emenda constitucional – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 26 Jul 2022 14:50:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Emenda Constitucional nº 123, de 14.7.2022: Aspectos Fiscais e Orçamentários¹ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3659&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=emenda-constitucional-no-123-de-14-7-2022-aspectos-fiscais-e-orcamentarios%25c2%25b9 Tue, 26 Jul 2022 14:50:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3659 Emenda Constitucional nº 123, de 14.7.2022: Aspectos Fiscais e Orçamentários [1]

 

Por Eugênio Greggianin*, José Fernando Cosentino Tavares** e Marcia Rodrigues Moura***

 

1   Considerações Iniciais: Descrição do Conteúdo das PEC

1.1 A Emenda Constitucional  nº 123/2022

A EC nº 123/2022 é oriunda da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15/2022, à qual foi apensada a PEC nº 1/2022. O trabalho, além de descrever o conteúdo das proposições, teve o propósito de verificar os pressupostos fáticos do estado de emergência reconhecido em 2022, bem como o impacto decorrente da fragilização dos princípios fiscais ao se prever, para o fim almejado (concessão de benefícios), o afastamento de praticamente todas as regras, limites e mecanismos de compensação fiscal atinentes à preservação do equilíbrio das contas públicas.

1.2 PEC nº 1/2022

A PEC nº 1/2022, de autoria do Senado Federal, tem por objetivo “reconhecer o estado de emergência, decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”. Para enfrentamento ou mitigação dos impactos decorrentes do estado de emergência, a PEC autoriza o pagamento, até 31.12.2022, de uma série de benefícios.

A tabela a seguir apresenta os benefícios previstos na PEC, acompanhados dos limites de gastos nela também previstos.

Dentre os benefícios, apenas três já existem: o Programa Auxílio Brasil, o Programa Alimenta Brasil – ambos criados pela Medida Provisória (MPV) nº 1.061, de 09.08.2021, convertida na Lei 14.284, de 29.12.2021 – e o Auxílio Gás dos Brasileiros – criado pela Lei nº 14.237, de 19.11.2021.

O Programa Auxílio Brasil é o que possui maior representatividade nos dispêndios totais previstos na PEC, de 63% (R$ 26 bilhões). A PEC assegura a extensão dos benefícios às famílias que ainda não fazem parte do Programa, mas que são elegíveis. Estima-se que o quantitativo de novas famílias seja em torno de 2,6 milhões. Considerando que atualmente o programa já atende 18,2 milhões de famílias[2], o quantitativo mensal de famílias atendidas poderá atingir 21 milhões.

Além disso, a PEC assegura um acréscimo extraordinário do benefício para todas as famílias, no valor de R$ 200,00, durante 5 meses. Atualmente o Programa Auxílio Brasil é composto pelos benefícios ordinários previstos nos incisos I a IV do art. 4º da Lei nº 14.284/2021, e pelo benefício extraordinário previsto na Lei nº 14.342, de 18.05.2022, originária da MPV 1.076, de 07.12.2021. Somados os benefícios, estes alcançam um valor médio mensal por família em torno de R$ 400,00[3]. Com a PEC, esse valor alcançará pouco mais de R$ 600,00.

Como previsto na PEC, o impacto da entrada de novas famílias no programa e o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00 para todas as famílias implicará em um gasto adicional de R$ 26 bilhões, que, somados aos valores já previstos no orçamento para 2022, de R$ 89,1 bilhões, farão com que o dispêndio total com o Programa alcance a cifra de R$ 115,1 bilhões.

Apesar de a PEC limitar o pagamento dos benefícios nela previstos até 31.12.2022, a entrada das novas famílias no programa será sentida também nos próximos exercícios. Excluído o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00, cujo pagamento está limitado a 31.12.2022, estima-se que o impacto da entrada das 2,6 milhões de famílias no programa pode atingir o montante de R$ 12,5 bilhões em 2023.

O Alimenta Brasil é um programa de aquisição de alimentos de pequenos produtores rurais e posterior distribuição a famílias carentes. O valor previsto na PEC é de R$ 500 milhões.

O Auxilio Gás dos Brasileiros é um programa de auxílio à compra do gás de cozinha, pago bimestralmente às famílias de baixa renda. O valor do benefício corresponde a 50% da média, verificada nos últimos 6 meses, do preço nacional de referência do botijão de 13 Kg[4]. No mês de junho do corrente ano, 5,7 milhões de famílias[5] receberam o benefício, no valor de R$ 53,00. A PEC prevê um dispêndio de R$ 1,05 bilhão, pago em 3 meses. O valor previsto na PEC e aquele já previsto no orçamento para 2022, de R$ 1,8 bilhão, farão com que o dispêndio total com o Programa alcance a cifra de R$ 2,85 bilhões.

Além do incremento financeiro de benefícios já existentes, a PEC prevê o pagamento de quatro outros benefícios que ainda não fazem parte do rol de despesas da União. São eles: auxílio aos Transportadores Autônomos de Cargas; auxílio financeiro a Estados e DF que outorgarem créditos tributários de ICMS aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado; assistência financeira à União, Estados, DF e Municípios para concessão de transporte gratuito a idosos e auxílio a motoristas de táxis.

O auxílio aos Transportadores Autônomos de Cargas será pago durante 6 meses, com valor mensal por beneficiário de R$ 1.000,00 e dispêndio total de R$ 5,4 bilhões. Estima-se um atendimento mensal em torno de 900 mil transportadores autônomos de carga.

O auxílio financeiro a Estados e DF que outorgarem créditos tributários de ICMS aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado será pago durante 5 meses, com um dispêndio total de R$ 3,8 bilhões. O benefício será proporcional à participação dos Estados e do DF em relação ao consumo total do etanol hidratado em todos os Estados e no DF no ano de 2021 sendo que o valor máximo mensal é de R$ 760 milhões por ente.

A assistência financeira à União, Estados, DF e Municípios para concessão de transporte gratuito a idosos tem um dispêndio total previsto na PEC de R$ 2,5 bilhões. A PEC não dispôs sobre a periodicidade de pagamento. O valor pago por ente dependerá de uma série de requisitos previstos no § 4º do art. 3º da PEC.

O auxílio a motoristas de táxi será pago a todos aqueles registrados até 31.05.2022, em 6 parcelas, com um dispêndio total de R$ 2 bilhões. O quantitativo de beneficiários dependerá da formação do cadastro para operacionalização do benefício (§ 7º do art. 3º da PEC). O valor por beneficiário também está sujeito a regulamentação posterior.

Destaca-se que o Substitutivo aprovado pela Comissão Especial não promoveu alterações de mérito na PEC, mantendo assim todos os benefícios e valores originalmente previstos.

1.3 PEC nº 15/2022

A PEC nº 15/2022, de autoria do Senado Federal, tem por objetivo assegurar ao setor de biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis – com relação, especialmente, ao PIS/PASEP, Cofins e ICMS – capaz de garantir diferencial competitivo para os biocombustíveis. No Brasil, atualmente, o biocombustível destinado ao consumo final é o etanol hidratado.

