Destruição criativa – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 5G: Conectando o Brasil com o Futuro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3655&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=5g-conectando-o-brasil-com-o-futuro Sun, 24 Jul 2022 04:33:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3655 5G: Conectando o Brasil com o Futuro

 

Por Marcos Ferrari* e Amanda Lopes**

 

O Paradigma da Telefonia Móvel

Recém-lançada no Brasil, a 5ª geração de banda larga móvel (standalone) nasce com o propósito de revolucionar as telecomunicações e promover um ambiente produtivo totalmente digital. Neste cenário, o setor de telecom desponta como o agente central do crescimento brasileiro.

Entender as razões que tornam o 5G o habilitador do desenvolvimento econômico requer a compreensão da evolução dos padrões da tecnologia móvel e a importância da tecnologia na economia. No passado, o objetivo primordial das telecomunicações era facilitar a comunicação entre pessoas, através de serviços de áudio e texto. A evolução da tecnologia, entretanto, abarcou os anseios do passado e superou o objetivo inicial.

A popularização do telefone celular ocorre na década de 80, quando a primeira geração de tecnologia (1G) possibilita a transmissão wireless de voz através de sinais analógicos. Apesar do avanço, o 1G apresenta falhas severas de segurança de dados e a transmissão sofria com interferências.

Uma década depois, o 2G surge com um novo paradigma: transmissão do sinal digital em vez do analógico. A mudança solucionou as questões de ruídos e possibilitou a criptografia dos dados, de forma a promover o primeiro passo em direção à cybersegurança móvel. As evoluções do 2G também possibilitaram a comunicação via SMS e a criação do sistema de internet móvel.

A telefonia já se encontrava no patamar de oferecer aos clientes comunicação via voz, mensagem e dados em um só equipamento. Contudo, à medida que o 2G era disseminado, aumentavam as demandas por mais largura de banda e velocidade. Neste cenário, o 3G foi lançando nos 2000 com o intuito de estabelecer um novo patamar de capacidade de transmissão de dados e potencial de conexão nos mais diversos lugares.

A facilidade promovida pela telefonia móvel alterou gradativamente a forma de comunicação da sociedade, impondo novas necessidades. Conversar com a família, participar de reuniões, fazer negócios, digitalizar empresas, todas são atividades que sofreram sensíveis mudanças em 20 anos. As  necessidades crescentes nos levaram ao 4G (LTE), tecnologia que habilitou diversas aplicações móveis relacionadas a serviços bancários, mobilidade, delivery, popularizando smartphones e tablets. A conexão enfim alcançou a maioria das pessoas de forma inegável. Em junho de 2022, a Lei Complementar nº 194 alterou a Lei Kandir de forma a considerar telecomunicação um serviço essencial à sociedade.

A natureza das telecomunicações, inicialmente com enfoque na mera comunicação entre agentes, ganha contorno transversal na economia, habilitando o desenvolvimento de diversos setores.

A evolução das telecomunicações pode ser muito bem compreendida pelo processo schumpeteriano de destruição criativa (Schumpeter, 1942): a incessante inovação e os processos de substituição de produtos obsoletos por paradigmas tecnológicos modernos permeiam o desempenho econômico de longo prazo e as constantes flutuações econômicas. A concorrência, dentro desta abordagem, exerce papel fundamental sobre a mudança tecnológica. No sistema capitalista, a competição endogeniza o progresso tecnológico (Dosi, 1988). Firmas buscam aprimorar o capital produtivo na busca por lucro potencial e diferenciação no mercado. 

Gráfico 1 – Acessos de Telefonia Móvel por Tecnologia

Fonte: Anatel. Elaboração: Conexis.

A destruição criativa e a acumulação das inovações tecnológicas, propiciadas pelas telecomunicações, guiaram a evolução entre um cenário produtivo restrito e manual, para um mundo conectado e digital. Apesar de uma tecnologia não findar com a chegada de uma nova, a mudança de paradigmas é visível. Até os dias atuais, o 2G e 3G continuam a atender algumas das necessidades de áreas mais remotas ou conectar máquinas de cartão de crédito, por exemplo, mas a chegada do 4G promoveu uma mudança qualitativa como nova base habilitadora de diversas aplicações. Com o 5G, haverá outra mudança qualitativa, e o 4G coexistirá por muitos anos.

