economias de escala – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 20 Oct 2011 15:51:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Existe um problema de desigualdade regional no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=803&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=existe-um-problema-de-desigualdade-regional-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=803#comments Thu, 20 Oct 2011 15:51:11 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=803 Constitui lugar comum afirmar que o Brasil é um país caracterizado por desigualdades. Qualquer político ou acadêmico quando afirma ou quando aborda o problema dos desequilíbrios do país cita o desequilíbrio entre indivíduos, isto é, o problema da desigualdade interpessoal de renda, e o desequilíbrio entre regiões, vale dizer, o problema da desigualdade interregional de renda. Dir-se-ia que é ‘politicamente correto’ mencionar um após o outro. Como duplas que não podem ter existência própria. Esta pequena nota argumenta que provavelmente o problema regional é muito menor do que se imagina, não justificando que a ele seja dado o mesmo grau de importância do problema da desigualdade interpessoal de renda.

Há dois enfoques ao problema da desigualdade regional de renda. O primeiro refere-se ao problema da desigualdade regional de renda per capita entre regiões. Neste enfoque deseja-se investigar e propor políticas que reduzam as diferenças de renda per capita entre regiões. O segundo refere-se ao problema da desigualdade regional da renda total, isto é da concentração da produção ou da distribuição espacial da produção. É comum a produção não ser distribuída uniformemente entre as regiões. Neste caso há desigualdade na renda absoluta de cada região: em geral uma região pequena e altamente industrializada produz uma fração substancial do PIB nacional.

Os dois problemas são muito distintos, demandando políticas diferentes. Em particular, não é muito claro o porquê do problema da concentração produtiva ser considerado um problema. A diferença básica entre uma economia regional e uma economia nacional é a mobilidade do fator trabalho. Há grande mobilidade do capital entre economias nacionais: o capital é internacionalmente móvel. Entre regiões de uma mesma economia nacional há mobilidade do capital e mobilidade da mão-de-obra. Desconsiderando alguns períodos em que houve expressiva mobilidade internacional da mão-de-obra – segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX -, a principal distinção entre uma economia nacional no mundo, de uma região no interior de uma economia nacional, é a mobilidade da mão-de-obra em uma economia nacional.

Com mobilidade perfeita de mão-de-obra, se esta tiver as mesmas características nas diversas regiões, não pode haver diferença de renda per capita entre as regiões. Qualquer diferencial seria eliminado por meio de migração. Poderíamos até imaginar que, por algum motivo, houvesse diferença na dotação de infra-estrutura entre as regiões. Por exemplo, que uma região fosse muito mais bem servida de portos e estradas do que a outra. Esta maior oferta de infra-estrutura elevaria a produtividade da mão-de-obra, elevando os salários e, portanto, a renda per capita. Mesmo assim, se o fator trabalho for igualmente produtivo a migração reduziria a oferta de trabalho na região em que há menor oferta de infra-estrutura até os salários igualizarem-se. Esta região seria menos populosa, mas a renda per capita do setor privado, exclusive renda do governo na forma de remuneração dos serviços gerados pelos bens públicos locais, não seria diferente entre regiões.

A moral desta história é que a mobilidade do trabalho produz uma grande força igualizadora das rendas per capita entre as regiões. É possível afirmar que a mobilidade de mão de obra é imperfeita. Ninguém disputaria esta proposição. O mais difícil é justificar que a imperfeição da mobilidade espacial de mão-de-obra consiga impedir que diferenciais de renda substanciais não sejam eliminados. Teoricamente, é possível argumentar que imperfeições na mobilidade consigam reduzir a velocidade de ajustamento, mas não impedir eternamente que o ajustamento se dê. De fato, não há motivo para que uma possibilidade de arbitragem nunca seja explorada. Podemos concluir que do ponto de vista teórico só pode haver diferenças de renda per capita entre regiões se as características dos trabalhadores das regiões diferirem.

