direito e economia – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 16 Nov 2017 14:18:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Ministério Público e os voos de galinha https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3097&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ministerio-publico-e-os-voos-de-galinha https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3097#comments Thu, 16 Nov 2017 14:17:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3097 Recentemente o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot respondeu a críticas de que o trabalho do MPF criava instabilidade e prejudicava a retomada do PIB e a agenda de reformas.  O PGR reconheceu que a atuação trazia um custo, mas que em contrapartida a prosperidade futura do país seria erguida em base sólida e consistente. Não sendo assim, estaríamos condenados a “voos de galinha” na economia.

Os esforços do MPF pela melhoria das instituições e da governança e pelo combate ao capitalismo de compadrio são elogiáveis, mas contrastam com uma marcante atuação da instituição pela manutenção do status quo, contra a agenda de reformas. Em junho, o PGR ajuizou ação para derrubar a Lei da Terceirização no STF. Antes, áreas do MPF se posicionaram institucionalmente contra a Emenda do teto de gastos e a reforma da Previdência, enquanto o Ministério Público do Trabalho foi um dos mais ativos opositores da reforma trabalhista.

O comportamento contrarreformista do MPF não é novo. No passado, a Procuradoria-Geral da República se manifestou no Supremo no sentido de reverter aspectos essenciais da 2ª reforma da Previdência, como a contribuição dos servidores inativos, sem sucesso. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, a PGR deu parecer pela inconstitucionalidade de dispositivos que permitiam a redução de salários e de jornadas quando ultrapassados os limites de gasto com servidores. Não tivessem sido derrubados, o atual drama dos Estados teria a mesma dimensão?

Neste ano, os debates realizados pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) no processo de eleição da lista tríplice para novo PGR jogam luz sobre o pensamento da cúpula da instituição sobre temas estratégicos para a economia. Entre os integrantes da lista tríplice existe a opinião que o MPF tem de ter iniciativa para melhorar a política previdenciária porque “grande parte dos benefícios são sonegados a quem deles precisa”. Também no trio há quem opine que a reforma da Previdência é assustadora e muito drástica.

Entre os que não integraram a lista final, uma subprocuradora-geral da República sugere rever o teto de gastos caso a economia cresça. Outro subprocurador, a respeito da Emenda do teto, reclama sobre “dignidade remuneratória”. Entre os eleitos para a lista tríplice, há quem critique a “defasagem” e quem afirme que o MPF já é espartano em seus gastos. Dados do IR mostram que em 2016 a remuneração média de um membro do MP foi 46 vezes maior que o salário mínimo, acima do teto salarial da Constituição.

Também há críticas à situação dos procuradores aposentados. Eles são beneficiados pela integralidade e paridade, privilégios subsidiados pelo contribuinte que não existem no INSS. Porém, a crítica é que recebem pouco.

Um dos eleitos fala em “grave discrepância” porque os da ativa recebem indenizações que o inativo não recebe, de R$ 130 mil ao ano. Uma subprocuradora lamenta que muitos não se aposentam porque não tem “condição de viver com o que receberão”, e exemplifica:  “aposentados têm filhos na carreira que recebem muito mais do que eles”. Já o Ipea aponta que a previdência dos servidores é sozinha responsável por 7% da desigualdade de renda do país, já descontada as contribuições pagas. Nos termos do professor José Márcio Camargo, seria o maior programa de transferência de renda do Brasil.

Mesmo após um impeachment por pedaladas, houve nos debates também inclinação por contabilidade criativa. Uma candidata propôs achar solução para incorporar o auxílio-moradia às aposentadorias “obviamente sob uma outra rubrica”. Um dos escolhidos defende que a gratificação eleitoral seja computada no limite de pessoal do Judiciário, não do MP, pra evitar as consequências da LRF.

Para além do corporativismo, há uma atuação mais geral contra as reformas. Em nota ao Congresso o MPF foi contra a reforma da Previdência com um conjunto de alegações frágeis – se opondo a idade mínima com base na expectativa de vida ao nascer. Por sua vez a ANPR e outras associações de membros do MP assinaram notas afirmando não haver déficit na Previdência, alegando haver um confisco, e garantindo que a reforma não se sustentará no Judiciário (“fique alerta o País disso”).

Na PEC do teto, o MPF enviou ao Congresso durante a tramitação nota afirmando que a proposta era inconstitucional e deveria ser rejeitada, por ofender a separação de Poderes. Já o Ministério Público do Trabalho argumentou, no Parlamento e até em revistas em quadrinhos distribuídas pela instituição, que a reforma trabalhista não gerará empregos.

Exceção na campanha da lista tríplice foi a menção ao papel do MP em reduzir o custo Brasil. Entretanto, quem a vocalizou também argumentou repetidamente que o problema do Brasil são as desigualdades, porque rico ele é. Na verdade, estamos entre a 77ª e a 85ª posição na comparação do PIB per capita: mais pobres que o Iraque e a Botswana.

Em suma, se a atuação do MP na área criminal pode ser modernizadora para a economia, na área cível (tutela coletiva) não é possível dizer o mesmo. Em vez de proteger interesses difusos, na agenda de reformas a atuação do MP é meramente concorrente ao lobby de grupos organizados como as centrais, as corporações e as organizações de advogados.

É de alguém para defender as maiorias mudas que o país precisa. Não há quem advogue pelas crianças e jovens pobres excluídos do orçamento e que contarão com cada vez menos recursos sem mudanças na Previdência, ou pela multidão de desempregados e informais – onde as minorias prevalecem – à espera de oportunidades que não se viabilizarão com a atual legislação trabalhista ou o crescimento explosivo da dívida pública.

São grupos sem capacidade de mobilização para eleger representantes, que poderiam se beneficiar da estrutura bilionária e da missão constitucional do MP de proteger os interesses difusos e coletivos. Se, ao contrário, a instituição que é cada vez mais protagonista na definição dos rumos do país insistir e prosperar na luta contra as reformas estruturais, estaremos condenados a mais voos de galinha.

Este texto foi originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 12 de julho de 2017.

 

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Jurimetria: como decidem os juízes que vão julgar Lula? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3068&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=jurimetria-como-decidem-os-juizes-que-vao-julgar-lula https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3068#comments Mon, 30 Oct 2017 14:24:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3068 1. Introdução

A ciência política americana desenvolveu nas últimas décadas úteis ferramentas para analisar o histórico de votações no Legislativo, permitindo traçar um “mapa” dos votantes, resumindo a informação de dezenas ou centenas de votações em um único gráfico.

Nestes chamados modelos espaciais, estimam-se pontos ideais que são designados para cada parlamentar e permitem reproduzir as divergências ocorridas no passado. Um óbvio resultado nos parlamentos de outros países é a visualização de como parlamentares se dividem no espectro esquerda-direita, por exemplo.

É possível pegar emprestada esta metodologia e analisar colegiados também no Judiciário, tentando mapear a divergência entre juízes. Neste artigo fazemos este exercício para os desembargadores da 8ª Turma do TRF4.

Exemplo: mensalão

Como exemplo, apresentemos antes o resultado desta metodologia para o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal no 470 (mensalão) – discutida anteriormente aqui no blog.

A Figura acima apresenta a dispersão entre os Ministros de acordo com as dezenas de divergências votações ocorridas naquele julgamento. Nesta metodologia, cada votante recebe um ponto no espaço (um círculo unitário variando de -1 a 1 nos eixos horizontal e vertical). .