Neste espírito, podemos entender que apesar da tecnologia ter alcançado um pico com o 4G e desta ser uma tecnologia que ainda provê as necessidades diárias da sociedade, o 5G abre portas para mais uma rodada de inovações além do imaginado. E, definitivamente, esta jornada não se encerra por aqui.

A Inovação do 5G

Apesar do lançamento do chamado 5G “puro”, ou standalone, ser recente, serviços de 5G DSS, ou non-standalone, já eram oferecidos no Brasil. O 5G DSS agrega frequências reaproveitadas do 3G e 4G para tentar aumentar o throughput (quantidade de dados transmitidos por uma rede), porém a capacidade de banda é limitada a 10~20 Mhz.

Visto a restrição dessa modalidade, o Leilão do 5G, realizado em novembro de 2021, abre as portas para uma tecnologia de ponta. A faixa de 3,5 GhZ, leiloada como a faixa nobre do 5G standalone, possui 100 Mhz de largura de banda e uma capacidade de throughput superior ao DSS.

O 5G se destaca pelo ganho de performance significativo, seja em velocidade, latência, capacidade ou número de aparelhos que podem se conectar simultaneamente. Segundo a UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas e responsável por criar as diretrizes mundiais de telecom, define uma norma para o 5G: a rede deve prover velocidade de 10 Gbps por segundo, latência de 1 milisegundo e até 1.000 conexões simultâneas por km².

Essa última característica viabilizará o Massive IoT, ou seja, a conexão de milhares de devices com uma nuvem central, capaz de receber constantes bits de informação e processar dados. A Internet das Coisas (IoT) representa uma mudança contínua de paradigma nas comunicações: tudo o que se beneficia de uma conexão pode e será conectado.

Diversos testes envolvendo redes 5G têm sido realizados para comprovar os benefícios da nova tecnologia. Na agricultura, pode-se destacar a pesquisa da Avant Agro na implementação de drones munidos com 5G e Inteligência Artificial para monitoramento de lavouras.

Segundo a Embrapa, estima-se que a dificuldade em detectar ervas daninhas em plantações de soja, possa gerar prejuízos de R$ 9 bilhões anuais no país em decorrência da perda de produtividade. O 4G já possibilita o uso de drones para mapeamento do campo, porém de forma offline. Isso significa que a informação coletada pelo drone fica armazenada em um cartão de memória, sendo necessário que o operador as transfira do cartão para uma máquina, de forma que os dados sejam processados. De acordo com a Avant Agro, o mapeamento offline leva aproximadamente 12h e 4,5 GB para uma área de 25 hectares.

Ao implementar a tecnologia 5G aos drones, permitindo uma conexão online, onde os dados são importados para um cloud e tratados por algoritmos em tempo real, o tempo do processo cai para 3h43min. O reconhecimento das ervas daninhas por meio de drone conectado à rede 5G, reduz custos e propensões a erro, além de reduzir substancialmente o tempo do processo.

As aplicações do Massive IoT poderão também ser implementadas em diversos setores, como na saúde, através de wearables que acompanham sinais vitais e mudanças de comportamento, facilitando a triagem e o encaminhamento de pacientes à unidade de saúde. Esta função pode gerar redução de custos de atendimento e munir profissionais da saúde com amplo histórico sobre os pacientes.

No setor de logística, os processos aduaneiros (smart ports) também devem se beneficiar por smart tags, por exemplo, que permitem o acompanhamento do transporte de mercadorias do produtor ao consumidor final em tempo real, inclusive para fins de fiscalização e tributários.

Na contramão de aplicações de Massive IoT que requerem a conexão de milhares de endpoints com trocas de pequeno volume de dados, o 5G promoverá o Critical IoT. Estas aplicações são caracterizadas por um volume de dispositivos significativamente menor e maior demanda por confiabilidade. Aplicativos como esses exigem densa cobertura de conexão, latência ultrabaixa e alta taxa de transferência de dados.

