Educação – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 30 Mar 2021 22:24:33 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A esquina do futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3430&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-esquina-do-futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3430#comments Tue, 30 Mar 2021 22:24:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3430 A esquina do futuro

O exercício pleno da cidadania está atrelado à educação, ao conhecimento

Por Luís Eduardo Assis

Já dizia o escritor inglês H. G. Wells: a história da civilização é uma disputa entre a educação e a barbárie. A ideia de que é preciso desvendar mistérios através de métodos científicos é relativamente recente na história da humanidade, mas sem ela não teríamos conseguido os extraordinários avanços dos últimos séculos. Demoramos milhares de anos para aprender que o avanço do conhecimento nos torna melhores. O método científico – que ainda hoje alguns apalermados refutam – é indissociável da ideia de progresso, algo também recente do ponto de vista histórico. Há enorme correlação entre o índice de desenvolvimento humano e o nível de educação dos países. Soa como uma platitude, mas aqui em terras tabajaras a necessidade de fazer avançar o nível educacional só encontra consenso na sua manifestação genérica e superficial.

Ninguém se diz a favor da ignorância, mas as políticas públicas para combatê-la acabam esbarrando na falta de recursos, na incúria da elite e na cristalização de interesses corporativos. Gastamos pouco, gastamos mal e os resultados beiram a calamidade. O exame Pisa, realizado a cada três anos, teve sua última edição em 2018 e avaliou o desempenho acadêmico de jovens de 15 anos em 79 países. O Brasil ficou em 59.º em leitura, 67.º lugar em ciências e 73.º em matemática.

Tudo sugere que a pandemia teve um impacto devastador sobre um esforço que já rendia poucos frutos. Estudo da Unicef divulgado em janeiro mostra que aumentou a evasão escolar durante a pandemia. Em 2019, o IBGE identificou uma taxa de abandono de 2,2% entre crianças e jovens de 6 a 17 anos. Já em outubro de 2020, o porcentual registrado pela Unicef foi de 3,8%, ou seja, 1,38 milhão de pessoas não frequentavam a escola. A este contingente devem ser acrescentados outros 4,1 milhões que afirmaram estarem matriculados, mas não participaram de nenhuma atividade nas escolas. O abandono escolar atinge mais os alunos pobres, cujo atendimento já era insatisfatório e que não tiveram acesso ao ensino remoto. Uma tragédia dentro de um drama.

Em estudo divulgado em julho de 2020 (Consequências da Violação do Direito à Educação), o Insper estimou que, em 2018, 557 mil jovens com 16 anos não concluíram a educação básica. Isto vai provocar uma perda de renda ao longo de toda a vida laboral de cada um destes jovens de R$ 395 mil, o que significa que o custo total do abandono escolar para esta faixa etária alcança a cifra astronômica de R$ 220 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do MEC para a Educação Básica em 2020 foi de R$ 42,8 bilhões (aliás, 34% menor que o de 2012).

O problema das consequências é que elas chegam depois, já dizia Marco Maciel. O que o governo tem a dizer sobre o abandono escolar provocado pela pandemia? Se o sistema educacional brasileiro já vinha mal antes como evitar que fique ainda pior? O Ministério da Educação não tem planos – nem sequer diagnóstico. No meio da tragédia da covid-19, gastou tempo e esforços na busca da regulamentação do ensino domiciliar, uma abjeta excrescência ideológica. Para um governo que recusa o passado e não reconhece o presente, pensar a longo prazo é um luxo inacessível. A propósito, qual é mesmo o nome do atual ministro da Educação? Quando a pandemia arrefecer, malgrado o descaso do presidente, voltaremos a frequentar pizzarias, mas os jovens que nos entregam as pizzas hoje não voltarão para as escolas.

Haverá uma geração a quem será privado o conhecimento e, desta forma, o exercício pleno da cidadania. Não se trata apenas de fomentar a ignorância; é a barbárie que está à espreita. Há um despacho na esquina do futuro, já dizia Marcelo Yuka.

 

Luís Eduardo Assis é economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e FGV-SP. E-mail : luiseduardoassis@gmail.com.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo dia 29 de março de 2021.

 

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Por que a saúde e a previdência vão piorar, mas a educação e a segurança vão melhorar? Ou: o que é a transição demográfica? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2938&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-saude-e-a-previdencia-vao-piorar-mas-a-educacao-e-a-seguranca-vao-melhorar-ou-o-que-e-a-transicao-demografica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2938#comments Thu, 22 Dec 2016 14:55:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2938 Demografia e Previdência

A proposta do governo de reforma da Previdência é justificada pela transição demográfica (envelhecimento da população). Pode se entender o envelhecimento da população como o aumento da idade média dos brasileiros. Contrariamente ao que é frequentemente vinculado, esse aumento da idade média não se deve apenas ao aumento da expectativa de sobrevida, mas também à redução das taxas de natalidade da população.

A taxa de fertilidade por mulher no Brasil, em queda, já seria a menor da América do Sul1, e, desde 2005, o número de nascidos é insuficiente para repor a população. A queda na taxa de fertilidade (ou de natalidade) é atribuída na literatura internacional, entre outros fatores,ao aumento da escolaridade, à dissociação da sexualidade da reprodução e ao consumismo2. Especificamente para o Brasil, pesquisadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) chamam atenção para a redução de natalidade nas décadas de 70 a 90, o que estaria relacionada à ampliação da transmissão de novelas no país3.

A Previdência opera, no Brasil e em boa parte do mundo, pelo regime de repartição, em que as contribuições dos trabalhadores no mercado de trabalho formal financiam os benefícios dos trabalhadores inativos (aposentadorias, pensões, auxílios).  Assim, temos que, em uma ponta, menos pessoas estão nascendo para financiar os benefícios quando estiverem no mercado de trabalho, e, na outra ponta, os aposentados estão vivendo mais e recebendo os benefícios por mais tempo. Nos próximos 25 anos, o país terminará uma transição demográfica que países desenvolvidos fizeram em mais de 100 anos, de acordo com Tafner, Botelho e Erbisti (2014)4.

Neste sentido, por exemplo, o advento da idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, proposto na reforma, faria com que no futuro os trabalhadores permanecessem mais tempo contribuindo, por um lado, e menos tempo recebendo os benefícios, por outro. O Gráfico 1 ilustra a situação atual  paraesse tipo de aposentadoria. Ela tem sido paga com aidade média de 54 anos (55 no caso dos homens, 52 no das mulheres). De acordo com a Tábua de Mortalidade do IBGE (2013), um homem nessa idade teria uma expectativa de sobrevida de mais 24 anos, vivendo em média até os 79 anos. Uma mulher, na idade média de 52 anos, tem umaexpectativa de sobrevida próxima de 30 anos, chegando em média ao redor dos 82 anos5. Segundo Tafner, Botelho e Erbisti (2015), entre 1980 e 2010, enquanto a expectativa de vida ao nascer cresceu 19% para homens e 18% para mulheres, a expectativa de sobrevida aos 60 anos cresceu muito mais: 42% para homens e 31% para mulheres6.

Tal informação ilustraria o desequilíbrio do benefício.A beneficiária desse tipo de aposentadoria teria como tempo de contribuição 30 anos e como tempo de usufruto esperado do benefício os mesmos 30 anos. Entretanto, a alíquota de contribuição do seu salário é de no máximo 11%, ou 31% quando se considera também a contribuição do empregador7. Fica evidente a dificuldade da Previdência de pagar o benefício sem a aplicação do fator previdenciário ou fórmula de cálculo semelhante.

A reforma da Previdência fará as pessoas “trabalharem até morrer”?

É importante observar nesta discussão que a variável relevante é a expectativa de sobrevida, e não a expectativa de vida ao nascer.  A expectativa de vida ao nascer, que também tem aumentado, reflete, por exemplo, as taxas de mortalidade infantil e mortes por causas externas em jovens (acidentes de trânsito, homicídio). É por isso que, neste exercício, em que usamos a expectativa de sobrevida condicional à idade de 55 anos (homem) e 52 anos (mulher), a expectativa de vida do homem chega aos 79 anos e da mulher aos 82 anos, acima da expectativa de vida ao nascer no país (72 para eles, 79 para elas). A expectativa de vida ao nascer é o equivalente à expectativa de sobrevida condicional àidade zero.

A incompreensão em relação à diferença entre expectativa de vida ao nascer e a expectativa de sobrevida gera um dos argumentos mais populares contra a reforma: o de que com uma idade mínima (ou aumento de outros parâmetros), as pessoas “trabalhariam até morrer” em algumas regiões do país. Um exemplo que foi muito disseminadonas redes sociais consta da Figura 1 abaixo.

De modo geral, a expectativa de vida ao nascer está relacionada com a idade média com que as pessoas falecem.  Ela é especialmente afetada pela mortalidade infantil, mais grave nas regiões mais pobres do país. Desta forma, de modo incoerente no argumento de “trabalhar até morrer”, a mortalidade infantil acaba sendo usada para justificar transferências de renda justamente para grupos de faixas etárias mais avançadas.

De maneira ilustrativa, o Secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Abi-Ramia Caetano, aponta que os municípios que possuem as mais baixas expectativas de vida ao nascer no Brasil possuem inclusive uma proporção de idosos acima de 65 anos maior do que a média nacional, como Juripiranga (PB, com expectativa de vida ao nascer de 65 anos e meio) e Jurema (PE, expectativa de vida ao nascer de 65 anos e 10 meses)8.

A expectativa de sobrevida em idades mais altas não é perfeitamente correlacionada com a renda dos países. Parte da falência da previdência na Grécia se explica pela alta expectativa de vida dos idosos: uma das maiores da União Europeia, apesar do país ser um dos mais pobres do grupo. No mesmo sentido, a OCDE estima que nas próximas décadas a sobrevida das brasileiras será maior do que a das americanas ou dinamarquesas, que moram em países muito mais ricos9.

Com a transição demográfica, à medida que as pessoas vivem mais, o tempo esperado de usufruto aumenta para diversos benefícios previdenciários, como as aposentadorias e pensões. No entanto, isso ocorre sem contrapartida, já que há menos trabalhadores no mercado de trabalho, colocando uma pressão ainda maior nas contas previdenciárias. O exercício a seguir ajuda a visualizar este problema.

Como a configuração da população irá mudar daqui para frente?

De acordo com os dados e projeções de Camarano (2014)10, o Brasil teria cerca de 199 milhões de habitantes em 2015, dos quais 22% teriam entre 0 e 14 anos e 12% teriam 60 anos ou mais.  O restante, ou seja, a população entre 15 e 59 anos, somaria 66%.  A Figura 2 retrata essa proporção: em laranja estão as crianças; em azul, os idosos; e em branco, o restante da população.

Já a Figura 3 traz esta mesma proporção com as projeções para 2050. Seremos um país de 206 milhões de habitantes, mas a proporção de crianças teria caído de 22 para 9%, a proporção de idosos quase triplicará de 12 para 33% e o da população “em idade ativa”, cairia de 66 para 58%.

As Figuras 4 e 5, a seguir, são mais pertinentes para ilustrar o conceito de razão de dependência. Nas figuras anteriores, com o intuito de facilitar a visualização da mudança na distribuição etária, a população foi mantida fixa. Porém, na verdade, a partir de meados de década de 2030, ela começará a encolher11. Em 2050, o país não deverá mais ter uma das cinco maiores populações do mundo, sendo ultrapassado por Nigéria e Paquistão, e, ao fim do século, por outros seis países africanos12. As figuras abaixo ilustram, portanto, a transição demográfica também em termos absolutos, e não apenas relativos.

Nas Figuras 4 e 5, os dois grupos dependentes aparecem em azul (crianças e idosos), com o grupo em idade ativa aparecendo em cor branca. Simplificadamente, a razão de dependência relaciona a população em idade ativa com a população dependente: esta é sustentada por aquela. Seu inverso mostra a quantidade de pessoas em idade ativa capaz de financiar os economicamente dependentes. Considerando tanto crianças (0-14 anos) quanto idosos (60+), partiremos de 1,93 ativos para cada dependente em 2015 para apenas 1,37 em 2050, uma queda de quase 30%.Essa informação é relevante para o debate, já que por vezes é apontado que o crescimento da despesa previdenciária poderia ser compensado com a redução de gastos em educação: não só esse gasto per capita é muito inferior àquele, como a dependência total irá se elevar.

Boa parte desses dependentes serão idosos, conforme a Figura 5. O inverso da razão de dependência de idosos passará neste período de 5,36 para 1,75 (três vezes menos).A comparação entre as figuras que retratam a situação de 2015 evidenciam a transição demográfica que daria ensejo à reforma da Previdência. Seriam essas as tendências da população do país a partir de hoje, em que, conforme o Gráfico 1, mulheres beneficiárias da aposentadoria por tempo de contribuição têm praticamente tempo de contribuição e de usufruto do benefício iguais.

Em 2017, mesmo com a atual configuração populacional mais favorável, as despesas previdenciárias já serão responsáveis por 55% de todas as despesas primárias do governo federal. No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2017, estima-se que a despesa apenas com o RGPS será equivalente a 8% do PIB em 2016, atingindo mais que o dobro desse valor em 2050, conforme o Gráfico 2, abaixo.

Cumpre observar que o ano de 2050 é usado como referência a título de ilustração, já que esta transição se fará sentir não apenas daqui a três décadas, mas a cada ano. Neste período, segundo Tafner (2015), o número de brasileiros recebendo benefícios afetados pela transição demográfica no INSS (aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por idade, pensão por morte e BPC-Idoso) passará de 29 milhões de pessoas em 2015 para 85 milhões em 2050. Teremos, em média, 1 milhão e 600 mil novos benefícios sendo pagos a cada ano13.

Economia

A questão da Previdência é emblemática sobre os efeitos de transição demográfica, mas o envelhecimento da população se fará sentir de diversas maneiras. A redução da razão de dependência está associada ao fim do “bônus demográfico”, período em que um país possui uma demografia mais favorável ao crescimento econômico: a força de trabalho (população economicamente ativa) é relativamente maior, o que em tese proporciona ganhos via mercado de trabalho e via incremento da poupança (que tende a se reduzir à medida que as pessoas alcançam a velhice).

Samuel Pessoa descreve, assim, haver dois “tipos” de bônus demográfico. O primeiro, relacionado ao mercado de trabalho, se encerraria em 2023. O segundo, ligado à poupança, “não ocorreu, pelo contrário ela [a poupança] reduziu-se, em função da queda da poupança pública14.

De fato, o termo “bônus demográfico” passa erroneamente a impressão de que há uma relação determinística entre a demografia mais favorável e o crescimento da economia: por isso, muitos especialistas preferem os termos “dividendo demográfico” ou “janela de oportunidades”. No caso do Brasil, é provável que o país envelheça antes de ficar rico.

Adicionalmente, Camarano (2014) descreve a literatura que trata de crescimento econômico e redução da população como um todo. O encolhimento da população desestimularia o investimento e a inovação tecnológica15.

Considerações finais: outros efeitos sobre as finanças públicas

A pressão do envelhecimento populacional sobre as contas do Estado está associadanão só à Previdência, mas também à saúde pública. Para Armínio Fraga, há uma “inexorável trajetória crescente dos gastos com a saúde16Já o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) projeta para as próximas décadas aumentos significativos da incidência na população de diabetes (50%), hipertensão (64%), artrite (66%), doença do coração (75%) e insuficiência renal (100%).

Camarano chama a atenção também para o fato de que a saúde dos idosos seria mais sensível às mudanças climáticas: o agravamento do processo de aquecimento global deve coincidir com o de envelhecimento populacional no Brasil.

Por outro lado, a redução no número de jovens permitiria um aumento mais confortável do gasto por aluno no país, com prováveis ganhos na qualidade da educação. A má notícia é que há pouco tempo para melhorar a educação do país, uma vez que melhorias somente no futuro serão absorvidas por uma parcela pequena da população.

