Economia Comportamental – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 11 Oct 2017 18:47:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Economia comportamental e as contribuições de Richard Thaler: um breve resumo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3061&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=economia-comportamental-e-as-contribuicoes-de-richard-thaler-um-breve-resumo Wed, 11 Oct 2017 18:47:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3061 O que é hoje conhecido, dentro da ciência econômica, como “Economia Comportamental”, nada mais é do que uma mistura de (alguma) psicologia com (muita) economia. O propósito é tão nobre quanto simples: utilizar os resultados empíricos bem-estabelecidos na literatura de psicologia para enriquecer e melhorar a descrição do comportamento e dos processos decisórios dos indivíduos que povoam a teoria econômica.

Não se trata portanto de demonstrar a irracionalidade das pessoas nem tampouco a inutilidade dos modelos tradicionais utilizados pelos economistas. Mas de melhorar a parte psicológica dos modelos econômicos – nos mais variados tópicos com que lidam os economistas – na expectativa de melhorar o poder explicativo e preditivo desses modelos.

“ECONOMIA COMPORTAMENTAL”: DEMONSTRAÇÃO DA FORÇA DA ORTODOXIA

Há quem veja a área de economia comportamental (ou tenha visto quando os primeiros trabalhos na área surgiram) como uma espécie de mudança de paradigma dentro da profissão (algo meio heterodoxo, talvez). Mas há razões para acreditar que a área está longe de ser uma mudança radical de paradigma, uma espécie revolução “Lakatosiana” dentro da profissão.

Primeiro porque os trabalhos mais influentes na área abraçam os pressupostos metodológicos do mainstream da profissão — (a) o individualismo metodológico, (b) articulação de hipóteses em um modelo matemático, (c) derivação lógica das implicações dessas hipóteses e (d) teste empírico cuidadoso tanto das hipóteses quanto das conclusões do modelo.

Segundo porque a preocupação com o realismo psicológico e mesmo uma série de conceitos e formulações exploradas nos chamados modelos com uma pitada “comportamental” (aversão à perda, preocupações com “fairness”) já apareciam nos trabalhos dos economistas antigos pioneiros da profissão – sobre isso, ver, por exemplo, o trabalho de Nava Ashraf e colegas sobre Adam Smith. Nesse sentido, “economia comportamental” poderia ser visto como um retorno aos clássicos em bases mais sólidas (seja porque os economistas estariam melhor organizados em termos metodológicos, seja porque elementos psicológicos agora seriam provenientes de uma análise rigorosa de uma massa mais volumosa de dados – e não de introspecção e evidência anedótica).

CETICISMO COM A ÁREA: “IN MARKETS WE TRUST”

Claro que, como quase como todo trabalho acadêmico inovador, os primeiros trabalhos na área – aí inclusos os de Thaler – enfrentaram o ceticismo de muitos economistas. Não é que os economistas acreditassem que as pessoas não cometiam erros ou que adotassem condutas que pareciam desprovidas de racionalidade. Nem tampouco que os modelos de então fossem quase perfeitos em sua capacidade explicativa e preditiva. Mas a parca atenção dada ao tipo “anômalo” de comportamento – que desafiava os modelos padrões na área – era em geral justificada pela crença de que experiência e competição (elementos típicos entre agentes de um mercado minimamente competitivo) tornaria irrelevante, ou eliminaria por completo, esses comportamentos – numa louvor ao poder disciplinador (e, porque não, educador) dos “mercados” (acrônimo para a interação livre de um número arbitrariamente grande de pessoas com interesses, preferências e conjunto de informações heterogêneos).

Não é que os trabalhos na área de economia comportamental, como alguns parecem acreditar, têm a intenção de demonstrar que as pessoas não são racionais – um conceito modelo-específico e, portanto, (que pode ser feito) consistente com uma ampla variedade de comportamentos. Longe disso, os trabalhos seminais na área documentaram uma série de “atalhos” mentais que as pessoas utilizam que, conquanto funcionem em vários contextos, nos levam em muitos outros contextos a produzir escolhas, argumentavelmente, sub-ótimas (uma lista desses “atalhos”, ou heurísticas de decisão, foi originalmente compilada e discutida no artigo seminal de Kahneman e Tversky “Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases”, Science 1974). Veja que não se trata de, por isso, abandonar o paradigma dominante da profissão, mas de reformulá-lo, aperfeiçoando a parte descritiva de seus modelos. Não é por acaso, como discutirei mais à frente, que o “rótulo” “economia comportamental” tende a cair em desuso – um claro sinal do grau de desenvolvimento da área e de sua (completa) incorporação ao mainstream da profissão.

O PRÊMIO NOBEL – AS CONTRIBUIÇÕES DE RICHARD THALER

Ninguém sabe os critérios exatos de seleção do Comitê do Prêmio Nobel na seleção dos agraciados. A impressão geral é a de que Richard Thaler esteja sendo agraciado com o Prêmio Nobel pelo conjunto de sua obra: seus artigos acadêmicos, seus trabalhos de divulgação da área, em livros como “Nudge” e “Misbehaving”, e até mesmo sua contribuição na formulação de política pública, por exemplo, como conselheiro da “Unidade de Insights Comportamentais” do governo britânico.

É razoável, todavia, acreditar que o prêmio, como acontece em outras áreas, seja bastante influenciado pela parte acadêmica de suas contribuições e, nessa dimensão, pela originalidade, pela inovação e pelo impacto que tais trabalhos tiveram na profissão – um impacto medido tanto pelas citações que tais trabalhos tiveram quanto pelas áreas e novas frentes de pesquisa que tais trabalhas contribuíram para abrir. Nesse sentido, pode-se dizer que Richard Thaler foi agraciado por contribuições sobre quatro tópicos.

 

1) Finanças comportamentais

Em um artigo publicado em 1985, Thaler e Werner Bondt documentam evidência de “overreaction” – compra ou venda excessiva de ações provocada por uma reação exagerada às notícias recentes (boas ou ruins), produzindo um aumento ou queda exagerados do preço das ações. Consistente com a hipótese de “overreaction”, Thaler e seu coautor, analisando as ações ao longo de cinco anos da bolsa de valores de Nova York, mostram que movimentos extremos nos preços das ações será sistematicamente seguido por movimentos corretivos na direção em oposta. Como o apreçamento “incorreto” das ações sobrevivia à arbitragem (movimento de outros compradores de explorar esses erros) por um tempo considerável, o resultado desafiava a ideia de os mercados financeiros eram eficientes – embora não fosse claro à época, e ainda não é, o quanto disse se deve à existência de traders que não são inteiramente racionais (falhariam, por exemplo, em fazer uma atualização Bayesiana de suas crenças à luz da nova informação) e quanto se deve à existência de limites à atividade de arbitragem.

Trabalho seminal: De Bondt, W., and R. Thaler (1985), “Does the stock market overreact?”, Journal of Finance 40:793−808

 

2) Contabilidade mental

Thaler propôs que as pessoas – ou pelo menos a maior parte delas – usam um processo psicológico de codificação de seus ativos que se assemelharia à criação de uma série de balanços contábeis (ou conta-caixa) que, muito embora tenham seus recursos provenientes da mesma fonte (renda salarial, por exemplo), não seriam transferíveis entre si – isto é, o dinheiro colocando na conta “jantares de fim de semana” não seriam transferível para cobrir déficits na conta mental “gastos com manutenção do veículo”, por exemplo.

Como os “balanços” teriam dimensões distintas, a propensão marginal a consumir de cada “balanço” não é idêntica, muito embora os recursos sejam provenientes da mesma fonte “fungível” (a renda mensal, por exemplo). Essa “rotulação” subjetiva heterogênea da nossa renda explicaria, por exemplo, porque nossa disposição a comprar com dinheiro na carteira é menor do que nossa disposição a comprar a mesma coisa com cartão de débito/crédito ou porque compramos algo parcelado com juros mensais maiores do que o rendimento mensal do dinheiro que temos guardado na poupança com o qual poderíamos ter comprado o bem ou serviço.

 Trabalho seminal: Richard Thaler, 1985. “Mental Accounting and Consumer Choice,” Marketing Science, vol. 4(3), pages 199-214.

 

3) Valor da vida

Trabalho que Richard desenvolveu como parte de sua tese de doutoramento – e depois publicado em coautoria com seu orientador, Sherwin Rosen – e que inaugura as técnicas para estimar o valor da vida a partir da relação entre salário e risco das várias ocupações – a ideia aqui é que se, o mercado de trabalho remunera R$ X reais a mais para que um trabalhador aceite uma ocupação com um risco adicional de mortalidade de p%, então o valor estatístico da vida é de R$ X / p. É uma parte pouco salientada do trabalho de Thaler mas que teve enorme influência na avaliação de políticas públicas e no Direito.

A ideia de mensurar a vida parece repugnante para muitos mas é absolutamente essencial para decidirmos quais políticas públicas merecem serem implementadas – fosse o valor da vida infinito, faria sentido proibir o uso de veículos, uma política de custos elevados com a qual poucos concordariam.

Richard Thaler & Sherwin Rosen, 1976. “The Value of Saving a Life: Evidence from the Labor Market“, NBER Chapters, in: Household Production and Consumption, pages 265-302

National Bureau of Economic Research, Inc.

 

4) Efeito dotação (endowment effect)

O “endowment effect” diz respeito ao fato, já amplamente documentado, de que as pessoas tendem a atribuir mais valor às coisas quando elas são proprietárias dessas coisas do que quando essas mesmas coisas são propriedades de outras pessoas. Embora esse efeito tenha aparecido nos trabalhos de Kahneman e Tversky (pois que seria manifestação da nossa aversão à perda), Thaler já havia notado o fenômeno em seu trabalho sobre o valor da vida. Ao indagar as pessoas sobre o quanto de dinheiro elas estariam dispostas a pagar para eliminar um risco de morte (de 1 em 1 milhão, digamos), Thaler percebeu que os valores em resposta a essa pergunta eram muito menores do que os valores apontados em resposta à pergunta similar mas envolvendo o quanto elas estariam dispostas a receber para eliminar tal risco.

