energia elétrica – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 23 Apr 2014 14:20:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que o Brasil está correndo risco de racionamento de energia elétrica? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2214&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-brasil-esta-correndo-risco-de-racionamento-de-energia-eletrica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2214#comments Wed, 23 Apr 2014 14:20:11 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2214 Como é de conhecimento público, corremos o risco de ter problemas no abastecimento de energia elétrica. A palavra racionamento, empregada no título, é bom que se diga, cumpre apenas a função de buscar aderência ao nome que vem sendo dado pela imprensa ao fenômeno.

Tecnicamente, racionamento de energia elétrica é o desligamento regular e temporário de parte da carga, o que não precisa ocorrer e nem ocorreu, a bem da verdade, na crise de 2001. Não ocorreu porque medidas adequadas foram tomadas pelo Governo, e a população reduziu o consumo, adequando-o à capacidade de geração disponível na época. Houve, sim, o que se chama de racionalização do consumo, providência que caberia ao Governo tomar, neste momento, segundo numerosos especialistas, para evitar consequências mais danosas no futuro.

Embora se possa comparar de forma genérica a situação de 2001 com a atual, há muitas diferenças nas condicionantes do suprimento de energia elétrica, hoje e então. As de 2001 parecem ter sido suficientemente bem descritas no Relatório da Comissão Mista do Congresso, que estudou pormenorizadamente o problema1. Parece oportuno, quanto ao agora, entender por que chegamos à situação em que estamos.

Se eximirmos São Pedro de culpa, porque esse problema é, sem dúvida, terreno, há pelo menos quatro causas principais pelas quais temos dificuldades de abastecimento, dificuldades essas que podem resultar na necessidade de economia forçada de energia elétrica. A primeira delas está na construção de usinas hidrelétricas sem reservatórios onde isso é possível, em descumprimento, inclusive, da legislação vigente, que determina o chamado aproveitamento ótimo2 dos potenciais hídricos nacionais (acerca desse ponto ver, neste site, o texto “O que são usinas hidrelétricas a fio d’água e quais os custos inerentes a sua construção?”).

Para que se tenha ideia dos efeitos dessa política pública “de fato”, que vem sendo posta em prática há anos, em razão das pressões contra as usinas hidrelétricas, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que de 42 empreendimentos leiloados de 2000 a 2012, que somam 28.834,74 MW de potência, apenas dez constituem usinas com reservatórios. Essas dez usinas agregam somente 1.940,6 MW de potência instalada ao sistema elétrico. Os outros 32 empreendimentos, num total de 26.894,14 MW, são de usinas a fio d’água, ou seja, sem qualquer capacidade de guardar água para geração de eletricidade nos períodos secos. Apenas 6,73% da capacidade de geração desses empreendimentos são, portanto, provenientes de usinas com reservatório.

O resultado é que a capacidade de reservação de água para o período seco nas usinas hidrelétricas brasileiras vem caindo em face do aumento da demanda. Essa capacidade, que já foi plurianual, no passado, e era de 5,6 meses, em 2012, cairá para cinco meses, em 20163, e para 3,24 meses, em 2022, de acordo com o Plano Decenal do Ministério de Minas e Energia.

Além de diminuir a segurança energética do País, a construção de usinas sem reservatórios, segundo a técnica recomendável, tem preço alto para o consumidor. Os reservatórios não construídos são necessariamente substituídos por térmicas, mais caras e poluentes, visto ser esta a única modalidade de geração em nossa matriz que compensa a falta de geração hidrelétrica de maneira segura. As demais – eólica e solar – são apenas complementares, por dependerem da natureza. A geração nuclear, apesar de bastante segura, sofre as restrições conhecidas, inclusive as que servem apenas a fins demagógicos.

Mas voltemos ao preço pago pelo consumidor. Tomemos o exemplo da usina de Belo Monte, para entender o custo financeiro da renúncia aos reservatórios. Na bacia do Xingu foram abandonados cerca de 5 mil MW de energia firme e eliminou-se o reservatório de Belo Monte, com a finalidade de reduzir a área de alagamento. Embora isso tenha viabilizado politicamente a usina, a diferença entre os custos de geração desses 5 mil MW médios (gerados nos projetos a montante, a estimados R$ 77,97/MWh, preço de Belo Monte, num valor total de R$ 3,37 bilhões/ano), e os mesmos 5 mil MW médios, gerados por térmicas a gás (a R$ 426,24/MWh, num total de R$ 18,6 bilhões/ano), montaria a R$ 15,3 bilhões/ano, isso sem computar os prejuízos ambientais das emissões de CO2 decorrentes da geração térmica.

Além disso, a Usina Belo Monte ficou mais cara por esse novo projeto. É que a solução escolhida, para proporcionar um ganho de energia firme da ordem de 20% (de 3.970 MW médios para 4.796 MW médios), elevou a potência instalada em quase 40% (de 8.009 MW para 11.181 MW), com consequente piora da relação custo/benefício do empreendimento. Esse assunto foi discutido recentemente, em detalhes, por Tancredi e Abbud (2013)4, em “Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energia mais cara e poluente?”.

Outro fator que contribui fortemente para a insegurança energética que vivemos é o atraso na construção de novas usinas e linhas de transmissão. Há duas causas conhecidas para esses atrasos, ambas de responsabilidade do Governo Federal. A primeira é a ânsia com que as empresas estatais (Eletrobras e suas subsidiárias) se atiraram à conquista dos novos empreendimentos de geração e transmissão nos leilões promovidos após a reforma da legislação do setor, em 2003, incentivadas que foram nessa direção pelo Governo Federal, seu acionista majoritário. A segunda é a forma pela qual o Governo Federal tratou e vem tratando a questão do licenciamento ambiental, o que também ajudou a atrasar as obras de geração e transmissão.

Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, publicado em 13 de abril passado5, mostra que nesse período, quase três mil MW, relativos a cerca de 70 usinas, previstos para entrar em operação no primeiro trimestre deste ano, mesmo após inúmeras revisões de prazo, tiveram as suas datas de operação adiadas para os próximos meses. Isso representa quase 90% do total previsto. Essa geração nova seria suficiente, por exemplo, para abastecer uma cidade de cerca de oito milhões de habitantes, ou todo o Estado do Ceará, segundo o jornal.

Ainda de acordo com O Estado, o Ministério de Minas e Energia informou que “hoje são monitorados cerca de 520 empreendimentos de geração. Destes, mais da metade estão com o cronograma em dia.”. Essa afirmação permite inferir que metade desses empreendimentos, ou na verdade, um pouco menos, estão atrasados. Grande parte deles tem estatais à sua frente ou na condição de associados minoritários, mas com participações grandes, da ordem de 40%, como na Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, ou ainda superiores.

Na construção de linhas de transmissão, dados da Aneel, de 2013, mostram que 96 obras de transmissão da Chesf sofreram atrasos e chegaram a apresentar atraso médio de 495 dias. Havia, entre as obras, linhas com atrasos de até 2.294 dias. No total, a Chesf já havia sido multada pela Aneel – com 26 penalidades irrecorríveis em âmbito administrativo – em mais de R$ 25 milhões.