A queda nas taxas de natalidade também tende a atenuar os problemas do país com a violência urbana, uma vez que a maioria dos crimes violentos são cometidos por homens jovens. A literatura dá especial atenção aos jovens nascidos em famílias pobres, relação que foi muito discutida pela opinião pública a partir do polêmico trabalho de Steven Levitt, o autor de Freakonomics1718. Cerqueira e Moura (2014) projetam expressiva redução na taxa de homicídios no país nos próximos anos, mantidos outros fatores constantes, vide Gráfico 319.

Assim, fica claro que o país passa por uma mudança profunda e veloz, que vai lhe afetar em várias áreas, mas que até agora parece ser invisível20 para a sociedade. A reforma da Previdência traz a demografia para o centro do debate nacional, muito embora o problema previdenciário seja apenas uma de suas facetas.

Várias referências deste texto são do livro “Novo Regime Demográfico: Uma nova relação entre população e desenvolvimento?”, organizado por Ana Amélia Camarano, do Ipea, que constitui um impressionante esforço de analisar o impacto da  transição demográfica sobre vários aspectos da vida nacional, e está disponível gratuitamente em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=23975.

 

(Este texto é baseado no Texto para Discussão nº 219 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

_________________

1CIA World Factbook 2016

2 Ver Camarano e Fernandes (2014). CAMARANO, A. A. FERNANDES, D. Mudanças nos Arranjos Familiares e Seu Impacto nas Condições de Vida: 1980 a 2010. CAMARANO, A. A. (Org.). Novo Regime Demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento?. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.

3As novelas afetariam o comportamento das famílias, como a escolha pela quantidade de filhos e até seus nomes. Ver: La Ferrara et al. (2008). LA FERRARA, E.; CHONG, A.; DURYEA, S. Soap Operas and Fertility: Evidence from Brazil. Working Paper #633. Inter-AmericanDevelopment Bank. Junho de 2008.

4 TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. Transição Demográfica e o Impacto Fiscal na Previdência Brasileira. CAMARANO, A. A. (Org.). Novo Regime Demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento?. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.

5 23,6 no caso do homem e 30,2 no caso da mulher.

6TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. Debates sobre Previdência: As Convergências. In: TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previdência: A Visita da Velha Senhora. Brasília: Gestão Pública, 2015.

7 Não se pode descartar ainda que o tempo de usufruto esperado da aposentadoria por tempo de contribuição, por exemplo, seja ainda maior do que a que colocamos no Gráfico 6: neste exercício foram usadas as expectativas de sobrevida calculadas pelo IBGE para todo o conjunto da população. No entanto, o subconjunto da população que se aposenta por tempo de contribuição, por ter renda superior à média, possivelmente goza de diversas condições que aumentam em alguma medida a expectativa de sobrevida deste grupo.

8 Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-11/expectativa-de-vida-ao-nascer-nao-e-dado-adequado-para-discutir-previdencia.

9Pensions at Glance – 2013: OECD and G20 indicators. Disponível em: http://www.oecd.org/els/public-pensions/

10  CAMARANO, A, A. Perspectivas de Crescimento da População Brasileira e Algumas Implicações. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Novo Regime Demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento?. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.

11 Com exceção principal do continente africano, a transição demográfica é considerada fenômeno mundial. Anedoticamente, mesmo a China em 2015 anunciou o fim de sua “política” do filho único.

12 Congo, Tanzânia, Etiópia, Níger, Uganda e Egito. Projeções da Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU). Disponível em: http://esa.un.org/unpd/wpp/.

13Note que estamos falando de novos benefícios “líquidos”, uma vez que parte dos novos benefícios “brutos” é compensada pela extinção de outros benefícios (como dos aposentados que falecerem no período).

14https://www.insper.edu.br/conhecimento/wp-content/uploads/2015/05/B%C3%95NUS_DEMOFR%C3%81FICO.pdf.

15CAMARANO, A. A. (Org.). Novo Regime Demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento?. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.

16FRAGA, A. Prefácio. Convergências. In: TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previdência: A Visita da Velha Senhora. Brasília: Gestão Pública, 2015

17Donohue and Levitt, “the Impact of Legalised Abortion on Crime” Quarterly Journal of Economics, May 2001.

18http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2510200701.htm.

19CERQUEIRA, D.; MOURA, R. L. Demografia e Homicídios no Brasil. In: CAMARANO, A. A. (Org.). Novo Regime Demográfico: uma nova relação entre população e desenvolvimento?. Rio de Janeiro: Ipea, 2014.

20 Este termo batiza um dos melhores livros sobre a questão previdenciária: Demografia – A Ameaça Invisível, de Fabio Giambiagi e Paulo Tafner.

 

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Como as universidades públicas no Brasil perpetuam a desigualdade de renda: fatos, dados e soluções https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2793&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-solucoes https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2793#comments Wed, 15 Jun 2016 14:06:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2793 SUMÁRIO EXECUTIVO

  • Níveis educacionais melhoraram sensivelmente nos últimos 20 anos no país, mas o Brasil continua com resultados comparativamente baixos em relação a seus pares latino-americanos.
  • Em gastos por aluno, o setor público escolheu por priorizar a educação superior. Para cada estudante em uma universidade pública, em média, seria possível manter quatro estudantes de ensino médio ou fundamental na escola.
  • Essa priorização beneficia os mais ricos. Estudantes de universidade pública têm uma renda familiar per capita duas vezes maior do que aqueles que não vão para a universidade. A representação proporcional da classe alta nas universidades públicas é quase o dobro daquela observada na sociedade como um todo.
  • A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês estudar em universidade pública é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que têm uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública.
  • Existe uma desigualdade também no acesso a cursos mais concorridos. Em universidades públicas, cursos com nota de corte mais alta no SISU tendem a ter uma presença menor de negros. Negros são também sub-representados no Ciência sem Fronteiras.
  • Transferir renda para financiar a educação dos mais ricos com impostos ajuda a perpetuar desigualdades, pois anos adicionais de estudo incrementam a renda de quem recebeu o benefício. Para cada ano adicional de estudo, adultos têm um aumento de sua renda entre 6,5% e 10%.
  • Mudar o foco das universidades públicas para outros níveis de ensino amenizaria essas desigualdades. Retornos ao investimento em educação, em termos econômicos para a sociedade e cognitivos para as crianças, são maiores quando esses investimentos são direcionados à educação de base.
  • Algumas alternativas em políticas públicas seriam: (a) permitir e financiar a criação de escolas públicas de administração autônoma; (b) criar o ProUni do ensino básico e distribuir vale-escola para estudantes pobres se matricularem em escolas privadas; e (c) estimular a educação na primeira infância, eliminando impostos sobre creches e pré-escolas, facilitando seu processo de criação e registro.
  • Para financiar essas mudanças, seria necessário instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante.
  • Com a limitação dos recursos transferidos pelo governo federal, seria necessário reformar a legislação para facilitar e incentivar a captação autônoma de recursos pelas próprias universidades em complementação à cobrança de mensalidades. Entre essas medidas, poderiam se incluir, dentre outras: (a) a reforma na legislação para permitir às universidades receber doações diretas; (b) a ampliação da cooperação existente entre universidades públicas e o setor privado, que deve passar a ser mensurada de forma adequada pelo Ministério da Educação; e (c) a flexibilização da legislação de modo a permitir às instituições de ensino superior licenciar suas marcas e experimentar individualmente métodos distintos de financiamento.
  • Em termos regulatórios, é necessária uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Na educação superior, a instituição de mensalidades proporcionais à renda familiar do estudante e a flexibilização dos métodos de captação de recursos por universidades reduziria o fardo de impostos necessários para o financiamento dessas instituições. Na educação de base, alternativas de descentralização da educação pública e empoderamento dos pais de crianças pobres na escolha da educação de seus filhos, seja por meio de escolas públicas autônomas ou por vales educacionais, contribuiriam com a melhoria da educação recebida pelos grupos economicamente desfavorecidos.

 

INTRODUÇÃO

Na última década, o Brasil deu passos importantes na expansão do nível educacional da população. Num espaço de dez anos, a proporção de pessoas que tem ensino médio ou superior completo subiu de 30% para 42% da população. Esse incremento de 12% corresponde a, aproximadamente, 24 milhões de pessoas a mais com o ciclo do ensino básico terminado.

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Tal avanço não se restringiu a um grupo específico de municípios, mas ocorreu de forma generalizada. Contudo, ainda há uma dispersão muito grande nos resultados. Enquanto em municípios como Florianópolis (SC) mais de 65% da população adulta concluíram o Ensino Médio, em outros, como Chaves (PA), apenas 4% o fizeram. Os avanços ao longo do tempo, bem como a desigualdade entre os municípios, podem ser observados na Figura 2 abaixo, com as curvas progredindo para a direita.

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Apesar dessas melhorias, o país ainda apresenta números comparativamente baixos em relação aos seus pares latino-americanos. Entre os maiores países do continente, somente a Colômbia apresenta níveis educacionais semelhantes aos brasileiros. O hiato entre os níveis brasileiros e os líderes da região chega a quase três anos de estudo.

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Mesmo com mais da metade da população sem ensino médio e com índices de educação básica comparativamente baixos, o investimento por aluno no Brasil prioriza o ensino superior. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), gasta-se quatro vezes com cada aluno do ensino superior público o valor que se investe em estudantes do ensino fundamental ou médio. Em média, países da OCDE gastam com cada estudante de ensino superior 1,5 vezes o gasto do ensino médio – o que indica que a priorização brasileira ao ensino superior é mais evidente.

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Apesar de um estudante de ensino superior custar muito mais que o de uma educação básica e mais da metade da população não ter terminado o ensino médio, o país observou uma expansão forte das universidades públicas na última década. Se nos 20 anos entre 1980 e 2000 as vagas cresceram 80%, no período mais curto entre 2000 e 2014 as vagas em instituições públicas aumentaram 120%.

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Priorizar o ensino superior público em um país em que mais da metade da população não termina o ensino médio significa uma transferência de renda para os mais ricos. Não apenas os estudantes de famílias mais ricas têm uma probabilidade maior de estudar nas universidades públicas, como também pessoas que são beneficiadas por essas políticas e estudam mais anos tendem a ter salários maiores no futuro, perpetuando as desigualdades.

 

A ESTRUTURA SOCIAL E DEMOGRÁFICA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Quase toda política pública é uma forma de transferência de renda. Quando os custos de uma política estão dispersos por toda a sociedade e os benefícios estão concentrados em um grupo específico, aqueles que ajudam a financiar uma política, mas dela não se beneficiam, estão subsidiando os que recebem os serviços prestados pelo governo.

Com as universidades públicas isso se torna ainda mais claro: todos pagam pelas instituições, mas somente alguns têm acesso ao serviço educacional que elas oferecem. Por causa da alta concorrência das universidades públicas e da baixa qualidade das escolas públicas brasileiras, aqueles em situação econômica mais vulnerável têm pouca chance de conseguir uma vaga para estudar em uma universidade financiada pelo contribuinte.

Em média, a renda familiar per capita de jovens que frequentam universidades públicas (R$1422) é mais de duas vezes maior do que a daqueles jovens que não frequentam universidade (R$690)1. As famílias 20% mais pobres têm várias dificuldades. Uma boa parte deles (50,8%) sequer termina o ensino médio. Além disso, a pressão que eles têm por trabalhar para contribuir com o orçamento familiar diminui a possibilidade que eles têm de se preparar para os altamente concorridos vestibulares ou mesmo se dedicar a um curso integral (e, na maior parte das vezes, diurno) que vai limitar sua possibilidade de trabalho.

Por isso, as universidades públicas tendem a beneficiar os ricos de forma desproporcional. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), a classe alta corresponde a 24,8% da população. Mas, nas universidades públicas, a classe alta ocupa 45,5% das vagas. Do outro lado dessa equação, as pessoas que estão hoje na classe baixa são 23,1% da população brasileira, mas apenas 8,4% da população universitária.

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A probabilidade de um jovem estudar em uma universidade pública está diretamente relacionada a sua renda familiar. A probabilidade estimada de um jovem com renda familiar per capita de R$250 ao mês – por exemplo, uma chefe de família que recebe R$1000 ao mês e sustenta um cônjuge e dois filhos – é virtualmente nula: cerca de 2%. Já aqueles jovens que vêm de famílias muito ricas, tendo uma renda familiar per capita de R$20 mil reais ao mês – digamos, o filho de um diretor de uma multinacional – têm uma chance de 40% de estudar em uma universidade pública2.

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O acesso desproporcional de grupos privilegiados à universidade pública é mais pronunciado em determinados cursos. Não há dados de renda familiar disponíveis para a composição de cursos das universidades públicas, mas as tendências de desigualdade são evidenciadas por diferenças nas composições de cor/raça. Enquanto cursos como Pedagogia e Serviço Social são majoritariamente negros, em outros, como Engenharia Mecânica e Relações Internacionais, negros são menos de um terço do corpo discente3.

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Essa tendência mantém um padrão: quanto mais difícil o ingresso em um curso, menor a presença de negros entre os estudantes – e, presumivelmente, isso também se correlaciona com a renda familiar. Como pode-se observar na Figura 9 abaixo, dentre os 90 cursos de universidades públicas com mais de 10 mil estudantes, a correlação entre porcentagem de negros dentre os alunos e a nota de corte média de cursos no Sistema de Seleção Unificada (SISU) do Ministério da Educação é negativa e estatisticamente significante.

Do modo como está desenhada atualmente, a política de cotas raciais em nada altera essa existente desigualdade entre cursos. Embora ela possa alterar a presença de negros em todos os cursos, empurrando a linha da regressão na Figura 9 para cima, não há nenhum efeito esperado na inclinação da linha – ou seja, na relação esperada entre notas do SISU e queda na proporção de negros.

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Novos programas de investimento em universidades públicas, como o Ciência sem Fronteiras (CsF), exacerbam essas desigualdades. Isso acontece por uma confluência de fatores. De início, como evidenciado anteriormente, negros têm menos acesso a cursos mais competitivos – que tendem a ser aqueles contemplados pelo CsF. Além disso, dentre os cursos elegíveis4, negros estão sub-representados no grupo que é escolhido para ir ao exterior. Enquanto brancos são cerca de metade do corpo discente dos cursos elegíveis para o CsF, dentre aqueles selecionados para, de fato, ir ao exterior, eles são 70%.

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Subsidiar a educação superior dos mais ricos enquanto os mais pobres sequer terminam o ensino médio resulta em transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Enquanto os filhos da elite são educados com o dinheiro dos contribuintes (no Brasil, majoritariamente negros e pobres), os filhos dos mais pobres terão pouquíssimas chances de conseguir entrar na universidade pública.

Transferir renda para financiar a educação dos mais ricos com impostos ajuda a perpetuar desigualdades, pois anos adicionais de estudo incrementam a renda de quem recebeu o benefício. Para cada ano adicional de estudo, adultos têm um aumento de sua renda entre 6,5% e 10%5. Por isso, as universidades públicas brasileiras são um dos mais importantes mecanismos de perpetuação das desigualdades de renda que já existiu na história brasileira.

 

NOVAS ALTERNATIVAS DE POLÍTICA EDUCACIONAL

Como as universidades públicas beneficiam desproporcionalmente os mais ricos, os gestores públicos deveriam reverter a priorização do ensino superior. Há vastas evidências científicas que demonstram que retornos ao investimento em educação, em termos econômicos para a sociedade e cognitivos para as crianças, são maiores quando esses investimentos são direcionados à educação de base – em especial na primeira infância6.