Pelo menos à luz da teoria econômica padrão de então, não há razão para que as respostas fossem distintas. Mas a constatação está nas origens do que é hoje um dos resultados – outrora visto como anomalia – mais bem-estabelecidos em economia comportamental cuja universalidade, implicações e até suas origens evolucionárias tem sido amplamente investigada.

Os trabalhos em torno desse tópico nos ajudaram a entender, por exemplo, nossa preferência pelo status quo, da qual se origina, junto com a pesquisa sobre problemas de autocontrole, a recomendação pela inscrição automática em planos de previdência. O efeito dotação também ajuda a compreender a rigidez dos salários (para baixo) mesmo em períodos de recessão da economia e o porquê das pessoas se revoltarem com o aumento de preço de água e alimentos em supermercados em áreas que sofreram algum desastre natural.

Trabalho seminal:

(a)    Thaler, Richard, 1980. “Toward a positive theory of consumer choice,” Journal of Economic Behavior & Organization, Elsevier, vol. 1(1), pages 39-60, March.
(b)    Daniel Kahneman & Jack L. Knetsch & Richard H. Thaler, 1991. “Anomalies: The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias,” Journal of Economic Perspectives, American Economic Association, vol. 5(1), pages 193-206.

SURPRESAS?

Há quem esteja surpreso com o prêmio. Primeiro porque não parecia que trabalhos de “primeira geração” da área de economia comportamental receberiam outra premiação – por trabalhos desse tipo, Kahneman foi premiado em 2002. Segundo porque, condicional a premiar a área, é argumentável que outros economistas tinham contribuições tão importantes quanto a de Thaler que talvez o tornassem merecedores do prêmio juntamente com Thaler – cito, a título de exemplo, os trabalhos sobre cooperação de Ernst Fehr (University of Zurich), os desenvolvimentos de teoria comportamental dos jogos de Colin Camerer (Caltech) e as várias contribuições teóricas nos tópicos de consumo, autocontrole e risco de Mattew Rabin (U of Harvard).

A ÁREA NO BRASIL

Muitos perguntam porque a área de economia comportamental é pouco desenvolvida no Brasil. Não há muito segredo aqui: (1) há poucas pessoas com treino na área (o Brasil absorve poucas pessoas formadores no exterior, onde essas áreas são mais desenvolvidas) e (2) a área tem uma sinergia com investigação experimental, que custa relativamente caro. Como as agências de fomento no Brasil não são exatamente ricas, pesquisar nessa área pode ser muito difícil no país.

O FUTURO DA ÁREA

A área de “economia comportamental” era, inicialmente, um punhado de tópicos com algumas dezenas de papers. Com o tempo, a ideia de trazer insights da psicologia para melhorar os modelos econômicos foi sendo aplicado em vários tópicos de pesquisa. A área foi se adensando horizontalmente (mais tópicos) e verticalmente (mais trabalhos teóricos e empíricos dentro de cada tópico). Há hoje apenas um link muito vago entre os trabalhos com uma “pegada” comportamental. Fora isso, a área já está incorporada ao mainstream da profissão – trabalhos “comportamentais” aparecem regularmente nas principais revistas científicas da profissão. O rótulo vai cada vez mais fazendo menos sentido – tudo em economia, afinal de contas, é comportamental. O que parece um sinal de estagnação da área, é antes um sinal de desenvolvimento e maturidade da área.   O rótulo pode desaparecer mas, quando olharmos para o passado da profissão, Thaler será lembrado como um dos que promoveu o avanço do conhecimento na disciplina e, em certo sentido, reconectou a profissão com suas origens.

Versão deste texto foi publicada em O Economista X, em 10 de outubro de 2017.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
Por que o fator previdenciário não adia as aposentadorias? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2761&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-fator-previdenciario-nao-adia-as-aposentadorias https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2761#comments Thu, 24 Mar 2016 12:48:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2761 Em 2002, o israelense Daniel Kahneman foi o primeiro psicólogo a receber o prêmio Nobel em Economia, por “integrar insights da psicologia à ciência econômica1. Kahneman, é a principal referência do campo conhecido como “Economia Comportamental”, área “proveniente da incorporação, pela economia, de desenvolvimentos teóricos e descobertas empíricas no campo da psicologia”2. O enfoque da economia comportamental vai ao sentido de aprimorar a concepção do ser humano tido como “excessivamente” racional na teoria econômica tradicional, concepção que é pejorativamente conhecida como “homo economicus”.

Mais recentemente, a economia comportamental saiu da academia e chegou aos governos, orientando em muitos países a implantação de políticas públicas (conforme discutido no blog aqui).  Uma questão que é especialmente relevante para a economia comportamental é a aposentadoria. Segundo Sunstein (2013):

de acordo com a teoria econômica padrão, as pessoas irão considerar tanto o curto prazo quanto o longo prazo. Nós temos em conta as incertezas; nós sabemos que o futuro é imprevisível e que grandes mudanças podem acontecer.

No entanto, o que se verifica frequentemente segundo Sunstein (2013) são escolhas por opções com “benefícios líquidos de curto prazo e custos líquidos de longo prazo”. Segundo o autor, decisões “míopes” e curtoprazistas ocorrem em parte porque as pessoas simplesmente não conseguem considerar interesses futuros como sendo de fato seus.

Por sua vez, Hershfield et. al (2011) realizaram experimento usando “realidade virtual imersiva”3, em que parte dos participantes eram inseridos em um avatar, uma representação visual de seus corpos e rostos no futuro: observou-se que aqueles que se “visualizaram” no futuro exibiram tendência maior de aceitar recompensas financeiras posteriores ao invés de recompensas imediatas. Os pesquisadores defendem que a dificuldade de os indivíduos se visualizarem aposentados seria responsável por uma crise de poupança para aposentadoria nos Estados Unidos, relacionada à inclinação das pessoas de colocar maior peso na gratificação de curto prazo em relação aos ganhos de longo prazo.

Ariely (2008) avalia ser uma fraqueza humana comum ceder a “impulsos” durante a consecução de objetivos de longo prazo, dificuldade que estaria na raiz de problemas tão diversos quanto se manter em uma dieta ou conseguir uma aposentadoria satisfatória. O fracasso — repetidamente — em alcançar esses objetivos seria a fonte de boa parte da “miséria” humana: “temos problemas com autocontrole, relacionados à gratificação imediata e (gratificação) postergada”.

Decisões como a da aposentadoria parecem ser de interesse especial para a economia comportamental por envolver uma das questões que mais lhe é cara: a distribuição de ganhos e perdas de uma decisão no curto e no longo prazo. Ariely (2008), que observa que a decisão de aposentadoria é sensível no mundo todo, contrasta a abordagem da economia comportamental com a da teoria econômica tradicional nesta questão. Na concepção tradicional, um benefício de aposentadoria insatisfatório seria decorrente de decisões racionais de um indivíduo, o que teria de pressupor que “não ligamos para o futuro, (…) aguardamos experenciar a pobreza quando aposentados, (…) esperamos que nossos filhos cuidem de nós, (…) ou temos esperança de ganhar na loteria”. A provocação evidencia que a racionalidade como concebida na teoria econômica tradicional, embora extremamente útil para várias abordagens, não parece se adequar a (más) decisões de aposentadoria.

 

A aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil e a economia comportamental

A escolha de quando se aposentar no Brasil pode estar especialmente sujeita aos vieses que a economia comportamental diagnostica, por conta da existência do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (ATC), sem idade mínima. Este tipo de aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social é a principal modalidade de aposentadoria da classe média no país (excluídos os servidores públicos). Não havendo um limite mínimo de idade obrigatório na aposentadoria por tempo de contribuição, os trabalhadores têm uma amplitude de tempo ainda maior para decidir quando devem parar de trabalhar.

Este espaço de tempo abre um leque de escolhas também por conta da existência do fator previdenciário: criado para contornar a ameaça à sustentabilidade da Previdência Social devido à ausência da idade mínima, o fator calcula o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição de acordo com a expectativa de sobrevida do segurado (quanto maior, menor o benefício) e com o próprio tempo de contribuição (quanto maior, maior o benefício). Assim, cumpridos os requisitos de 35 anos de tempo de contribuição para homens e 30 para mulheres, o trabalhador pode continuar trabalhando ou, a qualquer tempo, pedir a aposentadoria. Ainda, é possível que o trabalhador opte pelas duas coisas: continuar trabalhando e receber a aposentadoria — o que não é proibido e de fato é muito comum.

 

A decisão de se aposentar na teoria econômica tradicional

A teoria econômica tradicional, baseada na já discutida noção de racionalidade, teve dificuldade em lidar satisfatoriamente com o problema da decisão da aposentadoria. Em verdade, a percepção da importância de itens como a educação previdenciária para os cidadãos precede a ascensão da própria economia comportamental4. Este campo se mostrou relevante mais por identificar com clareza — empiricamente  —  os vieses que afetam decisões como esta e por sua prescrição de instrumentos (como os nudges, discutidos aqui), e não por reconhecer pioneiramente que, na prática, decisões sobre aposentadoria não são completamente racionais (na acepção da teoria econômica).

Por exemplo, Tafner, Botelho e Erbisti (2015) argumentam que a própria intervenção dos governos em prover previdência pública, de uma maneira mais ampla, já se basearia no diagnóstico de alguma deficiência. Os autores enfatizam deficiências de informação e de capacidade de decisão neste processo. Diz Oliveira (1982 apud TAFNER, BOTELHO e ERBISTI 2015):

A decisão de quanto, quando e como poupar (…) de modo a garantir um fluxo de rendas suficientes durante o período de inatividade é, certamente, muito complexa. O indivíduo deveria ter disponível um conjunto de informações extremamente amplo e preciso sobre seus futuros riscos.

Oliveira inclui entre esses riscos possíveis doenças, suas durações e custos, bem como as expectativas de vida do segurado e de seus dependentes “Mesmo que essas informações fossem disponíveis, a análise (…) seria tarefa árdua para uma equipe de atuários e de analistas de investimento”.