Portanto, no que se refere à desigualdade de renda per capita, proponho que seja considerada a distinção entre dois problemas de natureza totalmente diversa. O problema da baixa renda per capita por motivo regional do problema da baixa renda per capital por motivo social. No primeiro caso uma região apresenta baixa renda per capita por características embutidas na região, enquanto que no segundo caso a região é pobre por características embutidas nos moradores da região. Empiricamente, a maneira de distinguir entre o problema regional e o social é estudar os diferenciais de renda entre trabalhadores de diversas regiões, controlando pelas características do trabalhador. Para um dado diferencial de produto per capita entre regiões, dizemos que há um problema regional se o diferencial de renda entre trabalhadores com as mesmas características, em diferentes regiões, explicarem uma parcela elevada diferenciais de produto per capita. Por outro lado, se após controlarmos pelas características do trabalhador, o diferencial regional de renda reduzir-se muito ou desaparecer, dizemos que não há problema genuinamente regional, mas sim há um problema social, que é altamente correlacionado com a região. Em outras palavras, a região pobre é majoritariamente povoada por indivíduos com características que se correlacionam com baixa renda.

A evidência empírica suporta a visão de que no Brasil a baixa renda percapita de algumas regiões deve-se principalmente a um problema de natureza social, não constituindo problema genuinamente regional. Savedoff (1990) conclui que “(…) a categoria região metropolitana explica 2,8% da variação do log dos rendimentos.”(p. 544) Observa-se diferenciais de salários estatisticamente significantes entre regiões metropolitanas, mas estes são quantitativamente de ordem de grandeza muito inferior às diferenças de renda per capita entre as regiões. Trabalhando com os dados de Savedoff, Barros e Mendonça (1997) mostram que estes diferenciais variam de -10% para Belém até 25% para Curitiba, como desvio da média. Estes números, comparados com os diferenciais de até 600% que se observam entre a renda per capita de Estados, são desprezíveis. Como observado por Savedoff, eles também são desprezíveis para explicar a péssima distribuição de salários da economia brasileira. Por outro lado, é possível que estes diferenciais sejam próximos, em valor presente, ao custo fixo de mudar de local de residência. Também pode-se argumentar que para algumas cidades este diferencial revela amenidades e serviços que a cidade oferece. Em todo caso, mesmo não trabalhando de forma perfeita, a segmentação regional do mercado de trabalho não explica os diferenciais de renda per capita observados entre regiões. Do ponto de vista dos diferenciais de renda per capita entre os Estados brasileiros, o mercado de trabalho funciona bastante bem.

Assim, tanto teórica como empiricamente a baixa renda per capita de algumas regiões não constitui problema de natureza regional. Os diferenciais de renda per capita entre as regiões existem por características dos indivíduos que moram na região e não por características da região. Assim, dado que o problema é social e não regional, parece-me que a política tem que ser focada no indivíduo e não na região. Estas características podem ter sido geradas na região. Não obstante, encontram-se ‘embutidas’ nas pessoas: por exemplo, se a qualidade do ensino público for pior nas regiões pobres isto terá impacto negativo, tanto qualitativamente quanto quantitativamente, sobre a qualificação da mão de obra. De fato, para este problema uma política de subsídios à indústria não parece ser a melhor recomendação!

Resta a questão da concentração da produção. Este sim não constitui questão de crescimento ou desenvolvimento, mas constitui genuíno problema regional. Teoricamente, é bastante simples gerar modelos de concentração produtiva. Em excelente trabalho, Krugaman (1991) nos oferece alguns exemplos. Em geral economias de aglomeração desempenham papel importante para concentrar a produção, enquanto que custos de transporte constitui força contrária. Se estes custos forem baixos, pode haver um equilíbrio com um centro e uma periferia. No entanto, a renda dos indivíduos no centro e na periferia serão iguais. Se a densidade populacional no centro for muito elevada, de forma que a congestão dos bens públicos e a falta de espaço em geral acarretem desutilidade aos indivíduos, não haverá igualização dos salários, mas sim do bem-estar. Segue a indagação: qual é, neste caso, o problema regional? Qual é o problema de haver concentração produtiva? Do ponto de vista econômico e social não há problema, a menos que no centro esteja havendo deseconomias de escala que não sejam corretamente captadas pelos mercados. Portanto, visto que tanto teórica quanto empiricamente não há problema regional, em geral, políticas de desenvolvimento regional são indicadas em função de algum motivo não econômico. Evidentemente, ao adotar uma política de desenvolvimento regional é preciso que fique bem claro o motivo extra-econômico que a sustenta.

