Divida estadual e municipal – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 28 May 2012 13:08:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 Como renegociar a dívida estadual e municipal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1225&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-renegociar-a-divida-estadual-e-municipal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1225#comments Mon, 28 May 2012 12:29:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1225 Este site já descreveu o problema da dívida dos estados e municípios com a União no texto Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos?. Também já apresentou, no texto Por que renegociar a dívida estadual e municipal?,  motivos pelos quais, na opinião do autor, essa dívida deve ser renegociada pela União.

O presente texto volta ao tema para avaliar outra questão: dado que se constatou, no texto acima citado, ser necessário renegociar a dívida, como fazer essa renegociação de forma a que seja reduzido o ônus excessivo hoje imposto aos estados e municípios, sem que daí decorra desequilíbrio fiscal e macroeconômico?

Os principais motivos apontados para a renegociação da dívida são:

  • Os juros nominais cobrados pela União aos estados e municípios (IGP-DI mais uma taxa de juros variando entre 6% e 9% ao ano) estão muito altos em comparação ao custo de financiamento da própria União, que é dado pela taxa Selic. Esses juros eram menores que a Selic à época da assinatura dos contratos, mas, com a redução da Selic, a dívida dos estados e municípios ficou cara em relação ao custo de financiamento da União. Não faz sentido o Governo Federal obter ganhos financeiros sobre os estados e municípios. Não é esse o espírito que preside a renegociação das dívidas;
  • Há pelo menos quatro estados (AL, MG, RS e SP) e um município (São Paulo) cuja trajetória do saldo devedor indica a impossibilidade de quitação do débito dentro do prazo contratual previsto (o que indica a insustentabilidade da dívida desses entes). A renegociação seria, pois, uma medida preventiva, para evitar uma crise fiscal.

Frente a essa situação, diversas propostas de renegociação têm sido apresentadas, seja mediante projetos de lei, seja via artigos na imprensa ou propostas dos poderes executivos de estados e municípios. Obviamente, as propostas são moldadas pelos interesses específicos de quem as formula, e não necessariamente destinadas a resolver os dois problemas básicos acima descritos.

O principal interesse dos governadores e prefeitos é o de liberar recursos hoje gastos com o pagamento da dívida para aumentar suas despesas, de modo a maximizar suas chances de reeleição. Buscam, por isso, um tipo de renegociação que tenha como resultado a redução do valor mensal das prestações pagas à União, independentemente do que ocorra com o saldo devedor. Para esses agentes, é secundário que o tamanho da dívida diminua, ou que esta se torne sustentável ao longo do tempo. O fundamental é, desde já, pagar prestações menores.

Trata-se, portanto, de um objetivo de curto prazo, que deixa em segundo plano a preocupação com a sustentabilidade da dívida (um dos dois principais problemas, como descrito acima). Afinal, quando o problema estourar, o mandato estará na mão de um sucessor.

O Governo Federal, por sua vez, tem como principal preocupação o cumprimento das metas anuais de superávit primário. Os estados e municípios dão importante contribuição a esse superávit ao fazerem economia para pagar suas dívidas junto à União. Se a renegociação da dívida redundar em redução dos pagamentos mensais a que estão obrigados os estados e municípios, provavelmente estes aumentarão seus gastos, levando a uma redução do resultado primário. Tal resultado não é de interesse da União, pois, nesse caso, o Governo Federal teria que fazer esforço adicional, aumentando o seu próprio superávit primário, para que a renegociação das dívidas não representasse impacto expansionista de política fiscal.

A primeira coluna da Tabela 1 mostra o superávit primário do setor público consolidado, por segmentos de governo, no ano de 2011, em percentagem do PIB. A segunda coluna apresenta uma simulação, considerando que, após a renegociação das dívidas, os estados e municípios zerassem seus resultados primários, e que o Governo Federal elevasse o seu superávit para compensar tal redução. O que se observa é que seria necessário um acréscimo de 35% no superávit primário do Governo Federal para existir tal compensação.

Tabela 1 – Simulação do aumento necessário no superávit primário do Governo Federal para compensar a redução promovida por estados e municípios após a renegociação da dívida

Fonte: Banco Central e simulações do autor

Certamente seria um valor considerável, que imporia forte constrangimento aos gastos públicos federais, em especial aos investimentos, que são a categoria de gasto que usualmente é comprimida quando se faz necessário um corte de gastos públicos. Outra alternativa seria a elevação da já significativa carga tributária.

No caso de o Governo Federal cortar despesas, teríamos uma substituição de despesas federais por despesas estaduais e municipais. Os ganhos ou perdas para a população dependeriam da qualidade dos gastos cortados pela União em comparação com os gastos realizados pelos estados e municípios. No caso de aumento de tributos federais, haveria um repasse direto aos contribuintes dos custos do alívio da dívida concedido aos estados e municípios.

Há que se considerar um aspecto importante nessa possibilidade de redução do pagamento de prestações mensais pelos estados e municípios. Como se mostrará adiante, nada menos que 81% da dívida são de responsabilidade de apenas quatro estados (SP, RJ, MG, RS) e um município (São Paulo). Logo, um alívio da dívida representará transferência de renda de todo o país para os governos desses entes federados, que são justamente os de maior renda. Não se trata, portanto, de um efeito neutro, em que a União terá que reduzir suas despesas (ou aumentar seus tributos) para financiar um aumento de gastos de todos os estados e municípios. Trata-se de um subsídio que será direcionado a esses quatro estados e ao Município de São Paulo.

Tendo apresentado os principais interesses envolvidos na negociação, passemos a analisar os pontos que comumente compõem as propostas de renegociação que têm sido apresentadas:

1) substituição do indexador atual (IGP-DI) pelo IPCA ou supressão da indexação da dívida, que passaria a ser remunerada apenas por uma taxa de juros fixa (na faixa de 3% ao ano) ou por uma taxa variável (em geral, a Selic);

2) aplicação dos novos critérios (novo indexador e nova taxa de juros) de forma retroativa ao início do contrato;

3) ampliação do prazo de pagamento da dívida;

4) redução do limite máximo de comprometimento da receita estadual com o pagamento da dívida;

5) redirecionamento, pela União, dos recursos recebidos pelo pagamento da dívida para gastos específicos nos estados e municípios, tais como investimentos em infraestrutura ou educação.