No entanto, a abordagem tradicional da “economia da aposentadoria” se baseia na racionalidade de um agente. Leonesio (1996) descreve estes modelos como partindo de modelos de escolha entre trabalho e lazer, onde se incluiria também a decisão de aposentadoria: “todos (são) partes de um problema mais geral de decidir como usar o tempo”. Em geral, estes modelos partiriam da noção de que um indivíduo tomaria uma decisão racional maximizando sua “satisfação” (função utilidade), baseada em quantidades de consumo, lazer e em sua “taxa de preferência temporal” (que pondera o valor dessas variáveis no presente e no futuro). Este processo de maximização se sujeitaria a uma restrição orçamentária também intertemporal. Com base nesses parâmetros, o indivíduo tomaria a decisão ótima referente ao número de anos que deve trabalhar e quanto deve poupar ao longo de sua vida laboral. Ao leitor interessado em conhecer mais sobre os modelos de aposentadoria na teoria econômica tradicional, consultar Nery (2016).

 

A decisão de se aposentar na economia comportamental

De acordo com as pesquisas da ciência comportamental, decisões como a da aposentadoria poderiam sofrer variadas influências não captadas pela teoria tradicional. Entre essas influências, se encontram heurísticas, “regras de bolso” que simplificam a tomada de decisões complexas, e vieses cognitivos, os erros sistemáticos de decisão resultantes do uso de heurísticas5.

Cabe notar que essas influências e conceitos discutidos pela economia comportamental, que se contrapõem a modelos mais formalizados, como os citados anteriormente, e que serão apresentadas nesta subseção, se aplicam de maneira ampla ao problema de aposentadoria e de formação de poupança como um todo, e não especificamente apenas ao caso brasileiro.

Conceitos destacados para a economia comportamental para melhor compreender problemas com as decisões de aposentadoria e poupança incluem:

  • Desconto hiperbólico: a ideia que “recompensas recebidas no presente pesam mais do que recompensas futuras”, e, em especial, que os “valores atribuídos a recompensas decrescem rapidamente para pequenos períodos de adiamento” (Samson, 2015).
  • Viés do presente: relacionado ao item anterior, “refere-se à tendência de dar um peso maior a recompensas que estão mais próximas do tempo presente quando consideramos os trade-offs entre dois momentos futuros” (Samson, 2015).
  • Escolhas com inconsistência temporal (ou dinâmica): escolhas a partir das ideias anteriores, que ocorrem quando as “pessoas são desproporcionalmente atraídas por gratificações disponíveis imediatamente” e que não teriam sido feitas se fossem contempladas por uma “perspectiva desapaixonada” segundo Hoch e Loewenstein (1991).
  • Autocontrole: diferentemente das ideias anteriores, seria para Nunes, Rogers e Cunha (2015), “a capacidade de executar planos anteriormente definidos e, portanto, realizar escolhas intertemporais consistentes”. Por sua vez, Rick e Loewenstein (2015) enfatizam que “além de reconhecer e dar atenção às consequências futuras das nossas ações presentes, também precisamos ser capazes de controlar nosso comportamento de forma a implementar a linha de comportamento desejada”, o que poderia ser chamado também de “força de vontade”.
  • Viés de otimismo (ou otimismo irrealista): segundo Samson (2015), seria a tendência de superestimar a probabilidade de cenários positivos e de subestimar a de cenários negativos (por exemplo, o de ter um câncer no futuro).

 

Complexidade e insatisfação na aposentadoria por tempo de contribuição

Fica claro que a decisão de pedir o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, frente aos incentivos colocados pelas fórmulas do fator previdenciário e a da fórmula 85/95 móvel, é especialmente complexa. Nos veículos de comunicação, as dúvidas em relação à aposentadoria aparecem com frequência. Há profusão de reportagens em jornais buscando orientar os cidadãos sobre o funcionamento da previdência no país e sobre como decidir qual “o melhor momento de se aposentar”.  Diversos sites da internet disponibilizam ainda simuladores de aposentadoria, frequentemente ligados a sindicatos. Dados dos primeiros meses de vigência da fórmula 85/95 mostram que os segurados têm se dividido entre as duas formas de cálculo, ou seja, as decisões em relação à fórmula de cálculo do benefício não têm sido uniformes (pelo menos a princípio).

A complexidade percebida pelos segurados não é o único problema: um contingente significativo daqueles que se aposentam por tempo de contribuição consideram insatisfatório o valor de seus benefícios.  Muitos se arrependem da data em que se aposentaram, sendo esta, porém, uma decisão irrevogável. Como reflexo, o Congresso Nacional recebe muitas demandas para conceder aumentos reais aos benefícios  e para permitir a desaposentadoria (recálculo das aposentadorias dos trabalhadores que continuaram trabalhando, em geral sem devolução dos benefícios já recebidos). Esta última seria objeto também de mais de 120 mil ações no Judiciário segundo a Advocacia-Geral da União (AGU). Em verdade, no ano de 2015, duas medidas provisórias foram aprovadas no Congresso Nacional com emendas atendendo estes dois pleitos (reajustes reais para todos os benefícios e desaposentadoria), vetadas posteriormente pela Presidência.

Entre outras demandas que resultam em projetos de lei ou emendas parlamentares estão também a extinção definitiva do fator previdenciário ou a fixação de parâmetros de seu cálculo que sejam mais favoráveis aos segurados (ex: não atualizar a expectativa de sobrevida após satisfeitos os requisitos de 35/30 anos de contribuição).  A título de ilustração, estudo da Consultoria Legislativa do Senado mostrou que em dezembro de 2014 tramitavam no Congresso Nacional 223 proposições acerca de benefícios previdenciários, sendo que 78% na direção de aumentar os benefícios recebidos6. Da mesma forma, outro estudo apontou que entre 1.048 emendas apresentadas às quatro Medidas Provisórias que tratavam de benefícios da Seguridade em 2015, 73% também objetivavam aumentar as despesas previdenciárias7.

Essa relativa complexidade e a insatisfação podem estar associadas às idades precoces praticadas na aposentadoria por tempo de contribuição. A percepção de complexidade pode ajudar a explicar a miopia dos segurados em se aposentar cedo, apesar do cálculo do benefício com o fator previdenciário ser muito mais favorável com alguns anos de espera. Por sua vez, os valores “baixos” recebidos por conta do fator previdenciário que incide com a idade e tempo de contribuição menores podem ajudar a explicar a enorme insatisfação dos beneficiários.

Os dados apresentados por Pereira (2013) coadunam com esta noção. Mesmo doze anos depois da criação do fator, os pedidos de ATC parecem “não obedecer” à sua lógica: em 2012 essas aposentadorias se deram em média com apenas cinco meses além do requisito mínimo de 35 anos no caso dos homens (35,44) e dois meses além do requisito mínimo de 30 anos no caso das mulheres (30,2 anos)8. Menos de um terço dos benefícios dos homens e apenas cerca de um quarto dos benefícios das mulheres foram concedidos com pelo menos um ano de contribuição adicional além do mínimo de 35/30.

Ilustrativamente, um homem de 55 anos que se aposentasse naquele ano com os 35,44 anos de contribuição correspondentes à média teria um benefício apenas 1,5% maior do que o que teria com o mínimo de 35 anos exatos. No mesmo sentido, uma mulher de 50 anos que se aposentasse com os 30,2 anos de contribuição da média daquele ano teria um benefício menos de 1% maior do que o que receberia com apenas 30 anos, o que evidentemente é uma vantagem ainda muito pequena. Uma das possibilidades constantemente usada para explicar este fenômeno de aposentadorias precoces perante o fator previdenciário seria a percepção, bastante difundida, de que o cálculo do fator “piora” anualmente por conta da revisão da expectativa de sobrevida da população, o que tornaria prudente pedir o benefício o quanto antes9 10.

Sunstein (2013) avalia que a “complexidade pode ter sérios efeitos não intencionais, incluindo (gerar) indiferença (…) e confusão” nos cidadãos. A complexidade da decisão referente à ATC no Brasil, conjugada com a insatisfação em relação aos benefícios, pode dar ensejo ao uso de nudges para melhorar a tomada de decisão daqueles que pedem esse benefício, a partir do uso das principais descobertas da economia comportamental, ajudando-os a escolher quando se aposentar.

Esta pode ser uma tentativa de abordar o “paradoxo” das aposentadorias por tempo de contribuição: elas têm regras consideradas ao mesmo tempo pouco generosas pelos segurados que as recebem e muito generosas pelos especialistas que analisam as contas da Previdência. Este “empurrão” seria uma intervenção simples, focada em melhorar o planejamento dos segurados e reduzir as resistências aos benefícios, com sorte atenuando a judicialização de questões previdenciárias e a pressão política por aumento de gastos.

Um nudge tem o objetivo de superar vieses inconscientes usados em decisões que não são consideradas racionais, “reenquadrando” as escolhas possíveis. Esta “arquitetura da escolha” não obriga ninguém a escolher alguma alternativa específica, nem proíbe qualquer opção. Um nudge também não altera a estrutura de incentivos econômicos existentes. Segundo Thailer e Sunstein (2008):

As pessoas irão precisar de nudges para decisões que são difíceis e raras, para quais elas não recebem pronto feedback, e quando elas têm problema em traduzir aspectos da situação em termos que elas consigam facilmente entender (…) para escolhas que têm efeitos postergados; as que são difíceis, infrequentes, e oferecem feedback pobre; e para aquelas em que a relação entre escolha e experiência é ambígua.

Estas características parecem estar presentes no caso do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição (ATC). Como em outros países, esta é uma decisão obviamente rara e infrequente (uma mesma pessoa não se aposenta diversas vezes na vida). No Brasil, pode ser especialmente difícil por conta do cálculo a ser feito em relação à fórmula do fator previdenciário, que já chegou a ser considerada até em uma decisão da Justiça Federal como “extremamente complexa – (de) complexidade absurda11. Como vimos, a complexidade do cálculo do benefício foi significativamente aumentada em 2015 após a aprovação da fórmula 85/95 móvel para o cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição (que, cabe observar, não extinguiu o fator).  A coexistência dessas duas formas de cálculo torna mais complicada a tarefa das pessoas de traduzir aspectos da situação em termos que elas consigam facilmente entender.