Setores de segurança, tráfego, energia e saúde serão alguns dos setores servidos pela baixa latência, ultra velocidade e confiabilidade do 5G. Um dos casos mais clássicos quando pensamos em automatização é o do carro autônomo. Os sistemas de veículos autônomos geram enormes quantidades de dados para medir e navegar externamente. Esses aplicativos contam com a transmissão de informações em tempo real para atender às demandas de direção segura. A confiabilidade do sistema e o rápido poder de resposta são essenciais para a existência deste sistema. A tecnologia 5G será habilitadora deste novo mercado.

Outras inovações como as cirurgias à distância, gerenciamento de tráfego de rodovias e sensoriamento de caldeiras de termoelétricas são atividades que dependem exclusivamente de uma rede de conexão de altíssima confiabilidade para serem operadas online. Elas devem funcionar sem lapsos, visto que o risco de falhas de conexão torna-se sensível no Critical IoT.

Apesar de já existir um hall de aplicações sendo discutidas e muitas delas implementadas, conforme mencionado, não temos ao certo ainda quais serão as aplicações que de fato revolucionarão o mercado. E o mais importante, talvez ainda não seja possível visualizar as futuras demandas por aplicações. Esse processo ocorre desde os primórdios da telefonia móvel, a tecnologia avança e a sociedade a adapta em torno de suas necessidades.

É inegável, contudo, que existe uma premissa para que a tecnologia prospere: infraestrutura. A infraestrutura possibilita o surgimento das inovações e tecnologias que vão direcionar o nosso futuro. Faz-se necessária a criação de um ambiente frutífero para que desenvolvedores e empresas possam criar tudo aquilo que um dia será indispensável. Para isso, além de garantir uma conexão veloz e de baixa latência, é preciso conectar o país. Instalar infraestrutura nas cidades, promover um ambiente de negócios frutífero e seguro, além de garantir a conectividade das pessoas.

Dificuldades de Implementação

Em um estudo sobre os impeditivos institucionais da destruição criativa, Caballero (2008) argumenta que, para efeitos práticos, as inovações ocorrem continuamente e que na ausência de obstáculos à sua implementação, teríamos um cenário de infinita reestruturação da economia. O incessante ciclo de reestruturação, porém, seria freado por dois obstáculos: limitação de recursos a serem dispendidos no ajuste ao novo paradigma e os impedimentos institucionais criados pelo homem.

O setor de telecom mundial é amplamente conhecido por estar na ponta de P&D, redefinindo fronteiras de conhecimento e tendo liderado, inclusive, a última onda de inovação (mídias digitais, softwares e redes). Apesar disso, imputa-se ainda sobre o setor alguns obstáculos institucionais de regulamentação.

Pouco se fala no assunto, mas para que seja possível atingir a cobertura nacional com o 5G, a nova geração de internet móvel vai exigir uma quantidade de antenas de 5 a 10 vezes maior que a atual. A necessidade de ampliação da infraestrutura de telecom traz consigo a problemática da instalação de antenas nas cidades. Arcabouços ultrapassados impedem a rápida adaptação das cidades ao 5G.

Dentre o universo de 5.570 municípios brasileiros, apenas 106 estão com uma legislação plenamente adequada para as necessidades do 5G. Entre as capitais, apenas 48% apresentam convergência.

Apesar de a regulamentação de telecomunicações ser federal, as leis que determinam as regras para instalação de antenas são municipais, gerando gargalos em cidades que ainda têm leis de antenas desatualizadas e em desacordo com a Lei Geral de Antenas.

Muitos são os entraves para a obtenção de licenças que permitam a instalação de antenas. Certos municípios impedem a fixação de antenas em perímetros escolares ou hospitalares, impondo restrições à conexão de estudantes; outros impossibilitam a instalação de infra em local sem regularização fundiária, afetando diretamente as populações mais carentes; ainda existem questões arquitetônicas que travam a obtenção de licenças. É importante ressaltar que estas legislações geram incongruência entre as legislações municipais e a necessidade para avanço pleno do 5G.