Furnas, por sua vez, chegou a ter, segundo a Aneel, 39 obras atrasadas, com um atraso médio de até 710 dias. Entre as obras não concluídas, havia atrasos de até 2.525 dias. Furnas tinha, até então, cinco infrações administrativas irrecorríveis, num total de mais de R$ 4,5 milhões.

A Eletronorte tinha cinco multas irrecorríveis. Chegou a ter 49 atrasos em obras, tendo alcançado a média de 344 dias de atraso. Houve obra com atraso de 1.736 dias em sua carteira. A estatal federal em melhor situação era a Eletrosul, que tinha apenas três infrações irrecorríveis, relativas a um atraso médio de apenas 51 dias.

Quais as causas desses atrasos? Problemas de gestão e de dificuldades de licenciamento ambiental. Empresas estatais no Brasil não conseguem apresentar a mesma agilidade e eficiência de operação que empresas privadas, o que é largamente sabido. Somem-se a isso as dificuldades de licenciamento ambiental e está pronta a receita para os atrasos dos empreendimentos.

Em breve, um novo e explosivo ingrediente será agregado a esses outros dois: a falta de recursos financeiros para as estatais do setor. Não podemos nos esquecer de que a Medida Provisória nº 579, de 2012, retirou dessas estatais grande parte da sua renda, descapitalizando-as, quando se apropriou dos seus lucros com a geração de energia elétrica para promover, de forma artificial, a redução tarifária para os consumidores. Elas só não enfrentam ainda o efeito pleno dessas dificuldades em virtude das indenizações que estão recebendo, em decorrência das regras estabelecidas na MP. Mas essa não é uma fonte inesgotável, e a Eletrobras terá que conseguir recursos para dar prosseguimento às muitas obras que contratou.

Examinemos agora o tema do licenciamento ambiental, que de longa data dificulta o cumprimento de prazos de obras de hidrelétricas e de linhas de transmissão. Inicialmente, é preciso mencionar que as usinas termelétricas a combustível fóssil são facilmente licenciadas. Não há pressões, nem campanhas contra essa modalidade de geração, de característica notoriamente poluente. A restrição mais relevante à concessão de licenças ambientais para termelétricas foi a edição, em 2009, da Instrução Normativa nº 7, do IBAMA, que criou contrapartidas mitigatórias, mas foi embargada por determinação da Justiça.

O Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, criado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia (GCE), em 2001, promoveu um amplo debate com todos os agentes do setor elétrico e com a sociedade, com o objetivo de “encaminhar propostas para corrigir as disfuncionalidades correntes e propor aperfeiçoamentos para o modelo” de gestão do setor. Ao final de seus trabalhos, dentre as várias medidas propostas estava a de agilização do processo de licenciamento ambiental.

A recomendação era no sentido de que todos os empreendimentos já fossem licitados com a Licença Ambiental Prévia obtida. A MP nº 145, um dos instrumentos da reformulação da legislação feita em 2003, acatou apenas parcialmente essa recomendação, dando à EPE a possibilidade de escolher para quais empreendimentos ela buscaria obter as licenças ambientais. Os licenciamentos dos demais empreendimentos ficariam a cargo dos concessionários.

Seja como for, segue muito lento o processo de licenciamento ambiental de hidrelétricas e de linhas de transmissão. Exemplo disso é que há, atualmente, na Aneel, algo entre seis e sete mil MW de outorgas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) que não podem ser expedidas pela Agência sem a emissão da Licença Ambiental Prévia. PCHs, por definição legal, não podem alagar mais que três quilômetros quadrados. Ainda assim, demoram, às vezes, nove anos para obter sua Licença de Instalação, como aconteceu com uma PCH de Mato Grosso, que só recentemente foi licenciada.

De qualquer modo, com o licenciamento a cargo de órgãos governamentais ou de empreendedores privados, a questão não está suficientemente bem solucionada. Demora muito para que as licenças sejam concedidas. Ademais, a legislação sobre o assunto é insuficiente e faltam critérios claros a serem seguidos por empreendedores e licenciadores. Sobre esse assunto, Ivan Dutra Faria escreveu mais detalhadamente, aqui mesmo no Brasil, Economia e Governo, uma série de três artigos intitulados “Por que o licenciamento ambiental no Brasil é tão complicado?”.

Por último, mas não menos importante, a presença recente de empreendedores sem experiência no setor causou problemas ainda não inteiramente solucionados e que resultaram na frustração de obras de geração, que hoje tanta falta fazem ao País.

O setor elétrico é complexo e seus investidores são operadores tradicionais, em geral com larga experiência. Com exigência de grandes aportes de capital e empreendimentos com longos prazos de maturação, o setor é próprio, sem dúvida, para investidores experientes.

O exemplo mais conhecido de frustração de obras é o do Grupo Bertin. Tradicional no ramo de frigoríficos, o Grupo desembarcou do ramo de carnes para adentrar o setor elétrico, sem ter conhecimento específico prévio, e não conseguiu cumprir as obrigações que contratou. Chegou até a participar do consórcio vencedor de Belo Monte, do qual foi excluído por não apresentar as garantias necessárias. O fracasso do Bertin levou, inclusive, a mudanças na avaliação da capacidade financeira dos candidatos nos leilões de geração.

Para se ter ideia do preço desse equívoco, na avaliação do presidente da CMU Comercializadora, Walter Froes, citado na mencionada edição d’O Estado de S. Paulo, se as térmicas do Grupo Bertin, com capacidade de 5.000 MW, tivessem entrado em operação, o nível dos reservatórios estaria hoje 25 pontos porcentuais acima do atualmente verificado.

Finalmente, cabe lembrar que uma das acusações dirigidas à política adotada para o setor elétrico, a partir de 1995, era de que o planejamento havia sido abolido. Assim, na reforma da legislação empreendida em 2003, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com a finalidade de suprir essa lacuna. Cabe à EPE “prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras”.

Parece que agora, mais que nunca, faltou planejamento e acompanhamento governamental firme dos empreendimentos do setor, notadamente daqueles a cargo de suas empresas. Pode haver – e certamente há – outras causas, mas as aqui apontadas são, sem dúvida, as principais razões das dificuldades de abastecimento de energia elétrica que o Brasil terá pela frente. Se elas forem devidamente equacionadas e resolvidas, e, principalmente, se a EPE cumprir as suas funções de planejadora e a Aneel as suas de fiscalizadora, São Pedro poderá, no futuro, ser poupado de responsabilidades que, com certeza, não são dele.

__________________

1 A Crise de Abastecimento de Energia Elétrica, Relatório, 2002, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=57728.
2 Art. 5º, § 3º, da Lei nº 9.075, de 1995.
3 Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS.
4 TANCREDI, Márcio e Abbud, Omar. Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energia mais cara e poluente?, Texto para Discussão nº 128 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília, DF. maio/2013, disponível em http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-128-por-que-o-brasil-esta-trocando-as-hidreletricas-e-seus-reservatorios-por-energia-mais-cara-e-poluente
5 O jornal baseou-se em documentos do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), de janeiro de 2013 até a data da publicação da edição do jornal, e em relatório da Aneel, referente a março de 2014.