Ainda em relação às características listadas por Thaler e Sunstein, esta é uma decisão em que não se recebe um pronto feedback, que tem efeitos postergados, e em que a relação entre escolha e experiência é ambígua. Estes três aspectos se aplicariam especialmente ao caso da aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil por duas características peculiares do benefício no país já citadas: i) a inexistência da idade mínima, que gera aposentadorias em idades precoces (média de 55 anos para homens, 52 para as mulheres); e ii) a possibilidade de acúmulo das rendas do trabalho e da aposentadoria. Essas duas características fazem com que haja frequentemente um grande distanciamento da experiência de viver de fato como idoso e de receber como renda de fato apenas a aposentadoria em relação à realidade imediatamente posterior à escolha de pedir o benefício (ao redor dos 54 anos e talvez acumulando outras rendas).

No caso aqui analisado, nudges poderiam consistir na apresentação, para o segurado que deseja se aposentar por tempo de contribuição, de maneira clara e intelegível, de informações tais como12:

  • Valor estimado do benefício para cada ano adicional de contribuição além dos mínimos de 35/30;
  • Data estimada em que seria possível se aposentar com a fórmula 85/95 móvel;
  • Data estimada em que o valor do benefício calculado pelo fator previdenciário seria maior do que o calculado pela fórmula 85/95 móvel (fator previdenciário maior que 1);
  • Diferenças (“perdas”) entre o valor do benefício calculado naquela data e os valores referentes aos itens anteriores;
  • Alerta de que a aposentadoria é irrenunciável;
  • Alerta de que contribuições adicionais do aposentado que continua em atividade não aumentam o valor do benefício;
  • Dados sobre a satisfação de beneficiários que se aposentaram em condições semelhantes.

Estas informações poderiam melhorar a tomada de decisão do segurado de quando se aposentar diante da coexistência das duas fórmulas de cálculo, inclusive uma delas com regra de transição (a da 85/95). Note ainda que os últimos dois itens informariam sobre a impossibilidade de obter a desaposentadoria (pelo menos por via administrativa). Informações como essas poderiam melhorar o entendimento do segurado sobre o sistema, garantir que sua decisão sobre quando se aposentar seja sólida e contribuir para que sua escolha não resulte em um benefício que ele venha a considerar insatisfatório no futuro.

Conceitos da economia comportamental que se relacionam com a proposta acima incluem efeitos de enquadramento ou contexto; ancoragem; aversão à perda; disponibilidade; saliência; alertas; e influências sociais13.

Thaler e Sunstein (2008) advogam pelos nudges: “um bom sistema de arquitetura da escolha ajuda as pessoas a aprimorar suas capacidades de planejar e consequentemente de escolher opções que as farão ficar em situação melhor”. No mesmo sentido, as diretrizes do decreto assinado em 2015 pelo presidente Barack Obama sobre o uso da economia comportamental no governo americano recomendam que gestores encorajem ou facilitem que os cidadãos tomem ações específicas como poupar para a aposentadoria, e, ao fazê-lo, considerem como o timing, a frequência, a apresentação ou outros incentivos podem de modo mais efetivo e eficiente promover este tipo de ação.

 

Ressalvas

Cabe ressaltar, porém, que, conforme discutido anteriormente, a pertinência do nudge proposto será menor com o eventual advento de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, já que é justamente a inexistência da idade mínima que cria um amplo espaço de possibilidades para a decisão relativa à ATC. A idade mínima foi publicamente defendida pela Presidenta Dilma Rousseff em 2016[14]. No entanto, a idade mínima por si não retira a importância de nudges nos moldes sugeridos, já que ela poderá vir com regras de transição, manter a possibilidade de aposentados continuarem trabalhando e manter as formas de cálculo do benefício (inclusive o fator previdenciário) – todos itens que complicam a decisão para o segurado, mesmo na presença de uma idade mínima.

Outra observação relevante é que este tipo de nudge correria o risco de ser mal interpretado pelo segurado, que pode ser levado a crer que tem algum direito adquirido em relação a valores futuros do benefício. As estimativas se baseariam em uma inserção contínua no mercado de trabalho formal, o que não é a realidade de parcela significativa dos segurados. Os valores de fato calculados no futuro dependerão do emprego e do salário do segurado no período, e podem ser inferiores ao inicialmente estimado. Assim, um desafio seria ressaltar o caráter de estimativa que as informações possuiriam, não vinculando o valor do benefício em nenhuma data. Este desafio não é trivial, já que um nudge deve ser simples e claro como os exemplos apresentados, e não denso como um contrato cheio de cláusulas: quanto maior a quantidade de observações e ressalvas apresentadas, menor será a sua eficácia.

 

Considerações finais

A popularidade dos nudges em governos de países desenvolvidos passou até a gerar preocupações sobre um possível excesso. George Loewenstein e Peter Ubel, alguns dos mais eminentes pesquisadores da área, alertaram no The New York Times que “a economia comportamental está sendo usada como um expediente político, permitindo aos formuladores de políticas públicas evitar soluções dolorosas, porém mais efetivas baseadas na economia tradicional15.

Richard Thaler, porém, considera que intervenções paliativas baseadas na economia comportamental podem ser válidas quando a resistência a remédios mais tradicionais for grande, citando o caso do jurista Cass Sunstein quando chefiou um importante órgão do governo americano: na impossibilidade política de criar um imposto sobre o petróleo, medidas amparadas na economia comportamental foram usadas para melhorar a eficiência energética de combustíveis16. Nesse sentido, cabe ressaltar que as graves questões conhecidas em relação à Previdência no Brasil certamente exigem medidas impopulares, aprovação de leis e de emendas à Constituição. Por mais meritórios e eficazes que possam ser, cabe ressaltar que nudges não têm potencial para mudar a dramática trajetória do país nesta questão.

 

Este texto é baseado no Texto para Discussão no 188 da Consultoria Legislativa do Senado Federal (“Errar é Humano: economia comportamental aplicada à aposentadoria”). Disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos.

 

Referências

ARIELY, D. Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions. New York: Harper Perennial, 2009.

AUSTIN, R. The Impact of Behavioral Economics on Retirement Plans. Benefits Quarterly. 3º bimestre, 2013.

BANERJEE, A, V.; DUFLO, E. Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty. New York: PublicAffairs, 2011.

BENARTZI, S.; THALER, R. Economia Comportamental e a Crise da Poupança para Aposentadoria. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

CLARK, J. W.; UTKUS, S. P.; YOUNG, J. A. Automatic Enrollment: The Power of the Default. Vanguard, jan. 2015.

DAVIS, M. Behavior and Energy SavingsEvidence from a Series of Experimental Interventions. Environmental Defense Fund, 2011.

DOLAN, P.; HALLSWORTH, M.; HALPERN, D.; KING, D.; VLAEV, I. Mindspace: Influencing Behaviour through Public Policy. Institute for Government, 2010.

GIAMBIAGI. F. Previdência: pelo Bem Estar a Longo Prazo. Entrevista concedida ao podcast da Rio Bravo Investimentos, nº 311, 2014. Disponível em: https://soundcloud.com/riobravoinvestimentos.

GIAMBIAGI, F. Capitalismo: Modo de Usar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

HERSHFIELD, H. E; GOLDSTEIN, D, G; SHARPE, W. F.; FOX, J.; YEYKELIS, L.; CARSTENSEN, L. L.; BAILENSON, J. N. Increasing Saving Behavior through Age-progressed Renderings of the Future Self. Journal of Marketing Research, n. 48, S23-S37, nov. 2011.

HODGES, J. Além da Academia: Como a Psicologia é Adotada em Publicidade e Comunicações. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

HOCH, S. J.; LOEWENSTEIN, G. F. Time-inconsistent Preferences and Consumer Self-control. Journal of Consumer Research, 492-507, 1991.

LEONESIO, M. V. The Economics of Retirement: A Nontechnical Guide. Social Security Bulletin, v. 59, n. 4, 1996.

MADRIAN, B. C.; SHEA, D. F. The Power of Suggestion: Inertia in 401(k) Participation and Savings. Quarterly Journal of Economics, 116:1149-87, 2001.

MENEGUIN, F.; ÁVILA, F. A Economia Comportamental Aplicada a Políticas Públicas. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

MITCHELL, J. P.; SCHIRMER, J.; AMES, D. L.; GILBERT, D. T. Medial Prefrontal Cortex Predicts Intertemporal Choice. Journal of Cognitive Neuroscience, 23(4): 857-6, abr. 2011.

MURAMATSU, R. Lições da Economia Comportamental para o Desenvolvimento e a Pobreza. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

NERY, P. F. Errar é Humano: economia comportamental aplicada à aposentadoria. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, fevereiro/2016 (Texto para Discussão nº 188). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 15 de fevereiro de 2016.

NUNES, B.; ROGERS, P.; CUNHA, G. O Papel do Autocontrole nas Decisões Financeiras. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

OLIVEIRA, F. E. B. Alguns Aspectos Conceituais, Operacionais e Estruturais da Previdência Social Brasileira. Texto para Discussão nº 53. Rio de Janeiro: Ipea, 1982.

PEREIRA, E. S. Evolução das Idades Médias de Concessão e dos Tempos Médios de Contribuição das Aposentadorias por Tempo de Contribuição Concedidas entre 1996 e 2012. Revista Previdência Social, ano III, nº 7, set.-dez. 2013.

READ, D. A Ciência Comportamental e a Tomada de Decisão pelo Consumidor: Algumas Questões para os Reguladores. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

RICK, S. LOEWENSTEIN, G. Intangibilidade na Escolha Intertemporal. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

SAMSON, A. Introdução à Economia Comportamental e Experimental. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

SAMUELSON, W.; ZECKHAUSER, R. J. Status quo Bias in Decision Making. Journal of Risk and Uncertainty, 1, 7-59, 1988.

STOCK, J. H.; WISE, D. A. Pensions, The Option Value of Work, and Retirement. NBER Working Paper n. 2686, Ago. 1988.

_______________________. The Pension Inducement to Retire: An Option Value Analysis. In: WISE, D. A. (Org.). Issues in the Economics of Aging. Chicago: University of Chicago Press, 1990.

