DRU – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 28 Nov 2016 14:40:33 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Morte severina e mitos sobre a reforma da Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2917&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=morte-severina-e-mitos-sobre-a-reforma-da-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2917#comments Mon, 28 Nov 2016 14:40:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2917 “Morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. A morte severina do poema de João Cabral de Melo Neto se reflete na expectativa de vida ao nascer. Este indicador é afetado por mazelas nacionais como a mortalidade infantil e a morte de jovens por causas externas (homicídios, trânsito). Grosso modo, a expectativa de vida ao nascer está relacionada com a idade média com que as pessoas falecem no país.

Este dado vem sendo equivocadamente usado para justificar que uma reforma da Previdência faria as pessoas “trabalharem até morrer”. Seria injusto estabelecer uma idade mínima, por exemplo, de 65 anos, se em alguns Estados a expectativa de vida é de 66, 68 anos.

Na verdade, o indicador relevante nesta discussão não é a expectativa de vida no nascimento, mas a expectativa de sobrevida na idade de aposentadoria. É por conta dela que se diz que estamos vivendo muito mais, o que pressionaria a Previdência. A expectativa de sobrevida em idades mais altas não é afetada pela morte severina.

Nas idades médias em que se dão a aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil, 55 anos para homens e 52 anos para mulheres, a expectativa de sobrevida é respectivamente de 24 e 30 anos. Assim, a expectativa de vida é de 79 anos para homens e 82 anos para mulheres, bem acima da expectativa de vida ao nascer (72 para eles, 79 para elas), e dos 66 anos do meme “trabalhar até morrer” que circula nas redes.

Figura 1 – “Trabalhar até morrer”

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De fato, mesmo com ganhos expressivos na redução da mortalidade infantil, a expectativa de vida dos homens ao nascer cresceu nas últimas décadas menos da metade do que cresceu a expectativa de sobrevida dos mais velhos. Junto com a veloz redução da taxa de natalidade no país, é isso que pressiona a Previdência e seu desequilíbrio atuarial (medido em trilhões).

A expectativa de sobrevida em idades mais altas não é perfeitamente correlacionada com a renda de um país. Parte da falência da previdência na Grécia se explica pela alta expectativa de vida dos idosos: uma das maiores da União Europeia, apesar de o país ser o patinho feio do grupo. No mesmo sentido, a OCDE estima que nas próximas décadas a sobrevida das brasileiras será maior do que as das americanas ou dinamarquesas, que moram em países muito mais ricos.

O uso da expectativa de vida ao nascer no debate previdenciário, além de incorreto, é incômodo: usa-se a mortalidade infantil para justificar transferências para grupos de faixas etárias mais avançadas.  Esta não é uma questão trivial, já que a pobreza no Brasil está desproporcionalmente concentrada nas crianças.

A discussão da distribuição de renda se relaciona também a outro mito da reforma da Previdência: o de que uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição prejudica os mais pobres, que ingressam cedo no mercado de trabalho. Diversos estudos tem mostrado que os trabalhadores mais pobres não usufruem da aposentadoria por tempo de contribuição. (tema discutido anteriormente no blog)

A exigência de 35/30 anos de tempo de contribuição desta modalidade de aposentadoria não pode ser cumprida por uma ampla parcela da população, que tem uma inserção precária no mercado de trabalho, alternando em sua vida períodos de desemprego, informalidade e carteira assinada. Na verdade, a maioria da população recorre a outro tipo de aposentadoria, a por idade, que requer 15 anos de carteira assinada, mas idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres.

Outra parcela da população, com menos de 15 anos de contribuição, só pode recorrer a um benefício assistencial de um salário mínimo, com idade mínima de 65 anos até para mulheres. Assim, a idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição não pode prejudicar os mais pobres se para eles a idade mínima sempre existiu.

Não só a idade mínima para esta modalidade de aposentadoria afeta mais os com maior escolaridade como as regiões mais industrializadas do país. No Norte e no Nordeste, onde se trabalharia “até morrer”, a quantidade de aposentadorias por tempo de contribuição representa apenas 7% e 9% do total de benefícios pagos (metade do que é no Sudeste, 19%).

Para várias regiões e ocupações do país, outros pagamentos são mais relevantes, como a aposentadoria rural. É neste e em outros benefícios associados ao salário mínimo que deveria se concentrar a preocupação acerca dos efeitos da reforma da Previdência na desigualdade de renda.

Outro tema que merece ser visto com ceticismo é a tese de que a Previdência é superavitária, e de que seu déficit seria uma farsa. Há várias questões legítimas no debate sobre o que deve ser receita ou despesa do INSS, mas dizer que nosso problema previdenciário é resolvido com mudanças na contabilidade seria mito, ou para usar o termo do momento, algo que se aproxima de uma “pós-verdade”. O problema concreto é o crescimento da despesa, que decorre de um problema físico, demográfico.