A PEC não apresenta implicação sobre a receita, tendo em vista que a regra transitória nele prevista dispõe que deverá ser mantida a estrutura tributária vigente em 15.05.2022, em patamar igual ou superior. Alternativamente, quando o diferencial competitivo não for determinado pelas alíquotas, este será garantido pela manutenção do diferencial da carga tributária efetiva entre os combustíveis.

2       Aspectos Fiscais

2.1. Fragilização das regras fiscais

Do ponto de vista econômico, a fragilização continuada dos princípios fiscais talvez seja o aspecto mais preocupante decorrente da aprovação da PEC nº 1/2022 em análise. Regras fiscais servem para nortear o comportamento dos agentes políticos e refrear o desequilíbrio orçamentário. O ciclo político, na ausência de restrições, seria profundamente marcado pela concessão de mais e mais benefícios quanto mais próxima a data das eleições.

A meta de resultado primário foi a principal regra fiscal ao longo de quase 20 anos. Na medida em que passou a ser fixada com ampla folga, revista com frequência, e também a comportar número crescente de exceções, perdeu a credibilidade como instrumento de controle das finanças públicas. Para 2022 é previsto déficit primário de R$ 65,5 bilhões, enquanto a LDO do exercício admite saldo negativo de até R$ 170 bilhões.

Destaque-se, principalmente, a regra que se considerava a última e mais eficaz âncora fiscal no arsenal brasileiro, o teto de gastos. O teto foi criado em 2016, mediante Emenda Constitucional (EC nº 95/2016), para reverter o ritmo descontrolado das finanças públicas que levou à crise de 2015/2016. A regra deu alguma previsibilidade à política fiscal, permitiu a redução sustentável da taxa de juros, até a pandemia, e induziu reformas, como a previdenciária. Principalmente, tinha subjacente a obrigação de o governante escolher entre usos alternativos do dinheiro público.

Limites quantitativos, por poder e órgão, para a despesa primária tiveram o intuito de impor regras mais fortes, além de mais estáveis, visto que só poderiam ser alteradas com quórum qualificado. No entanto, desde então já houve seis alterações constitucionais e caminha-se para a sétima revisão[6].

2.2. Estado de Emergência

Com relação à decretação de estado de emergência como pressuposto para descumprimento de regras fiscais, há significativas objeções. Em primeiro lugar, regras fiscais costumam ter cláusulas de escape que permitem sua flexibilização em casos excepcionais. A regra do teto de gastos, por exemplo, prevê que créditos extraordinários abertos em razão de urgência e imprevisibilidade não precisam se submeter ao limite. A meta de resultado primário pode ser alterada durante o exercício com a modificação da Lei de Diretrizes Orçamentárias. A chamada regra de ouro, que impede o endividamento para atender despesas correntes, também pode ser excetuada mediante aprovação de crédito específico pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta.

Ainda há que se considerar quais condições estariam dadas para a decretação de um estado de emergência ou de calamidade pública. Eventos climáticos extremos ou uma pandemia que inviabilizasse o funcionamento dos processos produtivos por um período considerável de tempo seriam os exemplos típicos. Crises econômicas por si só seriam um argumento bem mais frágil, visto que recorrentes e muitas vezes reforçadas por ações inadequadas ou intempestivas dos próprios agentes públicos.

Flutuação de preços de commodities e em especial do barril de petróleo não é novidade, como mostra gráfico a seguir. Tais variações não podem ser consideradas necessariamente imprevisíveis. Nem mesmo quando decorrem de guerra em outros países.

Processos inflacionários também não representam fator atípico na história recente do País. Para 2022, o prognóstico para o IPCA é de 7,67%, não muito distante da inflação apurada em 1996, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2015 e 2021.

Crises econômicas podem exigir medidas excepcionais de gastos, mas devem vir acompanhadas de estratégia robusta e crível de retorno à normalidade e de ajustes necessários para evitar ou mitigar eventos posteriores. A falta de um planejamento sobre a saída da situação de emergência e a fragilização do teto fiscal deixam o País sem uma âncora fiscal capaz de sinalizar retomada econômica consistente adiante.

2.3. Custo da renúncia fiscal

O custo da PEC nº 1/2022, já descrito no item 2, não pode ser analisado isoladamente. Outras tantas medidas vêm sendo tomadas nos últimos meses com impacto considerável e que não se restringe ao exercício de 2022.

O teto de gastos trouxe restrições à elevação de despesas. A redução de receitas, por outro lado, passou a apresentar-se como caminho mais curto para conceder benefícios. Assim reduções de alíquotas de impostos e desonerações tendem a alcançar R$ 130 bilhões em 2023, conforme Tabela 2.

Outros R$ 34,6 bilhões em impostos federais sobre combustíveis foram perdidos com a redução a zero das alíquotas até dezembro de 2022. Caso os preços de combustíveis sigam elevados, haverá pressão por prorrogação da renúncia em 2023, com impacto em doze meses de cerca de R$ 70 bilhões, o que elevaria a perda de arrecadação de quase R$ 200 bilhões, ou 2% do PIB. Antes das concessões mencionadas, os gastos tributários da União para 2023 estão estimados na LDO em R$ 368,9 bilhões ou 3,97% do PIB.

2.4. Propensão ao gasto

Às despesas criadas pela PEC acrescentem-se as postergadas pela Emenda Constitucional nº 114, de dezembro de 2021. Os precatórios devidos e não pagos em 2022 aproximam-se de R$ 30 bilhões, montante similar ao que não deve ser pago também em 2023. As sentenças devidas e não pagas entre 2022 e 2026, com correção monetária, possivelmente na casa de centenas de bilhões de reais, representam esqueleto a ser desembolsado em 2027 e salto significativo na dívida pública federal.

No auge da pandemia, as medidas de maior impacto, tais como o Auxílio Emergencial, deram-se por iniciativa do Congresso. Nos anos subsequentes, outros benefícios concedidos ou em análise, tais como pisos salariais e auxílios para categorias profissionais, pelo seu impacto nas contas públicas também elevam o risco fiscal a curto e médio prazo.

2.5. Indicadores econômicos

Os indicadores econômicos se deterioram, refletindo em particular a percepção de um maior risco fiscal no horizonte. Veio se elevando em torno da emergência do preço dos combustíveis um risco fiscal com consequências previsíveis para 2023. A administração subsequente enfrentará quedas de receitas, já contratadas ou decorrentes do arrefecimento da atividade econômica, e aumentos variados de despesas, além de um grau mais elevado de engessamento orçamentário, e terá que decidir entre retirar benefícios ou continuar a se endividar. Diante da necessidade do corte de despesas, o investimento público em obras e equipamentos será o primeiro a perder, afetando as perspectivas de crescimento.

