economia – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 14 Aug 2020 17:46:32 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Covid-19 e teoria econômica: a diferença entre risco e incerteza https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3265&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=covidd-19-e-teoria-economica-a-diferenca-entre-risco-e-incerteza Wed, 03 Jun 2020 16:42:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3265 De acordo com o Laboratório de Estudos Espaciais do Centro de Pesquisas Computacionais da Rice University, até o dia 20 de maio de 2020, a pandemia causada pelo novo coronavírus havia causado a morte de mail de 18 mil pessoas em todo o território nacional[1].  Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, até essa mesma data mais de 150 mil cidadãos se tornaram vítimas fatais de doenças cardiovasculares no país[2]. Somente no mês de maio, foram mais de 21 mil óbitos até o momento.

Comparando-se os valores relativos a óbitos por causas tradicionais com aqueles provocados pelo novo coronavírus, poder-se-ia estranhar a grande preocupação originada pela pandemia do Covid-19 na nação. O que torna tão diferente essa nova epidemia dos desafios de saúde que os brasileiros enfrentam há anos e que dominam as causas de mortalidade?

O efeito da pandemia do novo coronavírus sobre a sociedade nos oferece a oportunidade de ilustrar dois conceitos fundamentais da Teoria Econômica moderna, os conceitos de risco e de incerteza e, pela própria situação que enfrentamos, entender a dramática distinção entre eles.

Ambos os conceitos de risco e de incerteza estão associados ao fato de vivermos em um mundo “não-determinístico”, ou seja, um mundo em que não temos informação completa sobre os fenômenos que nos cercam. A diferença fundamental entre esses conceitos diz respeito ao nível de incompletude dessa informação.

No caso de uma situação de risco, conseguimos antecipar o que pode ocorrer e até mesmo determinar probabilidades razoáveis sobre os possíveis acontecimentos. Quando nos deslocamos em nossa típica cidade brasileira, por exemplo, sabemos que corremos o risco de sermos assaltados no caminho. No entanto, por conhecermos a cidade, temos uma boa ideia de que regiões são mais perigosas, que horários são mais arriscados, que trajetos são mais seguros, que meios de transporte oferecem menor probabilidade de assalto. Com toda essa informação, temos como calcular com alguma precisão os riscos que corremos e escolher um deslocamento sem que o pânico nos domine. Trata-se de um caso em que corremos riscos, mas as consequências e suas respectivas probabilidades são relativamente conhecidas e isso nos permite tomar decisões com alguma segurança.

Em uma situação de incerteza, por outro lado, a informação é mais limitada, é difícil estimarmos as diferentes probabilidades do que pode acontecer e, em alguns casos, não conseguimos sequer prever tudo que é passível de ocorrer. Se tivermos que nos deslocar em uma cidade desconhecida que se sabe ter alta taxa de criminalidade em um país estrangeiro, pelo total desconhecimento prévio do local, estaremos em uma situação de incerteza: não sabemos que bairros são mais seguros, que vias são mais perigosas, às vezes nem mesmo a que tipos de crimes estaremos sujeitos. Nesse caso é bem mais difícil decidir com segurança e não será de se estranhar que um certo pânico tome conta de nós…

Uma doença que há anos acomete nosso país é a dengue. Em 2019 foram mais de 1,5 milhão de casos em todo o país. Essa doença, no entanto, é relativamente bem conhecida. Sabemos como diagnosticá-la, como tratá-la e como ela é transmitida. Ainda que não exista vacina contra essa enfermidade, apesar de todos esses casos, morreram menos de 800 cidadãos pela dengue em 2019[3]. Trata-se de uma situação de risco, certamente, mas não é de se estranhar que a dengue não cause comoção e que haja até certa displicência na sociedade, que precisa ser relembrada constantemente por campanhas públicas sobre a importância da medida básica de se evitar acúmulo de água, por exemplo.

Compare agora com o Covid-19. Nada se sabia sobre essa nova doença até finais de 2019 e ela parecia relativamente circunscrita à província chinesa de Hubei no início do ano. Muitas informações contraditórias foram sendo reveladas: que não era transmissível pelo ar, que o vírus não resistiria ao calor, que seria uma simples gripe, etc., até que, de repente explodiram os casos no mundo. Vimos a Coréia do Sul, outros países da Ásia e até mesmo um navio de turismo serem fortemente atingidos. Em poucas semanas a Itália se tornou epicentro mundial da pandemia e as vítimas fatais se multiplicassem.

Sobre essa nova cepa de coronavírus muito pouco se sabe até hoje, nem mesmo se uma pessoa pode ser por ele reinfectada. Trata-se de uma claríssima situação de incerteza em que não conseguimos estimar as probabilidades associadas à pandemia. Quantos serão infectados? Que órgãos de nosso corpo, além do pulmão, o vírus atinge? Por que algumas pessoas ficam com respirador por semanas e sobrevivem enquanto outras morrem em poucos dias? Que remédios poderiam ajudar: a cloroquina, anticoagulantes, antiparasitário, corticoides? Nem mesmo sabemos quantas pessoas de fato já foram contaminadas ou qual é a verdadeira taxa de letalidade da doença.

Confrontados com essa situação de grande incerteza, entende-se a dificuldade que temos em tomar decisões e nos coordenarmos como sociedade.

Sentindo na pele, com o surgimento do Covid-19, a dramática diferença entre risco e incerteza que é tão cara à Teoria Econômica, fica a esperança de que rapidamente acumulemos uma quantidade suficiente de informações seguras a respeito desse novo coronavírus e da nova pandemia, de forma a conseguirmos passar de um ambiente de incerteza para um ambiente de risco e podermos, então, tomar as decisões mais acertadas.

Até lá, resta-nos manter o isolamento social, uma vez que uma das poucas certezas que temos sobre esse vírus é que ele tem alta transmissibilidade e que uma pessoa infectada já pode contagiar outros antes mesmo que os sintomas da doença nela se manifestem.

[1] https://www.coronavirusnobrasil.org. Acessado em 20/5/2020.

[2] http://www.cardiometro.com.br/. Acessado em 20/5/2020.

[3] Mais precisamente, foram 782 óbitos. Vide Panorama Farmacêutico, 14/02/2020. Disponível em: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/01/14/brasil-teve-aumento-de-488-nos-casos-de-dengue-em-2019/ acesso em 6/5/2020/

Maurício Bugarin é do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

bugarinmauricio@gmail.com, www.bugarinmauricio.com

*Artigo originalmente publicado no jornal Nexo no dia 21 de maio de 2020 e aqui reproduzido com a anuência do autor.

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Economia da Privatização https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3228&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=economia-da-privatizacao Thu, 21 Nov 2019 19:56:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3228 César Mattos é ex-Secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia.

 

“Smith observou que não há personagens mais distantes do que o soberano e o empreendedor no sentido que as pessoas tendem a ser mais generosas com os recursos de terceiros do que com os seus próprios, e de que a administração pública poderia levar ao uso ineficiente dos ativos dado que os servidores públicos não têm um interesse direto em seu desempenho econômico. De acordo com Smith (1776), a venda de propriedade pública (a qual naquele tempo era a própria terra) também tinha um outro efeito: as receitas podem ser alocadas para a redução da dívida pública; e a redução das despesas com juros alivia as finanças públicas em maior medida que a propriedade da terra. Com a privatização, portanto, a eficiência é ampliada. … Como frequentemente acontece, intuições simples possuem um toque de verdade … após vinte anos de experiência, a intuição de Adam Smith tem sido amplamente confirmada. Graças à transferência de direitos de propriedade, as companhias privatizadas têm melhorado amplamente sua eficiência. E os países que têm privatizado, têm reduzido suas dívidas e déficits públicos”.

 

Bortolotti, B. e Siniscalco, D. The Challenges of Privatization: An International Analysis, 2004.

 

  1. I) Introdução

 

A agenda de privatização voltou com carga total ao Brasil após ter “hibernado” desde o final do governo FHC. Enquanto houve alguma atividade de concessão de infraestruturas de rodovias, aeroportos, setor elétrico e portos nos governos Lula e Dilma[1], a venda permanente de ativos do Estado ao setor privado, como foram os casos dos setores siderúrgico, mineral (CVRD), fertilizantes, aeronáutico, entre outros, foi simplesmente interrompida.

 

O Governo Temer enviou ao Congresso o Projeto de Lei nº 9.463, de 2018, que trata da autorização para a alienação do controle da Eletrobrás, mas que acabou não indo adiante. Também criou a Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que contou com ambicioso programa de desestatizações.

Conforme o Boletim das Empresas Estatais Federais do segundo trimestre de 2019, havia um total de 133 empresas estatais federais. No governo Bolsonaro, o programa de privatização ganhou grande impulso, tendo já avançado na alienação da BR distribuidora, dois gasodutos e planejado a alienação de cerca de 50% de seu parque de refino. Planeja-se ainda seguir com a privatização da Eletrobrás, Telebrás, Correios, dentre outras.

 

Neste artigo resgatamos as bases do debate econômico sobre por que privatizar.

 

  1. II) Privatização e Desenvolvimento

 

Segundo Bortolotti e Siniscalco (2004), “a privatização constitui um dos principais eventos da história econômica e financeira mundial do período pós-guerra”.

 

De fato, a racionalidade econômica para a privatização em geral já se encontra bem estabelecida na literatura econômica[2]. Não à toa, foi uma política muito implementada nos países desenvolvidos, que, conforme a resenha de Megginson e Netter (2001), fez com que o peso das empresas estatais se reduzisse pela metade. Já em países menos desenvolvidos, o progresso da privatização ainda apresentava maior dificuldade no início do século XXI.

 

Do ponto de vista teórico, como destacado no já citado Bortolotti e Siniscalco (2004), é conhecido o “teorema da irrelevância da privatização”, que define em quais condições uma empresa ser estatal ou privada não faz diferença. No entanto, os autores destacam que o teorema da irrelevância se baseia em uma hipótese totalmente irrealista: contratos contingentes completos de longo prazo entre o gerente da empresa (estatal ou privada) e o regulador podem ser desenhados e ter o seu enforcement garantido.

 

Como há investimentos específicos afundados que não são contratáveis, tal como a quantidade de esforço empregada pelo gerente para reestruturar uma firma e reorganizar a produção, o volume de investimentos efetuado tende a ser excessivamente baixo, gerando a ineficiência destacada por Adam Smith na ementa. Nesse contexto de “contratos incompletos”, a propriedade da empresa (estatal ou privada) altera dramaticamente o seu desempenho, explicando “porque a privatização importa, i.e. porque as estatais se comportam de forma diferente das firmas privatizadas”.

 

O primeiro grande programa de privatização de sucesso no mundo se iniciou no Reino Unido, sob o governo conservador de Margaret Thatcher em 1979. Curiosamente, a privatização não chegou a ser um tema proeminente da campanha que levou os conservadores ao poder e foi recebida com muitas críticas pela sociedade britânica. Os trabalhistas na oposição chegaram a prometer retornar as empresas à condição de estatais tão logo retornassem ao poder. A privatização mais marcante do Reino Unido foi a da British Telecom em 1984.

 

O sucesso do programa britânico foi tão grande que os conservadores acabaram obtendo um largo apoio político, o que explica pelo menos uma parcela da longa era Thatcher no poder. O Reino Unido virou uma referência de experiência em privatização. Seus principais objetivos, ainda segundo Bortolotti e Siniscalco (2004), foram o incremento da eficiência das companhias, a redução do déficit fiscal, a liberdade do consumidor, a liberalização de monopólios públicos, o desenvolvimento de mercados financeiros e a democratização do capital acionário das empresas para a população em geral. Mesmo quando se vendia o controle a investidores estratégicos, em vários casos, uma parte das ações foi pulverizada pela venda nos mercados em bolsa. Conforme os autores, nos países da América Latina, além destes objetivos, caberia um objetivo adicional: atrair capital estrangeiro de forma a facilitar a importação de tecnologia.

 

A Europa Continental, por sua vez, passou a adotar um programa de privatização de larga escala a partir de meados da década de 80. Portugal, Espanha, Holanda e Suécia adotaram a política de privatização em 1989, sendo que Bélgica, Grécia e Irlanda passaram a efetivamente se engajar no processo ao longo dos anos 90, tal como o Brasil. De qualquer forma, as grandes empresas de telecomunicações e energia elétrica apenas iniciaram seu processo na Europa Continental a partir de 1994. A América Latina, a Oceania e a Ásia vieram em seguida, sendo que o Norte da África, o Oriente Médio e a África Subsaariana iniciaram seus respectivos processos de privatização apenas no início deste século.

 

Bortolotti e Siniscalco (2004) sugerem, inclusive, uma sequência lógica do processo de desenvolvimento dos países em geral, na qual a fase inicial requereria uma maior intervenção direta do Estado via empresas estatais no setor de infraestrutura e a fase subsequente contaria com a provisão privada de serviços públicos após processo de privatização: “Com base nestas observações agregadas, pode-se pensar que a privatização seria a consequência espontânea e inevitável do desenvolvimento econômico, e que sua evolução seria largamente independente das especificidades históricas de cada país. Nos estágios iniciais de desenvolvimento, apenas o Estado poderia promover a acumulação de capital na infraestrutura e nas indústrias capital-intensivas. Uma vez que o processo de desenvolvimento foi colocado em movimento, o Estado gradualmente se retiraria da economia por meio da privatização. À fase Colbert[3] se seguiria a fase Thatcherista, uma forma de determinismo que ecoaria, pelo menos no método, a teoria dos estágios de desenvolvimento.”

 

Acreditamos, no entanto, que o “período Colbert” de desenvolvimento guiado pelo Estado via estatais possa ser requerido mais por uma questão institucional da relação Estado/setor privado do que por uma incompetência ou aversão ao risco do setor privado para iniciar negócios nos setores de infraestrutura de um país.

 

De fato, o sucesso de uma política de privatização é muito ligado ao apoio dado pela sociedade civil ao programa. Isto porque os governos em geral, especialmente aqueles de países com baixas dotações institucionais no jargão de North (1990), detêm escassa capacidade de se comprometer a não ter comportamentos oportunistas no futuro. Ou seja, tais governos não são capazes de se comprometer hoje a não adotar uma política futura de expropriação do investimento privado[4] em áreas de infraestrutura, que são, em geral, muito sensíveis do ponto de vista político, especialmente as tarifas do serviço.

 

A incerteza dos investidores sobre as preferências futuras do governo são, portanto, importantes elementos a restringir o processo de privatização. Mais uma vez, ativos específicos afundados de longo prazo de maturação são especialmente vulneráveis a este tipo de expropriação.

Isso explica, em boa parte, a aversão ao risco que acometeu boa parte do setor privado por muito tempo nos setores de infraestrutura em vários países, à exceção dos EUA. Sabendo que os governos dificilmente resistiriam à atração fatal populista de expropriar investimentos nestes setores, especialmente forçando tarifas artificialmente baixas, os próprios agentes privados preferiram se manter à distância, apesar de terem sido os primeiros investidores em setores como telecomunicações e energia elétrica, antes dos governos, inclusive no Brasil.

 

Ou seja, o desinteresse do setor privado nos setores de infraestrutura no mundo todo por um longo período de tempo pode ter se derivado mais do risco de comportamentos oportunistas dos governos com as várias formas de expropriação dos ativos, em um ambiente de escassa blindagem institucional, especialmente por um Judiciário independente e não populista, do que de uma falta de apetite intrínseca do setor privado por estes setores. Em síntese, o risco que os afastou foi mais o político do que o de negócio.

 

As melhorias institucionais havidas em vários países, especialmente na garantia do equilíbrio econômico financeiro dos contratos regulatórios com empresas privadas por Judiciários independentes e minimamente atentos à importância da segurança jurídica para o investidor privado, garantindo-os contra o oportunismo de governos populistas, explicariam pelo menos parte do incremento do interesse privado na infraestrutura mundial nas últimas três décadas[5].

 

Uma das formas encontradas para a blindagem institucional foi a venda das ações das estatais para a classe média, o que, segundo Bortolotti e Siniscalco (2004) “pode criar um grupo da sociedade com interesse em aumentar o valor dos ativos e avesso às políticas redistributivas das esquerdas”. Isso tornaria a eventual tentativa de reestatização ou de outros comportamentos oportunistas mais custosos para o governo. Segundo os autores, na experiência britânica, “a distribuição de ações a um preço descontado fez com que a re-nacionalização (proposta no programa eleitoral do partido trabalhista) ficasse mais custosa e, portanto, menos provável de encontrar suporte popular enquanto simultaneamente aumentou o apoio aos conservadores”.

 

No Brasil, o grosso das privatizações ocorreu ao longo da década de noventa. Não houve reversões após o longo período de hegemonia de um governo de esquerda entre 2003 e 2016, apesar de alguns atos hostis que cheiraram a expropriação, como na discussão sobre tarifas de telecomunicações de 2003[6], na tentativa de indução à redução forçada da tarifa de energia implementada pela Medida Provisória 579, de 2013, e no discurso geralmente hostil à privatização. Entendemos que, de forma geral, o país passou pela “prova de fogo” da blindagem institucional à expropriação do investimento.

 

III) Soft Budget e Take-Overs

 

A empresa estatal tem o que se chama de soft budget, ou seja, o governo tende a resgatá-la quando tem problemas financeiros, gerando um genuíno problema de moral hazard. Isso significa que o acionista “governo”, sem objetivo de lucro, tende a ser mais tolerante que o privado aos prejuízos gerados por má gestão. Nesse caso, o “acionista governo” tende a responder à situação aportando novos recursos para resgatar a empresa com problemas, o chamado bailing-out.

Ou seja, quando a estatal quebra, normalmente não vai à falência, tornando este tipo de empresa relativamente mais inclinada a entrar em investimentos e ações mais arriscados do que a privada. Afinal, se o acionista majoritário é relativamente mais tolerante com os prejuízos do que a empresa privada, por que os dirigentes da estatal deverão se esforçar para serem mais cuidadosos?

A privatização transforma os incentivos gerenciais. Os gestores privados seriam mais “disciplinados” pelo mercado de capitais ao sofrerem maior ameaça de take-overs hostis de outras empresas mais eficientes. Se tais gestores forem ineficientes no setor privado, outros investidores podem acabar comprando ações que impliquem transferência ou nova dinâmica do controle da empresa de modo a equacionar as ineficiências. Provavelmente na transformação da empresa de ineficiente para eficiente, a mudança dos gestores será um ingrediente fundamental. Na estatal este processo é inibido, pois a empresa deve permanecer com controle do governo, que tem uma lógica política e não econômica de indicação dos gestores.

O gestor da estatal tende a perder o emprego mais porque não beneficiou o fornecedor da preferência de algum agente político do que pelo fato de ser incompetente da perspectiva da eficiência empresarial.

Relacionado a isso está o fato de que a função objetivo da empresa estatal é uma variável menos objetiva que o lucro (que é um número), objetivo por excelência da empresa privada. Esta maior subjetividade da função objetivo da estatal torna mais difícil avaliar a competência do gestor relativamente a uma empresa privada. Avaliaremos este ponto com mais cuidado abaixo.

Reconhece-se, de outro lado, que há bail-outs também de empresas privadas pelo governo, como foi o muito citado caso da General Motors à época da crise de 2008/9 nos EUA. A frequência deste tipo de evento, no entanto, é bem menor do que em estatais.

 

  1. IV) Incentivo a Ofertar o que o Consumidor Deseja

 

As empresas privadas têm um maior incentivo a produzir bens e serviços na quantidade e na variedade preferidas pelos consumidores, dado que seguem mais de perto os sinais de mercado para serem capazes de deslocar a curva de demanda para cima, vendendo mais e mais caro.

Isso está diretamente associado ao objetivo de maximização do lucro da empresa privada: como bens e serviços mais associados às preferências do consumidor implicam quantidades e/ou preços maiores, variáveis que contribuem com o aumento do lucro, a utilização dos sinais de mercado tende a ser maior na empresa privada. O deslocamento da curva de demanda para cima, por um aumento da qualidade dos produtos, é incentivado pela busca de maior lucro, característica da empresa privada. Daí que há um maior incentivo, em média, na iniciativa privada, relativamente ao setor público, a buscar o bem ou serviço que mais agrada ao consumidor. E isto será tão mais verdade quanto mais concorrência houver no mercado.

A disciplina do mercado de capitais, por sua vez, acentua este processo de busca do que o consumidor mais deseja na empresa privada. Se a empresa não vender e/ou vender a preços menores por ter produtos/serviços de baixa qualidade, gerando prejuízos, o valor das ações cai. Isso indica, em última análise, que ela não está produzindo o que os consumidores mais desejam comprar.

Em síntese, como argumentado por Beesley e Littlechild (1997) “vender uma empresa estatal substitui a influência governamental pela disciplina de mercado” e isso gera um impacto significativo nos incentivos para a empresa buscar melhor atender o consumidor, ser mais produtiva e inovadora. O maior ganho da privatização, afinal, tende a ser alterar a estrutura de incentivos da empresa e seus gestores.

 

  1. V) Clareza de Objetivos

 

Os objetivos tendem a ser mais claros na empresa privada do que na empresa estatal. Como já destacado, na empresa privada o objetivo é uma variável quantificável muito concreta que é o lucro. Na empresa estatal o objetivo do que se entende por “bem-estar social” tende a ser muito mais difuso e subjetivo.

De fato, as empresas estatais apresentam muitos objetivos não econômicos como a universalização do serviço, o que inclui a exploração em áreas não lucrativas, mas com alegado impacto social (ou político). As empresas privadas também teriam menor apego ao objetivo de evitar demissões de empregados, no que a estatal é bastante sensível. O fato é que a existência de múltiplos objetivos com pouca clareza torna difícil mensurar resultados, obscurecendo a eficácia e eficiência da empresa.

Mas afinal, qual é o objetivo da empresa estatal? O Banco Mundial (1995) afirma que: “Os burocratas tipicamente operam mal os negócios, não porque sejam incompetentes (eles não o são), mas porque se deparam com objetivos contraditórios e incentivos perversos que podem desestimular e desencorajar mesmo os mais capacitados e dedicados funcionários públicos”. Ou seja, a falta de clareza nos objetivos constitui forte comprometedor dos incentivos dos gestores.

