despesa pública – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 29 Jun 2015 12:42:23 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Olimpíadas e Copa do Mundo: prestígio a que preço? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2549&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=olimpiadas-e-copa-do-mundo-prestigio-a-que-preco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2549#comments Mon, 29 Jun 2015 12:42:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2549 Nota dos editores

Esta semana temos o privilégio de publicar um artigo do Historiador e Economista Stanley Engerman, da Universidade de Rochester (EUA), que gentilmente nos autorizou a traduzir e publicar suas considerações sobre os custos e benefícios enfrentados por países sede de grandes eventos esportivos internacionais (já tratamos desse assunto anteriormente em outro post). O que nos leva a retornar ao tema e publicar esse texto, escrito em 2012 (antes da Copa do Mundo do Brasil e das Olimpíadas de Londres) é mostrar ao leitor que não é apenas em países menos desenvolvidos que os orçamentos desses eventos estouram. Também no Canadá, Austrália, Japão, Coréia do Sul, Espanha e Estados Unidos, o viés de otimismo levou a projeções irreais de custos e receitas, bem como à superestimação das receitas e da participação do capital privado no financiamento da empreitada. Em geral, o resultado é prejuízo absorvido pelos cofres públicos e ampliação significativa da dívida pública.

Portanto, quando o Brasil decidiu concorrer como sede de uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, realizados com apenas dois anos de diferença, já tinha a sua disposição evidências empíricas de que haveria alto custo para o orçamento público. Ademais, os Jogos Panamericanos de 2007 também já haviam dado mostras suficientes de custos financeiros elevados, desperdícios e erros primários de planejamento.

Também nos motivou tratar desse assunto a recente operação do FBI que resultou na prisão de dirigentes da FIFA e da CBF. As conexões de grandes eventos com a corrupção e os negócios de Estado indicam que os prejuízos públicos têm, como contrapartida, alguns poucos ganhadores privados. Vamos ao texto…

 

 

Dois grandes eventos esportivos internacionais atraem ampla audiência em vários países: os jogos olímpicos e a copa do mundo de futebol (três eventos, se considerarmos, em separado, as Olimpíadas de Inverno e as Olimpíadas de Verão, como o fazem o Comitê Olímpico Internacional (COI) e as redes de TV desde 1994).

Esses eventos têm certas características em comum. Eles ocorrem a cada quatro anos, têm grande audiência televisiva em escala internacional, a localização do evento é diferente em cada edição, existem rumores de corrupção no processo de decisão do local dos jogos (geralmente porque essa corrupção existe), e há muita controvérsia acerca dos resultados do evento para a cidade ou país sede.

Cada um desses eventos é de propriedade de uma organização privada, que é responsável pela escolha da localização, pela supervisão da preparação do local dos jogos, pelas regras de seleção dos participantes e pelos contratos de televisão. Essa organização privada também faz tudo que esteja ao seu alcance para proteger o monopólio do logotipo do evento, dos equipamentos e dos produtos a ele associados.

Em 2014 a Copa do Mundo será no Brasil e, logo em seguida, em 2016, o Rio de Janeiro será a sede dos Jogos Olímpicos de Verão. Muitos no Brasil estão prevendo lucros e a transformação da infraestrutura do país. Será que tais expectativas são realistas?

Uma coisa é certa: a competição para se tornar a sede desses eventos tem se tornado cada vez mais intensa, com inúmeras cidades ou países fazendo ofertas pesadas para ganhar a disputa. E este é o primeiro passo para o desastre financeiro. Requer-se do hospedeiro dos jogos a provisão de ampla infraestrutura, incluindo instalações para as competições e hospedagem para os atletas. A esperança – dificilmente realizada – é de que os estádios e arenas terão finalidade útil nos anos seguintes, enquanto as vilas olímpicas serão vendidas como apartamentos residenciais. Em geral há problemas que limitam os ganhos potenciais (ou aumentam as perdas). A principal expectativa de ganhos refere-se à atração de habitantes de outras cidades que, no futuro, irão frequentar as arenas e estádios para assistir a shows e eventos esportivos, dinamizando  as receitas dos hotéis e restaurantes, ao mesmo tempo em que gastariam dinheiro com os ingressos dos eventos. Essas expectativas, contudo, não se realizam, e as receitas oriundas dessas fontes acabam sendo menores que as estimadas no momento em que as cidades ou países estão competindo para sediar o evento. Também é muito comum observar uma escalada dos custos de promoção do evento entre o momento da candidatura e a data de realização dos jogos. Tais custos são absorvidos pelos anfitriões, como parte de suas obrigações contratuais.