Entre as infinitas possibilidades de alocar estes pontos no espaço, apresenta-se aquela que melhor reproduz as divergências na amostra de votação – produto de um estimador de máxima verossimilhança.

Assim, quanto mais os votos do ministro A tiver coincidido com os votos do ministro B, mais próximos eles estarão no espaço. Igualmente, quanto mais divergências um votante possui com outro, mais distante eles estarão.

O interesse é na dispersão entre os pontos, e não nos valores absolutos das coordenadas, que não tem qualquer significado relevante a priori.

Uma vantagem evidente de usar este tipo de metodologia para criar uma síntese das decisões é que os pontos são estimados automaticamente a partir dos dados, sem necessidade de conhecer previamente os processos para buscar a origem das divergências ou analisar conteúdo de votos por exemplo.

Os pontos dos Ministros, que na Figura receberam cores diferentes de acordo com o Presidente que os indicou, podem ser interpretados de maneira intuitiva neste exemplo.

Como também levou-se em conta a opinião do Procurador-Geral da  República, fica claro que os ministros mais distantes do PGR foram os que tiveram votos mais pró-réu. Os pontos estimados refletem posicionamentos que foram muito difundidos pela imprensa, com o Ministro Joaquim Barbosa mais próximo do PGR no eixo horizontal, e os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli mais distantes.

Em uma segunda dimensão, capturada pelo eixo vertical, é possível visualizar o tradicional isolamento do Ministro Marco Aurélio, frequentemente voto vencido sozinho.

Note que o resultado do modelo é a distância entre os pontos, não importando se estão na esquerda, na direita, em cima ou embaixo no Gráfico. Também não é necessário fazer qualquer suposição ex-ante sobre o significado das distâncias. A interpretação é feita posteriormente, e aqui foi mais intuitiva porque se sabe o papel do PGR neste tipo de caso (de acusador).

Uma explicação mais detalhada do método, bem como mais resultados para o Supremo, podem ser encontradas em Nery e Mueller (2014)1 e Nery (2013)2, em que mais de 700 ações diretas de inconstitucionalidade em um período de mais de 10 anos foram analisadas. No blog, a metodologia também já foi aplicada ao Copom na era Tombini.

2. A 8ª Turma

Aplicamos esta mesma metodologia à 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Identificamos 95 votações no ano de 2017, até meados de agosto, em casos da Operação Lava-Jato.

Uma versão anterior desta pesquisa foi publicada no site JOTA, mas a amostra não era exclusiva da Operação Lava Jato, contemplando casos de tráfico de drogas, contrabando e descaminho – e, logo, casos que vieram de outras varas que não a 13ª (a do juiz federal Moro)3.

A opção neste artigo de analisar somente casos da Lava Jato e do ano de 2017 fornece informações de maior qualidade para entender o caso do ex-Presidente Lula no tribunal. Ainda, permite que se estimem pontos ideais para o juiz Sérgio Moro, bem como uma posição para o conjunto de recorrentes (embargantes, apelantes, impetrantes, pacientes, etc). Anteriormente, no artigo veiculado no JOTA, apenas os desembargadores e o MPF tinham pontos ideais estimados.

Uma vantagem adicional de ter esses pontos estimados é ampliar a amostra: o NOMINATE trabalha apenas com divergências, e não com consensos. Incluir a posição de Moro e dos recorrentes garante que a quase totalidade da amostra será utilizada, uma vez que o próprio recurso ao TRF4 já implica por si ao menos uma divergência (do recorrente ou do MPF).

O ponto estimado para Ministério Público Federal contribui para balizar a interpretação do resultado. Importante observar que na 2ª instância a divergência com o MP tem interpretação menos óbvia do que em uma ação originária como o mensalão. Se na AP 470 o maior grau de divergência com o parquet insinuava uma visão pró-réu, neste caso ela seria menos intuitiva, pois pode sugerir meramente a concordância do desembargador com os termos de uma condenação ocorrida em primeira instância.

Assim, um desembargador A pode discordar do MPF para absolver um réu, assim como pode discordar do MPF apenas porque não concorda com seu pleito por aumento de pena, mas mantém a condenação de 1ª instância. Como o modelo espacial é bidimensional, e não unidimensional, estas diferenças podem ser captadas.

Em relação ao ponto do juiz Moro, cabe ressaltar que Moro não se pronuncia nesta etapa do processo. O seu ponto decorre das suas decisões em 1ª instância. Apenas em uma parte pequena da amostra não foi possível designar um posicionamento para ele, como em questões de ordem.

A Figura 2 apresenta os resultados.

A estimativa dos pontos apresentados acima, feitas com o pacote W-NOMINATE na linguagem R, reproduz corretamente 98% dos “votos” da amostra da forma com que ocorrem nas “votações”, ou 495 de 507 posicionamentos.

Em uma primeira dimensão, capturada pelo eixo horizontal, há em um extremo o Ministério Público Federal, e em outro extremo, o conjunto de recorrentes.  Note que há relativa coesão dos desembargadores, que se alinham mais com a acusação do que a com a defesa, sendo Laus o mais próximo dos recorrentes.

Em uma segunda dimensão, capturada pelo eixo vertical, o espectro acusação-defesa dá lugar a outro, menos claro. Há uma razoável distância entre MPF e Moro, com a maioria dos desembargadores se aproximando mais daquele do que deste. Há também nesta segunda dimensão uma dispersão maior das coordenadas dos desembargadores.

Em especial, há um distanciamento de Gebran, que aparece como o desembargador mais distante de Moro, mas que também possui uma distância relevante do MPF. Este posicionamento que a princípio não é óbvio será analisado mais adiante.

Outro fato de interesse nesta segunda dimensão em que as coordenadas dos desembargadores possuem maior variância é Paulsen, que aparece como o votante mediano. Na literatura, há grande interesse pelo votante mediano, já que é ele que compõe a maioria com maior frequência e é vencedor na maior parte das vezes. Este seria, portanto, o votante “decisivo”.

As coordenadas são apresentadas na Tabela 1, a seguir.

Por fim, não foram estimados pontos para os juízes convocados que eventualmente substituíram os desembargadores da Turma em caso de ausência (ex: férias). São eles os juízes Nivaldo Brunoni e Danilo Pereira Júnior: eles não participaram de votações em quantidade suficiente na amostra para que o modelo conseguisse estimar pontos.

A participação desses juízes convocados é contemplada na Tabela 2, abaixo, que descreve as 95 votações que compõem a amostra e foram sintetizadas no Gráfico anterior. Nela, cada linha representa uma votação, e designamos a cor cinza para posicionamentos ausentes, verde para o posicionamento de Moro e vermelho para posicionamentos diferentes do de Moro.

3. Divergências: entendendo o mapa

Inspecionar a amostra ajuda a entender de maneira mais intuitiva a metodologia aqui usada e a consolidar as informações do mapa. Como os pontos estimados decorrem diretamente das diferenças de posicionamentos, é útil discriminar exemplos específicos em que ocorreram divisões reproduzíveis no mapa.

Este exercício didático é feito nesta seção. Ressalta-se que 98% dos “votos” da amostra tal qual ocorreram nas votações podem ser reproduzidos no Gráfico. Isto é, é possível reproduzir nele quase todas as divergências ocorridas nas 95 decisões da amostra.

Exemplo: apenas os recorrentes isolados

Começemos olhando os pontos que o estimador isolou, como o dos recorrentes, à direita. Trata-se de votações em que os desembargadores foram unânimes em negar pleito dos recorrentes, no mesmo sentido da decisão de Moro e da opinião do MPF, como na Figura 3.