Pinheiro (1996), avaliando os efeitos microeconômicos da privatização no Brasil, também destaca a dupla face das empresas estatais com objetivos comerciais de um lado e de política pública de outro: “Esta dupla face tem um impacto negativo sobre a eficiência econômica pois: i) os gerentes das empresas estatais nem sempre têm clareza dos objetivos do acionista controlador, o setor público, o que dificulta a tomada de decisões e a alocação de recursos; ii) os objetivos sociais são usualmente alcançados com o sacrifício dos objetivos comerciais e da rentabilidade da empresa. Esta situação contrasta com a existente no setor privado, onde as empresas e sua direção são orientadas pelo objetivo maior do lucro”.

Cave (1990), discutindo a experiência de privatização britânica, nega que o bem estar social (seja lá o que isto significa) seria o objetivo principal das estatais. Segundo o autor, “empresas estatais maximizam o seu suporte político” e não o bem estar social, o que é corroborado pela evidência empírica de Shleifer e Vishny (1994).

Niskanen (1975), citado por Sidak e Sappington (2003a), destaca que os gerentes das empresas estatais usualmente seriam avaliados não pelos lucros, mas pelo crescimento puro e simples da empresa que eles chefiam. Assim, a função objetivo do agente seria primordialmente maximizar o tamanho das operações da empresa, independente de se os projetos geram retorno ou não. Não é nada claro que uma empresa ser grande é sempre positivo para o bem estar social.

A falta de clareza dos objetivos afeta, naturalmente, os incentivos gerenciais das estatais. Este problema foi endereçado por vários governos e organizações multilaterais nas décadas de setenta e oitenta, conforme Musacchio e Lazzarini (2014). Nesse contexto, o governo francês passou a adotar um plano contratual destinado a “atacar os problemas de objetivos confusos ou mutantes, autonomia insuficiente dos gestores e sistemas de controle demasiado restritivos, que eram percebidos como grandes obstáculos à eficiência e à produtividade das empresas públicas”. O governo francês propunha investimentos, emprego, dentre outros objetivos em troca de maior autonomia e compensações por obrigações impostas pelo governo. Como mostram os autores, tais planos, que também foram adotados em outros países, fracassaram em grande parte.

 

  1. VI) Problema de Agente/Principal, Grupos de Interesse e Captura

 

O problema de agente/principal é uma característica geral das empresas modernas não geridas (parcial ou completamente) pelos seus acionistas. Há um problema de moral hazard entre o acionista principal, que deseja o maior esforço do gestor para gerar o maior lucro possível, e o deste mesmo gestor, que pode ter vários outros objetivos, como mais lazer, mais publicidade (para ele próprio), etc.

Na verdade, pode ocorrer na relação entre o proprietário e todos os seus contratados, gestores ou não. O problema será tão maior quanto mais distante da administração estiverem os proprietários principais[7]. Nesse contexto, o problema de agente/principal tende a ser mais significativo nas empresas estatais em virtude da enorme distância dos “principais” da sociedade com os agentes relativamente às empresas privadas.

De fato, enquanto nas empresas privadas os principais são um conjunto de acionistas, nas estatais os principais são representados por toda a sociedade. O problema de ação coletiva (free-riding) é naturalmente muito mais severo no “grupo da sociedade” do que grupo (menor) dos acionistas.

Na empresa privada há um conjunto de principais de um lado, representado pelos acionistas, e os agentes, representado pelos gestores da empresa, de outro. Já na empresa estatal, há dois níveis de “principais”, o ministério ao qual a empresa estatal está ligada e os “proprietários finais”, que são os cidadãos comuns. Naturalmente a função objetivo do principal “ministério” ou “governo” nem sempre está em sintonia com a função objetivo do principal “sociedade”. Naturalmente, o agente “gestor da estatal” será mais responsivo ao “principal intermediário” “governo”, que não obrigatoriamente (ou quase sempre) é o mesmo da sociedade. Também podemos pensar no ministério ou políticos como “agentes” intermediários da sociedade frente aos “agentes” finais, representados pelos gestores da empresa estatal. Haveria, portanto, diversas camadas de agentes/principais na gestão da empresa estatal.

O ponto principal é que isto torna os problemas de agente/principal muito mais complexos em empresas estatais do que em empresas privadas. Para Aharoni (1982), o problema é tão agudo que as estatais seriam como agentes sem principais bem definidos, o que dificultaria medir o desempenho da empresa: “O principal (a população) seria representado por uma coalizão frouxa de agentes: o ministro da pasta a que está ligada a estatal, o Tesouro, os funcionários públicos, outros ministros, e o parlamento. Suas decisões são influenciadas por todo o tipo de grupos de interesse -consumidores, sindicatos, e outros- todos alegando algum direito de participar no processo de formulação dos objetivos da empresa … A falta de acordo sobre objetivos parece estar na raiz de muitas das dificuldades indicadas nos estudos sobre empresas estatais … O problema de definir objetivos para as estatais permanece em grande medida não resolvido”.

Musacchio e Lazzarini (2014) destacam a ignorância dos próprios gestores sobre quem seria, afinal, o principal: “Muitas atividades do setor público envolvem vários principais dispersos em várias áreas. Ao mesmo tempo, os próprios gestores de estatais podem não saber quem é o principal mais importante e a quem devem prestar contas. Seria o governo, um ministro, uma holding estatal ou a população em geral? Não raro, os empregados das estatais sentem que esses próprios são o principal”.

Aharoni (1982) aponta ainda que: “Em geral, a experiência mostra que quanto maior a firma, mais independente ela é do governo”. Ou seja, o problema de agente/principal das grandes holdings como a Eletrobrás ou Petrobras tende a ser pior do que para estatais menores.

Em síntese, a propriedade extremamente difusa da empresa estatal (sociedade como um todo) comparada à sociedade anônima ou outros arranjos societários privados tende a aprofundar significativamente os problemas de agente/principal entre “acionistas” e gestores. Na verdade, o mais importante “principal” a ser considerado pelos gestores tende a ser um agente político que conta com uma assimetria de informação gigantesca comparativamente ao resto da população em relação à operação da estatal.

Este problema mais agudo de agente/principal das empresas estatais as torna mais propensas à captura por organizações de interesses especiais, o que inclui os sindicatos dos próprios trabalhadores da empresa e os partidos políticos. O exemplo recente da Petrobrás é bastante eloquente quanto a isso. Será que tal empresa teria aceitado ser roubada por tanto tempo da forma que foi se fosse privada?

No caso da Petrobrás, estes agentes (ou principais) intermediários foram chave para entender todo o processo de captura da empresa pelos grupos de interesse, empreiteiros em geral, e dos esquemas de propina envolvidos no Petrolão.

O problema de agente/principal ensejou a discussão e promulgação de uma lei de responsabilidade em empresas estatais (Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016) no Brasil. Isto pode mitigar, mas dificilmente resolverá o problema.

 

VII) Baixa Capacidade de Planejamento e Execução do Estado

 

As dificuldades maiores com os problemas de agente/principal e grupos de interesse e corrupção fazem com que o governo defina um sem número de regras tanto dentro como fora das estatais para limitar a discricionariedade de seus gestores. A complicação de atuar com regras estritas de contratação (tal como as regras mais gerais da administração pública inscritas na Lei 8.666/93) é sobejamente conhecida, afetando significativamente a agilidade e competitividade da empresa. Quando uma estatal precisa de um insumo mais elaborado, abrir licitação com regras com muita ênfase na impessoalidade (típica da administração pública) e no “menor preço” pode comprometer a qualidade do produto ou serviço.

Se de um lado, regras mais estritas de contratação das empresas podem, em tese, dificultar a corrupção, elas também diminuem a margem de manobra dos gestores públicos, complicando excessivamente o processo de tomada de decisão relativamente às empresas privadas.

 

VIII) Impacto nas Finanças Públicas

 

Uma das motivações mais proeminentes, na prática, para privatizar é o impacto positivo sobre as finanças públicas, como observado por Adam Smith na ementa. Há mais de um canal possível dos efeitos da privatização sobre as contas do governo. Primeiro, quando se privatiza com base no maior valor de outorga, ou diluindo a participação acionária da União, como no caso proposto para a Eletrobrás, as receitas de privatização são usualmente utilizadas para abater dívida pública.

Segundo, como a taxa de lucro das estatais é, em geral, inferior aos juros pagos no serviço da dívida pública, o efeito positivo da privatização não é apenas sobre o estoque de dívida, mas também sobre o superávit/déficit nominal do setor público[8]. Para se ter uma ideia, conforme o Boletim das Empresas Estatais Federais de 2019 do Ministério da Economia, foram distribuídos dividendos dos grupos Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES no valor total de R$ 11,6 bilhões em 2018. No mesmo ano, a soma do patrimônio líquido destas empresas atingiu R$ 602,5 bilhões. A relação dos dividendos e patrimônio líquido deste grupo de empresas foi de 1,92% em 2018. Já a Selic média neste ano ficou entre 6,40% e 6,65%, dando uma ideia do custo de oportunidade das empresas estatais.

Mesmo que a empresa seja lucrativa, é frequente que a maior eficiência da empresa privada gere, em termos de impostos, mais do que os lucros obtidos. Assim, a privatização influencia as finanças públicas não só pelo lado do estoque (abatendo dívida) como pelo fluxo, reduzindo déficit pela redução de pagamento de juros da dívida mais incremento dos tributos relativamente à redução da transferência dos lucros para o Tesouro.

Como mostram Bortolotti e Siniscalco (2004), vários países vinculam as receitas de privatização com a amortização de dívidas, compensando a redução de um ativo do governo (a empresa) com a redução de um passivo (a dívida), inclusive com a criação de fundos específicos para tal propósito.

Os autores destacam que na Europa muito da motivação para privatizar esteve relacionada ao cumprimento das metas de equilíbrio fiscal do Tratado de Maastrich, podendo-se concluir até que a venda de estatais é mais frequentemente imposta por circunstâncias externas, como o equilíbrio fiscal, do que livremente escolhida por motivações de eficiência econômica.

 

  1. IX) Escassez de Recursos Públicos e a Crise do Investimento em Infraestrutura

 

Associado à questão do impacto da privatização sobre as finanças públicas, há o fato de que o modelo de investimento em infraestrutura baseado em recursos do Estado se esgotou pela crise fiscal. Simplesmente, não há mais recursos disponíveis para investimento público já há muito tempo, sendo indispensável aumentar significativamente a participação privada.

Há um grande consenso de que a retomada do crescimento econômico no Brasil passa obrigatoriamente pela recuperação dos investimentos em infraestrutura. Estache (2012), em um estudo do Banco Mundial, estima que os países da América Latina necessitam de uma proporção do investimento em infraestrutura como proporção do PIB entre 4 e 6% para a sustentação do crescimento econômico.

No entanto, como mostram Frischtak (2012) e Inter B (2016, 2018 e 2019), a proporção do investimento em infraestrutura em relação ao PIB no Brasil tem ficado muito abaixo disso, tendo alcançado uma média de 2,14% entre 2001 e 2012, mantendo-se no patamar de 2,3% no biênio 2013/14 e caindo desde então para 2,1% em 2015, 1,95% em 2016, 1,69% em 2017 e 1,82% em 2018, com estimativas de 1,87% do PIB para 2019. Inter B (2019) estima uma necessidade de investimento anual para modernizar a infraestrutura no Brasil em 4,15% do PIB. Ou seja, estamos mais de 2 pontos percentuais atrás do requerido.

Nesse contexto, o aporte de capital privado se torna fundamental para a urgente retomada dos investimentos em infraestrutura e a privatização constitui uma ferramenta de grande utilidade para tal propósito.

 

  1. X) Poder de Mercado

 

A principal crítica à privatização diz respeito, como destacam Beesley e Littlechild (1997), ao incentivo que uma firma privada tem de explorar todo o seu poder de mercado, o que é especialmente relevante nos setores de infraestrutura, com problemas de concorrência ou até monopólios naturais. Ou seja, a tendência de uma empresa privada cobrar preços de monopólio, com todo o seu custo em termos de perda de peso morto para a economia, seria maior do que em uma empresa estatal que não busca a maximização de lucros.

O problema do potencial exercício do poder de mercado foi talvez o principal ponto indicado pelas teorias do “interesse público” em favor da operação estatal dos serviços de infraestrutura. Esta linha de argumentação, no entanto, basicamente abstraiu os problemas de agente/principal e assumiu que o burocrata sempre agiria em favor do público, maximizando uma função de bem-estar social, a qual inclusive incorporaria objetivos distributivos e de universalização do serviço e geração de empregos, tal como mencionado em Vickers e Yarrow (1988).

A emergência de problemas relacionados ao poder de mercado, que podem também surgir em empresas estatais, indicam que a privatização tende a ser mais bem sucedida se for acompanhada de políticas regulatórias que corrijam a falha de mercado denominada “poder de mercado”, seja estimulando a competição, seja remediando suas consequências como por meio de controle regulatório de tarifas, inclusive de acesso à infraestrutura.

De fato, pode-se afirmar que privatização, regulação e competição são políticas complementares entre si. Como colocado por Vickers e Yarrow (1988)¸ “o impacto de mudanças de cada uma dessas (propriedade pública ou privada, competição e regulação) sobre a eficiência será, em geral, contingente às outras duas”. Conforme esses autores, a privatização e a competição tendem a ser tão associadas que, quando não há concorrência, tende a não existir diferença relevante no desempenho entre empresas estatais e privadas. A diferença significativa ocorreria quando há concorrência, em favor das empresas privadas.

De outro lado, a questão fiscal foi muitas vezes tão proeminente nas privatizações em todo o mundo que o próprio formato da privatização privilegiou a maximização da receita em detrimento da concorrência. Em alguns casos, vendeu-se a empresa como um monopólio (Telecomunicações na Argentina e México) ou com um poder de mercado razoável (duopólio nas telecomunicações no Reino Unido) para torná-las mais atrativas, incrementar os lances no leilão e obter mais receitas de privatização[9].

Há, no entanto, uma grande ineficiência gerada por esta estratégia, pois a privatização, como arguido, tende a tornar o setor mais eficiente quanto maior a concorrência. Newbery (2000), por exemplo, mostra que a produtividade da British Telecom (BT) privatizada, como proporção da produtividade da indústria inglesa, é constante entre o ano da privatização (1984) até o início dos 90s, quando se abre o setor plenamente à competição, após o fim da política de duopólio implementada inicialmente. Após a introdução da política de livre entrada, a produtividade da BT passa a se incrementar acima da produtividade da indústria inglesa, sendo um exemplo da conexão entre competição e eficiência em um ambiente pós-privatização.

 

  1. XI) Objetivos Diferentes de Maximização de Lucros e Comportamento Anticompetitivo

 

Sidak e Sappington (2003ª)[10] destacam que o fato de uma estatal perseguir outros objetivos que não o lucro tornaria, na realidade, o seu comportamento mais agressivo no sentido de empreender comportamentos anticompetitivos, como o preço predatório, por exemplo. Conforme os autores, dado que as estatais tendem a privilegiar o seu crescimento puro e simples e não o lucro, a empresa “se torna menos avessa aos altos custos que emergem de uma produção maior … definindo preços particularmente baixos para os produtos nos quais ela se depara com elevada competição”.

Por exemplo, os autores mostram que estatais possuem maiores incentivos a implementar políticas de preços predatórios, financiadas por subsídios cruzados oriundos de outras atividades da empresa. No caso desta conduta, utiliza-se usualmente na doutrina antitruste para empresas privadas que maximizam lucros, o teste de Joskow e Klevorick (1979) de dois estágios: primeiro avalia-se se a empresa possui capacidade de recuperação futura dos prejuízos incorridos; segundo, comparam-se os preços aos custos variáveis médios.

Defendem Sidak e Sappington (2003a) que, para estatais, seria desnecessário avaliar o primeiro estágio, pois o investimento em predação apenas objetiva a expansão no mercado e não o aumento de lucros. Os autores prosseguem, afirmando que estatais também possuem maiores incentivos para aumentar o custo do rival: “Dado que uma estatal deve ter um grande incentivo a promover práticas anticompetitivas e a desrespeitar relativamente mais a lei antitruste em relação às suas competidoras privadas, cabe implementar uma vigilância mais forte nas atividades de mercado das Estatais. Também é mais apropriado sujeitar uma Estatal a leis de concorrência mais severas, além de penas mais pesadas por sua violação”.

São interessantes, neste particular, as consequências enfatizadas por Brittan (1984), citado por Cave (1990), do problema de soft-budget para a estratégia hostil à concorrência de outras firmas, muitas vezes adotadas por estatais: “Com o Tesouro disposto a cobrir perdas, o autor argumentou que os entrantes provavelmente não entrariam para competir com uma empresa estatal incumbente … também, a atitude governamental de monitoramento da estatal deve certamente afetar a factibilidade de se incorrer em perdas de curto prazo para deter um possível entrante e, portanto, a credibilidade da estratégia de impedimento à entrada.”

 

XII) Abandono de Objetivos de Universalização e Geração de Empregos

 

Empresas privadas estariam menos dispostas que as estatais a, voluntariamente, realizar serviços para clientes ou áreas pouco atrativas economicamente, mas com valor alegadamente “social”. Em geral, a empresa estatal está mais disposta a promover subsídios cruzados das áreas e/ou clientes mais superavitários para os mais deficitários.

Este tipo de conduta da estatal tende a ser vista de forma positiva por alguns. Como as empresas privadas apenas se interessariam pelos serviços superavitários, a privatização poderia comprometer em alguma medida o objetivo de universalização dos serviços, um ponto particularmente relevante para um serviço como energia elétrica. Ademais, uma consequência usual da privatização é a demissão de trabalhadores, o que também pode ser mal visto, ainda que haja, de fato, excesso de trabalhadores e baixa produtividade na estatal.

Apesar de a menor atenção à universalização dos serviços e o possível enxugamento de pessoal serem tomados usualmente como subprodutos negativos da privatização, estes efeitos também têm um lado bastante positivo se considerado o custo de oportunidade da economia no uso dos recursos. De fato, a empresa privada é bem menos propensa a investimentos em projetos sem justificativa econômica, os chamados “elefantes brancos”, que dragam de forma excessiva recursos da economia que poderiam estar sendo utilizados de outra forma, inclusive para projetos de interesse realmente social. A contratação de um número excessivo de empregados nas estatais também drena a disponibilização de recursos humanos para outros setores da economia, onde seriam mais produtivos e/ou com maior impacto social.

De qualquer forma, o governo pode utilizar outros instrumentos para mitigar os problemas sociais decorrentes de demissões ou de abandono da perseguição de objetivos não econômicos pelas empresas privatizadas. Quando passa a regular por um contrato regulatório, o Estado pode impor objetivos de investimento, incluindo a universalização, como obrigações contratuais ou prover subsídios para tal fim, tornando mais transparente o custo do objetivo não econômico.

Programas de retreinamento e seguro desemprego também mitigam problemas relativos ao eventual desemprego de antigos funcionários das estatais. Como a folha de salários de estatais é, em geral, sobrecarregada, este enxugamento de pessoal seria economicamente eficiente e beneficiaria a sociedade como um todo pela provisão de um serviço menos custoso.

De fato, tanto a remoção do ônus dos setores deficitários quanto a demissão de trabalhadores tende a reduzir preços para os consumidores dos serviços superavitários pela eliminação do subsídio cruzado.

No caso da remoção do ônus dos setores deficitários, poderia haver uma redistribuição de renda dos consumidores em serviços/regiões mais deficitários para os mais superavitários. Como os primeiros em geral são mais pobres, haveria um impacto social líquido negativo da privatização.

Obviamente que a política de subsídio cruzado utilizada em empresas estatais para beneficiar setores socialmente vulneráveis pode ser perfeitamente replicada em empresas privatizadas reguladas. A questão é que na empresa estatal o subsídio cruzado para financiar clientes/regiões deficitários pode vir como parte de uma estratégia da própria companhia, enquanto na empresa privada deve sempre ser imposta por um regulador, tornando-se mais transparente, especialmente seu custo.

Laffont e Tirole (2000) criticaram a premissa de que a política de universalização do serviço por meio de subsídio cruzado gerou melhorias do ponto de vista social no caso de telecomunicações. Do ponto de vista teórico, os autores utilizam o resultado clássico de Atkinson e Stiglitz (1996) da teoria da taxação de que um subsídio direto para as atividades alvo é sempre melhor do que o subsídio cruzado viabilizado pela distorção dos preços relativos: “O teorema de Atkinson-Stiglitz simplesmente indica que a melhor forma de redistribuir renda seria a forma direta, por meio da taxação da renda, e que a manipulação (indireta) dos preços relativos de bens e serviços seria uma política ineficiente”.

O subsídio cruzado representa uma discriminação de preços induzida pelo Estado, seja por meio de estatais ou não, para atingir um objetivo de política pública usualmente ligado à universalização do serviço para populações/áreas menos atrativas economicamente. Isto tem um custo, em geral, maior que o benefício se não houver externalidades no serviço. Havendo externalidades, o que é o caso do setor de energia elétrica, cabe computá-las para avaliar se a política compensa ou não.

De qualquer forma, incorporando ou não as externalidades, o subsídio direto, via orçamento, tem a vantagem de ser mais transparente para a sociedade e evitar a perda de peso morto dos consumidores nas regiões superavitárias. Afinal, como não conhecem os custos de fornecimento do serviço, os usuários das regiões superavitárias que subsidiam as deficitárias não sabem usualmente o quanto pagam a mais no preço do serviço para financiar a área deficitária.