Um possível motivo não econômico para justificar uma política de desconcentração regional é que, eventualmente, dada a base física de uma região, se não houver desconcentração produtiva, criando-se um pólo industrial na região, por exemplo, a região não teria capacidade de sustentar uma grande população, isto é, a densidade populacional teria que ser baixa ou a região seria condenada à miséria. Parece ser esta a preocupação de Celso Furtado, no GTDN, quando escreveu: “Caso se demonstre que a solução é inviável [a industrialização], não restaria ao nordeste senão a alternativa entre despovoar-se ou permanecer como região de baixíssimo nível de renda.” De outra forma, se houver, por exemplo, um grande ganho de dotação de educação que capacite a população nordestina tão ou mais qualificada do que a média da população brasileira, haveria um grande fluxo migratório e o nordeste despovoar-se-ia. Este parece ser o pesadelo de Celso Furtado. No entanto, não está claro que tal ocorreria desta forma. Dado o custo fixo da migração, é possível que, uma vez dotado de uma mão de obra bastante qualificada, as indústrias decidam deslocar-se para a região. Em economia regional faz sentido esta afirmação, pois acredita-se que a mobilidade do capital seja maior do que do trabalho.

Outro aspecto que não tem sido muito enfatizado é que não é obrigatoriamente verdade que política de desconcentração produtiva implique melhora da distribuição interpessoal da renda. Talvez o maior problema da economia brasileira seja a concentração interpessoal da renda. É possível melhorar a distribuição regional de renda piorando a distribuição interpessoal de renda: basta retirar recursos dos pobres que vivem na região rica e transferi-los aos ricos que vivem na região pobre. Por outro lado, este risco não existe em uma política redistributiva entre pessoas que não discrimine por regiões. Quando se tira de pessoas ricas, estejam elas onde estiverem, para transferir a pessoas pobres, estejam elas onde estiverem, faz-se automaticamente redistribuição regional de renda: a região rica por ter um número maior de ricos cede mais recursos, o inverso ocorrendo com a região pobre.

Assim inicia Celso Furtado o GTDN: “A disparidade de níveis de renda existente entre o Nordeste e o Centro-Sul do País constitui, sem lugar a dúvida, o mais grave problema a enfrentar na etapa presente do desenvolvimento econômico nacional.” Nesta frase eleva-se região a uma categoria independente de análise: independente das pessoas que nela vivem. Como se fosse possível abstrair os indivíduos da região. Por que o problema regional é mais grave do que a pobreza dos indivíduos? Por que o problema distributivo entre os cidadãos é menos grave do que o problema distributivo entre regiões? Por que a região está acima dos indivíduos? Se lembrarmos que o Nordeste é a região que de longe apresenta a pior distribuição interpessoal de renda e os maiores índices de pobreza ficamos mais perplexos. Em particular, é possível imaginar experimento em que uma política de desenvolvimento regional que eleve a participação na renda da região nordeste redunde simultaneamente na redução do bem estar dos nordestinos em comparação com uma situação de ausência da política. O motivo é que um ganho de renda na região nordeste, dada a péssima distribuição de renda encontrada nesta região, tem impacto muito pronunciado nos nordestinos ricos. Uma elevação de renda no sudeste tem um impacto relativamente mais acentuado nos salários dos trabalhadores mais pobres, dada a melhor distribuição de renda encontrada nesta região, acarretando por meio de migração, impacto sobre o bem estar dos nordestinos pobres. É possível que o efeito líquido sobre o bem estar dos nordestinos seja maior neste segundo caso. A probabilidade disto ocorrer será tão mais acentuada quanto mais o critério de bem estar social der peso aos pobres. Consequentemente, além de não haver justificativa teórica e empírica para políticas de desenvolvimento regional baseadas no subsídio ao capital privado, o fato que o impacto destas sobre a distribuição interpessoal de renda é, na melhor das hipótese neutro, retira destas políticas qualquer conteúdo social.