São exemplos das várias decisões com essa configuração, que repercutiram na estimativa, a da APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5039475-50.2015.4.04.7000/PR, de 2 de agosto, em que foram negados os apelos de João Augusto Henriques, supostamente um lobista do PMDB, e Eduardo Musa, ex-gerente da Petrobras.

O mesmo ocorreu com o habeas corpus impetrado por José Roberto Batochio para o ex-ministro Antonio Palocci e outros, denegado em 19 de abril.

Exemplo: apenas o MPF isolado

Em outro extremo, está isolado o Ministério Público Federal. Isso decorre da existência na amostra de um bom número de decisões unânimes do Tribunal, contrariando o pleito do MPF, referendando uma decisão de Moro. A Figura 4 apresenta esta divisão.

Sem razão o parquet” quanto a acusação de organização criminosa feita ao ex-deputado André Vargas, seu irmão Leon Ilário e o publictário Ricardo Hoffmann em uma das decisões na APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5023121-47.2015.4.04.7000/PR, julgada em 4 de junho.

Exemplo: apenas Laus e os recorrentes isolados

Continuando nesta dimensão, passamos agora a olhar divisões dentro do colegiado. Percebemos que Laus é o desembargador mais próximo dos recorrentes. Como a distância dos pontos estimados é tão menor quanto maior tiver sido os posicionamentos em comum na amostra, os pontos estimados sugerem que ele, dentro da Turma, é o com maior inclinação pró-réu.

Estamos falando, portanto, da ocorrência de decisões que Laus foi voto vencido e esteve contrário ao posicionamento do MPF e a decisão de 1ª instância (Moro), se manifestando a favor dos recorrentes – como na Figura 5.

 

É o caso da APELAÇÃO Nº 5012331-04.2015.4.04.7000/PR, decidida em 27 de junho quando Laus votou por conceder habeas corpus de ofício ao ex-diretor da Petrobras Renato Duque. A Turma também negou provimento a outros apelos nesta ação, tendo Laus como voto vencido, relativos a Renato Duque, ao empresário Adir Assad e à sua sócia Sônia Mariza.

Laus também tem um posicionamento divergente em relação a medidas assecuratórias, tendo sido vencido, por exemplo, também na  APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5033700-54.2015.4.04.7000/PR.

Exemplo: Meio a meio (MPF, Moro e Gebran de um lado, Paulsen, Laus e os recorrentes de outro)

Agora chegamos a outra divisão, em que não há “isolados”: os representados no Gráfico são divididos igualmente, ao longo do eixo horizontal.

Esta divisão reproduz a divisão que ocorre quando há divisão no colegiado mas agora em vez de Laus ser vencido, é vencedor. O vencido é Gebran, com voto no sentido da opinião do MPF e da decisão da 1ª instância, e os demais desembargadores se alinham com os recorrentes.

Foi assim em um caso que teve grande repercussão na opinião pública: a decisão de 27 de junho na APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5012331-04.2015.4.04.7000/PR. A turma decidiu “POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, DAR PROVIMENTO AO APELO DE JOÃO VACCARI NETO, PARA ABSOLVÊ-LO DAS IMPUTAÇÕES APRESENTADAS NA INICIAL.”

Exemplo: apenas Moro e os recorrentes isolados

Em uma segunda dimensão, visualizada na vertical, estão mais acima Moro e os recorrentes. A estimativa destes pontos com essas coordenadas decorre do peso na amostra das votações em que o colegiado foi unânime, acompanhando o posicionamento do Ministério Público Federal, contrário à decisão de Moro na 1ª instância e em desfavor dos recorrentes.

Note que aqui está uma das constatações mais interesses sintetizada no mapa: a de que o colegiado tende a estar ainda mais distante dos recorrentes do que o próprio juízo da 13ª Vara.

Estes casos podem ser visualizados na Figura 7. Um deles foi a decisão em de 5 de abril relativa a Waldomiro de Oliveira, “laranja” do doleiro Alberto Youssef, quando a decisão foi de “por unanimidade, dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para afastar o reconhecimento da litispendência em relação ao réu WALDOMIRO e condená-lo pela prática do delito de lavagem de dinheiro”.

Adicionalmente, cumpre observar que não é de interesse analisar os casos em que apenas Moro está “isolado”. Uma decisão assim, por construção, não poderia existir porque MPF e os recorrentes estariam juntos com o mesmo posicionamento contra uma decisão de 1ª instância.

Por que então Moro aparece mais isolado acima no Gráfico, se não existe na amostra casos em que seu posicionamento é diverso de todos os demais ao mesmo tempo? A resposta pode ser visualizada na Tabela 1 e se relaciona com algo que já foi abordado: a ausência de posicionamento de Moro em algumas decisões da Turma, quando não tratam diretamente de suas decisões – como exceção de suspeição relativa ao MPF ou embargos de declaração de decisões da 8ª Turma.

Exemplo: Meio a meio (Moro, os recorrentes e Laus de um lado, Paulsen, MPF  e Gebran de outro)

Agora baixamos a barra um pouco pra incluir Laus: isto é, usar como exemplo um caso em que Laus foi voto vencido no colegiado, estando ao lado dos recorrentes, mas dessa vez, ao contrário do exemplo da Figura 5, no sentido de manter a decisão de 1ª instância de Moro.

Este exemplo ilustra casos na amostra que pesaram para que no Gráfico seja Laus o menos distante de Moro e dos recorrentes.

A Figura 7 apresenta esta divisão que tem, de outro lado, Paulsen e Gebran vencedores, acompanhando posicionamento do MPF.

Esta divisão foi observada em uma das divergências da APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5083351-89.2014.4.04.7000/PR, em 21 de junho, quando Laus reconheceu como autônomos apenas dois delitos (o MPF insurgiu-se contra decisão de Moro que reconhecia continuidade delitiva entre crimes de corrupção ativa e crimes de lavagem de capitais, pleito reconhecido por Gebran e Paulsen).

Exemplo: Gebran e os recorrentes isolados

Uma última divisão de interesse é aquela em que Gebran é vencido, ao lado dos recorrentes. Esta divisão pode ser reproduzida no Gráfico e adiciona complexidade à nossa discussão: agora temos uma reta mais inclinada, isto é, uma divisão que no Gráfico não se dá exatamente na horizontal (esquerda-direita) ou na vertical (cima-baixo)

A Figura 9 revela então que não é possível contemplar todas as divergências da amostra como se dando ao longo de apenas duas dimensões (mais ou menos pró-réu na horizontal; mais ou menos pró-Moro na vertical) – ainda que a maioria possa, o que é um grande vantagem desse tipo de ferramenta.

Um exemplo de divisão reproduzível no Gráfico, como na Figura acima, é o da APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5023121-47.2015.4.04.7000/PR, em que Gebran foi veto vencido para absolver Leon Ilário do crime de corrupção passiva.

Assim, embora seja útil e prático analisar os pontos estimados pela ótica de espectros (dimensões), as divergências em um colegiado como este podem ser mais ricas do que um espaço bidimensional pode captar.

Entretanto, os pontos estimados continuam fornecendo insights por meio das distâncias. A apelação referida exemplifica por exemplo por que Gebran é o mais distante de Moro.

Note , como já colocado, que Paulsen é o juiz mediano, entre Gebran e Laus nas duas dimensões. Isso sugere que ele compõe a maioria com maior frequência. Na literatura, o votante mediano é de grande interesse, até seu potencial de ser o votante decisivo, o que desempata.