O novo governo terá dificuldade de retirar ou reduzir benefícios, mesmo aqueles com vigência apenas até dezembro deste ano, em particular o Auxílio Brasil. Os Estados, desfalcados recentemente de R$ 90 bilhões de suas receitas sobre derivados de petróleo, por sua vez, poderão precisar do auxílio do governo federal.

Isso se dá, é bom lembrar, dentro de um cenário mundial que ruma agora em direção ao aperto monetário e talvez à recessão. Câmbio em alta, volatilidade dos preços de commodities, bolsas em queda, aumento do risco Brasil, todos esses indicadores se movem em desfavor do crescimento.

A contrario sensu do que se apresenta nas motivações que afastaram a incidência das regras fiscais durante o “estado de emergência”, a percepção do mercado quanto ao aumento do risco fiscal poderá levar o dólar para patamares de oscilação ainda mais elevados, o que influencia a precificação interna do petróleo. Adotam-se na PEC a compensação de gastos, sobretudo em relação ao Auxílio Brasil, a pressão sobre o câmbio e os prêmios de juros da dívida pública cobrados pelo mercado seriam menores. Ademais, as pressões inflacionárias, não apenas em relação ao petróleo, mas de todos os bens e serviços sensíveis ao câmbio tenderiam a apresentar melhor comportamento. Paralelamente, a menor pressão sobre a trajetória da dívida pública permitiria maiores espaços fiscais em um futuro próximo.

2.6. Juros

Juros aqui e no exterior aumentaram significativamente, e no Brasil a inflação persistente começa a indicar que a Selic poderá elevar-se acima dos 13,25% ao ano por conta do aumento do prêmio de risco. Os juros vão ficar por mais tempo em patamar de dois dígitos no Brasil.

O mercado financeiro está exigindo juros mais altos para adquirir títulos de longo prazo do governo. O Tesouro Nacional já aceita pagar juros reais de 6,17% para vender seus papéis atrelados ao IPCA, as NTN-B, com vencimento em 40 anos, o mais longo da dívida pública doméstica. Em janeiro de 2019, as taxas eram de 4,76%.  As NTN-F, com vencimento em 10 anos, alcançaram 13,21%.

2.7. Inflação

O Banco Central alerta, em seu último Relatório de Inflação (30 de junho), “que as medidas tributárias em tramitação e discussão podem reduzir sensivelmente a inflação no ano corrente, embora elevem, em menor magnitude, a inflação no horizonte relevante de política monetária. Contudo, políticas fiscais que impliquem sustentação da demanda agregada no curto prazo, mas que piorem a trajetória fiscal do país – assim como a incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal – podem pressionar os prêmios de risco e a confiança dos agentes, com impactos negativos, possivelmente defasados, sobre a atividade econômica e os investimentos em particular.”

O IPCA previsto no relatório Focus para 2023 já está em 5,1% e tem subido. As empresas, que estão trabalhando com alta de insumos e margem apertada, vão buscar reajustar os preços, sustentados pelo aumento da demanda.

2.8. Crescimento

A expectativa de um crescimento baixo da economia tem sido apenas adiada. Os analistas têm melhorado suas previsões para o terceiro trimestre e para o PIB em 2022 graças às reduções de impostos e aos aumentos de despesas públicas, com novas transferências como o aumento do Auxílio Brasil e de outros benefícios previstos na PEC. A reversão dessas medidas, no todo ou em parte, poderá fazer o PIB encolher adiante.

3          Aspectos Normativos e Orçamentários

3.1. A caracterização do Estado de Emergência da PEC nº 1/2022

A PEC 1/2022 cria e amplia benefícios sociais aproveitando-se da dispensa de várias regras fiscais voltadas ao equilíbrio fiscal – teto para as despesas primárias, resultados fiscais, regra de ouro e necessidade de compensação do aumento de gastos obrigatórios. Como fundamento, é reconhecida no País a existência de um “estado de emergência” decorrente de elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes.

A distinção entre estado de emergência e estado de calamidade pública pode ser encontrada no âmbito da política de defesa civil. Depende da intensidade da situação e do alcance dos danos provocados. No estado de emergência a capacidade de resposta do Poder Público é parcialmente comprometida, sendo que os danos são suportáveis e superáveis. No estado de calamidade pública o comprometimento é substancial (desastres).

De acordo com o Decreto nº 10.593/2020:

Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:

(…)

VIII – estado de calamidade pública – situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação;

(…)

XIV – situação de emergência – situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação.

A autorização para que governos deixem de cumprir, de forma temporária, o conjunto de normas legais ou fiscais, sempre foi tratada como procedimento de exceção que exige fundamento fático e cautelas especiais.

O atendimento de situações excepcionais que exigem proteção especial já conta, no caso da calamidade pública, com um arsenal de medidas de enfrentamento. O art. 65 da LRF, além de suspender prazos de retorno aos limites de pessoal e dívida, dispensa o atingimento de metas fiscais e a adoção de medidas de compensação. Aplica-se, no entanto, exclusivamente aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento das respectivas despesas.

De acordo com a Constituição, a abertura de crédito extraordinário pode ser feita por medida provisória quando se tratar de despesas imprevisíveis e urgentes, tais como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Sobre o tema, o STF esclarece que as despesas devem ser apenas aquelas necessárias para o atendimento de “realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, adoção de medidas singulares e extraordinárias”[7]. Assim, não deve haver dúvidas em relação às situações que ensejam a excepcionalidade.

Exemplo disso foi a situação vivenciada em função da pandemia da COVID-19 no exercício de 2020. Naquele ano foram editadas regras fiscais extraordinárias (EC nº 106/20, LC nº 173/2020 e LDO 2020) que dispensaram ou afastaram exigências do regime fiscal ordinário. De outra parte, as dispensas foram acompanhadas de várias ressalvas e cautelas, o que já refletia a preocupação do próprio Legislativo quanto ao impacto futuro no endividamento público e à necessidade de recuperação fiscal no período pós-pandemia.

Delimitou-se o regime extraordinário somente para 2020 e apenas naquilo em que a urgência viesse a se mostrar incompatível com o regime regular, e desde que não viesse implicar despesa permanente, prevenindo-se assim abusos e desvios na utilização das normas excepcionais. Ao mesmo tempo, a lei complementar estabeleceu proibições específicas para aumentos, criação de cargos, benefícios, concursos, reajustes, progressões etc., com algumas exceções, como forma de compensar, ao menos em parte, o aumento imprevisto de despesas.

Nem mesmo a continuidade dos efeitos da pandemia em 2021 foi motivo para a prorrogação do estado de calamidade pública, visto que já se contava então com a expectativa de recuperação a partir dos efeitos da vacinação.

Como visto, encontra-se implícito no regime de exceção, além da existência de um fundamento fático, a dispensa de requisitos sempre de forma restrita às medidas necessárias e suficientes[8].

De acordo com a redação da PEC nº 1/2022, o estado de emergência, reconhecido no ano de 2022, decorre da “elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”.