A opção (5) tem a vantagem de não reduzir as prestações mensais pagas por estados e municípios. Por outro lado, cria obrigações adicionais de gasto para a União. Ademais, cada estado e cada município têm prioridades específicas de gastos. Criar um modelo único de gasto compensatório a ser aplicado a todos eles (seja em investimentos, seja em educação ou em outra área) pode não ser eficiente. Além disso, se os gastos federais em cada unidade federada forem proporcionais ao montante pago de amortização da dívida, mantém-se o problema de os estados maiores e mais ricos serem os principais beneficiários do acordo.

As opções (1) a (4), aplicadas isoladamente ou em conjunto, podem gerar a redução da prestação mensal a ser paga por estados e municípios, o que é o objeto de desejo dos governadores e prefeitos, em especial daqueles dos entes mais endividados.

É importante salientar que as opções (2) e (4) não deveriam prosperar.

A opção (4) consiste em reduzir o limite máximo de pagamento mensal pelo estado ou município. Se isso for feito sem a redução dos juros e correção monetária, haverá um agravamento da insustentabilidade da dívida.  Como já explicado nos textos citados no primeiro parágrafo, os contratos de renegociação possuem uma cláusula que limita o pagamento mensal das prestações. Digamos, a título de exemplo, que o valor a pagar de uma prestação seja de R$ 12, mas que o estado ou município tenha o direito estabelecido em contrato de pagar um valor que não supere 13% de sua receita, e que tal percentual equivalha a R$ 10. Os R$ 2 restantes serão incorporados ao saldo devedor, e o estado ou município passará a pagar juros sobre esse montante. Esse é um dos motivos pelos quais a dívida de alguns entes tem entrado em trajetória de crescimento insustentável: paga-se mensalmente um percentual muito pequeno do valor da prestação integral.

Isso quer dizer que medidas no sentido de reduzir ainda mais o limite máximo de pagamento da prestação irão apenas agravar o problema da insustentabilidade da dívida. Governadores e prefeitos podem até achar bom que, no curto prazo, suas despesas mensais com o pagamento da dívida sejam reduzidos. Mas o que ocorrerá será um aumento mais acelerado do saldo devedor, que agravará as perspectivas de default futuro da dívida, principalmente daqueles entes que já se encontram em situação difícil.

A opção (2) consiste em aplicar os novos critérios de juros e correção monetária de forma retroativa, desde o início do contrato. Tal alternativa possui dois graves problemas.

Ela não faz sentido do ponto de vista econômico porque, no passado, as dívidas pagaram juros compatíveis com a taxa de juros de equilíbrio da economia e o custo de financiamento da União. Se ora se fala em renegociação da dívida, é porque a taxa de juros média caiu. Mas no passado ela era mais alta. Não faz sentido usar a taxa de juros mais baixa do presente para alterar o custo da dívida no passado, quando a taxa vigente era outra. No momento da assinatura do contrato, ao final da década de noventa, a taxa Selic superava os 20%, de modo que era ótimo negócio para os devedores indexar sua dívida ao IGP-DI mais juros fixos de 6% a 9% ao ano.

Do ponto de vista jurídico, alterar contratos de elevada monta de forma retroativa pode ser a abertura de uma perigosa porta para que o Estado passe a, unilateralmente, rever processos de privatização, de concessões ao setor privado, etc.; como já vem ocorrendo perigosamente em países vizinhos.

Ademais, o impacto financeiro dessa renegociação retroativa será muito grande, justamente porque o custo de financiamento da dívida foi muito alto nos primeiros anos. Em alguns casos, pode transformar os estados e municípios em credores da União.

Uma simulação mostra o impacto de tal opção. Infelizmente não dispomos de dados exatos acerca do saldo devedor de cada estado e cada município, uma vez que a Secretaria do Tesouro Nacional impõe restrições à divulgação dessa informação. Não obstante, é possível fazer uma estimativa aproximada desse saldo, tendo em vista que, em média, a dívida junto à União representa, em média, 85% do total da dívida dos estados. Assim, se trabalharmos com a hipótese de que toda a dívida dos estados e municípios (para a qual dispomos de dados) é devida à União, teremos um dado aproximado (um pouco superestimado) para trabalhar.

A Tabela 2 mostra, na coluna (A), a Dívida Consolidada Líquida dos estados e do Município de São Paulo. Percebe-se, como já afirmado acima, que se a União fizer uma renegociação, os grandes beneficiários em termos absolutos (por terem dívidas mais elevadas) serão: o Estado de São Paulo, de Minas Gerais, o Município de São Paulo, o Estado do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Esses cinco entes federados respondem por nada menos que 81% da dívida total.

Em termos relativos (o peso da prestação da dívida sobre a receita estadual é mostrado na coluna (G)), percebe-se que os mesmos entes acima citados mantêm-se entre os maiores beneficiários, a eles agregando-se os estados de Alagoas, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Tabela 2 – Dívida Consolidada Líquida e projeções acerca da amortização das dívidas estaduais e municipais renegociadas com a União

Fontes: Portaria nº 238/2012 da STN (para a RLR), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/index.asp (para a DCL dos estados), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/sistn.asp (para a DCL do Município de São Paulo). Rech, Celmar (2006) A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestado. Universidade de Brasília (para as condições contratuais).

Suponha um contrato fictício que tivesse um saldo devedor inicial de R$ 1.000, adotando-se duas possibilidades de recálculo da dívida:

  • substituição do IGP-DI pelo IPCA, mantendo-se a taxa de juros em 6% ao ano[1];
  • substituição do IGP-DI pelo IPCA e redução dos juros de 6% ao ano para 3% ao ano.

No período considerado (janeiro de 1996 a dezembro de 2011), o IGP-DI acumulou alta de 271%, enquanto a alta do IPCA foi bastante inferior: 170%. Logo, a substituição de indexador tende a reduzir substancialmente o saldo devedor da dívida.

O recálculo da dívida desde o início do contrato pressupõe que tudo o que foi pago a maior (seja porque o IGP-DI variou acima do IPCA, seja porque os juros fixos caíram de 6% para 3%) seja contabilizado com amortização antecipada da dívida.