4. Pesquisa futura

O modelo espacial utilizado foi concebido para analisar legislaturas e, portanto, grupos de votantes significativamente maiores. A aplicação com poucos votantes sofre do chamado incidental parameters problem4. Pesquisa futura pode estimar os pontos com o IDEAL, um método bayesiano e não-paramétrico que usa um algoritmo Monte Carlo via cadeias de Markov5, mais adequado às capacidades computacionais existentes hoje. Carroll et al. (2009) compararam o NOMINATE e o IDEAL para votos da Suprema Corte americana, concluindo que6:

as estimativas de pontos ideais são altamente voláteis para ambos os métodos quando o número de votantes é pequeno. Nossas simulações revelam não haver clara vantagem de um método sobre o outro de produzir estimativas para legislaturas de qualquer tamanho ou número de votações feitas. Ainda mais, nenhum dos estimadores é mais robusto do que o outro em obter estimativas do processo gerador de dados adotado pelos outros métodos.

5. Conclusão: “A República de Porto Alegre”

A aplicação de modelos espaciais parece promissora no Judiciário brasileiro. Usando uma amostra de 95 votações da 8ª turma do TRF4 no ano de 2017 – até meados de agosto – no âmbito da Operação Lava Jato, estimamos pontos ideais que reproduzem corretamente 98% dos posicionamentos ocorridos nas votações. Eles sintetizam que:

  • O colegiado é relativamente coeso, sem grande dispersão entre os seus membros;
  • O colegiado como um todo é mais próximo do MPF do que dos recorrentes;
  • O colegiado como um todo é ainda mais próximo do MPF do que de Moro – o que, combinado com o item anterior – sugere uma 2ª instância com decisões ainda mais duras do que a 1ª;
  • O desembargador mais próximo dos recorrentes é Laus7;
  • O desembargador mais distante de Moro é Gebran, às vezes a favor da apelação do MPF, às vezes dos recorrentes; e
  • O desembargador mediano é Paulsen, que tende a ser o voto decisivo do Tribunal.

Portanto, sem conhecimento acerca de detalhes dos processos, a absolvição de recorrentes condenados em 1ª instância, como o ex-Presidente Lula, parece improvável.

O veloz avanço recente de métodos estatísticos para captura e análise de informações, bem como a maior disponibilidade de informações dos tribunais, podem permitir o avanço de análises como a deste artigo no país e melhor compreensão da academia, da sociedade e dos operadores do Direito sobre os tribunais brasileiros.

________________

1 http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1517758014000253.

2 http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/13565/1/2013_PedroFernandoAlmeidaNeryFerreira.pdf.

3 https://jota.info/artigos/o-mapa-da-8a-Turma-do-trf-4-29072017.

4 Ver Poole (2005) e Peress (2009).

5 Ver Martin e Quinn (2002, 2009)

6 https://scholar-qa.princeton.edu/sites/default/files/jameslo/files/lsq_nomvsideal.pdf

7 O que é consistente com evidências anedóticas. “Breda brilhou os olhos quando o desembargador Victor dos Santos Laus, 54 anos, abriu o microfone para seu voto final.” http://piaui.folha.uol.com.br/eles-vao-julgar-lula/

 

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Qual a quantidade ótima de intervenção judicial nas políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2123&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-quantidade-otima-de-intervencao-judicial-nas-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2123#comments Mon, 10 Feb 2014 11:31:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2123 Quando uma empresa maximiza seu lucro, o ponto ótimo é aquele em que o custo marginal (custo para produzir uma unidade adicional do produto) e a receita marginal (receita obtida com a venda de uma unidade adicional) se igualam. Isso porque, para a empresa, é bom produzir mais bens até o momento em que o benefício desse bem adicional compense o custo de produzi-lo.

Pode-se adaptar esse raciocínio para o Sistema Judicial de forma a se determinar qual será o ponto ótimo de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, considerando o bem-estar da sociedade.

Parte-se do pressuposto de que a intervenção judicial irá agregar bem-estar por meio do incremento de utilidade dos membros da sociedade. Mede-se a intervenção judicial pelo valor das causas concedidas a favor dos litigantes e em detrimento da Administração Pública, no bojo de alguma prestação social a cargo do Estado. O benefício marginal da intervenção é o incremento na utilidade total por consequência do gasto de um Real a mais decorrente de ordem judicial. Por outro lado, o custo marginal da intervenção é a diminuição no bem-estar social por conta do gasto de um Real a mais oriundo de algum mandamento do Judiciário. O gráfico a seguir ilustra a ideia.

Gráfico I – Quantidade socialmente ótima de intervenção judicial

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A reta denominada BM retrata o benefício marginal para a sociedade resultante da intervenção do Judiciário em uma determinada política pública. Note que a linha é decrescente. Isso denota que o incremento no bem-estar social diminui à medida que a intervenção judicial nas políticas públicas aumenta. Tal tendência decorre do princípio da utilidade marginal decrescente. Parece razoável supor que quanto mais recursos o Judiciário determinar que a Administração repasse aos cidadãos, menor será o bem-estar adicional promovido pelo repasse.

Para facilitar o entendimento, pode-se exemplificar o benefício marginal da intervenção judicial decrescente da seguinte maneira: imagine um hospital público que possui uma unidade de tratamento intensivo (UTI) com uma quantidade determinada de leitos disponíveis. Se a capacidade da UTI está ociosa e uma decisão judicial determina a internação de um cidadão, o benefício marginal da atuação judicial é elevado, pois o benefício para esse cidadão é grande e não há prejuízo para os pacientes que já estavam lá. No entanto, se a UTI está lotada e um juiz determina a internação de mais um cidadão, o bem-estar social será acrescido pelo benefício que esse último internado receberá individualmente, mas cairá pelo efeito negativo que promoverá sobre os demais pacientes que já estavam lá (falta de equipamentos para todos, falta de médicos e enfermeiros em quantidade suficiente para atender o excesso da lotação na UTI, etc.). Se as ordens de internação continuarem a ocorrer muito além da capacidade de atendimento da UTI, o benefício marginal da intervenção judicial pode até ser negativo, pois além da falta de equipamentos e pessoal, há riscos de contaminação, de infecção hospitalar e mesmo de morte de pacientes, uma vez que o sistema de saúde não comportava toda aquela demanda.

Outro exemplo que ilustra o benefício marginal decrescente da intervenção judicial pode ser dado na área de educação. É comum haver decisões judiciais em que uma escola pública é obrigada a matricular um aluno, mesmo não havendo mais vagas. Nesse caso, o benefício marginal dessa decisão do juiz será pequeno, podendo até ser negativo, pois trará um ganho para o aluno extra que foi atendido, mas prejudicará todos os demais que já estavam na escola (a sala ficará mais apertada, o professor não conseguirá dar a atenção devida a todos, etc.).

Discutido o benefício da atuação do Judiciário, há que se tratar dos custos. A reta designada por CM no Gráfico I representa o custo marginal da intervenção judicial. No caso dessa reta, ela apresenta um comportamento ascendente. Isso acontece porque, nas primeiras intervenções, é fácil para o Poder Executivo atendê-las, necessitando pouca mobilização da Administração Pública. No entanto, à medida que cresce a quantidade de intervenção, o custo social aumenta, pois exige mais logística da Administração Pública, bem como maior alocação orçamentária para atender às demandas judiciais, restando menos recursos para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam à sociedade de forma generalizada.