Além de entraves legais, o tempo médio para o licenciamento de uma antena também gera atrito. De acordo com a Lei Geral de Antenas (Nº 13.116/2015), o prazo para emissão de qualquer licença referida à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana não poderá ser superior a 60 dias. Entretanto, o tempo médio efetivo tem sido de seis meses, chegando até a 1 ano em algumas cidades, o que não é compatível com a nova tecnologia.

A vitória conquistada pelo setor no Senado Federal em julho de 2022 com a aprovação do PL 1885/2022 é muito oportuna para facilitar a instalação da infraestrutura. O projeto chamado “Silêncio Positivo” autoriza operadoras a instalarem equipamentos de infraestrutura de telecomunicações nos municípios caso as autoridades locais não se manifestem no prazo determinado pela LGA. O projeto aguarda agora sanção presidencial.

As revoluções tecnológicas do setor de telecomunicações têm impacto direto na contínua expansão da economia, através da promoção de inovações ou adequação de cadeias para modelos mais produtivos e eficientes. A vertente do novo institucionalismo de Douglas North expõe que as tecnologias apenas surgiram e se desenvolveram em países com ambiente institucional propicio. É imperativo que o arcabouço jurídico que envolve o setor no Brasil reflita a vanguarda e rapidez como o mundo digital avança. Essas mudanças visam acomodar o progresso tecnológico na estrutura brasileira de modo a promover impactos positivos nos mais diversos campos.

 

Referências

Caballero, R. 2008. Creative Destruction. The New Palgrave Dictionary of Economics, Second Edition.

Dosi, G. (1988). The Nature of the Innovation Process. In G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G. Silverberg, & L. Soete (Eds.), Technical Change and Economic Theory (pp. 221-238).

Ferrari, Marcos. 2006. A economia evolucionária/neoschumpeteriana e o novo institucionalismo: em busca de explicações para a mudança tecnológica e institucional. Vitória: XI Encontro Nacional de Economia Política.

Ferrari, Marcos & Lopes, Amanda. 2022. The 5G Agenda and its Impact on the Economy. São Paulo: The Winners n° 46.

Paudel, P. & Bhattarai, A. 2018. 5G Telecommunication Technology: History, Overview, Requirements and Use Case Scenario in Context of Nepal.

Schumpeter, J. 1942. Capitalism, Socialism, and Democracy. New York: Harper & Bros.

UIT. 2018. Key features and requirements of 5G/IMT-2020. Algeria: ITU Arab Forum.

 

 * Marcos Ferrari é doutor em Economia pela UFRJ e Presidente-Executivo da Conexis Brasil Digital, também foi Diretor de Infraestrutura e Governo do BNDES, Secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. 

** Amanda Lopes é mestranda em Políticas Econômicas pela Erasmus University of Rotterdam e Analista de Estudos Econômicos na Conexis Brasil Digital.

 

]]>
Gerar empregos é sempre uma boa ideia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1628&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=gerar-empregos-e-sempre-uma-boa-ideia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1628#comments Mon, 26 Nov 2012 11:19:00 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1628 É comum vermos placas de obras públicas com mensagens do tipo: “esta obra gera 1.000 empregos diretos!”, ou vermos políticos em campanha dizendo que sua meta é gerar tantos milhões de vagas no mercado de trabalho. Na campanha eleitoral para a Presidência da República, no Brasil, em 2003, por exemplo, o mote principal da campanha do Presidente Lula  foi a criação de 10 milhões de empregos. O opositor, José Serra, não ficava atrás em propostas e números de empregos a serem criados.

Na recente campanha presidencial dos EUA, o fenômeno se repete, o Presidente-candidato Barack Obama afirmou que “o propósito do American Job Act é simples: colocar mais pessoas de volta ao trabalho e mais dinheiro no bolso de quem está trabalhando. Ele vai criar mais empregos na construção, mais empregos para professores, mais empregos para veteranos, e mais empregos para quem está desempregado há muito tempo”[1].  O candidato de oposição, Mitt Romney, não tinha discurso muito diferente: “não é complicado ou profundo saber o que o nosso país precisa (…). O que a América precisa é de emprego. Muitos empregos!”[2]

O desejo de criar empregos é forte o suficiente para que governantes defendam, por exemplo, a expansão da indústria de armamentos, com base na ideia de que ela cria empregos, como fez recentemente o Primeiro Ministro Inglês, David Cameron[3].