Durante o estado de emergência assim definido, permitir-se-á atender as despesas criadas por crédito extraordinário, independentemente do atendimento do requisito de imprevisibilidade previsto no art. 167, § 3º da CF. Ademais, os novos gastos não serão considerados para fins de cumprimento da meta fiscal prevista na LDO, no limite de despesas primárias (teto), no limite estabelecido pela regra de ouro e serão dispensadas da necessidade de compensação.

Ou seja, ainda que a situação de “emergência” seja menos grave, adota-se na PEC praticamente as mesmas dispensas e privilégios concedidos para situações mais críticas que caracterizam o estado de calamidade pública, o que não parece razoável. Abre-se mão de praticamente todo mecanismo de defesa fiscal de forma desproporcional à situação que se vislumbra.

Segue-se ao caput do art. 2º da PEC o parágrafo único, o qual determina que os limites dos montantes devem constar de uma “única e exclusiva norma constitucional”. O texto, aparentemente, procura mitigar a falta de pressupostos fáticos dessa iniciativa pelo fato de não poder haver outra norma constitucional que amplie os limites, o que parece ser inócuo, porque nada impede que outra emenda constitucional altere o próprio parágrafo único.

 3.2. A compensação das despesas continuadas como princípio fiscal

Como comentado, o impacto da entrada de novas famílias no programa e o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00 para todas as famílias implicará um gasto adicional de R$ 26 bilhões, que, somados aos valores já previstos no orçamento para 2022, de R$ 89,1 bilhões, farão com que o dispêndio total com o Programa alcance a cifra de R$ 115,1 bilhões.

Apesar de a PEC limitar o pagamento dos benefícios nela previstos até 31.12.2022, a entrada das novas famílias no programa será sentida também nos próximos exercícios. Excluído o pagamento do acréscimo extraordinário de R$ 200,00, cujo pagamento está limitado a 31.12.2022, estima-se que o impacto da entrada das 2,6 milhões de famílias no programa pode atingir o montante de R$ 12,5 bilhões em 2023.

Considerada a atual situação de déficit fiscal, a PEC, da forma como se encontra, em especial quanto ao fato de não prever compensação de despesas com caráter nitidamente continuado (Auxílio Brasil), atinge princípios basilares de equilíbrio das contas públicas e aumenta o risco fiscal, precedente que aparenta ser excessivo.

É sabido que crescentes demandas sociais tendem sempre a superar a capacidade tributária e as disponibilidades do Estado, razão pela qual princípios e regras[9] estabilizadores são formulados para conter a tendência de endividamento público crescente. De fato, a percepção quanto à falta de capacidade de solvência das contas públicas induz a elevação das taxas de juros e provoca o aumento dessas despesas, um círculo vicioso bastante conhecido.

No âmbito das finanças públicas existem diversas normas diretamente relacionadas à necessidade de se impor limites financeiros ao governo e aos agentes políticos, em especial no final de mandato.

A existência de um conjunto funcional e harmonizado de preceitos reduz a discricionariedade e o excesso de poder dos governantes, aumenta a transparência e, em especial, a segurança e a credibilidade da política fiscal. Neste desiderato, hipóteses de afastamento e dispensas podem até existir no sistema normativo, mas sempre como exceção amparada por elementos fáticos e jurídicos bem determinados e que devem ser interpretados de forma restritiva.

A relevância e o alcance dos princípios no conjunto normativo justificam o cuidado pela sua preservação, razão pela qual costumam ser inseridos de forma permanente dentro da própria Constituição, o que não impede normas de elevada densidade valorativa enunciadas em textos infraconstitucionais, como é o caso do equilíbrio orçamentário.

Um dos princípios fiscais mais conhecidos é o da busca do equilíbrio temporal das finanças públicas, que, em última análise, visa à justiça intergeracional na divisão dos benefícios e ônus do endividamento público. Nesse sentido, estabelece o art. 1º da LRF que ação fiscal responsável “pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”. (grifo nosso).

Novas despesas que tendem a ser perpetuar somente podem ser aprovadas se indicada a fonte de financiamento, uma forma de mitigar o aumento da rigidez orçamentária e do déficit. De acordo com a legislação complementar (art. 16 e 17 da LRF), alterações que impliquem aumento de despesas obrigatórias de duração continuada devem ser compensadas[10], mantendo-se o equilíbrio implícito na lei orçamentária.

Essa regra de neutralidade orçamentária permite o controle difuso e prévio de proposições e demais atos que criam despesas obrigatórias. A restrição se justifica pelo fato de que, aprovada a legislação, cria-se um fato consumado, de difícil reversão.

Despesas obrigatórias, uma vez aprovadas, não se submetem aos limites do orçamento, como ocorre com as discricionárias. Ao contrário, é o orçamento que fica submetido às despesas obrigatórias. A necessidade de maior cuidado com a aprovação de despesas obrigatórias encontra-se expressa na Constituição que, ao tempo que cria tetos para as despesas primárias (ADCT, art. 107), estabelece mecanismo de controle dessas despesas quando seu montante ultrapassa 95% da despesa primária total (ADCT, art. 109). Adicionalmente, o art. 113 do ADCT exige a estimativa do impacto orçamentário e financeiro de toda proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória (ou renúncia de receita).

Não há dúvida acerca da importância do objetivo de atenuar o impacto do aumento dos preços dos combustíveis e dos preços em geral sobre a renda dos cidadãos.

Ainda que se admita tratar-se de despesa extraordinária – o que implicaria a dispensa automática do cumprimento da regra do teto (ADCT, art. 107, § 6º, III) – não se vislumbra, por outro lado, razão ou necessidade para afastamento da regra de compensação, em detrimento da preservação do princípio do equilíbrio temporal.

A compensação, ao atuar como freio e contrapeso político ao desejo dos governos de expansão orçamentária, em especial no final de mandato, preserva o nível atual de equilíbrio (já deficitário[11]) para, pelo menos, não agravar ainda mais a situação fiscal.

Não se justifica, portanto, a falta de indicação de fontes permanentes para o atendimento das despesas correntes continuadas criadas pela PEC (art. 2º, parágrafo único, III), em especial quanto ao Programa Auxílio Brasil, implantada aos moldes do Bolsa Família[12]. Tratando-se de benefícios sociais com natureza de despesa corrente continuada, é grande a dificuldade de sua posterior redução, seja do ponto de vista político ou mesmo jurídico (princípio do não retrocesso dos direitos sociais).

Por esse motivo, a extensão de tais benefícios deveria ter sido compensada, para que possa ser mantida, garantindo-se a neutralidade fiscal da medida e a preservação do princípio do equilíbrio temporal do orçamento.