Tal situação é assim revelada por conta de o ordenamento jurídico estabelecer um caráter prestacional aos direitos sociais, mas não prever uma harmonização entre esses direitos e os recursos disponíveis para a concretização das políticas públicas.

Um exemplo desse fato encontra-se na discussão dos subsídios dados para manter baixo o preço das passagens do transporte público nas cidades brasileiras. Quanto mais subsídios, mais custos para a administração pública e para a sociedade, pois o recurso terá que ser tirado de outra parte do orçamento ou terá que haver aumento da arrecadação tributária, causando desvios alocativos e mais custos aos contribuintes.

No encontro da reta do benefício marginal com o  custo marginal, há o ponto ótimo que ilustra o valor ideal de interferência do Poder Judiciários nas políticas públicas. No Gráfico I, este ponto está reprentado por I*.

Até atingir o valor I*, é recomendável que o Poder Judiciário intervenha, pois há uma redução da ineficiência social. No entanto, qualquer intervenção além de I* irá trazer menos benefícios sociais do que o custo associado para executá-la e, portanto, o Judiciário está piorando a alocação de recursos.

Na prática não é simples mensurar esses custos e benefícios. Todavia, os magistrados devem ter em mente que suas decisões implicam não apenas benefícios para os reclamantes, mas também custos para a sociedade.  Nesse sentido, cabe mencionar o dilema entre eficiência e legalidade, já discutido em outro  texto neste site (“As leis podem atrapalhar a eficiência?” )

Tanto o Poder Judiciário quanto o Tribunal de Contas da União já acenam para a possibilidade de afastamento pontual de escolhas normativas que se reputem ineficientes, desde que, harmonizado com o interesse público, sejam asseguradas (i) a inocorrência de prejuízo ao erário; (ii) a boa-fé e a probidade dos agentes envolvidos; (iii) a ausência de violação ao núcleo essencial dos demais direitos e garantias fundamentais (a título de exemplo, o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo, a isonomia, etc); e (iv) a obtenção de resultado prático com preponderância considerável de benefícios sobre os custos, tanto para a Administração, como para os administrados.

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Por que o governo deve interferir na economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=387&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-deve-interferir-na-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=387#comments Thu, 24 Mar 2011 16:33:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=387 O funcionamento da economia, a princípio, não precisa de intervenções do governo. Por exemplo: quando uma seca destrói a safra de feijão, o preço do feijão sobe. Frente ao preço mais alto, as pessoas passam a comprar menos feijão, e o substituem por outro alimento mais barato. Isso significa que a demanda por feijão cai, diminuindo a pressão sobre seus preços. Por outro lado, comerciantes vão importar feijão, para aproveitar a oportunidade de lucrar com os preços mais altos. Ao colocarem no mercado essa importação, a escassez do produto diminuirá, com novo impulso à queda dos preços.

Há, portanto, um mecanismo de ajuste automático da economia: a escassez eleva os preços e o aumento de preços induz o fim da escassez. Em uma situação como essa, não há necessidade de o governo interferir na economia, pois ela se ajusta sozinha.

Há, porém, situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”. Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. Mas existem, também, as “falhas de governo”: os problemas que o governo causa ao intervir na economia.

Sempre que um governo anuncia um novo programa ou uma nova lei, o cidadão- eleitor que deseje analisar benefícios e custos dessa intervenção pode se perguntar: qual a falha de mercado que se está querendo corrigir? Será que essa intervenção não gerará “falhas de governo” que piorarão o bem-estar geral?

Para responder a essas perguntas, é preciso conhecer a natureza das “falhas de mercado” e das “falhas de governo”. O presente texto trata da primeira parte do problema: as falhas de mercado. Analisa-se por que e como o governo pode intervir na economia para resolver tais falhas. O texto não representa uma defesa dos métodos de intervenção apresentados. Muitas das possibilidades de intervenção aqui apresentadas tendem a gerar fortes “falhas de governo”. Oportunamente será apresentado um texto tratando das falhas de governo.

1. Direito de propriedade e garantia de contratos

A economia de mercado só existe porque o governo existe. Por isso, a primeira função do governo é garantir que a economia possa funcionar. O produtor de feijão só aplica suas economias e seu trabalho para produzir esse alimento porque ele sabe que tem o direito de propriedade sobre aquilo que ele produz. Em um país em que os agricultores estejam sob permanente ameaça de invasão e roubo da produção, eles provavelmente vão desistir de produzir, e não vai haver oferta de feijão no mercado. Logo, o governo tem a função primordial de garantir o direito à propriedade privada. É preciso que existam instituições como a polícia e a justiça, que protegem essa propriedade de roubo e expropriações.

Para que as pessoas tenham confiança para negociar entre si, é preciso que haja contratos e que esses sejam respeitados. O produtor de feijão precisa ter segurança de que o comprador vai, efetivamente, pagar pelo feijão comprado e que, se o pagamento não for feito, ele pode processar o comprador. O comprador, por sua vez, tem direito a exigir na justiça que o vendedor entregue o feijão na qualidade e quantidade combinadas.

As regras para elaboração e respeito aos contratos devem estar nas leis. Isso significa que o governo deve instituir o Poder Judiciário (para aplicar as leis), o Poder Legislativo (para produzir e aprovar as leis), as instituições policiais e o sistema prisional (para cumprir as determinações do Judiciário). Tudo isso garante o funcionamento da economia de mercado.

Em países em que o governo não exerce bem essas funções, a economia de mercado não prospera. Por exemplo, nas economias comunistas, nas quais não havia garantia de propriedade privada, as pessoas moravam em apartamentos que não eram seus e, por isso, não tinham preocupação em conservá-los. Nas economias capitalistas, por sua vez, os inquilinos só fazem reforma nos imóveis se houver um contrato com os proprietários, garantindo o abatimento do gasto no valor do aluguel.

2. Restrições à competição

Na negociação de um quilo de feijão, em uma barraca na feira, há um equilíbrio de poder entre comprador e vendedor: se achar o preço caro, o comprador pode procurar o feijão em outra barraca; se não aceitar a oferta do comprador, o vendedor pode esperar a chegada de outro comprador disposto a pagar aquele preço. Mas há diversos casos de oligopólio e monopólio, em que há poucos (no caso do oligopólio) ou um único vendedor (no monopólio), de forma que eles têm mais poder que o comprador no processo de negociação.

O abastecimento de água de uma cidade, por exemplo, é feito por uma única empresa, pois não faz sentido instalar mais de uma rede de distribuição (este é um caso conhecido como “monopólio natural”). Logo, a empresa fornecedora será única: ou você aceita pagar o preço que essa empresa pede pela água ou fica sem abastecimento.

Há casos em que o custo para uma empresa entrar numa atividade é muito alto. Por exemplo: criar uma siderúrgica exige um grande investimento inicial na compra de fornos. Logo, só entrará nesse mercado quem conseguir o capital para o investimento inicial. Essa barreira inicial reduz a quantidade de firmas trabalhando no setor e, por isso, as firmas existentes têm maior poder para fixar preços e quantidade produzida.

Há, também, situações em que o comprador tem mais poder que o vendedor: uma grande empresa petrolífera, por exemplo, será a única compradora de sondas e outros produtos utilizados na exploração de petróleo (situação conhecida como “monopsônio”). Nessa situação, os fornecedores da petrolífera ficarão a mercê das decisões de preço e quantidade estabelecidas pela empresa.