SUNSTEIN, C. Simpler: The Future of Government. New York: Simon & Schuster, 2013.

SUNSTEIN, C. Nudging: Um Guia Muito Breve. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

TABAK, B. M. A Análise Econômica do Direito: Proposições Legislativas e Políticas Públicas. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, outubro/2014 (Texto para Discussão nº 157). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos.

TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. Por que as Sociedades Precisam de Previdência e do Estado na Previdência?. In: TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previdência: A Visita da Velha Senhora. Brasília: Gestão Pública, 2015.

THALER, R. H.; SUNSTEIN, C. R. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness. New York: Penguin Books, 2009.

THALER, R. H.; BENARTZI, S. Save More Tomorrow: Using Behavioral Economics to Increase Employee Saving. Journal of Political Economy, vol. 112, no. 1, pt. 2, 2004.

TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. Science, 185 (4157), 1124-1131, 1974.

____________________________. Prospect Theory: An Analysis of Decision Under Risk. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 263-291, 1979.

____________________________. The Framing of Decisions and the Psychology of Choice. Science, 211 (4481), 453-458, 1985.

 

______________

1Formalmente o “Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel”.
2Definição da recém-lançada versão do Guia de economia comportamental e experimental em português (organização de Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi). Disponível em:  http://www.economiacomportamental.org/guia-economia-comportamental.pdf.
3Immersive virtual reality.
4Sobre educação previdenciária e educação financeira como um todo ver, entre outros, Giambiagi (2014, 2015).
5O termo heuristic (heuristics) também é traduzido como heurístico (heurísticos), no masculino.
6Texto para Discussão nº 164, de 2014 (“Projetos de iniciativa parlamentar sobre Previdência Social: uma avaliação qualitativa de impacto fiscal”). Disponível em: http://www.senado.leg.br/estudos.
7São elas às MPs nºs 664, 665, 672 e 676. Ver Boletim Legisativo nº 33, de 2015 (“A visão das agências internacionais de classificação de risco sobre o Congresso Nacional”). Disponível em: http://www.senado.leg.br/estudos.
8Cabe ressaltar, porém, que o contingente de aposentadorias especiais, como o de professores, pode reduzir essa média, por serem exigidos menos anos de tempo de contribuição.
9É pertinente notar que, embora a Tábua de Mortalidade do IBGE que fornece a expectativa de sobrevida usada no cálculo do fator de fato seja atualizada anualmente, com o passar dos anos a própria idade do segurado, além de seu tempo de contribuição, aumentam, o que tende a tornar o cálculo do benefício mais favorável. Ainda, quanto maior a idade, menor tenderá a ser a expectativa de sobrevida de uma pessoa, melhorando ainda mais a conta do fator previdenciário. Por isso, via de regra, faria pouco sentido a lógica de que quem trabalhar mais terá uma aposentadoria menor.
10 Outras possibilidades mais de acordo com o conceito de racionalidade seriam a de pedir a aposentadoria esperando judicialmente conseguir um benefício maior no futuro, ou ainda esperando que o mercado de trabalho seja desproporcionalmente desfavorável a pessoas mais velhas. Ainda, o segurado que recebe ao redor de um salário mínimo pode considerar que pouco adianta contribuir mais se a aposentadoria será eventualmente maior de qualquer jeito com aumentos reais ao salário mínimo (que é também o piso da Previdência).
11 Processo nº 0009542-49.2010.403.6183 da Justiça Federal em São Paulo.  Íntegra da decisão disponível em: http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2010/101202fatorprevidenciario.pdf
12O Projeto de Lei de Conversão no 4, de 2015, aprovado pelo Congresso Nacional, acatava a Emenda no 50, da  Senadora Lúcia Vânia, à Medida Provisória no 676, com conteúdo semelhante.  Tal dispositivo foi vetado pela Presidência, por impor ao INSS “a necessidade de significativa realocação de recursos humanos e materiais”.
13Ver Samson (2015).
14`Vamos encarar a reforma da Previdência`, afirma Dilma. Folha de São Paulo, 7 de janeiro de 2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1726862-ajuste-e-prioridade-e-inflacao-ficara-dentro-da-meta-em-2016-afirma-dilma.shtml.
15 Economics behaving badly. The New York Times, 14 de julho de 2014. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/07/15/opinion/15loewenstein.html?_r=0
16 Behavioural economics and public policy. Financial Times, 14 de março de 2014.  http://www.ft.com/intl/cms/s/2/9d7d31a4-aea8-11e3-aaa6-00144feab7de.html.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2761 2
Fundos de pensão devem ter adesão automática? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2757&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=fundos-de-pensao-devem-ter-adesao-automatica Mon, 21 Mar 2016 13:12:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2757 Adesão e reajuste automático para planos de previdência privada

A Lei no 13.183, de 2015 (decorrente da MP no 676/2015)  instituiu a adesão automática à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp). A Funpresp1 funciona desde 2013 como regime de previdência complementar,  facultativo, de novos servidores que ganham acima do teto do INSS. Esses servidores podem ou não aderir a esse regime de previdência complementar para receber benefícios de valores maiores do que o teto do INSS (assim como ocorre com trabalhadores da iniciativa privada). O principal atrativo da Funpresp é a contribuição da União, que entra com contrapartida de até 100% da contribuição individual do servidor, aumentando o valor capitalizado.

Entre 2013 e até o fim de 2015, os novos servidores efetivos da União tinham que se manifestar para serem incluídos neste regime: o ingresso no serviço público por si não constituía adesão. Com a adesão automática, a inscrição na Funpresp continua sendo facultativa, mas os novos servidores devem agora se manifestar para sair do regime, o oposto da situação anterior. Tal opção inclui o ressarcimento de valores já pagos2.

O texto da justificativa da Emenda no 34, do Deputado Gonzaga Patriota3, que incluiu a adesão automática na MP, argumentava que apenas 15% de 60 mil servidores elegíveis ingressaram na Funpresp desde sua criação. A justificativa defende também que os servidores que optam por não ingressar terão perdas significativas de renda no futuro, alegando que a adesão automática foi adotada em muitos países para contornar esta situação.

A adesão automática é um nudge, principal instrumento que a economia comportamental, a partir das descobertas de pesquisa, prescreve para adoção dos governos. A tradução literal do termo nudge seria “empurrão”, e, por isso, seguimos outros autores e a versão brasileira do Guia de economia comportamental e experimental, usando neste texto o termo no original. Um nudge seria um reenquadramento de escolhas, feito com intuito de superar os vieses inconscientes que levam indivíduos a tomar decisões consideradas irracionais.

Este enquadramento (framing), por um lado, não altera os incentivos econômicos existentes previamente, e, por outro, também não obriga um indivíduo a seguir qualquer direção específica. Segundo Sunstein (2013), nudges podem ser alertas (como os das embalagens de cigarros), defaults (“escolhas padrão”, como na escolha pela configuração de um software) ou requerimentos de divulgação de informações ao público de maneira clara e intelegível4. Sunstein considera a abordagem dos nudges como simples e barata, com potencial de fazer as pessoas “mais saudáveis, ricas e felizes”.

Thaler e Sunstein (2008) usam o termo “arquitetura da escolha” para definir os nudges. Este tipo de “arquitetura” seria responsável por organizar o contexto em que as decisões são tomadas: “Um nudge é qualquer aspecto da arquitetura da escolha que altera o comportamento das pessoas de modo previsível sem proibir quaisquer alternativas nem alterar significativamente seus incentivos econômicos”. Eles defendem que o emprego adequado dos nudges poderia ajudar a solucionar muitos dos principais problemas da sociedade.

Um requisito para uma intervenção ser considerada um nudge é o fato de ser fácil e barato poder evitá-la, já que a opção “sugerida” pelo nudge não pode ser obrigatória. De fato, a principal controvérsia em relação aos nudges seria a “ameaça” à liberdade do indivíduo alvo da intervenção, como será visto mais adiante.

A adesão automática, como a configuração padrão de um software, é um nudge por excelência, e um dos mais usados. É um default (escolha padrão). A economia comportamental diagnostica pelo menos três problemas que ensejariam o uso de defaults:

  • Procrastinação (miopia): trata-se da postergação frequente de decisões (Samson, 2015), com prejuízo para o indivíduo e causada por diversos motivos – mas em geral se relacionando à “tendência humana a preferir ganhos imediatos (menores) aos futuros (maiores)” (Muramatsu, 2015). Ariely (2008) argumenta que “nem todos entendem sua tendência a procrastinar, e mesmo os que reconhecem sua tendência a procrastinar podem não entender seu problema completamente”. Já Thaler e Benartzi (2004) explicam que “agentes hiperbólicos procastinam porque eles (erroneamente) pensam que o que quer que façam depois não será tão importante quanto o que estão fazendo agora”.
  • Inércia: relacionada ao item anterior, é considerada na economia comportamental como “a persistência de um estado estável associado à inação”, e na psicologia social como “a persistência em atitudes” (Madrian e Shea, 2011; Samson, 2015). Para Sunstein (2013), a importância de defaults é a de “tributar o poder da inércia”.
  • Viés do status quo: viés por decisão a favor da “permanência das coisas”, refletindo “aversão humana à mudança” e “tendência a não mudar o comportamento a menos que o incentivo para fazê-lo seja forte” (Samuelson e Zeckhausen, 1988; Samson, 2015). Samson destaca a presença do viés mesmo quando os “custos de transição” são pequenos e a importância da decisão é grande.

A presença de procrastinação, inércia e viés do status quo explicaria o êxito de defaults como a adesão automática em planos de previdência. Clark, Utkus e Young (2015) investigaram o efeito desse nudge em 500 mil novos empregados de 460 planos de previdência americanos entre 2010 e 2012: com a adesão automática, a participação teria chegado a 91%, o dobro dos 42% com adesão “voluntária”. Segundo Benartzi e Thaler (2015), mais da metade dos planos americanos já fazem uso da adesão como default (dados de 2011).