Mas talvez o principal problema de uma política de subsídios cruzados no setor de infraestrutura seja o advento da concorrência. Entrantes procuram logicamente mirar os segmentos, regiões e clientes mais lucrativos. Na medida em que em boa parte dos setores de infraestrutura passou-se a promover a competição, a base de financiamento das atividades deficitárias em um sistema de subsídios cruzados fica naturalmente erodida. Simplesmente, o lucro de monopólio dos segmentos lucrativos não mais existe, dada a concorrência dos entrantes, que, ainda por cima, não têm o ônus de operar nas áreas/clientes que geram prejuízo. Esta estratégia de entrar apenas nas áreas atrativas é o chamado cream-skimming. Este problema é ressaltado por Laffont e Tirole (2000): “este mecanismo de subsídios cruzados está acabando nos países desenvolvidos. De um lado, o regime de price caps encoraja as firmas a rebalancearem suas tarifas de uma forma mais empresarial. A firma não está mais disposta a servir áreas de alto custo a preços baixos ou subsidiar usuários de baixa renda … Enquanto a introdução de price caps levou a algumas mudanças na forma que o mecanismo de subsídios cruzados foi implementado, um obstáculo mais decisivo ao mecanismo existente de subsídio cruzado veio do movimento de liberalização. Dado que os operadores devem fazer lucros substanciais nos segmentos que subsidiam de forma a financiar os segmentos que são subsidiados, os entrantes tem um incentivo forte a entrar no primeiro (e negligenciar o último). Este ponto traz duas preocupações. Primeiro, mesmo entrantes ineficientes podem ser seduzidos pelo guarda chuva dos segmentos de altos preços do incumbente. Segundo, a base tarifária sobre a qual alguns serviços são subsidiados é erodida, destruindo todo o sistema de subsídios cruzados.”

 

XIII) Evidência Empírica Internacional e Brasileira Sobre Privatização

 

A evidência empírica internacional tende a validar a visão teórica de que a propriedade privada é mais eficiente que a estatal. Boardman e Vining (1989), em um estudo clássico sobre as 500 maiores firmas industriais não americanas, acharam que empresas estatais puras e mistas tiveram performance “substancialmente pior” que as companhias privadas similares.

Na resenha de Megginson e Netter (2001), comprova-se que a eficiência das empresas privatizadas em termos de produtividade e crescimento foi, na média, superior às empresas que não foram privatizadas.

Pinheiro (1996) apresenta uma tabela sintética sobre vários estudos comparando o desempenho de ambos os tipos de propriedade e, embora achando resultados mistos, conclui haver uma ligeira vantagem para as companhias privadas. Em particular, este autor achou para o Brasil que a privatização aumentou a produção, a eficiência, a lucratividade e o investimento, bem como melhorou outros indicadores de performance financeira. La Porta e Lopez de Silanes (1997) acharam para o México grandes aumentos da eficiência e lucratividade, sendo que os aumentos de preços responderam por apenas 10% do aumento dos lucros. Os autores concluíram que estes aumentos de preços não se deveram ao poder monopolista.

Anuatti-Neto, Barossi-Filho, Carvalho e Macedo (2005) mostram que, de forma geral, as empresas brasileiras tornaram-se mais eficientes com a privatização, com aumento da lucratividade e eficiência operacional. Um ponto importante foi a mudança da estrutura financeira das empresas em função da eliminação do problema de soft budget. As empresas privatizadas brasileiras tiveram sua liquidez corrente ampliada e redução de endividamento no longo prazo.

 

XIV) Privatização Parcial

 

Bortolotti e Faccio (2006) realizaram uma pesquisa ao final do ano 2000 e mostraram que “os governos continuam como os maiores acionistas ou detêm poderes de veto substanciais em quase 2/3 das empresas privatizadas”. Os autores mostram que o valuation das empresas privatizadas não depende de o governo abrir mão de todos os direitos de controle. Na verdade, a participação governamental resultou em valorização até maior das empresas privatizadas, o que os autores acreditam que pode ter se derivado do fato de que foi detectada também uma maior probabilidade de os governos proverem ajuda financeira (bailing-out) às empresas privatizadas que mantiveram participações governamentais do que àquelas em que isto não ocorreu. Ou seja, o maior valuation derivaria não de maior eficiência de empresas privatizadas com participações estatais remanescentes, mas sim de um maior soft budget. Afinal, qual acionista privado não deseja ser sócio de um agente que está disposto a bancar os prejuízos?

Um aspecto potencialmente positivo da manutenção de participações acionárias do governo nas empresas, enfatizada por Bortolotti e Siniscalco (2004), é que os investidores privados podem atribuir uma probabilidade menor de comportamentos oportunistas. Como tais comportamentos afetam não só os sócios privados como também o sócio estatal, os autores argumentam que o próprio Estado não deveria querer prejudicar a empresa: “como a expropriação também reduz o valor do investimento para o acionista público, vendas parciais parecem constituir uma estratégia de sinalização da disposição do governo em suportar o risco residual da atividade e não interferir na atividade operacional da empresa no contexto de alto risco de política”.

Na experiência recente da Eletrobrás, no entanto, a Medida Provisória 579/2012 teve um impacto muito negativo na empresa. Enquanto empresas de distribuição estatais estaduais recusaram a oferta do governo federal de reduzir tarifas em troca da antecipação da renovação da concessão, a Eletrobrás, por ser de propriedade do governo federal, fez o oposto, em claro desacordo aos melhores interesses da empresa. Sendo assim, não parece ser um argumento tão forte a justificar a manutenção de propriedade acionária parcial por parte do governo.

 

  1. XV) Conclusões

 

A privatização pode ser entendida como um meio para realizar uma verdadeira “revolução de incentivos” na gestão das empresas transferidas ao setor privado.

Como muitas outras coisas em economia, a questão dos incentivos diferenciados das empresas operadas pelo governo e pelo setor privado não passou despercebida por Adam Smith, cuja intuição sobre a dramaticidade do problema agente/principal nas estatais ocorreu há mais de dois séculos.

Isso sem negar que já pode ter havido vantagem em ter empresas estatais em setores de infraestrutura. Em geral, se atribui esta vantagem ao que seria a falta de apetite ao risco do agente privado em investimentos de grande vulto como os de infraestrutura. O mais provável, no entanto, é que a vantagem das empresas estatais na infraestrutura tenha sido relacionada à falta de condições institucionais dos países para o investimento do setor privado em infraestrutura. Ou seja, o problema para o agente privado foi menos o risco do negócio e mais o risco político representado pela falta de capacidade de comprometimento crível do governo em não adotar comportamentos oportunistas, expropriando o investimento, especialmente pela indução à queda forçada de tarifas politicamente sensíveis.

Note-se que a pressão por tarifas menores tende a ser mais eficaz em estatais, o que fez ampliar o suporte político ao uso deste tipo de empresas. Enquanto se acreditava que tarifas menores seriam um reflexo do fato de estatais não utilizarem seu poder de mercado contra os consumidores, a experiência revelou que a tentação populista dos governos prevalecia em tal magnitude que acabava comprometendo a saúde financeira da empresa. Além de se transferir o custo da provisão do serviço do consumidor para o contribuinte (por que isso seria sempre socialmente justo?), comprometia a capacidade de investimento da empresa. Muito da crise brasileira de infraestrutura se deve a isso. A experiência recente do uso da Eletrobrás pela Medida Provisória 579/2012 demonstra que este problema continua muito atual.

No momento atual, no entanto, acreditamos que o país esteja mais maduro institucionalmente, especialmente com um Judiciário independente e com um mínimo de consciência acerca dos efeitos nefastos da incerteza jurídica sobre o investimento. Na tentativa do governo que entrava de forçar a redução de tarifas telefônicas em 2003, por exemplo, o Judiciário deu ganho de causa às operadoras, respeitando os termos do contrato de concessão[11].

A privatização representa, antes de tudo, uma verdadeira “revolução de incentivos” na provisão do serviço público. Tanto gestores como empregados da empresa privada apresentam uma propensão a responder a estes incentivos com um trabalho de mais eficiência e excelência. O cuidado fundamental aqui é fazer uma regulação moderna e eficiente do serviço, mais voltada para incentivar os comportamentos desejados do que para os velhos mecanismos de “comando e controle”. Adicionalmente, é crucial uma regulação que promova o maior dos incentivos, o da competição, um elemento muito presente na privatização da Telebrás em 1998. O mix destes mecanismos de incentivos, passagem do direito de propriedade público para privado pela privatização, ambiente competitivo e regulação inteligente é o que poderá viabilizar esta essencial “revolução de incentivos” que permitirá expressivo incremento da produtividade nesses setores com transbordamentos por toda a economia brasileira.

Adiar a retomada da privatização representa um custo gigantesco tanto para os usuários dos serviços quanto para os contribuintes brasileiros. É fundamental que a privatização do maior número de empresas continue representando uma das diretrizes mais importantes do governo.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

[1] O Governo àquela época insistia na distinção entre privatização, palavra amaldiçoada por implicar transferência permanente do patrimônio público a privados (como se não se pagasse nada por isso), e concessão, que manteria a reversibilidade dos ativos ao Estado. Curiosamente, nos casos dos serviços públicos como telecomunicações, energia elétrica e ferrovias, ocorreram concessões, apesar de terem sido consideradas pela Oposição da época como privatizações. Já no caso da venda da Vale do Rio Doce ou da Embraer, não houve concessão, sendo privatização propriamente dita. Os governos Lula e Dilma, no entanto, chamaram tudo de dilapidação de patrimônio público, mesmo tendo concedido rodovias e aeroportos, mesmo regime de telecomunicações, energia e ferrovias. A grande parte da análise aqui procedida, de qualquer forma, é cabível para concessões.

 

[2] Ver Beesley e Littlechild (1997), Laffont (1995), Vickers e Yarrow (1988), e Pinheiro e Giambiagi (1994), dentre outros.

 

[3] Ministro da Economia Francês de Luis XIV conhecido pelas ideias mercantilistas que incrementaram a intervenção do Estado na economia.

 

[4] Utilizamos “expropriação” aqui no sentido mais amplo de Sidak e Spulber (1998), incluindo a encampação dos ativos, controle de tarifas em níveis irrealisticamente baixos, obrigação de investimentos além dos previamente contratados, entre outros.

 

[5] Ver a importante contribuição de Levy e Spiller (1996) sobre a importância da questão institucional no formato ótimo de regulação no setor de telecomunicações em vários países.

 

[6] Ver Mattos (2003).

 

[7] O conhecido ditado de “o olho do dono é o que engorda o gado” traduz precisamente este ponto.

 

[8] Ver Pinheiro e Giambiagi (1994).

 

[9] Ver Mattos e Coutinho (2005).

 

[10] Ver também sobre o mesmo assunto dos dois autores, Sidak e Sappington (2003b).

 

[11] O que não implica que não tenha imputado algum prejuízo às empresas. Ver https://www.conjur.com.br/2004-jul-01/decisao_stj_eleva_reajuste_tarifas_partir_sexta.

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Você realmente sabe o que são juros? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3224&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=voce-realmente-sabe-o-que-sao-juros Thu, 13 Jun 2019 19:18:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3224 1 – Introdução

Atualmente, tramitam no Legislativo inúmeros projetos de lei e propostas de emenda à Constituição que visam impor restrições às taxas de juros praticadas no Brasil, seja mediante a determinação de um preço máximo ou impedindo a utilização do método de juros compostos, em detrimento dos juros simples, na contabilização de contratos financeiros.

Da mesma forma, existem incontáveis processos judiciais em andamento sobre os assuntos supracitados, além de inúmeras decisões controversas sendo tomadas nas últimas décadas.

Na esfera legislativa, a aprovação de proposições impondo limitações aos juros pactuados, e, na esfera judicial, a tomada de decisões nesse mesmo sentido, podem causar enorme impacto financeiro negativo e grave insegurança jurídica, como veremos adiante.

Sendo assim, ante a imensa relevância do tema e o grande impacto potencial sobre a população e o desenvolvimento do nosso País, tentarei esclarecer, de maneira acessível e concisa, os principais conceitos relacionados às taxas de juros, a fim de melhor orientar tomadas de decisões quanto ao tema, bem como elucidar para a opinião pública possíveis confusões acerca desse conteúdo.

O foco do texto será na análise econômica das taxas de juros, partindo de um ponto de vista Austríaco, portanto, fazendo uso da praxeologia e do individualismo metodológico como instrumento epistemológico.

2 – O preço intertemporal

Ao contrário do que é afirmado por muitos, juros não são “meios de exploração”, mas simplesmente preços, que surgem a partir das preferências temporais inatas dos seres-humanos[1][2][3]. Afinal, qualquer um prefere receber um valor X hoje que o mesmo X no futuro. Na verdade, essa preferência temporal é hiperbólica: vários estudos científicos comprovam que o ser-humano não apenas prefere o mesmo valor hoje que no futuro, mas que prefere, até mesmo, um valor muito menor hoje a outro muito maior no futuro[4]. Logo, dinheiro à disposição agora vale mais que a mesma quantia monetária no futuro.

Quem poupa e, portanto, empresta dinheiro abre mão de ter um montante disponível hoje – e, consequentemente, de realizar um consumo imediato – e posterga para o futuro a satisfação que obteria com os produtos e serviços que poderia adquirir no presente – exatamente o oposto do que faz aquele que toma o crédito, que prefere realizar um gasto no presente, ainda que não possua recursos disponíveis para isso, ao invés de apenas consumir em uma data futura.

Sendo assim, à medida que os indivíduos fazem avaliações e propostas quanto ao valor do tempo e do uso de recursos monetários, surge um “preço intertemporal” no mercado, que embute a preferência temporal supracitada, bem como riscos de crédito (levar um calote) e expectativas de inflação (corrosão do poder de compra). Todo esse argumento torna-se ainda mais óbvio quando racionalizamos de forma pessoal: basta você avaliar se emprestaria o dinheiro que poupou para desconhecidos sem receber nada em troca. Simplesmente não faz sentido.

Portanto, uma vez que é o “preço do tempo”[5], a taxa de juros equilibra a propensão a poupar de uns com o desejo de pegar emprestado de outros. Sem ela, não existe crédito e, obviamente, crescimento econômico. Logo, qualquer interferência inadequada nas taxas de juros tem o potencial de causar distorções e consequências desastrosas para a economia de um país.

 

3 – Por que os juros são altos no Brasil?

Antes de avançarmos na análise, cumpre esclarecer o que é a “taxa básica de juros da economia”, a chamada taxa Selic: é a taxa de juros derivada das negociações de empréstimos lastreados em títulos públicos federais realizadas pelos bancos em operações overnight gerenciadas pelo Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (daí o nome Selic).

Como o Banco Central utiliza tais operações para manipular a oferta monetária, comprando títulos em posse dos bancos e expandindo tal oferta (consequentemente, reduzindo os juros artificialmente) ou vendendo títulos para os bancos e reduzindo a oferta monetária (consequentemente, aumentando os juros artificialmente), tem-se que a Selic é considerada a taxa básica de juros da economia[6].

Tendo em mente todos os conceitos explicitados anteriormente, podemos agora nos questionar por que o valor dos juros cobrados pelos bancos e financeiras excedem, e muito, a taxa Selic.

No entanto, antes de realizarmos prejulgamentos, vale a pena analisarmos esse ponto mais a fundo: afinal, por que existe uma diferença (spread) tão grande entre o valor da Selic e das taxas cobradas pelas instituições financeiras do consumidor final?

Existe grande debate sobre o motivo dessa discrepância[7] e o Banco Central vem atuando na tentativa de reduzir esse gap. De qualquer maneira, existem alguns fatores primordiais indiscutíveis para que tanto os juros quanto os spreads bancários praticados no Brasil sejam elevados:

  1. Baixa concorrência no setor bancário[8]: as regulamentações criadas pelo próprio Banco Central impedem o fácil estabelecimento de novas instituições, que trariam mais concorrência para os grandes bancos. Assim, o sistema bancário funciona como uma espécie de cartel que se sustenta em razão do excesso de regulação do Estado.
  2. Grande insegurança jurídica: o Judiciário é excessivamente leniente com o devedor no Brasil, o que obriga os bancos a fazerem altas provisões contra calotes e a compensarem o risco excessivo de não receber, em virtude das decisões judiciais corriqueiramente favoráveis ao devedor, cobrando mais caro do tomador de empréstimo, inclusive daqueles que pagam em dia, já que é difícil discernir bons de maus pagadores previamente (há um subsídio cruzado) – e tudo isso culmina em juros maiores.

III. Governo: o governo é a razão não só de spreads elevados, em função da alta burocracia administrativa, contábil e tributária imposta a todas empresas, inclusive as financeiras, como também é o responsável primordial pelos elevados juros, em termos absolutos, no País. Afinal, o maior devedor da economia brasileira é o Estado.  Como não consegue financiar todas as suas atividades meramente por meio da arrecadação de impostos, razão dos constantes déficits fiscais e da elevada dívida, o Tesouro Nacional precisa recorrer a financiamentos, via emissão de títulos, em grande volume. O resultado é que boa parte da poupança privada e do capital disponível é desviado para cobrar os rombos públicos.  Logo, o dinheiro que poderia ir para o setor produtivo na forma de crédito acaba indo para o setor não produtivo na forma de empréstimos públicos (que serão pagos via impostos, inflação ou via mais empréstimos – ou seja: o governo se endivida para pagar dívidas antigas.)

  1. Elevados custos de intermediação financeira: segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, publicado em 2017[9], as maiores causas dos altos spreads são elevadas provisões contra inadimplência (o que está relacionado com a insegurança juridíca e dificuldade de recuperação de créditos não pagos), despesas administrativas e carga tributária.

 

4 – É possível limitar os juros impondo um valor máximo?

Em decorrência da imensa complexidade do mercado, que é um processo dinâmico de ações variadas de milhões de pessoas, mudando e evoluindo constantemente ao longo do tempo, intervir erroneamente ou tentar reduzir “na marra”, com uma “canetada”, o spread bancário, determinando um valor máximo permitido legalmente para os juros – na tentativa de diminuir os juros cobrados pelas instituições financeiras –, não vai funcionar.

A única saída é atacar as reais causas dos elevados juros e spreads, explicitadas na seção anterior, a começar pelo desenvolvimento de um ambiente institucional e jurídico mais seguro (que gere menos aversão a riscos por parte de investidores) e pela diminuição dos gastos governamentais, responsáveis por déficits tremendos que sugam todo capital disponível.

Caso contrário, na hipótese de se tentar definir legalmente um preço máximo para os juros, as limitações equivocadas culminarão em uma redução de todas as formas de crédito disponíveis e, até mesmo, no fim das linhas de crédito mais arriscadas, como as sem garantias reais, do rotativo do cartão de crédito, cheque especial etc. Ainda, os clientes de baixo poder aquisitivo e com menor capacidade de oferecer alguma forma de garantia colateral serão os mais afetados e terão ainda menos acesso a crédito. Em última instância, haverá grande redução nos investimentos e no crescimento econômico do país[10].

 

5 – Os juros compostos são um problema?

Existe um argumento popularmente difundido e respaldado por muitas decisões judiciais de que a cobrança de juros compostos seria uma “artimanha” utilizada pelos bancos para ludibriar a população e aumentar os seus lucros.

Avaliaremos, em seguida, se a imposição de juros simples para contratos financeiros é uma medida válida. Porém, antes, precisamos compreender melhor as diferenças entre juros simples e compostos e um exemplo irá nos ajudar com essa tarefa.

Pelo método de juros simples, caso o mutuante faça um empréstimo (sem amortizações e pagamentos parciais) no valor de 100 reais, a uma taxa de 10% ao ano, deverá receber, ao final de 10 anos, o valor de 200 reais (o principal somado aos juros de 10% * 10 anos * principal). Já pelo método de juros compostos, o valor emprestado, ao final do primeiro ano, seria de 110 reais (principal somado aos juros de 10%); sobre esse valor, novamente, seriam aplicados 10% de juros, resultando em 121 reais; e assim sucessivamente até o fim do décimo ano, quando o valor da aplicação seria de 259 reais.

No entanto, não se engane. Os juros compostos não proporcionam maiores ganhos para os bancos e tampouco são responsáveis pelos spreads elevados. Conforme vimos em seção anterior, juros são preços e o valor que o mutuante recebe é devido ao custo de se abrir mão de consumo no presente (ao contrário do mutuário). Logo, após a passagem de um período temporal, por exemplo, um ano, o rendimento recebido consiste no pagamento por essa transação intertemporal. Obviamente, o valor auferido incorpora-se ao patrimônio do mutuante. Portanto, ao abrir mão novamente desse valor emprestado em um período temporal sucessivo, é esperado que o novo preço (no caso, os juros) seja cobrado sobre o novo valor que, mais uma vez, não está sendo gasto, mas sim cedido ao mutuário, pelo mutuante. Assim, é indubitável, a partir de uma simples reflexão lógica, que a cobrança de juros compostos é a única possível aplicação.

Caso contrário, se os mutuantes fossem impedidos de contabilizar os juros de forma composta e fossem obrigados a definir juros simples, não haveria uma “economia” para os tomadores de crédito.  O custo não seria menor. As taxas seriam recalculadas de forma a incorporar o fato de os juros não poderem ser calculados de forma composta. Assim, no exemplo anterior, o emprestador, em vez de fazer um contrato com juros de 10% ao ano, faria um contrato com juros simples de 15,9% ao ano, o que lhe renderia, ao final do contrato, os mesmos 159 reais que obteria se fossem cobrados juros compostos de 10% ao ano.

O problema é que esse tipo de contrato aumenta muito os custos de transação, pois deverão ser calculadas infinitas taxas de juros diferentes, de acordo com cada prazo de vencimento possível. Além disso, aumenta o risco para o credor, pois, se o devedor atrasar o pagamento, o valor a ser recebido será menor. Voltando ao exemplo, se o devedor, em vez de pagar a dívida nos 10 anos pactuados, pagar em 11 anos, os juros adicionais seriam de R$ 15,9, se calculados de acordo com o juros simples, e de R$ 25,90 (=10% de R$ 259) se fossem juros compostos – o que implicaria, na prática, juros iniciais ainda maiores que os cobrados pelo método composto para compensar mais esse risco adicional.