Disputas em torno da contabilidade do sistema são naturais e ocorreram em outros países, mas não podem tirar o foco da questão principal. Ilustrativamente, até os militares não aceitam a contabilidade do seu regime, defendendo que o déficit deles é de metade do que vinha sendo entendido. Por sua vez, o TCU não aceita a tese de superávit no INSS.

Do lado da receita, deve ser lembrado que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) historicamente teve como perdedores Estados e Municípios, não a Previdência. A União precisava de dinheiro: se aumentasse impostos, deveria dividi-los com os entes. O jeitinho, de sucessivos governos, foi aumentar contribuições e desvinculá-las via DRU. Este histórico destoa da “teoria da conspiração” de que o governo desvia recursos da Previdência para forjar um déficit e corte de direitos. Também precisa ficar claro que trazer recursos da DRU para expandir a Previdência significa retirá-los de despesas que já serão significativamente comprimidas com o crescimento da despesa previdenciária diante do teto de gastos a vigorar com uma eventual aprovação da PEC nº 55, de 2016, ora em tramitação no Senado.

Do lado da despesa, deve ser esclarecido que mesmo a clientela urbana do INSS apresentou déficits até 2009, com previsão de voltar a apresentá-los de 2016 em diante1. Este é um ponto importante para os que defendem que, sem os rurais, a Previdência é sempre superavitária.

Nos próximos meses o Brasil passará por um amplo debate sobre sua Previdência. Pelo seu tamanho, ela é uma grande conquista e um grande desafio. Discutiremos se financiá-la nos moldes atuais é insustentável ou se mudar suas regras é retroceder em direitos conquistados: o ideal é partir para este debate livre de crenças equivocadas.

Versão resumida deste texto foi publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 08/11//2016.

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1 O superávit temporariamente registrado teve relação com maior formalização da economia no período, e não com um equilíbrio atuarial estrutural do regime de previdência.

 

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O déficit da Previdência é uma farsa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2886&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-deficit-da-previdencia-e-uma-farsa https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2886#comments Mon, 10 Oct 2016 11:55:20 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2886 Enquanto o país se prepara para o futuro ao discutir uma nova e ampla reforma da Previdência, ganha popularidade o argumento de que o déficit da Previdência é na verdade uma falácia (ou ainda uma farsa, um mito). Entender este argumento, e a sua fragilidade, é essencial para este debate.

A tese de que a Previdência é superavitária sempre foi propagada por sindicatos, advogados previdenciários e políticos. Seu respaldo “empírico” vem de publicações de dados de uma entidade corporativa, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (que defende que o problema da Previdência se deve à sonegação) e, mais recentemente, ganhou ares mais científicos com a difusão da tese de doutorado da professora Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo é sobre o período 1990-2005, mas o argumento vem colecionando dezenas de milhares de “curtidas” nas redes sociais nos últimos meses.

O raciocínio varia de acordo com o interlocutor, mas tem um eixo principal: a contabilidade do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) deveria excluir despesas com grupos que contribuem menos e incluir como receitas contribuições que cobrem o déficit, além de levar em conta também receitas perdidas com desonerações ou sonegação.

O debate sobre a contabilidade do sistema é natural, pois reflete em parte a disputa entre os subgrupos que compõem a Previdência. É legítimo, por exemplo, que representantes dos trabalhadores urbanos busquem evitar novas regras que julguem prejudiciais a eles apontando o dedo para a menor contribuição dos trabalhadores do campo, e, portanto, para a contabilidade do sistema. Em verdade, reformas previdenciárias também modificaram a forma das contas em países como França, Itália, Reino Unido, Espanha e Suíça, e há até quem defenda que este tipo de alteração deva ser usada na negociação política como moeda de troca com os opositores da reforma (como sindicatos)1.

Entretanto, a discussão sobre as contas da Previdência não pode virar uma cortina de fumaça, deslocando tempo e energia do verdadeiro debate: como adereçar o inexorável processo de transição demográfica. Também não pode resultar em contabilidade criativa que funcione como um anti-aging para o envelhecimento da população, ou em “negacionismo” de uma verdade inconveniente: a sustentabilidade da Previdência exigirá mudanças profundas e impopulares, e decorre de um problema físico, e não contábil.

Antes de conhecer os argumentos da “falácia do déficit previdenciário”, cabe apresentar uma introdução sobre a contabilidade atual do RGPS. As principais receitas do regime operado pelo INSS são a contribuição patronal sobre a folha de pagamento (20%) e a contribuição do trabalhador (8 a 11%). As despesas são aquelas com aposentadorias, pensões e auxílios da clientela urbana e rural. Contrariamente ao que algumas fontes veiculam, não são consideradas como despesas os gastos com benefícios assistenciais (como o Benefício de Prestação Continuada ao idoso pobre ou Bolsa Família), trabalhistas (como seguro-desemprego) e nem com a Previdência dos servidores públicos (que é deficitária por si) ou de políticos.