3.3. Limitação das despesas em final de mandato

As regras que limitam despesas de final de mandato, ainda que em legislação infraconstitucional (LRF, arts. 21, 31, 42 e lei eleitoral), dão concretude, em seu conjunto, ao princípio que impõe aos agentes políticos, nos períodos de transição, disciplina fiscal ainda mais rigorosa do que aquela comumente adotada. O bem jurídico protegido é a igualdade da disputa eleitoral, reduzindo-se assimetria no exercício de direitos políticos em benefício de candidatura própria ou de terceiros.

Dentre outras condutas proibidas pela lei eleitoral, veda-se nos três meses que antecedem o pleito, “realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública” (CF. art. 73, inciso VI, alínea “a”, da Lei nº 9.504, de 1997, grifo nosso). O § 10[13] do mesmo artigo proíbe, no ano de eleição, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária.

Entretanto, entende-se que o estado de emergência reconhecido pela PEC em análise é peculiar, com aplicação restrita tão somente aos benefícios nela elencados. Desta forma, não deve ter o condão de afastar, de forma genérica, as vedações referidas na lei eleitoral.

 

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[1] Este texto se baseia em Nota Técnica da Consultoria da Câmara dos Deputados elaborada pelos mesmos Autores (Subsídios à apreciação das PECs nº 1 e 15, de 2022).

[2] Disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/cidadania/index.php; Último acesso em 11/07/2022.

[3] Idem.

[4] Decreto nº 10.881, de 02.12.2021.

[5] Disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/vis/data3/data-explorer.php.

Último acesso em 11.07.2022.

[6] EC 102/2019, EC 108/2020, EC 109/2021, EC 113/2021, EC 114/2021 e EC 119/2022.

[7] https://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp?item=1634&tipo=CJ&termo=3#:~:text=Al%C3%A9m%20dos%20requisitos%20de%20relev%C3%A2ncia,de%20relev%C3%A2ncia%20e%20urg%C3%AAncia%20(art.

[8] É exemplo, no caso das despesas com pessoal durante o estado de calamidade pública de 2020, a viabilização da contratação de pessoal apenas nas áreas voltadas ao enfrentamento à pandemia, sendo que, de outra parte, houve restrições à contratação nas demais áreas.

[9] Consideram-se aqui como “regras”, fiscais ou orçamentárias, aquelas normas ou preceitos com maior grau de determinação, vinculantes e objetivas. E, como “princípios”, aqueles enunciados que fundamentam um conjunto de regras e o próprio regime jurídico. Apesar de mais genéricos, têm importância vital, pois estruturam valores que derivam da razão e do conhecimento normalmente aceito e consolidado, estabelecendo substrato que justifica, no caso, o conjunto específico de regras orçamentárias e fiscais criadas para desestimular déficits e atenuar ou reduzir o endividamento público.

[10]  De acordo com o art. 17 da LRF, o aumento de despesa obrigatória continuada exige a redução de outra despesa, ou o aumento de receita.

[11] A meta de resultado primário para 2022, conforme LDO, é de déficit.

[12] De acordo com a PEC, a extensão do programa é assegurada a todas as famílias elegíveis na data de promulgação da Emenda Constitucional.

[13] Em relação à legislação eleitoral, a lei nº 14.352 de 2022, alterou a LDO 2022, inserindo novo dispositivo no seu texto: Art. 81-A. A doação de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública a entidades privadas, desde que com encargo para o donatário, anterior a três meses que antecedem o pleito eleitoral, não se configura em descumprimento do § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

 

* Eugênio Greggianin é consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

 

** José Fernando Cosentino Tavares é consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

 

*** Marcia Rodrigues Moura é consultora de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

 

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Mais e graves pecados fiscais e eleitorais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3646&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-e-graves-pecados-fiscais-e-eleitorais Thu, 07 Jul 2022 15:36:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3646 Mais e graves pecados fiscais e eleitorais

 

PEC do ‘estado de emergência’ descumpre mandamentos de uma adequada política fiscal e de regras eleitorais sem privilégio.

 

Por Roberto Macedo*

 

Tendo como pretexto o forte aumento do preço dos combustíveis, o desgoverno Bolsonaro se excedeu imaginando um “estado de emergência” com sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada no Senado, com apenas um voto em contrário, do senador José Serra, que honrou o seu mandato.

Entre outros gastos, ela contempla ampliação do Auxílio Brasil, aumento do vale-gás e bolsa-caminhoneiro e para motoristas de taxi. Quando eu escrevia este texto, essa PEC estava na Câmara dos Deputados e a previsão é de que ali será também aprovada por larga margem, pois a dita oposição não quer ir contra um pacote de benesses na proximidade de eleições, ainda que muito defeituoso, populista, oportunista e favorável ao seu adversário. Segundo o jornal O Globo de 1/7/2022, “parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente”.

Esta “emergência” da referida PEC só existe, mesmo, é nas hostes governistas, pois seu candidato presidencial à reeleição corre alto risco de perdê-la, conforme as pesquisas de intenção de voto. E, assim, ele partiu para a violência fiscal e eleitoral. Só não digo que partiu para a ignorância porque sabe muito bem o que está fazendo.

As instituições fiscais e eleitorais são como mandamentos que regem um Estado Democrático de Direito, e a PEC atua contra um desses mandamentos ao promover a gastança num momento em que o governo não dispõe de recursos, o que aumenta a desconfiança de agentes econômicos na gestão fiscal do governo. Isso traz consequências que não foram ponderadas pelos senadores, como o fato de que as incertezas desses agentes pressionam a taxa de câmbio, um dos ingredientes da alta dos preços dos combustíveis.

Manchete deste jornal ontem mostrou, também, outro efeito: Risco fiscal eleva juro pago pela União. A inflação, que já é alta, será pressionada para cima por essa expansão de gastos, o que vai contra a política anti-inflacionária do Banco Central, que será pressionada por juros altos, prejudiciais aos gastos dos consumidores e aos investimentos em geral.

No plano eleitoral, um mandamento moral e ético é o de que as leis não podem favorecer este ou aquele candidato, e a PEC em questão viola esse mandamento ao beneficiar claramente o presidente e candidato Jair Bolsonaro num período eleitoral. É como uma compra de votos. Espero que os eleitores brasileiros não caiam nessa.

Diante do quadro social, alguém poderia perguntar: mas você não está se mostrando insensível ao sofrimento dos mais pobres? Ora, sempre defendi uma política social em favor deles e desde que nasceu o Bolsa Família sempre o elogiei, mas o desgoverno atual andou mexendo no programa. Entre outras coisas, passou a oferecer um valor mínimo por família, o que estimula a separação delas para receber benefícios em dobro.

Soube que o número de famílias “de um só integrante” beneficiárias do Auxílio Brasil saltou de 2,2 milhões para 3,7 milhões entre novembro de 2021 e abril de 2022. Segundo o economista Marcelo Neri, reconhecido especialista em políticas sociais, o “valor de R$ 600 é bom de divulgação, mas não de desenho” (Folha de S.Paulo, 3/7/2022). É esse valor que virá com a citada PEC.