Dessa forma, ao obrigar os credores a cobrar juros simples, o custo final ao consumidor deverá ser maior, pois, como vimos,  os juros calculados pelo método simples assumiriam um valor muito superior ao que é pactuado sob o método composto, a fim de tentar compensar a falta de um regime de capitalização, e os custos de transação e os riscos são igualmente mais altos. Afinal, como já ficou claro, juros são preços e não há como pensar neles de outra forma. Para que essa compreensão fique ainda mais cristalina: caso a lógica de um sistema de rentabilidade simples fosse ampliada além da ótica financeira, uma vez que salários, tal qual os juros também são rendimentos (precificados pelo serviço prestado), os trabalhadores deveriam possuir um “salário base” e ter seus aumentos subsequentes incorporados apenas ao valor base. No entanto, é óbvio que não é isso o que acontece – o aumento remuneratório, pelos mesmos motivos explicitados, se dá de forma composta.

Outro argumento lógico, prático e incontestável, corroborando a análise teórica acima, é que, caso seja obrigatória a aplicação de juros simples, seria muito mais vantajoso que o mutuante encerrasse o empréstimo anualmente e re-emprestasse o montante auferido (agora elevado pela incidência dos juros prévios) de forma sucessiva, simulando o efeito dos juros compostos.

Em virtude de toda análise efetuada, fica óbvio por que os juros compostos são o método utilizado no Brasil e em todo o mundo. Os juros simples praticamente não são utilizados como instrumento financeiro e, nas raras ocasiões em que são, é apenas para simplificar o cálculo do rendimento de operações de prazos curtos, inferiores a um ano ou um mês.

 

6 – Por que insistem em intervir no tema?

A resposta para essa pergunta realmente é uma incógnita e poderíamos apenas especular sobre os motivos, indo de uma tentativa de manutenção de influência (poder) sobre a opinião pública – que, muitas vezes é desinformada e, portanto, tende a ser influenciada pela ideia de uma diminuição forçada dos juros ou de um antagonismo utópico entre vilões (que querem juros altos) e mocinhos (que querem os juros baixos) –, ou mesmo uma completa incompreensão do tema (o que parece ser o caso mais provável).

O debate sobre a limitação e a capitalização dos juros no Brasil república vem ao menos desde o Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, a chamada Lei da Usura, que dispõe sobre os juros nos contratos.

A Lei dispõe, nos arts. 1º e 2º, que não é válida a cobrança de juros acima do dobro da taxa legal, que, de acordo com o Código Civil vigente na época, seria, no máximo, de 6% ao ano – ou seja, a taxa máxima de juros seria de 12% ao ano.  Já em seu art. 4º, a norma afirma que é proibido contar juros dos juros, ou seja, juros sobre juros, a chamada capitalização, exceto a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”.

Sob um prisma histórico, esse decreto, emitido por Getúlio Vargas, anulava a liberação de mútuos introduzida pelo Código Civil de 1916 e revigorava o regime do Código Comercial de 1850, que proibia os juros compostos.

Ao tratar do tema, a Súmula nº 121, de 1963[11], do Supremo Tribunal Federal (STF), corroborando a norma varguista, afirma o seguinte: “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”[12].

Evidentemente, com a expansão do setor bancário e dos mercados de capitais na segunda metade do século XX, as normas supracitadas, por sua falta de razoabilidade e consequente inaplicabilidade, tornaram-se letra morta e a Súmula 121 foi parcialmente revogada pela nº 596, de 1976[13], do STF, que afirma que “as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.”

Perdendo a oportunidade de não interferir mais no assunto e para tornar ainda mais incongruente a questão, o próprio STF afirmou, no Recurso Extraordinário (RE) nº 100.336-PE, de 1984[14], que “a conformidade dos julgados que informam a Súmula 121, a proibição do anatocismo[15] constitui ius cogens[16]. Da proibição posta no enunciado não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121, na espécie”. Em outras palavras, a capitalização prevista na Lei da Usura seria vedada mesmo a operações de instituições financeiras.

Em outro julgado, o  RE nº 1.285, de 1989[17], o STF dispõe que “a Súmula 121 não está superada pela de nº 596. Na verdade, embora relacionadas ambas com juros e com o Decreto 22.626/33, apresentam nítida distinção. Enquanto o enunciado nº 596 se refere ao art. 1º do Decreto 22.626/33, o verbete 121 se apoia no art. 4º do mesmo diploma, guardando sintonia com a regra que veda o anatocismo, ou seja, juros de juros ou capitalização de juros”. Ou seja, em 1989, uma turma do STF afirma que a Súmula 596, de 1976, mesmo se referindo às disposições do Decreto-Lei, estaria, na realidade, apenas tratando do seu art. 1º, que se refere à proibição de se estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal. Logo, de acordo com essa interpretação, a Súmula nº 596, de 1976, somente teria revogado essa limitação, permanecendo em vigor o impedimento de utilização dos juros compostos.

Na tentativa de solucionar o imbróglio, o art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001[18], previu que “nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Após inúmeras contestações, 14 anos depois, em 2015, o STF reconheceu a constitucionalidade da MP no que tange os requisitos de relevância e urgência[19]. Todavia, o mérito da questão (ou seja, a possibilidade da capitalização de juros em períodos inferiores a um ano), questionado pela Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2316[20] continua em aberto, sem decisão do STF.

Para piorar ainda mais, em 2016, o STF concedeu inúmeras liminares completamente absurdas, alterando o regime dos juros cobrados pelas dívidas dos estados com a União do tipo composto para o simples[21]. Caso tamanho disparate permanecesse, vários estados deixariam de ser devedores e passariam a ser credores da União, conferindo perdas de bilhões de reais ao contribuinte. Pior ainda, causaria enorme insegurança jurídica e abriria um precedente perverso para que a mesma lógica fosse aplicada a diversos instrumentos financeiros, como caderneta de poupança, CDBs, títulos do Tesouro, dentre outros, o que, em última instância, sepultaria o sistema financeira pátrio[22][23].

Tendo em vista que praticamente todos os contratos firmados no Brasil (e no mundo) fazem uso de juros compostos, as reiteradas mudanças de entendimento e tentativas de intervenção nos temas acabam por gerar gravíssima insegurança jurídica.

Corroborando tal entendimento, em 2009, um grupo de 32 especialistas em matemática financeira e acadêmicos das principais universidades brasileiras lançaram um manifesto a favor dos juros compostos e contrariamente às decisões judiciais a favor da aplicação dos juros simples e aos milhões de processos que ainda tramitavam sobre o tema, com base na Súmula nº 121, do STF[24].

Segundo o manifesto, eventual proibição dos juros compostos “é contrária a tudo que se faz no mundo real, não só no que se refere às práticas internacionais no mercado financeiro e de capitais, como também em tudo o que se ensina nas universidades e nos textos dos livros de finanças dos autores mais conceituados. Pode-se assegurar que a quase totalidade das operações financeiras realizadas no mundo, bem como todos os estudos de viabilidade econômico-financeira, são efetivados com base no critério de juros compostos, ou capitalização composta. Proibir a capitalização dos juros implica colocar na marginalidade os fundamentos de uma ciência matemática respeitada, aplicada e reconhecida no mundo inteiro. Apenas para ilustrar, seguem algumas operações realizadas no nosso mercado, calculadas com base nesse critério, começando pelas aplicações financeiras: cadernetas de poupança, fundos de investimento em renda fixa, fundos de previdência, fundos de pensão, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), títulos de capitalização, títulos de renda fixa privados e todos os títulos da dívida pública federal, estadual e municipal, sejam eles com rendimentos pré ou pós-fixados; do lado dos empréstimos e financiamentos tem-se o crédito pessoal parcelado, financiamento de veículos, todas as formas de crediário de lojas, empréstimos para aposentados, financiamentos e repasses de recursos feitos pelo BNDES, todas as modalidades de financiamentos habitacionais realizados dentro e fora do SFH e muitos outros. Em contrapartida, o número de operações calculadas com base em juros simples é insignificante; entre as mais conhecidas estão as de juros de mora, adiantamento sobre contratos de câmbio (ACC) e as de cálculo de juros sobre saldos devedores dos cartões de crédito.

Do ponto de vista matemático, operacional e contábil, o critério de juros compostos é coerente e consistente, quaisquer que sejam os valores, taxas e prazos envolvidos, e quaisquer que sejam as formas de pagamentos. O mesmo não ocorre com o critério de juros simples que, se utilizado, provoca distorções irreversíveis, principalmente nas operações de empréstimos ou de aplicações financeiras envolvendo dois ou mais pagamentos.

A preocupação sobre o tema aumenta na medida em que se toma conhecimento de pronunciamentos e decisões judiciais fundamentadas em argumentos equivocados, que contrariam a lógica e o bom senso, afetando negativamente o ensino da ciência financeira e da própria ciência jurídica. Membros dos poderes Legislativo e Judiciário têm enorme responsabilidade perante a sociedade brasileira no que diz respeito à elaboração e aplicação das leis; os professores universitários também se sentem responsáveis perante essa mesma sociedade no que se refere à formação técnica e científica dos estudantes e dos profissionais que atuam no mercado financeiro e de capitais. E é em nome da responsabilidade perante o ensino que se propõe uma revisão das regras que ainda restringem a capitalização de juros”.

Quanto aos limites legais para cobrança de juros, existe sobre o assunto um emaranhado de leis (por exemplo, vários artigos do Código Civil, Código Tributário, Lei da Usura e Lei nº 8.692, de 28 de julho de 1993), de proposições em tramitação no Legislativo e de decisões judiciais.

O art. 591 do Código Civil, por exemplo, diz que “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Por sua vez, o art. 406 afirma que “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. No entanto, não esqueçamos que a Lei da Usura diz que a cobrança somente poderá ser até o dobro do valor legal e que esta foi editada quanto este valor seria o equivalente a 12% ao ano.

O resultado é que, atualmente, ninguém sabe exatamente quais são limites às taxas de juros pactuadas, especialmente para contratos de mútuo entre particulares[25][26]. Essa insistência em intervir erroneamente no assunto apenas causa distorção e confusão, prejudicando o mercado de crédito e o crescimento do país (afinal, como já cansamos de ver, mas sempre vale repetir: juros são preços, não números mágicos, letras mortas suscetíveis a canetadas arbitrárias ou “meios de expropriação”).

Felizmente, apesar da confusão de decisões judiciais, prepondera o entendimento de que não há limites para a cobrança de juros por instituições financeiras e, tampouco, é obrigatória a imposição do método de juros simples – até porque, como ficou evidente pela nossa análise, tais comandos seriam letra morta, inaplicáveis em termos práticos, já que trariam completo caos para o sistema financeiro com reflexos diretos perversos na atividade produtiva, no crescimento econômico e na qualidade de vida dos brasileiros.

Ainda assim, algumas instituições públicas, como Receita Federal[27], Procuradoria-Geral da Fazenda, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)[28][29], Tribunal de Contas da União (TCU)[30], Justiça Federal e Eleitoral[31], devido a determinações legislativas e jurisprudenciais, continuam aplicando os juros simples nos seus cálculos de juros de mora e dívidas, tanto a pagar quanto a receber.

Em suma, o Judiciário e, especificamente, o STF, ao tomarem inúmeras decisões divergentes ao longo das últimas décadas, muitas vezes contrárias ao interesse da população e à lógica elementar do sistema financeiro, deixa clara a sua incompreensão do assunto. A realidade acerca da matéria, que o Supremo optou por não reconhecer, é que o Decreto de 1933, que estabelece a chamada “Lei da Usura”, foi editado em um período completamente diverso do atual, em que ideias que visavam ao controle estatal e eram contrárias à liberdade proliferavam em nosso país. O próprio decreto supracitado é reflexo disso: foi editado durante a Era Vargas, pouco antes da instituição do Estado Novo, um dos períodos mais autoritários e ditatoriais da história do nosso país. Portanto, resta nítido, embora ainda não tenha sido reconhecido definitivamente o fato pelo STF, que tal decreto não é compatível com a Constituição Federal de 1988.

O argumento contrário (de compatibilização da Lei da Usura com a CF/1988) poderia se apoiar no fato de que a redação inicial do §3º do art. 192 da Constituição Federal impunha tabelamento de 12% ao ano para os juros. No entanto, essa premissa não procede, já que esse dispositivo nunca sequer pôde ser implementado, justamente em virtude da sua completa inconsistência, e foi revogado pela Emenda Constitucional 40/2003. Afinal, a Carta Magna e o seu “espírito”, indiscutivelmente, pressupõem uma economia de mercado, o que é plenamente incompatível com limitações às taxas de juros praticadas na economia. Sendo assim, uma norma fria e literal, incompleta e inaplicável em sua essência, jamais poderia suplantar o espírito constitucional do próprio Legislador originário, que, aliás, apenas incluiu esse dispositivo também por sua incompreensão do assunto.

Na verdade, ao intervir desnecessariamente e impedir a livre pactuação dos valores e do método a ser utilizado para cálculo de taxas de juros nos contratos, pode-se considerar que há uma intromissão indevida do Estado na ordem econômica e na livre iniciativa, fato que contrariaria princípios constitucionais basilares emanados dos arts. 1º, IV, e 170 da Carta Magna de 1988.

 

7 – A solução é mais liberdade e menos intervenção

Portanto, é evidente que os juros compostos não são um problema, mas uma solução, por facilitar cálculos matemáticos que poderiam se tornar complexos em uma situação diversa. Se existe um problema quanto às taxas de juros praticadas no Brasil, tal problema não está no método utilizado para se calcular os juros, mas nos valores elevados, tantos dos juros básicos quanto dos spreads bancários, cujas raízes estão no excesso, e não na falta, de regulação e intervenção governamental e jurídica – que, conforme vimos na seção 3, além de criarem ambiente inóspito para a concorrência no setor bancário, consomem todo capital poupado que poderia ser utilizado como crédito privado, obviamente elevando as taxas de juros.

Nesse sentido, há que se continuar o estímulo à concorrência e o processo de quebra de monopólio de certos serviços financeiros que vêm sendo efetuados pelo Banco Central. Recentemente, foram criadas as Sociedades de Crédito Direto (SCD) e de Empréstimo entre Pessoas (SEP)[32], que visam a facilitar a oferta de crédito e financiamentos por fintechs, com potencial de desburocratizar o setor e diminuir os spreads bancários. Um passo seguinte, por parte tanto do BC quanto do Congresso Nacional e, quanto à jurisprudência, do Poder Judiciário, deveria ser o de permitir que pessoas físicas ou jurídicas não financeiras emprestem seus próprios recursos, sem os limites impostos pelo Código Civil e pela Lei da Usura. Isso também aumentaria a concorrência e permitiria ampliação da oferta de crédito e, consequentemente, queda de juros.

Outra maneira de se amenizar o problema está na maior disseminação de conhecimento sobre finanças, desde a escola. Apesar de poucos efeitos imediatos e de ser um projeto de longo prazo, a implementação de uma adequada educação financeira pode contribuir tanto para diminuição das taxas de juros, por aumentar a capacidade de poupança privada, quanto para melhor compreensão e utilização dos instrumentos financeiros. Afinal, como vimos, esse problema afeta, até mesmo, ocupantes de altos cargos da República com poder de tomar decisões de imensas repercussões.

Por falar nisso, o Poder Judiciário, que tem a oportunidade de pacificar a questão, simplesmente declarando a inaplicabilidade da “Lei da Usura” (seja anunciando sua não-recepção por vícios de constitucionalidade material, por violar, como vimos, diversos princípios essenciais da CF/1988, ou emitindo uma súmula vinculante para pacificar a jurisprudência), ao optar por imiscuir-se indevidamente em assunto que não compreende, causa grave insegurança jurídica e permite reiteradas judicializações do tema, por parte de pessoas que ou também não entendem o conceito ou optam por agir de má-fé. Evidentemente, esse ativismo judicial aumenta os riscos dos investidores (que ofertam o crédito necessário para o crescimento econômico do país) e gera mora, burocracia e custos desnecessários ao mercado – o que, evidentemente, também contribui para alta dos juros.

Uma alternativa ante o intervencionismo e imbróglio judicial é simplesmente a revogação formal da Lei da Usura pelo Legislativo. Dessa maneira, não haveria interpretações conflitantes e errôneas sobre limitações ao valor máximo das taxas de juros e à utilização dos juros compostos como método de contabilização.

Apesar de extremamente subestimada, muitas vezes, a via negativa, da não intromissão, é muito mais produtiva que a da ação. “Fazer algo” é superestimado, especialmente em virtude do seu “apelo humano”. Frequentemente, somos levados a crer que precisamos intervir em algo para tentar “consertá-lo”, quando, na realidade, a melhor solução seria não fazer nada além de se ter paciência para que os processos e ajustes naturais prevaleçam. Isso vale tanto na economia quanto, por exemplo, na medicina, em que, infelizmente, o paciente sempre espera uma ação do médico. Logo, existe uma percepção disseminada de que se o médico, obrigatoriamente, “não fizer algo” este “é ruim”. Por isso, muitos são levados a sempre prescrever um tratamento – ainda que esta tenha efeitos meramente paliativos e, eventualmente, até cause mais efeitos colaterais que benefícios no longo prazo –, quando, na verdade, a melhor receita seria esperar, não intervir e deixar o organismo se curar sozinho[33]. Avançando na metáfora, um governo interventor é como um médico que pretende tratar milhões de pacientes com o mesmo remédio. A prescrição homogênea será benéfica para alguns (principalmente para aqueles que são amigos próximos do médico e, portanto, podem “influenciar” na decisão sobre qual remédio será prescrito), mas certamente prejudicará a grande maioria. E é exatamente isso que vem acontecendo em virtude dos excessos de intervenções que objetivam impor limites a um preço que deveria ser formado naturalmente pelo mercado.

Em suma, recapitulando rapidamente os principais pontos de tudo o que vimos, juros são preços e, portanto, sua manipulação pode ocasionar graves distorções. Assim, tentar impedir a cobrança de juros compostos ou impor um limite às taxas praticadas pelo mercado, ao invés de combater as causas estruturais dos elevados juros básicos e spreads bancários, causa malefícios à economia e pode trazer repercussões negativas justamente para as pessoas que o administrador (no âmbito do Executivo), o legislador (no Legislativo) ou o juiz (no Judiciário) pretendem proteger – ou seja, o cidadão brasileiro.

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[1] MISES, Ludwig Von. Ação Humana. Págs. 555-662

[2] https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1105

[3] https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=552

[4] http://www.behaviorlab.org/Papers/Hyperbolic.pdf

[5] Existe o argumento de que, a rigor, juros não poderiam ser considerados preços, uma vez que não respeitariam a lei da utilidade marginal. No entanto, uma análise mais rigorosa pode demonstrar outro ponto de vista. A dificuldade de compreensão da ideia de juros como preços do tempo se dá em virtude do grande grau de abstração do conceito tempo. Sendo assim, uma análise que faça uso da noção de limites pode facilitar a compreensão. Afinal, se considerarmos o tempo de uma forma assintótica, ou seja, se este tendesse ao infinito e nós fôssemos imortais, a utilidade marginal dessa grande “abundância” de tempo à disposição tenderia a zero, da mesma forma que o seu preço (as taxas de juros), pois sempre existiriam pessoas dispostas a abrir mão de consumir agora para obter um ganho mínimo no futuro, já que esse futuro seria certo e eterno. Inversamente, se soubéssemos que nosso tempo tende a zero, ou seja, que morreríamos em breve, a utilidade desse tempo extremamente escasso tenderia ao infinito, assim como as taxas de juros, pois não teríamos nenhum incentivo para esperar para consumir em um futuro que jamais chegaria. Portanto, já que somos mortais e que somos confrontados sempre, ainda que psicologicamente, com essa escassez iminente (não sabemos quando vamos morrer), tempo presente é “mais caro”, e o quão mais caro será precificado pelos juros, que tempo futuro – e essa conclusão está plenamente de acordo com a lei da preferência temporal. Também é errado dizer que, se é o preço do tempo, então os juros devem ser iguais para todas atividades que considerem períodos temporais idênticos. O que ocorre é que a dimensão temporal é diferente para diferentes atividades, já que cada uma dessas dimensões guarda pressupostos, possibilidades e riscos específicos. Assim, é natural que os juros cobrados em uma atividade de alto risco seja muito mais elevado que os cobrados de uma atividade praticamente sem riscos, já que, embora o tempo newtoniano de ambas possa ser o mesmo (por exemplo, um ano), as diferentes possibilidades/probabilidades de acontecimentos dentro de cada fluxo temporal torna esses tempos completamente distintos.

[6] Para não estender o texto excessivamente, não vou entrar do mérito das consequências e da validade ou não da manipulação da política monetária pelo Banco Central. Porém, caso você queira se aprofundar no assunto, recomendo os seguintes textos: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1538 e https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=223

[7] Recomendo o excelente texto sobre o tema: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1094

[8] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/20/concentracao-bancaria-e-uma-das-causas-do-alto-spread-no-brasil-apontam-debatedores

[9] https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REB_2017.pdf

[10] Caso queira se aprofundar no tema, recomendo o seguinte texto, do Consultor Legislativo Marcos Köhler: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas/politica-economica-e-monetaria-o-limite-constitucional-dos-juros-do-voluntarismo-ao-aprimoramento-da-gestao-fiscal

[11] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2000

[12] https://www.conjur.com.br/2014-jul-24/isaias-coelho-mito-juros-compostos-judiciario

[13] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=596.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

[14] Ementa: Juros. Capitalização. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas operações regidas por leis ou normas especiais, que expressamente o autorizem. Tal permissão não resulta do art. 31 da Lei 4.595, de 1964. Decreto nº 22.626/1933, art. 4º. Anatocismo: sua proibição. Ius cogens. Súmula 121. Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras. A Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121. Exemplos de leis específicas, quanto à capitalização semestral, inaplicáveis à espécie. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido, por negativa de vigência do art. 4º, do Decreto nº 22.626/1933, e contrariedade do Acórdão com a Súmula 121, dando-se-lhe provimento (RTJ do STF, v. 124/616).

[15] Termo jurídico para juros compostos.

[16] De acordo com o art. 53 da Convenção de Viena, internalizada pela Lei nº x, o termo jus cogens se refere a “uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.” Logo, é curiosa a sua aplicação no recurso extraordinário analisado, uma vez que os juros compostos são praticados em todos os países do mundo.