Para lidar com a existência de limites máximos ao pagamento de prestações, conforme explicado acima, trabalhou-se nas simulações abaixo com dois cenários básicos. No primeiro, o estado/município hipotético paga integralmente a prestação devida. No segundo cenário, em função do limite imposto à prestação pela RLR, o ente paga apenas 80% da prestação devida, acumulando o restante no saldo devedor.

O resultado das simulações é mostrado na Tabela 3. Uma dívida de valor R$ 1.000 em janeiro de 1996, que pagasse juros de 6% ao ano, amortizada integralmente em prestações mensais e corrigida pelo IGP-DI, chegaria a dezembro de 2011 com um saldo devedor de R$ 1.733. No caso de o ente devedor pagar apenas 80% das prestações mensais, acumulando a diferença no saldo devedor, o saldo da dívida chegaria ao final de 2011 com valor de R$ 2.435.

Tabela 3 – Simulações de substituição do indexador e da taxa de juros das dívidas estaduais e municipais

Fonte: simulações feitas pelo autor.

No cenário de pagamento integral das prestações, se mudarmos o indexador da dívida do IGP-DI para o IPCA, e considerarmos como amortização extraordinária tudo o que, ao longo dos anos, foi pago acima do que deveria ser pago de acordo com os novos parâmetros do contrato[2], a dívida nominal em dezembro de 2011 seria de apenas R$ 233. Ou seja, seria concedido um abatimento no saldo devedor da dívida dos estados e municípios de nada menos que 87%.

Se além de mudarmos o indexador, reduzirmos a taxa de juros para 3% ao ano, o acúmulo de créditos dos estados e municípios ao longo dos anos será tão elevado que eles passarão a ter crédito junto à União, e não mais uma dívida. Haveria um desconto de 146% no valor da dívida.

Passando ao cenário em que o ente teria pago apenas 80% do valor das prestações ao longo da vida do contrato, a mudança do indexador da dívida, mantendo-se os juros em 6% ao ano, resultaria em um desconto de 68% no saldo devedor. Já na hipótese de mudança do indexador e redução dos juros, os estados e municípios passariam a ter crédito, equivalendo a um desconto de 118% do saldo devedor.

Em qualquer dos dois cenários (pagamento integral das prestações ou pagamento de 80% das prestações), os descontos acima estimados são muito grandes. A causa desses descontos é, como acima explicado, o fato de que nos primeiros anos de contrato a taxa de juros de equilíbrio da economia e de financiamento do Tesouro era

muito superior àquela que agora se pratica. Retroagir as condições de hoje para o cenário adverso do passado resulta neste enorme subsídio pago por todo o País aos estados e ao município mais endividados.

Dificilmente será aceitável para o Tesouro Nacional recalcular a dívida desde o início do contrato. Há que se lembrar, ainda, que no momento da assinatura dos contratos, os estados e municípios já ganharam substancial desconto no saldo devedor da dívida, em geral superior a 10% do valor da dívida.

A Tabela 4 faz uma simulação da dívida líquida do Tesouro Nacional caso seja implantada uma das opções de recálculo da dívida.

Tabela 4 – Simulação da dívida líquida do Tesouro Nacional após recálculo da dívida (R$ bilhões)

Fonte: STN e simulações do autor

A primeira coluna mostra a situação da dívida do Tesouro em dezembro de 2011. A dívida interna somava R$ 2,51 trilhões. Deduzindo-se os créditos junto a estados e municípios (R$ 486 bilhões) e outros haveres (R$ 1, 17 trilhão), chega-se a uma dívida interna líquida de R$ 853 bilhões. Somando-se a esse montante a dívida externa líquida, chega-se a uma dívida líquida total (interna e externa) da ordem de R$ 937 milhões, equivalente a 22,6% do PIB. Concedendo-se os descontos na dívida estadual e municipal acima estimados, a dívida líquida do Tesouro pode quase dobrar, chegando a 40% do PIB. O impacto financeiro, a ser pago pelo contribuinte é, certamente, muito alto e tem o potencial de desequilibrar a política fiscal e a estabilidade da economia.

Em conclusão, a renegociação da dívida dos estados e municípios deve se pautar pela busca de solução dos dois principais problemas que esta dívida representa para o País: (a)  com a recente queda da taxa Selic, a dívida se tornou cara; (b) há sinais de insustentabilidade da dívida de alguns estados.

Não se deve renegociar a dívida com vistas a proporcionar ganhos de curto prazo a alguns governadores e prefeitos, às custas dos contribuintes e da estabilidade fiscal e econômica do País.

Pelo exposto, a melhor solução parece ser a substituição do indexador da dívida (possivelmente de IGP-DI para Selic) e/ou a redução das taxas de juros fixas. Pode-se pensar, também, em fixar como remuneração máxima a taxa Selic.

Tais mudanças, contudo, devem vigorar a partir da data da renegociação, evitando-se o efeito retroativo. Igualmente contraindicada seria a redução do comprometimento máximo mensal da receita, que pode agravar a insustentabilidade da dívida de alguns entes.

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Para ler mais sobre o tema:

DIAS, Fernando Álvares Correia. O refinanciamento dos governos subnacionais e o ajuste fiscal 1999-2003. Texto para Discussão nº 17 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, Dezembro de 2004. Disponível em (http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD17-FernandoAlvaresDias.pdf)

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, março de 2002. Disponível em  (http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

PELLEGRINI, Josué Alfredo. Dívida estadual Texto para Discussão nº 110 do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal,  março de 2012. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD110-JosuePellegrini.pdf

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados.  In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

RECH, Celmar. A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestrado em Economia do Setor Público. Universidade de Brasília, 2006.


[1] Note-se que temos aqui uma simplificação, pois há contratos como o da Prefeitura de São Paulo e do Estado de Minas Gerais que pagam juros acima de 6% ao ano, como pode ser visto na coluna B da Tabela 1, acima.
[2] E considerarmos como amortização negativa tudo o que foi pago a menor.

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Por que renegociar a dívida estadual e municipal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1207&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-renegociar-a-divida-estadual-e-municipal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1207#comments Mon, 21 May 2012 01:06:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1207 Este site já descreveu o problema da dívida dos estados com a União no texto Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos?. O presente texto volta ao tema buscando responder uma questão específica: por que se deve renegociar a dívida dos estados e municípios com a União?