Esta conta deve fechar com um déficit de cerca de R$ 150 bilhões em 2016, podendo a chegar a R$ 200 bilhões em 2017. Qualquer déficit é coberto pelo Tesouro: o INSS não tem obrigação de fechar suas contas sozinho e nem teria poder para mudar regras a fim de cortar benefícios ou aumentar alíquotas das contribuições, o que compete ao Congresso. Tal fato torna ainda mais inusitada essa celeuma: seja o RGPS superavitário ou deficitário, os benefícios sempre serão pagos. Cabe observar também que essa apresentação de contas já foi sucessivamente referendada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que não valida o argumento da Previdência superavitária.

Um primeiro questionamento deste argumento pede a exclusão dos trabalhadores rurais, porque a Previdência urbana seria “sempre” superavitária2. A lógica é que os benefícios do campo exigem menor contrapartida contributiva, arrecadando pouco e despendendo muito,  e assim deveriam ser custeados diretamente pelo governo (como um benefício assistencial).

De fato, a chamada Previdência urbana foi superavitária nos últimos anos, mas principalmente pelo excepcional momento do mercado de trabalho formal. Na realidade, ela também apresentou déficits até 2009, e deve voltar a apresentar um em 2016, já de cerca de R$ 30 bilhões. Em que se pese a conjuntura de desemprego que piora a arrecadação, o envelhecimento da população por si só deve fazer com que os déficits pré-2009 voltem a ser a regra.

A crítica levanta, porém, aspectos da Previdência rural que de fato devem ser discutidos na próxima reforma. Existem problemas com a comprovação de efetivo trabalho no campo, sonegação e excessiva judicialização, e não havia disposição política no governo anterior para enfrentar a questão. Ainda assim, há preocupações dos representantes rurais de que a exclusão desse trabalhador da Previdência, com os benefícios sendo tratados como assistenciais, possam no futuro gerar cortes adicionais. De todo modo, com ou sem os rurais na contabilidade do INSS, os benefícios vão continuar sendo pagos e a mudança na prática é apenas como trocar o dinheiro dos bolsos de uma mesma calça (o Tesouro).

Todavia, o questionamento principal do argumento da “farsa do déficit” é do lado da receita, que deveria incorporar a arrecadação de contribuições sociais como a Cofins e a CSLL. Hoje essas contribuições já podem ser usadas para cobrir o “déficit”, mas defende-se que elas integrem a contabilidade antes da apuração do resultado. O argumento é especialmente contrário à Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite que 30% das contribuições sociais sejam usadas livremente pelo governo, o que é entendido como um “desvio” de dinheiro da Previdência para outros fins, inclusive o pagamento da dívida pública, não se podendo falar, portanto, em déficit.

Em verdade, historicamente, os grandes perdedores da DRU sempre foram os Estados e Municípios, e não a Previdência. Desde os anos 90, inicialmente como Fundo Social de Emergência (FSE) e Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), a DRU foi instrumento para o governo federal ampliar a sua arrecadação sem aumentar impostos, que são obrigatoriamente divididos com os entes subnacionais. A saída foi aumentar as contribuições sociais, desobrigando que essa arrecadação fosse usada somente na Seguridade Social, permitindo na prática que o governo aumentasse tributos para pagar suas despesas em qualquer área. A partir daí, com a DRU renovada por sucessivos governos, a União aumentou alíquotas e expandiu a base das contribuições sociais.

No argumento do déficit, esses recursos são vistos como sendo da Previdência, e desviados para outras finalidades. No entanto, o histórico do mecanismo deixa claro que sem a DRU as contribuições não arrecadariam  tanto quanto hoje e que ela funcionou como instrumento para não compartilhar recursos com os Estados e Municípios, não com a Previdência.

Há ainda uma visão de que a DRU seria “inconstitucional”, por não respeitar o texto original da Constituição de 1988. Este é um argumento mais frágil, já que as modificações sempre foram feitas por emendas constitucionais e já que o Congresso Nacional de fato tem poder para modificar a Constituição (“poder constituinte derivado”), respeitado o devido trâmite e preservadas as cláusulas pétreas. Ou nas palavras de Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros em Previdência, o texto original de 1988 não deve ser tido como “uma verdade revelada” por Deus3.

Também precisa ficar claro que a DRU apenas desvincula as receitas, mas não as vincula novamente para nenhum fim. Assim, não existe impeditivo para elas voltarem para a própria Seguridade, cobrindo o déficit da Previdência. Também deve ficar claro que a DRU não é necessariamente usada para pagar “juros da dívida”, até porque, com o agravamento da crise fiscal, nenhuma receita de tributos tem sido usada para pagar qualquer despesa com a dívida (pelo contrário, estamos nos endividando cada vez mais). No argumento da “farsa do déficit”, falta ainda coragem para especificar que despesas devem parar de ser financiadas pela DRU (educação? investimento público? Bolsa Família?).