No Brasil, Governadores de Estado se digladiam para atrair empresas para seus territórios, por meio da guerra fiscal, para que seu eleitorado tenha mais empregos. Outros são mais pragmáticos e aumentam o emprego simplesmente contratando mais funcionários públicos que o necessário.

Mas afinal, o que será mais importante: gerar empregos ou gerar produtos e serviços que sejam úteis para a sociedade? Nem sempre as duas coisas andam juntas. Muitos avanços tecnológicos, capazes de gerar mais e melhores produtos e aumentar a prosperidade da sociedade, simplesmente resultam em cortes em vagas de trabalho. Pelo menos no curto prazo. Quando a revolução industrial introduziu teares mecânicos e máquinas a vapor, milhares de artesãos ficaram sem emprego. Quando a informática permitiu a criação de caixas eletrônicos nos bancos, reduziu-se o mercado de trabalho para bancários. A mecanização da agricultura ceifou inúmeras vagas de trabalho de colheita manual. A luz elétrica acabou com o romântico emprego de acendedor de lampiões!

Se a geração de emprego fosse sempre boa, em qualquer circunstância, então seria preciso barrar esses avanços tecnológicos, em diversos momentos da história, para preservar o emprego de artesão, bancários, trabalhadores do campo e tantas outras profissões que perderam espaço em decorrência de inovações. Mas nesse caso, você estaria até hoje entrando em fila de banco para sacar dinheiro, em vez de economizar seu tempo fazendo um rápido saque em um terminal eletrônico. Ou estaria pagando uma fortuna por um quilo de arroz ou feijão, porque a oferta de produtos agrícolas seria muito menor do que a que temos hoje.

É compreensível que os trabalhadores que estão ameaçados pela perda de renda ou de emprego reajam e tentem manter o status quo.  Todos nós tememos mudança que nos tragam prejuízos no curto prazo e incertezas. Isso explica porque os artesãos se mobilizaram para destruir máquinas durante a revolução industrial, porque bancários fizeram greves e resistiram à informatização dos serviços bancários, ou porque empregados de empresas estatais costumam resistir à privatização.

Também é compreensível que os políticos queiram atender à demanda de curto prazo de seus eleitores prometendo empregos. Em artigo publicado no Valor Econômico de 9 de agosto de 2007, Cláudio Haddad deu um exemplo bem humorado, contando a história de um economista que foi visitar a construção de uma represa na China e percebeu que, em vez de retroescavadeiras os operários estavam usando pás. Ao questionar o mestre de obras sobre esse fato, teve como resposta que o uso de equipamentos desempregaria muitos operários. Ao que o economista respondeu: “”Pensei que vocês estivessem construindo uma represa. Se estiverem querendo criar emprego, por que não lhes dar colheres?””. Certamente seria necessária uma parcela significativa da população chinesa para cavar um reservatório de hidrelétrica com colheres, e com isso qualquer político teria cumprido a sua promessa de gerar tantos milhões de empregos.

O fato é que os empregos que são perdidos quando ocorrem inovações tecnológicas, em um processo conhecido como “destruição criativa”, termo cunhado pelo economista Joseph Schumpeter, acabam por ser compensados pelo fato de que as inovações abrem novos mercados, que antes não existiam.

Por exemplo, as vagas de emprego de bancário, que foram fechadas pela informatização dos serviços financeiros, foram compensadas por outras vagas de programadores, designers, engenheiros de computação, etc., que passaram a ser necessários para a provisão de tal serviço. E note que a maioria dessas especialidades exige maior escolaridade e formação técnica que a exigida para o emprego de bancário, pagando salários mais elevados.

