Desemprego – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 28 Oct 2021 00:18:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A aparente contadição entre desemprego e escassez de mão de obra https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3513&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-aparente-contadicao-entre-desemprego-e-escassez-de-mao-de-obra Thu, 28 Oct 2021 00:16:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3513 A aparente contradição entre desemprego

e escassez de mão de obra

Por Luiz Alberto Machado*

 

Muita gente tem ficado confusa ao ler as diferentes seções dos jornais, revistas e sites nas últimas semanas, o que, em minha opinião, é absolutamente compreensível. Afinal, algumas manchetes apresentam, aparentemente, enorme contradição, sobretudo quando se referem ao nível de emprego e ao mercado de trabalho.

Tal contradição resulta não apenas da complexidade da economia, mas também das oscilações que ocorrem na macroeconomia – que focaliza dados agregados – e na microeconomia, com desempenhos diferentes quando se examinam determinados setores ou regiões.

No presente artigo, procuro explicar a aparente contradição que menciona, de um lado, o elevado desemprego e, de outro, a escassez de mão de obra que gera acirrada disputa por profissionais em alguns segmentos do mercado.

Comecemos pelo desemprego, que se elevou a partir do início da pandemia do coronavírus e permanece em patamar elevado, em torno de 14%, mesmo com a reação da economia a partir do terceiro trimestre de 2020, que levou muitos especialistas a se referirem a ela como recuperação em V. Ora, se não apresentou melhora na fase mais favorável da recuperação em V, é natural que não o faça agora, quando os indicadores apontam para uma estagnação, indicada pelo colega Roberto Macedo pelo sinal da raiz quadrada em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo e reproduzido neste Blog.

O elevado desemprego é um dos componentes da chamada tempestade perfeita que se abate atualmente sobre a economia brasileira, resultante da combinação de uma pandemia devastadora, de uma crise hídrica tão ou mais grave do que a de 2001 e de um governo desastroso, que pode ser comparado a uma fábrica de incertezas, e que produziu, na economia, a perversa mistura de crescimento baixo com inflação alta, pondo por terra, mais uma vez, um dos postulados da teoria econômica, a Curva de Philips[1].

Como, então, pode haver escassez de oferta de mão de obra e acirrada disputa por profissionais no mercado num país marcado por elevado nível de desemprego?

Para entender essa aparente contradição, precisamos fazer a ponte entre a macro e a microeconomia. Nem tudo que vale para a macroeconomia, vale para a microeconomia, cuja análise se desloca da seara dos agregados para a dos aspectos pontuais, examinando um segmento da economia, um setor da cadeia produtiva ou uma região particular.

No presente momento, a coexistência que causa surpresa no mercado de trabalho não se estende a todos os setores da nossa economia, mas sim a um segmento específico.

Enquanto os indicadores macroeconômicos persistem sinalizando para um alto desemprego, os indicadores microeconômicos referentes às atividades ligadas à tecnologia da informação, diretamente associadas à transformação digital em curso, revelam um mercado de trabalho bastante aquecido, em que não é raro observar empresas “roubando” profissionais de suas concorrentes.

Infelizmente, o fenômeno não é generalizado. É localizado e favorece apenas a profissionais qualificados, deixando à margem a esmagadora maioria dos desempregados e desalentados, constituída por trabalhadores de baixa qualificação, vítimas, muitas vezes, das decantadas deficiências do nosso sistema educacional.

Em consequência disso, constatam-se mudanças importantes, com o enfraquecimento de algumas profissões ou ocupações tradicionais e a crescente valorização de “carreiras do futuro”, tendência que tem levado muitas pessoas a se reposicionarem, buscando diferentes formas de aperfeiçoamento em atividades relacionadas à tecnologia.

Naturalmente, as instituições de ensino correm para se adaptar aos novos tempos, alterando a oferta de cursos ou a grade curricular dos já existentes, na tentativa de atender a essa procura crescente por parte de estudantes atraídos por funções que aliam boas oportunidades e bons salários.

E que funções são essas?