Outro ponto a ser esclarecido neste burocrático debate sobre DRU e contribuições da Seguridade é que esta não é sinônimo de Previdência. A Previdência é apenas um dos três pilares da Seguridade, que abrange ainda a Saúde e a Assistência Social. Supondo que todo o dinheiro da DRU fosse agora ser vertido para a Seguridade, a sociedade ainda teria que escolher como dividir os recursos entre essas áreas carentes.

Isso também deve ficar claro quando se diz que não existe déficit na Previdência porque “a Seguridade deve ser analisada como um todo”. O que parece uma platitude na verdade esconde uma lógica mais séria: mais recursos da Seguridade para a Previdência necessariamente implica menos recursos para a Saúde ou para Assistência, áreas certamente carentes. Adicionalmente, mesmo a noção de superávit na Seguridade foi rejeitada no relatório final do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência ainda no governo Dilma Rousseff.

Por fim, a ideia de uma Previdência superavitária também passa por algumas bandeiras inquestionavelmente justas: a recuperação da dívida ativa, o combate à sonegação e a redução de desonerações e isenções. Todas são medidas importantes e louváveis, mas certamente insuficientes perante o acentuado processo de envelhecimento da população. A promessa de soluções fáceis nessas áreas deve ser vista com algum ceticismo, especialmente porque com frequência são apresentadas por entidades corporativas, que legitimamente estão defendendo a relevância das competências de suas carreiras.

De toda esta discussão, deve ser absorvida a motivação de corrigir distorções, mas não se deve desviar o foco da discussão que mais importa para o país: o processo de transição demográfica, seu agressivo papel no aumento da despesa pública e, consequentemente, seu efeito nos nossos objetivos constitucionais de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir desigualdades. Fugir deste debate sob o pretexto de que mudando a contabilidade a Previdência passa a ser superavitária é uma lógica digna de Donald Trump, ou nos termos de Fabio Giambiagi, dos que dizem que “Elvis não morreu”4.

Como conseguiremos crescer com juros reais tão altos sufocando empreendimentos, pressionados pela percepção de risco de insolvência ligado ao envelhecimento da população?  Como a economia poderá se dinamizar com a necessidade de custear a Previdência e criar cada mais vez impostos sobre uma carga tributária já tão distorciva?

Como os governos, federais e subnacionais, arranjarão espaço fiscal para os investimentos em infraestrutura e educação necessários para o país se desenvolver, se essas despesas discricionárias vão ser cada vez mais comprimidas pela obrigatória e ascendente despesa com o pagamento de benefícios5? Como o Estado terá capacidade financeira para dar mais oportunidades aos mais pobres, se os gastos que os beneficiam, como de saneamento básico, saúde pública e programas assistenciais, serão comprimidos por um componente que hoje já é responsável por mais da metade dos gastos da União e que cresce sem parar?

Construímos com nossa Previdência o que seria a segunda maior folha de pagamento do mundo, maior do que a de qualquer multinacional, governo ou exército6. Mais de 90% das famílias brasileiras estão direta ou indiretamente cobertas por ela. É por isso que a Previdência é uma conquista da sociedade brasileira e é por isso também que se impõe como um desafio.

Distorções em seu desenho nunca vão tornar ninguém milionário, mas amplificadas pelo seu gigantesco tamanho, podem colocar restrições severas ao desenvolvimento de um país que está longe de ser rico. Mal temos uma das 80 maiores rendas per capita do planeta: neste campeonato estamos na 4ª divisão, perigando cair para a 5ª ao fim desta década. Este é um problema de ação coletiva, muito diferente dos embates com soluções fáceis em que existem vilões para culpar, como sonegadores, corruptos, rentistas ou entreguistas responsáveis pelos males nacionais.  A ausência de um vilão para apontar o dedo não deve ser substituída pelo mero negacionismo que ignore esse problema inconveniente. O elefante na sala não é uma farsa.

 

______________

1 No Brasil, também os militares defendem mudanças na contabilidade da sua previdência, que reduzem significativamente o déficit da forma como foi historicamente entendido.

2  No entanto, este ponto não é defendido pela tese da professora Gentil.

3 TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previdência: A Visita da Velha Senhora. Brasília: Gestão Pública, 2015.

4 http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/08/sobre-canarinhos.html

5 Especialmente se for a aprovada a “PEC do teto dos gastos”.

6 Em tese, perdemos apenas para o  “INSS americano”, a Social Security Administration (SSA).

 

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O que é e para que serve a desvinculação de receitas da União (DRU)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-e-para-que-serve-a-desvinculacao-de-receitas-da-uniao-dru https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906#comments Mon, 05 Dec 2011 14:19:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=906 A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, quando da implementação do Plano Real. Os seus objetivos principais são:

a)     aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade;

b)    permitir a geração de superávit nas contas do governo, elemento fundamental para ajudar a controlar a inflação.