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Hidroelétricas no Brasil: a vitória do obscurantismo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2065&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=hidreletricas-no-brasil-e-a-vitoria-do-obscurantismo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2065#comments Mon, 18 Nov 2013 12:49:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2065 O anedotário da caserna nos conta que, ao assumir o comando de um quartel, um coronel indagou de seu oficial imediato acerca de um posto de sentinela permanente em frente a um banco de praça. Percorreu-se, sem sucesso, toda a cadeia hierárquica atrás da resposta, até que o soldado mais antigo do quartel acabou com mistério: há muitos anos, o banco fora pintado e, por isso, providenciou-se uma sentinela para evitar que alguém, inadvertidamente, sentasse sobre a tinta fresca. Desde então, o posto nunca mais ficou sem vigilância.

É inevitável a lembrança da sentinela do banco quando se assiste a alguém do Governo Federal, compungida e conformadamente, informar à platéia que “a sociedade decidiu que não se pode mais construir hidroelétricas com grandes reservatórios”. A sociedade quem, cara-pálida? Quando, onde e por quem essa decisão foi tomada?

Fala sério, autoridade! Isso nunca foi discutido adequadamente no Brasil e, menos ainda, definido por meio de mecanismos da democracia representativa. Nem quem vota nem quem foi votado escolheu coisa alguma. Essa decisão é de responsabilidade exclusiva de gente amedrontada por meia dúzia de bumbeiros tonitruantes. Gente que, passivamente, ouve os parlapatões midiáticos dizerem que a energia eólica substitui, com vantagens, a hidroeletricidade. Gente que afirma que Belo Monte vai afetar o Parque Nacional do Xingu, aquela maravilha situada rio acima – a “apenas” 1.300km, aproximadamente.

A Comissão Internacional de Grandes Barragens, uma entidade de reconhecida qualificação técnica que realiza levantamentos sistemáticos em diversos países, periodicamente publica uma lista dos países com mais de duzentas grandes barragens em operação. Trata-se aqui de estruturas com altura igual ou superior a 15m e, também, as que possuem altura variável entre 10 e 15m, desde que tenham capacidade de armazenar mais de 3 milhões m3 de água em seus respectivos reservatórios.

Como esperado, a China, os Estados Unidos e a Índia ocupam as primeiras posições na lista. O Japão e a Coreia do Sul, surpreendentemente, ocupam a quarta e a quinta posições, respectivamente, superando, sucessivamente, o Canadá, a África do Sul e o Brasil.

Quando nos lembramos das condições climáticas adversas do enorme território canadense, ficamos nos perguntando sobre certo país privilegiado, em cujos corpos d’água se encontram 12% da água doce superficial do planeta – muito mal distribuídos, diga-se de passagem. Chega-se à conclusão de que a razão entre a quantidade de barragens e a extensão do nosso território é bem modesta, nomeadamente quando comparada com os dois países asiáticos que, obviamente, não se destacam no panorama internacional pela extensão territorial e, tampouco, pela geração hidrelétrica.

Há atualmente cerca de 50 mil grandes barragens em operação mundo afora. O Brasil mal ultrapassa o milhar, enquanto a Coreia do Sul, um país menor do que o Estado de São Paulo, tem um terço a mais, e o Japão, o triplo. Isso nos leva a pensar que essas sociedades priorizaram a regularização das vazões de seus rios, como forma de controlar os seus múltiplos usos, tais como o controle de inundações, a mitigação dos efeitos das secas, a irrigação de lavouras, o suprimento de água potável, a navegação e o controle de doenças de origem hídrica.

É interessante notar que, no Brasil, quanto mais sectários são os opositores aos empreendimentos hidroelétricos, mais eles se utilizam da palavra “barragem”, em vez de “usina” ou de “hidroelétrica”, sugerindo que os barramentos ao curso natural dos rios não podem ser feitos, em nenhuma hipótese. Eles falam em impactos “irreversíveis”. Não usariam esse termo se tivessem prestado atenção às aulas de química nos cursos de ensino médio – especialmente às que tratam de equilíbrios e seus deslocamentos. Lembrariam que há uma quantidade fixa de água no planeta e que os reservatórios são uma forma milenar de gestão desse recurso. Distinguiriam os argumentos coerentes daqueles contaminados por avaliações subjetivas, desprovidas de consistência técnica ou científica.

Aqui, os conflitos vêm sendo criados, predominantemente, por crenças e convicções preestabelecidas, colidentes com os fundamentos das abordagens científicas dos impactos ambientais. Em vez de ciência, o licenciamento ambiental é uma notável coleção de opiniões. Neste país paradoxal, ao tempo em que se dá espaço na mídia a palpiteiros que combatem as hidroelétricas e seus reservatórios, não se toma conhecimento das diversas manifestações da Agência Nacional de Águas (ANA), onde gente que estuda seriamente o assunto defende o armazenamento de água como essencial para o desenvolvimento sustentável.

Não se trata de construir barragens apenas para que o setor elétrico utilize a energia hidráulica dos nossos rios. Trata-se de contar com “registros no encanamento”, controlando a disponibilidade hídrica, guardando e usando com moderação e responsabilidade, de acordo com o atávico conhecimento dos usos múltiplos de reservatórios. É fazer o maior número possível de barragens permitido pelo conhecimento científico atual. Isso não é para “achistas” que, deturpando o Princípio da Precaução, pretendem estancar a marcha do conhecimento humano. Houvessem prestado atenção às aulas de matemática e de biologia, saberiam por que “risco zero” pode significar “custo infinito” e por que a energia mais poluente é a que não se tem.

Na versão 2012 do Programme for International Student Assessment (PISA), uma medida da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar a qualidade da educação no mundo em 65 países, o Brasil aparece em 53ª posição, entre os 15 com pior desempenho. A China lidera o ranking, seguida de Coreia do Sul, Finlândia, Hong Kong e Cingapura.

Entre os países que pertencem à OCDE, há seis que apresentam um elevado nível de proficiência em ciências ambientais na escala do PISA. Isso quer dizer que os alunos conseguem aplicar o conhecimento científico na busca do entendimento das questões ambientais. Entre esses países, estão o Japão, a Coreia do Sul e o Canadá – nações que apresentam proporções particularmente altas nessa avaliação e que – ora vejam – utilizam intensivamente o armazenamento de água em barragens.

O Brasil possui seis engenheiros para cada grupo de 100 mil pessoas. O Japão possui cinco vezes mais. Em 2012, o Brasil formou menos de 40 mil engenheiros, e a Coreia do Sul, com menos de um quarto da nossa população, formou o triplo. Tudo isso deve ser coincidência.

(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico em 11/11/2013.)