Desta forma, a simples constatação de que o diferencial de renda entre o nordeste e o sudeste reduziu-se não é evidência que a política regional fora bem sucedida. Primeiro, porque não está claro que as políticas de fomento nos moldes da praticada pela SUDENE o pelo programa FINOR são causadoras desta redução de distância relativa. Segundo, porque é possível que esta redução não tenha elevado o bem estar dos cidadãos nordestinos. Por outro lado, mesmo sob a hipótese que tenha havido crescimento causado pela política com elevação do bem estar da população nordestina, não é verdade que a política tenha sido bem sucedida. É necessário mostrar que, dado o custo de oportunidade do recurso público, um emprego alternativo não produziria maior elevação de bem estar. Isto é, a análise da eficácia das políticas regionais tem que levar em consideração o benefício mas também o custo destas. Esta verdade óbvia escapa a muitos entusiastas da política regional, que sempre apontam a redução do diferencial de renda entre as regiões como um indicador do sucesso das mesmas. É um possível indicador do benefício. O sucesso mede-se pela distância entre o benefício e o custo.

Algumas vezes argumenta-se, em justificativa de políticas de subsídio ao investimento em alguma região específica, que práticas desta natureza ocorrem em todos os lugares do globo. É comum apontar-se como exemplo os casos dos Estados Unidos, Itália, Canadá e Comunidade Econômica Européia. O argumento padrão é: “Se eles praticam porque nos não faríamos?” O motivo é a pobreza relativa da economia brasileira em comparação a estes exemplos citados. Explico-me. Devido a ausência de justificativa econômica e social para políticas de subsídio a acumulação de capital privado, estas somente justificam-se por um motivo extra-econômico e extra-social. Quanto maior a renda per capita de uma economia, mais ela tem condições de satisfazer objetivos não econômicos e sociais. Em outras palavras, políticas de desenvolvimento regional apresentam elevada elasticidade renda, constituem-se, portanto, em bem de luxo. Devido aos enormes problemas sociais enfrentados pela economia brasileira ela não tem recursos para dar-se ao luxo de gastar em políticas regionais de subsídio ao capital privado. Todo o recurso disponível tem que ser aplicado no melhoramento das condições de vida e de infra-estrutura social da faixa mais pobre da população brasileira. A Comunidade Econômica Européia pode dar-se ao luxo de investir uns trocados na industrialização de Portugal, nós não temos estes recursos, nós não somos tão ricos quanto a CEE.

Concluindo, a constatação de que para a economia brasileira o diferencial regional de renda entre trabalhadores com as mesmas características é muito baixo em comparação ao diferencial regional de produto per capita, aponta na direção que todo o esforço de desenvolvimento regional tem que ser focado no homem (bens meritórios, como saúde e educação) e em infra-estrutura (bens públicos). Não há motivo teórico e/ou empírico que sustente políticas de subsídio ao capital privado.

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Para ler mais sobre o tema:

Barro, R. e Sala-I-Martin, X. 1995. Economic Growth, McGrow Hill.

Barros, R.P. e Lam, D. 1996. “Income and Educational Inequality and Children’s

Schooling Attainment” em Opportunity foregone: education in Brazil.

Washington: Inter-American Development Bank.

Barros, R. P., Mendonça, R. S. P. 1997. “Os determinantes da desigualdade no Brasil.” Programa de seminários acadêmicos do IPE/USP. Seminário número 22/97-02/10/97.

Barros, R. P., Mendonça, R. S. P., Duarte, R. P. N. 1997. “Bem-estar, pobreza e desigualdade de renda: uma avaliação da evolução histórica e das disparidades regionais.” Texto para discussão número 454, IPEA.

Furtado, C. 1997. Obra autobiográfica. Paz e Terra.

Hanushek, E. e Kimko, D. 2000. “Schooling., Labor Force Quality, and the

Growth of Nations,” American Economic Review 90(5): 1184-1208.

Krugman, P. 1991. Geography and trade. The MIT Press.