Desigualdades na educação de base são determinantes para desigualdades econômicas e sociais futuras. Diversas pesquisas já demonstraram que desigualdades de renda, nível de desemprego, encarceramento, gravidez na adolescência e saúde entre brancos e negros, por exemplo, são, em sua maior parte, explicadas por diferenças na qualidade da educação de base recebida7. No Brasil, a redução das desigualdades na educação de base na década de 2000 explicam 40% da redução da desigualdade de renda no período8.

O governo federal tem autoridade para reverter parte do dinheiro investido nas universidades públicas para o Fundo Nacional da Educação Básica e alterar este para financiar novos modelos de educação. Algumas possibilidades políticas de tais novos modelos são:

  • Permitir e financiar, com os recursos repriorizados, a criação de escolas públicas de administração autônoma (charter schools).Essas escolas, apesar de públicas, têm maior autonomia em sua administração. No lugar de currículos rígidos determinados pelas capitais, seus gestores têm capacidade para desenhar currículos individuais que atendam às demandas específicas daquela escola. Além disso, as escolas também têm independência administrativa para sua organização interna e contratação e demissão de pessoal. Ao mesmo tempo, como o financiamento é condicional à performance, isso dá aos gestores públicos maior capacidade de fiscalização e maior espaço para uma saudável competição e trocas de boas práticas entre as escolas. Diversos estudos experimentais9 demonstraram que essas escolas têm um efeito positivo sobre a performance acadêmica, em especial ao desempenho de matemática10. Seria viável alterar o artigo 20 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação para enquadrar tais escolas públicas de administração autônoma como “escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”, previstas pelo artigo 213 da Constituição, ou, ainda, estabelecer parcerias público-privadas para a administração dessas escolas.
  • Criar o ProUni do ensino básico e distribuir vales educacionais para estudantes pobres se matricularem em escolas privadas.O modelo de vales educacionais (também conhecido como “vouchers”) foi aplicado já em diversos países, como os Estados Unidos, a Colômbia, o Chile e a Suécia. A ideia é substituir uma estruturação centralizada da política educacional por uma descentralizada. Como no Bolsa Família, no lugar de os governantes distribuírem produtos diretamente para a população, dá-se aos indivíduos a possibilidade de escolher no mercado aquilo que eles entendem como melhor. Por exemplo, os pais que prefiram uma educação mais generalista e humanista podem escolher uma escola de tal linha. Já os que prefiram uma educação mais tradicionalista e focada em resultados em termos de notas e provas também o podem fazer. Não haveria um modelo centralizado com todas as respostas. Estudos empíricos demonstraram dois efeitos positivos dessas políticas11. Em termos diretos, sendo as escolas privadas mais eficientes, os estudantes que receberam vales educacionais viram uma melhora na sua performance acadêmica, em especial na parte de exatas. Indiretamente, como esses programas inicialmente se focalizaram em regiões de pior desempenho educacional, ao retirar o fardo nessas regiões dos profissionais da rede pública, as escolas públicas tradicionais também responderam positivamente, beneficiando estudantes que não participaram do programa.
  • Estimular a educação na primeira infância, eliminando impostos sobre creches e pré-escolas, facilitando seu processo de criação e registro junto ao Ministério da Educação e/ou criando benefícios fiscais similares aos existentes para as Instituições de Ensino Superior que se beneficiam do ProUni. Estudos experimentais demonstraram de forma causal que crianças que recebem atenção na primeira infância tendem a ter melhores resultados escolares e a ter uma probabilidade menor de cometer crimes ou engravidar na adolescência12.

 

Para financiar essas mudanças, seria necessário instituir mensalidades nas universidades públicas federais para aqueles que podem pagar, com bolsas condicionais à renda familiar per capita do estudante ingressante. Esse modelo já existe no mundo. Por exemplo, a Universidade da Califórnia, que é uma universidade pública, adota um modelo em que as bolsas podem cobrir desde três quartos do custo total da educação (incluindo habitação, alimentação, livros, etc.) para estudantes mais pobres mas converge para zero à medida que a renda familiar aumenta. É importante frisar que, em tal modelo, é possível que aqueles estudantes que tenham renda familiar mais baixa, na verdade, recebam mais recursos do que hoje recebem com universidade sem mensalidade e com sistemas de assistência estudantil. De fato, o custo da mensalidade é apenas um terço do total13 e, ao focalizar recursos naqueles que não podem pagar, foi possível aumentar os benefícios para os que mais precisam. Ao mesmo tempo, as famílias ricas quase não recebem nenhum subsídio do governo, limitando a transferência de renda de pobres para ricos que existiria se eles adotassem um modelo como o brasileiro.

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Há um projeto de lei apresentado no Senado Federal que pretende instituir a cobrança de mensalidade para filhos de famílias cuja renda familiar mensal for superior a R$ 26.40014. Como essa proposta atingiria tão-somente uma parcela muito pequena daqueles que, pertencentes à classe alta, hoje se beneficiam das universidades públicas, um sistema proporcional, conforme o mencionado acima, seria mais eficiente em levantar recursos para amenizar transferências de renda de pobres para ricos. Caso haja dúvidas sobre a constitucionalidade desse projeto, seria necessário emendar o Art. 206 da Constituição para levar essa reforma adiante.

Adicionalmente, com a limitação dos recursos transferidos pelo governo federal, seria necessário reformar a legislação para facilitar e incentivar a captação autônoma de recursos pelas próprias universidades em complementação à cobrança de mensalidades. Entre essas medidas, poderiam se incluir, dentre outras:

  • A reforma na legislação para permitir às universidades receber doações diretas, o que atualmente é proibido.Atualmente, doações para universidades públicas têm de ser feitas por meio de depósitos na Conta Única do Tesouro, utilizando-se Guias de Recolhimento da União e subsequentes saldos de aporte liberados pelo Tesouro Nacional. Na prática, esse tipo de centralização torna burocraticamente improvável que essas doações sejam efetivadas. Uma alternativa já apresentada no Congresso Nacional15 é a criação de fundos patrimoniais (endowment funds), que facilitariam doações e fariam investimentos em nome das universidades. Nos Estados Unidos, em 2015, o valor total sob administração dos fundos patrimoniais das universidades públicas chegava 165 bilhões. Desse total, cerca de 5% (ou 8 bilhões de dólares) são utilizados pelas universidades ao ano para financiar pesquisa, ensino e extensão16. Esses recursos poderiam, se efetivados, contribuir com a substituição do uso de impostos em universidades públicas.
  • A ampliação da cooperação existente entre universidades públicas e o setor privado, que deve passar a ser mensurada de forma adequada pelo Ministério da Educação.Mudanças na legislação nas últimas duas décadas regulamentaram a possibilidade da criação de fundações públicas de direito privado para apoiar o ensino, a pesquisa e a extensão em universidades públicas17. Essas fundações podem receber verba de empresas privadas e outras instituições da sociedade civil para execução de projetos e devem repassar parte dessa verba para as universidades. Além disso, professores que façam pesquisa em alguma área que demande recursos muito altos podem utilizar uma dessas fundações para conseguir financiamentos específicos em parceria com setor privado. Em 2013, 74 fundações de apoio foram credenciadas/recredenciadas pelo Ministério da Educação18, com um prazo usual de dois anos para a vigência de cada credenciamento. Atualmente, não existe uma base de dados pública e de fácil acesso que consolide as informações quanto ao volume de financiamento dessas fundações e que facilite a análise de custo benefício destas. O Ministério da Educação poderia organizar e disponibilizar tais dados para facilitar a racionalização do desenho de políticas públicas.
  • A flexibilização da legislação de modo a permitir às instituições de ensino superior licenciar suas marcas e experimentar individualmente métodos distintos de financiamento.Entre possibilidades que já foram experimentadas em outros países, incluem-se o licenciamento da marca de universidades em produtos distintos (como peças de roupa, indumentária esportiva, peças decorativas e outros produtos) e a possibilidade de batismo de prédios, salas e cátedras da universidade em nome de empresas ou pessoas físicas que estejam dispostas a financiá-las. Mais importante, ao descentralizar esse tipo de planejamento, as universidades poderão experimentar com possibilidades diversas e aprender com as falhas e sucessos umas das outras – melhorando, assim, o sistema de financiamento da educação superior pública.

 

Em uma transição, o financiamento das universidades públicas pode combinar o atual regime de impostos com fontes alternativas de financiamento. Excluindo-se os gastos com servidores inativos, o gasto por aluno necessário para financiar as universidades federais é de aproximadamente R$ 29 mil ao ano (ou cerca de R$ 2,4 mil ao mês)19. Até que um sistema de financiamento privado via doações e cooperação com o setor privado seja construído, é provável que o financiamento exclusivamente por mensalidades seja politicamente inviável. Por isso, um novo regime de financiamento deve incorporar uma transição suave de médio prazo.

 

CONCLUSÕES

A atual priorização do ensino superior em termos de gasto por estudante, em uma média muito maior do que a dos países da OCDE, contribui para a perpetuação de desigualdades sociais no Brasil. Como políticas públicas, universidades estatais transferem rendas de pessoas relativamente pobres para aquelas relativamente ricas.

Reverter essa priorização focando-se na educação de base traria importantes retornos em termos cognitivos para as crianças, econômicos para a sociedade e contribuiria para reduzir as desigualdades sociais e de renda. Uma vez que desigualdades de performance sócio-econômica na vida adulta tendem a estar relacionadas diretamente com a qualidade da educação de base, uma equalização de oportunidades na educação de base tenderia a amenizar desigualdades futuras.

Em termos regulatórios, é necessária uma ampla reforma do sistema educacional brasileiro. Na educação superior, a instituição de mensalidades proporcionais à renda familiar do estudante e a flexibilização dos métodos de captação de recursos por universidades reduziria o fardo de impostos necessários para o financiamento dessas instituições. Na educação de base, alternativas de descentralização da educação pública e empoderamento dos pais de crianças pobres na escolha da educação de seus filhos, seja por meio de escolas públicas autônomas ou por vales educacionais, contribuiria com melhoria da educação recebida pelos grupos economicamente desfavorecidos.

 

Os autores agradecem a Cássio Ribeiro, Ronald Barbosa e Irapuã Santana pela ajuda fundamental na compreensão da legislação que regula doações e financiamento em universidades e por seus comentários e críticas; e a Marília Mareto por sua cuidadosa revisão. Enfatizamos que qualquer erro e omissão do presente estudo é nossa responsabilidade.

 

Versão completa deste texto foi publicada no site do Instituto Mercado Popular, em 18 de maio de 2016.

 

___________________

1 O conceito de jovens abarca indivíduos que têm entre 18 e 24 anos. Essa é a divisão etária que a Pesquisa Mensal de Empregos do IBGE utiliza para caracterização de desemprego juvenil.

2 Essas probabilidades são valores preditos por uma regressão logística que tem a probabilidade de se estudar em uma universidade pública como variável dependente e o logaritmo da renda familiar per capita como variável independente. Ver Anexo 3 para detalhes da estimação.

3 O critério do IBGE para cor/raça faz uma divisão entre “pretos” e “pardos”. Neste estudo, decidiu-se por fazer uma agregação das duas categorias sob o rótulo de “negros”.

4 Como o período 2012-2014 era um período de transição quanto à elegibilidade de curso para o Ciência sem Fronteiras, definimos “cursos” elegíveis como aqueles que têm ao menos um estudante listado no Censo da Educação Superior de 2014 como participante do Ciência Sem Fronteiras.

5 Estimações resultantes de uma regressão linear que utiliza dados da PNAD de 2013. Veja Anexo 4 para detalhes metodológicos.

6 Heckman, James. 2008. “School, Skills, and Synapses”. Economic Inquiry. Volume 46, Issue 3, pages 289–324, July 2008

7 Ver, por exemplo, Fyer Jr., Roland. 2010 “Racial Inequality in the 21st Century: The Declining Significance of Discrimination.” NBER Working Paper No. 16256.

8 Menezes Filho; Naercio; Oliveira, Alison. 2014. “A Contribuição da Educação para a Queda na Desigualdade de Renda per Capita no Brasil”. Insper Policy Paper n. 9.

9 Nós mencionamos prioritariamente estudos experimentais comorandomized control trials ou loterias para ascensão às escolas. Isso porque, ao adicionar aleatoriedade ao processo de seleção, eles permitem uma inferência causal mais forte, indo além de mera correlação.

10 Betts, Julian & Y. Emily Tang. 2014. “A Meta-Analysis of the Literature on the Effect of Charter Schools on Student Achievement.” CRPE Working Paper. August 2014.

11 Forster, Greg. 2013. “A Win-Win Solution: The Empirical Evidence on School Choice.” The Friedman Foundation. April 2013.

12 Heckman, James, et al. 2013. “Understanding the Mechanisms through Which an Influential Early Childhood Program Boosted Adult Outcomes.” American Economic Review, 103(6): 2052-86.

13 University of California. “How Aid Works: Student Scenarios”. http://admission.universityofcalifornia.edu/paying-for-uc/how-aid-works/student-scenarios/index.html. Acessado em 7/4/2016.

14 Projeto de Lei 782/2015, do Sen. Marcello Crivella, que “dispõe sobre o pagamento, pelo estudante universitário, de anuidade em instituições públicas de ensino superior”.

15 Projeto de Lei 4643/2012, da Dep. Bruna Furlan, que “autoriza a criação de Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino superior”.

16 National Association of College and University Business Officers. 2015. “NACUBO-Commonfund Study of Endowments.” Disponível em: http://www.nacubo.org/Research/NACUBO-Commonfund_Study_of_Endowments/Public_NCSE_Tables.html. Acessado em 13/4/2016.

17 Ver Lei 8.958/1994 e Lei 12.349/2010, que regulamentam as fundações de apoio às universidades públicas.

18 Secretaria de Educação Superior, Ministério da Educação. 2014. “A democratização e expansão da educação superior no país 2003 – 2014”.

19 O orçamento das universidades públicas federais em 2014 foi de, aproximadamente, 34 bilhões de reais e o número de vagas foi de, aproximadamente, 1,2 milhões.

 

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Melhorar a educação é fundamental para qualquer sociedade crescer de forma sustentável no longo prazo com justiça social. A educação melhora a produtividade dos trabalhadores e de suas firmas, facilitando inovações tecnológicas e a aplicação de novas técnicas gerenciais. Além disso, como a elite econômica de qualquer país já tem um alto nível educacional, aumentos posteriores na escolaridade e na qualidade da educação favorecem principalmente as famílias mais pobres, aumentando a ascensão social e a mobilidade intergeracional e diminuindo a pobreza e a desigualdade.

A agenda social no Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. No passado tinha-se a ideia de que para melhorar a vida dos mais pobres era apenas necessário formar elites esclarecidas, que formulariam políticas econômicas corretas que, por sua vez, ajudariam a reduzir a pobreza indiretamente através do crescimento econômico. Hoje em dia está mais sedimentada a ideia de que as crianças nascidas em famílias mais pobres deveriam ter condições iniciais parecidas com as nascidas em famílias mais ricas, para poderem exercer livremente suas escolhas e também contribuir para o crescimento e desenvolvimento do país, através de um mercado competitivo.

Mas, como a sociedade pode dar condições iniciais iguais para todos? Fornecendo serviços de saúde e educação de qualidade para que as pessoas possam atingir um nível de capital humano no início da vida adulta que os permita competir em igualdade de condições no mercado de trabalho, independentemente de sua condição social. O objetivo de fazer com que as crianças nascidas em famílias pobres consigam sair da pobreza no longo prazo por seus próprios meios. O sucesso pleno do programa bolsa família ocorrerá quando ele não for mais necessário.

No Brasil, o processo de inclusão social mais recente começou com a estabilização da economia em meados da década de 90 e continuou com os programas de transferência condicionais de renda. Nesses programas as famílias mais pobres recebem uma transferência monetária desde que seus filhos frequentem a escola e façam exames de saúde. Esses programas começaram com a Bolsa-Escola, que foi implementada em algumas capitais do país desde a década de 90 e foram unificada aos demais programas sociais no início desse século e transformados no Bolsa-Família. Esses programas são os mais eficazes e modernos existentes atualmente. Várias avaliações de impacto realizadas sobre o programa bolsa-família, por exemplo, mostram que o programa foi efetivo em aumentar o acesso à escola das famílias mais pobres, diminuir a pobreza extrema e a desigualdade, sem afetar a oferta de trabalho dos pais.