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Por que hidrelétricas (com reservatório) são a melhor opção para o Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1282&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-hidreletricas-com-reservatorio-sao-a-melhor-opcao-para-o-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1282#comments Tue, 10 Jul 2012 11:12:11 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1282 A matriz de geração do Sistema Elétrico Brasileiro (SEB) é quase integralmente hidrotérmica, isto é, 98% da capacidade de geração vêm de usinas hidrelétricas, que predominam, e de térmicas – movidas a óleo, gás, carvão e combustível nuclear.

Mas essa predominância já foi bem maior há dez anos, como mostra a tabela 2.

O aumento da participação das fontes térmicas, que se deu a partir da crise energética de 2001, deveu-se principalmente à descontinuidade dos investimentos privados decorrente do processo de mudança da legislação do setor elétrico, entre 2003 e 2005, e à forte oposição enfrentada pelos projetos de construção de novas usinas hidrelétricas.

A matriz projetada no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) do Governo Federal para 2020 indica mudanças ainda maiores.

A participação das fontes hidrotérmicas cairá para 93,25% do total, mantendo-se estáveis as puramente hidrelétricas. As fontes térmicas deverão perder espaço, a ser ocupado principalmente pelas eólicas, que perfarão 6,7% da matriz brasileira (contra 1%, hoje). O aumento da produção nuclear se deverá ao projeto de expansão de Angra dos Reis.

O modo como essa matriz vem sendo construída, ao longo de décadas, obedece à lógica determinada pela oferta de recursos naturais e pelo custo de produção. Como se sabe, o preço da energia elétrica gerada a partir de fonte hídrica foi e segue sendo menor. Além disso, a geração hidrelétrica é renovável e, como se verá adiante, tem vantagens ambientais que nem mesmo as formas de geração renovável oferecem. Mas, antes de prosseguir na análise da matriz, é preciso fazer breve digressão sobre o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Quase todo o Brasil é abastecido por meio do SIN. As poucas exceções estão quase todas localizadas na Amazônia: trata-se de comunidades isoladas, abastecidas por geração térmica a óleo, nos chamados Sistemas Isolados. O SIN é composto, principalmente, pela Rede Básica de Transmissão, que interliga uma vasta parcela do território nacional, por meio de quase 100 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia, aos quais se conectam redes secundárias de transmissão e redes de distribuição, que levam eletricidade ao consumidor.

À Rede Básica estão conectadas as unidades geradoras que produzem energia elétrica. O processo de planejamento e de comando da produção e alocação da energia necessária para suprir a demanda nacional é feito pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em Brasília.

Neste ponto, cabe outra digressão. O Brasil ocupa o terceiro lugar entre os países que dispõem dos maiores potenciais hidrelétricos, com 10% da disponibilidade mundial, atrás da China, com 13% do total, e da Rússia, com 12%[1]. O potencial brasileiro é de 260 mil MW[2]. Perto de 30% dele (83.000 MW) se transformaram em usinas. O potencial passível de aproveitamento é estimado em 126 mil MW, conforme o Plano Nacional de Energia 2030, estando mais de 70% dele localizados nas Bacias do Amazonas e do Tocantins/Araguaia[3].

É importante lembrar que um dos problemas enfrentados entre a produção e o consumo de energia elétrica é o armazenamento. A energia produzida precisa ser imediatamente consumida, porque não tem como ser armazenada. Só é possível armazenar os elementos usados na geração, como água, óleos combustíveis, carvão, gás natural e urânio enriquecido.

Cerca de 70% da capacidade nacional é proveniente de usinas hidrelétricas. Em seus reservatórios, a água é guardada e utilizada ao longo do ano. Os grandes reservatórios das usinas da Região Sudeste/Centro-Oeste representam 71% do Sistema Interligado Nacional[4], constituindo nossa melhor alternativa de armazenamento de energia elétrica, uma riqueza de que poucos países dispõem.

Mas a água desses reservatórios não é suficiente para atender à demanda durante todo o ano. A forma mais segura de suprir o que faltar é a geração por termoelétricas, que podem ser acionadas sempre que necessário, embora com custo de geração maior e com emissão de gases de efeito estufa (GEE).

As térmicas nucleares, embora firmes e constantes, de custo razoável e baixa emissão de GEE, apresentam problemas de disposição dos resíduos radioativos e de desconfiança popular, reforçada por eventos como os de Fukushima, no Japão (sobre energia nuclear ver, neste site o texto “O Brasil deve desistir da energia nuclear?”).

A cogeração a biomassa, principalmente a bagaço e a palha de cana, permite produzir simultaneamente calor e energia elétrica, com grande economia de combustível.  Ela é mais eficiente que a geração por meio de combustíveis fósseis, mas só ganha força, no Brasil, na época da safra da cana de açúcar. Embora essa seja limitação relevante, é importante registrar que a safra ocorre nas épocas de baixa dos reservatórios, o que ajuda a compensar a menor geração hidrelétrica.

A capacidade de produção por biomassa, contudo, ainda é limitada, respondendo por cerca de 5% da potência instalada nacional. A queima de biomassa não é considerada produtora de GEE, pois durante o crescimento do canavial houve retirada de CO² da atmosfera. A biomassa é considerada neutra para efeito de aquecimento global e, por isso, uma fonte alternativa – além de renovável.

Por último, os parques de geração eólica já representam promessa relevante para o abastecimento nacional. Ultimamente, o custo de geração dessa energia tem se tornado bastante competitivo em virtude dos incentivos governamentais e do barateamento dos equipamentos geradores.

A geração eólica não produz energia firme e constante, já que depende dos ventos. Contudo, é excelente fonte complementar ao sistema hidrotérmico, gerando mais nos períodos de baixa dos reservatórios.

O preço da energia, ao lado dos fatores naturais, é considerado elemento prioritário na decisão sobre fontes geradoras de energia. A abundância e o custo, além de aspectos ligados à segurança do abastecimento, são os fatores que determinam a matriz energética dos países. Trata-se, obviamente, do cálculo econômico, presente em toda atividade humana.

No setor elétrico brasileiro há uma máxima que diz que “a energia mais cara é a da próxima usina”. Versão setorial do princípio econômico da produtividade marginal decrescente, de David Ricardo, ele reflete o fato de que se constroem primeiro as “melhores usinas”. O primeiro fator na determinação dessas usinas é o custo da geração, medido em R$/MWh, decorrente de projetos de execução mais fácil e mais barata. Depois, vem a proximidade dos centros de demanda, fator que influencia custos de construção e manutenção das linhas de transmissão.

Não menos relevante, no caso de hidrelétricas, é a partição ideal das quedas de uma bacia, técnica que otimiza o aproveitamento do curso d’água para efeito de geração de eletricidade. Trata-se do aproveitamento ótimo, conceito legalmente estabelecido no Brasil[5], que deve presidir a elaboração dos projetos das usinas hidrelétricas. Os potenciais hídricos e as próprias usinas são bens da União, conforme estabelecido na Constituição Federal[6], constituindo patrimônio de todos.

Também são considerados melhores os aproveitamentos que permitem reservatórios de grande capacidade e pequena exigência de área inundável. Quando operam em cascata, a capacidade de geração e a contribuição das usinas para a regularização do rio são potencializadas, sendo particularmente preciosas as primeiras do conjunto, dada sua maior capacidade de reserva.