[17] Ementa: Direito Privado. Juros. Anatocismo. Vedação incidente também sobre instituições financeiras. Exegese do enunciado nº 121, em face do nº 596, ambos da súmula do STF. Precedentes da Excelsa Corte. A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º do Decreto 22.626/33 pela Lei nº 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da mesma súmula. (Revista do STJ, ano 3, nº 22, junho de 1991).

[18] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2170-36.htm

[19] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=284716

[20] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1857067

[21] https://www.valor.com.br/brasil/4520755/juro-simples-na-divida-de-estados-geraria-perda-uniao-de-r-313-bi

[22] https://www.valor.com.br/brasil/4521727/especialistas-atacam-uso-de-juros-simples-para-dividas-dos-estados

[23] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,juros-simples–consequencias-severas,10000025864

[24] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2009/10/635024-leia-a-integra-do-manifesto-de-academicos-a-favor-dos-juros-compostos.shtml

[25] https://nicholastavares.jusbrasil.com.br/artigos/185520765/dos-juros-remuneratorios-nos-contratos-de-mutuo

[26] https://jus.com.br/artigos/63710/juros-moratorios-qual-a-taxa-maxima-legal

 

[27] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=42297&visao=anotado

[28] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm

[29] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9430.htm#art61

[30] https://portal.tcu.gov.br/sistema-atualizacao-de-debito/

[31] https://www.cjf.jus.br/phpdoc/sicom/arquivos/pdf/manual_de_calculos_revisado_ultima_versao_com_resolucao_e_apresentacao.pdf

[32] https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/50579/Res_4656_v1_O.pdf

[33] Para descrever situações desse tipo, inclusive em cenários socioeconômicos, Nassim Nicholas Taleb (autor de “Antifrágil”, “Arriscando a própria pele”, entre outros livros) generalizou o termo “iatrogenia”, utilizado na Medicina para se referir a complicações, doenças e efeitos adversos causados pela própria prática médica.

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Por que é tão difícil fazer reformas no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3219&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3219#comments Tue, 07 May 2019 16:23:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3219 *Esse texto consiste em resumo de relatório de pesquisa desenvolvido pelo autor junto ao Instituto de Pesquisas Casa das Garças.

 

Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de reformas. Previdência, tributos, mercado de crédito, ambiente de negócios, segurança jurídica, abertura comercial, privatização, políticas sociais e educação.

Não é fácil fazer reformas em nenhum lugar do mundo. Reformar significa tirar privilégios de alguns grupos, que obviamente resistem. Os custos são concentrados em poucos, e os benefícios são difusos. Os prejudicados se organizam e resistem, enquanto os beneficiários muitas vezes nem sequer sabem que estão ganhando com aquela medida.

Reformas também provocam incerteza: ainda que todos saibam que o país ficará melhor no futuro, cada indivíduo enfrenta a incerteza de qual será a sua situação particular após a reforma. Afinal, empregos menos eficientes tendem a ser destruídos e outros são criados, requerendo novas habilidades. Muitas pessoas temem não se adaptar à nova realidade, em especial os mais velhos.

Os resultados das reformas também demoram a aparecer. No Chile, por exemplo, em 1985, dez anos após o início das reformas, a renda per capita ainda era a mesma de 1969. Somente nos anos 1990 a renda começou a subir de forma consistente.

Na Nova Zelândia, uma reforma radical, que transformou o país em uma das sociedades mais prósperas do mundo, gerou, inicialmente, uma taxa de desemprego de 14%, que só voltou ao padrão pré-reforma depois de dez anos.

O calendário das eleições é mais curto que o prazo para o efeito das reformas. O próximo pleito acontece antes de as reformas elevarem a popularidade do governante reformista.

Apesar dessas dificuldades, ao longo dos últimos 50 anos, muitos países fizeram reformas abrangentes. Estudando essas experiências, podemos observar características desses países que ajudaram a quebrar resistências. Infelizmente, o Brasil não possui nenhuma dessas características “facilitadoras” de reformas.

Em primeiro lugar, é mais fácil reformar economias de países pequenos. Estes não têm mercado interno significativo e precisam se abrir para o mundo. Com economia aberta, são mais vulneráveis a oscilações da economia internacional e, por isso, precisam manter a macroeconomia saudável. Para atrair capitais externos, precisam de uma Justiça rápida e segura.

Além disso, têm uma elite menos numerosa, o que diminui o custo de transação para realizar acordos. Também têm governo unitário, não sofrendo os conflitos e bloqueios gerados nos sistemas federativos. Singapura, Malta, Hong Kong, Estônia, Nova Zelândia e Irlanda seriam exemplos nesse grupo.

O Brasil, grande, fechado e com uma Federação conflituosa, está longe desse perfil.

Outra característica importante está na transição de ditaduras para democracias. Países que fizeram reformas econômicas antes da abertura política geraram uma economia dinâmica, capaz de elevar a renda, ampliar a classe média, criar ambiente de mercado estável e consolidar o liberalismo econômico, conduzindo a mais investimentos e crescimento. Com o tempo, a melhoria das condições de vida induz a transição para regime democrático, como ocorreu na Coreia do Sul, no Chile, na Malásia e na Indonésia, por exemplo.

Por outro lado, redemocratizar antes de reformar a economia pode levar ao populismo e a mecanismos de apropriação de renda por grupos de interesse.

Em uma economia fechada e estatizada, há grande espaço para a inscrição de privilégios e políticas inconsistentes na legislação. Esse parece ter sido o caso de Brasil, Argentina e Filipinas. Fazer reformas nesses países é muito mais difícil agora, pois significa desmontar benefícios a grupos organizados, cristalizados na Constituição e nas leis.

Também facilitam as reformas os sistemas político-eleitorais que induzem a geração de maioria no Legislativo, dando maior governabilidade ao Poder Executivo.

No Reino Unido, por exemplo, as eleições para o Parlamento seguem o modelo distrital, com voto majoritário, que induz a disputa entre dois grandes partidos, com o vencedor quase sempre sendo majoritário no Legislativo e, portanto, capaz de aprovar reformas sem precisar contar com o apoio de outros partidos.

Além disso, é mais fácil fazer reformas em Parlamentos unicamerais, onde uma medida não precisa passar pelo referendo de Câmara e Senado. Também facilita o fato de cada um dos três Poderes ter claramente delimitado o seu raio de ação, não havendo espaço para o Judiciário interferir em decisões do Legislativo.

Mais uma vez o Brasil não tem tais características. Nosso sistema eleitoral gera grande fragmentação partidária no Parlamento, temos sistema bicameral e frequente judicialização das decisões legislativas e das políticas públicas.

A literatura também mostra que sociedades mais coesas são mais capazes de gerar os acordos sociais necessários para realizar reformas. Essas são sociedades em que a classe média tem uma parcela grande da renda (e, portanto, a desigualdade geral é baixa) e na qual há baixo grau de violência.

Em geral, são sociedades em que as pessoas têm padrões de vida similares, não temem agressões físicas ou aos seus direitos. Por isso têm maior confiança umas nas outras e nas instituições públicas.

Confiança é essencial para o sucesso de reformas. Afinal, estas ​nada mais são que um acordo em que todos fazem sacrifícios no curto prazo com vistas a ter um futuro melhor. Se há baixa coesão e desconfiança, cada grupo de interesse tentará empurrar os custos da reforma para o outro, e a negociação emperra ou a reforma tem seus custos colocados nas costas dos mais fracos.

A figura acima mostra que o grau de coesão social no Brasil é extremamente baixo. No eixo horizontal, temos a participação da classe média na renda (percentual da renda total que vai para os 60% dos indivíduos no centro da distribuição de renda). Somente África do Sul, Namíbia, Zimbábue, Moçambique e Guiné-Bissau têm classe média “mais magra” que a brasileira, ficando mais à esquerda no gráfico.

No eixo vertical temos um índice de violência e confiança mútua. Nesse quesito, o Brasil só supera Camarões e Costa do Marfim. E fica um pouco abaixo de Quênia, El Salvador e Libéria.

A localização do país na parte inferior esquerda do gráfico é uma imagem clara da nossa baixa coesão social. Somos inequivocamente um país desigual, violento, em que as pessoas não confiam umas nas outras. No canto superior direito do gráfico estão os países mais coesos.

A importância da coesão social como fator de estabilidade tem ficado clara nos recentes episódios de radicalização política vividos em diversos países. O encolhimento da participação da classe média na renda tem gerado desconforto com a representação política tradicional, e novos partidos extremistas têm ganhado espaço em vários países. Há crescente fragmentação partidária, levando a governos minoritários, como na Espanha e na Itália.

O brexit surgiu de movimento de descontentamento de uma classe trabalhadora ameaçada pela abertura comercial. Donald Trump e sua política externa mercantilista têm origem semelhante.

No Brasil, o baixo consenso social alimenta um ambiente antirreformas por uma combinação de populismo, conflito distributivo em torno de rendas intermediadas pelo Estado, fragmentação política e protecionismo comercial e regulatório.

Não obstante todas essas dificuldades “estruturais” para fazer reformas no Brasil, sempre surgem algumas janelas de oportunidade. Em geral, elas são criadas por crises, que evidenciam a necessidade de mudanças e enfraquecem a defesa de interesses corporativos específicos.

Também abre espaço para reformas o “efeito lua de mel”, que existe nos primeiros meses de gestão de um governante recém-eleito.

Desde os anos 1980, o Brasil aproveitou essas situações para fazer reformas. Assim, por exemplo, a crise de balanço de pagamentos de 1982-83 gerou reformas fiscais e monetárias. A hiperinflação criou condições para o sucesso do Plano Real.

O efeito lua de mel no governo Collor permitiu um movimento de abertura comercial, e nos governos FHC e Lula viabilizaram-se duas reformas da Previdência.

Da crise de balanço de pagamentos de 1998 vieram o sistema de metas de inflação, o câmbio flutuante e o regime de metas fiscais.

Porém, recentemente o Brasil andou na direção contrária. De 2005 a 2015 vivemos um período de reversão de reformas. A crise política do mensalão levou à expansão do gasto público como forma de sustentar politicamente o governo. Uma expansão no preço internacional de commodities deu impulso ao crescimento e criou a ilusão de que os desequilíbrios fiscais estruturais estavam resolvidos.

Relaxou-se o equilíbrio fiscal e praticou-se política pública na direção oposta das reformas de que o país necessita: aumentou a interferência estatal nas decisões privadas, a exploração do petróleo foi praticamente reestatizada, houve generalizada interferência do governo nos preços de energia e combustíveis, proteção setorial e fechamento da economia, grande desperdício de recursos públicos e privados em investimentos inviáveis.

 

Artigo publicado pela Folha de S. Paulo em 05 de maio de 2019.

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Os problemas da PEC do Orçamento Impositivo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3209&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-problemas-da-pec-do-orcamento-impositivo Mon, 22 Apr 2019 14:53:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3209 O principal objetivo da PEC do orçamento impositivo é tornar obrigatória a execução de emendas de bancadas estaduais , em valor equivalente a 1% da Receita Corrente Líquida (RCL). Atualmente, já é obrigatória a execução de emendas individuais dos parlamentares, aquelas que direcionam verbas para pequenas obras nos municípios. Com a PEC, tornam-se obrigatórias também as emendas de bancada que, a princípio, representam o acordo entre parlamentares de cada estado para destinar recursos a obras estruturantes, de impacto em todo o estado.

Há na PEC um mecanismo de aumento gradual para o máximo de recursos que pode ser aplicada obrigatoriamente em emendas de bancada: inicia-se com 0,8% da RCL e caminha-se para 1% da RCL. Também há uma adaptação à PEC dos gastos: os percentuais da RCL são apenas uma referência inicial. Depois de fixado o montante com base nesse parâmetro, nos anos futuros a correção do valor é pelo IPCA, para que a despesa cresça no mesmo ritmo do teto de gastos criado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016.

Da mesma forma que já funciona para as emendas individuais, há possibilidade de as emendas obrigatórias serem contingenciadas na mesma proporção das demais despesas discricionárias, para fins de cumprimento de meta fiscal. Nos casos em que há impossibilidade técnica de execução, há um rito para verificar tal impossibilidade e suspender a obrigatoriedade de execução.

Por que é inadequado dar prioridade a emendas que destinam recursos a estados e municípios

O orçamento é da União. Portanto, deve conter, prioritariamente, despesas de interesse de toda a coletividade nacional. O atendimento das necessidades de municípios e estados deve ser atribuição daquelas respectivas esferas da federação, pagos com os seus respectivos tributos. A utilização de verbas federais em investimentos de impacto local, objeto principal das emendas parlamentares, deve ser a exceção, e não a regra. Quando se garante o espaço das emendas, menos recursos sobrarão para as despesas de interesse geral do País que não sejam obrigatórias e que não estão protegidas por vinculações de receitas.

Os argumentos usualmente utilizados para justificar a obrigatoriedade de execução de emendas são:

(a) as emendas são a forma de participação dos parlamentares no orçamento, e o seu contingenciamento significa que o Executivo interfere na escolha do parlamento, o que deve ser evitado;

(b) não seria correto dizer que as emendas geram gastos de pior qualidade do que as programações sugeridas pelo Executivo, pois os parlamentares escutam suas bases e sabem qual a demanda do eleitor melhor que o Executivo.

As duas afirmações são passíveis de contestação. A participação do parlamento no orçamento é muito maior que aprovar emendas individuais e de bancada. Cabe ao Congresso discutir todo o orçamento, e não apenas direcionar verbas e investimentos para as bases eleitorais dos parlamentares. Pode-se argumentar que o orçamento já está fortemente comprometido com despesas obrigatórias de previdência e pessoal, entre outras, e com vinculações orçamentárias. Assim, pouco sobra, além das emendas, para influenciar o perfil do gasto público.

Nesse caso, defender as prerrogativas do Congresso em relação ao orçamento não é reforçar o status das emendas de bancada. Mas sim votar reformas que freiem a expansão da despesa obrigatória e flexibilizem vinculações. Optar pelo atalho da obrigatoriedade de emendas dispersa poder e apequena a missão do parlamento.

Com relação à qualidade do gasto gerado pelas emendas, há elementos suficientes para dar suporte à ideia de que elas têm efeito negativo. Não por serem propostas por parlamentares, mas por dificuldades práticas do processo decisório.

Em primeiro lugar, há uma tendência à pulverização dos recursos em pequenas intervenções, em prejuízo de obras estruturantes. Em segundo lugar, não é simples coordenar a ação de 513 deputados e 81 senadores propondo milhares de investimentos distintos. Não são poucos os casos de prefeitos que “recebem um hospital” que não é necessário e que não têm verba para manter; de escolas agrícolas que, em vez de um, recebem três equipamentos iguais. ou de tomógrafos que sequer saem da caixa porque o município não tem condições de construir um prédio nas especificações adequadas para a operação do aparelho. Em terceiro lugar, as iniciativas não são sujeitas a prévia avaliação de custo-benefício ou avaliação de viabilidade técnica e econômica. Muitas vezes inicia-se uma obra sem os projetos adequados, o que leva à paralisação e estouro dos custos previstos.

Tendo em vista que o interesse maior do parlamentar é tipicamente buscar suporte junto aos prefeitos de sua base eleitoral, e com isso reforçar sua base de votos para a próxima eleição, há uma natural tendência à fragmentação da despesa em pequenos investimentos. Quando as emendas de bancada se tornam obrigatórias, ganhando força dentro do orçamento, haverá incentivos para se realizar o gasto de impacto municipal por meio da emenda de bancada, levando à chamada “rachadinha”: em vez de a bancada apresentar uma emenda para uma obra estruturante, como a pavimentação de uma rodovia estadual, utiliza-se a dotação para uma finalidade que pode ser distribuída para vários municípios (por exemplo, ambulâncias, quadras esportivas, calçamento de ruas, etc.). Ou seja, a obrigatoriedade das emendas de bancada corre o risco de se transformar em uma expansão das emendas individuais, aprofundando os problemas acima descritos.

Note-se que o próprio sistema já adotado para a execução das emendas contém elemento de ineficiência. Primeiro aprova-se a emenda. Depois é que se verifica se é possível executá-la em termos técnicos. Essa verificação ex-post gera uma série de custos: (a) deixa-se de alocar recursos escassos para outras finalidades que seriam viáveis, empoçando recursos que não poderão ser liberados; (b) corre-se o risco de começar uma determinada despesa e não concluí-la, por inviabilidade constatada durante a execução.

O ideal é que não houvesse a obrigatoriedade de emendas, sejam elas individuais, sejam de bancadas. Porém, parece inevitável a aprovação da PEC em análise. Para que o seu impacto seja minimizado, o que se propõe é que se tornem obrigatórias apenas as emendas voltadas a acrescentar recursos a dotações já contidas na proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo ou para investimentos que estejam relacionados em um banco de projetos.

Esse banco de projetos conteria aquelas propostas de investimento que já tivessem projeto executivo, certificado de adequação ambiental e demais requisitos técnicos que demonstrem que a obra não só é viável como também gerará benefícios superiores a seus custos. Trata-se de mudar o momento em que se faz o controle da viabilidade. Substitui-se o atual controle ex-post (incluir a obra no orçamento para depois ver se é viável) por um controle ex-ante (só incluir aquelas que já se sabe que são viáveis). Essa seria uma oportunidade para melhorar a qualidade do gasto público.

Pode-se até mesmo pensar em um sistema misto: o orçamento aceitaria emendas para investimentos não depositados no banco de projetos. Mas para esses a execução não seria obrigatória. O parlamentar e as bancadas estaduais teriam a opção: escolher um investimento do banco de projetos, com certeza de execução, ou propor um investimento que não esteja no banco, que terá que disputar espaço com outras despesas do orçamento.

Obrigatoriedade da despesa para além das emendas

O segundo grande problema da PEC está relacionado ao seguinte dispositivo, que vai além das emendas e se aplica a todo o orçamento, inclusive a estados e municípios:

§10. A administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.

Esse dispositivo pode ser lido de duas formas distintas. Na primeira, partindo-se do princípio de que tudo o que a administração pública faz é para, direta ou indiretamente, “entregar bens e serviços à sociedade”, pode-se concluir que a administração terá que executar todas as programações orçamentárias. Nesse caso, toda a despesa orçamentária se torna obrigatória.

É evidente que isso enrijece o orçamento. Ficará difícil fazer ajuste fiscal pelo controle da despesa. Só restará o ajuste pelo aumento de impostos. Cedo ou tarde o teto de gastos será  revogado, usando-se o argumento jurídico de que a própria Constituição impede a limitação da despesa . Frente à limitação para aumento da já elevada carga tributária e da dívida pública em trajetória insustentável, não temos cenário bonito para o futuro.

Até porque não há qualquer cláusula de escape, nem mesmo em caso de frustração de receitas. Ao contrário da obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares, em que há a possibilidade de contingenciamento ou de não execução em caso de inviabilidade técnica, o presente § 10 apenas estabelece o dever de executar, sem qualquer margem para ajuste.

Pode-se interpretar que a expressão “adotando os meios e medidas necessários” abre margem para que o gestor apresente uma justificativa dizendo que fez o que pôde, mas não conseguiu. Mas quem julgará se efetivamente foi feito todo esforço possível?

Cada auditor de controle interno ou externo terá o seu próprio juízo sobre o que é o conjunto de “meios e medidas necessários”. A insegurança para o CPF do gestor crescerá signficativamente, afastando dos cargos gerenciais aqueles mais avessos ao risco, abrindo espaço para outros de espírito mais aventureiro. Dado que a regra se aplica a estados e municípios, o problema se multiplica.

A segunda forma de ler esse dispositivo é aquela que traça uma divisão entre programações orçamentárias “finalísticas”, que resultam em efetiva entrega de bens e serviços à sociedade (campanha de vacinação, aluno em sala de aula, etc.), e atividades “meio” (serviços  administrativos, limpeza, vigilância, etc.). Se for esta a interpretação correta, então entramos no campo da insegurança jurídica. Certamente não existe uma definição clara do que é atividade fim e atividade meio. Basta ver o longo histórico de judicialização que ocorreu na legislação trabalhista, quando se considerava que somente as atividades meio poderiam ser terceirizadas. Em um país no qual não se consegue chegar a um consenso sobre o que é “despesa de pessoal”, para fins de aplicação da LRF, imagine-se a dificuldade para definir o que é “entrega de bens e serviços à sociedade”.

Ainda que se conseguisse regulamentar claramente quais são as rubricas orçamentárias de caráter finalístico, o resultado seria o maior engessamento do orçamento. A tendência à contabilidade criativa, para tirar ou colocar uma despesa no rol das finalísticas, ao sabor das conveniências, deterioraria a qualidade do processo orçamentário.

Não há dúvida que esse dispositivo precisa ser retirado do texto ou, pelo menos, submetido a uma cláusula de escape, para os casos de frustração de receitas. Nesse segundo caso, também seria importante melhorar a redação do dispositivo, para deixar claro quais despesas estariam sujeitas à regra. Se só as finalísticas, definir quais são essas despesas.

Na sua nova análise pela Câmara, o texto dessa PEC precisa ser analisado com cuidado técnico e sem a pressa de se criar fatos políticos. Será elevado para o País o custo de um texto que gera problemas tão graves, em um contexto de contas públicas deterioradas e de incerteza quanto as reformas necessárias para saneá-las. Não há dúvida de que essa PEC é um tiro no pé, que vai cobrar um preço caro em termos de qualidade do gasto público, produtividade da economia e possibilidade de equilíbrio das contas públicas.

 

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A solução para o problema dos caminhoneiros está na agenda liberal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3206&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-solucao-para-o-problema-dos-caminhoneiros-esta-na-agenda-liberal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3206#comments Tue, 16 Apr 2019 14:58:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3206 De 21 a 31 de maio de 2018 os caminhoneiros autônomos pararam o país. O governo, tomado de surpresa pela situação explosiva, aceitou as principais exigências dos grevistas: uma subvenção para conter o preço do diesel e o tabelamento do frete. Ambas as medidas representam perdas para toda a sociedade brasileira, gerando consequências negativas para  os próprios caminhoneiros no médio prazo.

A solução correta está em medidas de abertura de mercado, regulação pró-competição, melhoria das condições de trabalho para os caminhoneiros e treinamento com suporte social àqueles que desejem mudar de profissão. A solução, portanto, está na agenda liberal e não no intervencionismo sobre preços de fretes e de combustíveis.