Sigo vários especialistas em políticas sociais que apontam que o conjunto de políticas sociais do governo, alegadamente em benefício dos mais pobres, precisa de uma revisão quanto ao cumprimento de seus objetivos e ao desenho de seus cadastros. Também sou favorável a uma expansão seletiva dessas políticas, financiada a partir de impostos diretos mais altos e mais progressivos. Mas isso não se faz às pressas e caberia fixar um prazo suficiente para que um projeto a respeito fosse subsidiado por estudos de especialistas quanto ao seu desenho e impacto distributivo de renda.

Acrescento que esta PEC também pode prejudicar o crescimento econômico. Embora aumente os gastos no período de sua duração, isso, como já dito, poderá ter impactos desfavoráveis nas finanças públicas, ampliando incertezas quanto à obediência do mandamento de uma gestão fiscal equilibrada, com efeito desfavorável nas taxas de câmbio e de juros.

Outro problema é que os R$ 200 a mais do Auxílio Brasil cessariam em dezembro deste ano, ou seja, é um “estado de emergência” com duração definida. Haverá pressão para a manutenção deste e de outros benefícios em 2023, ano para o qual as previsões de crescimento são desanimadoras, em particular porque o governo vindouro se verá diante de um cenário econômico altamente complicado para a sua gestão.

Cabe destacar o voto isolado do senador José Serra. Entre outras justificativas, ele disse que “esta PEC viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”. Estes são, também, mandamentos da boa gestão fiscal, que eticamente deveria ser em prol do bem comum. Mas a maioria dos congressistas não se revela preocupada com isso nem com o crescimento econômico do País.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 7 de julho de 2022.

 

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O que é e para que serve a desvinculação de receitas da União (DRU)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-e-para-que-serve-a-desvinculacao-de-receitas-da-uniao-dru https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906#comments Mon, 05 Dec 2011 14:19:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=906 A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, quando da implementação do Plano Real. Os seus objetivos principais são:

a)     aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade;

b)    permitir a geração de superávit nas contas do governo, elemento fundamental para ajudar a controlar a inflação.

A necessidade de criação da DRU decorre de algumas regras estipuladas pela Constituição. A primeira delas é a divisão do orçamento do Governo Federal em duas partes: o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social. A seguridade social compreende as atividades do governo nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. As demais áreas têm seus gastos programados no orçamento fiscal.

Além de segmentar o orçamento em duas partes, a Constituição também segmentou as receitas que deveriam financiar cada um dos orçamentos. Para o orçamento da seguridade foram reservadas as chamadas “contribuições sociais”, que são tributos que incidem, principalmente, sobre a folha de pagamento das empresas, o lucro, o faturamento ou a receita[1]. São exemplos dessas contribuições: as contribuições para a previdência social, COFINS, CSLL e a extinta CPMF.

Para o orçamento fiscal ficaram os impostos tradicionais, como os impostos sobre renda, sobre produtos industrializados, sobre exportação e importação, as taxas e as contribuições econômicas como a Cide-combustíveis.

Ocorre que a Constituição também determinou que a maioria dos impostos deve ter sua receita repartida com os estados e municípios, enquanto as contribuições não estão sujeitas a tal partilha.

Quando o Governo Federal se viu na necessidade de elevar a arrecadação para promover uma redução do déficit público e poder pagar a elevada dívida pública, ele percebeu que estava em um beco sem saída.

Se elevasse os impostos, parte da receita arrecadada teria que ser dividida com estados e municípios, de modo que restaria apenas em torno de 50% da receita adicional nos cofres da União. Se elevasse as contribuições sociais, estas teriam que ser direcionadas para os gastos com saúde, assistência social e previdência, não havendo a possibilidade de se carrear a nova receita para o pagamento da dívida pública.

Foi aí que se criou a DRU, que nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social.

Isso abriu um caminho para que o Governo Federal promovesse forte elevação da tributação via contribuições sociais, que não precisavam ser divididas com estados e municípios e, graças à DRU, poderiam ser usadas para pagamento da dívida pública ou pagamento de outras despesas fora do orçamento da seguridade social.

De fato, a partir da introdução da DRU em 1994, podemos notar um crescimento da carga tributária, em sua maior parte decorrente da criação ou majoração das contribuições sociais, como mostrado no Gráfico 1.

A receita de impostos e taxas, integrante do orçamento fiscal, manteve-se no patamar de 6 a 8% do Produto Interno Bruto (PIB); já a receita de contribuições, em sua maior parte integrante do orçamento da seguridade social, passou de 8,1% do PIB, em 1995, para 12,9% em 2010.

A DRU trazia também outra vantagem. A Constituição não criou apenas a vinculação entre as receitas de contribuição e o orçamento da seguridade. Existe um grande número de outras vinculações. Por exemplo: os recursos arrecadados pelo PIS/PASEP devem ser entregues ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), 18% da receita de impostos devem ser gastas em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), as taxas cobradas por órgãos públicos em geral são vinculadas ao financiamento das despesas desses órgãos (por exemplo: taxa de serviços aeroportuários devem financiar o custeio da Infraero[2]).

As vinculações de receitas, somadas a gastos em boa medida incompressíveis – despesas com pessoal, benefícios previdenciários, serviço da dívida etc. –, dificultam a capacidade de o governo federal alocar recursos de acordo com suas prioridades sem trazer endividamento adicional para a União.

Com a DRU, 20% das vinculações caía por terra e o Governo ganhava mais flexibilidade para usar os recursos nas finalidades que considerasse necessárias.

O mecanismo, que era para ser provisório, foi renovado diversas vezes.

Contudo, como veremos adiante, a sua importância foi se reduzindo ao longo do tempo. Primeiro, porque as despesas da seguridade social, em especial da saúde e da previdência, cresceram fortemente. As despesas da previdência aumentaram muito devido aos seguidos reajustes do salário mínimo acima da inflação. Como o salário mínimo é referência para os benefícios previdenciários, a despesa da previdência cresceu muito[3].

As despesas com saúde cresceram devido à regra instituída pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que determinou que o gasto da saúde deve crescer no mesmo ritmo de crescimento do PIB. Como o PIB cresce acima da inflação, as despesas com saúde acompanham esse ritmo.

Se esses dois setores passaram a demandar cada vez mais dinheiro, passaram a sobrar menos recursos de contribuições sociais para serem remanejados para o pagamento de outras despesas e a amortização da dívida pública.

Outro fator que enfraqueceu o poder da DRU de gerar recursos para livre alocação é o exercício de pressão por parte dos grupos que se consideram prejudicados pelo mecanismo. A cada renovação da DRU a sua abrangência torna-se mais restrita.

FUNDAMENTO LEGAL

O mecanismo foi criado em 1994, com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE). Desde então, esse instrumento foi prorrogado, com algumas alterações, com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2007, foi aprovada pelo Congresso Nacional sua prorrogação, até 31 de dezembro de 2011, pela Emenda Constitucional (EC) nº 56, de 20 de dezembro de 2007.