A dívida dos estados e municípios com a União estava, ao final de abril de 2012, em R$ 438 bilhões, o que equivalia a 10,6% do PIB. Trata-se de um montante elevado, e cujas condições de pagamento ou risco de inadimplência têm forte impacto sobre a economia.

Essa dívida é o resultado de um bem sucedido acordo político realizado ao final dos anos 90, e vem sendo um dos sustentáculos da estabilidade econômica do País. Àquela época, a maioria dos estados e os municípios de maior porte estavam em péssima situação financeira, com dívidas elevadas, sobre as quais incidiam altas taxas de juros, e que precisavam ser refinanciadas quase diariamente. O Governo Federal ofereceu-se para assumir essa dívida. Vale dizer, o Governo Federal passaria a pagar a dívida aos credores originais (bancos nacionais e estrangeiros, empresas estatais, entre outros). E os estados e municípios passariam a dever ao Governo Federal.

Para os governos estaduais e municipais foi um acordo vantajoso. A dívida, que era de curto prazo, passou a ser paga em trinta anos. Foi concedido um desconto no valor total da dívida (variável para cada estado, em geral um pouco acima de 10%). A taxa de juros e a correção monetária estabelecidas eram, à época, mais baixos que as taxas de mercado, de modo que o custo da dívida caiu. Além disso, fixou-se que os estados e municípios pagariam, no máximo, um percentual fixo de suas receitas a título de prestação (em geral fixado em 13% das respectivas receitas). Assim, por exemplo, se o valor da prestação a pagar fosse de R$ 12, mas o limite máximo de 13% da receita fosse igual a R$ 8, o estado pagaria apenas os R$ 8, e os R$ 4 restantes seriam agregados ao saldo devedor da dívida. Isso impedia que as receitas estaduais fossem excessivamente consumidas pela dívida. Em contrapartida, surgia o risco de, ao final do contrato, ainda haver um saldo devedor a pagar. Por isso, criou-se um prazo adicional de 10 anos para a quitação desse resíduo.

Para o Governo Federal também foi um bom acordo. Isso porque os estados que aderissem ficavam obrigados a cumprir um programa de ajuste fiscal, controlando seus déficits e ajudando o governo federal no esforço de geração de superávit primário, instrumento central para manter a dívida pública agregada (federal e estadual) sob controle e, também, para controlar a inflação.

Se o acordo foi bom para todos, por que os estados e municípios têm reclamado tanto, demandando uma revisão do acordo? Será, de fato, necessário renegociar os termos dessa dívida?

A resposta a essa última pergunta parece ser positiva, por dois motivos: (1) as taxas de juros de mercado caíram e isso não se refletiu nos contratos da dívida estadual e municipal; (2) há alguns estados e um município cuja dívida está em trajetória explosiva, com baixíssima possibilidade de ser efetivamente paga nos termos atuais. Vejamos cada um desses pontos.

Os juros da dívida

As taxas de juros da economia caíram bastante desde o momento em que foram assinados os contratos entre a União e os estados e municípios (entre 1996 e 2001). À época, a taxa Selic, que constitui o custo de financiamento do Governo Federal, era muito superior à correção monetária mais os juros fixados no contrato dos estados e municípios. Tais contratos têm como correção monetária o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais uma taxa fixa de juros, que varia entre 6% e 9% ao ano.  Ou seja, o Governo Federal tomava recursos no mercado pagando uma taxa Selic, que era maior do que IGP-DI + 6% a.a., usava os recursos para quitar os débitos dos estados e municípios com os credores originais, e só cobrava dos estados e municípios IGP-DI+6% a.a.. Logo, o Governo Federal estava subsidiando os estados e municípios.

Porém, ao longo dos anos a melhoria da situação macroeconômica permitiu significativa queda da taxa Selic, que caiu de um máximo de 46% a.a., em outubro de 1997, para 9% a.a., em maio de 2012. E os contratos das dívidas estaduais e municipais permaneceram com a mesma taxa de juros. Ou seja, o subsídio de juros foi diminuindo ao longo dos anos e, mais recentemente, o Governo Federal está cobrando dos estados e municípios uma taxa de juros que supera a taxa Selic.

O Gráfico 1 mostra a diferença das taxas acumuladas, tomando 1995 como ano base. Temos que se o contrato de refinanciamento das dívidas estaduais e municipais tivesse previsto a Selic como taxa de juros, e não o IGP-DI + 6% ao ano (maioria dos contratos), ou IGP-DI + 7,5% ao ano (contrato de MG, AL e PA), a dívida teria crescido com maior intensidade. Somente o  pior dos contratos (IGP-DI + 9% ao ano – aplicável somente para a Prefeitura de São Paulo) teve variação acumulada superior à Selic. Ou seja, ao longo dos 15 anos de contrato já cumpridos, os estados e municípios (exceto a Prefeitura de São Paulo) receberam relevante subsídio, se comparada a taxa paga com o custo de financiamento da União.

Gráfico 1 – Variação acumulada da Selic vs. IGP-DI mais juros: 1996-2011


Fonte: Banco Central do Brasil, dados elaborados pelo autor

Todavia, com a expressiva queda da Selic nos últimos anos, em períodos recentes a Selic representou custo mais elevado que o IGP-DI mais taxa fixa de juros.

O Gráfico 2 apresenta a diferença entre o IGP-DI mais juros fixos (nas três opções: 6%, 7,5% e 9% ao ano) e a Taxa Selic para diferentes períodos de tempo, desde o período 2004-2011 até o período 2010-2011. Valores positivos indicam que os custos do refinanciamento da dívida superaram a Selic. O que se percebe é que, com raras exceções, no período mais recente, o custo da dívida por IGP-DI mais taxa de juros fixa superou o custo representado pela Taxa Selic.

Gráfico 2 – Diferença acumulada entre o IGP-DI mais taxa de juros fixa e a  Selic para diversos períodos de tempo(% ao ano)


Fonte: Banco Central do Brasil, dados elaborados pelo autor.

Portanto, a primeira questão relevante que se estabelece é que as condições macroeconômicas vigentes à época da assinatura dos contratos mudaram para melhor, o que permitiu a queda da taxa de juros de equilíbrio da economia brasileira. Essa melhoria não se refletiu nos contratos de dívida dos Estados. Para que isso aconteça, é necessário que se reveja tanto o indexador da dívida (IGP-DI) quanto a taxa de juro fixa dos contratos.