A necessidade de criação da DRU decorre de algumas regras estipuladas pela Constituição. A primeira delas é a divisão do orçamento do Governo Federal em duas partes: o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social. A seguridade social compreende as atividades do governo nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. As demais áreas têm seus gastos programados no orçamento fiscal.

Além de segmentar o orçamento em duas partes, a Constituição também segmentou as receitas que deveriam financiar cada um dos orçamentos. Para o orçamento da seguridade foram reservadas as chamadas “contribuições sociais”, que são tributos que incidem, principalmente, sobre a folha de pagamento das empresas, o lucro, o faturamento ou a receita[1]. São exemplos dessas contribuições: as contribuições para a previdência social, COFINS, CSLL e a extinta CPMF.

Para o orçamento fiscal ficaram os impostos tradicionais, como os impostos sobre renda, sobre produtos industrializados, sobre exportação e importação, as taxas e as contribuições econômicas como a Cide-combustíveis.

Ocorre que a Constituição também determinou que a maioria dos impostos deve ter sua receita repartida com os estados e municípios, enquanto as contribuições não estão sujeitas a tal partilha.

Quando o Governo Federal se viu na necessidade de elevar a arrecadação para promover uma redução do déficit público e poder pagar a elevada dívida pública, ele percebeu que estava em um beco sem saída.

Se elevasse os impostos, parte da receita arrecadada teria que ser dividida com estados e municípios, de modo que restaria apenas em torno de 50% da receita adicional nos cofres da União. Se elevasse as contribuições sociais, estas teriam que ser direcionadas para os gastos com saúde, assistência social e previdência, não havendo a possibilidade de se carrear a nova receita para o pagamento da dívida pública.

Foi aí que se criou a DRU, que nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social.

Isso abriu um caminho para que o Governo Federal promovesse forte elevação da tributação via contribuições sociais, que não precisavam ser divididas com estados e municípios e, graças à DRU, poderiam ser usadas para pagamento da dívida pública ou pagamento de outras despesas fora do orçamento da seguridade social.

De fato, a partir da introdução da DRU em 1994, podemos notar um crescimento da carga tributária, em sua maior parte decorrente da criação ou majoração das contribuições sociais, como mostrado no Gráfico 1.

A receita de impostos e taxas, integrante do orçamento fiscal, manteve-se no patamar de 6 a 8% do Produto Interno Bruto (PIB); já a receita de contribuições, em sua maior parte integrante do orçamento da seguridade social, passou de 8,1% do PIB, em 1995, para 12,9% em 2010.

A DRU trazia também outra vantagem. A Constituição não criou apenas a vinculação entre as receitas de contribuição e o orçamento da seguridade. Existe um grande número de outras vinculações. Por exemplo: os recursos arrecadados pelo PIS/PASEP devem ser entregues ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), 18% da receita de impostos devem ser gastas em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), as taxas cobradas por órgãos públicos em geral são vinculadas ao financiamento das despesas desses órgãos (por exemplo: taxa de serviços aeroportuários devem financiar o custeio da Infraero[2]).

As vinculações de receitas, somadas a gastos em boa medida incompressíveis – despesas com pessoal, benefícios previdenciários, serviço da dívida etc. –, dificultam a capacidade de o governo federal alocar recursos de acordo com suas prioridades sem trazer endividamento adicional para a União.

Com a DRU, 20% das vinculações caía por terra e o Governo ganhava mais flexibilidade para usar os recursos nas finalidades que considerasse necessárias.

O mecanismo, que era para ser provisório, foi renovado diversas vezes.

Contudo, como veremos adiante, a sua importância foi se reduzindo ao longo do tempo. Primeiro, porque as despesas da seguridade social, em especial da saúde e da previdência, cresceram fortemente. As despesas da previdência aumentaram muito devido aos seguidos reajustes do salário mínimo acima da inflação. Como o salário mínimo é referência para os benefícios previdenciários, a despesa da previdência cresceu muito[3].

As despesas com saúde cresceram devido à regra instituída pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que determinou que o gasto da saúde deve crescer no mesmo ritmo de crescimento do PIB. Como o PIB cresce acima da inflação, as despesas com saúde acompanham esse ritmo.

Se esses dois setores passaram a demandar cada vez mais dinheiro, passaram a sobrar menos recursos de contribuições sociais para serem remanejados para o pagamento de outras despesas e a amortização da dívida pública.