Entretanto, programas de transferência de renda não são suficientes para dar condições iniciais iguais para todos, independentemente da condição social. A desigualdade de renda continua elevada no Brasil e a mobilidade entre as gerações ainda é uma das mais baixas do mundo. Mesmo que as famílias mais pobres tenham colocado seus filhos na escola, as condições da criança nos primeiros anos de vida e a qualidade da escola pública impedem que a maioria das crianças mais pobres consiga permanecer na escola até o final do ensino médio.  As que permanecem não conseguem aprender o suficiente para poder ingressar no mercado de trabalho com condições de obter um emprego qualificado no setor formal da economia. Desta forma, a agenda social tem que lidar com esse desafio.

Assim, sugerimos nesse artigo uma proposta para continuar transformando a vida das famílias mais pobres. A ideia é melhorar a qualidade da educação, sugerindo um programa em que o governo federal incentiva os estados e municípios a adotarem práticas eficazes para melhorar o aprendizado nas escolas públicas..

 

Evolução da Educação no Brasil

O principal problema do nosso país é que não conseguimos combinar crescimento da produtividade com avanço social. A Figura 1 mostra isso claramente ao comparar o crescimento dos anos médios de escolaridade no Brasil e em outros países do mundo entre 1960 e 2010. Podemos observar que já em 1960 a população brasileira tinha apenas pouco mais do que dois anos de estudo em média, assim com o México, ao passo que na Coréia a população tinha apenas três anos de escolaridade em média. Nesses países, a maioria da população era analfabeta. Em comparação,a população chilena já tinha mais do que cinco anos de estudo em média e a americana já alcançava nove (ou seja, mais do que o ensino fundamental completo). Entre 1960 e 1980, o Brasil avançou muito pouco em termos educacionais. Nossa prioridade nessa época foi aumentar a produtividade do país através da transferência de grande parcela da população do campo para a cidade, saindo do setor agrícola pouco produtivo para a indústria que crescia. Entretanto, como pensávamos que esse processo iria durar para sempre, nos esquecemos de educar nossos trabalhadores. Enquanto isso,a Coréia atingiaoito anos de escolaridade média já em 1985, o Chile atingiu esse patamar em 1990, ao passo que o Brasil só iria alcançá-lo em 2010 (25 anos após a Coreia). Nos Estados Unidos a população adulta tem quase 14 anos de estudo atualmente.

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O grande avanço brasileiro ocorreu entre 1990 e 2010. Vários fatores podem explicar esse avanço educacional. Em primeiro lugar, a constituição de 1988 incentivou a descentralização da gestão da educação para os municípios e estabeleceu limites mínimos de gastos com educação. Além disso, o Fundef em 1998 redistribuiu os gastos dos municípios ricos com poucos alunos para os municípios pobres com mais alunos, equalizando os gastos por aluno dentro de cada Estado. Além disso, os programas de progressão continuada (ciclos) diminuíram as grandes taxas de repetência que vigoravam no Brasil (cerca de 40%) e assim diminuíram a evasão. Finalmente, os programas Bolsa-Escola e Bolsa-Família aumentaram a frequência escolar entre as famílias mais pobres, pois exigiam essa frequência como contrapartida para a transferência de renda.

Vale notar, porém, que nos últimos anos já está ocorrendo uma desaceleração no ritmo de crescimento educacional. A Figura 2 abaixo mostra a evolução recente dos anos médios de escolaridade para os jovens (22 a 24 anos de idade) no Brasil separadamente para brancos e negros/mulatos. Podemos notar, em primeiro lugar, que existe uma grande desigualdade em termos de acesso à educação por cor, pois os brancos tinham em 1992 dois anos a mais de escolaridade média do que os negros. Essa diferença reflete-se no mercado de trabalho. Entre 1992 e 1999 tanto os brancos como os negros aumentaram em média um ano de estudo. Entre 1999 e 2006, o ritmo de crescimento na escolaridade média aumentou bastante, passando para quase dois anos para os negros e 1,7 ano para os brancos. Isso significa que não apenas o avanço educacional foi impressionante, como a desigualdade se reduziu na medida em que os negros avançaram mais do que os brancos.

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Entretanto, entre 2006 e 2013 o ritmo de avanço declinou para ambos os grupos, embora a desigualdade entre brancos e negros tenha continuado a reduzir-se. Essa redução recente no ritmo de crescimento no acesso à educação significa que dificilmente vamos alcançar a Coreia ou os Estados Unidos no curto prazo.

Uma notícia boa é que a frequência à pré-escola tem melhorado bastante no Brasil. As pesquisas recentes na área de economia da educação têm enfatizado a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento saudável das pessoas. Se a criança cresce em ambientes de pobreza extrema, em situações de estresse tóxico, ela pode sofrer atrasos no desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e sócio emocionais, o que vai prejudicar seu desempenho ao longo da vida escolar. Assim, nessas situações é importante que a criança tenha acesso a uma pré-escola de qualidade, para que possa conviver e interagir com outras crianças e aumentar sua capacidade de aprendizado. A Figura 3 abaixo mostra que entre 1992 e 2013 a porcentagem de crianças brancas e negras que frequentam à pré-escola praticamente dobrou. Vale notar também que a diferença de acesso por cor é pequena quando comparada à diferença de anos médios de escolaridade. Com a diminuição do número de crianças que está ocorrendo hoje no Brasil (em virtude da transição demográfica), essa parcela deve aumentar ainda mais.

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Entretanto, a qualidade da educação tem melhorado pouco e muito lentamente no Brasil. A Figura 4 mostra a evolução do desempenho dos alunos brasileiros nos exames de proficiência realizados pelo INEP (ministério da educação) entre 1995 e 2013. Podemos notar que houve uma queda substancial de desempenho em todos os ciclos entre 1995 e 2003, consequência do maior acesso à escola das crianças nascidas em famílias mais pobres que foi documentado acima. Como as crianças nessas famílias geralmente tem menos investimentos nos primeiros anos de vida, seu desempenho na escola tende a ser pior do que a média.

Entre 2003 e 2013 o aprendizado aumentou significativamente no 5º ano. Vários fatores explicam esse fato. Em primeiro lugar, o aumento na taxa de frequência à pré-escola faz com que as crianças ingressem no ensino fundamental com maior capacidade de aprendizado. Além disso, o aumento educacional das mães e dos pais contribui para aumentar os estudos em casa e consequentemente também afetam a melhora do aprendizado. Estudos mostram que a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos também contribuiu para a melhora do aprendizado. Por fim, iniciativas de melhora de gestão em alguns municípios, tais como Sobral e Foz do Iguaçu, também obtiveram bons resultados.

Entretanto, a grande preocupação é com a estagnação da qualidade da educação no 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio. Isso significa que os avanços obtidos no 5º ano não estão chegando até as series finais. Ou seja, apesar do aumento de acesso à educação ocorrido nas últimas décadas, o aprendizado médio dos alunos que concluem o ensino médio permanece abaixo do nível de 1995.

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Na comparação internacional, nosso desempenho educacional também é preocupante. A Figura 4, por exemplo, mostra a distribuição de proficiência dos alunos brasileiros no exame PISA de 2012 em comparação com os alunos da OECD. Podemos notar que apenas 33% dos alunos brasileiros tem desempenho acima do nível 1, que pode ser considerado sofrível e que 35% tem desempenho abaixo desse nível, ou seja, praticamente não entenderam nenhuma questão da prova. O pior é que a maioria dos nossos futuros professores encontra-se nesse nível. Na OECD, por outro lado, quase 80% dos alunos está acima do nível 1 e somente 5% está abaixo desse nível. Assim, o nosso foco tem que ser em melhorar a qualidade da educação. Como fazê-lo?

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Razões para a Baixa Qualidade da Educação

O aprendizado dos alunos nas escolas públicas é muito baixo por vários motivos. Em primeiro lugar, como vimos acima, os alunos muitas vezes já chegam à escola com sérias deficiências no seu desenvolvimento cognitivo e sócio emocional. O background familiar (nível socioeconômico das famílias) é muito importante para o desempenho dos alunos, explicando cerca de ¾ do seu desempenho em testes padronizados. Mas, melhorar o background familiar leva bastante tempo e nosso problema educacional é urgente.

Com relação aos professores, nosso principal problema é que o ensino de graduação em grande parte das faculdades de pedagogia é fraco, teórico e com pouca ênfase na prática em sala de aula. Não há um currículo mínimo mostrando o que cada professor deve ensinar em cada série. Os diretores das escolas muitas vezes são escolhidos por critérios políticos e costumam ficar pouco tempo nas escolas, especialmente nas piores escolas.

Os secretários de educação, de forma geral, não enfatizam a meritocracia no sistema educacional. Poucos utilizam avaliações externas para guiar políticas educacionais. Muitos resistem a apoiar políticas de ciclos (progressão continuada), por questões políticas. Finalmente, o tempo de aula efetivamente ministrado nas escolas públicas é mínimo. Alunos no ensino médio têm cerca de 2 horas de aula efetivas em média por dia, o que é claramente insuficiente para melhorar seu aprendizado. Assim, para melhorar o aprendizado dos nossos alunos faz-se necessário um pacote de medidas que ataquem as várias deficiências existentes em todos os elos da cadeia: aluno-família-faculdades de pedagogia-professor-diretor-secretários de educação.

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O Financiamento da Educação

Há uma série de distorções no financiamento para a educação que devem ser resolvidas independentemente da questão de aumento de gastos ou de melhora na gestão dos recursos atuais. A Constituição de 1988 vinculou os gastos com educação às receitas de certos impostos (18% para União e 25% para estados e municípios). Porém, havia grande disparidade de recursos aplicados à educação entre municípios, uma vez que suas receitas também são díspares. O FUNDEF foi instituído para amenizar tal problema. Através do FUNDEF, municípios e estados contribuíam para um fundo estadual com 20% das receitas de certos impostos (ver Tabela 1) e o montante desse fundo era redistribuído de acordo com o número de matrículas no EF. Assim, os municípios mais ricos com poucos alunos transferem recursos educacionais para os municípios mais pobres que atendem mais alunos. De acordo com as regras do FUNDEF, 60% dos recursos dos fundos deveriam ser usados com remuneração dos profissionais do magistério.

Em 2007 o FUNDEF foi transformado em FUNDEB. Enquanto no FUNDEF os recursos eram distribuídos na proporção dos alunos do ensino fundamental, os recursos do FUNDEB são distribuídos com base em uma medida que pondera os alunos de cada rede em diferentes níveis de ensino (infantil, fundamental e médio). Além desses recursos, sempre que um estado não atinge o valor mínimo por aluno, fixado todos os anos pelo governo federal para o Brasil todo, o governo federal faz a complementação. Os estados que recebem verbas da União para o FUNDEB são: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba e Piauí.

A partir de 2010, o valor mínimo gasto por aluno em todo o Brasil passou a ser fixado de forma que o governo federal contribua com 10% do total arrecadado pelos demais entes federados para o ensino básico. Assim, sempre que a arrecadação total dos estados e municípios aumenta, o montante destinado ao FUNDEB também aumenta e o montante a ser gasto pelo governo com educação básica também. Ou seja, os gastos com ensino básico dependem do desempenho da economia, o que parece algo bastante lógico.

Desses 10% a serem gastos pelo governo federal, 90% deve ser distribuído com base no número de alunos em cada município para garantir o gasto mínimo por aluno estabelecido nacionalmente (ou seja faz parte do Fundeb). Além disso, até 10% (ou seja, 1% da complementação da união) pode ser distribuído para programas direcionados para melhoria da qualidade da educação básica. Esses recursos somam cerca de R$1 bilhão atualmente e podem ser livremente alocados pelo governo federal. A Tabela 2 apresenta as estimativas de arrecadação total do FUNDEB por ano, assim como o aporte de recursos do governo federal para o Fundo.

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Entretanto, há uma distorção no sistema de gastos com a educação que deve ser ressaltada. A Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, estabeleceu um piso salarial nacional para o magistério de 950 reais para os professores com formação de nível médio, na modalidade “normal”, em uma jornada de 40 horas semanais. A lei também estabelece que o piso nacional deve ser reajustado anualmente, sendo acrescido o mesmo percentual do aumento do gasto mínimo por aluno previsto do ano anterior (que depende do montante arrecadado pelos estados e municípios). A Tabela 3 apresenta o gasto mínimo previsto no final do ano anterior (que é usado para definir o piso salarial do ano seguinte) e o consolidado (que só é definido durante o próprio ano vigente) nos últimos anos.

Como a maior parte dos gastos com educação são salários dos professores, essa lei tem grande importância para definição dos gastos. Mas, existem três problemas principais com essa lei. O primeiro é que em caso de uma situação de recessão econômica, como a que ocorre atualmente, o gasto mínimo consolidado tenderá a ser menor do que o gasto previsto, mas isso não muda o piso salarial dos professores, que foi definido com base no gasto previsto no final do ano anterior. A Tabela 3 mostra que isso ocorreu em 2012, quando o gasto mínimo previsto no final de 2011 (que reajustou o piso salarial de 2012) foi de 22%, enquanto o gasto mínimo consolidado aumentou somente 9,44%, em linha com o crescimento da arrecadação dos estados e municípios (ver Tabela 2). Assim, nesses casos, vários Estados e Municípios não têm condições de pagar o piso.

Além disso, mesmo no caso em que o gasto mínimo previsto diminua com relação ao ano anterior, não é possível diminuir o salário dos professores, o que também acarreta estrangulamento dos gastos municipais. Por fim, se a arrecadação de um município crescer menos do que a média nacional prevista no ano aterior, esse município terá que aumentar a parcela de recursos destinados ao pagamento de professores para que possa cumprir o piso salarial. Isso fará com que o município tenha que diminuir todas as outras despesas educacionais para poder cumprir a lei.

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Outra distorção ocorre com a distribuição dos gastos entre os níveis de ensino. O ensino superior apropria aproximadamente 15% dos gastos públicos em educação (R$ 39 bilhões em 2013) e aproximadamente 50% dos gastos federais (39 bilhões em 2013), mas tem apenas 3% do total de alunos. Assim, enquanto o ensino básico gasta 23% do PIB per capita por aluno, o ensino superior gasta 89%. Ou seja, cada aluno do ensino superior público recebeu investimentos de R$21000 em 2013, enquanto seu equivalente no ensino básico recebeu somente R$5500. Poderíamos argumentar que os gastos com educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por aluno no ensino superior é somente duas vezes maior do que no ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar o fato de que muitos dos alunos que hoje frequentam o Ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no Ensino básico.

Com relação ao montante total de gastos, a principal concepção equivocada na área educacional é que bastaria aumentar os gastos com educação para atrair melhores professores que a qualidade melhorará automaticamente. Como o Plano Nacional de Educação prevê aumento de gastos com educação para 10% do PIB, com ajuda dos royalties do pré-sal, o problema educacional estaria resolvido. O equívoco desta visão é que não há relação automática entre gastos e proficiência. Países com desempenho excelente no PISA 2012, como Vietnam, por exemplo, gastam pouco como proporção do PIB. Os Estados Unidos é o país que mais gasta com educação e seu desempenho é mediano.

Atualmente o gasto público direto com educação no país equivale a 5,2% do PIB, ou seja, R$ 260 bilhões, em valores de 2013 (ver Tabela 4).1 Desse total, 85% são gastos com educação básica, o que significa que cada aluno do Ensino básico recebe um investimento médio de R$ 5,500mil, equivalente a 23% do nosso PIB per capita. Países da OCDE gastam em média 26% do seu PIB per capita com Educação básica. A Coreia gasta 30%, o Chile 18% e o México 15%.