Outro problema, não diretamente tratado neste artigo, refere-se ao indexador utilizado para corrigir as dívidas. O IGP-DI é um índice geral, fortemente influenciado pelos preços no atacado, que, por sua vez, são fortemente sensíveis à variação do dólar. O ideal seria escolher um índice de inflação que melhor acompanhasse a evolução nominal das receitas estaduais. Um índice de preços ao consumidor, como o IPCA, pode servir melhor a esse propósito.

A sustentabilidade da dívida

Outra questão relevante é saber se todos os estados e municípios serão capazes de pagar a dívida até o final do contrato. Caso isso não seja verdadeiro, então há a sinalização de uma possível crise da dívida, que deve ser evitada com a devida antecedência, para que não sejam amplificados seus efeitos adversos sobre a economia.

Aqui entra um ponto importante. Como afirmando no início do texto, os contratos têm uma cláusula que impõe um limite máximo ao valor da prestação mensal, em geral em torno de 13% da receita do estado ou município, com o restante não pago sendo agregado ao saldo devedor. Em alguns casos, os valores integrais das prestações eram muito superiores ao limite máximo, o que resultou em forte acúmulo de saldo devedor, indicando a impossibilidade de pagamento da dívida dentro do prazo contratual.

A situação dos entes federados é hoje bastante heterogênea. Para mostrar uma fotografia dessa heterogeneidade, foi elaborado um exercício matemático simplificado.

Embora não sejam divulgados dados detalhados da dívida de cada estado, é possível fazer um exercício, considerando-se que o valor total da dívida de cada estado é todo ele devido ao Governo Federal. Frente à limitação dos dados, tomou-se como proxy para tal dívida os números relativos à Dívida Consolidada Líquida (DCL). Em termos agregados, a dívida renegociada equivale a 85% da DCL dos Estados. Assim, as estimativas apresentadas na coluna (A) da Tabela 1 usam um saldo devedor que, em média, é um pouco superior ao valor efetivamente devido à União. Os resultados devem ser tomados apenas como ilustrativos, tendo em vista a precariedade dos dados acima referida.

As colunas (B), (C) e (D) apresentam as condições contratuais negociadas por cada ente federado. A coluna (E) expõe a Receita Líquida Real (RLR) de cada ente no mês de abril de 2012. Esse é o valor usado como base para limitar a prestação mensal paga por cada ente.

A coluna (F) calcula qual seria a prestação mensal a ser paga por cada ente, caso se decidisse que, a partir de janeiro de 2012 a dívida seria paga em 15 anos (prazo que resta para o final do contrato, sem considerar a prorrogação de dez anos para pagamento do resíduo), sem qualquer limitação ao valor da prestação mensal. Ou seja: os entes pagariam integralmente a prestação calculada pelo sistema PRICE. A coluna (G) mostra qual a proporção de tal prestação em relação à RLR. Fica claro que o Município de São Paulo e que os estados de  RS, MG, SP e AL dificilmente conseguiriam pagar integralmente a dívida.

A coluna (H) leva em conta a possibilidade de a dívida ter um período adicional de 10 anos, além dos 30 anos do contrato regular. Ou seja, trata-se de um exercício para verificar se o uso do prazo adicional de 10 anos, previsto para o pagamento do resíduo da dívida, resolveria a situação dos estados mais assoberbados pela dívida. Nesse caso, SP e AL passam a ter prestações mais palatáveis em relação à RLR, mas a situação da Prefeitura de São Paulo, RS e MG continua difícil.

Tabela 1 – Dívida Consolidada Líquida e projeções acerca da amortização das dívidas estaduais e municipais renegociadas com a União


Fontes: Portaria nº 238/2012 da STN (para a RLR), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/index.asp (para a DCL dos estados), http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/sistn.asp (para a DCL do Município de São Paulo). Rech, Celmar (2006) A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestado. Universidade de Brasília (para as condições contratuais).

Ressalte-se que dos entes que estão em pior situação, três têm taxas de juros acima de 6% ao ano, com destaque para a Prefeitura de São Paulo, que paga a mais alta taxa de juros: 9% ao ano (lembrando que as diferenças de taxas de juros decorrem do maior ou menor pagamento de parcela da dívida a vista: aqueles Estados e Municípios que fizeram privatizações e usaram a receita dessas vendas para quitar dívida com a União obtiveram contratos com juros mais baixos).

Ou seja, pelo menos quatro Estados e um Município apresentam indicações de que não conseguirão honrar sua dívida. E as dívidas desses entes representam nada menos que 70% do total devido à União.

Portanto existe uma inadimplência que se desenha para o futuro. Resolver esse problema agora, renegociando os contratos, será menos traumático que esperar o problema estourar, como exemplifica o caso da dívida grega.

Este texto procurou mostrar porque é importante renegociar a dívida de estados e municípios com a União. Posteriormente analisaremos como devem ser renegociados os contratos e as armadilhas que devem ser evitadas em tal renegociação.

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Para ler mais sobre o tema:

DIAS, Fernando Álvares Correia. O refinanciamento dos governos subnacionais e o ajuste fiscal 1999-2003. Texto para Discussão nº 17 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal, Dezembro de 2004. Disponível em (http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD17-FernandoAlvaresDias.pdf)

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, março de 2002. Disponível em  (http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

PELLEGRINI, Josué Alfredo. Dívida estadual Texto para Discussão nº 110 do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal,  março de 2012. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD110-JosuePellegrini.pdf

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados.  In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

RECH, Celmar. A sustentabilidade dos débitos estaduais junto à União. Tese de Mestrado em Economia do Setor Público. Universidade de Brasília, 2006.

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1207 5
Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-evoluiu-a-divida-estadual-nos-ultimos-dez-anos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154#comments Sun, 01 Apr 2012 22:00:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1154 O tema da dívida estadual adquiriu grandes proporções na década de noventa, quando o passivo dos Estados subiu rapidamente. Após a renegociação com a União nos anos finais da referida década, a atenção dada ao tema arrefeceu, mas reascende recorrentemente, em geral em meio a discussões sobre a partilha de receitas entre os entes federados. Depois de mais de uma década desde que a renegociação foi concluída, é preciso avaliar como evoluiu a dívida estadual nesse período. Antes, porém, cabe um histórico para situar o tema.