Outro fator que enfraqueceu o poder da DRU de gerar recursos para livre alocação é o exercício de pressão por parte dos grupos que se consideram prejudicados pelo mecanismo. A cada renovação da DRU a sua abrangência torna-se mais restrita.

FUNDAMENTO LEGAL

O mecanismo foi criado em 1994, com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE). Desde então, esse instrumento foi prorrogado, com algumas alterações, com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2007, foi aprovada pelo Congresso Nacional sua prorrogação, até 31 de dezembro de 2011, pela Emenda Constitucional (EC) nº 56, de 20 de dezembro de 2007.

O fundamento legal da DRU, atualmente em vigor, é a Emenda Constitucional nº 56, de 2007, que a prorrogou nos mesmos termos da EC nº 42, de 2003. O dispositivo desvinculou de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

Em 2011 o Poder Executivo encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 61, de 8 de junho de 2011, prorrogando mais uma vez a DRU, desta vez até 31 de dezembro de 2015. A proposta mantém a atual redação do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apenas prorrogando o seu prazo e atualizando a sua redação.

Comparando-se o texto atual da DRU com aquele vigente na sua primeira versão (FSE de 1994) percebe-se que foram excluídos do alcance da DRU as transferências aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios previstas na Constituição Federal[4] (ou seja, a desvinculação não afeta essas transferências constitucionais, de forma que estados, DF e municípios, nesses casos, não sofrem perdas com a DRU como sofriam com o FSE).

Por outro lado, foram incluídas as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) entre as receitas sujeitas à desvinculação. Com isso, a contribuição incidente sobre combustíveis (CIDE-Combustíveis) foi desvinculada, resultando em perdas para os estados e municípios[5]. Essa perda foi contornada com o aumento da participação dos governos subnacionais de 25% para 29% da receita da CIDE, por força da Emenda Constitucional nº 44, de 2004[6].

A versão atual da DRU também exclui da desvinculação a contribuição social do salário-educação, devida pelas empresas, ao financiamento do ensino fundamental público.

Em relação à desvinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, determinou a redução progressiva do percentual da DRU incidente sobre esses recursos. Assim, para efeito do cálculo dos recursos para MDE, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. Portanto, a partir deste ano, a DRU deixará de afetar as vinculações para MDE e, portanto, não mais implicará aumento dos recursos de livre alocação decorrente da desvinculação de impostos.

Por fim, as leis de diretrizes orçamentárias têm ressalvado da desvinculação as contribuições sociais do trabalhador e do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos, em observância ao disposto no inciso XI do art. 167 da Constituição Federal.

GASTOS SOCIAIS

A principal controvérsia suscitada pela desvinculação de recursos refere-se a seu possível efeito de reduzir os gastos sociais. Desde a aprovação do FSE, em 1994, essa polêmica é renovada a cada proposta de prorrogação do mecanismo. De um lado, a oposição em geral critica a desvinculação[7], pois defende o aumento dos gastos ditos sociais[8]. De outro, o governo federal, pelos motivos já apontados, defende a desvinculação.

Esse último busca negar o impacto negativo da DRU sobre os gastos da área social. Argumenta que não há redução de recursos destinados à previdência social, porque o gasto com aposentadorias e pensões é incompressível. Para responder a suspeitas de que a DRU desvia recursos de suas finalidades sociais, demonstra que, desde 1996 até 2010, as despesas nas áreas de saúde e educação vêm crescendo. Por fim, afirma que a DRU não implica elevação no montante de receitas disponíveis para o governo federal em detrimento dos estados e municípios.

De fato, as despesas com determinadas funções sociais do governo não deixaram de ser atendidas em decorrência da existência DRU, em especial, as despesas obrigatórias da seguridade social.

No entanto, a DRU evita que a disponibilidade de recursos vinculada ao orçamento da seguridade, em valores superiores àqueles necessários para cobrir os gastos determinados pelo reajuste do salário mínimo ou pelo crescimento do PIB, venha a gerar pressão política para expansão ainda mais acelerada dos gastos da seguridade. Com isso, a DRU impede a aceleração dos gastos e gera excedentes para a redução do déficit público e a amortização da dívida.

Impacto da DRU sobre o orçamento da seguridade social

Do ponto de vista do orçamento da seguridade social, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais acaba voltando para esse orçamento. Portanto, com o crescimento das despesas da seguridade, atualmente o Tesouro Nacional realiza aportes significativos, de forma que não se pode afirmar que a DRU implique perdas significativas para a seguridade social.

TABELA 1
SEGURIDADE SOCIAL – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
INSS 206.843
Cofins 107.974
Recursos Livres (Fonte 100) 37.626
CSLL 33.967
PIS-Pasep 17.179
CPSS – Patronal 12.681
Royalties do Petróleo 11.614
Recursos Próprios Financeiros 9.776
Outras 37.417
Total 475.075
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Dos R$ 46,6 bilhões desvinculados das contribuições sociais (vide Tabela 1), em sua quase totalidade receitas do orçamento da seguridade social, R$ 37,6 bilhões retornam como recursos de livre alocação (Fonte 100) para pagamento de despesas desse orçamento. Ou seja, a área da seguridade social cede recursos líquidos de cerca de R$ 8,9 bilhões, que poderiam expandir suas despesas.