Além disso, os reservatórios agregam vantagens comparativas únicas, fornecendo água para consumo e irrigação, servindo como criatórios de peixes, viabilizando a navegação e gerando atividade turística.

Por fim, as hidrelétricas indenizam os Estados e Municípios pela área que ocupam. Em 2011, pagaram R$ 1,63 bilhão como Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) e R$ 370 milhões em royalties (compensação financeira específica, devida pela Usina de Itaipu).

Vejamos, na tabela 5[7], os preços da energia gerada no Brasil, conforme suas fontes.

As grandes usinas hidrelétricas continuam oferecendo os menores preços de energia. Contudo, os grandes potenciais ainda disponíveis estão localizados nas bacias do Amazonas e do Tocantins/Araguaia, o que acarreta dois problemas.

O primeiro é a distância dos grandes centros consumidores, o que encarece a energia. O segundo é que a construção de usinas na região Norte, de terreno mais plano, tende a aumentar a área alagada. Isso tem influenciado no sentido da construção de usinas a fio d’água ou sem reservatório, que não acumularão reservas para geração na estação seca, nem contribuirão para regularizar as vazões dos rios.

É importante notar, também, que a energia de fonte hidrelétrica reduz seus preços ao longo do tempo, dada a longevidade das usinas e a “gratuidade” de seu “combustível”, a água. Agora mesmo, 18 mil MW de hidrelétricas antigas, cujas concessões vencem até 2015, terão seus preços reduzidos em cerca de 25%, segundo estimativa da ANEEL, projetando preços da ordem de R$ 70 a R$ 75/MWh.

Impactos Ambientais Das Fontes

Não há geração de energia sem impactos ambientais. A melhor solução, portanto, combina menor preço e menor impacto, sem esquecer que mitigar impactos encarece a energia. Examinemos os principais impactos de cada fonte de geração e, em especial, a geração de gases de efeito estufa (GEE), o que mais preocupa hoje.

As fontes térmicas, com exceção das nucleares, emitem GEE em grande escala. As nucleares, por sua vez, padecem de dois problemas principais: a possibilidade de acidentes e a falta de solução satisfatória para os rejeitos radioativos, embora eles sejam relativamente poucos. Em um ano, um reator nuclear de 1.200 MW, como o de Angra II, produz 265 kg de resíduos[8]. A sua produção de GEE é pequena.

A geração eólica produz algum impacto ambiental. São referidos o impacto na paisagem, o ruído decorrente de sua operação, da ordem de 40 decibéis, o espaço ocupado pelas torres e eventuais prejuízos às correntes migratórias de pássaros.

A geração eólica serve apenas como fonte complementar de geração de energia elétrica, já que depende dos ventos, ajudando a economizar água dos reservatórios e evitando o despacho de térmicas, mais poluentes e onerosas.

A energia de fonte solar fotovoltaica, querida dos ambientalistas, tem preço elevadíssimo e depende da luz intermitente do sol, também caracterizando forma de geração complementar.

Dotada de boa imagem, essa fonte tem um problema raramente mencionado: ela inutiliza as extensas áreas ocupadas pelos parques solares. O Parque Solar Waldpolenz, na Alemanha, tem potência instalada de 40 MW, gerando 40.000 MWh/ano, em média, graças a 550.000 painéis solares, instalados em 2,2 km². A potência média de Waldpolenz assim calculada é de 4,57 MW, o que implica num baixo fator de capacidade, da ordem de 11,4%, e numa igualmente baixa produtividade energética, de 18,2 GWh/ano por km² ocupado.

A título de comparação, a Usina Belo Monte tem uma potência instalada de 11.233 MW e gerará 40 milhões MWh/ano, numa área de 516 km². Assim, sua operação terá potência média de 4.571 MW, fator de capacidade de 40,7%, e produtividade energética de 77,6 GWh/ano por km² (vide tabela a seguir).

Com isso, Belo Monte gerará 4,2 vezes mais energia por km² ocupado que Waldpolenz, instalação considerada modelar. Para gerar mesma quantidade de energia que Belo Monte, uma usina como Waldpolenz precisaria de uma área de 2.200 km², esterilizando-a para outros aproveitamentos. Cabe mencionar ainda os potenciais impactos negativos dos materiais utilizados na construção dos painéis solares, tais como chumbo, mercúrio e cádmio.

Já o reservatório de Belo Monte, passado o impacto inicial da construção, tornar-se-á um novo ecossistema, tão vivo, estável e sustentável quanto o anterior, a exemplo do que ocorre com outras hidrelétricas.

É hora agora de analisar os impactos da construção de usinas hidrelétricas. A Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, divulgou dado segundo o qual, somadas as áreas dos reservatórios das usinas construídas e a construir na Amazônia, seriam alagados 10.500 km², ou seja, 0,16% de todo o bioma amazônico. A título de comparação, foram desmatados 6.418 km² na Amazônia brasileira somente em 2011, ano em que menos se destruiu a floresta desde 1988[9], quando o INPE iniciou esse levantamento.

Aproveitar todo o potencial hidrelétrico da Amazônia produzirá impacto pouco superior ao do desmatamento ocorrido num ano de baixo índice de desmatamento. A alternativa é optar por queimar combustível fóssil ou construir usinas nucleares, já que as fontes eólica e solar não oferecem a segurança necessária ao abastecimento, como visto.

Finalmente, no que diz respeito às emissões de GEE, dados de estudo publicado em 2003[10] comparam as emissões da cadeia completa dos diferentes sistemas de geração de eletricidade por tipo de fonte, assim resumidas:

O desalojamento de populações ribeirinhas é outro problema da construção de hidrelétricas. Conduzida adequadamente, a remoção dessas populações deve representar melhora das suas condições de vida, em vista das exigências feitas aos empreendedores de benefícios para os desalojados. Trata-se apenas de conduzir as coisas adequadamente, o que pode e deve ser fiscalizado pelo Poder Público.

Pedido do Ministério Público Federal para que se ampliasse o prazo de consulta pública do Plano Decenal de Expansão de Energia 2020 baseou-se no fato de que 113.502 pessoas serão afetadas pelo conjunto de empreendimentos hidrelétricos constantes do Plano, entre os quais Belo Monte. Nota-se, pelo número de pessoas, que não teria custo absurdo realocá-las dignamente como deve ser.

Por fim, vem o tema das terras indígenas, protegidas pela Constituição Federal. De acordo com dados da imprensa[11], as terras demarcadas somam 112,7 milhões de hectares, 13,2% do território nacional. Elas abrigam 502 mil indígenas (0,26% da população), numa média de 224,5 ha/habitante. Comparando, nos assentamentos rurais, que abrigam quatro milhões de pessoas (2,1% da população), a média ocupada é dez vezes menor, de 22 ha/habitante. É preciso, portanto, encontrar solução negociada e satisfatória para a construção das hidrelétricas que as afetem.