Razin, A. e Yuen, C. 1997. “Income convergence within an economic union: the role of factor mobility and coordination,” Journal of Public Economics, 66, 225-245.

Revista Econômica do Nordeste, v. 28, n. 4, out./dez.

Savedoff, W. D. 1990. “Os diferenciais regionais de salários no Brasil: segmentação versus dinamismo da demanda.” Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 20, n. 3, dezembro.

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De que política de desenvolvimento regional o Brasil precisa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=794&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=de-que-politica-de-desenvolvimento-regional-o-brasil-precisa https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=794#comments Mon, 17 Oct 2011 05:32:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=794 Política de desenvolvimento regional é o nome que se dá às ações do governo destinadas a estimular o desenvolvimento econômico em áreas geográficas em que a produção e/ou a renda per capita são menores que nos centros dinâmicos da economia nacional.

A discussão sobre a distribuição espacial da atividade econômica no Brasil e, em consequência, sobre políticas de desenvolvimento regional voltou à cena na década passada depois de ter ficado “adormecida” ao longo dos anos 80 e 90. Nas décadas de 50, 60 e 70, o desenvolvimento de regiões periféricas foi um tema importante, sempre presente nas discussões sobre políticas públicas. Várias foram as razões para isso, entre as quais se podem citar a excessiva concentração da atividade econômica em São Paulo, a preocupação com a ocupação da Região Norte, a influência de Celso Furtado e a construção de Brasília. Do final dos anos 50 até o fim da década de 70, as superintendências de desenvolvimento regional foram criadas, as estatais fizeram investimentos nas regiões periféricas e incentivos foram oferecidos para atrair o capital privado para as macrorregiões menos desenvolvidas.

A concentração espacial da atividade produtiva no Brasil tem raízes históricas e mudou muito pouco nos últimos setenta anos, apesar das políticas de desenvolvimento regional adotadas desde a década de 1950. As participações das macrorregiões brasileiras no Produto Interno Bruto (PIB) nacional de 1939 a 2008 não se alteraram de modo significativo, principalmente para as três regiões mais populosas. A participação do Nordeste caiu no período de 16,7% para 13,1%; a do Sul passou de 15,6% para 16,6%; já o Sudeste teve uma redução em sua participação de 62,9% para 56%. As regiões Norte e Centro-Oeste, menos populosas, ganharam participação de 1939 a 2008. A participação do Centro-Oeste passou de 2,1% para 9,2%[1] e a do Norte, de 2,7% para 5,1% do PIB.

Apesar de ter tido uma participação do PIB nacional de 13% em 2008, o Nordeste concentra, segundo o Censo do IBGE de 2010, quase 28% da população nacional. Da mesma forma, o Norte concentra aproximadamente 8,3% da população nacional, também segundo o IBGE, e tem participação no PIB nacional de aproximadamente 5%. Isso faz com que a renda per capita dessas duas macrorregiões fique abaixo da média nacional. Já o Sudeste, com pouco mais de 42% da população nacional, tem uma participação no PIB de 56%, propiciando-lhe uma renda per capita superior à média nacional. O Sul e o Centro-Oeste têm participações no PIB e na população nacional parecidas.

Há, então, dois tipos de problema regional no Brasil. Por um lado, a produção é bastante concentrada no espaço. Por outro lado, a renda per capita das diferentes regiões é desigual, uma vez que a população não é tão concentrada no espaço como o PIB.

A concentração da atividade produtiva no espaço não é indesejável per se, já que traz consigo as chamadas externalidades positivas. Estas advêm da possibilidade de exploração de economias de escala devido ao tamanho mercado, da existência de trabalhadores com qualificação adequada às necessidades das empresas e da presença de fornecedores especializados. Essas externalidades são fatores locacionais importantes, ou seja, em função delas as regiões maior concentração da atividade produtiva tendem a receber mais empresas.