TABELA 2
SEGURIDADE SOCIAL – DESVINCULAÇÕES E APORTES
R$ milhões
2006 2007 2008 2009 2010
1 Desvinculação de Contribuições Sociais¹ 34.175 38.908 39.570 39.176 46.557
2 Aporte de Recursos Livres (Fonte 100)² 14.532 20.395 31.208 37.132 37.626
3 Líquido (1-2) 19.643 18.513 8.362 2.045 8.931
4 Percentual (2/1) 43% 52% 79% 95% 81%
Fonte: Balanço Geral da União e SIAFI/Prodasen.
1: Não inclui multas, juros e dívida ativa.
2: Despesa liquidada.

Vemos na Tabela 2 que o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional ao orçamento da seguridade social tem aumentado nos últimos anos. Esses aportes passaram de R$ 14,5 bilhões, em 2006, para R$ 37,6 bilhões, em 2010, correspondentes a 43% e 81% da desvinculação de contribuições sociais. Isso mostra que os recursos desvinculados pela DRU, atualmente, retornam em sua maior parte para o orçamento da seguridade social. Esse fato é explicado pela expansão das despesas com benefícios previdenciários e assistenciais (especialmente devido a aumentos reais do salário mínimo), e pelo aumento dos gastos na área de saúde (vinculados ao crescimento do PIB).

Em 2009, especificamente, o menor crescimento do PIB e das receitas tributárias levou a que o Tesouro Nacional realizasse aporte de recursos ordinários quase equivalente à desvinculação de contribuições sociais.

Impacto da DRU sobre as despesas com educação

Cabe esclarecer que não existe maneira inquestionável de aferir até que ponto a desvinculação impõe diminuição de recursos a órgão, fundo ou despesa. Isso só seria possível se apenas uma fonte de recursos financiasse cada ação de governo ou órgão. Se, ao contrário, retiram-se recursos de fontes vinculadas, mas se aportam montantes de outras fontes, como dizer se essas outras fontes estariam presentes caso não tivesse havido a desvinculação?

Para efeito do cálculo dos recursos para MDE, por força da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. A tabela abaixo mostra o efeito da DRU sobre os recursos destinados à MDE:

TABELA 3
REDUÇÃO DE RECURSOS VINCULADOS A MDE – 2008 a 2011
R$ milhões
2008 2009 2010 2011¹
Percentual de Desvinculação (A) 20,0% 12,5% 5,0% 0,0%
Receita de Impostos (B) 256.147 244.071 280.141 347.713
Desvinculação (C) = (B)*(A) 51.229 30.509 14.007 0
Redução de Recursos de MDE (D)=18%*(C) 9.221 5.492 2.521 0
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
1: Lei Orçamentária para 2011

Vê-se que a redução de recursos destinados à MDE decresce de R$ 9,2 bilhões, em 2008, quando o percentual de desvinculação era de 20%, e passa a ser nulo a partir de 2011. Cabe considerar que a PEC nº 61, de 2011, que propõe nova prorrogação da DRU, mantém explicitamente o fim da desvinculação desses recursos, em consonância com a EC nº 59, de 2009.

No entanto, a área de educação como um todo é custeada por diversas fontes de recursos. Assim, um aumento dos recursos vinculados para MDE poderia ser simplesmente compensado pela diminuição de recursos livres e outros. Portanto, a conclusão de que a área de educação perde com a desvinculação (ou ganha com o fim desta), embora aparentemente evidente, não é necessariamente correta.

TABELA 4
FUNÇÃO EDUCAÇÃO – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
Recursos Vinculados a MDE 26.911
Recursos Livres (Fonte 100) 10.791
Salário-Educação 4.725
Outras 6.018
Total 48.446
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Em 2010, por exemplo, foram alocados recursos do Tesouro Nacional de R$ 10,8 bilhões na área de educação, face à redução de recursos destinados à MDE de apenas R$ 2,5 bilhões.

Impacto da DRU sobre o FAT

No caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ao contrário dos recursos da MDE, há efetivamente uma perda de recursos com a DRU. Isso ocorre porque o FAT é custeado, quase integralmente, por recursos próprios:

TABELA 5
FAT – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
PIS/Pasep 28.765
Recursos Próprios Financeiros 11.088
Recursos Livres (Fonte 100) 1.133
Outras 212
Total 41.198
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

As fontes de recursos do FAT são a arrecadação do PIS/Pasep e recursos financeiros próprios, constituídos pelo retorno dos financiamentos do BNDES. Esses recursos só podem ser aplicados no FAT. Ademais, o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional é pouco significativo, no valor de R$ 1,1 bilhão, bem inferior ao valor desvinculado da arrecadação do PIS/PASEP de R$ 8,0 bilhões.