O Ministério da Fazenda se esforçou para que o inevitável subsídio ao diesel provocasse o mínimo possível de distorções. Nesse sentido, criou um mecanismo temporário, que expirou em dezembro, e estabeleceu um custo fiscal máximo. Também buscou financiar esse custo reduzindo outros subsídios distorcivos preexistentes que mereciam acabar. Deu a maior transparência possível ao custo da medida, buscando evitar que a perda fosse imposta à Petrobras e aos importadores, o que ocorreria se houvesse congelamento de preços, optando por deixar preços livres e subvencionar aqueles que comercializassem o litro do combustível por valor igual ou menor que um preço de referência.

Não obstante esse esforço para mitigar distorções, foram grandes os custos econômicos e fiscais. Subsidiar um combustível poluente não é a mais indicada das políticas quando a preocupação ambiental é crescente em todo mundo. Ainda mais quando esse subsídio pode acabar beneficiando pessoas de alta renda, proprietárias de caminhonetes de luxo. Ademais, sendo os caminhoneiros autônomos a parte mais fraca na cadeia de transportes, é provável que uma parte do ganho tenha ido para as empresas de transportes que os contratam, em vez de ficar no bolso dos caminhoneiros.

Subsídios aos combustíveis estimulam uso ineficiente de um recurso escasso e mantêm a pressão para baixo no preço do frete, pois impedem que o mercado se ajuste. Sem o subsídio, os transportadores menos competitivos sairiam do mercado, em busca de outra profissão, e diminuiriam a oferta de frete, permitindo que seus preços melhorassem, sem a necessidade de tabelamento do frete.

Por mais que se esforce, o governo não consegue copiar o mercado. Ao interferir em preços, são inevitáveis as distorções e perdas. Inúmeras situações inesperadas surgiram na gestão da subvenção. Para começar, não há apenas um preço do diesel em todo o país. Petrobras e importadores trabalhavam com mais de 70 preços, dependendo do modo de transporte do combustível (oleoduto ou por caminhões), do tipo de contrato (inclui seguro e frete ou não), da região do país, da qualidade do diesel, do tamanho da encomenda, etc. Ao fixar apenas 5 preços, o sistema criou distorções: alguns mercados se tornaram não atrativos, outros excessivamente lucrativos.

O que devem fazer as empresas: vender com prejuízo para preservar contratos ou cancelar vendas? E como explicar uma ou outra opção aos acionistas? Cadeias de fornecimento se desestruturam. O ambiente de negócios do Brasil se torna pior, investidores saem em busca de locais mais estáveis, investimentos e empregos são perdidos.

Outra distorção vem do fato de que não existe um único tipo de diesel. Há, por exemplo, o diesel marítimo. Quando criado, o mecanismo do subsídio não previa a exclusão desse diesel. Empresas que operam exclusivamente com esse combustível e que não entraram no programa de subvenção ficaram sob o risco de perder todo seu mercado para a Petrobras. Foi necessário mudar rapidamente a legislação para minorar esse problema, mas passaram-se meses antes da mudança, com as empresas sofrendo com a perda de rentabilidade e com o aumento da incerteza quanto ao futuro.

Diferentes modalidades de importação acabaram tendo tratamento distinto na subvenção. As importações feitas por distribuidoras por meio de traders foram, inicialmente, excluídas do programa de subvenção, o que também precisou ser corrigido. Mais incertezas e distorções para o ambiente de negócios. Houve longos atrasos no pagamento da subvenção, um grande aparato burocrático precisou ser montado para conferir notas fiscais e realizar os pagamentos da subvenção.

Houve diversas complicações relacionadas a tributos: cada estado da federação tem sua legislação de ICMS incidente sobre o diesel, e foi preciso conhecer cada uma delas para avaliar qual o preço do diesel antes da tributação, para que se pudesse calcular adequadamente a subvenção devida a cada participante. Também na área tributária foi necessário criar um mecanismo para restituir às empresas a tributação que incide sobre subvenções recebidas. Afinal, não fazia sentido subsidiar o diesel com uma mão e tirar parte do subsídio com a outra.

Em suma, ainda que tenha sido feito esforço para que o programa de subvenção causasse o menor impacto negativo possível, ficou evidente que o modelo é ruim. Sua maior virtude foi a de ser temporário, e o seu retorno é indesejável e prejudicial ao País.

Menos sorte tivemos com o tabelamento do frete, criado sem data para acabar e que igualmente gera perdas e estimula empresas a tomar decisões que diminuirão a produtividade da economia e a capacidade de crescimento do País.

A principal virtude do capitalismo é a divisão do trabalho. Desde Adam Smith sabemos que o que gera crescimento é o fato de que cada um se especializa em um trabalho, fazendo-o cada vez melhor, e vendendo-o no mercado, em troca do trabalho especializado de outros. O tabelamento do frete estimulou muitas empresas a parar de comprar o serviço de transporte no mercado, formando frota própria. Se não tinham frota antes, é porque preferiam se especializar na produção de seus próprios produtos. Ao incorporar um departamento de transporte a suas empresas, vão dispersar esforços e investimentos, e passarão a ser menos eficientes nas suas atividades principais.  Perde o País, que crescerá menos. E perdem os caminhoneiros, que terão menos demanda por seus serviços autônomos.

Interferência nos preços da economia, seja no diesel, seja no frete, é sem dúvida uma péssima saída para lidar com a ameaça de greves de caminhoneiros. Para buscarmos as soluções corretas, é preciso entender as causas do problema.

A primeira pergunta a fazer é: por que existe tanto espaço para que políticos interfiram no preço dos combustíveis? E a resposta está no fato de a Petrobrás ser responsável por mais de 90% da produção nacional, sendo dona de quase todas as refinarias. Com tal poder de mercado, a empresa se torna alvo de seu controlador, o Estado, e dos políticos que transitoriamente estão no comando do Estado.

A privatização das refinarias, acompanhada de uma adequada regulação da competição entre os novos produtores privados, reduziria o espaço para a manipulação de preços. A Petrobras se beneficiaria não só pela redução da pressão política sobre a sua gestão, mas também por poder centrar seus esforços naquilo que faz melhor: prospectar e extrair petróleo. A empresa ganharia valor, e o Brasil cresceria mais. Os consumidores de combustível ganhariam com a maior previsibilidade nos preços: deixaria de haver a volatilidade entre períodos de populismo e preço baixo alternando-se com períodos de recuperação acelerada dos preços, para compensar as perdas da fase populista. E a concorrência adequadamente regulada se encarregaria de conter as margens de lucro das refinarias.

A segunda questão é: por que os caminhoneiros e empresas de transporte de carga têm o poder de paralisar o País? A resposta está no fato de que mais de 60% do transporte de cargas do Brasil ocorre por rodovias. Fosse o transporte mais equilibrado com os modais ferroviário e marítimo, o poder de pressão seria muito menor.

São diversas e antigas as causas para a predominância do transporte rodoviário. Mas certamente poderemos reequilibrar a distribuição de cargas por outros modais se houver mais segurança jurídica para a entrada de capitais privados na construção e operação de ferrovias, e se houver uma abertura do mercado de transporte marítimo de cabotagem, hoje totalmente fechado para proteger as empresas nacionais.

Uma empresa estrangeira que desembarque carga no Recife e esteja a caminho de Buenos Aires, por exemplo, é proibida por lei de aproveitar seu espaço vazio para fazer fretes do Recife para outras cidades do litoral brasileiro. Quase todos os grandes centros produtores e consumidores do Brasil estão em cidades litorâneas. A expansão do transporte marítimo de cabotagem seria uma injeção de produtividade na economia. Mas para que se torne realidade, é preciso não apenas enfrentar o interesse das empresas de transporte atualmente protegidas, mas também privatizar e modernizar a administração dos portos.

Estas são soluções estruturais que, mais uma vez, melhoram o crescimento e a vida de toda a população. Perdem os caminhoneiros? Provavelmente sim. Mas não faz sentido manter um país no atraso para proteger uma categoria de profissionais. Devemos lembrar que a luz elétrica tirou o emprego do acendedor de lampiões, os caixas eletrônicos acabaram com muitos empregos de bancários, e que até mesmo os caminhoneiros se beneficiam do progresso, afinal organizaram uma greve a partir do Whatsapp em seus modernos smartphones. A forma de lidar com essas perdas é a oferta de programas de reciclagem profissional e assistência social no período de transição de uma profissão para outra.

Enquanto não se obtém o desejado reequilíbrio entre os modais de transporte, qualquer sinal de locaute deve ser firmemente reprimido dentro da legislação existente. Certamente a greve de maio de 2018 teria sido menos abrangente se não houvesse o estímulo e o suporte de algumas empresas do setor à ação dos caminhoneiros.

A terceira questão a enfrentar é: por que os caminhoneiros autônomos são os mais prejudicados pela crise? Em uma situação normal, o aumento do preço dos combustíveis seria repassado ao preço final dos bens, batendo no bolso dos consumidores. Se os caminhoneiros não estão conseguindo repassar os custos maiores para o preço do frete, é porque algum fenômeno está afastando esse mercado dos padrões da livre concorrência.

Aqui a resposta se divide em dois pontos. O primeiro está no fato de que empresas de transportes, que contratam os serviços dos autônomos, têm mais poder de mercado que os caminhoneiros. Por isso, garantem para si margens maiores e impõem preços menores aos autônomos. Quando os custos sobem, os caminhoneiros não conseguem repassá-los às transportadoras.

A solução para isso é o tabelamento do frete? Certamente não. O correto é investigar se as empresas estão adotando práticas anticompetitivas ou ilegais, tais como formação de cartel ou imposição aos caminhoneiros de itens contratuais abusivos, tais como seguros sem opção de escolha de seguradora ou aluguel de equipamentos diretamente junto à transportadora. A solução é “mais CADE e menos SUNAB” (para os mais novos, SUNAB era o órgão de tabelamento e controle de preços dos anos 1980, famoso por sua ineficácia). Essa é uma pauta de interesse direto dos caminhoneiros, e o governo deveria insistir nela, tirando proveito da força dos grevistas para enfrentar o poder econômico das transportadoras.

O segundo motivo pelo qual os caminhoneiros não conseguem repassar o aumento de custos para os fretes é o excesso de oferta de fretes. Há gente em excesso trabalhando como caminhoneiro autônomo no País. E isso vem do fato de que o BNDES, ao longo de anos, ofereceu crédito com juros reais negativos para a compra de caminhões. Supostamente essa “doação” financeira seria um benefício para os caminhoneiros. Na prática, aumentou artificialmente a oferta de fretes, diminuindo a margem de lucro dos profissionais. De 2003 a 2013 a frota de caminhões no Brasil cresceu, em média, 5% ao ano, enquanto a economia cresceu 2% ao ano[1]. Quando a recessão de 2014 chegou, derrubando a demanda por transporte de cargas, uma multidão de caminhoneiros, ainda pagando o carnê do caminhão novo, foi surpreendida pela falta de serviços.

Fica a lição de que políticas setoriais intervencionistas cedo ou tarde cobram seu preço. Mas o que fazer com milhares de profissionais que investiram na compra de um ativo fixo que não está dando a rentabilidade esperada? Esse problema só será superado definitivamente quando a economia voltar a crescer. Greves e tabelamentos de preços retardam a retomada e prolongam a agonia dos próprios caminhoneiros. Um dos principais fatores que derrubaram o crescimento em 2018, que em maio daquele ano estava estimado em 2,5%, e encolheu para 1%, foi justamente a deterioração das expectativas decorrente da greve dos caminhoneiros.

O melhor que o governo pode fazer é organizar uma política de treinamento para aqueles que desejarem mudar de ramo, acoplada a algum tipo de ajuda financeira temporária. Para os que preferirem se manter no ramo, o governo poderia acenar com melhorias das condições de trabalho: pontos de descanso, recuperação de rodovias, desburocratização na regulamentação da profissão (sem comprometimento da segurança).

A solução definitiva para a crise dos caminhoneiros passa por tornar os mecanismos de mercado mais eficientes e reduzir a influência política sobre os mercados de combustíveis e frete: privatização, boa regulação, abertura econômica, defesa da concorrência e assistência social aos perdedores de curto prazo. Interferência no sistema de preços, seja do combustível, seja do frete, é a receita do fracasso e de crises futuras. Fosse esta a solução correta, não estaríamos sob nova ameaça de greve menos de um ano depois de encerrada a primeira.

Como toda solução populista, a interferência nos preços ataca os sintomas sem cuidar das causas. O correto seria corrigir as causas sem descuidar de aliviar os sintomas, o que deve ser feito com a assistência social e melhoria das condições de trabalho dos caminhoneiros.

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[1] Fontes: Confederação Nacional dos Transportes e IBGE.

 

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Como nossos impostos afetam o meio ambiente? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2362&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-nossos-impostos-afetam-o-meio-ambiente https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2362#comments Fri, 19 Dec 2014 13:38:15 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2362 1. Introdução.

Na teoria econômica, a relação entre impostos e meio ambiente começou a ser analisada desde o trabalho seminal de 1920 do economista inglês Arthur Pigou1. De lá para cá, muito foi estudado em relação à matéria e muitos países passaram a adotar “tributos ambientais”2. Neste texto, fazemos uma introdução sobre a questão, pela ótica da teoria econômica do meio ambiente. Em primeiro lugar, discute-se a superioridade do imposto como mecanismo de defesa do meio ambiente em relação às políticas de comando e controle, como concebida na teoria. Em seguida, é apresentada a “hipótese do duplo dividendo”, a possibilidade de uma reforma tributária ambiental trazer também ganhos econômicos, além dos ganhos ambientais. Ainda, detalha-se a visão da economia política do tributo ambiental, debatendo a impopularidade, entre diversos stakeholders, do imposto como instrumento de preservação ambiental. Por fim, são apresentados exemplos na legislação tributária que se harmonizam (ou não) com a sustentabilidade, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e a proposta da Cide-Carbono.

 

2. Por que usar impostos?

Um tributo ambiental tem motivação extrafiscal, ou seja, não objetiva o aumento da arrecadação. O que se pretende é estabelecer incentivos (e desincentivos) para que a produção de bens e serviços seja sustentável.

Na teoria econômica, o imposto “pigouviano” é concebido como um imposto capaz de corrigir uma externalidade. Por sua vez, de maneira simplificada, a externalidade é o impacto de uma atividade em terceiros que não decidem sobre ela. Um exemplo básico de uma externalidade, negativa, é a poluição gerada por uma fábrica.

Neste exemplo, a produção da fábrica impõe custos a terceiros (externalidade) sob a forma de poluição. O imposto seria capaz de “internalizar” a externalidade: isto é, fazer com que o próprio gerador da poluição pagasse o custo da poluição. Cabe observar que a motivação do imposto não seria de criar um  novo custo, mas apenas de transferir um custo já existente ― que estaria sendo pago por terceiros (ex: sociedade) ― a quem de fato seria responsável por ele (o poluidor).

No jargão da área, o ponto de equilíbrio da produção deixaria de ser o ótimo privado (poluir tanto quanto necessário para maximizar o lucro privado) para ser o ótimo social (reduzir a produção para poluir menos): com o imposto, o nível de produção seria eficiente do ponto de vista da sociedade, e não, como antes, apenas do ponto de vista do produtor.

Como instrumento da política ambiental, o imposto se opõe às medidas de comando e controle (normas e punição para seu descumprimento). Exemplos dessas medidas incluem o estabelecimento, por uma prefeitura, de limites máximos de emissão de monóxido de carbono e hidrocarbonetos nos veículos, ou a determinação de uma percentagem de cada propriedade que deve ser preservada variando em diferentes biomas (Reserva Legal). No caso simples aqui tratado, de poluição de fábricas, visando reduzir o impacto ambiental, uma norma poderia ser baixada limitando a produção de todas as fábricas a certa quantidade.

Na teoria, a superioridade do imposto em relação às normas se daria por sua flexibilidade, já que as normas ignoram diferenças de custos entre as empresas. Assim, o imposto seria mais eficiente, ao minimizar a “perda de peso morto” (deadweight loss) – que pode ser entendida como o valor da produção perdida. O tributo ambiental permitiria que os custos ambientais e os custos econômicos fossem compatibilizados. Outra vantagem seria induzir a inovação tecnológica pelos produtores, na tentativa de minimizar o impacto ambiental.

Entretanto, a superioridade do imposto como instrumento de política ambiental é contestada. Mesmo economistas reconhecem que a superioridade desse instrumento se dá apenas sob condições específicas3. As principais críticas focam nas dificuldades de implementação prática (por exemplo, de um imposto sobre a poluição), considerando o imposto pigouviano uma “obsessão” teórica.

O tributo ambiental também é criticado pela ausência de estigma que concede às condutas poluidoras4, com base na crença de que a preservação do meio ambiente não deveria ser “mercantilizada”, devendo ser um valor em si. Também há preocupações ligadas à desigualdade, já que empresas maiores poderiam produzir e poluir mais pagando mais impostos, enquanto a produção de empresas menores ficaria comprometida.

 

3. Ganhos econômicos, além de ganhos ambientais?

Mais recentemente, os economistas têm discutido a chamada “hipótese do duplo dividendo”5. Considerando o pressuposto de que o imposto é o melhor instrumento para preservação ambiental, alguns especialistas defendem que uma reforma tributária ambiental traria não apenas ganhos ambientais (“dividendo verde”), mas também ganhos econômicos (“dividendo azul”).

A eficiência do tributo ambiental e o chamado dividendo azul ocorreriam porque o aumento da arrecadação proveniente dos tributos ambientais permitiria a redução ou eliminação de outros impostos distorcivos associados com a perda de peso morto, aumentando a eficiência da produção na economia como um todo.

A hipótese do duplo dividendo é controversa, e existe em três formas diferentes (weak double dividend, strong double dividend, employment double dividend), com diferentes graus de aceitação6.

 

4. Economia Política

Apesar do reconhecimento na teoria da superioridade do imposto como instrumento de política ambiental em vários casos, o que se observa na prática é uma popularidade muito maior das políticas de comando e controle.

Dietz e Vollebergh (1999)7 avaliam que as políticas de comando e controle são preferidas pelos poluidores, ambientalistas, políticos e burocratas.

O prêmio Nobel James Buchanan, em trabalho de 19758, demonstra que as normas podem causar um aumento de custo menor para os poluidores do que os tributos, motivo pelo qual eles teriam maior resistência aos impostos ambientais.

Paradoxalmente, também grupos ambientalistas teriam preferências por políticas de comando e controle em relação a políticas de mercado como instrumentos de preservação do meio ambiente, com base em “valores morais”. Para esses grupos, as políticas de mercado, como o imposto ambiental, poderiam dar legitimidade à prática poluidora, enquanto a penalidade sinalizaria melhor a rejeição da sociedade  e estigmatizaria a poluição.

Já a classe política consideraria que as medidas de comando e controle teriam maior apelo junto ao eleitorado. Para um político, uma norma seria mais oportuna para reproduzir a imagem de defensor do meio ambiente do que a criação de um imposto.

Por seu turno, a burocracia teria nas normas maior possibilidade de exercer influência e possuir poder e prestígio. Juntas, as preferências de poluidores, ambientalistas, políticos e burocratas ajudariam a explicar a popularidade maior dos instrumentos de comando e controle em relação aos de mercado, como o imposto.

 

5. Política tributária e sustentabilidade no Brasil

Ainda que a aplicabilidade do imposto ambiental idealizado na teoria não seja consensual, a teoria econômica mostra como a tributação pode estimular comportamentos desejáveis e desestimular os indesejáveis. Alguns exemplos são pertinentes para visualizar como isso pode acontecer.

Em anos recentes, no Brasil, com o objetivo de aquecer a economia e conter a inflação, o governo federal reduziu as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e zerou as alíquotas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Combustíveis) incidente sobre as operações realizadas com combustíveis9.

Assim, o tratamento tributário diferenciado acabou por elevar o consumo de combustíveis fósseis, prejudicando a qualidade do ar e a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Também prejudicou um setor importante para a economia verde, o do etanol, que passou a ter custo pouco competitivo para o consumidor final, comparado à gasolina.

Em termos de boas práticas que harmonizam política tributária e sustentabilidade, há casos inovadores em nível estadual e municipal. O Estado do Pará, por meio da Lei Estadual nº 7.638, de 12 de julho de 2012, e do Decreto nº 775, de 26 de junho de 2013, entrou no rol dos estados que utilizam o “ICMS Verde”, com critérios sofisticados para a distribuição dos recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre os municípios.

O recebimento dos recursos varia, por município, de acordo com a redução ocorrida no desmatamento e porcentagem de área ocupada por unidades de conservação, terras indígenas e terras quilombolas ― entre outros critérios. Dessa forma, o ICMS Verde reduz os ganhos econômicos do desmatamento, incentivando a preservação ambiental.

Em nível municipal, a cidade de Guarulhos, uma das maiores do interior do Brasil, criou em 2010 o IPTU-Verde, concedendo descontos no Imposto sobre Propriedade Predial Territorial Urbana (IPTU) para condomínios que, entre outras práticas, participem da coleta seleta de lixo, tenham materiais sustentáveis em sua construção ou reusem água da chuva.

No mundo, dezenas de países implementaram um tributo sobre carbono (carbon tax). Esse tipo de imposto já existe em vários países europeus, no Japão e em estados do Canadá e dos Estados Unidos, além de em países emergentes como Índia, África do Sul, México, Costa Rica e Chile. Appy et. al (2014) propõe usar o caráter extrafiscal da Cide e criar a Cide-Carbono no Brasil, incidindo sobre combustíveis fósseis e abate tardio de bovinos10.

____________________

1 PIGOU, A. The Economics of Welfare. Londres: Macmillan, 1920.

2 Neste artigo usamos “imposto” e “tributo” como sinônimos, cientes da distinção dos termos no Direito Tributário.

3 HELFAND, G. Standards versus Taxes in Pollution Control.  In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

4 KELMAN, S. What Price Incentives? Economists and the Environment. Boston: Auburn House Publishing Company, 1981.

5  FULLERTON, D. Environmental levies and distortionary taxation: Comment. American Economic Review, v. 87, pp. 245-51, 1997.