Sempre que houver falhas que reduzam a competição, os resultados serão preços mais altos e oferta de bens e serviços abaixo do que ocorreria em concorrência perfeita (na qual prevalece o equilíbrio do poder de barganha de comprador e vendedor).

Para tentar levar a economia para uma situação mais próxima à de concorrência perfeita, o governo pode intervir de várias formas. Pode estatizar a produção, vendendo os produtos por um preço que cubra o custo (e não por um preço de lucro elevado, como faria o monopolista privado), como no caso das empresas estatais de água e energia.

Nos casos de monopólio natural o governo pode instituir agências reguladoras para regular e fiscalizar a qualidade e preço dos produtos oferecidos. No Brasil temos agências reguladoras em diversas áreas como: energia elétrica, água, transportes públicos ou petróleo.

Uma opção para os setores oligopolizados é deixá-los sob responsabilidade do setor privado, mas regulamentar sua atuação através de um órgão de defesa da concorrência, com o objetivo de coibir a formação de cartéis e o abuso de poder econômico.

O governo também pode criar regras que reequilibrem o poder de mercado. Quando, por exemplo, se criou a possibilidade de o usuário de telefone celular mudar de operadora sem mudar o número do telefone, o poder de mercado do usuário frente às operadoras se elevou. Muitas pessoas, embora insatisfeitas, não trocavam de operadora para não enfrentar o custo de ter que informar a clientes e amigos o novo número.

3 – Bens públicos

Há algumas mercadorias e serviços para os quais o sistema de oferta e demanda não funciona bem. São os chamados “bens públicos”. Não é possível, por exemplo, vender “ar puro” no mercado. Ou existe ar puro disponível para todos respirarem, ou não existe para ninguém. Por isso, não se pode estabelecer uma negociação em que se vende ar puro apenas para as pessoas que estejam dispostas a pagar por ele. O mesmo raciocínio se aplica à segurança nacional: ou todo mundo que mora no país está protegido contra inimigos externos, ou ninguém está protegido. Não há como vender segurança nacional apenas para quem tem medo dos inimigos externos.

Outro exemplo interessante é o dos faróis de sinalização marítima. Todos os barcos que passam pela costa podem ver o sinal luminoso emitido pelo farol, não sendo possível cobrar pelo serviço, oferecendo a sinalização apenas aos barcos que pagarem por isso.

Se eu vou me beneficiar do sistema de segurança nacional ou de sinalização pago pelos outros, por que eu iria me interessar em pagar por isso? Todos vão querer pegar carona no serviço pago pelos outros.

Há casos em que é possível estabelecer um mercado privado de compra e venda, mas este vai oferecer o produto ou o serviço em pequena quantidade, menor do que aquela que seria desejável. É possível deixar que empresas privadas construam e operem estradas, remunerando-se mediante cobrança de pedágios. Mas esse sistema só vai funcionar nos locais onde a quantidade de carros trafegando seja suficiente para dar lucros. As estradas potencialmente deficitárias jamais serão construídas, embora sejam úteis e desejáveis.

É possível que institutos privados de pesquisa realizem os levantamentos de dados e só os revelem a quem pagar pela informação. Ocorre que tal informação é muito útil para que pesquisadores façam estudos em benefício da população em geral, permitindo, por exemplo, que se planeje o controle das doenças de maior incidência, de acordo com idade, sexo ou região de residência.

Assim, o problema que envolve os bens públicos é que eles tendem a não ser ofertados pelo mercado privado ou então são ofertados em pequena quantidade. Por isso, o governo intervém para corrigir esse problema.

O governo pode assumir diretamente a produção e a oferta de bens públicos. Se ninguém quer pagar pela segurança nacional, o governo impõe tributos de pagamento obrigatório por todos e, com esse dinheiro, financia as forças armadas. Esse é o mesmo raciocínio que se aplica à construção de estradas não passíveis de exploração privada, aos serviços de corpo de bombeiros, à sinalização de trânsito, à construção e manutenção de parques públicos ou  à criação de órgãos oficiais de levantamento e divulgação de estatísticas socioeconômicas.

O governo também pode remunerar ou subsidiar o setor privado para que este ofereça bens públicos à população: incentivos financeiros à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo, permitem que a ciência avance não apenas em setores que dão lucro e não precisam de incentivos (cirurgia plástica), mas também naqueles de difícil comercialização (prevenção de doenças tropicais); subsídios à construção e operação privada de infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, etc.).

Outra forma de atuação é mediante regulação: se não é possível, por exemplo, garantir ar puro e natureza limpa mediante mecanismos de mercado, então que se imponha, por lei, padrões de conservação e preservação a serem obedecidos por todos, penalizando-se aqueles que descumprirem a lei.

4. Externalidades

Quando as ações de um indivíduo geram consequências negativas para terceiros, dizemos que isso é uma externalidade negativa. O carro que eu uso e que me dá conforto e rapidez nos deslocamentos gera, como externalidade negativa, poluição do ar que todos respiram. Os bares que animam a rapaziada no fim de semana não deixam a vizinhança dormir. O desleixo do meu vizinho com o seu jardim pode gerar um criadouro de mosquito da dengue que vai transmitir a doença para a minha família.

Quando ações individuais geram conseqüências positivas, temos uma externalidade positiva. Se eu contratar seguranças privados para vigiar minha casa, meus vizinhos vão se beneficiar disso, pois os ladrões vão explorar outras ruas. Se boa parte da população se vacinar contra sarampo, a probabilidade de eu contrair a doença, mesmo sem ter me vacinado, será menor.

Por que a existência de externalidade gera a necessidade de intervenção do governo? Porque na presença de elevadas externalidades, o elemento que a causa (indivíduo, família, firma, etc.) não está preocupado com o custo gerado pela externalidade negativa ou com o benefício gerado pela externalidade positiva. Ele toma suas decisões de produção e consumo pensando prioritariamente nos seus próprios custos e benefícios. Por isso, há uma tendência das pessoas a não darem muita atenção às externalidades que geram.

Se não houver uma legislação restringindo a quantidade de madeira que pode ser extraída de uma floresta, os madeireiros (que estão mais preocupados com o seu faturamento do que com a preservação da natureza) vão extrair madeira em excesso. Da mesma forma, se não houver campanha de vacinação gratuita nos postos de saúde, muitas pessoas vão preferir não se vacinar e, com isso, aumenta o risco de uma epidemia. Se não houver uma legislação restringindo os horários e locais para funcionamento de bares, os notívagos vão acabar com o sossego de quem quer dormir.

Mas não é apenas mediante imposição de regras e leis que o governo pode controlar as externalidades. Ele também pode produzir e ofertar bens e serviços que geram externalidades positivas, tais como: educação básica, parques públicos, áreas de conservação ambiental.

O governo também pode subsidiar a produção de externalidades positivas ou impor tributos sobre a geração de externalidades negativas: descontos no imposto de renda para quem investe em conservação ambiental; redução de impostos na importação de vacinas; verbas públicas para subsidiar pesquisas que gerarão conhecimento a ser utilizado em diversas áreas da ciência; tributação elevada sobre cigarros (que prejudicam os fumantes passivos), bebidas (que matam ou machucam os que não bebem, devido a acidentes de trânsito e violência), automóveis (que geram poluição).