O fundamento legal da DRU, atualmente em vigor, é a Emenda Constitucional nº 56, de 2007, que a prorrogou nos mesmos termos da EC nº 42, de 2003. O dispositivo desvinculou de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

Em 2011 o Poder Executivo encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 61, de 8 de junho de 2011, prorrogando mais uma vez a DRU, desta vez até 31 de dezembro de 2015. A proposta mantém a atual redação do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apenas prorrogando o seu prazo e atualizando a sua redação.

Comparando-se o texto atual da DRU com aquele vigente na sua primeira versão (FSE de 1994) percebe-se que foram excluídos do alcance da DRU as transferências aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios previstas na Constituição Federal[4] (ou seja, a desvinculação não afeta essas transferências constitucionais, de forma que estados, DF e municípios, nesses casos, não sofrem perdas com a DRU como sofriam com o FSE).

Por outro lado, foram incluídas as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) entre as receitas sujeitas à desvinculação. Com isso, a contribuição incidente sobre combustíveis (CIDE-Combustíveis) foi desvinculada, resultando em perdas para os estados e municípios[5]. Essa perda foi contornada com o aumento da participação dos governos subnacionais de 25% para 29% da receita da CIDE, por força da Emenda Constitucional nº 44, de 2004[6].

A versão atual da DRU também exclui da desvinculação a contribuição social do salário-educação, devida pelas empresas, ao financiamento do ensino fundamental público.

Em relação à desvinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, determinou a redução progressiva do percentual da DRU incidente sobre esses recursos. Assim, para efeito do cálculo dos recursos para MDE, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. Portanto, a partir deste ano, a DRU deixará de afetar as vinculações para MDE e, portanto, não mais implicará aumento dos recursos de livre alocação decorrente da desvinculação de impostos.

Por fim, as leis de diretrizes orçamentárias têm ressalvado da desvinculação as contribuições sociais do trabalhador e do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos, em observância ao disposto no inciso XI do art. 167 da Constituição Federal.

GASTOS SOCIAIS

A principal controvérsia suscitada pela desvinculação de recursos refere-se a seu possível efeito de reduzir os gastos sociais. Desde a aprovação do FSE, em 1994, essa polêmica é renovada a cada proposta de prorrogação do mecanismo. De um lado, a oposição em geral critica a desvinculação[7], pois defende o aumento dos gastos ditos sociais[8]. De outro, o governo federal, pelos motivos já apontados, defende a desvinculação.

Esse último busca negar o impacto negativo da DRU sobre os gastos da área social. Argumenta que não há redução de recursos destinados à previdência social, porque o gasto com aposentadorias e pensões é incompressível. Para responder a suspeitas de que a DRU desvia recursos de suas finalidades sociais, demonstra que, desde 1996 até 2010, as despesas nas áreas de saúde e educação vêm crescendo. Por fim, afirma que a DRU não implica elevação no montante de receitas disponíveis para o governo federal em detrimento dos estados e municípios.

De fato, as despesas com determinadas funções sociais do governo não deixaram de ser atendidas em decorrência da existência DRU, em especial, as despesas obrigatórias da seguridade social.

No entanto, a DRU evita que a disponibilidade de recursos vinculada ao orçamento da seguridade, em valores superiores àqueles necessários para cobrir os gastos determinados pelo reajuste do salário mínimo ou pelo crescimento do PIB, venha a gerar pressão política para expansão ainda mais acelerada dos gastos da seguridade. Com isso, a DRU impede a aceleração dos gastos e gera excedentes para a redução do déficit público e a amortização da dívida.

Impacto da DRU sobre o orçamento da seguridade social

Do ponto de vista do orçamento da seguridade social, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais acaba voltando para esse orçamento. Portanto, com o crescimento das despesas da seguridade, atualmente o Tesouro Nacional realiza aportes significativos, de forma que não se pode afirmar que a DRU implique perdas significativas para a seguridade social.

TABELA 1
SEGURIDADE SOCIAL – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
INSS 206.843
Cofins 107.974
Recursos Livres (Fonte 100) 37.626
CSLL 33.967
PIS-Pasep 17.179
CPSS – Patronal 12.681
Royalties do Petróleo 11.614
Recursos Próprios Financeiros 9.776
Outras 37.417
Total 475.075
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Dos R$ 46,6 bilhões desvinculados das contribuições sociais (vide Tabela 1), em sua quase totalidade receitas do orçamento da seguridade social, R$ 37,6 bilhões retornam como recursos de livre alocação (Fonte 100) para pagamento de despesas desse orçamento. Ou seja, a área da seguridade social cede recursos líquidos de cerca de R$ 8,9 bilhões, que poderiam expandir suas despesas.

TABELA 2
SEGURIDADE SOCIAL – DESVINCULAÇÕES E APORTES
R$ milhões
2006 2007 2008 2009 2010
1 Desvinculação de Contribuições Sociais¹ 34.175 38.908 39.570 39.176 46.557
2 Aporte de Recursos Livres (Fonte 100)² 14.532 20.395 31.208 37.132 37.626
3 Líquido (1-2) 19.643 18.513 8.362 2.045 8.931
4 Percentual (2/1) 43% 52% 79% 95% 81%
Fonte: Balanço Geral da União e SIAFI/Prodasen.
1: Não inclui multas, juros e dívida ativa.
2: Despesa liquidada.

Vemos na Tabela 2 que o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional ao orçamento da seguridade social tem aumentado nos últimos anos. Esses aportes passaram de R$ 14,5 bilhões, em 2006, para R$ 37,6 bilhões, em 2010, correspondentes a 43% e 81% da desvinculação de contribuições sociais. Isso mostra que os recursos desvinculados pela DRU, atualmente, retornam em sua maior parte para o orçamento da seguridade social. Esse fato é explicado pela expansão das despesas com benefícios previdenciários e assistenciais (especialmente devido a aumentos reais do salário mínimo), e pelo aumento dos gastos na área de saúde (vinculados ao crescimento do PIB).

Em 2009, especificamente, o menor crescimento do PIB e das receitas tributárias levou a que o Tesouro Nacional realizasse aporte de recursos ordinários quase equivalente à desvinculação de contribuições sociais.

Impacto da DRU sobre as despesas com educação

Cabe esclarecer que não existe maneira inquestionável de aferir até que ponto a desvinculação impõe diminuição de recursos a órgão, fundo ou despesa. Isso só seria possível se apenas uma fonte de recursos financiasse cada ação de governo ou órgão. Se, ao contrário, retiram-se recursos de fontes vinculadas, mas se aportam montantes de outras fontes, como dizer se essas outras fontes estariam presentes caso não tivesse havido a desvinculação?