Entre elas, podem ser citadas: engenheiro de dados (responsável pelo gerenciamento de captação, armazenamento e distribuição de dados em toda a empresa), arquiteto de soluções (responsável pelo desenvolvimento, adequação e integração de novas soluções personalizadas para as empresas), gestor de mídias sociais (responsável por posicionar a marca da empresa conforme seus objetivos de atrair, reter e engajar o público nesses canais), desenvolvedor full stack (responsável por desenvolver códigos para a execução das funções de uma aplicação na internet), líder de live streaming (responsável por garantir o bom funcionamento das transmissões ao vivo e pela coordenação das equipes que farão as lives), piloto de drone (responsável pelo controle da máquina para a produção de imagens e fotos aéreas para diversos tipos de empresas), especialista em machine learning (responsável pelo desenvolvimento de cálculos, simulação de cenários de decisão e avaliação dos resultados gerados pela simulação), people analytics (responsável pelo processo de coleta, análise e geração de insights baseados em dados para a gestão de pessoas) e pentester (responsável pela execução de testes de segurança em uma infraestrutura para prevenir invasões e exposições de dados).

Com salários médios que variam de R$ 5,5 mil a R$ 13 mil, são algumas das funções que começam a ser mais requisitadas no mercado de trabalho. Elas serão, certamente, acompanhadas por novas designações à medida que a inteligência artificial e a tecnologia de informação evoluem num ritmo cada vez mais acelerado.

 

 

[1] A teoria econômica não admitia a existência desse fenômeno, dado que a crença era no domínio da Curva de Phillips original, que estabelece uma relação inversa entre as taxas de desemprego e de inflação. Se o desemprego fosse alto, a inflação seria baixa, e vice-versa. Supondo a validade dessa relação inversa, recomendava-se que as políticas econômicas adotassem medidas inflacionárias para combater o desemprego e medidas recessivas, causadoras de desemprego, para combater a inflação.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

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‘IBGE na Idade da Pedra Lascada’ não faz o menor sentido https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3487&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ibge-na-idade-da-pedra-lascada-nao-faz-o-menor-sentido Fri, 06 Aug 2021 17:59:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3487 ‘IBGE na Idade da Pedra Lascada’ não faz o menor sentido

A última Pnad reflete o desempenho recente da economia brasileira

Por Roberto Macedo

O ministro Paulo Guedes questionou a metodologia utilizada pelo IBGE na análise que esse instituto faz sobre o mercado de trabalho, com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), cujo último resultado, do trimestre encerrado em maio último, mostrou, entre outros aspectos, taxa de desemprego de 14,6% da população economicamente ativa (PEA). Essa pesquisa, ao buscar informações nos domicílios, abrange todas as formas de trabalho, como o formal, o informal, por conta própria e outras. Essa taxa foi a segunda maior da série iniciada no primeiro trimestre de 2012.

Guedes contrastou esse resultado com os do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), que cobre apenas o mercado formal, com carteira assinada. Segundo ele, “estamos gerando praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio” e a Pnad “está atrasada ao usar entrevistas por telefone … enquanto o Caged trabalha com dados oficiais das empresas”. E concluiu: “Vamos ter que rever… os procedimentos do IBGE porque ele ainda está na Idade da Pedra Lascada”.

Essa afirmação não faz o menor sentido. Soube que essa idade se refere a um período da Pré-História, dos primeiros hominídeos até cerca de 10 mil anos antes de Cristo (a.C.), seguido pela Idade da Pedra Polida, que vai até perto de 5.000 a.C. O IBGE completou 85 anos em 2021, usa modernas tecnologias de informação e tem como presidente um economista de prestígio, Eduardo Rios Neto, doutor em demografia e membro da Academia Brasileira de Ciências. Assim, Guedes não foi polido em sua afirmação.

A última edição da Pnad, a do trimestre móvel concluído em maio, mostrou resultados em sintonia com o que se sabe de outras fontes sobre o desempenho recente da economia brasileira. No primeiro trimestre de 2021 seu produto interno bruto (PIB) retornou ao valor que tinha no último de 2019, mas ainda sem alcançar o que mostrava em 2014 (!), quando a taxa de desemprego esteve em torno de 6,5% da PEA.

No momento a economia continua sob efeitos da Covid-19, ainda que aliviados pelo avanço da imunização. As previsões para o crescimento do PIB neste ano, relativamente a 2020, estão em torno de 5,4%, mas essa taxa tem dois componentes. O primeiro vem do fato de que o PIB sofreu forte queda em 2020, de 4,1%. Mas teve uma recuperação em V que, no final do mesmo ano, chegou a um valor que, se mantido ao longo de 2021, sem crescimento neste ano, levaria a um aumento de 3,8%, pois a comparação seria feita com o “buraco” ocorrido no anterior. O segundo componente, de mais 1,6%, seria o crescimento atribuível ao desempenho da economia previsto para 2021, mas só dentro dele. Ou seja, nada entusiasmante, pois se trata de taxa muito baixa que não teria grande impacto na taxa de desemprego.