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Em suma, como porcentagem do PIB per capita o Brasil gasta praticamente o mesmo que a OCDE, um pouco menos do que a Coreia e bem mais do que o Chile, que tem um desempenho melhor do que o brasileiro no PISA. O Brasil gasta menos por aluno do que grande parte dos países da OCDE porque seu PIB per capita é menor. Além disso, Brasil gasta muito com ensino superior e pouco com ensino básico. Finalmente, o Brasil perde muitos recursos com a alta taxa de repetência que persiste no nosso sistema educacional. Assim, se não mudarmos o modo como os recursos educacionais são gastos no sistema, mais recursos não levarão a um aumento de qualidade.

 

O Papel da Gestão

Enquanto nossos dirigentes fazem planos mirabolantes para melhorar a educação no Brasil, tais como o Plano Nacional de Educação, o aprendizado dos nossos alunos nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio continua estagnado, como vimos acima. O nosso principal problema está na gestão dos nossos sistemas municipais e estaduais de ensino. E para melhorar a gestão é preciso ter diretores e secretários de educação com capacidade gerencial e escolas mais autônomas, que tenham liberdade para implementar as políticas que julgarem adequadas para aumentar o aprendizado.

Várias pesquisas mostram que uma gestão mais eficiente pode melhorar muito o aprendizado. Uma pesquisa publicada recentemente em uma importante revista acadêmica de economia conseguiu mensurar e quantificar o impacto da gestão sobre o aprendizado dos alunos em escolas de vários países, incluindo o Brasil.2 Essa pesquisa mediu a qualidade das práticas gerenciais em 1800 escolas públicas e privadas de ensino médio em sete países: Reino Unido, Suécia, Canada, EUA, Alemanha, Itália, Brasil e Índia (ordenados em ordem decrescente de qualidade de gestão).

A pesquisa mostrou que a qualidade da gestão de cada escola está bastante relacionada com a nota dos seus alunos nos exames padronizados em cada país. Ou seja, nas escolas com melhores práticas gerenciais os alunos têm notas melhores. Além disso, escolas públicas com maior autonomia de gestão (como as “escolas charter” nos EUA, as “acadêmicas” no Reino Unido ou as “escolas de referência” em Pernambuco) adotam práticas gerenciais melhores e, consequentemente, têm melhores notas.

As escolas brasileiras apresentaram índices de gestão muito baixos, superando apenas as indianas. Elas são ruins principalmente no modo como os professores e funcionários são gerenciados, pois os professores muito bons, assíduos e efetivos ganham o mesmo salário que os demais, que não podem ser demitidos. As exceções são as escolas privadas e as escolas de referência de Pernambuco, que têm maior flexibilidade para adotar práticas gerenciais modernas e mais efetivas.

Essa pesquisa traz contribuições importantes que podem ser utilizadas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. A primeira é que o nosso principal problema na área da educação parece ser a baixa capacidade gerencial daqueles que administram a maioria das nossas escolas e redes de ensino e a legislação extremamente restritiva adotada pelos estados e municípios. Se não modificarmos isso urgentemente, todos os outros programas idealizados para melhorar a educação, tais como a educação em tempo integral, a utilização de novas tecnologias, o currículo mínimo e os aumentos nos salários dos professores resultarão apenas em pequenas melhorias locais de aprendizado, sem resultados efetivos em larga escala. A falta de capacidade gerencial dos nossos gestores é um gargalo que impede que esses programas bem desenhados resultem em melhorias de proficiência em escala nacional.

Outra questão importante é que as nossas escolas precisam de maior autonomia para gerenciar seus professores e funcionários, monitorar o aprendizado de todos os alunos, implementar metas de aprendizado que devam atingidas por todos e cobrar resultados daqueles que falham persistentemente em atingir essas metas. Além disso, chegou a hora de permitir que os alunos da rede pública sejam atendidos em escolas gerenciadas privadamente, mais autônomas, sem as “amarras” da legislação educacional local. A experiência das “escolas acadêmicas”, introduzidas durante o governo trabalhista da Inglaterra para recuperar escolas que apresentavam desempenho abaixo do normal deve ser um exemplo a ser seguido no Brasil.

Um caso recente de sucesso na área de gestão na própria educação brasileira é o município de Sobral no Ceará. Apesar de estar localizado numa região relativamente pobre, Sobral conseguiu melhorar dramaticamente o aprendizado de seus alunos, através de sucessivas reformas educacionais que focaram principalmente a gestão.A Figura 6 abaixo mostra que em 2005 os alunos da rede pública de Sobral tinham um IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 4, igual à média brasileira, acima do estado do Ceará como um todo, e muito abaixo das escolas privadas do estado de São Paulo. Entre 2005 e 2013, o IDEB de Sobral praticamente dobrou, alcançando um nível educacional maior do que a média dos países da OCDE e acima da rede privada do estado de São Paulo.

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As reformas em Sobral começaram com a aceleração da municipalização do ensino, para que todas as escolas do primeiro ciclo ficassem sob a responsabilidade do município. Também houve fechamento das escolas menores, distantes e com pouca infraestrutura, concentrando os alunos nas escolas maiores. O foco inicial estava na alfabetização, com a instituição do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), introdução de um ano mais no ensino fundamental (bem antes dos outros estados e municípios) e um currículo de alfabetização bem definido. Foi aplicado o conceito de “autonomia com responsabilidade”, de forma que os diretores e professores tinham autonomia para atuar na escola, mas tinham que prestar contas para a secretaria de educação, para que ela pudesse avaliar e cobrar resultados.

Mesmo dando liberdade para os professores com relação à atuação dentro das salas de aula, Sobral desenvolveu um material próprio, distribuído para todos os docentes. Eles também passaram a receber formação continuada durante todo o ano letivo em cursos oferecidos pela Secretaria. A diferença da abordagem sobralense é que a formação dos professores tinha caráter pragmático. As aulas não giravam em torno de metodologias pedagógicas e discussões teóricas. Os professores recebiam instruções sobre como utilizar o material pedagógico dentro da sala de aula, de forma que se maximizasse o aprendizado do aluno. A formação era muito mais prática do que teórica.

Além disso, Sobral desenvolveu um sistema de avaliação externa às escolas, onde todos os alunos da rede municipal passavam por exames semestrais. Essas avaliações eram iguais para todas as turmas, e a Secretaria comparava o desempenho dos professores e das escolas.  Com base nessa avaliação externa, foi desenvolvido um projeto de gratificação por desempenho. A gratificação era dada tanto para diretores quanto para professores. Os professores ganhavam o bônus caso a nota média dos alunos na avaliação externa semestral atingisse as metas estabelecidas pela Secretaria. No caso dos diretores, suas gratificações eram baseadas no rendimento das escolas nas avaliações da prefeitura. A prefeitura instituiu um prêmio para as melhores escolas, que era redistribuído entre todos os funcionários.

O caso de Sobral ilustra claramente que é possível melhorar a qualidade da educação no Brasil, mesmo em municípios mais pobres, desde que os gestores estejam preparados para enfrentar os interesses corporativistas e adotar reformas com foco em melhorar a gestão para obtenção de resultados.

 

Propostas para melhorar a Educação

Em termos de financiamento à educação, seria necessário diminuir a parcela de recursos que vai para o ensino superior público e direcioná-los para o ensino infantil, que é a nossa prioridade. Além disso, o Piso Salarial dos professores deve ser definido localmente e vinculado às receitas reais de cada estado e seus municípios e não à receita média do país como um todo previsto no ano anterior. Esse piso salarial deve variar também de acordo com o custo de vida local.

Em termos de gestão, devemos estabelecer um “Programa de Incentivo à Efetividade (PIE)”. Segundo esse programa, devemos transferir parte dos recursos educacionais da união para os estados e municípios com base em um indicador de eficiência educacional de cada unidade da federação. As unidades que mais evoluíssem nesse indicador obteriam mais recursos desse programa. O governo federal daria apoio às unidades para que elas possam atingir as metas.O PIE seria composto dos seguintes itens:

  • Adesão à Base Nacional Comum da Educação, que estabelece padrões curriculares mínimos para cada série. Essa adesão é importante para que os professores em todo o país saibam o que os alunos devem saber em cada série. Além disso, com a Base, os diretores e professores de cada escola podem ser cobrados mais facilmente caso seus alunos não atinjam o nível de aprendizado mínimo.
  • Uso de avaliações externas anuais para acompanhar aprendizado de todos os alunos. O artigo de Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen (2015) mostra claramente que isso é uma boa prática gerencial que afeta sobremaneira o desempenho dos alunos nos exames de proficiência.
  • Porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia. Um dos poucos fatos estilizados que aparecem em quase todas as pesquisas educacionais é que os alunos que passam mais tempo aprendendo português e matemática tem um desempenho melhor nos exames padronizados. Assim, a forma mais eficaz de aumentar os gastos com educação é expandindo o tempo de aula dessas matérias.
  • Valorização do bom professor com o uso do regime probatório para avaliação de professores efetivos e demissão de professores não efetivos. Essa é uma possibilidade que a legislação permite e que não é utilizada pela grande maioria das redes escolares. Existem hoje em dia vários métodos sofisticados para avaliar o desempenho dos professores em sala da aula. As pesquisas mais recentes mostram que não se deve basear essas avaliações somente em notas dos alunos, mas também no seu comportamento em sala.
  • Permissão para o funcionamento de escolas charter (O.S. educacionais), que atendem alunos da rede pública, mas que tem gerenciamento privado. Há evidencias na área de saúde de que os hospitais gerenciados por O.S. (Organizações Sociais) têm qualidade melhor do que os gerenciados pelo sistema público. Uma grande parcela das creches nas grandes cidades (inclusive na cidade de São Paulo) são geridas por O.S. Cada unidade da federação pode mudar a legislação permitindo o mesmo para o ensino básico.
  • Intervenção nas piores escolas com fechamento dessas escolas ou intervenção com objetivo de melhorar as notas na Prova Brasil. Existem escolas que apresentam desempenho pífio em termos de aprendizado por vários anos seguidos. Os munícipios devem interferir nessas escolas e passar seu gerenciamento para as O.S., como foi feito no caso da Inglaterra, com as “escolas acadêmicas”. Pesquisas econométricas mostram que essas escolas tiveram um desempenho melhor do que as escolas ruins que não viraram acadêmicas.

 

Conclusões

Temos que melhorar a educação no Brasil para que possamos crescer mais, com mais produtividade e justiça social. Para isso, precisamos nos afastar das concepções equivocadas e focar na melhora da gestão, como foi feito em alguns municípios brasileiros. É necessário que essas experiências bem sucedidas no campo da gestão sejam expandidas para os demais municípios. O Programa de Incentivo à Efetividade seria um caminho nessa direção, pois mostraria que o país acredita que as melhores práticas na área da educação devem ser aplicadas em todas as nossas redes de ensino, para que possamos melhorar rapidamente o aprendizado dos nossos alunos.

 

Este artigo foi originalmente publicado na revista Interesse Nacional, na edição de nº 31 (outubro- dezembro de 2015). A reprodução do artigo neste site foi expressamente autorizada pelo autor e pelo editor da revista.

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1 O gasto público total (que inclui estimação de complemento de aposentadoria futura para o pessoal ativo) é de 6,2%.

2Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen, “Does Management Matter in Schools?”, Economic Journal. 2015.

 

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O Governo Federal gasta pouco com educação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2478&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-governo-federal-gasta-pouco-com-educacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2478#comments Mon, 20 Apr 2015 14:04:26 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2478 1. Os números

A área de educação foi bastante privilegiada em termos de alocação de recursos federais na última década. A Tabela 1 mostra a evolução do gasto federal como proporção da receita líquida, dividindo-o em grandes grupos de despesa1. Percebe-se que, à exceção da despesa de pessoal, todos os demais itens ali retratados tiveram forte expansão e passaram a consumir parcelas crescentes dos recursos orçamentários disponíveis. A educação desponta como o item de despesa que mais cresceu. Em 2004 os desembolsos para o setor equivaliam a 4% da receita líquida do Tesouro, tendo passado a 9,3% em 2014. Um salto nada desprezível de 130%.

Tabela 1 – Diversos Itens de Despesa do Governo Federal: 2004 a 2014 (% da Receita Líquida do Tesouro Nacional)

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O Gráfico 1 mostra a evolução da despesa federal em educação em reais (corrigidos pela inflação para valores de 20142) e em porcentagem do PIB3. Nota-se que, de fato, a despesa quase quadruplicou no período em termos reais, passando de R$ 24,5 bilhões em 2004 para R$ 94,2 bilhões em 2014, o que equivale a 1,71% do PIB (em proporção do PIB o aumento foi de 2,3 vezes).

Gráfico 1 – Despesa do Governo Federal na Função Educação: 2004 a 2014 (R$ Bilhões de 2014 e % do PIB)

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Essa despesa superou o montante mínimo de despesa obrigatória em educação. De acordo com o art. 212 da Constituição, a União deve aplicar, no mínimo, 18% de sua receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. O Gráfico 2 mostra que ao longo de toda a década analisada o gasto superou esse patamar mínimo. Em especial, nos últimos três anos da série o gasto superou bastante o limite. Somente nos três últimos anos da série (2012-2014) a União gastou R$ 43,1 bilhões acima do limite mínimo (uma média de R$ 14,4 bilhões a mais por ano), conforme retrata a Tabela 2.

Gráfico 2 – Despesa do Governo Federal com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino: 2004 a 2014 (% da Receita de Impostos)

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Tabela 2 – Valor Mínimo Constitucional e Valor Efetivamente Gasto em Educação pelo Governo Federal: 2012 a 2014

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Abrindo-se a despesa nos tradicionais “grupos de natureza da despesa” (GND) temos o quadro mostrado na Tabela 3. Houve grande impulso nos investimentos e inversões financeiras (em especial, o Programa FIES, analisado adiante) que cresceram mais de 1.000% em termos reais no período. Os gastos com pessoal e outras despesas correntes que, em termos absolutos, representam mais de 70% da despesa total, também cresceram bastante.

Tabela 3 – Despesa do Governo Federal em Educação por Grupo de Natureza da Despesa: 2004 a 2014

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A Tabela 4 mostra o gasto em maior detalhe. Nela separou-se toda a despesa de pessoal das demais despesas, classificando-se essas últimas de acordo com ações orçamentárias agrupadas por grandes temas. O maior destaque fica para a expansão do financiamento para estudantes de ensino superior matriculados em escolas privadas. Esse programa, conhecido como “Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)”, já é o maior item de desembolso federal em educação, a exceção dos gastos em pessoal. Consumiu R$ 13,8 bilhões em 2014, o que representa um crescimento real de 1.100% em relação às cifras de 2004. Sozinho já representa 15% de toda a despesa federal em educação.

Tabela 4 – Despesa do Governo Federal em Educação em Pessoal e Encargos Sociais e em Grupos de Ações nas Demais GND: 2004 a 2014 (R$ Bilhões de 2014)

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É verdade que o FIES não é exatamente uma despesa, mas sim uma “inversão financeira”, ou seja, um empréstimo que o Governo Federal faz aos estudantes, e que deverá ser quitado por eles no futuro. Assim, a despesa atual (que corresponde ao total desembolsado pelo governo, a cada ano, com o pagamento das mensalidades escolares dos beneficiários) tem como contrapartida uma receita futura, sob a forma de quitação dos débitos pelos estudantes. Mas também é verdade que os juros reais cobrados nessa linha de financiamento são negativos, e não há no orçamento qualquer rubrica para registrar os subsídios creditícios daí decorrentes (o que acaba por subestimar a despesa). Ademais, é alta a perspectiva de inadimplência, visto que os mecanismos de aval e fiança utilizados nessa modalidade de crédito estudantil foram bastante flexibilizados nos últimos anos.