A generalizada frustração das receitas esperadas e o estouro dos custos são os principais responsáveis pelos problemas financeiros dos países e cidades anfitriões. Mas também importantes são os tipos de compromissos assumidos para obter o evento e as estimativas irreais quanto ao uso e rentabilidade das instalações após o evento, com muitas dessas instalações não tendo o uso pós-evento que se programou para elas.

Com apenas poucas exceções, os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo representaram grandes perdas para os anfitriões. Apesar de se saber disso, a disputa para ser sede desses eventos é grande, seja por excesso de otimismo ou pela crença de que o prestígio internacional compensa o custo. Daí a pergunta básica: prestígio e estatura internacional a que custo? Apenas os Jogos Olímpicos de Verão de 1984, realizados em Los Angeles, deram lucro. Todos os outros jogos de inverno e de verão terminaram em prejuízo – apesar dos lucrativos contratos de televisão, que aparentemente se tornaram a principal fonte de financiamento dos eventos. Embora haja conhecimento de corrupção, e tenha havido alguma reclamação quanto à maneira como o COI opera, não houve mobilização que mudasse ou ameaçasse a natureza do processo de seleção das sedes.

A primeira Olimpíada de Verão ocorreu em Atenas em 1896, com 14 nações participantes. Desde então esses jogos ocorrem a cada quatro anos, exceto durante as duas grandes guerras. A mais recente foi a Olimpíada de Pequim em 2008, com mais de duzentas nações participando. As Olimpíadas de Inverno começaram em 1924 e, também à exceção do período das duas grandes guerras, foram realizadas a cada quatro anos (até 1992) no mesmo ano das Olimpíadas de Verão. Depois de 1992, para o benefício do COI, as duas Olimpíadas foram divididas e passaram a ser feitas em anos não coincidentes, com os jogos de inverno seguintes sendo agendados para 1994, e desde então realizado a cada quatro anos. A Copa do Mundo, atualmente realizada pela FIFA, teve a sua primeira edição em 1930 e vem ocorrendo desde então a cada quatro anos, com exceção para o período das duas guerras mundiais. As Olimpíadas de Verão incluíram, em 1900, o futebol como modalidade olímpica, o que foi mantido nos anos seguintes (a exceção de 1932), mas essa competição perdeu prestígio em relação à Copa do Mundo.

Embora pouco se conheça acerca dos aspectos financeiros das primeiras edições das Olimpíadas, acredita-se que a edição de Los Angeles, em 1984, tenha sido a primeira (e provavelmente a última) a ser lucrativa. Há inúmeras histórias de horror financeiro, em que a cidade sede perdeu volume expressivo de dinheiro, com os custos excedendo as expectativas enquanto as receitas ficavam abaixo do programado. As Olimpíadas de Verão de Montreal (1976) custaram US$ 1,2 bilhão, deixando uma dívida de US$ 750 milhões, que só acabou de ser paga dois anos atrás (2010). Os jogos de Barcelona (1992) custaram US$ 10,7 bilhões e deixaram uma dívida para o governo da ordem de US$ 6,1 bilhões. As Olimpíadas de Atenas (2004) custaram entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões, montante equivalente a 5% do PIB grego, e deixaram uma dívida de US$ 11,5 bilhões. Os custos foram apenas uma parte dos problemas enfrentados por Atenas, uma vez que a demanda por ingressos foi inesperadamente baixa. Apenas aproximadamente dois terços dos tíquetes foram vendidos, e o número de turistas na Grécia caiu em torno de 12% em relação ao ano anterior.