Muitos se lembram da resistência dos empregados de empresas estatais durante o processo de privatização, nos anos 90. Temerosos de perder seus empregos, ou de perder a estabilidade de que gozavam, fizeram ampla campanha política contra a privatização. Tivessem sido bem sucedidos, ainda estaríamos pagando US$ 5.000,00 por uma linha de telefone fixo, ou usando orelhões com fichas. Os empregos que foram perdidos, ou os salários que foram reduzidos, provavelmente foram mais do que compensados pelo gigantesco mercado de telefonia celular que se desenvolveu após a privatização (desde quiosques que vendem capas e baterias nos shopping centers, até a engenharia de sistemas e produção física de aparelhos celulares). Isso sem falar nos ganhos produtividade proporcionados a todos os setores da economia, que passaram a contar com diversificados meios de comunicação instantânea.

Mas não são apenas empregados e sindicatos que reagem à possibilidade de perder empregos. Empresas cuja lucratividade esteja sob ameaça de produtos importados costumam correr para o governo, pedindo proteção (em geral aumento de tarifas de importação), argumentando que a concorrência estrangeira irá ceifar empregos gerados pelas empresas nacionais. E o governo (seja ele qual for), que na campanha eleitoral prometeu gerar tantos mil empregos, corre para atender a demanda da indústria nacional. A consequência é que a intervenção governamental impede que os consumidores e empresas tenham acesso a produtos de maior qualidade e/ou menor preço. Essa interferência também permite que recursos econômicos (capital, trabalho, espaço físico, consumo de recursos naturais) sejam alocados para uma produção que gera produtos piores a preços maiores.

Nesse ponto do texto já dá para perceber que a resposta à pergunta do título (gerar emprego é sempre uma boa ideia?) é negativa. O que é relevante é gerar produtos e serviços que sejam úteis para a sociedade, ainda que isso se faça por meio de destruição criativa. Proteger empregos e empresas que já não são a melhor opção produtiva para o país significa barrar a entrada do novo, do mais produtivo. Se há interesse em proteger aqueles que foram negativamente afetados pelas mudanças, é mais barato, do ponto de vista social, utilizar políticas compensatórias (como seguro-desemprego ou bolsa-família) do que manter artificialmente o emprego.

Alguns economistas argumentam que a alocação ineficiente dos recursos de uma sociedade pode ser responsável por grande parte da diferença de produtividade entre as economias mais atrasadas e as mais desenvolvidas.

Pete Klenow, da Universidade de Stanford, por exemplo, apresenta evidências da existência de cinco tipos de problemas que podem ser fontes de má alocação de recursos em uma sociedade, gerando perda de produtividade e, consequentemente, menor capacidade de geração de produtos e serviços (sobre a definição de produtividade ver, neste site, o texto “O que é produtividade e como conseguir seu incremento?”, que é complementar ao presente texto)[4].

O primeiro desses fatores refere-se à dificuldade que as economias enfrentam para se adaptar às inovações que ocorrem cotidianamente. Como evidência desse fenômeno, ele mostra que a rotatividade no mercado de trabalho norte-americano (economia de alto nível de produtividade) é muito superior à dos países que impõem regulação distorciva ao mercado de trabalho (multas para empresas que demitem, estabilidade no emprego garantida em lei, etc.). Como o mercado de trabalho dos EUA é considerado um dos mais desregulamentados do mundo, esta é uma evidência de que o intuito governamental (em vários países) de garantir empregos de quem já está empregado pode estar sendo atingido às custas de menor criação de emprego para quem está desempregado.

Em segundo lugar está a presença de empresas estatais na economia. Tais empresas são, em geral, menos produtivas que as suas contrapartes privadas e, portanto, representam uso menos produtivo dos recursos escassos da sociedade. Klenow mostra evidências de que as privatizações na China são responsáveis por parte relevante da aceleração do crescimento daquele país.

Em terceiro lugar vem a soma de informalidade com tamanho médio de empresas. Nos Estados Unidos, assim como nas demais economias desenvolvidas, predominam as grandes e médias empresas, que aplicam métodos de trabalho de alta produtividade. Nos países menos desenvolvidos abundam as pequenas empresas, em geral informais.