Também é imperativo discutir a opção pela construção de usinas hidrelétricas sem reservatório ou a fio d’água (para ler mais acerca de reservatórios a fio d’água ver, neste site, o texto “O que são as usinas ‘a fio d’água’ e quais os custos inerentes à sua construção?”), e abrir o debate sobre o que iremos fazer ao respeito do desperdício de um precioso patrimônio nacional, os aproveitamentos hidrelétricos. Construída uma usina sem reservatório, a perda de sua capacidade produtiva jamais será recuperada, particularmente se for a primeira ou a segunda da cascata, fundamentais para a otimização do seu aproveitamento na geração e na regularização. Equivale a renunciar para sempre a uma parcela importante de um poço de petróleo ou de uma rica jazida mineral.

O PDE 2020 prevê que a capacidade de armazenamento dos reservatórios das usinas brasileiras terá crescimento de apenas 6%, até 2020, contra um aumento da capacidade instalada de 39%, no mesmo período. Essa projeção aponta o sacrifício sem volta de uma importante riqueza. Note-se que isso ocorrerá com descumprimento da legislação em vigor, que determina o aproveitamento ótimo dos potenciais hídricos.

Tudo considerado, pode-se concluir que as usinas hidrelétricas constituem a melhor e mais confiável alternativa de produção de energia no Brasil, principalmente no que diz respeito ao custo de produção e ao impacto ambiental.

Também não se devem esquecer as térmicas nucleares, cujo desempenho é muito bom no que diz respeito à produção de GEE. A tecnologia vem ganhando em segurança, em projetos mais recentes, e o volume de seus resíduos é relativamente pequeno.

Não se pode, aliás, dispensar fonte alguma, cada qual valiosa a seu modo. A eólica vem ganhando competitividade, mas a solar ainda é muito cara para figurar como alternativa concreta no Plano Decenal de Energia.

A geração a gás, a óleo e a carvão, embora onerosa e poluente, segue sendo uma alternativa segura para complementar o abastecimento nacional nos períodos de baixa produção hidrelétrica. Por seu alto preço e impacto, contudo, deve ser reduzida ao mínimo indispensável.

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Para saber mais sobre o tema:

A Crise de Abastecimento de Energia Elétrica (A Crise de Abastecimento de Energia Elétrica, Relatório, 2002, Senado Federal), da Comissão Especial Mista do Congresso Nacional destinada a estudar as causas da crise de abastecimento de energia no País, conforme o Requerimento nº 73/2001-CN (em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=57728&tp=1).

Abbud, Omar e Tancredi, Márcio – Texto para Discussão nº 69 – Transformações Recentes da Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica – Causas e Impactos –, do Núcleo de Pesquisas e Estudos do Senado (em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD69-OmarAbbud_MarcioTancredi.pdf).


[1] Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 3ª. ed., 2008, Agência Nacional de Energia Elétrica.

[2] Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 3ª. ed., 2008, Agência Nacional de Energia Elétrica.

[3] Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 3ª. ed., 2008, Agência Nacional de Energia Elétrica.

[4] Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, 2011, Ministério de Minas e Energia.

[5] Art. 5º, § 3º, da Lei nº 9.074, 7 de julho de 1995.

[6] Art. 20, inciso VIII, da Constituição Federal.

[7] Os custos fixos de geração são preços médios dos Leilões de Energia Nova do período de 2005 a 2010, com exceção do custo da energia eólica, que é o valor alcançado no Leilão de 17/08/2011, primeiro leilão de que participaram as eólicas.

O custo fixo de geração nuclear é o valor da tarifa estabelecida pela ANEEL para as Usinas Angra I e II.

Os valores de CVU (custo variável de geração) são médias dos custos variáveis das térmicas utilizados pelo ONS para elaboração da Revisão 3 do Plano Mensal de Operação de setembro de 2011 (semana operativa de 17 a 23/09/2011).

[8] Disponível na Wikipédia, em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Energia_nuclear#Res.C3.ADduos_radioativos, acessado em 21/07/2011.

[9] Em http://www.obt.inpe.br/prodes/, acessado em 19.06.2012.

[10] Dones, R., Heck, T., e Hirschberg, S. – Greenhouse gas emissions from energy systems: comparison and overview, p. 37, in PSI Annual Report 2003 Annex IV, Paul Scherrer Institute, Villigen, Switzerland.

[11] Revista Veja, ed. nº 2.273.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1282 17
Faz sentido impor tributação tão elevada sobre o consumo de energia elétrica? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1095&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=faz-sentido-impor-tributacao-tao-elevada-sobre-o-consumo-de-energia-eletrica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1095#comments Mon, 27 Feb 2012 12:57:48 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1095 Do valor total de uma conta de luz paga pelos consumidores residenciais e comerciais, aproximadamente 45% são recursos destinados ao governo (tributos e encargos). Ou seja, somente 55% representam a remuneração das empresas de geração, transmissão e distribuição de energia[1]. O Brasil, em perspectiva internacional, impõe elevada carga tributária sobre a energia elétrica, como pode ser visto nos dois gráficos abaixo.

Gráfico 1 – Carga tributária sobre energia elétrica (exceto encargos setoriais) – consumidores industriais (2004)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: OCDE.

Gráfico 2 – Carga tributária sobre energia elétrica (exceto encargos setoriais) – consumidores residenciais (2004)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: OCDE.

A Tabela 1 mostra que a maior tributação ocorre no nível estadual: o ICMS[2] representa em torno de 20% da receita bruta das distribuidoras de energia, ou 46% de todos os tributos e encargos, como mostrado no Gráfico 3. Em seguida vêm os tributos de competência do Governo Federal, com destaque para o crescimento da importância do PIS/PASEP[3] e COFINS[4] ao longo dos anos (para uma análise do aumento do PIS/PASEP e COFINS, ver neste site o texto Por que é tão elevada a carga tributária sobre os serviços de saneamento básico?). Em terceiro lugar aparece uma miríade de “encargos setoriais” (para uma análise desses encargos ver, neste site, o texto O que é subsídio cruzado e como ele afeta a sua conta de luz?).

Tabela 1 – Carga tributária sobre a receita bruta das empresas distribuidoras de energia elétrica


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: Instituto Acende Brasil e Price Waterhouse & Coopers.

Gráfico 3 – Carga tributária sobre a receita bruta das empresas distribuidoras de energia elétrica: participação dos principais tributos (2008)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: Instituto Acende Brasil e Price Waterhouse & Coopers.

Os motivos da alta tributação

Por que é tão intensa a tributação do consumo de energia elétrica? O primeiro motivo é a pressão exercida pelos crescentes gastos governamentais, tanto no nível federal quanto no nível estadual. Desde a redemocratização, o Estado brasileiro vem elevando o nível de gasto público em função de diversos fatores de ordem política. Criou-se um modelo em que, ano após ano, aumenta-se o gasto público, o que exige que os governos Federal, estaduais e municipais busquem mais e mais receitas para equilibrar suas contas. Tal fenômeno já foi analisado em três textos deste site (Como o gasto público elevado desequilibra a economia brasileira?, Como as eleições afetam a economia? e Por que é importante controlar o gasto público?). Essa pressão exercida pelos gastos crescentes exige que os três níveis de governo (Federal, estadual e municipal) façam grande esforço de arrecadação e encontrem no setor elétrico uma suculenta base tributária.