5. Assimetria de informações

Quando um dos lados de uma transação comercial tem mais informação que o outro, surgem problemas para o bom funcionamento do mercado. Por exemplo, as seguradoras conhecem muito menos sobre o perfil de risco de um indivíduo do que ele próprio. Assim, ao ofertar um seguro de saúde, a seguradora tende a calcular a média dos custos que ela terá com todos os segurados. Mas isso significa que os segurados mais saudáveis irão subsidiar os mais doentes. Logo, os mais saudáveis tendem a não comprar o seguro (que fica caro para eles frente à expectativa de uso) e os menos saudáveis tendem a ser os principais compradores, levando a seguradora ao prejuízo.

A seguradora pode, simplesmente, optar por não oferecer o seguro-saúde ou, então, discriminar preços e oferecê-lo a alto custo para clientelas de risco (idosos, por exemplo).

O governo pode intervir de várias formas: oferecendo serviço público de saúde para quem não pode pagar, subsidiando planos de saúde, ou melhorando o grau de informação sobre as condições da saúde da população.

A regulação bancária é um caso em que o governo pretende proteger o depositante (menos informado) de eventuais riscos excessivos assumidos pelos bancos, que melhor conhecem sua própria situação financeira e os riscos que assumem. É por isso que se estabelecem reservas compulsórias no Banco Central e regras para aplicação prudente dos recursos.

Os exames realizados pelo governo para medir a qualidade de formação dos estudantes (como o ENEM e o PROVÃO), ao terem os seus resultados divulgados à população, aumentam o grau de informação dos usuários dos serviços de educação sobre a qualidade de cada escola. Tal informação é, antes da revelação dos resultados, assimetricamente distribuída em favor das escolas, que conhecem melhor que os usuários o grau de esforço que realizam.

6. Inexistência de garantias

No mercado de crédito existe o caso clássico de empréstimos que, se realizados, podem financiar uma atividade produtiva, que aumentará o bem estar da sociedade. Porém, como os potenciais mutuários do empréstimo não têm garantias a oferecer, os bancos se afastam desse tipo de cliente e a sociedade perde a oportunidade de realizar atividades que serão benéficas a todos.

Esse tipo de problema afeta tipicamente os estudantes. Eles precisam de crédito para pagar seus estudos. Se conseguirem estudar e se qualificar, obterão bom emprego no futuro e poderão pagar pelo empréstimo feito hoje. Porém, antes de estudarem e se qualificarem, não têm renda e, por isso, não dispõem de garantias para oferecer aos bancos.

Os agricultores têm problema semelhante. Precisam de dinheiro para financiar a plantação. Mas enfrentam o risco de uma quebra de safra causada por imprevisíveis fenômenos climáticos. Por isso, a safra futura não representa uma garantia sem risco para os bancos financiadores.

Em ambos os casos, os bancos tendem a ser cautelosos na concessão de crédito, e o país perde a oportunidade de ter mais pessoas com boa educação e uma produção de alimentos mais ampla.

Nesses casos, o governo pode intervir, ofertando: crédito público, seguro subsidiado para cobrir quebra de safra, subsídios às mensalidades escolares (como no Programa PROUNI), ou educação pública gratuita.

Outra forma de intervenção do governo é por meio de um judiciário eficiente, que garanta a execução dos contratos. Afinal, de pouco adianta um mutuário ter garantias a oferecer, se, em caso de não pagamento da dívida, o credor não conseguir executá-las.

7. Falhas de coordenação

Uma vez que o sistema de mercado é, por natureza, descentralizado, há casos em que a falta de coordenação entre as partes exige que uma entidade de fora do mercado (o governo) intervenha para fazer a devida coordenação:

É o caso, por exemplo, da estabilidade macroeconômica: dado que não vivemos em um sistema de concorrência perfeita, em que o mercado se ajustaria a todo momento, a economia dos países é submetida a crises periódicas. Barreiras ao comércio internacional, guerras, fenômenos naturais, desequilíbrios fiscais; todos esses fatores exigem que os países lancem mão de políticas econômicas (política monetária, fiscal e externa) para tentar reduzir as flutuações. Por que essas políticas têm que ser feitas pelo governo? Porque os agentes privados não teriam capacidade de coordenação e de uso do mandato conferido pelas urnas para arbitrar conflitos e tomar medidas visando o interesse da maioria. Por exemplo: exportadores preferem a moeda nacional desvalorizada, enquanto os importadores querem valorizá-la; somente um árbitro – o governo – pode mediar o conflito e buscar uma situação de equilíbrio.

A estabilidade econômica (inflação baixa, crescimento do PIB, geração de emprego, etc.) é um bem público: ao mesmo tempo em que todos querem dela desfrutar, cada um toma medidas visando o interesse próprio que pode prejudicar a estabilidade (funcionários públicos pressionam por aumento, o que aumenta o gasto público e induz inflação; sindicatos querem proteger o emprego de seus filiados e pressionam por regras no mercado de trabalho que prejudicam o acesso dos desempregados a novos empregos; empresas oligopolistas querem viver em ambiente sem inflação, mas elevam os preços de seus produtos; etc.)

Há, também, o caso dos mercados complementares: em estágios iniciais de desenvolvimento, países podem ter mercados para alguns bens, mas inexistem todas as indústrias necessárias para produzir aquele bem. Por exemplo: a indústria automotiva brasileira só surgiu depois que o governo criou siderúrgicas estatais, que oferecia o aço necessário à produção de automóveis. Daí o uso das chamadas “políticas industriais” em muitos países.

Outro segmento onde a capacidade de coordenação é fundamental é o planejamento urbano. É necessário coordenar a ação dos diversos agentes privados que atuam no espaço urbano, para que a cidade tenha trânsito fluido, baixo risco de catástrofes causadas por intervenção humana (habitações em áreas de risco, assoreamento de rios, etc.), expansão organizada de ruas e da oferta de serviços públicos, etc.

8. Distribuição de renda

Toda sociedade tem algum padrão ético a respeito de distribuição da renda. O mercado pouco pode fazer para redistribuir renda. Na verdade, a lógica competitiva da economia de mercado tende a concentrar renda na mão dos mais eficientes, o que leva o governo a intervir no sentido de redistribuir a renda entre pessoas e entre regiões do país.

Há várias formas de fazê-lo, algumas delas bastante polêmicas. O governo pode, por exemplo, instituir regras de desapropriação e redistribuição de patrimônio, como no caso da reforma agrária.

Outro mecanismo é ofertar serviços com impacto relevante sobre a capacidade de ascensão econômica das pessoas. É o caso da educação e da assistência à saúde. Ambas podem ser encontradas no mercado privado. Mas como os mais pobres não podem pagar por esses serviços privados, o governo os oferece gratuitamente ou a custo subsidiado, na expectativa de que as pessoas mais pobres tenham condições mais equitativas de competição no mercado de trabalho.

Há, também, a assistência social, voltada para minorar a pobreza mais extrema.

Pode-se, atuar, ainda, por meio de políticas de desenvolvimento regional, voltadas a estimular o crescimento econômico em áreas atrasadas (crédito subsidiado às empresas que lá se instalarem, transferências do governo federal aos governos das regiões retardatárias, construção de estradas para ligar tais regiões aos centros dinâmicos, etc.)

Também se pode tentar afetar a distribuição de renda por meio de regulação, como no caso do estabelecimento de um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais sub-utilizadas.

Conclusão

Esse texto procurou mostrar as situações em que o governo deve intervir na economia, com o objetivo de elevar o nível de bem-estar da sociedade. Essa estrutura de raciocínio permite que cada cidadão examine se vale a pena ou não a realização de uma atividade estatal. Sempre que um governo anunciar um novo programa ou uma nova lei, o eleitor deve se perguntar: qual a falha de mercado que se pretende resolver? Será que não se estará criando uma falha de governo mais grave que a falha de mercado que se pretende resolver?