Os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, custaram em torno de US$ 43 bilhões. Nos casos de Atenas e Pequim, muito da dificuldade financeira veio das exigências de construção de infraestrutura para os jogos, o que significava novos estádios e arenas. Em Atenas, 21 dos 22 estádios construídos ficaram subutilizados, e passaram a representar custos adicionais de manutenção. Resultado similar se observou na China onde, apesar do custo de US$ 43 bilhões, várias das novas instalações ficaram sem uso. Nenhum uso permanente se encontrou para o caríssimo (US$ 500 milhões) novo estádio. Parece que se decidiu transformá-lo em um shopping Center, enquanto outros estádios menores serão demolidos. O Parque Olímpico construído em Sydney, para os jogos de 2000, está sem uso. Após à Copa do Mundo da África do Sul, os novos estádios permaneceram vazios, após terem custado US$ 5,4 bilhões. As Olimpíadas de Inverno de Vancouver em 2010 também deixaram dificuldades financeiras. A expectativa inicial era de que a venda dos apartamentos da Vila Olímpica cobririam o custo, mas isso não ocorreu. Menos da metade dos apartamentos foi vendida, o que contribuiu para uma dívida de US$ 730 milhões. Isso, contudo, foi muito menos do que as perdas das Olimpíadas de Inverno do Japão, em 1998, que teve um custo entre US$ 13 bilhões e US$ 14 bilhões, deixando uma dívida de US$ 11 bilhões.

Uma importante fonte de perdas financeiras para as sedes de Olimpíadas e Copas do Mundo são as exigências de infraestrutura. Como parte das exigências para ser sede da Copa do Mundo de 2002, o Japão teve que construir sete estádios novos e reformar outros três, a um custo de US$ 4,5 bilhões; enquanto a Coréia do Sul construiu dez estádios ao custo de US$ 2 bilhões. Eles são agora usualmente chamados de “elefantes brancos”. O maior dos estádios japoneses, com 64 mil assentos, foi construído ao custo de US$ 667 milhões. Depois da Copa do Mundo, a cidade onde está localizado gasta US$ 6 milhões por ano em manutenção, e o estádio é usado por um time local que não consegue atrair mais de 20 mil pessoas aos seus jogos.

O Estádio Olímpico de Montreal foi inicialmente orçado em US$ 150 milhões, mas, quando foi concluído, o seu custo já somava US$ 1,47 bilhão, incluindo reparos, impostos e juros. Isso contribuiu para a dívida da cidade, que soma US$ 1 bilhão. Após os jogos, transformou-se em sede de um time de baseball deficitário até o ano de 2004, quando esse time mudou-se para os EUA. O estádio agora tem uso limitado para esportes e outros eventos. Não está alugado para nenhuma equipe  e é conhecido como “The Big One”, em referência à sua situação financeira.

A expectativa de déficit se mantém para as Olimpíadas de 2012 em Londres e para o Copa do Mundo do Brasil em 2014. As cidades-sede do Brasil têm mostrado lentidão para completar seus doze estádios e treze aeroportos (mais 50 projetos de transportes) que foram prometidos à FIFA, e há um rumor de que a FIFA entrará na justiça para induzir o Brasil a cumprir seus compromissos. No momento, o custo estimado é de US$ 11,2 bilhões, a maior parte em infraestrutura. A proposta de Londres tinha custo inicial de US$ 2,4 bilhões. Recentemente, a estimativa de custos já havia subido para US$ 9 bilhões, a maior parte financiada pelos cofres públicos. É provável que o subsídio público esteja entre 80% e 90% em olimpíadas anteriores: 90% (Montreal 1996) e 82% (Munique 1972).

Atualmente, a principal fonte de recursos para as Olimpíadas é a venda de direitos de transmissão às emissoras de TV, principalmente nas vendas para as redes dos EUA. Esses direitos pertencem ao COI, e a organização define a participação dos comitês locais, que foi uma fatia de aproximadamente 30% em 2000. Após várias décadas de fortes altas no pagamento por esses direitos, essa tendência sofreu, recentemente, uma desaceleração. No período pós-1980, as demandas feitas pelas redes de TV levaram a mudanças fundamentais nas regras para participação nas Olimpíadas, permitindo-se que atletas profissionais pudessem participar ao lado de amadores, e permitindo-se a remuneração pela participação. A mudança mais marcante em direção ao profissionalismo ocorreu nos Jogos Olímpicos de 1992, quando o time de basquete dos EUA deixou de ser composto por atletas universitários e jogadores amadores, passando a ser formado por jogadores da NBA, dando origem ao famoso “Dream Team”. Essa mudança foi feita por duas razões. Primeiro, para aumentar a atratividade das transmissões de TV. E segundo, devido à incapacidade dos EUA para vencer em edições anteriores dos jogos, gerando um desejo nacionalista de reafirmar a supremacia norte-americana no basquete.