Sunstein (2013) considera que defaults como a adesão automática não funcionam apenas por resolver a questão da procrastinação e da inércia, mas também por conter implicitamente um aval (endosso) a uma decisão, bem como por fornecer um ponto de referência para o indivíduo.  Thaler e Sunstein (2008) argumentam que a baixa taxa de saída nos casos de adesão automática ocorre porque os trabalhadores estão satisfeitos com as taxas de poupança que decorrem dela (e não por conta da “nova” inércia, que é de ficar no plano em vez de sair). Fora da área de previdência, a adesão automática foi estabelecida para planos de saúde no Obamacare, a ampla reforma no sistema americano de saúde sancionada em 2010 nos EUA.

Mais recentemente, outro default tem sido usado em planos de previdência nos Estados Unidos e em outros países: o reajuste automático das alíquotas de contribuição (ou escalonamento automático), aplicado por 51% dos planos americanos em 2011. Nesta modalidade de default, voltada para quem já participa de um plano, a contribuição do participante para sua aposentadoria é majorada gradual e automaticamente quando ele recebe um aumento de salário ou uma promoção. Pioneiramente adotada no programa “Poupe mais amanhã” (Save more tomorrow), esse nudge teria quadruplicado a taxa de poupança dos participantes, em relação ao default anterior em que o participante se compromete com uma mesma alíquota sempre (Benartzi e Thaler, 2015). O reajustamento automático das contribuições atacaria os mesmos alvos da adesão automática: procrastinação (miopia), inércia e viés do status quo. Estes dois tipos de nudges estão amparados e incentivados desde 2006 na legislação americana, com a sanção da “Lei de Proteção à Aposentadoria” (Pension Protection Act).

Em qualquer caso, Sunstein (2013) defende que a opção padrão de uma escolha, o default, deve refletir o que “a maioria das pessoas iria escolher caso estivessem adequadamente informadas”. Sunstein advoga o uso do default em áreas que são novas, complexas, desconhecidas ou altamente técnicas, alegando que, em certas situações, escolhas ativas são mais um fardo do que um benefício.

Esther Duflo, agraciada com a Medalha John Bates Clark5 e diretora do Laboratório de Ação contra a Pobreza do Instituto Tecnológico do Massachusets (MIT)6, avalia que “o governo deve fazer com que a opção que acha melhor para as pessoas seja a escolha default, de forma que as pessoas tenham que ativamente se afastar dela se quiserem (mudar). ” Sunstein ressalta, porém, que se um default de adesão automática não está claro e transparente para os envolvidos, ele pode ser considerado “uma forma de manipulação”.

Assim, o uso de nudges, como o default, não está livre de controvérsias. O caráter “paternalista” deste tipo de intervenção é especialmente discutido, como será visto adiante.

 

A controvérsia acerca do “paternalismo libertário”

Thaler e Sunstein (2008) consideram que este tipo de intervenção se classificaria como um “paternalismo libertário”. Nudges (sejam eles do tipo default ou de outro tipo) seriam paternalistas porque a arquitetura da escolha tenta influenciar o comportamento das pessoas de modo a fazê-las “viver vidas mais longas, mais saudáveis e melhores”. O adjetivo “libertário” viria para modificar o substantivo “paternalismo” porque nudges preservariam a liberdade de escolha, não sendo ninguém forçado a tomar qualquer decisão. Nesse sentido, o paternalismo libertário buscaria tornar mais fácil para as pessoas escolherem seus próprios caminhos. Assim, nudges influenciam os cidadãos a fazer escolhas melhores, de acordo com suas próprias preferências. Thaler e Sunstein consideram que se trata de “decisões que eles tomariam se tivessem prestado total atenção e possuído informação completa, capacidades cognitivas ilimitadas e completo autocontrole”.

Sunstein (2013) sumariza alguma das críticas aos nudges: manipuladores, insidiosos, secretos, obscuros. Ele rebate as críticas afirmando, porém, que algum tipo de influência do contexto sempre existe por conta dos vieses que sujeitam nossas decisões, seja essa arquitetura da escolha intencionalmente criada, ou não: “em cada hora de cada dia, escolhas são feitas por nós em instituições tanto privadas quanto públicas, e como resultado estamos em melhor situação”.  Para ele, todas as pessoas poderiam estar tomando muito mais decisões do que realmente tomam, todos os dias.

Sunstein argumenta que o paternalismo libertário é um “paternalismo de meios” e não um “paternalismo de fins” (como uma multa ou uma condenação à prisão). Sunstein também classifica os nudges como um “paternalismo leve”, em oposição a um “paternalismo duro” (ou forte), por não haver imposição de nenhum custo material a ninguém, mesmo que brando.

Ressaltando o mantra de “liberdade de escolha” como salvaguarda para a utilização dos nudges, Sunstein defende o seu uso “para melhorar a vida das pessoas, mesmo que acabem influenciando as escolhas de pessoas”, ao passo que considera legítima a preocupação com paternalismo e excessos . A subseção seguinte discute críticas específicas ao caso da Funpresp.

 

Considerações finais: controvérsias acerca da adesão automática na Funpresp

A adesão como default na Funpresp suscitou críticas. Argumentou-se que a baixa adesão entre novos servidores se deveria, em verdade, ao temor de que a entidade sofra severa influência política e cause perda aos segurados. De fato, escândalos envolvendo a má gestão de fundos de pensão são frequentes. Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI) envolvendo fundos de pensão são periódicas: em 2015 foram criadas CPIs para investigar fundos de pensão tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

No entanto, muito embora a preocupação com a má gestão seja legítima, parece arriscado não aderir a um fundo de pensão em que o empregador complementa em até 100% o que o participante contribui. Investimentos alternativos teriam que ter um rendimento espetacular para compensar este fato, rendimento espetacular que teria de ser simultâneo a perdas enormes criadas por má gestão do fundo no futuro para valer a pena.

Aqui, é possível relembrar a ideia de viés de disponibilidade: é fácil rememorar escândalos envolvendo fundos de pensão, fartamente noticiados, mas não é tão fácil acessar na memória casos de aposentados enfrentando dificuldades na velhice por não terem aderido aos fundos. Não existem associações para representá-los ou escândalos estampando manchetes de jornais, mas dificilmente esta é uma opção que deixa o participante médio melhor do que participando de um esquema como o da Funpresp – destinada a se tornar o maior fundo de pensão do país. Evidentemente que o participante não deve se contentar com apenas essas duas opções (não aderir a um fundo ou aderir a um fundo problemático): o correto é que a Funpresp, como qualquer outro fundo de pensão, sempre seja pautada pelo interesse do participante.

Outra controvérsia suscitada em relação à adesão como default envolveu o argumento de inconstitucionalidade, por possível ofensa ao art. 202 da Constituição, que estabelece que a previdência complementar será facultativa. O Congresso Nacional, que aprovou a medida, e a Presidência da República, que a sancionou, não consideraram que adesão automática retire o caráter facultativo da previdência complementar. No entanto, entidades de classe anunciaram que iriam tentar propor ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida7.

Nesse sentido, reportagem do jornal Valor Econômico de outubro de 2015 afirmava que o então Ministério da Previdência Social8 iria recomendar ao Congresso a aprovação da adesão automática para todas as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC, ou fundos de pensão) “com o intuito de aumentar a taxa de adesão e a proteção social9.

 

Este texto é baseado no Texto para Discussão no 188 da Consultoria Legislativa do Senado Federal (“Errar é Humano: economia comportamental aplicada à aposentadoria”). Disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos.
Referências bibliográficas

ARIELY, D. Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions. New York: Harper Perennial, 2009.

BANERJEE, A, V.; DUFLO, E. Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty. New York: PublicAffairs, 2011.

BENARTZI, S.; THALER, R. Economia Comportamental e a Crise da Poupança para Aposentadoria. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

CLARK, J. W.; UTKUS, S. P.; YOUNG, J. A. Automatic Enrollment: The Power of the Default. Vanguard, jan. 2015.

MADRIAN, B. C.; SHEA, D. F. The Power of Suggestion: Inertia in 401(k) Participation and

MURAMATSU, R. Lições da Economia Comportamental para o Desenvolvimento e a Pobreza. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

SAMSON, A. Introdução à Economia Comportamental e Experimental. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

SAMUELSON, W.; ZECKHAUSER, R. J. Status quo Bias in Decision Making. Journal of Risk and Uncertainty, 1, 7-59, 1988.

SUNSTEIN, C. Simpler: The Future of Government. New York: Simon & Schuster, 2013.

SUNSTEIN, C. Nudging: Um Guia Muito Breve. In: ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

THALER, R. H.; SUNSTEIN, C. R. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness. New York: Penguin Books, 2009.

THALER, R. H.; BENARTZI, S. Save More Tomorrow: Using Behavioral Economics to Increase Employee Saving. Journal of Political Economy, vol. 112, no. 1, pt. 2, 2004.

_________

1Na verdade, “a” Funpresp se refere a três fundações separadas,  uma para cada Poder (Funpresp-Exe, Funpresp-Leg e Funpresp-Jud).
2Na hipótese do cancelamento ser requerido no prazo de até noventa dias da data da inscrição. Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, art. 1º, § 4º.
3A Emenda no 68, do mesmo autor, estendia a adesão automática para os regimes estaduais, mas não foi acatada.
4Em inglês, respectivamente, warnings, defaults e disclosure requirements.
5 Considerado o prêmio mais importante da área, depois do próprio Nobel, é entregue exclusivamente a economistas americanos com menos de 40 anos de idade que tenham feito “contribuições significativas ao pensamento e conhecimento econômico”.
6Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab.
7Adesão automática ao (sic) Funpresp é inconstitucional. Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), 25 de novembro de 2015. Disponível em:  http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7862.
8Atual Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).
9Adesão automatica a fundos de pensão avança. Valor Online, 26 de outubro de 2015.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
Como a economia comportamental pode contribuir para as políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-economia-comportamental-pode-contribuir-para-as-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691#comments Mon, 30 Nov 2015 11:49:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2691 O Estado é cada vez mais exigido e questionado no desempenho de suas funções. As ações estatais devem ser pensadas e construídas de forma a serem mais eficientes e efetivas para a melhoria da realidade socioeconômica, em especial no Brasil, onde existem tantas carências. Para atingir os objetivos em prol da população, os governos, em seus vários níveis, devem desenhar suas políticas públicas de forma que sejam criados os incentivos corretos para o atingimento do que se pretende.