A concentração espacial de atividades produtivas também pode gerar externalidades positivas de natureza tecnológica. Em outras palavras, a taxa de inovação tende a ser mais elevada nas áreas com maior densidade econômica. A maior taxa de inovação, por sua vez, tem impacto sobre a produtividade e, consequentemente, sobre a taxa de crescimento da região com maior concentração. Há, então, uma causalidade circular cumulativa: regiões mais ricas recebem mais empresas e têm uma maior taxa de inovação; consequentemente, crescem mais. O resultado desse processo é um aumento da desigualdade regional.

Essa é a razão de a concentração não ser per se indesejável: ganhos de eficiência ocorrem em função da aglomeração de atividades econômicas no espaço, uma vez que a aglomeração propicia ganhos de escala e a possibilidade de aumento da taxa de inovação. São esses fatores, portanto, que explicam as diferenças entre as regiões. Desse modo, pode-se pensar que a melhor distribuição de atividades econômicas no espaço significa abrir mão dos benefícios gerados pela aglomeração, ou seja, dos ganhos de eficiência. Em outras palavras, a melhor distribuição pode ser vantajosa para algumas das partes, mas não para o todo.

A aglomeração da atividade produtiva em apenas algumas áreas de um país não é um problema quando não há grandes diferenças de renda per capita entre as regiões. Nos EUA, por exemplo, a atividade econômica é bastante concentrada. Dois estados – Califórnia e Texas – são responsáveis por quase 22% do PIB. No entanto, a renda per capita desses dois estados não se afasta muito da média nacional, de US$ 47,5 mil/ano. A Califórnia tem uma renda per capita 9% superior à média nacional; o Texas tem renda per capita 3% inferior à média nacional. Os dois estados americanos com menor participação no PIB nacional são Vermont (0,18%) e Dakota do Norte (0,24%). Apesar da baixa participação, a renda per capita desses dois estados não difere muito da média nacional: 93% no caso de Vermont e 100,05% no caso de Dakota.

No caso do Brasil, há importante disparidade de renda per capita entre as diversas regiões do País. A igualdade absoluta é difícil de ser observada. O ideal é que houvesse uma tendência à convergência de renda per capita entre as regiões brasileiras, mas isso não vem ocorrendo (ou, pelo menos, não na velocidade desejada).

Essa disparidade e a falta de tendência à convergência justificam a ação do Estado por meio de políticas de desenvolvimento regional. No Brasil, há também, com a utilização dessas políticas, o objetivo de alcançar uma melhor distribuição da própria atividade econômica no espaço.

Mesmo com a adoção de políticas de desenvolvimento regional desde os anos 50, a disparidade de renda per capita e a distribuição da atividade econômica entre as macrorregiões não foram alteradas.

Houve, desde meados do século passado até a década de 1970, forte ação do Estado por meio de investimentos públicos, aí incluídas as empresas estatais, e de incentivos a investimentos privados para estimular a economia de regiões menos desenvolvidas. Sem dúvida, as políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil até meados da década de 1980 levaram à transformação econômica das macrorregiões menos desenvolvidas. No entanto, as políticas não conseguiram alterar substancialmente a configuração macrorregional da economia brasileira.

A partir do final dos anos 70, o Estado brasileiro começou a enfrentar um processo de deterioração financeira que atingiu seu ápice nos anos 80. Na década de 1990, a discussão econômica se concentrou na estabilização da economia e na reforma do Estado.

Apesar dessas mudanças no cenário econômico, a política de desenvolvimento regional não foi abandonada após a década de 1980. Há dispositivos constitucionais que elegeram o desenvolvimento regional como um dos objetivos fundamentais da República e um dos princípios da ordem econômica. Há também diplomas legais que visam concretizar esses princípios constitucionais, destinando recursos para os programas de desenvolvimento regional.

Por exemplo, a Lei nº 7.827, de 1989, regulamentou o art. 159, I, “c”, da Constituição Federal, criando os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Basicamente, os fundos concedem créditos às empresas de suas regiões alvo com taxas de juros abaixo das de mercado. Isso consiste em um incentivo importante, haja vista que as taxas de juros foram mantidas em patamares elevados no Brasil na maior parte das duas últimas décadas. Em 2010, os repasses do Tesouro Nacional aos três fundos superaram R$ 7,4 bilhões.