Ainda que no futuro haja o repagamento de parte desses empréstimos, melhorando a situação patrimonial do governo, o impacto imediato sobre a demanda agregada (e portanto, sobre a inflação) ocorre como se esta fosse uma despesa como qualquer outra. Por fim, deve-se considerar que mesmo excluindo-se os desembolsos do FIES (vide última linha da Tabela 4) tem-se um crescimento real de 245% da despesa com educação.

Outro item que chama atenção na Tabela 4 é a despesa da União com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Esse fundo tem por objetivo complementar o financiamento do ensino fundamental, da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos; que são providos pelos estados e municípios. O FUNDEB4 substituiu, em 2006, o FUNDEF que se restringia ao financiamento do ensino fundamental (1º ao 9º ano), expandindo os valores que a União fica obrigada a transferir a estados e municípios.

A Tabela 5 apresenta, em maior detalhe, a impressionante escalada dos desembolsos com o FIES e com o FUNDEF/FUNDEB. No caso do FUNDEF/FUNDEB percebe-se o grande salto na despesa no ano de 2007, quando as novas regras, instituídas com a aprovação do FUNDEB no ano anterior, passaram a ter impacto financeiro. Já o FIES deslanchou a partir de 2010, quando foi reduzida a taxa de juros do financiamento e facilitado o acesso ao crédito concedido pelo programa.

Tabela 5 – Despesa do Governo Federal em Educação com FIES e FUDEF/FUNDEB: 2004 a 2014

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O terceiro item de forte expansão do gasto, registrado na Tabela 4, refere-se ao setor de educação profissional e tecnológica. De fato, o Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) teve grande destaque nos debates eleitorais de 2014, evidenciando sua importância como prioridade de governo. As despesas nessa área subiram 1.533% em termos reais entre 2004 e 2014, alcançando R$ 7,1 bilhões no último ano da série.

Ainda entre os grandes itens de despesa mostrados na Tabela 4, destaca-se o funcionamento e investimento em universidades federais. Entre 2003 e 2014 foram criadas nada menos que 18 novas universidades federais. As universidades já existentes, por sua vez, ampliaram fortemente o número de vagas e expandiram suas instalações físicas. Com isso, chegou-se a 2014 com gastos no setor da ordem de R$ 8,8 bilhões, mais que o triplo, em termos reais, que o gasto em 2004.

Note-se a inércia que se cria no gasto público ao se fazer investimento pesado na criação ou expansão de universidades. Isso requererá mais gastos correntes no futuro, com a contratação de professores e funcionários, bem como com a aquisição de equipamentos e manutenção das instalações.

Chama atenção, também, a expansão da despesa com bolsas de estudo para o ensino superior, com expansão real de 562% no período, atingindo R$ 5,1 bilhões em 2014. Além das concessões regulares de bolsas para mestrado e doutorado, essa rubrica inclui o Programa Ciência sem Fronteiras, que passou a incluir os alunos de graduação entre os elegíveis a bolsas de estudos no exterior, antes restrita aos mestrandos e doutorandos.

Esses dados não contam toda a história dos dispêndios federais em educação. Há, ainda, os chamados “gastos tributários”, que representam as políticas públicas que, em vez de serem custeadas por gastos do Tesouro, o são por isenções e desonerações tributárias5. A Tabela 6 apresenta as estimativas da Receita Federal para esses gastos tributários. Percebe-se um forte aumento real de 324%, com os valores de 2014 atingindo R$ 8 bilhões. Os principais itens são os descontos com despesas em educação no Imposto de Renda e a isenção tributária concedida a instituições de ensino consideradas como sendo “sem fins lucrativos”. Os aumentos reais nesses dois itens decorrem, provavelmente, da própria expansão do acesso ao ensino privado decorrente das políticas do MEC e da elevação da renda da população.

Tabela 6 – Gastos Tributários do Governo Federal na Área da Educação: 2004 e 2014 (R$ Milhões de 2014)

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Deve-se chamar atenção para o terceiro item da lista, que é o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que não existia em 2004 e que, em 2014, consumiu R$ 601 milhões em benefícios tributários. O PROUNI consiste em aquisição de vagas em universidades privadas para alunos de baixa renda, por meio de concessão de benefícios fiscais.

A Tabela 7 consolida os gastos registrados no Orçamento Geral da União (Tabela 4)  com os gastos tributários (Tabela 6), indicando um dispêndio total em 2014 de R$ 102,2 bilhões. Um incremento real de 288% em relação ao ano de 2004.

Tabela 7 – Despesas do Orçamento Geral da União e Gastos Tributários do Governo Federal na Área da Educação: 2004 e 2014 (R$ Milhões de 2014)

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2. O que significam esses números?

Tal expansão de gastos pode ser considerada algo muito positivo para o país, se os programas nos quais o dinheiro está sendo aplicado efetivamente derem retornos à sociedade em termos de melhor qualificação da população, aumento de produtividade, ganhos de renda, redução das desigualdades de oportunidade, etc. Por outro lado, pode representar um aumento de custos sem retorno social se os programas federais voltados à educação forem ineficientes. Nesse caso, a sociedade estaria pagando mais impostos para custear serviços que não lhes dão o esperado retorno.

Em que situação estamos? Não é fácil dizer, porque são muito escassos no país os estudos de avaliação de programas públicos, tanto ex-ante, para definir a necessidade de criação de uma nova política; quanto ex-post, para checar se tal política está gerando os resultados desejados e para comparar seus custos a seus benefícios. As ações parecem decorrer de pressões políticas e impressões superficiais acerca da importância desse ou daquele tipo de programa.

Tomemos como exemplo o FIES. Em apenas quatro anos, entre 2010 e 2014, os gastos com o programa cresceram de R$ 1,2 bilhão para R$ 13,8 bilhões. Multiplicaram-se os alunos e as escolas privadas financiadas pelo programa. Várias dessas escolas viraram potências empresariais, com ações em bolsa de valores, financiadas principalmente pelos recursos do programa. Tudo isso sem que tenham sido respondidas questões básicas (também aplicáveis ao PROUNI), tais como:

  • Os cursos feitos pelos alunos financiados têm qualidade mínima, de modo que o gasto no seu financiamento retornará à sociedade no futuro, sob a forma de profissionais qualificados?
  • Os alunos selecionados para receber o financiamento têm um padrão mínimo de desempenho acadêmico que dê garantias mínimas à sociedade de que aproveitarão o subsídio público que estão recebendo?

É alvissareira a sinalização recente do Governo Federal de que pretende criar alguns critérios de mérito na distribuição do benefício como, por exemplo, exigir uma nota mínima no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) aos alunos candidatos ao financiamento do FIES. Da mesma forma sinaliza-se a concentração do financiamento em cursos que cumpram requisitos mínimos de qualidade. Isso, contudo, não parece suficiente para chancelar o programa como sendo uma iniciativa de retorno positivo para a sociedade. É preciso que se avalie com muito mais rigor os potenciais ganhos e custos de um programa antes de multiplicar seus gastos.

Destaque-se que o MEC, quando avalia a qualidade do curso, leva em consideração somente aspectos objetivos da estrutura e corpo docente: número de laboratórios, bibliotecas, número de professores com doutorado, etc. Não é apresentada nenhuma estimativa do retorno obtido por alunos formados em determinado curso. Sem essa medida, torna-se muito difícil fazer qualquer avaliação de custo-benefício do curso que está sendo analisado.

O mesmo tipo de consideração pode se aplicar aos demais programas federais em educação. Que tipo de estudo considerou meritório promover rápida expansão das universidades federais? Fez-se alguma avaliação das vantagens naturais de cada cidade para abrigar cursos específicos (proximidade com segmentos econômicos que demandam mão de obra com qualificação específica, existência de um polo de pesquisas já consolidado na região, etc.)? Ou foram apenas criadas universidades públicas que oferecem cursos em todas as áreas, multiplicando-se um modelo que já mostra grandes problemas nas universidades já existentes? Não seria o caso de ampliar o financiamento das escolas bem avaliadas e bem sucedidas, fechando-se ou reduzindo-se aquelas de pior desempenho?

Ademais, os gestores das universidades públicas mais antigas constantemente reclamam de falta de verbas e más condições para o ensino e pesquisa. Não seria o caso de concentrar os investimentos na recuperação e melhoria das instituições já existentes, para evitar sua deterioração e perda de patrimônio público, antes de se criar novas universidades?

Quais os resultados efetivos trazidos pelo Programa Ciência sem Fronteiras? Seriam casos isolados, aqueles retratados por matérias jornalísticas dando conta de alunos sem preparo e sem conhecimento do idioma do país onde foram estudar? Os cursos de graduação no Brasil estariam tão defasados que, para formarmos profissionais com um mínimo de competência, temos de enviá-los para o exterior? Ou estaríamos financiando um grande número de estudantes sem maturidade para o trabalho científico? Pouco se sabe, pouco se avaliou.

Também pouco se conhece sobre o impacto positivo do PRONATEC na empregabilidade e renda de seus alunos depois de formados, ou sobre a adequação dos currículos dos cursos às exigências do mercado de trabalho.

O que temos, em suma, é uma aposta. Escolheram-se alguns programas para serem turbinados. Despejou-se soma considerável de recursos em cada um deles, sem uma adequada hierarquização de prioridades ou avaliação do impacto de cada um deles. Espera-se que, com sorte, eles tragam resultados no futuro.

É digno de nota que, com exceção do Fundeb, os maiores aumentos de gastos foram direcionados para as etapas finais do ensino – cursos técnicos e ensino superior. Uma reorientação de gastos, privilegiando as etapas iniciais da educação, provavelmente repercutiriam mais positivamente sobre a distribuição de renda e produtividade da mão de obra em geral. A Tabela 8, construída a partir dos dados da Tabela 4, mostra que (excluindo-se a despesa de pessoal e outros itens de despesa para os quais não é possível associar um nível específico de ensino) a destinação de verbas para os programas ligados ao ensino superior e profissional passaram de 55% para 63% da despesa, havendo uma contração da participação das verbas dedicadas à educação básica na despesa total.

Tabela 8 – Despesa do Governo Federal em Educação: programas voltados para ensino superior e profissional vs.programas voltados para educação básica: participação % no total

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Em um país sujeito a fortes restrições fiscais, essa não parece ser a melhor forma de gerenciar os serviços públicos. Talvez seja por isso que estejamos testemunhando a contradição entre um governo que gasta cada vez mais em educação (e em outras políticas públicas) e uma população cada vez mais insatisfeita com os serviços que recebe.

 

Esse texto foi originalmente publicado como Boletim Legislativo nº 26 da Consultoria Legislativa do Senado. O autor agradece os comentários e sugestões de Alexandre Rocha, Carlos Murilo de Carvalho, Paulo Springer de Freitas, Tatiana Britto, Fernando Álvares Correa Dias, Pedro Fernando Nery, Mansueto Almeida e ao corpo técnico do FNDE que prestou informações relevantes sobre o Programa FIES. Bruna Abra Paggiaro e o serviço de pesquisa de informações da Consultoria Legislativa do Senado auxiliaram no levantamento de informações. Os eventuais erros e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva do autor.

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1 O conceito de despesa utilizado ao longo de todo o texto é o de despesa paga mais restos a pagar pagos e inclui as inversões financeiras (GND 5).

2 A correção inflacionária é feita com base na variação do IPCA acumulado entre junho de cada ano e julho de 2014. Tal procedimento é usado em todos os deflacionamentos apresentados no texto.

3 Os dados de PIB utilizados neste texto já são aqueles divulgados pelo IBGE após recente revisão (março de 2015) da metodologia de contas nacionais.

4O FUNDEB foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, que vigorou de 1998 a 2006.

5 Definição precisa do conceito de gasto tributário utilizado pela Receita Federal pode ser obtida em seus relatórios anuais de demonstrativos de gastos tributários, disponível em http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/gastos-tributarios/previsoes-ploa/arquivos-e-imagens/demonstrativos-dos-gastos-tributarios-dgt

 

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A desigualdade de renda parou de cair? (Parte III) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-iii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2041#comments Tue, 29 Oct 2013 13:44:19 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2041 O texto da semana passada mostrou como o mercado de trabalho atuou no sentido de reduzir a desigualdade de renda desde pelo menos o início da primeira década do século XXI. Argumentou-se, naquele texto, que as condições que levaram à redução da desigualdade podem não se reproduzir nos próximos anos, o que faria com que a trajetória de queda se interrompesse.

O presente texto analisa o impacto das políticas sociais mostrando que, também nesse caso, os ganhos mais fáceis em termos de redistribuição já foram obtidos, podendo-se prever redução do seu efeito redistributivo nos próximos anos.

De acordo com IPEA (2013)1, aproximadamente 40% da queda da desigualdade entre 2002 e 2012 decorreu de políticas governamentais, sendo os seguintes os impactos individuais de cada política: aumento do valor real das aposentadorias de menor valor, indexadas ao salário-mínimo (21%); expansão do Bolsa Família (12%) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) (6%). Souza e Medeiros (2013)2, analisando a variação da desigualdade entre 2002 e 2009, chegam a números similares.

Trata-se de impacto significativo: as políticas sociais estão, de fato, ajudando a reduzir a desigualdade. Todavia, o governo poderia ter feito muito mais em termos de redução da desigualdade e da pobreza sem, ao mesmo tempo, ter prejudicado tanto as perspectivas de crescimento econômico, no curto e no médio prazo.

Em primeiro lugar, deve-se considerar que o Bolsa Família, entre os instrumentos de políticas públicas de redução de pobreza e desigualdade, é o mais eficiente, pois reduz a desigualdade a baixo custo. Já os benefícios previdenciários indexados ao salário-mínimo e o BPC (que também é reajustado de acordo com o mínimo) têm elevado custo fiscal. Outros programas públicos, como o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial, além de impacto pífio sobre a desigualdade, também têm custo mais alto que o Bolsa Família.

Não obstante isso, o governo insiste em manter programas sociais menos eficientes e de alto custo, em vez de ampliar as intervenções de menor custo, na linha do Bolsa Família. Em especial, insiste nos aumentos reais do salário-mínimo, que provocam grandes aumentos de despesa pública, gerando desequilíbrio fiscal (além do problema citado na parte II, publicada na semana passada: elevação de custos e perda de competitividade das empresas).

Os aumentos reais do salário-mínimo são uma importante ferramenta eleitoral, o que torna difícil alteração de rota em tal política, a despeito de seus impactos adversos. O resultado é a expansão do gasto público, que pressiona a taxa de juros e a carga tributária. Ambos desestimulam o investimento e o crescimento econômico.

Em segundo lugar, é preciso considerar que a Previdência Social como um todo (considerando-se não só os benefícios de um salário-mínimo mas todas as aposentadorias, pensões e demais benefícios pagos) é fortemente concentradora de renda. De acordo com IPEA (2012)3, em 2011 a Previdência era responsável por 18% de toda desigualdade de renda. Ou seja, se não existissem os pagamentos feitos pela Previdência Social, o Índice de Gini seria aproximadamente 18% menor.

Isso ocorre porque são pagos benefícios de valor mais elevado para segmentos de renda mais alta. Uma reforma da previdência que reduzisse os privilégios hoje existentes (como, por exemplo, a concessão de pensões por morte sem qualquer limitação do prazo de concessão ou restrições de valores), diminuiria esse efeito concentrador de renda. No entanto a reforma da previdência saiu da agenda política, tendo sido aprovada apenas uma versão mitigada da previdência complementar dos servidores públicos.

Em terceiro lugar, houve no período 2007-2010 (segundo mandato do Presidente Lula) significativos aumentos salariais para os servidores públicos, o que também tem impacto concentrador de renda, pois o funcionalismo está no topo da distribuição de renda. Houve aumento real da folha de pessoal da União da ordem de 8% ao ano naquele período4, com posterior estabilização ao longo do Governo Dilma.