A atual situação da dívida estadual retrata importantes acontecimentos verificados na década de noventa, quando o passivo estadual subiu acentuadamente. Segundo Rigolon e Giambiagi (1999, p. 117), a dívida líquida dos Estados e Municípios aumentou de 5,8% do PIB, em 1989, para 14,4% do PIB, em 1998. A participação desse passivo na dívida líquida do setor público passou de 15%, em 1989, para 39%, na média do período 1995 a 1998, a despeito de renegociações realizadas nesse período.

O rápido aumento da dívida estadual levou a União a renegociá-la, o que se deu com base na Lei nº 9.496, de 1997. Antes dela, já haviam ocorrido outras renegociações com a União, mas que não foram suficientes para conter o crescente endividamento.

A renegociação de 1997 resultou em contratos firmados entre este ano e 1999 pela União e cada um dos Estados, a exceção do Amapá e de Tocantins. Como o mercado era credor de parte significativa da dívida estadual, a renegociação envolveu a assunção pela União desse passivo, tornando-se, em contrapartida, credora dos Estados nos termos negociados.

De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999, p. 129), a renegociação envolveu 77,9% da dívida líquida dos Estados e Municípios ao final de 1998, cerca de 11,3% do PIB. Nesse montante não estão incluídos os valores negociados no âmbito do Proes, programa por meio do qual se processou a alienação ou liquidação dos bancos estaduais. As maiores dívidas renegociadas foram a dos Estados mais ricos da Federação, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mora (2002, p. 27) informa que esses Estados foram responsáveis por cerca de 90% da dívida renegociada.

Os termos da renegociação serão analisados adiante. Vale agora destacar que esses termos não se restringiram a um ajuste financeiro, mas também fiscal e patrimonial, na medida em que os contratos firmados entre a União e cada um dos Estados contemplaram também metas, garantias e incentivos para a geração de superávits primários (receitas não financeiras deduzidas de despesas não financeiras) e venda de ativos.

Esses superávits eram necessários para viabilizar a adimplência dos encargos (juros e amortização) da dívida renegociada, ao longo do período da vigência dos contratos. A União foi também autorizada a utilizar as transferências constitucionais no pagamento dos encargos da dívida em caso de inadimplência. Como resultado da renegociação, os déficits primários dos Estados, vigentes até 1998, foram revertidos e tenderam a superávits nos anos seguintes. Esse ajuste mostrou-se muito importante por conta da grave crise econômica então vivida pelo Brasil, e que só foi debelada com o ajuste fiscal do setor público, entre outras providências.

Feito esse histórico, cabe avaliar como evolui a dívida estadual no transcurso de vigência da renegociação firmada entre Estados e União. Utiliza-se aqui os dados da dívida líquida do setor público, aferida pelo Bacen, disponível desde dezembro de 2001[1]. Esse é o indicador normalmente utilizado quando se quer retratar a situação do endividamento público no Brasil.

A dívida líquida dos Estados ao final de 2011 era de R$ 434 bilhões, o que correspondia a 10,5% do PIB. Em dezembro de 2001, o saldo era de 18,1% do PIB. Portanto, em dez anos, houve queda de 42,2%, ou de 7,2 pontos percentuais do PIB. No mesmo período, a dívida líquida da União caiu 23,7%, o que reduziu a participação da dívida estadual no total da dívida líquida do setor público de 31,7% para 27,3%. Em que pese essa participação inferior a 1/3, os Estados foram responsáveis por 48,7% da queda da dívida líquida do setor público nos dez anos em questão.

Trata-se de evolução bastante distinta do descontrole verificado na década de noventa. Mesmo assim, são recorrentes as tensões entre Estados e União em torno do tema. Para entender essa situação é preciso analisar a composição da dívida bruta dos governos estaduais, sem considerar as estatais e os haveres. Do total de R$ 453,5 bilhões do saldo desse passivo em dezembro de 2011, os compromissos junto à União representavam R$ 407,8 bilhões ou 89,9%. São os passivos renegociados na década de noventa, especialmente a renegociação feita com base na Lei nº 9.496, de 1997, e que atualmente corresponde a 90,6% da dívida dos governos estaduais junto à União.

O passivo junto à União também caiu de forma expressiva de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, tal qual a dívida líquida dos Estados. Nesse período, aquele passivo passou de 16,2% do PIB para 9,8% do PIB, queda de 39,2% ou 6,4 pontos percentuais do PIB. Entretanto, é preciso qualificar essa queda.

Em primeiro lugar, a queda ocorreu, em boa medida, em virtude dos aumentos do PIB. Na média do período de 2002 a 2011, o produto aumentou 12,3%. Quando a dívida dos governos estaduais junto à União é medida em termos reais, utilizando-se como índice de preços o IGP-DI, a queda real durante os dez anos foi de apenas 11,11%.

Em segundo lugar, mesmo em relação ao PIB, a queda de 6,4 pontos percentuais não é tão expressiva quanto parece. Vale observar que se trata de passivo que está há anos sendo amortizado, sem que novos empréstimos sejam feitos. Se o ritmo da queda verificado até aqui se reproduzir nos próximos anos (0,64 ponto de PIB por ano), serão ainda necessários mais quinze anos aproximadamente para que a dívida dos governos estaduais junto à União seja quitada, partindo-se do saldo atual de 9,8% do PIB. Esse prazo se transforma em dezenove ou em treze anos se o ritmo de queda reproduzir o período 2002-2006 ou o período 2007-2011, respectivamente.

Em quaisquer desses cenários está implícita a continuidade do esforço fiscal dos Estados. Em 2011, o superávit primário dos governos estaduais foi de 0,72% do PIB, mesmo número da média do período de 2002 a 2011. Possivelmente, o descontentamento dos Estados decorra do esforço fiscal requerido para manter a trajetória de queda da dívida e do tempo que ainda será necessário mantê-lo.