6 MOOIJ, R. The double dividend of an environmental tax reform. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

7 DIETZ, F.; VOLLEBERGH, H. Explaining instrument choice in environmental policies. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

8 BUCHANAN, J.; TULLOCK, G. ‘Polluters’ profits and political response: direct controls versus taxes. American Economic Review, v. 65, pp. 139-47, 1975.

9 Conforme, atualmente, o Decreto nº 8.279, de 30 de junho de 2014, e o Decreto nº 7.764, de 22 de junho de 2012.

10 APPY, B.; TOLEDO, C.; MICCOLIS, A.; MARSON, R.; GOMES, V. Cide-Carbono: mais florestas, menos gases estufas. In: LIMA, A.; MOUTINHO, P. (Org.). Política Tributária Brasileira e sua “Pegada” Climática: por uma transição rumo à sustentabilidade. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM): Brasília, 2014.

 

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O que é economia verde e qual o papel do governo para sua implementação? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=693&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-economia-verde-e-qual-o-papel-do-governo-para-sua-implementacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=693#comments Mon, 08 Aug 2011 19:23:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=693 De acordo com a ONU, a Economia Verde pode ser definida como aquela que resulta em melhoria do bem-estar das pessoas devido a uma maior preocupação com a equidade social, com os riscos ambientais e com a escassez dos recursos naturais. Muito se discute sobre essa nova economia, e muitos pesquisadores acreditam que a economia verde requer um novo marco teórico. Como iremos mostrar neste texto, não é necessário um novo paradigma para se implementar políticas sociais que tornem a economia mais verde. Os instrumentos da economia neoclássica tradicional podem – e devem – ser utilizados para orientar os formuladores de políticas públicas com vistas ao desenvolvimento da economia verde.

Nesta reconciliação entre a economia e o meio ambiente, a proposta é usar as ferramentas analíticas da ciência econômica para buscar soluções que promovam qualidade ambiental. Ao se introduzir uma abordagem microeconômica à questão ambiental, o debate passa a focar quais são os corretos incentivos que levarão os agentes naturalmente a procurar práticas de conservação ou estratégias para reduzir a poluição.

A preservação do meio ambiente é um típico problema em que ocorre falha de mercado e que requer intervenção do Estado. Poluição e desmatamento são atividades em que tipicamente o custo social supera o custo privado. Por isso, se as atividades poluidoras ou desmatadoras não sofrerem nenhum tipo de interferência governamental, o resultado final será um nível de poluição acima (ou um grau de preservação do meio ambiente abaixo) daquilo que seria considerado socialmente ótimo. A utilização de instrumentos econômicos que induzem os agentes ao comportamento social desejado deve contar com a participação efetiva do Estado, pois as medidas de política fiscal (como impostos mais pesados para firmas poluidoras ou subsídios para implantação de tecnologias ambientalmente corretas) juntamente com a regulação (como limites quantitativos para emissão de gases ou consumo máximo de energia permitido para determinados aparelhos) constituem, talvez, os meios mais efetivos de garantir uma transição da economia marrom para a economia verde.

Do lado da receita pública, é fato que a estrutura de tributação do Estado tem um efeito fundamental sobre os incentivos que enfrentam empresas e famílias, tanto no consumo quanto nas decisões de investimento. Quanto às despesas públicas, a distribuição dos gastos, tanto na manutenção da máquina administrativa (despesas correntes), quanto os que aumentam a capacidade produtiva do país (despesas de capital, principalmente investimentos em infraestrutura), dão o tom de como será o caminho trilhado para o desenvolvimento econômico.

Por exemplo, um passo para a implantação da economia verde seria uma tributação mais pesada sobre combustíveis fósseis, de forma que outras formas de energia renovável ficassem relativamente mais atraentes do ponto de vista do preço de consumo. Outra possibilidade é a diminuição de subsídios concedidos a atividades prejudiciais ao meio ambiente.

Pelo lado da despesa pública, a promoção do crescimento econômico mais sustentável passa pela provisão de infraestrutura energética mais limpa, suporte para pesquisa e desenvolvimento em novas tecnologias não poluentes e mais produtivas, além da concessão de subsídios que alavanquem investimentos verdes pelas famílias e empresas.

Uma melhor distribuição de riqueza ao redor do mundo também é afetada pela política fiscal. Conforme relatório da ONU, estima-se que se as nações desenvolvidas retirassem o subsídio dado à produção de algodão em seus países, a renda real das nações integrantes da região da África subsaariana aumentaria em US$150 milhões por ano.

Sabe-se, contudo, que não é simples administrar as distorções causadas pelo sistema tributário. Um “imposto verde” será mais eficiente quando incidir sobre o bem mais diretamente ligado ao dano ambiental. Isto é, os “impostos ambientais” devem ser aplicados diretamente sobre os poluentes, que muitas vezes não são facilmente observáveis. Ao tributar combustíveis fósseis para diminuir as emissões de carbono, por exemplo, provavelmente se está utilizando uma base eficiente, porque as emissões estão diretamente relacionadas ao volume de combustível consumido. Por outro lado, a tributação de fertilizantes para controlar a poluição da água talvez não seja tão eficiente, pois essa poluição depende dos métodos empregados na agricultura, que podem impedir o escoamento dos agentes poluentes. Nesse caso, seria mais eficiente multar o agricultor que poluir as águas. Dessa forma ele teria incentivo para continuar utilizando o fertilizante, mas adotando as prevenções necessárias para não poluir o meio ambiente.

Do ponto de vista da regulação, uma medida que vários governos ao redor do mundo vêm criando é o sistema cap and trade, sistema de comércio de licenças de emissão, onde as emissões totais são fixadas ou limitadas. O Protocolo de Quioto estabelece um sistema cap and trade no sentido de que as emissões dos países desenvolvidos são fixadas e quem poluir acima do limite pode adquirir direitos de emissão de países que poluem abaixo da meta acordada.

Nos Estados Unidos (EUA), há um debate no Congresso Norte-Americano sobre a instituição de sistemas cap and trade para determinados processos produtivos, produtos ou serviços, de forma que as empresas que não atingirem sua quota de emissão de poluentes possam vender o excedente a outras. A lógica desse mecanismo é que a aferição de um valor econômico às licenças para as emissões irá estimular as empresas a poluírem menos, pois lucrariam com a venda dos excedentes. Isso também terá impacto nos países que exportam tais bens para os EUA.

Claro que também existem aspectos negativos relacionados com a mitigação da poluição. A Austrália apresentou recentemente um projeto (“Securing a clean energy future”), cujo objetivo é diminuir as emissões de carbono pelo país. A principal medida sugerida é a taxação das empresas por tonelada de dióxido de carbono jogada na atmosfera. No entanto, há várias críticas no sentido de que tal taxação apenará toda a sociedade, aumentando o nível de preços, prejudicando a produção e reduzindo os empregos. Esse impacto adverso sobre a economia é consequência, principalmente, do alto custo que o projeto implicará para a geração de energia elétrica, que na Austrália é extremamente poluente por se basear na queima de carvão.

O governo australiano defende-se argumentando que os recursos arrecadados com a tributação do carbono serão devolvidos às famílias por meio de algum tipo de abatimento em outros impostos ou por aumento nas transferências de renda, como pensões.

De qualquer forma, dadas as ações indutoras por menos poluição em vários países, percebe-se uma mudança de comportamento no meio empresarial, inclusive no brasileiro. Em recente publicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI)[1], os empresários são advertidos sobre como é importante entender os múltiplos impactos e riscos que podem influenciar o ambiente de negócios em uma transição para a economia de baixo carbono. Segundo a CNI, há riscos regulatórios, como os custos devidos ao pagamento de taxas e impostos sobre produtos e serviços carbono intensivos e pagamento de multas, caso as metas mandatórias de redução de emissões não sejam alcançadas. Há ainda custos reputacionais e competitivos, como gastos relacionados à perda de fatia de mercado, menor acesso a fontes de capital, bem como perda do valor da marca, caso haja discriminação das empresas não aderentes à economia verde.

Em suma, a política fiscal e a administração das finanças públicas são fatores-chave na transição de um país para uma economia mais verde. O Congresso Nacional, ao votar o orçamento, ao discutir a legislação tributária, tem papel fundamental na definição do caminho que o país adotará.

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Para ler mais sobre o tema:

United Nations Environment Programme. Driving a Green Economy: Through Public Finance and Fiscal Policy Reform. 2011 (Disponível em http://www.unep.org/greeneconomy).


[1] CNI. Estratégias Corporativas de Baixo Carbono: Gestão de Riscos e Oportunidades, 2011.

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Deve-se proibir a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão de crédito? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=611&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=deve-se-proibir-a-diferenciacao-de-precos-entre-compras-a-vista-e-com-cartao-de-credito https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=611#comments Wed, 15 Jun 2011 12:35:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=611 De tempos em tempos a sociedade debate se deve ser permitida a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão de crédito. Sabemos que, na prática, pequenos estabelecimentos concedem descontos para pagamentos em dinheiro ou cheque, mas, formalmente, tais descontos são irregulares.

Os contratos entre as empresas de cartão de crédito e o lojista proíbem diferenciação de preços. Adicionalmente, a Nota nº 103 CGAJ/DNPC/2004, do Departamento Nacional do Ministério da Justiça, esclarece que a diferenciação de preços é considerada abusiva, nos termos do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, por exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva e por significar recusa de venda a quem se disponha a adquirir bens mediante pronto pagamento.

Dois argumentos favoráveis à diferenciação de preços são mais diretos e independem do conhecimento da indústria de cartões. O primeiro é que proibir preços diferenciados fere a liberdade de mercado. Para o lojista, o custo para venda com cartões é diferente do custo para venda à vista ou com cheques. Isso porque, para cada venda com cartão, o lojista é obrigado a pagar uma tarifa, denominada taxa de desconto, que pode ultrapassar 5% do valor da compra, no caso de estabelecimentos pequenos. Além da taxa de desconto, ao vender com cartão, o lojista tem de aguardar trinta dias para receber o valor da venda. Diante das altas taxas de juros no Brasil, essa espera representa um custo adicional não desprezível.

É verdade que outros meios de pagamento também impõem custos ao comerciante: o cheque pode ser devolvido por insuficiência de fundos, e o dinheiro em espécie pode ser roubado. Ainda assim, exceto em situações extremas (como postos de gasolina em regiões onde há muitos assaltos), o mais comum é o lojista arcar com custos mais elevados quando vende com cartão.

Se os custos são diferentes, não há porque obrigar que se cobre o mesmo preço. Do ponto de vista econômico, um bem vendido à vista se diferencia do mesmo bem vendido com cartão, assim como um bem vendido em uma loja de grife é diferente do mesmo bem vendido em uma loja simples.

O segundo argumento favorável à diferenciação de preços é o subsídio cruzado existente quando o preço é único. Como dissemos, o pagamento com cartão embute um custo para o lojista, e esse custo necessariamente é repassado para os consumidores (se não houver o repasse, no longo prazo, a loja terá prejuízo e irá à falência). Se o preço tem de ser o mesmo, o custo será igualmente dividido entre aqueles que pagam com cartão e aqueles que utilizam outros meios de pagamento. A questão que se coloca é: por que quem paga com dinheiro ou cheque deve subsidiar aquele que compra com cartão? Seria tão absurdo quanto exigir, por exemplo, que quem compra arroz tivesse de pagar um pouco mais, para baratear o preço daqueles que compram carne. O subsídio cruzado torna-se ainda mais criticável quando se considera que, em geral, os indivíduos que não têm cartão têm menor poder aquisitivo.

Tratando agora de argumentos contrários, começamos pelo estímulo ao uso de cheques que a diferenciação de preços provocaria. Poucas pessoas andam com dinheiro vivo na carteira, especialmente por questões de segurança. A alternativa mais viável para aproveitarem preços mais baixos para pagamentos à vista seria o pagamento com cheques. Ocorre que, apesar de o cliente não pagar, o custo do cheque é muito elevado: de acordo com o Banco Central, o custo médio de uma transação por meio eletrônico é cerca da metade do custo de transação por outros meios. Do ponto de vista social, portanto, o maior uso de cheques implica desperdício de recursos: a mão-de-obra, os recursos computacionais, o espaço físico e todos os insumos necessários para proceder a confecção, preenchimento e compensação de cheques poderiam ser utilizados em outras atividades, aumentando a eficiência da economia.

Esse argumento é procedente. Mas o problema do uso excessivo de cheques que adviria da diferenciação de preços não decorre da diferenciação de preços, mas do fato de que o preço pago pelo portador pelo uso do cheque é inferior ao custo do serviço. A solução, portanto, não seria proibir a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão, mas instituir uma cobrança para cada meio de pagamento, de acordo com seu custo.

Antes de explicar os demais argumentos contrários e favoráveis, farei uma necessária exposição sobre algumas características da indústria de cartões. Quando pensamos em cartões, vêm logo à cabeça os nomes das bandeiras (Visa, Mastercard, etc), mas, em verdade, a indústria de cartões é composta pelos seguintes participantes:

i)                   portador: é o consumidor final, o indivíduo que utiliza o cartão para fazer compras. O portador paga ao emissor a anuidade do cartão e eventuais juros incidentes sobre saldo devedor não pago. Por motivos que ficarão claros adiante, a anuidade do cartão chega mesmo a ser negativa, nos casos em que o cartão oferece programas de recompensas, como passagens aéreas, acesso a salas VIP, seguros, etc.

ii)                 emissor: normalmente representado por um banco, que se relaciona diretamente com o portador. É o emissor quem analisa a proposta de adesão, determina o limite de crédito, as taxas cobradas do consumidor final e faz o lançamento da fatura. O número de emissores no Brasil é relativamente elevado, cerca de 20 no sistema Mastercard e de 40 no sistema Visa. Os emissores são remunerados pelas tarifas que cobram dos portadores, pelos juros (caso o portador não quite toda a fatura na data de vencimento) e pela tarifa de intercâmbio, a ser explicada a seguir. É importante observar que, como o emissor recebe a tarifa de intercâmbio, pode ser interessante não cobrar (ou até pagar) para o portador ter o cartão, afinal, uma condição necessária para que o banco receba a tarifa de intercâmbio é que ocorram compras.

iii)               credenciador (ou adquirente): é o responsável pelo relacionamento com o estabelecimento comercial. Como o nome sugere, é o credenciador quem credencia o lojista no sistema. Também é responsabilidade do credenciador fazer a captura, transmissão, processamento e liquidação das transações com os cartões da respectiva bandeira. A principal fonte de receita do credenciador é a taxa de desconto, usualmente uma proporção do valor da venda, cobrada do comerciante. A principal despesa do credenciador é a tarifa de intercâmbio, também uma proporção do valor transacionado, pago ao banco emissor. O mercado de credenciamento é muito concentrado no Brasil. Até 2010, havia somente um credenciador para a bandeira Visa – a então Visanet, posteriormente transformada em Cielo – e um credenciador para a bandeira Mastercard – a Redecard. Atualmente, Cielo e Redecard credenciam ambas as bandeiras, e entraram novos concorrentes, como o Banco Santander.

iv)               lojista: ou estabelecimento comercial. É quem aceita o pagamento com cartão. O principal custo em que o lojista incorre é a já mencionada taxa de desconto, paga ao credenciador.

v)                 bandeira: É a marca do cartão, como Visa, Mastercard, Hipercard ou American Express. A bandeira atua como uma espécie de franqueadora da marca, sendo também responsável por estabelecer normas, fornecer infraestrutura básica e realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento para o aperfeiçoamento do sistema. Em alguns esquemas, como American Express e Hipercard, a bandeira, emissor e credenciador são unificadas. Já os esquemas Visa e Mastercard, que respondem por mais de 90% das transações, possuem um sistema aberto, com diferentes emissores e credenciadores.

O cartão de crédito é, assim, uma plataforma, conectando o portador ao lojista. Uma característica importante do mercado de cartões é a de ser aquilo que se denomina mercado de dois lados. Em um mercado normal (ou de um só lado), a demanda depende do preço do produto: se o preço do bem ou serviço aumenta, a demanda cai e vice-versa. Já em mercados de dois lados, além do preço do produto, a demanda depende também de como o custo é repartido entre os consumidores finais.

Para entender melhor o contraste entre os dois tipos de mercado, pensemos no caso da tributação. Quando o governo aumenta a tributação, é irrelevante saber se será o consumidor ou o vendedor quem irá pagar o tributo. A demanda dependerá somente do preço final (incluindo impostos) do bem. Mas isso não ocorre em mercados de dois lados. Por exemplo, uma boate, que pode ser vista como uma plataforma de encontro entre homens e mulheres, deverá ter maior clientela se cobrar menos das mulheres. Assim, comparando duas boates com o mesmo preço médio de ingresso, aquela que cobra menos das mulheres deverá ser mais bem sucedida em atrair clientes.

No início da telefonia celular no Brasil, quem recebia a chamada também pagava pela ligação. Isso fazia com que o proprietário do aparelho somente divulgasse seu número para determinadas pessoas, o que reduzia o potencial de ligações. Quando a cobrança passou a recair somente sobre quem fazia a chamada, ampliou-se a divulgação dos números, aumentando o volume das transações. Outro exemplo são os jornais de bairro, usualmente gratuitos para os leitores, mas pagos pelos anunciantes. Se a forma de divisão dos custos fosse diferente, por exemplo, com os leitores passando a arcar com a maior parte dos custos, é provável que a demanda pelo jornal caísse substancialmente.

Na indústria de cartões, ocorre a mesma coisa. Parte importante do sucesso da indústria de cartões é explicada pelo fato de o custo recair quase que exclusivamente sobre o lojista, e pouquíssimo (exceto no que diz respeito aos juros pagos) sobre o portador.

Outra característica importante na indústria de cartões é a presença da chamada externalidade de rede. Um indivíduo só se interessa em adquirir um cartão se souber que haverá um número suficiente de lojas dispostas a aceitá-lo. Já um lojista só irá se interessar em se credenciar para determinada bandeira se souber que há um número suficiente de portadores de cartão daquela bandeira. Portanto, quando um consumidor decide adquirir um cartão, além do benefício próprio, ele está beneficiando toda a rede associada àquele cartão. Da mesma forma, quando um lojista adere ao sistema, ele beneficia indiretamente todos os demais lojistas pois, ainda que marginalmente, o fato de ter uma loja a mais afiliada ao sistema, estimula novos consumidores a adquirir o cartão daquela bandeira, o que, por sua vez, estimula novos lojistas a se credenciarem. O benefício não precificado que um agente causa a outro é denominado externalidade positiva[1]. Como um consumidor, ao adquirir um cartão, gera externalidade positiva, o preço que ela paga pelo serviço deveria ser menor do que o custo que acarreta. Do contrário, ele tenderia a utilizar o serviço menos do que seria considerado socialmente ótimo.

Uma vez feitas as explicações sobre as principais características da indústria de cartões, apresentaremos a seguir outros argumentos contrários e favoráveis à diferenciação de preços.

O mercado de cartões cresceu aceleradamente porque foi possível transferir a maior parte do custo para os lojistas. Isso estimulou a entrada de consumidores no mercado, o que atraiu novos lojistas, o que estimulou mais consumidores a adquirir cartões, etc. Pode-se demonstrar que essa repartição de custos, onde o lojista paga a maior parte, somente é possível se o preço pago à vista for o mesmo pago com o cartão. Em outras palavras, se for possível para o lojista repassar integralmente o custo do cartão para o consumidor, então cada ponta do mercado (consumidores e lojistas) arcarão igualmente com os custos do cartão. E, quando o consumidor passa a pagar mais caro pelo uso do cartão, ele tende a utilizá-lo menos. Mas, ao fazer isso, devido às externalidades de rede, o consumidor prejudica todo o sistema. No limite, a diferenciação perfeita de preços torna o uso de cartão de crédito menos atrativo para os consumidores. Com menos consumidores, menos lojistas se interessarão em se manter no sistema. Esse círculo vicioso se perpetuaria, de forma que a conseqüência da diferenciação de preços seria um encolhimento da indústria, com prejuízos para todos seus participantes.

Pode-se contra-argumentar de duas formas. Em primeiro lugar, o sistema atual, em que os consumidores são desproporcionalmente incentivados a utilizar o cartão, pode levar a um inchamento ineficiente da indústria. Um exemplo dessa ineficiência pode ser observado em padarias, quando clientes utilizam o cartão para pagar pequenas contas com o objetivo de acumular pontos em programas de benefícios. Além do custo direto associado ao processamento dos dados para se fazer o pagamento, existe a externalidade negativa provocada pela fila que se forma. Se o pagamento fosse feito em dinheiro, a transação seria muito mais rápida, economizando tempo dos demais clientes e funcionários, que, em vez de ficar no caixa, poderiam realizar outras tarefas.

Assim, é verdade que a diferenciação de preços possa desestimular o uso do cartão. Mas, se partimos de uma situação em que o uso do cartão é excessivo, pode ser desejável, do ponto de vista de bem-estar social, reduzir o tamanho da indústria.

A segunda contra-argumentação é de ordem prática. É pouco provável que as comerciantes venham a repassar integralmente os custos do cartão para seus clientes. Em primeiro lugar, porque os lojistas auferem benefícios em receber com cartão, como maior segurança. Em segundo lugar, porque, por uma questão de marketing, é comum os estabelecimentos oferecerem serviços adicionais, sem cobrarem a mais por eles. Por exemplo, muitas lojas não cobram para fazer embrulhos de presente, outras oferecem estacionamento gratuito, outras não cobram adicional para entregar em casa. Oferecer a possibilidade de pagamento com cartão sem cobrança adicional seria uma comodidade adicional que a loja ofereceria. Destaca-se que, de acordo com a experiência internacional, nos países onde passou a ser permitida a diferenciação de preços, o repasse da taxa de desconto para os clientes foi baixo.