Por que a informalidade predomina? Primeiro porque ser pequeno permite ao empresário escapar da tributação. Assim, mesmo sendo menos produtivo que uma empresa grande, a empresa pequena se mantém competitiva pois a grande empresa é mais visível para o fisco e tem  que pagar seus impostos. No Brasil, aliás, ser pequeno (ainda que formal) vale a pena, pois a empresa se beneficia da tributação pelo sistema SIMPLES. Quando começam a ficar lucrativas e têm a oportunidade de crescer, as empresas se dividem em duas (com todos os custos e complicações burocráticas que isso implica) para não perder o benefício tributário. Em vez de aproveitar os ganhos de escala do crescimento, para produzir mais e melhor, a empresa se escora nos benefícios fiscais para manter seu lucro.

Ser pequeno e improdutivo também compensa porque o empregador pode fugir às leis trabalhistas com menor probabilidade de ser apanhado pela fiscalização governamental. A informalidade é ainda recompensada por evitar todos os custos e burocracias envolvidos na criação de uma empresa 100% de acordo com a legislação. A consequência é uma só: a empresa pequena e informal consegue sobreviver no mercado, sendo menos eficiente que a grande e média empresa formal porque não incorre em diversos custos pagos por estas. E, com isso, a destruição criativa de empresas menos produtivas não ocorre. Coexistem no mercado empresas de alta e de baixa produtividade.

O quarto fator são as já comentadas barreiras tarifárias ao comércio, que protegem empresas e setores econômicos menos eficientes. E, finalmente, o quinto fator é a alocação de talentos. Se supusermos que inteligência e capacidade são distribuídos de acordo com uma distribuição normal entre os membros da sociedade, então se alguns grupos sociais são impedidos de assumir funções profissionais que requerem habilidade e inteligência, parte da capacidade intelectual desta sociedade estará sendo desperdiçada. Isso ocorre, por exemplo, em regimes racistas que impedem que negros tenham acesso à escolaridade e a profissões de alto nível técnico. Os talentosos que nasceram negros não poderão dar sua contribuição à sociedade, o mesmo acontecendo com mulheres ou indivíduos de castas inferiores, em sociedades que bloqueiam a ascensão de tais grupos.

Outra forma de má alocação de talentos se dá por meio do subdesenvolvimento do mercado financeiro e de capitais. Quando não se desenvolvem mecanismos capazes de oferecer às empresas a oportunidade de abrir seu capital e profissionalizar a gestão, a tendência é que as empresas sejam geridas por dinastias familiares, o que já se comprovou ser menos eficiente.

Em suma, em vez de se preocupar em gerar empregos no curto prazo, os governos deveriam se preocupar em incentivar as empresas e a mão-de-obra a serem mais produtivas. Isso significa evitar legislação que bloqueie a concorrência e evite a destruição criativa, a facilitar a realocação de capital e mão de obra entre os setores decadentes e os ascendentes, estimular o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais, democratizar o acesso ao ensino, controlar o tamanho do setor público e garantir serviços públicos que garantam a produção a baixo custo (estradas sem buracos, escolas que efetivamente ensinem, hospitais que atendam e curem os doentes, etc.). Além disso, é importante dar algum suporte a empregados e empresas que estejam em setores decadentes ou não competitivos. Políticas como garantia de emprego por um prazo determinado em empresas privatizadas, ou redução gradual e programada de barreiras comerciais são mecanismos que aliviam a tensão social e reduzem os custos de curto prazo da destruição criativa.

Download:

  • veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).

———————————

[2]Tradução livre. Discurso obtido em http://www.guardian.co.uk/world/2011/sep/09/barack-obama-usa

[3]Tradução livre. Discurso obtido em http://www.foxnews.com/politics/2012/08/30/after-convention-warm-up-romney-to-make-his-case-in-nomination-speech/

[4] http://www.caat.org.uk/press/press-release.php?url=20121112prs

Ver apresentação e slides da argumentação de Klenow em http://www-2.iies.su.se/Nobel2012/page_nobel_slides_java.html#Klenow

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1628 11