Mas porque razão a dívida dos governos estaduais junto à União não está caindo mais rapidamente, a despeito dos superávits primários gerados? A razão está nas condições dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, que, conforme visto, rege grande parte do passivo estadual. Entre os termos firmados com cada Estado, destacam-se o pagamento em 360 prestações (30 anos), nas quais se incluem os juros e as amortizações; taxa de juros de 6% ao ano (7,5% em alguns casos); correção do saldo devedor pelo IGP-DI; e limite aos desembolsos feitos pelos Estados, dado por um percentual da receita estadual.

Esse último item merece um exemplo. Suponha que os desembolsos relativos aos encargos do passivo junto à União de um determinado Estado estejam limitados a 13,5% de sua receita. Caso a prestação, em um certo momento, corresponda a 16,5% da receita, essa diferença de três pontos percentuais deixa de ser paga imediatamente, e se junta ao saldo devedor, igualmente sujeita ao IGP-DI e à taxa de juros.

Dados esses termos, notadamente o limite para os desembolsos e a correção do passivo pelo IGP-DI, somado ainda ao cenário macroeconômico que determinou a evolução desse índice, os pagamentos feitos pelos Estados corresponderam basicamente aos juros reais (dados pelos 6% ou 7,5% ao ano), enquanto a amortização da dívida e a sua correção pelo IGP-DI se somaram ao saldo devedor, ao ultrapassarem o limite dos desembolsos.

Esses traços gerais dos fluxos financeiros da dívida renegociada com base na Lei nº 9.497, de 1996, podem ser observados a partir da análise dos usos e fontes da dívida líquida dos governos estaduais, divulgados pelo Bacen. Apesar de contemplarem a integridade dessa dívida, esses números são fortemente condicionados pelo amplamente majoritário passivo renegociado com base na referida lei.

Observa-se que, de 2002 a 2011, o superávit primário gerado pelos governos estaduais ou, em outros termos, os desembolsos feitos por conta dos encargos da dívida (juros e amortizações), foi de R$ 186,6 bilhões. Trata-se de montante elevado, mas muito próximo dos R$ 177,4 bilhões relativos aos juros líquidos da dívida interna, os quais incluem, majoritariamente, o pagamento da taxa de juros de 6% ao ano (ou de 7,5% para alguns Estados). Já a correção monetária da dívida líquida dos governos estaduais, que contempla basicamente a correção pelo IGP-DI, totalizou R$ 207,5 bilhões no período, em grande parte refinanciada por meio da sua incorporação ao principal da dívida.

Enfim, intencionalmente ou não, percebe-se que os superávits primários dos governos estaduais, calibrados pelo limite dado como percentual da receita estadual, são suficientes para pagar os juros reais da dívida, enquanto a amortização e a correção do passivo são automaticamente refinanciadas. Desse modo, não é de se estranhar que o saldo da dívida dos governos estaduais junto à União tenha caído apenas 11,11% de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, em termos reais, corrigido pelo próprio indexador majoritário do passivo que é o IGP-DI. Note-se uma vez mais que, durante esses dez anos, houve apenas desembolsos, sem qualquer novo empréstimo da União aos Estados.

Um aspecto negligenciado até agora, mas que não pode deixar de ser considerado, são as especificidades de cada Estado, já que a situação de endividamento é bastante heterogênea entre eles. Isso pode ser constatado pelos dados da relação entre dívida consolidada líquida e de receita corrente líquida apresentados por Estado, para os anos de 2000 a 2010, pela Secretaria do Tesouro Nacional[2].  Esses dados constam da tabela abaixo.

Dívida consolidada líquida em relação à

receita corrente líquida por Estado

Estados dez./

2010

dez./

2000*

Variação

(%)

Estados dez./

2010

dez./

2000

Variação

(%)

RIO GRANDE DO SUL 2,14 2,66 -19,7 BAHIA 0,52 1,64 -68,2
MINAS GERAIS 1,82 2,34 -22,1 PERNAMBUCO 0,38 0,86 -55,3
ALAGOAS 1,62 2,23 -27,6 PARAÍBA 0,36 1,53 -76,6
RIO DE JANEIRO 1,56 2,07 -24,5 SERGIPE 0,33 0,88 -62,2
SÃO PAULO 1,53 1,93 -20,8 PARÁ 0,29 0,57 -49,6
GOIÁS 1,30 3,13 -58,5 CEARÁ 0,28 0,87 -68,3
MATO GRASSO DO SUL 1,20 3,10 -61,3 AMAZONAS 0,27 1,00 -72,9
PARANÁ 0,89 1,29 -30,8 RIO GRANDE DO NORTE 0,20 0,71 -71,4
MARANHÃO 0,64 2,58 -75,3 DISTRITO FEDERAL 0,18 0,36 -49,6
SANTA CATARINA 0,63 1,83 -65,6 AMAPÁ 0,18 0,05 294,4
MATO GROSSO 0,55 2,50 -77,9 ESPÍRITO SANTO 0,17 0,98 -82,4
PIAUÍ 0,54 1,73 -68,8 TOCANTINS 0,16 0,35 -53,3
RONDÔNIA 0,54 1,11 -51,3 RORAIMA 0,04 0,31 -86,7
ACRE 0,54 1,04 -48,5 TOTAL 1,12 1,70 -34,1

Fonte primária: STN.

* 2001, no caso de Minas Gerais.

Percebe-se que há um grupo de Estados cuja situação do endividamento é menos favorável. São eles: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses quatro Estados respondem por 76,8% da dívida estadual e ocupam, juntamente com Alagoas, as cinco primeiras posições na classificação por ordem decrescente de relação entre dívida e receita, para o ano de 2010. A situação menos confortável é a do Rio Grande do Sul com relação de 2,14. Somente mais dois Estados, Goiás e Mato Grosso do Sul, possuem relação superior à unidade. Ocorre que, nesses dois casos, a relação caiu de forma expressiva de 2000 a 2010, ao contrário do que se constada com os quatro grandes Estados, cuja queda oscilou entre 19,7% e 24,5%, muito abaixo dos 60,9% relativos a todos os demais Estados.