Finalmente, outro argumento a favor da diferenciação de preços está relacionado com a estrutura de mercado. Conforme dito anteriormente, o mercado de credenciadores é muito concentrado no Brasil. Apesar da maior abertura recente, o mercado de credenciamento continua muito concentrado. Se um lojista quiser aceitar Visa ou Mastercard (as duas principais bandeiras), será praticamente forçado a negociar com a Cielo ou com a Redecard, pois a participação dos demais credenciadores é mínima. Isso faz com que a taxa de desconto (relembrando, a porcentagem das vendas que os comerciantes pagam aos credenciadores) é muito acima da média internacional. Para pequenos lojistas, a taxa chega a exceder 5% do valor da venda.

Em uma estrutura de mercado tão concentrada como essa, a permissão para cobrança de preços diferenciados permite um aumento da concorrência – no caso, não com outros credenciadores, mas com outros meios de pagamento. Por isso, um resultado provável de se permitir a diferenciação de preços será os estabelecimentos continuarem a cobrar o mesmo preço para pagamento com dinheiro ou com cartão, porém incorrendo em um custo mais baixo, devido à redução da taxa de desconto cobrada pelo credenciador.

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Para ler mais sobre o tema:

Freitas, Paulo Springer de: “Mercado de Cartões de Crédito no Brasil: problemas de regulação e oportunidades de aperfeiçoamento da legislação.” Texto para Discussão nº 37, Senado Federal, Brasília. 2007. Texto disponível em:

http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD37-PauloSpringer.pdf

Banco Central do Brasil;Secretaria de Acompanhamento Econômico – Ministério da Fazenda e Secretaria de Direito Econômico – Ministério da Justiça. Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamento. Banco Central do Brasil, Brasília. 1º Edição. Maio de 2010. Texto disponível em:

http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf


[1] Sobre o conceito de externalidade, vide o texto “Por que o governo deve interferir na economia?”, publicado neste site.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=611 23
Por que o governo deve interferir na economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=387&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-deve-interferir-na-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=387#comments Thu, 24 Mar 2011 16:33:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=387 O funcionamento da economia, a princípio, não precisa de intervenções do governo. Por exemplo: quando uma seca destrói a safra de feijão, o preço do feijão sobe. Frente ao preço mais alto, as pessoas passam a comprar menos feijão, e o substituem por outro alimento mais barato. Isso significa que a demanda por feijão cai, diminuindo a pressão sobre seus preços. Por outro lado, comerciantes vão importar feijão, para aproveitar a oportunidade de lucrar com os preços mais altos. Ao colocarem no mercado essa importação, a escassez do produto diminuirá, com novo impulso à queda dos preços.

Há, portanto, um mecanismo de ajuste automático da economia: a escassez eleva os preços e o aumento de preços induz o fim da escassez. Em uma situação como essa, não há necessidade de o governo interferir na economia, pois ela se ajusta sozinha.

Há, porém, situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”. Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. Mas existem, também, as “falhas de governo”: os problemas que o governo causa ao intervir na economia.

Sempre que um governo anuncia um novo programa ou uma nova lei, o cidadão- eleitor que deseje analisar benefícios e custos dessa intervenção pode se perguntar: qual a falha de mercado que se está querendo corrigir? Será que essa intervenção não gerará “falhas de governo” que piorarão o bem-estar geral?

Para responder a essas perguntas, é preciso conhecer a natureza das “falhas de mercado” e das “falhas de governo”. O presente texto trata da primeira parte do problema: as falhas de mercado. Analisa-se por que e como o governo pode intervir na economia para resolver tais falhas. O texto não representa uma defesa dos métodos de intervenção apresentados. Muitas das possibilidades de intervenção aqui apresentadas tendem a gerar fortes “falhas de governo”. Oportunamente será apresentado um texto tratando das falhas de governo.

1. Direito de propriedade e garantia de contratos

A economia de mercado só existe porque o governo existe. Por isso, a primeira função do governo é garantir que a economia possa funcionar. O produtor de feijão só aplica suas economias e seu trabalho para produzir esse alimento porque ele sabe que tem o direito de propriedade sobre aquilo que ele produz. Em um país em que os agricultores estejam sob permanente ameaça de invasão e roubo da produção, eles provavelmente vão desistir de produzir, e não vai haver oferta de feijão no mercado. Logo, o governo tem a função primordial de garantir o direito à propriedade privada. É preciso que existam instituições como a polícia e a justiça, que protegem essa propriedade de roubo e expropriações.

Para que as pessoas tenham confiança para negociar entre si, é preciso que haja contratos e que esses sejam respeitados. O produtor de feijão precisa ter segurança de que o comprador vai, efetivamente, pagar pelo feijão comprado e que, se o pagamento não for feito, ele pode processar o comprador. O comprador, por sua vez, tem direito a exigir na justiça que o vendedor entregue o feijão na qualidade e quantidade combinadas.

As regras para elaboração e respeito aos contratos devem estar nas leis. Isso significa que o governo deve instituir o Poder Judiciário (para aplicar as leis), o Poder Legislativo (para produzir e aprovar as leis), as instituições policiais e o sistema prisional (para cumprir as determinações do Judiciário). Tudo isso garante o funcionamento da economia de mercado.

Em países em que o governo não exerce bem essas funções, a economia de mercado não prospera. Por exemplo, nas economias comunistas, nas quais não havia garantia de propriedade privada, as pessoas moravam em apartamentos que não eram seus e, por isso, não tinham preocupação em conservá-los. Nas economias capitalistas, por sua vez, os inquilinos só fazem reforma nos imóveis se houver um contrato com os proprietários, garantindo o abatimento do gasto no valor do aluguel.

2. Restrições à competição

Na negociação de um quilo de feijão, em uma barraca na feira, há um equilíbrio de poder entre comprador e vendedor: se achar o preço caro, o comprador pode procurar o feijão em outra barraca; se não aceitar a oferta do comprador, o vendedor pode esperar a chegada de outro comprador disposto a pagar aquele preço. Mas há diversos casos de oligopólio e monopólio, em que há poucos (no caso do oligopólio) ou um único vendedor (no monopólio), de forma que eles têm mais poder que o comprador no processo de negociação.

O abastecimento de água de uma cidade, por exemplo, é feito por uma única empresa, pois não faz sentido instalar mais de uma rede de distribuição (este é um caso conhecido como “monopólio natural”). Logo, a empresa fornecedora será única: ou você aceita pagar o preço que essa empresa pede pela água ou fica sem abastecimento.

Há casos em que o custo para uma empresa entrar numa atividade é muito alto. Por exemplo: criar uma siderúrgica exige um grande investimento inicial na compra de fornos. Logo, só entrará nesse mercado quem conseguir o capital para o investimento inicial. Essa barreira inicial reduz a quantidade de firmas trabalhando no setor e, por isso, as firmas existentes têm maior poder para fixar preços e quantidade produzida.

Há, também, situações em que o comprador tem mais poder que o vendedor: uma grande empresa petrolífera, por exemplo, será a única compradora de sondas e outros produtos utilizados na exploração de petróleo (situação conhecida como “monopsônio”). Nessa situação, os fornecedores da petrolífera ficarão a mercê das decisões de preço e quantidade estabelecidas pela empresa.

Sempre que houver falhas que reduzam a competição, os resultados serão preços mais altos e oferta de bens e serviços abaixo do que ocorreria em concorrência perfeita (na qual prevalece o equilíbrio do poder de barganha de comprador e vendedor).

Para tentar levar a economia para uma situação mais próxima à de concorrência perfeita, o governo pode intervir de várias formas. Pode estatizar a produção, vendendo os produtos por um preço que cubra o custo (e não por um preço de lucro elevado, como faria o monopolista privado), como no caso das empresas estatais de água e energia.

Nos casos de monopólio natural o governo pode instituir agências reguladoras para regular e fiscalizar a qualidade e preço dos produtos oferecidos. No Brasil temos agências reguladoras em diversas áreas como: energia elétrica, água, transportes públicos ou petróleo.

Uma opção para os setores oligopolizados é deixá-los sob responsabilidade do setor privado, mas regulamentar sua atuação através de um órgão de defesa da concorrência, com o objetivo de coibir a formação de cartéis e o abuso de poder econômico.

O governo também pode criar regras que reequilibrem o poder de mercado. Quando, por exemplo, se criou a possibilidade de o usuário de telefone celular mudar de operadora sem mudar o número do telefone, o poder de mercado do usuário frente às operadoras se elevou. Muitas pessoas, embora insatisfeitas, não trocavam de operadora para não enfrentar o custo de ter que informar a clientes e amigos o novo número.

3 – Bens públicos

Há algumas mercadorias e serviços para os quais o sistema de oferta e demanda não funciona bem. São os chamados “bens públicos”. Não é possível, por exemplo, vender “ar puro” no mercado. Ou existe ar puro disponível para todos respirarem, ou não existe para ninguém. Por isso, não se pode estabelecer uma negociação em que se vende ar puro apenas para as pessoas que estejam dispostas a pagar por ele. O mesmo raciocínio se aplica à segurança nacional: ou todo mundo que mora no país está protegido contra inimigos externos, ou ninguém está protegido. Não há como vender segurança nacional apenas para quem tem medo dos inimigos externos.

Outro exemplo interessante é o dos faróis de sinalização marítima. Todos os barcos que passam pela costa podem ver o sinal luminoso emitido pelo farol, não sendo possível cobrar pelo serviço, oferecendo a sinalização apenas aos barcos que pagarem por isso.

Se eu vou me beneficiar do sistema de segurança nacional ou de sinalização pago pelos outros, por que eu iria me interessar em pagar por isso? Todos vão querer pegar carona no serviço pago pelos outros.

Há casos em que é possível estabelecer um mercado privado de compra e venda, mas este vai oferecer o produto ou o serviço em pequena quantidade, menor do que aquela que seria desejável. É possível deixar que empresas privadas construam e operem estradas, remunerando-se mediante cobrança de pedágios. Mas esse sistema só vai funcionar nos locais onde a quantidade de carros trafegando seja suficiente para dar lucros. As estradas potencialmente deficitárias jamais serão construídas, embora sejam úteis e desejáveis.

É possível que institutos privados de pesquisa realizem os levantamentos de dados e só os revelem a quem pagar pela informação. Ocorre que tal informação é muito útil para que pesquisadores façam estudos em benefício da população em geral, permitindo, por exemplo, que se planeje o controle das doenças de maior incidência, de acordo com idade, sexo ou região de residência.

Assim, o problema que envolve os bens públicos é que eles tendem a não ser ofertados pelo mercado privado ou então são ofertados em pequena quantidade. Por isso, o governo intervém para corrigir esse problema.

O governo pode assumir diretamente a produção e a oferta de bens públicos. Se ninguém quer pagar pela segurança nacional, o governo impõe tributos de pagamento obrigatório por todos e, com esse dinheiro, financia as forças armadas. Esse é o mesmo raciocínio que se aplica à construção de estradas não passíveis de exploração privada, aos serviços de corpo de bombeiros, à sinalização de trânsito, à construção e manutenção de parques públicos ou  à criação de órgãos oficiais de levantamento e divulgação de estatísticas socioeconômicas.

O governo também pode remunerar ou subsidiar o setor privado para que este ofereça bens públicos à população: incentivos financeiros à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo, permitem que a ciência avance não apenas em setores que dão lucro e não precisam de incentivos (cirurgia plástica), mas também naqueles de difícil comercialização (prevenção de doenças tropicais); subsídios à construção e operação privada de infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, etc.).

Outra forma de atuação é mediante regulação: se não é possível, por exemplo, garantir ar puro e natureza limpa mediante mecanismos de mercado, então que se imponha, por lei, padrões de conservação e preservação a serem obedecidos por todos, penalizando-se aqueles que descumprirem a lei.

4. Externalidades

Quando as ações de um indivíduo geram consequências negativas para terceiros, dizemos que isso é uma externalidade negativa. O carro que eu uso e que me dá conforto e rapidez nos deslocamentos gera, como externalidade negativa, poluição do ar que todos respiram. Os bares que animam a rapaziada no fim de semana não deixam a vizinhança dormir. O desleixo do meu vizinho com o seu jardim pode gerar um criadouro de mosquito da dengue que vai transmitir a doença para a minha família.

Quando ações individuais geram conseqüências positivas, temos uma externalidade positiva. Se eu contratar seguranças privados para vigiar minha casa, meus vizinhos vão se beneficiar disso, pois os ladrões vão explorar outras ruas. Se boa parte da população se vacinar contra sarampo, a probabilidade de eu contrair a doença, mesmo sem ter me vacinado, será menor.

Por que a existência de externalidade gera a necessidade de intervenção do governo? Porque na presença de elevadas externalidades, o elemento que a causa (indivíduo, família, firma, etc.) não está preocupado com o custo gerado pela externalidade negativa ou com o benefício gerado pela externalidade positiva. Ele toma suas decisões de produção e consumo pensando prioritariamente nos seus próprios custos e benefícios. Por isso, há uma tendência das pessoas a não darem muita atenção às externalidades que geram.

Se não houver uma legislação restringindo a quantidade de madeira que pode ser extraída de uma floresta, os madeireiros (que estão mais preocupados com o seu faturamento do que com a preservação da natureza) vão extrair madeira em excesso. Da mesma forma, se não houver campanha de vacinação gratuita nos postos de saúde, muitas pessoas vão preferir não se vacinar e, com isso, aumenta o risco de uma epidemia. Se não houver uma legislação restringindo os horários e locais para funcionamento de bares, os notívagos vão acabar com o sossego de quem quer dormir.

Mas não é apenas mediante imposição de regras e leis que o governo pode controlar as externalidades. Ele também pode produzir e ofertar bens e serviços que geram externalidades positivas, tais como: educação básica, parques públicos, áreas de conservação ambiental.

O governo também pode subsidiar a produção de externalidades positivas ou impor tributos sobre a geração de externalidades negativas: descontos no imposto de renda para quem investe em conservação ambiental; redução de impostos na importação de vacinas; verbas públicas para subsidiar pesquisas que gerarão conhecimento a ser utilizado em diversas áreas da ciência; tributação elevada sobre cigarros (que prejudicam os fumantes passivos), bebidas (que matam ou machucam os que não bebem, devido a acidentes de trânsito e violência), automóveis (que geram poluição).

5. Assimetria de informações

Quando um dos lados de uma transação comercial tem mais informação que o outro, surgem problemas para o bom funcionamento do mercado. Por exemplo, as seguradoras conhecem muito menos sobre o perfil de risco de um indivíduo do que ele próprio. Assim, ao ofertar um seguro de saúde, a seguradora tende a calcular a média dos custos que ela terá com todos os segurados. Mas isso significa que os segurados mais saudáveis irão subsidiar os mais doentes. Logo, os mais saudáveis tendem a não comprar o seguro (que fica caro para eles frente à expectativa de uso) e os menos saudáveis tendem a ser os principais compradores, levando a seguradora ao prejuízo.

A seguradora pode, simplesmente, optar por não oferecer o seguro-saúde ou, então, discriminar preços e oferecê-lo a alto custo para clientelas de risco (idosos, por exemplo).

O governo pode intervir de várias formas: oferecendo serviço público de saúde para quem não pode pagar, subsidiando planos de saúde, ou melhorando o grau de informação sobre as condições da saúde da população.

A regulação bancária é um caso em que o governo pretende proteger o depositante (menos informado) de eventuais riscos excessivos assumidos pelos bancos, que melhor conhecem sua própria situação financeira e os riscos que assumem. É por isso que se estabelecem reservas compulsórias no Banco Central e regras para aplicação prudente dos recursos.

Os exames realizados pelo governo para medir a qualidade de formação dos estudantes (como o ENEM e o PROVÃO), ao terem os seus resultados divulgados à população, aumentam o grau de informação dos usuários dos serviços de educação sobre a qualidade de cada escola. Tal informação é, antes da revelação dos resultados, assimetricamente distribuída em favor das escolas, que conhecem melhor que os usuários o grau de esforço que realizam.

6. Inexistência de garantias

No mercado de crédito existe o caso clássico de empréstimos que, se realizados, podem financiar uma atividade produtiva, que aumentará o bem estar da sociedade. Porém, como os potenciais mutuários do empréstimo não têm garantias a oferecer, os bancos se afastam desse tipo de cliente e a sociedade perde a oportunidade de realizar atividades que serão benéficas a todos.

Esse tipo de problema afeta tipicamente os estudantes. Eles precisam de crédito para pagar seus estudos. Se conseguirem estudar e se qualificar, obterão bom emprego no futuro e poderão pagar pelo empréstimo feito hoje. Porém, antes de estudarem e se qualificarem, não têm renda e, por isso, não dispõem de garantias para oferecer aos bancos.

Os agricultores têm problema semelhante. Precisam de dinheiro para financiar a plantação. Mas enfrentam o risco de uma quebra de safra causada por imprevisíveis fenômenos climáticos. Por isso, a safra futura não representa uma garantia sem risco para os bancos financiadores.

Em ambos os casos, os bancos tendem a ser cautelosos na concessão de crédito, e o país perde a oportunidade de ter mais pessoas com boa educação e uma produção de alimentos mais ampla.

Nesses casos, o governo pode intervir, ofertando: crédito público, seguro subsidiado para cobrir quebra de safra, subsídios às mensalidades escolares (como no Programa PROUNI), ou educação pública gratuita.

Outra forma de intervenção do governo é por meio de um judiciário eficiente, que garanta a execução dos contratos. Afinal, de pouco adianta um mutuário ter garantias a oferecer, se, em caso de não pagamento da dívida, o credor não conseguir executá-las.

7. Falhas de coordenação

Uma vez que o sistema de mercado é, por natureza, descentralizado, há casos em que a falta de coordenação entre as partes exige que uma entidade de fora do mercado (o governo) intervenha para fazer a devida coordenação:

É o caso, por exemplo, da estabilidade macroeconômica: dado que não vivemos em um sistema de concorrência perfeita, em que o mercado se ajustaria a todo momento, a economia dos países é submetida a crises periódicas. Barreiras ao comércio internacional, guerras, fenômenos naturais, desequilíbrios fiscais; todos esses fatores exigem que os países lancem mão de políticas econômicas (política monetária, fiscal e externa) para tentar reduzir as flutuações. Por que essas políticas têm que ser feitas pelo governo? Porque os agentes privados não teriam capacidade de coordenação e de uso do mandato conferido pelas urnas para arbitrar conflitos e tomar medidas visando o interesse da maioria. Por exemplo: exportadores preferem a moeda nacional desvalorizada, enquanto os importadores querem valorizá-la; somente um árbitro – o governo – pode mediar o conflito e buscar uma situação de equilíbrio.

A estabilidade econômica (inflação baixa, crescimento do PIB, geração de emprego, etc.) é um bem público: ao mesmo tempo em que todos querem dela desfrutar, cada um toma medidas visando o interesse próprio que pode prejudicar a estabilidade (funcionários públicos pressionam por aumento, o que aumenta o gasto público e induz inflação; sindicatos querem proteger o emprego de seus filiados e pressionam por regras no mercado de trabalho que prejudicam o acesso dos desempregados a novos empregos; empresas oligopolistas querem viver em ambiente sem inflação, mas elevam os preços de seus produtos; etc.)

Há, também, o caso dos mercados complementares: em estágios iniciais de desenvolvimento, países podem ter mercados para alguns bens, mas inexistem todas as indústrias necessárias para produzir aquele bem. Por exemplo: a indústria automotiva brasileira só surgiu depois que o governo criou siderúrgicas estatais, que oferecia o aço necessário à produção de automóveis. Daí o uso das chamadas “políticas industriais” em muitos países.

Outro segmento onde a capacidade de coordenação é fundamental é o planejamento urbano. É necessário coordenar a ação dos diversos agentes privados que atuam no espaço urbano, para que a cidade tenha trânsito fluido, baixo risco de catástrofes causadas por intervenção humana (habitações em áreas de risco, assoreamento de rios, etc.), expansão organizada de ruas e da oferta de serviços públicos, etc.

8. Distribuição de renda

Toda sociedade tem algum padrão ético a respeito de distribuição da renda. O mercado pouco pode fazer para redistribuir renda. Na verdade, a lógica competitiva da economia de mercado tende a concentrar renda na mão dos mais eficientes, o que leva o governo a intervir no sentido de redistribuir a renda entre pessoas e entre regiões do país.

Há várias formas de fazê-lo, algumas delas bastante polêmicas. O governo pode, por exemplo, instituir regras de desapropriação e redistribuição de patrimônio, como no caso da reforma agrária.

Outro mecanismo é ofertar serviços com impacto relevante sobre a capacidade de ascensão econômica das pessoas. É o caso da educação e da assistência à saúde. Ambas podem ser encontradas no mercado privado. Mas como os mais pobres não podem pagar por esses serviços privados, o governo os oferece gratuitamente ou a custo subsidiado, na expectativa de que as pessoas mais pobres tenham condições mais equitativas de competição no mercado de trabalho.

Há, também, a assistência social, voltada para minorar a pobreza mais extrema.

Pode-se, atuar, ainda, por meio de políticas de desenvolvimento regional, voltadas a estimular o crescimento econômico em áreas atrasadas (crédito subsidiado às empresas que lá se instalarem, transferências do governo federal aos governos das regiões retardatárias, construção de estradas para ligar tais regiões aos centros dinâmicos, etc.)

Também se pode tentar afetar a distribuição de renda por meio de regulação, como no caso do estabelecimento de um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais sub-utilizadas.

Conclusão

Esse texto procurou mostrar as situações em que o governo deve intervir na economia, com o objetivo de elevar o nível de bem-estar da sociedade. Essa estrutura de raciocínio permite que cada cidadão examine se vale a pena ou não a realização de uma atividade estatal. Sempre que um governo anunciar um novo programa ou uma nova lei, o eleitor deve se perguntar: qual a falha de mercado que se pretende resolver? Será que não se estará criando uma falha de governo mais grave que a falha de mercado que se pretende resolver?

Para que se possa responder integralmente a esse tipo de questão, será apresentado, em breve, um texto analisando as “falhas de governo” decorrentes da intervenção do governo na economia.

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Para ler mais sobre o tema:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Andrade, E. (2004) Externalidades. In: Arvate, P., Biderman, C. (Orgs.) Economia do setor público no Brasil.FGV/Campus. São Paulo., p. 16-33

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.

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