Para que se possa responder integralmente a esse tipo de questão, será apresentado, em breve, um texto analisando as “falhas de governo” decorrentes da intervenção do governo na economia.

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Para ler mais sobre o tema:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Andrade, E. (2004) Externalidades. In: Arvate, P., Biderman, C. (Orgs.) Economia do setor público no Brasil.FGV/Campus. São Paulo., p. 16-33

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.

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Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=33&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-leis-e-o-poder-judiciario-afetam-a-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=33#comments Sun, 13 Feb 2011 23:58:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=33 As leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-los (polícia, judiciário, fiscalização sanitária, Receita Federal, agências reguladoras, etc. ), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas. Uma legislação que estabeleça impostos muito elevados, por exemplo, representa um incentivo à sonegação. Uma adequada lei de patentes, que proteja as inovações tecnológicas e gere lucros aos inventores, por sua vez, será um incentivo para o desenvolvimento científico.

Há uma série de situações econômicas que não podem ser deixadas ao livre arbítrio do mercado, precisando ser reguladas por lei e que, por isso, ficam sob a influência das leis e das instituições citadas acima. Por exemplo: é preciso impor regras e penalidades para que as fábricas não lancem nos rios e mares os dejetos gerados durante o processo produtivo; é preciso criar impostos para financiar atividades que são importantes para a sociedade, mas que não dão lucro e, por isso, não são oferecidas no mercado privado (construção de estradas, saneamento básico, saúde preventiva, preservação de florestas); é preciso oferecer a toda a sociedade alguns bens e serviços que, se deixados ao mercado, seriam acessíveis apenas às populações de maior renda (educação, saúde); é preciso evitar a formação de monopólios e cartéis que prejudiquem a concorrência e tornem os produtos mais caros e de menor qualidade. Tais fenômenos são conhecidos pelo termo genérico “falhas de mercado”, que se refere a situações em que o livre funcionamento do mercado leva a situações socialmente indesejáveis.[1]

Na prática, as leis e instituições destinadas a corrigir falhas de mercado têm diversos graus de qualidade. Tanto podem ser eficazes na redução das falhas de mercado, quanto podem introduzir distorções adicionais na economia. Nessa situação, há leis editadas com o objetivo de congelar preços, prejudicando o equilíbrio natural do mercado. O Plano Cruzado é um exemplo típico, pois, ao promover o congelamento de preços para combater uma hiperinflação, não permitiu o ajuste dos valores de mercadorias sujeitas à sazonalidade, gerando um desequilíbrio de preços. Como resultado disso, vieram o desabastecimento de bens (ninguém se dispunha a vender com prejuízo ou perder oportunidades de lucro) e o surgimento de ágio para compra de produtos escassos, principalmente os que se encontravam na entressafra, como carne e leite.

Outro ponto importante na relação entre a área jurídica e a econômica é o “direito de propriedade”, conceito jurídico que se refere ao fato de que o proprietário é livre para usar seus bens como quiser (desde que dentro da lei) sem a interferência ou intromissão de outros. Direitos de propriedade que não são perfeitamente seguros desestimulam os investimentos, reduzindo o potencial de crescimento da economia. Produtores rurais que se sintam sob ameaça de invasão de suas terras por movimentos de “sem-terra” reduzirão os investimentos em infraestrutura e melhoria da terra, pois temem o risco de perder esse investimento no caso de uma invasão. Países que costumeiramente confiscam investimentos feitos por estrangeiros ou não pagam suas dívidas externas se tornam perigosos para os investidores internacionais e deixam de ser atrativos para empresas que poderiam ali se instalar, produzir e gerar empregos.

O Teorema de Coase[2] ensina que, se não houver custos de transação, basta que os direitos de propriedade sejam bem definidos para que uma negociação entre os interessados aconteça e os recursos sejam utilizados da forma mais eficiente possível. Os custos de transação são os gastos necessários à realização de um negócio no mercado, como pagamento de taxas, advogados, corretores, cartórios e outros envolvidos na transação. Assim, para a literatura de Análise Econômica do Direito, as leis deveriam ser elaboradas de forma a remover os obstáculos à negociação privada, reduzindo ao máximo os custos de transação para melhorar o desempenho da economia. Essa deveria ser uma das principais funções das instituições de forma geral (regramentos jurídicos, tribunais, etc).

Também relevante é o impacto da ação do Poder Judiciário na economia. Uma importante distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.

Além disso, esse alto índice de exclusão judicial tem efeitos sobre os contratos de crédito e os contratos trabalhistas, pois, como as empresas sabem da baixa possibilidade de recorrer à Justiça, não se preocupam com a formalização dos negócios, ou seja, existe um incentivo para o trabalho precário (informalidade no mercado de trabalho) e para empréstimos que passam ao largo do sistema financeiro tradicional (agiotagem).

Outro problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demora-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.

O problema não é privilégio da recuperação de contratos de crédito. A mesma situação se repete em litígios da área cível como pagamento de verbas indenizatórias.

No entanto, avanços estão acontecendo. Um exemplo atual pode ser encontrado no mercado de locação de imóveis. Foram promovidas alterações na Lei do Inquilinato com a publicação da Lei 12.112, de 2009. O objetivo foi conceder mais segurança aos proprietários dos imóveis urbanos. Depois dessa mudança na legislação, é mais habitual que os locadores tenham sucesso rápido em ações de despejo por falta de pagamento do aluguel.  Essa sistemática traz mais tranquilidade ao mercado e segurança para quem investe em imóveis para locação, que resulta em maior oferta de imóveis e redução do valor médio do aluguel, beneficiando o inquilino que paga em dia suas obrigações.

Em conclusão, uma política de desenvolvimento nacional não passa apenas pelas variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de investimento. É importante considerar também o impacto da legislação e do funcionamento das instituições sobre o comportamento de indivíduos e empresas. A análise econômica do direito afeta áreas tão distintas quanto a flexibilidade do mercado de trabalho, o aperfeiçoamento do mercado de crédito e do sistema financeiro, a melhoria da tributação e do ambiente de negócios. Todos esses tópicos dependem de aprovação de leis. Elas é que, se bem desenhadas, fornecerão os incentivos corretos para que indivíduos e empresas, ao buscarem o melhor para si, também atuem de forma eficiente.

Por fim, cabe enfatizar a necessidade de redução do custo de resolução de conflitos. Isso se consegue com uma reforma do Poder Judiciário. Tal aprimoramento vem sendo realizado paulatinamente, como os novos Códigos de Processo Penal e Civil aprovados recentemente no Senado.

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Para ler mais sobre o tema:

Referências específicas para o tema “falhas de governo”:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Andrade, E. (2004) Externalidades. In: Arvate, P., Biderman, C. (Orgs.) Economia do setor público no Brasil.FGV/Campus. São Paulo., p. 16-33

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.

Referências para “análise econômica do direito”:

Cooter, Robert; Ulen, Thomas. (2010). Direito & Economia, 5ª edição. Porto Alegre: Bookman.

WORLD BANK DOCUMENT. Brazil, Judicial performance and private sectors impacts: findings from World Bank sponsored research. Report 26261- BR. July, 1, 2003.

Zylbersztajn, Decio; Sztajn, Rachel. (2005). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier.


[1] O leitor pode conhecer mais sobre o tema consultado a bibliografia sugerida ao final do texto.

[2] Ronald Coase – Prêmio Nobel de Economia em 1991.

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