A política de desenvolvimento regional no Brasil conta ainda com incentivos fiscais concedidos para empresas instaladas nas áreas de atuação da SUDAM e da SUDENE. Em 2010, esses incentivos alcançaram cerca de R$ 6,4 bilhões. Os Fundos de Desenvolvimento da Amazônia (FDA) e do Nordeste (FNDE) também fazem parte dos instrumentos de desenvolvimento regional. Esses fundos financiam empresas constituídas na forma de sociedade por ações, aptas a emitir debêntures. Em 2010, o FDA e o FDNE contaram com orçamentos de, respectivamente, R$ 1,03 bilhão e R$ 1,55 bilhão.

Tomando como base o ano de 2010 e os três instrumentos citados acima – fundos constitucionais de financiamento, incentivos fiscais e fundos de desenvolvimento –, o volume de recursos à disposição da política de desenvolvimento regional chega a R$ 16,5 bilhões ao ano.

Deve-se perguntar, portanto, por que a política de desenvolvimento regional, adotada no Brasil desde meados do século passado e que conta com volume significativo de recursos, não foi capaz de alcançar seus dois objetivos básicos: a convergência de renda per capita e a melhor distribuição da atividade econômica entre as macrorregiões brasileiras.

A esse respeito, deve-se observar que o Poder Executivo, no início da década passada, por meio da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), institucionalizada no Decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, mudou sua visão do problema regional brasileiro. A PNDR parte do pressuposto de que há, em todas as macrorregiões brasileiras, sub-regiões dinâmicas e com alta renda e sub-regiões estagnadas e de baixa renda (por exemplo, a Metade Sul do Rio Grande do Sul e o Vale do Ribeira, em São Paulo). O problema regional estaria, portanto, presente em todo o País, e não somente no Norte e no Nordeste. Seria preciso, portanto, mudar o escopo da política, que passaria de macrorregional para sub-regional.

Além dessa mudança de escopo, há que se considerar a questão dos custos de transporte, a que dão ênfase os autores da Nova Geografia Econômica (NGE). Os modelos propostos por autores da NGE consideram duas regiões, uma pobre e outra rica. Se os custos de transporte entre as duas regiões forem altos, as empresas terão interesse em se manter na região rica, com um mercado maior, que lhes propicia ganhos de escala, com trabalhadores com qualificação adequada às suas necessidades e com a presença de fornecedores especializados (essas são as externalidades positivas decorrentes da concentração da atividade produtiva no espaço).

Com a redução do custo de transporte entre as regiões, as empresas poderão ter interesse em sair da região rica, com maior concentração de atividade econômica, devido à elevação dos preços dos fatores de produção nessa região (em função das chamadas deseconomias de aglomeração). Com um baixo custo de transporte, as empresas poderão se instalar na região menos desenvolvida, com um mercado menor, porém com custos de produção mais baixos, e de lá atender à demanda da região rica. Esse movimento levaria à desconcentração da produção, podendo levar à convergência de renda entre as regiões pobre e rica.

No entanto, a desconcentração da atividade econômica não é uma consequência inexorável da redução dos custos de transporte. Isso ocorre porque, mesmo que os custos de produção sejam maiores na região rica, as empresas têm benefícios quando se instalam ali. Estes decorrem das externalidades positivas advindas da concentração.

Portanto, se o custo de transporte cair muito (tendência a zero), as empresas terão incentivo para se instalar na região rica, onde o mercado é maior. Com a queda dos custos de transporte, as empresas podem se beneficiar ainda mais dos ganhos de escala, já que podem atender também o mercado da região pobre, que antes possuía uma “proteção natural” em função dos elevados custos de transporte. Haveria, portanto, um incentivo para a localização das empresas na região rica, com maior mercado interno[2].

Portanto, mesmo com a redução do custo de transporte em função dos investimentos em infraestrutura, as empresas têm que ter um incentivo para abdicar dos ganhos que teriam ao se localizarem na área rica. Em outros termos é preciso pensar em uma forma de contrabalançar a tendência de concentração, já que não se deve deixar de investir em infraestrutura para reduzir custos de transporte[3].