O que parece um enigma, dada a quase certeza de perda financeira de grande magnitude gerada por esses eventos esportivos, é o crescente desejo de mais cidades em obter o direito de sediá-los. Em 1984 apenas uma cidade, Los Angeles, concorreu para ser cidade-sede. Para 2012 foram nove cidades, e, para 2016, doze!

Nos EUA as cidades frequentemente provêm subsídios aos seus times profissionais, por meio da construção de arenas e estádios. É bastante sabido que tais cidades não recuperam seus custos. A justificativa para manter o subsídio envolve alguma explicação não-pecuniária ou não-financeira, tais como o orgulho da cidade: como você pode considerar sua cidade como grande se ela sequer tem um time de futebol americano da NFL? Trata-se de ter o prestígio de ter um time na liga principal, de elevar o moral da cidade, de ganhar a atenção dos outros. Essas são algumas das explicações para manter uma atividade sabendo-se que ela gerará perda financeira. Essas explicações também se aplicam ao desejo de sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo, embora em uma escala mais ampla, dada a maior escala do custo financeiro. Por isso, a expectativa de perda financeira, baseada na experiência passada, não é suficiente para conter o incentivo a concorrer para ser cidade sede.

A combinação da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 promete ter impacto negativo nas finanças públicas do Brasil. A construção da infraestrutura necessária está atrasada devido ao fraco planejamento de obras e financeiro. E não está claro se eles completarão todos os seus compromissos em termos de estádios, qualidade dos aeroportos, e transportes terrestres. Como a situação será resolvida é algo que se verá no futuro, embora as autoridades brasileiras digam que tudo estará pronto a tempo.

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Quanto custa ao Brasil manter um elevado nível de reservas internacionais? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=418&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-ao-brasil-manter-um-elevado-nivel-de-reservas-internacionais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=418#comments Mon, 04 Apr 2011 16:51:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=418 O governo brasileiro dispõe atualmente de aproximadamente US$ 300 bilhões de dólares registrados como reservas internacionais no balanço do Banco Central. O acúmulo desse valor se deu pelos sucessivos superávits no comércio internacional (exportações em valores maiores que as importações) e pela entrada de investimentos externos no país.

Quando os dólares entram no país em função das exportações, eles são da propriedade das firmas exportadoras. Quando entram por investimentos em ações, por exemplo, eles pertencem a quem vendeu as ações a investidores internacionais. Quando entram por investimentos em títulos bancários, pertencem aos bancos que venderam tais títulos. Como, então, esses dólares vão parar nas mãos do governo, mais especificamente do Banco Central?

Vão para o Banco Central porque ele compra tais dólares das mãos de seus detentores privados. Em um primeiro momento, essa compra significaria o Banco Central recolher dólares no mercado, e entregar reais. Mas isso implicaria aumentar substancialmente o volume de reais em circulação na economia. Para que esse imenso volume de compras não gere efeitos inflacionários, o próprio Banco Central utiliza títulos de sua carteira para fazer o que se chama tecnicamente de “esterilizar” os efeitos dessa compra de divisas externas. Em resumo, troca títulos por dinheiro. Para levantar os reais necessários à compra dos dólares, o governo aumenta a sua dívida dentro do país.

Se o governo tivesse superávit nas suas contas fiscais (receitas maiores que os gastos públicos) ele até poderia usar esse dinheiro poupado para comprar as reservas. Mas como o governo brasileiro é deficitário, a única forma de comprar dólares é expandindo o seu endividamento.

O governo tem diferentes motivos para acumular reservas em moeda estrangeira. O principal é garantir uma espécie de seguro contra crises internacionais. Quando uma crise interrompe o fluxo de empréstimos em dólares no mercado internacional, os países que não têm uma reserva dessa moeda não podem fazer importações (no caso do Brasil, por exemplo, ninguém aceitaria pagamentos em Reais, pois esta não é uma moeda de circulação internacional). Nos anos 80 e 90 do século passado, por exemplo, por diversas vezes o Brasil viu-se sem dólares e precisou pedir auxílio ao FMI e adotar medidas para lidar com o problema. Tais medidas são sempre custosas: elevação das taxas de juros internas (para atrair investidores internacionais), redução do ritmo de crescimento da economia (para reduzir a demanda por importações e gerar excedentes não consumidos no país a serem exportados), ajuste das contas públicas (para reduzir a necessidade de financiamento externo à dívida do governo).