Existem ferramentas e metodologias para se construir uma política pública adequada de forma a se alcançar o resultado desejado. No entanto, para qualquer metodologia utilizada, há que se ter em mente que o sucesso de qualquer atuação governamental depende de como as ações escolhidas vão influenciar o comportamento do cidadão, que, em muitos casos, não age de forma “racional” (basta ver quantos de nós dirigem enquanto enviam uma mensagem pelo celular, mesmo sabendo de todos os riscos envolvidos). Mais ainda, sua eficácia depende das hipóteses sobre o comportamento humano feitas pelos formuladores das políticas.

Nesse ponto é que se destaca a contribuição da Economia Comportamental, pois o estudo dessa área disponibiliza uma série de novas ferramentas que frequentemente permitem o alcance dos resultados almejados com menos custos ou menos efeitos colaterais, quando comparados com os conseguidos por meio da tributação ou da regulação, por exemplo.

Como ilustração, pode-se citar a aplicação da Economia Comportamental nas políticas públicas na área de educação. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Se o aluno pensasse de forma puramente racional, ele se empenharia para ficar na escola, pois os retornos futuros do estudo seriam altos o bastante para compensar seu esforço. No entanto, existem fatores que desviam os estudantes dessa racionalidade como valorizar o presente muito mais do que o retorno esperado no futuro, o contexto em que vivem, os modelos de comportamento que tem como inspiração, questões de saúde que possam impactar a sua assiduidade, o esforço exigido para chegar até a escola, entre outros. Assim, as políticas educacionais devem estar atentas a vieses comportamentais observados nos jovens, considerando que a tomada de decisão quando falamos de educação vai muito além de pesar custos e benefícios materiais a serem obtidos no futuro.

Os gestores públicos têm o desafio de incorporar a Economia Comportamental no ciclo das políticas e transformar esse desafio em oportunidades para gerar intervenções governamentais mais efetivas e eficientes.

Conforme mencionado no Relatório de 2015 do Banco Mundial (World Development Report, 2015),as pessoas, independentemente de sua classe social, em algum momento fazem escolhas contrárias ao seu próprio bem-estar, principalmente quando agem de forma automática. Elas podem também agir em decorrência de hábitos ou por inércia.  Existe ainda uma diferença entre ação e intenção (conflitos intertemporais) com consequências econômicas negativas para indivíduos, grupos e toda a sociedade. Isso abre um enorme espaço para a atuação do governo.

A Economia Comportamental surge mostrando em seus estudos empíricos que diversas variáveis, muitas vezes ignoradas, permitem influenciar decisivamente a forma como fazemos escolhas.  Fatores como a maneira de apresentação de uma opção ou o seu contexto podem, inclusive, ter impacto maior do que ações baseadas em incentivos financeiros

Para se ter ideia da importância da Economia Comportamental, importa saber que existe uma organização vinculada ao Governo Britânico, Behavioural Insights Team1, mais conhecida como Nudge Unit, cuja função é testar novas abordagens para se alcançar os objetivos das políticas públicas. Vários países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França e Arábia Saudita, vêm utilizando o modelo dessa organização para desenhar políticas que consideram o enfoque comportamental.

Outro fato que ressalta a importância do tema nos programas governamentais constitui-se a publicação de um conjunto de normas constantes na Executive Order2, de 15/09/2015, emitida pelo Presidente Barack Obama, que cria diretrizes para os órgãos públicos utilizarem o enfoque comportamental nas políticas públicas.

Thaler e Sunstein3defendem que a mudança de comportamento pretendida pode ser alcançada muitas vezes apenas com o correto desenho e aplicação de nudges. Um nudge(“empurrãozinho”) é um aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem criar proibições ou alterar os incentivos econômicos. Por exemplo, colocar as frutas da lanchonete da escola em uma prateleira que fique no nível dos olhos dos alunos de forma que eles comprem e comam mais frutas é um nudge. Por outro lado, criar uma regulamentação que encareça ou obrigue o banimento de comidas não saudáveis nas lanchonetes escolares não é.

O relatório MIND SPACE, divulgado pelo Cabinet Office e o Institute for Government da Inglaterra, propõe nove aspectos que podem interferir quando se fala em influenciar o comportamento das pessoas via políticas públicas. No relatório, buscam reunir de forma simplificada os principais aspectos que devem ser apropriados pelos formuladores de políticas públicas para se conseguir mais efetividade em suas ações. A seguir, tem-se uma síntese desses novos aspectos considerados principais para gerar uma mudança real de comportamento das pessoas frente a diferentes intervenções:

a) Mensageiro

Quem passa a informação e o modo como ela é passada tem implicação na força com que a mensagem é assimilada. Por exemplo, observa-se que a efetividade das intervenções aumenta quando os locutores são pessoas que detêm autoridade formal ou informal sobre o assunto, assim como pessoas ligadas àárea geográfica e de condição socioeconômica similar aos dos receptores.Pesquisa empírica4 no universo dos alunos de duas escolas canadenses observou estatisticamente que, num programa de prevenção de obesidade e doenças relacionadas, o resultado foi muito mais efetivo quando alunos mais velhos (treinados pelos professores) passavam as informações para os alunos mais novos sobre alimentação saudável, mostrando como a interação entre os pares facilitou a assimilação de hábitos alimentares melhores.

b) Incentivos

O mecanismo de incentivos deve ser usado pelos governos como uma estrutura que motiva a mudança de comportamento. A economia comportamental contribui para o tema ao revelar alguns instintos humanos. No geral, as pessoas preferem evitar perdas a ter ganhos de valor equivalente, assim, as políticas públicas devem focar não nos prêmios, mas nas perdas que acontecerão se determinado comportamento não for adotado.

Uma aplicação desse fato está detalhada em trabalho acadêmico5, no qual se comprova que a produtividade dos professores é mais incrementada quando eles ganham antecipadamente um bônus, com a possibilidade de o perderem caso os alunos não se saiam bem, do que uma política em que o bônus é dado em decorrência da melhoria da aprendizagem do aluno.

c) Normas sociais

As pessoas tendem a repetir o que os outros fazem. A utilização dessa constatação nas intervenções comportamentais tem dado resultado em diversas áreas e é um instrumento poderoso à disposição dos formuladores dos programas governamentais6. Primeiro, as campanhas devem focar o quanto a norma é aceita. Por exemplo, se o objetivo é incentivar o cinto de segurança, deve-se divulgar que um percentual alto de pessoas já o usam.É importante também considerar as redes sociais, pois as normas serão assimiladas quanto mais “contagioso” for seu efeito.

Um fator ainda subestimado por economistas, a Economia Comportamental tem explorado amplamente o poder da aplicação das normas sociais. Simplesmente invocar princípios relacionados à economia de dinheiro, ser sustentável ou mesmo ter uma atitude exemplar, não foi o suficiente para fazer com que as pessoas mudassem de atitude.

d) Padrões

Muitas das decisões que são tomadas na nossa rotina envolvem uma opção pré-selecionada caso nenhuma escolha seja feita. As pessoas, no geral, agem de forma preguiçosa aceitando o padrão. Isso é um mecanismo importantíssimo para as políticas públicas, pois estruturar os padrões de forma a garantir o máximo de benefício para a sociedade é uma maneira de influenciar o comportamento das pessoas sem restringir suas escolhas. Por exemplo, todos têm o direito de decidir se são doadores de órgãos ou não, mas a lei pode dispor que, caso a escolha não seja feita, o padrão é ser doador.

Acerca desse tema, pesquisa7procurou entender o fato de que países vizinhos como Dinamarca e Suécia tinham uma quantidade tão discrepante de doadores de órgãos – 4,25% e 85,9% respectivamente –, sendo que as suas bases culturais são muito parecidas. O que se descobriu foi que o método utilizado para que o cidadão declarasse se era ou não efetivamente um doador desencadeava um efeito divergente entre o número de doadores dos países. Em seus experimentos, os pesquisadores descobriram que a diferença residia na variação do desenho dos formulários em que as pessoas eram questionadas sobre serem doadores ou não.

e) Ressaltar o que interessa

Nossa atenção é desviada para a informação que vem destacada, que está acessível e que é simples. Isso facilita o registro mental. Como frisamos mais as perdas do que os ganhos, uma aplicação interessante disso é dar destaque ao valor dos impostos junto das mercadorias. Isso fará o consumo cair. Tal medida pode ser utilizada, por exemplo, numa política para diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.

f) Primeiras impressões

O comportamento das pessoas muda conforme algumas sugestões são passadas a elas preliminarmente, como determinadas palavras ou imagens. Por exemplo, pesquisas mostram que a leitura de expressões que tragam a mensagem de vida atlética e saudável na entrada de um prédio faz com que as pessoas usem mais as escadas do que os elevadores.

g) Emoções

O estado emocional da pessoa interfere em como ela tomará suas decisões. Experimentos mostram que cartas enviadas com a oferta de empréstimo são mais aceitas quando trazem figuras atrativas em vez de simplesmente o lado financeiro da questão. Provocar determinado estado emocional no público alvo pode facilitar o atingimento do que se pretende. Como ilustração, houve uma campanha pública em Gana para se incentivar que as pessoas lavassem as mãos. Num primeiro momento, a campanha abordava o benefício de lavar a mão. Em uma segunda etapa, associou-se o não-lavar as mãos com um sentimento de nojo. Essa segunda campanha teve muito mais efetividade.

h) Compromissos públicos

As pessoas tendem a procrastinar ações mais relacionadas com médio e longo prazos. Uma maneira de aumentar o custo da procrastinação é fazer um compromisso público que envolva outras pessoas ou instituições. Por exemplo, uma ideia de compromisso que se comprovou eficaz é a utilização de uma conta de poupança para fumantes que tentam largar o vício. Mensalmente é feito um depósito pelo fumante e, ao final de seis meses, se ele passar num teste de nicotina, pode sacar o dinheiro, caso contrário, o dinheiro é confiscado.

i) Ego

Todos nós tendemos a tomar ações que nos façam parecer pessoas melhores. Trabalhar uma política pública de forma que o resultado venha associado com a melhoria da imagem positiva do cidadão ajudará muito o atingimento dos objetivos.