Assim, a DRU efetivamente retira recursos que poderiam ser aplicados em ações do FAT ou em financiamentos do BNDES. Também cabe notar que parte das receitas do PIS/Pasep alimenta saldo positivo na conta única do Tesouro Nacional, não sendo efetivamente despendida.

CONCLUSÕES

São válidas as seguintes conclusões: (1) atualmente, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais retorna ao orçamento da seguridade social, de forma que a redução de seus recursos é hoje muito menos relevante que no passado; (2) não se pode afirmar que a área de educação tenha perdas de recursos e, a partir de 2011, não haverá mais desvinculação de recursos de MDE; (3) o FAT abre mão de recursos para gastos com o seguro-desemprego e outras ações a seu encargo e de seu patrimônio aplicado no BNDES.

A possibilidade de troca de fontes de recursos enfraquece o argumento de que a DRU reduz os gastos sociais: o que se retira por meio da DRU pode voltar para aquela área por meio de alocação de recursos orçamentários livres.

Ademais, cabe observar que os gastos da seguridade social não são determinados pela disponibilidade de recursos vinculados e, sim, pelas decisões de criação ou aumento de despesas públicas. Na área de educação, a criação de cargos e o aumento de sua remuneração determinam parte substancial da despesa. Em relação ao FAT, suas despesas dependem do valor do salário mínimo e das regras de concessão do seguro-desemprego.

Por outro lado, se não houvesse a DRU, a diferença entre a arrecadação total de contribuições sociais e a despesa total da seguridade geraria a impressão de que estaria “sobrando” dinheiro na seguridade, o que estimularia o aumento de gastos na área.

Esse raciocínio, contudo, não é correto. Como visto acima, o Governo Federal elevou fortemente a tributação por meio de contribuições sociais para gerar recursos não só para a seguridade, mas também para o financiamento do orçamento fiscal. O foco no aumento de contribuições, em vez de impostos, foi para evitar partilhar as receitas com estados e municípios.

Se a DRU for simplesmente extinta, e toda a receita de contribuições tiver que ser alocada no orçamento da seguridade, os R$ 9 bilhões que atualmente são transferidos liquidamente do orçamento da seguridade para o orçamento fiscal (vide Tabela 1) se converterão em gastos públicos, aumentando o déficit público e exigindo a elevação de impostos para o custeio das despesas do orçamento fiscal.

O mesmo ocorrerá com os R$ 7 bilhões líquidos que a DRU retira do FAT.

A extinção da DRU também retira do Governo a possibilidade de promover novas elevações de tributação via contribuições sociais nos momentos em que desejar reforçar o caixa da União.

Podemos concluir que a DRU ainda é necessária, embora talvez menos que no passado, devido à progressiva redução de sua base de cálculo.

As sucessivas prorrogações da DRU mostram a necessidade desse mecanismo, ainda que como alternativa a uma ampla reforma nas finanças públicas brasileiras. A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da sociedade, especialmente nas áreas de saúde, assistência e previdência social. Muitas dessas demandas assumiram a forma de vinculações de receitas a órgão, fundo ou despesa. A DRU surge como uma forma de reduzir essas vinculações, dada a dificuldade política de realizar uma reforma fiscal abrangente. Em visão mais ampla, a desvinculação representa um mecanismo para compatibilizar o arcabouço da Constituição de 1988 com a bem-sucedida estabilização econômica de 1994.

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Para ler mais sobre o tema:

Dias, F.A.C.(2011) Desvinculações de receitas da União, ainda necessárias? Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 103. Disponivel em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Vide art. 195 da Constituição.

[2] A respeito da arrecadação e despesas da Infraero ver, neste site, o texto As receitas da Infraero são suficientes para garantir aeroportos de boa qualidade?

[3] Para uma análise do impacto do salário mínimo sobre as despesas da previdência, ver neste site o texto O aumento do salário mínimo e dos benefícios a ele vinculados favorece ou dificulta a eliminação da miséria no Brasil?

[4] Conforme o § 1º do art. 76 do ADCT.

[5] Com essa alteração, também há perdas referentes a vinculações de menor importância, como a Cota-Parte Adicional do Frete para Renovação da Marinha Mercante e outras.

[6] Equivalente a 23,2% da receita integral.

[7] Não toda a oposição ou somente ela. Há membros da bancada da saúde e da educação tanto na oposição quanto na situação.

[8] Deve-se observar que nem sempre os gastos nas áreas de educação e previdência social favorecem as camadas mais pobres da população, o que torna o termo “gasto social” um tanto impreciso.

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