Não existem informações detalhadas sobre o endividamento de cada Estado. O desempenho dos quatro Estados pode estar associado a vários fatores, mas um elemento que parece decisivo é o peso da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997. O Bacen divulga a composição da dívida por Região, somando-se Estados e Municípios[3]. O peso dessa dívida no total do passivo dos entes da Região Sudeste e Sul ao final de 2010 é de 88% e 83%, respectivamente[4]. Reflexo disso é a similaridade entre a queda de 19,7% a 24,5%, de 2000 a 2010, da relação entre dívida e receita desses quatro Estados, e a queda de 24,7%, de 2001 a 2011, da dívida renegociada com base na referida lei, aferida em relação ao PIB.

Assim, constata-se que os traços gerais da dinâmica da dívida dos governos estaduais perante a União, considerando-se os Estados conjuntamente, retratam mais fielmente a situação financeira dos quatro maiores Estados do Brasil, responsáveis por grande parte do passivo estadual.

Conforme visto, a continuidade desse arranjo, superávits primários inclusive, juntamente com um cenário macroeconômico que não seja pior do que a média dos últimos dez anos, tornará a dívida dos governos estaduais junto à União irrelevante ao longo dos próximos quinze anos, aferida em relação ao PIB. A questão em aberto é qual o grau de disposição dos Estados em aceitar a continuidade das linhas gerais desse arranjo por esse tempo extra. O descontentamento se expressa em demandas pela alteração dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, notadamente quanto ao indexador e/ou à taxa de juros empregados.

Existem importantes obstáculos a uma nova renegociação da dívida dos governos estaduais junto à União. Há a proibição imposta pelo art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº 101, de 2000). Entretanto, mesmo que esse dispositivo seja alterado, os contratos firmados são atos jurídicos perfeitos, o que significa que a revisão dos contratos depende da concordância da União.

É justamente na disposição da União onde reside a maior dificuldade. As alterações que possam ser relevantes representam, em última instância, transferências de recursos da União para os Estados, a serem financiados de algum modo por aquele ente. Suponha-se que a taxa de juros de 6% ao ano ou o limite de desembolsos seja diminuído. Tal mudança reduziria o superávit primário dos Estados, pois os recursos liberados provavelmente financiariam despesas primárias, como gastos correntes ou investimentos. Se a União pretendesse manter o superávit e a trajetória da dívida do setor público, teria que elevar compensatoriamente seu próprio superávit, com cortes de gastos e/ou elevação de receitas federais.

Existem ainda outras dificuldades a serem suplantadas para rever os contratos. Cabe referência a duas delas. Quanto à primeira, costuma-se sugerir a troca do IGP-DI pelo IPCA como indexador da dívida estadual junto à União. De fato, no transcurso dos contratos, o acumulado do primeiro índice subiu mais rapidamente que o segundo. Ocorre que não há qualquer garantia de que o padrão se mantenha no futuro. Aliás, não se observa tendência de afastamento entre os índices desde 2003. O problema do IGP-DI é a sua correlação com a taxa de câmbio e, enquanto não houver desvalorizações acentuadas do real, a referida tendência deverá ser mantida.

Certamente, a situação é bastante distinta se a revisão do índice for retroativa ao período anterior a 2003. A resistência da União em abrir a negociação decorre em boa medida do receio das demandas retroativas.

Quanto à segunda dificuldade, diz respeito à já comentada heterogeneidade da situação de endividamento dos Estados. Os termos da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997, afetam os Estados de modo muito distinto. Os mais beneficiados por uma eventual renegociação tendem a ser os maiores da Federação. Provavelmente, os outros Estados fariam demandas compensatórias no próprio âmbito da discussão da dívida ou em qualquer outro tema dentre as várias opções propiciadas pelo complexo federalismo fiscal brasileiro, a exemplo da distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados ou dos royalties relativos à exploração do petróleo.

Em meio às tensões entre os entes federados, o resultado poderá ser a flexibilização dos controles sobre novos empréstimos dos Estados junto aos bancos públicos ou privados ou junto aos credores externos. De certo modo, isso já vem ocorrendo nos últimos anos, ainda que timidamente. Cabe discernir as consequências caso esse financiamento seja ou não condicionado ao uso na amortização da dívida junto à União.

Caso a autorização para novos financiamentos seja condicionada ao uso na amortização da dívida junto à União, os Estados só terão interesse se o custo desse novo financiamento for mais baixo que o custo da dívida junto à União. Isso possivelmente só ocorrerá para o financiamento externo. Dois problemas advirão, então. Os Estados estarão mais sujeitos ao risco cambial e as operações de crédito externo serão um fator a mais a reduzir o preço do dólar no mercado cambial, uma tendência macroeconômica contra a qual o Governo Federal vem lutando, a fim de proteger a indústria nacional da concorrência dos produtos importados.

Se os Estados aderirem à estratégia de reestruturação do passivo, é claro que a União terá que utilizar os recursos extras, decorrentes da amortização mais rápida do crédito junto aos Estados, no resgate da sua própria dívida. De outro modo, a dívida líquida federal subirá, pois a redução do crédito não será compensada por equivalente redução do passivo.

Quanto à outra alternativa, a não obrigatoriedade do uso dos novos financiamentos no resgate do passivo junto à União, o resultado provavelmente será o aumento da dívida estadual e, por consequência, da dívida do setor público, aferida em relação ao PIB, eventualmente revertendo a tendência de queda verificada nos últimos anos. Isso só não ocorrerá se a própria União agir para que a dinâmica do seu passivo compense o aumento da dívida estadual.

Em qualquer hipótese, a flexibilização das restrições ao aumento do financiamento estadual terá que levar em conta as diferentes situações de endividamento dos Estados, de modo a não reiniciar as condições que levaram à dolorosa experiência da década de noventa.

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Referências bibliográficas:

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, de março de 2002.

(http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados. In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.


[1] Notas para a Imprensa – Política Fiscal (http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC). Como a série começou em 2001, não necessariamente é compatível com os dados relativos ao período anterior.

[2] Esses conceitos foram introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), com o intuito de estabelecer parâmetros legais de desempenho fiscal para os Entes Federados. A série completa dessas duas variáveis para o período 2000 a 2010 pode  ser encontrada em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/downloads/financas_estaduais_divida_liquida.pdf

[3] Http://www.bcb.gov.br/ESTATISTICADLSP.

[4] Vale observar que, no caso da Região Sul, o passivo dos Municípios é inexpressivo, e o Rio Grande do Sul responde por 64,2% da dívida estadual dessa Região.

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