Essas proposições levam à conclusão de que, para que a política de desenvolvimento regional seja mais eficiente, ela deve contar com dois instrumentos complementares: incentivos para a atração de empresas para as regiões menos desenvolvidas e investimentos em infraestrutura.

A política de desenvolvimento regional brasileira conta com recursos para oferecer incentivos, como se viu acima. No entanto, ela conta com poucos recursos para investimentos em infraestrutura que tenham o objetivo de reduzir custos de transporte e que sejam sujeitos às diretrizes estabelecidas pela política de desenvolvimento regional.

No caso do Brasil, são parcos os investimentos em infraestrutura que obedecem a uma lógica regional. Por exemplo, a duplicação de uma rodovia em certa região pode ser importante para reduzir a densidade do trânsito. No entanto, o investimento que gera maior retorno para a região pode ser o asfaltamento de estradas vicinais, que reduzirão o custo de escoamento de produção de pequenos municípios com potencialidades econômicas.

Outra questão importante é o montante de recursos. Sabe-se que, mesmo com o aumento recente, o poder público no Brasil investe pouco em infraestrutura. No atual quadro de restrição fiscal, promover um aumento dos recursos orçamentários destinados a investimentos em infraestrutura subordinados à questão regional seria difícil. Assim sendo, parte dos recursos dos fundos constitucionais de financiamento e dos fundos de desenvolvimento, que hoje são destinados apenas a empréstimos, deveriam ser utilizados para financiar investimentos em infraestrutura subordinados à lógica do desenvolvimento regional, sendo que, para isso, são necessárias alterações nas normas que regulam esses fundos.

Concluindo, na formulação de uma política de desenvolvimento regional, sem deixar de considerar questões como os incentivos à inovação e os investimentos em educação, deve-se ter em mente que as empresas têm ganhos em função da aglomeração. Para levá-las a abdicar desses ganhos, o Estado deve lhes oferecer incentivos, mas estes, para terem impacto sobre as decisões quanto à localização, devem ser superiores aos ganhos que as empresas teriam ao optarem pela localização na região rica, ou seja, aos ganhos decorrentes da aglomeração. Mas o diferencial entre os incentivos e os ganhos de aglomeração variam com o custo de transporte. Em particular, quando os custos de transporte caem, fica mais fácil fazer com que as empresas se instalem em regiões periféricas, desde que haja outros incentivos para que elas se desloquem.

Pode-se dizer, então, que os dois instrumentos – incentivos e investimentos em infraestrutura – são complementares e devem estar presentes na política de desenvolvimento regional. A ênfase em apenas um desses instrumentos pode reduzir a eficiência da política, impedindo que ela alcance seus dois objetivos principais, a saber: a melhor distribuição espacial da atividade econômica e a convergência da renda per capita entre as regiões de um país.

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Para ler mais sobre o tema:

Oliveira Jr., Márcio (2011). Marco regulatório das políticas de desenvolvimento regional no Brasil: fundos de desenvolvimento e fundos constitucionais de financiamento. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 101. Brasília – DF. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] O aumento da participação do Centro-Oeste está influenciado pela presença do Distrito Federal (DF), que concentra a administração pública. Caso o DF não fosse considerado, a participação do PIB do Centro-Oeste cairia de 9,2% para 5,1% em 2008.

[2] Cite-se como exemplo desse movimento o caso da Itália. A redução dos custos de transporte entre o Norte e o Sul da Itália após a 2ª Guerra Mundial retirou a “proteção natural” que as empresas do Sul tinham, dada pelo alto custo de transporte, e acelerou seu processo de desindustrialização, aumentando a diferença econômica entre as duas regiões italianas.

[3] É verdade que há um limite para os ganhos de escala e, a partir de determinado nível, as deseconomias de aglomeração (aumento de engarrafamentos, encarecimento dos lotes e do custo da mão-de-obra) tendem a contrabalançar os ganhos de escala mencionados anteriormente. Mas esses custos de congestão podem demorar a aparecer e, muitas vezes, fazem com que atividade econômica se desconcentre somente no nível micro ou mesorregional, sem afetar a distribuição entre as macrorregiões.

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