Além disso, vale lembrar que essa taxa é medida pela proporção entre o número de desocupados que procuram trabalho e o total da PEA, que inclui esse número e o dos que estão trabalhando. Assim, se mais pessoas passam a procurar trabalho, encorajadas por notícias de recuperação, a taxa de desemprego pode até subir. E poderia cair numa situação de queda do PIB se uma parcela ponderável dos que procuram emprego desistisse de fazê-lo.

Explicado isso, o que se nota na apresentação do IBGE sobre o trimestre findo em maio último é que o número de pessoas na força de trabalho na semana de referência da pesquisa parou de cair, e até subiu um pouco nas últimas três divulgações trimestrais, mesmo com o aumento da taxa de desemprego. A população ocupada na agricultura e na construção vem crescendo mais do que noutros setores, o que era de esperar em face do melhor desempenho dessas duas atividades.

E mais: a população ocupada informalmente aumentou em 3,7 milhões de pessoas entre as pesquisas dos trimestres concluídos em agosto de 2020 e maio de 2021, o que é um bom resultado. Maior até que o citado número de que Guedes se vangloriou ao criticar os dados da Pnad recorrendo aos do Caged, ou seja, “1 milhão de empregos a cada três meses e meio”. Assim, os números da última Pnad estão condizentes com o crescimento da economia esperado dentro de 2021.

Como visto, na crítica à Pnad Guedes ressaltou também que a pesquisa passou a ser feita por telefone, mas parcialmente, segundo o IBGE. E com a repetição do novo procedimento amostral, as comparações são feitas dentro dele, reduzindo eventual impacto da mudança. Vale também lembrar que os dados do Caged têm sofrido críticas que apontam um aumento das admissões resultante de mudança na metodologia de coleta dos dados.

A realização da Pnad precisa ser aprimorada, em particular ampliando e reestruturando a sua amostra. Para isso seria necessário consultar os resultados de um novo censo, mas o de 2020 foi adiado em razão da pandemia e da disputa política por recursos orçamentários. Ainda que tardio, vejamos se de fato virá em 2022, para um retrato mais amplo e atualizado do País.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de agosto de 2021.

 

 

 

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Contos da Reforma Trabalhista https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3157&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contos-da-reforma-trabalhista Mon, 05 Feb 2018 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3157 Miranda queria comemorar a causa que ganhou: ele aproveitou a sexta-feira e chamou os colegas do escritório para um bar badalado. A noite não foi tão divertida: reclamou com o dono do estabelecimento, Emanuel, que o atendimento do grupo foi ruim e não conseguiam fazer seus pedidos porque faltavam garçons.

João acaba de sair do ensino médio em uma escola pública, sem boas perspectivas. Quer ingressar em uma faculdade, mas não tem dinheiro para pagar uma particular ou o cursinho para passar no Enem. Sem experiência, não consegue um emprego. Na verdade, gostaria de pelo menos um bico, que o ajudasse a pagar as despesas e que também permitisse que tivesse tempo para os estudos.

Emanuel gostaria de contratar mais garçons para o fim de semana, para atender clientes como o advogado Miranda. Porém, a lei o impede: se contratar, tem que ser pra semana toda, dinheiro que ele não tem. Pensou então em contratar garçons informalmente apenas para as sextas e sábados. Desistiu porque da última vez que tentou recebeu uma condenação da Justiça que pesou em suas despesas.

Consumidores tais quais Miranda continuarão mal atendidos, Emanuel continuará sem funcionários para parte da semana e João continuará sem trabalho. Como João, um a cada quatro jovens procurando não têm empregos. A taxa de desemprego entre eles é mais do que o dobro da média nacional.

*

Renato está feliz: concluiu um ano no emprego com carteira assinada em uma pequena empresa e tem recebido elogios de clientes e patrões. O trabalho finalmente deu a segurança que faltava para sustentar sua filha pequena sem contar só com o Bolsa Família, e as perspectivas no emprego são boas.