De acordo com o texto de Souza e Medeiros (2013), acima citado, entre 2003 e 2009 quase toda a redução de desigualdade promovida pelo Bolsa Família (12%) foi desfeita pelo aumento da remuneração dos servidores públicos, que aumentou a desigualdade em  10%. Note-se que também nesse caso houve deterioração das contas fiscais e necessidade de aumento de impostos e juros, com prejuízo para o crescimento da economia.

Em quarto lugar, duas políticas públicas fundamentais para melhorar as condições de vida da população e ao mesmo tempo elevar a produtividade dos trabalhadores, têm apresentado pouco progresso ou estagnação. Trata-se do saneamento e da saúde.

No caso do saneamento, IPEA (2013, p. 7) apresenta a  informação de que “o percentual de pessoas que tiveram acesso simultaneamente a energia elétrica, coleta de lixo, esgotamento sanitário adequado e acesso adequado à rede geral de água aumentou 1 ponto percentual em 2012, atingindo o universo de 59,2%”. Este é um dado muito ruim: 40,8% da população brasileira não têm acesso a serviços públicos básicos.

É relevante ressaltar que enquanto houve farta distribuição de desonerações tributárias nos últimos anos, as empresas de saneamento básico continuaram a ser taxadas integralmente pelo PIS/COFINS e CSLL, a despeito de haver no Congresso diversos projetos propondo tal isenção.

Na saúde, conforme registra Médici (2011)5, houve descontinuidade de importantes políticas de ampliação de atenção à saúde dos mais pobres. Entre 1992 e 2002 a cobertura do Programa Saúde da Família expandiu-se a uma taxa anual de 25,5%, depois, entre 2002 e 2009, essa taxa reduziu-se para 8% a.a.. A mesma desaceleração foi verificada no Programa de Agentes Comunitários de Saúde, que crescia a 72,6% ao ano entre 1994 e 2002 e desacelerou para 2,5% ao ano no período 2002-2009.

Também foi interrompido o processo de organização da rede de atendimento ambulatorial de forma regionalizada. Por esse meio, postos de atendimento básico filtravam os pacientes mais graves para unidades capacitadas para atendimento mais complexo, geridas pelos estados e cobrindo vários municípios. O sistema regrediu para o modelo anterior de hospitais municipais pequenos, sem economia de escala, baixa capacidade operacional e alta ociosidade.

Pouca ênfase foi dada às experiências de gestão hospitalar por Organizações Sociais, em contratos de gestão mais flexíveis que, comprovadamente, reduzem o custo e aumentam a resolutividade e qualidade dos atendimentos.

Ainda na saúde interrompeu-se a implantação do Cartão SUS, que agregaria qualidade ao atendimento, ao armazenar o histórico clinico dos pacientes. Ao mesmo tempo, o Cartão permitiria a criação de uma câmara de compensação financeira, para que os estados e municípios que prestassem o atendimento fossem por ele remunerados, além de permitir a cobrança, junto a planos de saúde, pelo atendimento de seus clientes que viessem a ser atendidos pelo SUS.

Tais medidas, se levadas adiante, reduziriam a iniquidade no atendimento à saúde, melhorariam a gestão, a produtividade e a qualidade dos serviços prestados. Em última instância, elevariam a capacidade laboral do trabalhador, sua produtividade e as perspectivas de crescimento da economia.

Ou seja, com políticas mais focadas na população pobre teria sido possível diminuir a pobreza e a desigualdade de forma mais intensa do que realmente aconteceu. Esse tipo de aperfeiçoamento da política social se torna cada vez mais importante, pois há motivos para se crer que o atual conjunto de política tende a ter menor efeito sobre a desigualdade nos próximos anos, uma vez que os resultados mais fáceis já foram obtidos. Isso porque:

a) o Bolsa Família e os demais programas sociais estão próximos de esgotar o seu processo de expansão (praticamente toda clientela elegível já é atendida pelos programas) e só continuarão a ter efeito redistributivo se houver aumento real no valor dos benefícios, o que se defronta com a delicada situação fiscal do país;

b) o processo de elevação do valor real do salário-mínimo parece já ter chegado a um ponto de esgotamento, tanto por produzir aumentos artificiais de salários, reduzindo a competitividade das empresas, quanto pela pressão que exerce nas contas públicas via previdência social.

c) Segundo Ferreira et al (2013)6, 32% da população brasileira, em 2009, podia ser classificada como “vulnerável”. Essas pessoas deixaram de ser pobres, mas têm razoável chance de voltar a sê-lo. Uma desaceleração da economia pode levar parte desse grande contingente de volta à pobreza, com possível ampliação dos  índices de desigualdade.

Para evitar que a desigualdade e a pobreza parem de cair é preciso ir além dos ajustes nas políticas sociais referidos ao longo desse texto (inclusive nos setores de saúde e saneamento). Deve-se fazer uma reforma da previdência social que, ao mesmo tempo, reduza a iniquidade daquele sistema e promova ajuste estrutural das contas públicas, o que elevará a poupança agregada e, consequentemente, o potencial de crescimento da economia. Portanto, a reforma da previdência combinaria queda de desigualdade com aumento do crescimento.

Da mesma forma, é fundamental dar prioridade à melhoria da qualidade da educação que é o meio mais garantido de gerar, simultaneamente, redução de desigualdade e crescimento econômico no longo prazo. A oferta de educação de qualidade faz com que o futuro das crianças deixe de depender do nível sócio-econômico dos pais. Um sistema educacional equitativo cria igualdade de oportunidades e promove mobilidade social de uma geração para outra. Sem investimentos em educação as famílias podem até melhorar de vida, mas seus horizontes estarão limitados pelo histórico familiar, pois as suas oportunidades de educação tendem a ser similares ou pouco melhores do que as que seus pais tiveram.

Políticas públicas e reformas que combinem redução da desigualdade com remoção de barreiras ao crescimento devem ser as prioridades governamentais.

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1 IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013

2 Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

3 IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

4 Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, mar. 2013. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

5 Médici, A. (2011) Propostas para Melhorar a Cobertura, a Eficiência e a Qualidade no Setor Saúde. In: Bacha, E.L. e Schwartzman, S. (Orgs.) Brasil: a nova agenda social. LTC editora.

6 Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

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A desigualdade de renda parou de cair? (Parte II) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2021&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-ii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2021#comments Mon, 21 Oct 2013 11:58:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2021 No texto publicado na semana passada chamou-se atenção para o fato de que o Índice de Gini de distribuição de renda no Brasil parou de cair em 2012, interrompendo uma trajetória descendente que vem desde meados dos anos 90. Pode ser que isso seja apenas um dado isolado, que não revele uma nova tendência de interrupção da queda da desigualdade. Mas também pode ser um sinal de que os fatores que levaram à queda da desigualdade estão se estagnando. Isso seria preocupante, pois a desigualdade no Brasil ainda é alta.

A literatura especializada já vem apontando há alguns anos que será cada vez mais difícil manter a redução da desigualdade1. Para sabermos o motivo, é preciso entender quais foram as causas da queda recente da desigualdade.

Esse texto vai se concentrar nos fatores que afetam a desigualdade no mercado de trabalho. Na próxima semana serão analisadas as políticas sociais do governo.

I – A mudança no perfil de demanda de mão-de-obra

A forte queda da desigualdade não ocorreu apenas no Brasil. Como mostram inúmeros estudos, entre eles o artigo Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America2, houve generalizada queda de pobreza e desigualdade na maioria dos países da América Latina. O estudo mostra que, dos 17 países estudados, nada menos que 12 tiveram significativa queda de desigualdade.

Essa causa comum parece ser o boom no mercado internacional de commodities, que favoreceu todos os países da região, tipicamente exportadores desse tipo de mercadoria. Esse boom ocorreu exatamente a partir de 2002/2003, quando a desigualdade começou a cair de forma mais intensa. Mas qual seria o mecanismo que transformaria os ganhos no comércio internacional em redução da desigualdade?

Em primeiro lugar é preciso ficar claro que o aumento de preços no mercado internacional dos produtos exportados pela América Latina e a queda dos preços dos produtos de alta tecnologia por ela importados aumentou fortemente o poder de compra dos países da região. Para que se tenha ideia da dimensão desse fenômeno, basta notar quem em 2005 um navio carregado de minério de ferro tinha valor equivalente a 2.200 TVs de tela plana, em 2010 a mesma carga valia o equivalente a 22.000 TVs3.

Mas como esse maior poder de compra passou da mão dos exportadores para o restante da população? E como gerou redução da desigualdade de renda?

A maior renda obtida com exportações ativa a economia como um todo. Passa a haver, por exemplo, maior disponibilidade de divisas, a taxa de câmbio valoriza-se, e as empresas podem importar mais máquinas e equipamentos, enquanto os consumidores podem consumir bens importados a custo menor. As empresas exportadoras depositam seus superávits financeiros nos bancos, que emprestam os recursos para outros setores da economia, aumentando a taxa de investimento e crescimento. O maior investimento aumenta a taxa de crescimento e a demanda por trabalhadores.

Os ganhos nas relações de troca internacional são, portanto, uma bênção, e devem ser aproveitadas ao máximo pelo país. No entanto, embora aumentem a renda e a poupança disponível para financiar investimentos, eles não são suficientes para desencadear o desenvolvimento de todos os setores da economia.

Isso porque o Brasil (assim como boa parte dos países latino-americanos) tem diversos outros problemas que retiram competitividade da economia: a infraestrutura de transportes e comunicações é ruim; a energia é cara; a economia é fechada à concorrência internacional e à importação de insumos e serviços de qualidade; o grau de instrução da mão-de-obra é baixo; o sistema tributário é pesado e distorce os preços; a regulação econômica e a defesa da concorrência são frágeis. Por todos esses motivos o Brasil não consegue competir com outros países no mercado de bens e serviços mais sofisticados.

Quando vem um estímulo externo como o boom de commodities, os setores da economia brasileira que conseguem crescer são aqueles ligados aos serviços de menor conteúdo tecnológico. Esses setores tendem a contratar trabalhadores pouco qualificados. Com maior procura por trabalhadores pouco qualificados, os salários desse grupo cresceram em relação aos demais trabalhadores: daí a redução nas desigualdades salariais.

O raciocínio é o seguinte: o boom de commodities provocou a valorização das moedas dos países exportadores desses produtos, enquanto o aumento da renda se refletiu em maior consumo. Com um câmbio valorizado, o consumo de bens industrializados, disponíveis no mercado internacional (chamado de “bens comercializáveis”), passou a ser atendido por importações, como as TVs de tela plana do exemplo acima. Elas mais baratas e de melhor qualidade que os bens industriais produzidos nos países latino-americanos que, devido aos problemas de má infraestrutura e outros acima listados, não têm produtividade e competitividade para competir com os importados).

Já o aumento do consumo de bens não disponíveis no mercado internacional (serviços em geral, construção civil, produtos perecíveis) –  conhecido como “não-comercializáveis” – teve que ser atendido pelos produtores internos. Isso fez o preço dos serviços e demais bens não comercializáveis disparar em relação ao preço dos bens importados. O preço dos bens importados não subiu, pois o aumento de demanda pode ser atendido por importações crescentes. Já o preço dos bens e serviços não disponíveis para importação subiu, porque a oferta ficou limitada ao que é produzido dentro do país, não dando conta de atender a expansão da demanda.

Ocorre que o setor de serviços utiliza majoritariamente trabalhadores menos qualificados e de menor escolaridade que a indústria. Ou seja, subiu a demanda por trabalhadores menos qualificados no mercado de trabalho e caiu (ou cresceu mais lentamente) a demanda por trabalhadores mais qualificados. Adicionalmente, o próprio setor de commodities, em especial, das commodities agrícolas, é intensivo em mão de obra de menor qualificação. Em consequência, elevaram-se os salários dos menos qualificados em relação aos mais qualificados.

Os países latino-americanos, e o Brasil em particular, criaram mais empregos de balconista, cabeleireiro, trabalhador rural e atendente de call center, e menos vagas de operadores de equipamentos industriais robotizados, designers ou especialistas em telecomunicações.Isso explicaria a redução das desigualdades salariais no mercado de trabalho e a desigualdade de renda.

Note-se que tal distorção não é “culpa” do setor de commodities que, na verdade, é competitivo e gera grande benefício ao país. O problema está na má infraestrutura, no fechamento da economia à competição internacional, no sistema tributário caótico, na frágil regulação de setores oligopolizados, etc. Países como Canadá, Estados Unidos e Austrália, fortes exportadores de commodities, não sofrem o mesmo problema de competitividade do Brasil, pois têm políticas de comércio exterior mais aberta, melhor regulação, melhor infraestrutura, etc.

A história contada acima indica que a queda da desigualdade não é portadora apenas de boas notícias. Ela pode ser sintoma da incapacidade da economia de desenvolver setores de maior tecnologia e maior sofisticação. Com isso, o país perde empregos no segmento mais competitivo. Graças ao boom de renda vindo do exterior, esses empregos são substituídos por outros, menos produtivos, concentrados nos serviços de menor sofisticação. No curto prazo, observamos queda de desigualdade. Mas no longo prazo observaremos menor capacidade de crescimento econômico.

E o que é pior, como o ganho de renda vindo das commodities está fora do controle do governo, por ser determinado no mercado internacional, a reversão dessa tendência pode fazer murchar também o ímpeto do setor de serviços, o que fará com que o baixo crescimento passe a ser acompanhado, também, da interrupção da queda da desigualdade.

Esse pode ser um fator por trás da interrupção da queda da desigualdade em 2012 em relação a 2011. Ao decompor as fontes de variação desse índice, IPEA (2013) constata que no período 2011-2012 as rendas do trabalho deixaram de ser um fator de queda da desigualdade tendo, pelo contrário, levado a pequeno aumento do indicador.

Ou seja, a redução da desigualdade nas remunerações no mercado de trabalho, que foi o carro chefe da queda da desigualdade no período 2002-2011, não ocorreu em 2011-2012. Esse pode ser um indicador de que a dinâmica da expansão dos serviços esteja se esgotando. O fato de que os ganhos de renda vindo das commodities estão se estabilizando pode ser uma das causas dessa reversão.

Esse tipo de raciocínio ajuda a entender também porque a desigualdade não teria caído fortemente ao longo da década de 1990. Em primeiro lugar, porque naquele período, em vez de um choque favorável nos preços das commodities, o mercado internacional impunha ao Brasil e à América Latina um ambiente instável de crises financeiras internacionais e aumentos de juros, que reduziam a renda dos países da região.

Em segundo lugar, houve no Brasil uma série de reformas favoráveis ao crescimento econômico, tais como as privatizações e a abertura comercial com o exterior, que permitiram a entrada de tecnologias de ponta no país. Em um primeiro momento, essas reformas tendem a ter efeito concentrador de renda: elas aumentam a demanda por trabalho mais qualificado em áreas de maior tecnologia (basta imaginar a quantidade de novos engenheiros decorrente da expansão das telecomunicações nos anos 90). Porém, no longo prazo elas abrem caminho para a geração de empregos e o crescimento econômico, espalhando o benefício por toda a economia. Tome-se como exemplo os ganhos de renda que pequenos agricultores e profissionais autônomos tiveram a partir da disponibilidade de telefones celulares.

Em suma, parte significativa da queda da desigualdade a partir de 2002 “caiu do céu”: um presente para a América Latina, sob a forma de alta nos preços das commodities. Esse presente se converteu em queda da desigualdade devido, em parte, à incapacidade dos países da região, e do Brasil em particular, em oferecer às empresas condições de competitividade (infraestrutura, sistema tributário adequado, etc.), o que levou a expansão da economia a ser conduzida pelo setor de serviços de menor conteúdo tecnológico, menos produtivo e demandante de mão-de-obra menos qualificada. Nesse sentido, a queda da desigualdade seria um subproduto positivo gerado por uma fragilidade econômica do país.