A importância de dispor de grandes reservas internacionais pode ser vista no impacto da crise de 2009 sobre a economia brasileira. Tendo em vista que não sofremos escassez de dólares, devido ao alto volume de reservas, não foi necessário elevar os juros. Foi possível, inclusive, reduzi-los, para estimular a atividade econômica. A abundância de recursos externos também permitiu ampliar o déficit público, como forma adicional de alavancar a atividade econômica. A própria dívida pública caiu como proporção do PIB, devido à combinação de dois fatores: i) o País, àquela altura, já tinha se tornado um credor líquido em dólares; ii) houve desvalorização do real em relação ao dólar, o que significa que as reservas disponíveis, depositadas em dólares, passaram a valer mais quando avaliadas em reais. Como o valor das reservas (um ativo público) aumentou em reais (mesmo mantendo-se constante em dólares) e é deduzido da dívida pública bruta para se apurar a dívida pública líquida, o resultado final foi uma queda da dívida líquida[1].

Há, portanto, o benefício de não ter sido necessário gastar recursos públicos pagando-se juros mais altos, além do benefício de não ter havido uma redução drástica da atividade econômica (com perda de empregos e renda). Como não houve um choque de juros sobre a dívida pública, o prêmio de risco pago pelas empresas brasileiras que tomam empréstimo no exterior também não cresceu.

Não obstante esses benefícios, é preciso ficar claro que há um custo em se manter elevadas (e crescentes) reservas internacionais no Banco Central.

Deve existir, assim, um ponto em que os custos de carregamento das reservas passem a superar seus benefícios e que determinaria o volume ótimo de reservas. Saber com exatidão os custos das reservas, portanto, é crucial para que o País possa avaliar os custos e benefícios envolvidos na acumulação de reservas. São duas as fontes de custos:

(a) a diferença entre os juros que o governo paga sobre os recursos que tomou emprestados para comprar as reservas (juros sobre a dívida interna) e os juros que rendem as reservas internacionais;

(b) quando o real se valoriza em relação ao dólar, isso significa que as reservas em dólares passaram a valer menos reais, representando uma perda para o Banco Central e para o governo.

Não há estatísticas oficiais regularmente publicadas que apresentem o custo de manutenção das reservas. Aparecem na imprensa, esporadicamente, valores estimados pelo governo e pelas entidades de mercado, que nem sempre têm coincidido.

Em março de 2011 os dirigentes do Banco Central afirmaram[2] que o custo fiscal das reservas internacionais no ano de 2010 teria sido de R$ 26 bilhões.

Tal valor diverge daquele calculado pelo Departamento Econômico do Bradesco, por exemplo, que avaliou esse custo em aproximadamente R$ 46 bilhões[3].

A diferença poderia decorrer do fato de o Banco Central ter estimado apenas os custos descritos no item (a) acima (diferença de juros), não considerando os do item (b) (variações na cotação do real frente ao dólar).  Pode-se justificar esse método de cálculo argumentando que a perda decorrente de valorização do real só seria efetiva se o Banco Central vendesse os dólares. Já que o BC não vendeu dólares no período,  ele não teria realizado o “prejuízo”. No futuro, na ocorrência de apreciação do dólar, essa perda seria revertida.

Mas a diferença de estimativas não decorre desse tipo de procedimento, até porque a citada estimativa do Banco Bradesco também não computa a depreciação do dólar.

A origem da discrepância parece estar no fato de o Banco Central ter utilizado em seu cálculo um custo de financiamento da dívida interna muito baixo, de 7,8% ao ano.

No ano de 2010, a taxa Selic média, segundo dados do próprio Banco Central, foi de 9,8%, o que, por si só, levaria a uma diferença no custo de 2 pontos percentuais ao ano em relação aos 7,8% utilizados no cálculo do custo da reserva.

A posição do BC sobre o custo das reservas foi exposta em matéria da repórter Martha Beck, de O Globo, em 24 de fevereiro:

Segundo o diretor de administração do BC, Anthero Meirelles, o custo de captação de recursos no ano passado foi de 7,76%, enquanto a rentabilidade das reservas ficou em 1,88%. Isso resultou numa diferença de 5,86% que quando aplicada sobre o saldo médio das reservas – de R$ 455 bilhões – resulta num gasto de R$ 26,6 bilhões[4].