Concluindo, o campo da Economia Comportamental tem atraído uma crescente atenção dos governos no mundo todo, tanto para ajudar a explicar os resultados aparentemente irracionais quanto por suas implicações diretas na efetividade das políticas públicas. Seus estudos,baseados em experimentos e evidências empíricas, fornecem insights valiosos que podem e devem ser integrados ao ciclo das políticas públicas.  Além disso, intervenções com baixo custo, como pequenas mudanças na forma de as opções serem apresentadas ou na forma de como a informação é transmitida, podem levar a grandes mudanças no comportamento dos cidadãos.

No Brasil, a ciência comportamental ainda é pouco utilizada na formulação das políticas públicas. No entanto, aos poucos, tal arcabouço começa a ganhar espaço. Recentemente, na discussão da Medida Provisória nº 676, de 2015, que promoveu mudanças nos planos de benefícios da previdência, foi aprovada emenda na qual se utiliza uma opção pré-selecionada (padrão ou default). O texto enviado para a sanção da Presidência dispõe que os servidores públicos serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar, podendo, a qualquer tempo, requerer o cancelamento de sua inscrição, ou seja, se o servidor nada fizer, ele integrará a previdência complementar.

Iniciativas como essa são exemplos de que os instrumentos da economia comportamental aqui destacados, ao serem disseminados e utilizados de forma adequada entre os gestores governamentais, ajudam a entender e a mudar o comportamento das pessoas para melhorar o bem-estar social. No caso brasileiro, onde há forte restrição orçamentária e enormes demandas sociais da população, a economia comportamental pode contribuir com a acurácia da atuação do governo, agregando eficiência e efetividade às ações do Poder Público.

 

Este texto consiste numa versão resumida do artigo “A Economia Comportamental aplicada a políticas públicas”, dos mesmos autores, publicado no Guia de Economia Comportamental e Experimental. Para acessar o trabalho completo, veja o link www.economiacomportamental.org/guia

 

___________

1http://www.behaviouralinsights.co.uk/

2https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american

3Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness

4Stock, Miranda, Evans, Plessis and Ridley. (2007) Healthy buddies: a novel, peer-led health promotion program for the prevention of obesity and eating disorders in children in elementary school. Pediatrics 120:e1059-68.

5Fryer, Roland G., Steven D. Levitt, John List, and Sally Sadoff (2012) “Enhancing the Efficacy of Teacher Incentives through Loss Aversion: A Field Experiment.” National Bureau of Economic Research Working Paper 18237

6Dolan, P.; Hallsworth, M.; Halpern, D.; King, D.; Vlaev, I. (2010). MINDSPACE: Influencing Behaviour through Public Policy. Institute for Government and the Cabinet Office. Disponível em 21/09/2915, http://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/mindspace

7Johnson, Eric J. e Goldstein, D.; (2003). “Do Defaults Save Lives?”. Science (November 21). Disponível em 21/09/2015, http://www.dangoldstein.com/papers/DefaultsScience.pdf

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2691 2
O que a economia comportamental tem a dizer sobre a morte do pequeno Aylan? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2637&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-a-economia-comportamental-tem-a-dizer-sobre-a-morte-do-pequeno-aylan https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2637#comments Tue, 13 Oct 2015 12:27:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2637 Todos nós somos expostos, com mais frequência do que gostaríamos, a imagens de pessoas mortas em genocídios, guerras, em fugas por refúgio, em ataques terroristas e noutros cenários de morte ou assassinatos coletivos. Estas imagens são terríveis com dezenas, centenas ou milhares de mortos, muitas vezes, amontoados. Sentimo-nos mal. Contudo, a verdade é que, apesar do sofrimento, rapidamente recuperamos desse sentimento e, na maioria das vezes, pouco falamos sobre o assunto. A notícia corre na imprensa e pelas redes sociais, cria-se, de alguma forma, uma certa interpelação coletiva mas, logo depois, voltamos a ver principalmente fotos de pratos de comida e selfies no Facebook.

Nos últimos dias, temos sido quotidianamente informados sobre um conjunto de mortes ocorridas durante o percurso de fuga de refugiados que, desesperadamente, tentam entrar no continente europeu. No início, as notícias eram tipicamente aquelas a que estamos habituados, ligadas a mortes coletivas como, por exemplo, o caso das dezenas de refugiados que morreram asfixiados dentro de um camião na Áustria. A maioria de nós ficou triste, é claro. E seguimos o roteiro, mais uma vez: sentimo-nos tristes por alguns momentos, tivemos alguma vontade potencial para ajudar, sentimo-nos tentados a doar algum dinheiro, mas, passadas algumas horas, começamos a esquecer o assunto. Era, afinal, mais um caso trágico com muitos mortos, sem nomes e sem histórias específicas. Neste tipo de caso pensamos mais no número de mortos do que nas vítimas propriamente ditas.

De um dia para o outro, no entanto, houve uma reviravolta no sentimento das pessoas sobre a tragédia e o sofrimento dos refugiados. As doações aumentaram vertiginosamente, as ofertas para receber refugiados cresceram como nunca, os políticos mostraram-se mais diligentes, e, de modo geral, a população tornou-se mais desperta para o problema e mais conectada afetivamente com a situação.

Esta mudança drástica ocorreu por causa da triste história da criança que morreu afogada durante a busca por refúgio. Esta criança foi identificada como sendo o menino Aylan, que tinha 3 anos, vestia uma camisa  vermelha e calções azuis, que morreu afogado e foi encontrado e fotografado numa posição de submissão ao seu sofrimento. Depois, soubemos que o irmão e a mãe tinham, também, morrido nas mesmas condições, mas o certo é que nos interessamos muito menos por eles.

O leitor poderá pensar que me encaminho para criticar a nossa “hipocrisia” e a nossa suposta suscetibilidade a sermos manipulados pela imprensa. Afinal, nos últimos anos, temos sido bombardeados por imagens de milhares de pessoas mortas em situações muito semelhantes, mas nunca antes mobilizamos tantos esforços como agora, depois do caso Aylan. Mas não, não pretendo acusar ninguém de nada.

O que pretendo dizer é que esta situação pode ser explicada pela ciência e pela economia comportamental através do “Efeito da Vítima Identificável”, fenômeno descrito na última década por alguns cientistas e economistas comportamentais, como, por exemplo, pelos professores americanos Paul Slovic, George Lowenstein, Deborah Small e pela professora israelense Tehila Kogut. Os estudos sobre este efeito têm revelado uma grande assimetria na nossa tendência para ajudar em casos de vítimas coletivas e em casos de vítimas identificadas. A tragédia recente é exemplar neste sentido. Lemos e fomos confrontados com imagens de dezenas e centenas de refugiados mortos, mas parece que acordamos para o assunto apenas depois do caso Aylan. Inequivocamente, a probabilidade de agirmos e de ajudarmos de alguma forma aumentou depois de termos tido acesso à história de Aylan, cujas imagens correram o mundo, de modo viral.

O Efeito da Vítima Identificável mostra-nos claramente como agimos nestas situações. Tentando evidenciar o efeito de um ponto de vista científico, nas experiências mais conhecidas, os participantes são separados em dois grupos diferentes e são desafiados a responder sobre situações ligeiramente diferentes. Um dos grupos lê a história de milhares de crianças que estão em situação de risco num país muito pobre e, logo a seguir, os participantes são questionados sobre quanto estariam dispostos a doar para ajudar. O outro grupo lê a história de uma criança identificada que está em situação de risco no mesmo país e, logo a seguir, os participantes, também, são questionados sobre quanto estariam dispostos a doar para ajudar. Qual seria o resultado esperado? A maior parte das pessoas diria que, seguindo a crença de que somos agentes racionais, os participantes do grupo com milhares de vítimas doariam substancialmente mais do que os participantes do grupo com a vítima única. No limite, poder-se-ia dizer que o valor da doação seria o mesmo, pois as pessoas podem ter um valor para doação e, quer seja para uma ou mil crianças, doarão o mesmo, pois é o que têm disponível.

Contudo, o curioso é que as coisas não ocorrem nada assim. Os participantes do grupo com os milhares de vítimas doam a metade do valor dos participantes do grupo com a vítima única e identificada. Para um adepto da crença de que os agentes econômicos são racionais, este comportamento não faz sentido. No entanto, este é o comportamento que sistemática e previsivelmente exibimos. Temos a clara tendência para nos ligarmos afetivamente a casos únicos e identificados de modo substancialmente mais forte, do que a casos de tragédias coletivas, com milhares de vítimas. Este efeito pode explicar a nossa passividade em casos de genocídios e a nossa diligência em casos de uma vítima identificada na mesma condição.

Temos que ter consciência que o Efeito da Vítima Identificável pode ser utilizado para mobilizar as pessoas para boas ou más causas. Contudo, assumindo que os cientistas e economistas comportamentais seguem imperativos éticos, podemos afirmar que este efeito abre um conjunto enorme de possibilidades para fazer o Bem. Algumas ONGs, por exemplo, já estão conscientes disso e identificam o beneficiário da doação, aumentando, assim, as suas receitas e a dimensão dos recursos afetos às causas que representam.

O potencial de aplicação deste efeito é grande. Podemos influenciar as decisões das pessoas de modo muito eficaz, por exemplo, mudando a perspetiva do problema, identificando um sujeito do conjunto de vítimas ou beneficiários. No caso específico dos refugiados, podemos aproveitar a onda para estabelecer compromisso mais fortes entre Estados e pessoas, enquanto durar o “efeito Aylan”. Obviamente, não podemos correr o risco da banalização, mas seria importante que a imprensa fosse sensibilizada para as possibilidades do efeito e, com mais frequência e de forma responsável, se interessasse por casos únicos e identificasse as vítimas. No fundo, que contasse uma história com a qual o público se pudesse identificar afetivamente e agir.

Deste modo, talvez conseguíssemos criar e desenvolver uma percepção do sofrimento coletivo mais adequada e mais realista, criando condições para uma ação, individual e coletiva, mais eficaz e mais consciente.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2637 2