Sua chefe Dora reconhece seu esforço e as metas que bate na firma, e pensou em promove-lo para a função de Mauricio – um empregado mais antigo que está desmotivado no posto. Entretanto, como Mauricio tem 10 anos na função não pode mais perde-la. Não existe lei com esta obrigação, mas a determinação de um tribunal superior. A pequena empresa não consegue pagar duas pessoas para o trabalho de uma, e, portanto, Renato não receberá a gratificação.

Dora pensou então em dar um adicional a Renato pela boa avaliação que recebe dos clientes. Porém, da última vez que tentou fazer isso recebeu uma condenação da Justiça. Como Renato ocupa formalmente o mesmo cargo que outros funcionários, Dora poderá ser processada pelos colegas de Renato, ou funcionários da outra filial, ou funcionários que a empresa eventualmente contratar no futuro.

Renato não receberá o aumento. Com o tempo, ficará desmotivado como Mauricio. Dora não vai ouvir mais elogios das famílias que usam o estabelecimento.

*

Cristina finalmente terminou o curso de técnica em enfermagem. Foi em boa hora: se casou há pouco tempo e agora quer ter filhos. Cristina tentará uma vaga em um hospital.  Ela disputará a vaga com um colega do mesmo curso, com o mesmo nível de experiência e qualificação.

Luiz, responsável pelo RH do hospital, nota a aliança no dedo e a juventude de Cristina. Luiz sabe que se Cristina engravidar o hospital deverá pagar o afastamento dela durante a gestação e simultaneamente arcar com outra pessoa em seu lugar. A exigência existe há pouco tempo para gestantes em locais com qualquer nível de insalubridade. Luiz também sabe que Cristina tem restrições legais a fazer horas-extras.

Esses impeditivos não existem para o colega do curso de Cristina, que é homem. Ele levará a vaga.

No Brasil, o desemprego entre mulheres é quase 30% maior que dos homens. O grupo mais afetado pelo desemprego é o de mulheres jovens, como Cristina.

*

José está animado. Depois de anos trabalhando no setor de construção, virou um reconhecido especialista em terraplenagem em Fortaleza. Limpeza de terreno, locação topográfica, escavação, corte, aterro, compactação, fundação. Nada escapa a perícia de José, que consegue fazer o serviço de modo mais eficiente, poupando custos para a construtora e reduzindo o tempo de entrega das obras para os consumidores.

Por isso, José se demitiu para criar um pequeno negócio especializado na tarefa. Quer que sua firma de terraplenagem preste serviços para várias construtoras cearenses. Confiante, José investiu em equipamentos e contratou o primo e o cunhado para ajudá-lo.

José confia no seu taco: acha que contratar seu serviço será mais vantajoso para as empresas do que manter pessoal pouco especializado ou um quadro fixo que só trabalha algumas vezes durante o ano.

Nenhuma construtora contratará o serviço de José. Ele vai falir e seu negócio jamais existirá. José, o primo e o cunhado entrarão para a fila de desempregados no Nordeste, onde a taxa de desemprego é quase o dobro da do Sul e mais de 20% acima da média nacional.

As construtoras temem ser processadas. Dr. César é um dos juízes que proibiu construtoras de terceirizar este serviço. Ele entende que, embora eventual, o serviço faz parte da “atividade-fim” dessas empresas, não de sua “atividade-meio”. Embora não exista lei com esta proibição ou distinção, existe uma determinação de um tribunal superior, que Dr. César acatou.

O gabinete de César tem muitos processos. Para ajudá-lo, ele conta com o auxílio de assessoras como Kátia. Compete a Kátia fazer a pesquisa de jurisprudência, aplica-la ao caso concreto e redigir os votos que César assinará.

Seu trabalho, com o de outros assessores, é supervisionado por César, que assim pode dedicar seu tempo e energia a outras atividades que considera mais importantes para o trabalho eficiente do gabinete.

A decisão escrita por Kátia e assinada por Dr. César diz que as construtoras não podem contratar com terceiros atividades que lhe são inerentes, que há subordinação estrutural entre as partes e ordena então que desembolsem uma determinada quantia para equiparar os terceirizados.

*

Miranda está irritado. Com o escritório de vento em popa, ele está sem internet no celular logo no meio da semana. Ligou para o call-center da empresa de telefonia, que atende Miranda com lentidão e não consegue resolver o seu problema.

O call-center é de responsabilidade de Helena. Engenheira, ela era na verdade uma promissora profissional da área de mercado digital e inovação. Porém, a empresa optou por transferi-la da área onde pesquisava novos aplicativos e big data para que montasse uma estrutura para atender os clientes por telefone. Uma decisão judicial obrigou a empresa a ter seu próprio call-center.