O fornecimento de energia elétrica é bastante propício à tributação por vários motivos. Em primeiro lugar, é fácil para os fiscos federal e estaduais coletar seus tributos: basta arrecadá-los junto às empresas distribuidoras de energia, que representam apenas sessenta e três empresas em todo o país. Tais empresas dispõem de dados precisos a respeito da quantidade de energia fornecida, dados esses facilmente acessíveis aos fiscos. Compare essa situação, com a tributação de produtos fabricados por inúmeras indústrias, que passam por uma longa cadeia de fornecedores e distribuidores, para os quais é difícil conferir dados e notas fiscais. Obviamente é muito mais simples e produtivo para o fisco ir direto a uma grande empresa, que tem uma grande base tributária, com informações claras e precisas sobre essa base tributária. É por esse mesmo motivo que outros setores são alvo de tributação mais intensa, como o de bebidas (que dispõe de contadores de litros produzidos) e automóveis (poucas e grandes indústrias, alto valor unitário do produto vendido).

Em segundo lugar, a base tributária é ampla: no ano de 2011, as distribuidoras de energia elétrica faturaram R$ 110 bilhões, excluídos os tributos, o que equivale a aproximadamente 2,5% do PIB. Assim, qualquer pequena alíquota de tributo ou encargo que se imponha sobre tal faturamento já rende uma receita elevada sem que o contribuinte perceba o adicional em sua conta.

Em terceiro lugar, a energia elétrica é um bem essencial tanto nas residências quanto na indústria, comércio e serviços (o impacto do “apagão” de 2001 sobre o ritmo da economia é uma demonstração clara da essencialidade deste serviço). Isso significa que os consumidores não reduzirão o consumo de energia na mesma proporção dos aumentos de preço. É o que se chama, em economia, de demanda inelástica a variações de preços. Não havendo redução acentuada de consumo quando há aumento de preços provocado por aumento de tributos, a receita tributária será maior do que se for aplicado o aumento dos tributos a um bem ou serviço de alta elasticidade-preço, pois, nesse caso, parte da receita tributária será perdida em decorrência da queda do consumo.

Por exemplo, suponha que um produto custe R$ 1, e que são vendidas 100 unidades desse produto. Se o governo cria um imposto de 10% sobre o preço de venda e supondo que o imposto seja integralmente repassado para o preço, o valor final desse produto subirá para R$ 1,10. Se a demanda desse bem tem baixa elasticidade a preços, com o novo preço de R$ 1,10 os consumidores reduzirão pouco o seu consumo. Suponhamos que essa redução seja de 5 unidades, passando o consumo total a ser de 95 unidades. A receita do governo com o novo imposto será de R$ 9,50 (95 unidades X R$ 0,10). Mas se a elasticidade preço do bem for mais alta (um bem de menor essencialidade), os consumidores reduzirão mais intensamente o consumo para, digamos, 70 unidades, o que fará a receita tributária do governo ser menor: R$ 7,00 (70 unidades X R$ 0,10). Daí porque, sob o ponto de vista de arrecadação, é mais interessante para o governo tributar bens e serviços cujas demandas sejam inelásticas a preço.

O quarto fator que estimula a tributação da energia elétrica é que essa tributação é pouco visível. Como todo tributo indireto, ela já vem embutida no preço, e o consumidor não consegue distinguir claramente o que é o custo da energia e o que é tributo ou encargo.

Em quinto lugar, no caso específico do ICMS, a tributação sobre energia cresce como um efeito colateral da chamada “guerra fiscal” (ver neste site o texto O que é guerra fiscal?). Os estados disputam entre si a instalação de indústrias, oferecendo reduções e isenções na cobrança do ICMS que, na maioria dos casos, é pago pelas empresas ao Estado onde ocorre a produção (tributação na origem). Porém, ao contrário do que ocorre com a maioria dos bens e serviços, a tributação da energia elétrica ocorre no estado onde ela é consumida. Assim, não há estímulo aos estados para tentar atrair empresas do setor de energia a instalar sedes em seus territórios, pois a arrecadação continuará a fluir para os estados onde a energia é consumida.

Poderia haver um estímulo à redução da tributação da energia elétrica caso isso representasse queda de custo tão grande para as empresas que compensasse outras vantagens tributárias. Nesse caso, um estado que cobrasse baixos tributos permitiria que as empresas ali instaladas tivessem um custo substancialmente mais baixo. Porém, os altos tributos e encargos criados pelo Governo Federal (que não participa da guerra fiscal) e a agressividade dos incentivos dados aos demais setores da economia, parecem tornar pouco atrativa a opção de atrair empresas via desconto de ICMS na conta de luz.

A opção adotada tem sido tributar em excesso a energia para, com isso, gerar uma folga de caixa que permita ao governo estadual oferecer mais subsídios tributários a outros setores. A Tabela abaixo mostra as alíquotas aplicadas a alguns produtos no Estado de São Paulo, destacando-se que o consumo de energia acima de 200 Kwh/mês é tributado com a alíquota mais alta.

Tabela 2 – Alíquotas de ICMS de alguns bens e serviços selecionados no Estado de São Paulo


Fonte: http://www.idealsoftwares.com.br/tabelas/aliquotas_sp.html

Será esta alta tributação eficiente?

Toda tributação reduz a eficiência da economia, porque estimula os consumidores e as empresas a mudarem seus comportamentos (supostamente maximizadores de seus respectivos níveis de bem-estar) para tentar minimizar os impostos pagos, como no exemplo numérico apresentado acima. A diferença entre o que seria arrecadado por um imposto que não provocasse qualquer mudança de comportamento dos consumidores ou das empresas (chamado de imposto lump-sum ) e a efetiva arrecadação do governo é chamado de ‘perda de peso morto” (deadweight loss) (lembre-se do exemplo numérico oferecido acima, em que a redução da demanda pelo bem tributado levou a uma arrecadação de R$ 7,00, ao passo que se não houvesse mudança no comportamento dos consumidores  a arrecadação seria de R$ 10,00).

A teoria da tributação ótima[5] é aquela que busca definir a estrutura tributária que produz a menor reação dos agentes econômicos e, com isso, gera menor perda de eficiência para a economia.  Um resultado dessa teoria indica que, quanto mais inelástica a preços a demanda e a oferta de um bem, menor a perda de peso morto e, consequentemente, menor a perda de eficiência.

O raciocínio é intuitivo: demanda e oferta inelásticas a preço significam que é baixa a reação dos consumidores e produtores a aumentos de preços. Por isso, a criação de um imposto que aumente os preços ao consumidor ou que representem um encargo a mais para o produtor não afetará as decisões de consumo e de produção. Ou seja, o montante consumido e produzido após o imposto é similar ao montante consumido e produzido antes da introdução do imposto. A economia se afasta pouco do seu mix ótimo de produção e consumo.