II- A mudança no perfil de oferta da mão-de-obra

Outro fator de redução da desigualdade, que também parece ter atuado no sentido de reduzir as diferenças de remuneração no mercado de trabalho, foi o aumento da escolaridade da população. De fato, a média de anos de estudo da população brasileira subiu bastante desde meados da década de 1980. Entre 1950 e 1980 a média de anos de estudo no país cresceu apenas 1,07 anos, passando de 1,5 anos para 2,57 anos. Entre 1980 e 2010 houve crescimento contínuo e um salto de quase 5 anos na média, que passou a ser de 7,55.4

Essa maior quantidade de trabalhadores com mais escolaridade aumentou a oferta de trabalho qualificado e diminuiu a oferta de trabalho pouco qualificado (na suposição de que a escola pública agrega alguma qualificação efetiva ao trabalhador, apesar da sua baixa qualidade). Em consequência, aumentou o preço do trabalho menos qualificado (agora mais escasso) e caiu o preço do trabalho mais qualificado (agora mais abundante).

Note-se que o nível geral de educação (tanto em termos de anos de estudo quanto em termos da qualidade dessa educação) ainda é bastante baixo no país. Mas a evolução observada  teria sido suficiente para amenizar as fortes desigualdades de remuneração no mercado de trabalho.

Ocorre que os ganhos mais fáceis, obtidos pela simples inclusão das crianças na escola, já foi obtido. Daqui para frente, para que o aumento de escolaridade continue a pressionar para baixo a desigualdade e a pobreza, serão necessários avanços na melhoria da qualidade do ensino e aumento na taxa de escolarização de jovens, visto que o ensino fundamental já está universalizado desde meados da década de 1990.

Em especial, é preciso avançar em quantidade e qualidade no ensino médio. Como chama atenção Fernando Veloso em entrevista à Folha de S. Paulo5, ainda é baixo o percentual de jovens entre 15 e 17 anos frequentando a escola (84% segundo a PNAD 2012) e o currículo do ensino médio é ruim e divorciado da necessidade das empresas. Os jovens não chegam ao mercado de trabalho equipados para lidar com procedimentos intensivos em alta tecnologia. Isso significa que uma retomada do crescimento pode levar ao aumento da desigualdade, pois aumentará a demanda por trabalho mais qualificado, e os jovens mais pobres não têm tal qualificação, que não lhes é provida pela escola pública.

Lustig et al (2013) chegam a levantar a hipótese de que parte da queda do diferencial de salários entre pessoas com maior e menor escolaridade vem da deterioração da qualidade do ensino médio. Dado que o conteúdo aprendido pelos alunos desse nível de ensino não teria serventia para as empresas, elas se tornariam indiferentes entre contratar pessoas com ou sem ensino médio completo.

III – O papel do salário-mínimo

Um terceiro mecanismo que pode estar por trás da queda da desigualdade de salários no mercado de trabalho é a ativa política de elevação do valor real do salário-mínimo, perseguida pelo governo desde o segundo mandato de FHC, com intensidade acentuada a partir do primeiro governo Lula.

O salário-mínimo na década de 1990 era muito baixo e havia espaço para a sua elevação, sem prejudicar a rentabilidade das empresas. Porém, após seguidos anos de elevação acima da inflação, o salário-minimo real de 2013 é quase o dobro do seu valor em 1995.

É sabido que o salário-mínimo funciona como uma referência para a fixação de remunerações na base da pirâmide salarial. É comum tomá-lo como referência e reajustar remunerações superiores ao mínimo pelo mesmo índice de correção deste. O resultado é que variações no mínimo impactam fortemente salários maiores que o mínimo e, em cadeia, promovem aumentos das remunerações mais baixas.

Se por um lado isso reduz a desigualdade de remunerações (e faz a desigualdade no país cair), por outro lado acaba afetando o custo do trabalho para as empresas, que perdem lucratividade e competitividade.

A redução da desigualdade no curto prazo, por meio da elevação do salário-mínimo, se faz à custa de perdas de oportunidade de crescimento e geração de renda para todo o país no médio e longo prazos. Mais uma vez temos uma situação em que a queda da desigualdade não é apenas portadora de boas notícias. Há que se considerar, ainda, a possibilidade de os efeitos adversos do salário mínimo sobre a geração de emprego e estímulo ao investimento anularem o efeito redistributivo do aumento da remuneração daqueles que permanecerem empregados.

IV – A desigualdade parou de cair?

Tendo em vista os três fatores acima analisados (mudanças na demanda e na oferta de mão-de-obra e elevação real do salário-mínimo), cabe perguntar se eles continuarão a pressionar a desigualdade para baixo nos próximos anos.

Como já antecipado acima, o papel do boom de commodities sobre a demanda de mão-de-obra tende a arrefecer em função do esfriamento de tal mercado. Ademais, há que se levar em conta que esse não é o melhor caminho para se reduzir a desigualdade, afinal ele passa pela desindustrialização do país e pelo aumento de importância de setores de baixa produtividade, o que reduz o potencial de crescimento e geração de renda futura. Obviamente não se está sugerindo que o governo desestimule a exportação de commodities ou subsidie o setor industrial. O melhor a fazer é aproveitar o bom momento da economia internacional, porém consciente de que é preciso melhorar as condições de produção do Brasil, por meio de expansão da infraestrutura, melhoria na qualidade da educação, controle dos gastos públicos, racionalização do sistema tributário, entre outras medidas que aumentem a produtividade e viabilizem a diversificação da produção no Brasil, aumentando seu conteúdo tecnológico e diminuindo nossa dependência em relação ao comércio internacional de commodities.

Já do lado da oferta de trabalho, a maior escolaridade só continuará a reduzir a desigualdade se houver progressos na melhoria da qualidade da educação; em especial no ensino médio.

No que se refere ao papel do salário-mínimo, é preciso considerar que a política de elevação desse salário acima da inflação tem forte impacto sobre as despesas do governo. Em especial, sobre as contas da previdência social, cujos benefícios são indexados àquela remuneração básica. Assim, parece que em função de esgotamento fiscal não será possível manter tal política por muito tempo, a menos que se jogue para o alto qualquer intenção de manter o equilíbrio fiscal e a inflação sob controle. Mas se a inflação voltar, certamente o quadro distributivo se deteriorará, pois como todos sabem, a inflação é fortemente concentradora de renda.

Ainda que fosse possível aguentar por mais alguns anos o peso fiscal dos reajustes do salário-mínimo, seria preciso julgar se essa seria a melhor opção, tendo em vista as distorções introduzidas no mercado de trabalho, em especial o desestímulo à contratação de pessoal pouco qualificado, cuja produtividade tende a ser inferior ao salário-mínimo.

Em suma, não se pode dizer, ainda, que a parada na queda do Índice de Gini observada em 2012 é uma nova tendência de estabilidade da desigualdade, mesmo porque outros indicadores mantêm a tendência de queda. Mas não faltam motivos para se acreditar que isso seja possível. Ademais, o texto procurou deixar claro que a queda da desigualdade pode não ser portadora apenas de boas notícias. Ela pode ser resultado de fragilidades e desajustes econômicos que têm como custo a menor capacidade de crescimento e de geração de emprego no futuro.

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1 O presente texto está baseado nas seguintes referências bibliográficas:

Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. Banco Mundial. Policy Research Working Paper nº 6552, julho de 2013.

Banco Mundial (2012). The Labor Market Story behind Latin America’s Transformation.

Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

Azevedo et all (2013) Fifteen Years of Inequality in Latin America. Banco Mundial, Policy Research Working Paper 6384.

Barros, R.P. et al (2009) Markets, the State and the Dynamics of Inequality: Brazil’s case study. UNDP. Research for Public Policy Inclusive Development 14-2009.

Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

Lustig, N. et al (2011) The Decline in Inequality in Latin America: How Much, Since When and Why. Tulaine Economics Working Paper Series 1118.

Banco Mundial (2011) A Break of History: Fifteen Years of Inequality Reduction in Latin America.

IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013.

2 Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. Banco Mundial. Policy Research Working Paper nº 6552, julho de 2013.

3 http://www.smh.com.au/business/world-business/heavenly-ironore-prices-bound-for-purgatory-as-china-reforms-20130730-2qvoz.html. Agradeço a Marcos Kohler pela indicação dessa estatística comparativa.

4 Fonte: Barro, R. e Lee, J-W (2010) A New Dataset of Educational Attainment in the World, 1950-2010. NBER Working Paper, nº 15.902.

5 “Desigualdade pode voltar a crescer, diz pesquisador” – Folha de S. Paulo, 12/10/2013.

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O que distingue o sistema educacional de alto desempenho da Finlândia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1864&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-distingue-o-sistema-educacional-de-alto-desempenho-da-finlandia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1864#comments Mon, 27 May 2013 12:23:53 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1864 Até recentemente, pouco se ouvia falar da Finlândia nos debates sobre política educacional comparada. O ponto de inflexão, em 2001, foi a divulgação dos primeiros resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA)1, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o objetivo de monitorar o desempenho dos sistemas educacionais dos países participantes, de maneira rigorosa, sistemática e internacionalmente comparável.

Entre 2000 e 2009, data dos últimos dados disponíveis do Pisa, a Finlândia esteve sempre entre os primeiros colocados, nas três áreas avaliadas (leitura, matemática e ciências), alcançando resultados significativamente acima das médias da OCDE. E com uma característica distintiva: no caso finlandês, qualidade anda de mãos dadas com equidade – o país registra a menor diferenciação de resultados entre escolas.

As reformas que levaram ao sucesso educacional finlandês recente foram implementadas ao longo de quatro décadas, a partir dos anos 1960. Paralelamente, durante o mesmo período, a Finlândia experimentou mudanças sociais e econômicas de monta, transformando-se em uma das

sociedades mais avançadas do mundo em termos de bem-estar social, competitividade econômica e inovação tecnológica.

O marco inicial das reformas foi a introdução da escolarização básica de caráter público, universal e compulsório, dos 7 aos 16 anos de idade, sem barreiras de seleção ou concursos de admissão. Essa etapa foi delegada às escolas municipais, às quais se integrou a maioria das escolas privadas até então existentes. Hoje, apenas 3% dos alunos finlandeses de ensino fundamental frequentam escolas privadas, que também são financiadas por recursos públicos e oferecem ensino gratuito.

Peça-chave nesse processo de reforma foi a construção de um novo currículo básico nacional. Outro fator crucial foi o reconhecimento de que, para lograr um sistema educacional que atendesse bem a todos os alunos – independentemente de aptidões específicas, status socioeconômico ou origem familiar –, seria imprescindível contar com um corpo docente altamente qualificado.

De fato, a qualificação docente é considerada pedra angular do sistema educacional finlandês. A partir dos anos 1970, a formação docente passou a ser feita pelas universidades, em nível de mestrado, com ênfase na prática didática. Os aspirantes aos cursos de formação de professores são submetidos a rigorosos exames de admissão, em que são aprovados os estudantes mais destacados no ensino médio.

O salário docente é importante, mas os professores finlandeses não são a categoria profissional mais bem remunerada naquele país. Mesmo em perspectiva comparada, a média salarial dos docentes na Finlândia situa-se um pouco abaixo da média da OCDE3. Mais do que a remuneração, portanto, as estratégias de recrutamento e formação, bem como o prestígio social do magistério naquele país parecem ser os determinantes da qualidade dos profissionais da educação finlandeses.

Outro aspecto distintivo do sistema finlandês é o alto grau de autonomia e liberdade de atuação dos municípios, diretores de escola e docentes, em termos de currículo, materiais didáticos e organização escolar.

O princípio da equidade também é fundamental e está amparado por uma política abrangente de atenção a alunos com necessidades especiais. Além do atendimento escolar especializado permanente, em classe ou instituição especial, para reduzido número de alunos, um modelo inclusivo de atendimento especializado complementar e temporário, inclusive para dificuldades leves de aprendizagem, é amplamente disseminado. As estimativas são de que cerca de metade dos concluintes do ensino fundamental passa por esse tipo de acompanhamento temporário em algum momento de sua escolarização, o que revela a prevalência de estratégias de prevenção e identificação precoce de necessidades especiais de aprendizagem, voltadas para garantir o sucesso de todos os alunos.

No tocante à avaliação e à padronização do ensino, a Finlândia adota uma perspectiva divergente da agenda hegemônica de reformas educacionais, delineada a partir dos anos 1990. As avaliações padronizadas em larga escala, voltadas para mensurar o rendimento dos alunos finlandeses, são amostrais, espaçadas e destinam-se apenas a fornecer

informações sobre o funcionamento do sistema, sem a produção de rankings entre estabelecimentos de ensino ou a introdução de bônus remuneratórios para os profissionais da educação.

Um dos resultados dessa perspectiva é que os gastos com avaliação educacional na Finlândia são significativamente menores do que em sistemas educacionais que privilegiam esse tipo de medida em suas políticas. Ademais, na visão de muitos educadores finlandeses, a pouca ênfase dada a avaliações padronizadas permite fugir do incentivo perverso de reduzir o ensino à preparação para os testes, permitindo uma abordagem mais ampla e aplicada dos conteúdos curriculares e a salvaguarda das prerrogativas de autonomia e independência profissional do docente.

Além dos avanços na educação básica, a Finlândia hoje é reconhecida como um exemplo de sociedade do conhecimento, baseada em uma economia altamente competitiva e inovadora. Parte desses resultados se deve à centralidade dada às políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação no contexto finlandês, desde o final dos anos 1980. Tal prioridade refletiu-se no direcionamento de vultosos recursos humanos e financeiros para o setor e da instituição de mecanismos efetivos de cooperação entre as instituições de ensino superior e a indústria, a partir de um sistema nacional de inovação pioneiro.

De modo geral, a experiência finlandesa no campo da educação tem raízes históricas, políticas, culturais e sociais próprias, que não podem ser transpostas para outros contextos. No entanto, ao entender o que está por trás de exemplos bem-sucedidos, podemos refletir sobre a nossa própria trajetória de políticas educacionais e sobre os caminhos de reforma que se vislumbram no horizonte.

Nesse sentido, dois aspectos se destacam. Em primeiro lugar, os resultados alcançados pela Finlândia na educação – com reflexos na transformação experimentada por aquele país em direção a uma economia intensiva em conhecimento – foram fruto de reformas de longo prazo, sustentadas e aprofundadas ao longo de pelo menos três décadas. Sua materialização dependeu da construção de amplos consensos pluripartidários e sociais, mobilizando atores políticos diversos no debate e na implementação das decisões.

Em segundo lugar, a Finlândia adotou estratégia divergente do pensamento ortodoxo sobre política educacional, que preconiza uma série de medidas inspiradas por modelos ditos “empresariais” da educação e geralmente inclui: a fixação de prescrições curriculares rígidas e padronizadas, enfocando especialmente habilidades básicas em leitura e matemática; a intensificação do uso de testes padronizados externos; o estímulo à competição entre estabelecimentos de ensino; e a responsabilização direta dos profissionais da educação pelos resultados alcançados pelos alunos.

No caso finlandês, os elementos de accountability estão inseridos em uma abordagem que privilegia a autonomia profissional dos docentes e diretores de escola e a responsabilidade compartilhada pelo sucesso escolar dos alunos.

________________

(Artigo baseado no Texto para Discussão nº 129 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, ”O que é que a Finlândia tem? Notas sobre um sistema educacional de alto desempenho”, disponível no site http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/homeestudoslegislativos.)

1 Programme for International Student Assessment, em inglês.

2 Deve-se lembrar, contudo, que, diante da distribuição de renda bastante igualitária que existe no país, a discrepância entre a remuneração dos professores e as categorias mais bem pagas é relativamente pequena.

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