.

Tal ideia é facilmente vendida para a população local, geralmente carente de serviços públicos. A perspectiva de atração de novos recursos, inclusive federais, traz uma esperança de que setores como saúde e educação possam ter melhorias significativas. O problema é que mais recursos para a região significam ou menos recursos para outras regiões, ou maior tributação em nível nacional, ou crescimento da dívida federal. Em uma sociedade democrática, pode-se escolher gastar mais em uma determinada região, arcando-se com uma dessas conseqüências. O problema aqui é que esta forma de atrair recursos federais é cara e antieconômica. As estimativas sugerem que a criação de um estado novo na federação brasileira adiciona ao gasto público total R$ 995 milhões[7] anualmente, somente para manter as estruturas criadas. Assim, o desmembramento do Pará em três estados acrescentará cerca de 2 bilhões de reais às despesas de governo no Brasil, dos quais, como vimos, cerca de 1,8 bilhão não poderão ser cobertos por receitas próprias dos novos estados.

Existem circulando hoje no Congresso Nacional propostas para a criação de 13 novos estados e territórios. Caso todas se concretizem, teremos uma federação com 37 estados, 3 territórios e cerca de 13 bilhões mais cara. Isso sem contar novas proposições que poderão surgir na esteira do sucesso dos projetos que ora tramitam. Por tudo isso, a divisão do Estado do Pará não parece ser uma boa idéia.

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Para ler mais sobre o tema:

Boueri, R. “Custos de Funcionamento das Unidades Federativas Brasileiras e suas Implicações sobre a Criação de Novos Estados”. Texto para Discussão 1367. IPEA. Brasília. 2008. Disponível em http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/tds/TD_1367.pdf


[1] Fonte IBGE.

[2] Fonte: PIBs Municipais IBGE. Valores de 2008.

[3] Boueri, R. “Custos de Funcionamento das Unidades Federativas Brasileiras e suas Implicações sobre a Criação de Novos Estados”. Texto para Discussão 1367. IPEA. Brasília. 2008.

[4] Estimativas referentes a 2009.

[5] Site da STN: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estatistica/est_estados.asp.

[6] OATES, W. Fiscal federalism. 2ª ed. Gregg Revivals, 1993.

[7] Boueri (2008), Op. Cit.

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