Já afirmamos acima que, em função da sua essencialidade, a demanda por energia é inelástica a preços. Sob esse ponto de vista, seria melhor tributar a energia elétrica a tributar outros bens de maior elasticidade preço. Da mesma forma, a oferta também tende a ser inelástica a preços. Isso porque a indústria de energia exige um grande investimento em obras e equipamentos, que representam alto custo fixo. Um aumento no custo variável de venda da energia (quanto mais energia vendida mais imposto se paga) não representará um acréscimo significativo no custo total da empresa, pois ela incorrerá no custo fixo independentemente de vender ou não a energia. Outro argumento favorável, em termos de eficiência econômica, à alta tributação da energia é o baixo custo administrativo para se coletar tal tributo, como já foi ressaltado no início do texto: quanto menos o fisco gastar na sua ação de coletar tributos, mais recursos sobram para serem aplicados em políticas públicas, logo, mais eficiente é a economia.Todavia, há outro resultado da teoria da tributação ótima que aponta em direção oposta: um aumento de alíquota de um tributo provoca um aumento da perda de peso morto (queda de eficiência) equivalente ao quadrado do aumento da alíquota. Ou seja, a perda de eficiência da economia é mais que proporcional ao aumento de alíquota. Isso significa que a elevação das alíquotas sobre energia elétrica a nível tão alto e tão superior ao dos demais produtos, como mostrado na Tabela 2, provavelmente gerou grande perda de eficiência.

Outra importante constatação da teoria da tributação ótima é a de que qualquer tributo sobre bens intermediários (bens usados para produzir outros bens) provoca distorções na economia e, consequentemente, perda de bem-estar e de eficiência. A energia elétrica é, obviamente, um importante insumo intermediário. A preferência deveria ser pela tributação sobre o consumidor final de energia elétrica. A tributação dos consumidores industriais e comerciais, com elevadas alíquotas, é certamente um forte gravame que reduz a competitividade desses consumidores.

A perda de eficiência é ainda maior porque a tributação não impacta uniformemente as diferentes indústrias. Aquelas que são mais intensivas no uso de energia terão seus custos aumentados mais que proporcionalmente, distorcendo os preços relativos. Isso pode alterar as vantagens comparativas do País. Por exemplo, indústrias que consomem muita energia, como alumínio e derivados, podem perder competitividade.

É verdade que a tributação sobre o uso comercial e industrial da energia, por meio de tributos sobre valor adicionado (ICMS, PIS/COFINS) pode, em tese, ser compensada pelo desconto de créditos tributários acumulados. Mas, quando consideramos detalhes da tributação, vemos que há restrições à plena desoneração tributária (determinados insumos não podem ter seus tributos descontados). Além disso, a base de cálculo do ICMS inclui outros tributos já pagos, configurando bitributação. A prática de alíquotas diferenciadas por setores, isenções e não restituições de créditos do ICMS elevam a alíquota efetiva final paga sobre o insumo. Deve-se considerar, também, que a cobrança do imposto com alíquotas diferentes, por estados diferentes, acabam induzindo empresas a desviarem sua escolha ótima de localização (em função dos custos de produção e distribuição), por levar em conta, também, o custo da energia.

As indústrias mais intensivas em energia perdem competitividade em relação às menos intensivas, e as indústrias nacionais, em geral, perdem competitividade em relação às indústrias de outros países que impõem menor tributação sobre esse insumo.

Qual o impacto distributivo dessa tributação?

A definição da estrutura ótima de tributação enfrenta um dilema entre eficiência e distribuição de renda. Se não houvesse qualquer preocupação do governo com o impacto distributivo dos impostos, bastaria simplesmente criar um imposto lump-sum[6] (não gerador de distorções) que cobrasse um valor fixo por pessoa. Mas obviamente isso seria bastante injusto, visto que as pessoas têm habilidades e capacidades de geração de renda distintas.

Por isso, toda distorção gerada por impostos que uma sociedade aceita suportar decorre de seu intuito de ter tributos que sejam justos do ponto de vista distributivo. Ocorre que tributos sobre consumo[7] são reconhecidamente concentradores de renda, porque as famílias pobres gastam uma parcela maior de sua renda com consumo. Quando se trata de bem essencial, como a energia elétrica, esse efeito é ainda mais evidente.

Temos, então, um contra-senso. Vivemos em uma sociedade que exibe pronunciada preferência pela redistribuição da renda: elege governos com plataforma redistributiva e confere alto valor a programas públicos de redução da pobreza. Porém, o que se dá com uma mão (via gasto público), tira-se com outra, via tributação concentradora de renda.

Conclusão

Não obstante o fato de a tributação do consumo de energia elétrica ser, a princípio, gerador de baixa perda de eficiência da economia, pela inelasticidade-preço de oferta e demanda; as altas alíquotas praticadas e a sua incidência de forma diferenciada sobre empresas situadas em diferentes partes do país possivelmente geram perdas de eficiência e efeito concentrador de renda. Assim, a fúria arrecadadora dos governos federal e estaduais, decorrente do aumento dos gastos públicos (boa parte deles destinados a custear programas de redução de pobreza e redistribuição de renda) acaba tornando toda a economia mais pobre (em menor nível de bem-estar), com menor capacidade de crescimento e geração de renda; além de anular parte da redistribuição de renda feita por meio de programas sociais.

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Para ler mais sobre o tema:

Instituto Acende Brasil (2010) Tributos e encargos na conta de luz: pela transparência e eficiência. White Paper – Instituto Acende Brasil, edição nº 2.

Lago, J.N. (2006) Tributos e encargos na tarifa de energia elétrica: uma análise sob o ponto de vista do consumidor e da política de tarifa social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Ciências Econômicas.

Montalvão, E (2009) Impacto de tributos, encargos e subsídios setoriais sobre as contas de luz dos consumidores. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 62.

Monteiro, E.M. (2007) Teoria de grupos de pressão e uso político do setor elétrico brasileiro. Universidade de São Paulo. Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia. São Paulo.

Stiglitz, J. (2000) Economics of the public sector. Terceira Edição. Ed. Norton. Caps. 17 a 20.

Biderman, C. e Arvate, P. (2004) (Orgs.) Economia do Setor Público no Brasil. Ed. Elsevier. Caps. 9 a 11.


[1] Fonte: Instituto Acende Brasil (2010).

[2] Imposto relativo à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

[3] Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).

[4] Contribuição para o financiamento da Seguridade Social.

[5] Ver, por exemplo, Stiglitz (2000), capítulo 19, e Arvate e Biderman (2004), capítulo 10.

[6] Impostos lump-sum são impostos baseados em características do indivíduo que não podem ser alteradas. O caso mais clássico são os impostos por pessoa. Mas, em tese, impostos lump-sum poderiam ser instituídos com base na altura, no gênero ou idade.

[7] Observe-se que aqui estamos falando em tributação uniforme, sobre todos os bens de consumo. É claro que tributar bens supérfluos e de luxo pode ter um efeito positivo sobre a distribuição de renda.

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