Tomando como referência a própria base de cálculo do Banco Central, de R$ 455 bilhões, o custo fiscal adicional decorrente da diferença de 2 pontos percentuais na taxa incidente sobre a dívida interna seria de R$ 9,1 bilhões, o que elevaria o custo total dos R$ 26,6 bilhões para R$ 35,7 bilhões.

Ocorre, entretanto, que esse cálculo pode ainda ser considerado subestimado. O custo da dívida para o Tesouro foi superior à taxa Selic, como demonstra o Anexo 4.2. do Relatório Mensal da Dívida Pública Federal divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Para o mês de dezembro de 2010, o custo da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPFMi) acumulado nos últimos doze meses foi de 11,83%.

Tabela 1. Custo da DPMFi em 2010

Fonte: STN

Com base nesse custo efetivo de captação do Tesouro Nacional, de 11,83%, tomando-se os valores diários das reservas internacionais, e, ainda, considerando-se a rentabilidade das reservas assumida pelo Bacen – 1,9% ao ano – a estimativa de custo fiscal do carregamento das reservas foi de R$ 42,5 bilhões. Muito próximo, portanto, dos R$ 46 bilhões estimados pelo Banco Bradesco.

Assim, o custo fiscal das reservas, sem computar o impacto da desvalorização do dólar ao longo de 2010, ficou no intervalo entre R$ 35,7 bilhões e R$ 42,5 bilhões. No primeiro caso, o custo de captação equivale à taxa Selic; no segundo caso, equivale à taxa média apontada pelo Tesouro Nacional para a DPMFi.

O custo relativo à desvalorização do dólar também pode ser calculado aproximadamente como o somatório das perdas ou ganhos diários decorrentes da desvalorização/valorização do dólar em relação ao saldo de reservas da véspera[5]. Usando essa metodologia, o custo da desvalorização das reservas em 2010 pode ser calculado em R$ 16,9 bilhões.

Desse modo, o custo total – o de diferença de taxas de juros  e o relativo à depreciação do dólar – pode ser estimado entre R$ 52,8 bilhões e R$ 59,4 bilhões.

Seria importante que o Banco Central estabelecesse com clareza a sua metodologia de cálculo do custo fiscal das reservas internacionais e, especialmente, justificasse o uso da taxa de dívida interna utilizada. A publicação regular desses valores, acompanhada da respectiva metodologia de cálculo, seria importante medida de transparência das contas públicas. Todos reconhecem os benefícios das reservas internacionais detidas pelo País. Não faz sentido que haja dúvidas quanto aos seus custos.

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Para ler mais sobre o tema:

Saraiva, B. e Canuto, O. (2009) Vulnerability, exchange rate and international reserves: whither Brazil? Disponível em http://www.roubini.com/latam-monitor/257719/vulnerability_exchange_rate_and_international_reserves_whither_brazil.


[1] A rigor, a queda na taxa internacional de juros que se seguiu à crise fez com que os títulos internacionais aumentaram seu valor, em dólar, o que também contribuiu para o aumento de nossas reservas. Mas esse fator teve impacto secundário na melhora da relação dívida líquida/PIB comparativamente à desvalorização do real.

[2] Declarações prestadas em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado  no dia 22 de março de 2011.

[3] http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/02/24/custo-de-carregamento-das-reservas-internacionais-foi-de-26-6-bi-em-2010-923874889.asp.

[4] Ver fls. 43 e 44 do Balanço do Bacen  em:

http://www.bcb.gov.br/htms/inffina/be201012/Demonstra%E7%F5es%20Financeiras%20Bacen%2031.12.2010.pdf

[5] As reservas não estão totalmente aplicadas em dólar norte-americano, apesar de contabilizadas, na posição diária, nessa moeda. Assim, o estoque considerado para fazer o cálculo da valorização/desvalorização tem uma pequena margem de erro. Como a desvalorização do dólar foi maior do que as demais moedas, a estimativa do custo derivado da desvalorização das reservas – que não é objeto principal de discussão nesse texto – pode estar ligeiramente superestimada.

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