Para efeito do cálculo dos recursos para MDE, por força da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. A tabela abaixo mostra o efeito da DRU sobre os recursos destinados à MDE:

TABELA 3
REDUÇÃO DE RECURSOS VINCULADOS A MDE – 2008 a 2011
R$ milhões
2008 2009 2010 2011¹
Percentual de Desvinculação (A) 20,0% 12,5% 5,0% 0,0%
Receita de Impostos (B) 256.147 244.071 280.141 347.713
Desvinculação (C) = (B)*(A) 51.229 30.509 14.007 0
Redução de Recursos de MDE (D)=18%*(C) 9.221 5.492 2.521 0
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
1: Lei Orçamentária para 2011

Vê-se que a redução de recursos destinados à MDE decresce de R$ 9,2 bilhões, em 2008, quando o percentual de desvinculação era de 20%, e passa a ser nulo a partir de 2011. Cabe considerar que a PEC nº 61, de 2011, que propõe nova prorrogação da DRU, mantém explicitamente o fim da desvinculação desses recursos, em consonância com a EC nº 59, de 2009.

No entanto, a área de educação como um todo é custeada por diversas fontes de recursos. Assim, um aumento dos recursos vinculados para MDE poderia ser simplesmente compensado pela diminuição de recursos livres e outros. Portanto, a conclusão de que a área de educação perde com a desvinculação (ou ganha com o fim desta), embora aparentemente evidente, não é necessariamente correta.

TABELA 4
FUNÇÃO EDUCAÇÃO – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
Recursos Vinculados a MDE 26.911
Recursos Livres (Fonte 100) 10.791
Salário-Educação 4.725
Outras 6.018
Total 48.446
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Em 2010, por exemplo, foram alocados recursos do Tesouro Nacional de R$ 10,8 bilhões na área de educação, face à redução de recursos destinados à MDE de apenas R$ 2,5 bilhões.

Impacto da DRU sobre o FAT

No caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ao contrário dos recursos da MDE, há efetivamente uma perda de recursos com a DRU. Isso ocorre porque o FAT é custeado, quase integralmente, por recursos próprios:

TABELA 5
FAT – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
PIS/Pasep 28.765
Recursos Próprios Financeiros 11.088
Recursos Livres (Fonte 100) 1.133
Outras 212
Total 41.198
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

As fontes de recursos do FAT são a arrecadação do PIS/Pasep e recursos financeiros próprios, constituídos pelo retorno dos financiamentos do BNDES. Esses recursos só podem ser aplicados no FAT. Ademais, o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional é pouco significativo, no valor de R$ 1,1 bilhão, bem inferior ao valor desvinculado da arrecadação do PIS/PASEP de R$ 8,0 bilhões.

Assim, a DRU efetivamente retira recursos que poderiam ser aplicados em ações do FAT ou em financiamentos do BNDES. Também cabe notar que parte das receitas do PIS/Pasep alimenta saldo positivo na conta única do Tesouro Nacional, não sendo efetivamente despendida.

CONCLUSÕES

São válidas as seguintes conclusões: (1) atualmente, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais retorna ao orçamento da seguridade social, de forma que a redução de seus recursos é hoje muito menos relevante que no passado; (2) não se pode afirmar que a área de educação tenha perdas de recursos e, a partir de 2011, não haverá mais desvinculação de recursos de MDE; (3) o FAT abre mão de recursos para gastos com o seguro-desemprego e outras ações a seu encargo e de seu patrimônio aplicado no BNDES.

A possibilidade de troca de fontes de recursos enfraquece o argumento de que a DRU reduz os gastos sociais: o que se retira por meio da DRU pode voltar para aquela área por meio de alocação de recursos orçamentários livres.

Ademais, cabe observar que os gastos da seguridade social não são determinados pela disponibilidade de recursos vinculados e, sim, pelas decisões de criação ou aumento de despesas públicas. Na área de educação, a criação de cargos e o aumento de sua remuneração determinam parte substancial da despesa. Em relação ao FAT, suas despesas dependem do valor do salário mínimo e das regras de concessão do seguro-desemprego.

Por outro lado, se não houvesse a DRU, a diferença entre a arrecadação total de contribuições sociais e a despesa total da seguridade geraria a impressão de que estaria “sobrando” dinheiro na seguridade, o que estimularia o aumento de gastos na área.

Esse raciocínio, contudo, não é correto. Como visto acima, o Governo Federal elevou fortemente a tributação por meio de contribuições sociais para gerar recursos não só para a seguridade, mas também para o financiamento do orçamento fiscal. O foco no aumento de contribuições, em vez de impostos, foi para evitar partilhar as receitas com estados e municípios.

Se a DRU for simplesmente extinta, e toda a receita de contribuições tiver que ser alocada no orçamento da seguridade, os R$ 9 bilhões que atualmente são transferidos liquidamente do orçamento da seguridade para o orçamento fiscal (vide Tabela 1) se converterão em gastos públicos, aumentando o déficit público e exigindo a elevação de impostos para o custeio das despesas do orçamento fiscal.

O mesmo ocorrerá com os R$ 7 bilhões líquidos que a DRU retira do FAT.

A extinção da DRU também retira do Governo a possibilidade de promover novas elevações de tributação via contribuições sociais nos momentos em que desejar reforçar o caixa da União.

Podemos concluir que a DRU ainda é necessária, embora talvez menos que no passado, devido à progressiva redução de sua base de cálculo.

As sucessivas prorrogações da DRU mostram a necessidade desse mecanismo, ainda que como alternativa a uma ampla reforma nas finanças públicas brasileiras. A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da sociedade, especialmente nas áreas de saúde, assistência e previdência social. Muitas dessas demandas assumiram a forma de vinculações de receitas a órgão, fundo ou despesa. A DRU surge como uma forma de reduzir essas vinculações, dada a dificuldade política de realizar uma reforma fiscal abrangente. Em visão mais ampla, a desvinculação representa um mecanismo para compatibilizar o arcabouço da Constituição de 1988 com a bem-sucedida estabilização econômica de 1994.

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Para ler mais sobre o tema:

Dias, F.A.C.(2011) Desvinculações de receitas da União, ainda necessárias? Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 103. Disponivel em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Vide art. 195 da Constituição.

[2] A respeito da arrecadação e despesas da Infraero ver, neste site, o texto As receitas da Infraero são suficientes para garantir aeroportos de boa qualidade?

[3] Para uma análise do impacto do salário mínimo sobre as despesas da previdência, ver neste site o texto O aumento do salário mínimo e dos benefícios a ele vinculados favorece ou dificulta a eliminação da miséria no Brasil?

[4] Conforme o § 1º do art. 76 do ADCT.

[5] Com essa alteração, também há perdas referentes a vinculações de menor importância, como a Cota-Parte Adicional do Frete para Renovação da Marinha Mercante e outras.

[6] Equivalente a 23,2% da receita integral.

[7] Não toda a oposição ou somente ela. Há membros da bancada da saúde e da educação tanto na oposição quanto na situação.

[8] Deve-se observar que nem sempre os gastos nas áreas de educação e previdência social favorecem as camadas mais pobres da população, o que torna o termo “gasto social” um tanto impreciso.

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