Com a ajuda de Kátia, Dr. César foi o responsável pela decisão. Nenhuma lei obriga empresas telefônicas a terem seu próprio call-center, mas César entende que a atividade-fim de uma telefônica inclui falar ao telefone, ao contrário de outras firmas, que podem terceirizar a tarefa.

Sem poder contratar empresas especializadas para fazer o serviço, coube a Helena gerenciar o novo setor sem profissionais com know-how para auxiliá-la. Os novos aplicativos disponibilizados aos consumidores pela equipe especializada do antigo setor de Helena vão ter que esperar, e o atendimento da companhia por telefone demorará para ter a mesma eficiência.

Miranda não vai ser atendido hoje – como outros milhares de consumidores que perderão tempo de trabalho e convívio familiar com a inoperância do novo call-center.

*

A reforma trabalhista entra em vigor em novembro. Se ela já valesse, João poderia ser contratado formalmente por Emanuel, o dono bar; Renato poderia pegar a função de Mauricio ou receber o adicional por produtividade; Cristina talvez fosse contratada pelo hospital em vez de seu colega homem; José poderia abrir sua empresa de terraplenagem; Helena poderia se dedicar a produzir para a sociedade aquilo que ela faz melhor; e Miranda seria um consumidor mais satisfeito.

Nem todos ganham com a reforma. Mauricio terá que competir com trabalhadores mais jovens. Miranda teria menos para comemorar no bar porque ações trabalhistas não poderão ser disparadas a esmo, a Justiça do Trabalho terá menor poder para legislar, e a nova lei impede algumas criações judiciais – como a “equiparação em relação ao paradigma remoto” que impede o aumento de Renato. (Advogados e o Judiciário trabalhista continuarão a ter um papel essencial no combate a ilegalidades, como a de Emanuel – aliás, a multa para empregar trabalhadores informais subiu 7 vezes.)

Os personagens representam uma parcela da população que é difusa e desorganizada, invisível neste debate. Essa massa contrasta com a organização e articulação de grupos como os que representam os trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho formal (sindicatos) e os que representam o status quo da estrutura judicial.

Rara exceção neste debate foi a campanha dos trabalhadores da Guararapes contra o Ministério Público do Trabalho – evidentemente apoiada pela empresa e por um movimento político – mas que serviu para mostrar o rosto de uma massa prejudicada pela regulação atual do trabalho no Brasil e que é tipicamente invisível.

Um mercado de trabalho que funcione bem é vital para redução da pobreza e das desigualdades. A reforma trabalhista não é bala de prata para solucionar todos os seus problemas, mas permite a inclusão de excluídos com novas formas de contratação; dá segurança jurídica para a criação de empregos formais; e estimula o crescimento da produtividade (renda). Mesmo no bom momento do mercado de trabalho na primeira metade da década, a produtividade permaneceu estagnada e a informalidade muito alta, enquanto a baixa taxa média de desemprego escondia os indicadores piores para jovens, mulheres, negros e estratos mais pobres da população.

É fato conhecido que a pobreza no Brasil se concentra desproporcionalmente nas crianças e jovens, que moram em famílias com inserção precária no mercado de trabalho e sem pessoas mais velhas (que comumente recebem benefícios da Seguridade Social). Entre os 20% mais pobres da população, o desemprego é 7 vezes maior do que entre os mais ricos, e a informalidade cerca de 4 vezes maior. São estas as famílias que mais tem a ganhar. Estimativas iniciais sugerem entre 1,5 e 2,3 milhões de novas vagas apenas por conta da reforma.

É evidente que a reforma também beneficia os empregadores, afinal o empresariado apoiou a proposta. Não é por benevolência deles que os empregos formais ou a renda aumentarão. Toda contratação faz parte da busca por lucro pelo empresário. Cabe à legislação estabelecer regras do jogo para que, em sua procura pelo lucro, os patrões também maximizem os níveis de emprego e salários – e não que os prejudiquem. Afinal, a escolha da sociedade brasileira em sua Constituição foi por uma economia de mercado, e a regulação do trabalho deve ser ciente disso.

Além dos casos dos personagens do artigo, a reforma ataca muitas outras situações em que a CLT ou o Judiciário estabelecem condições que à primeira vista parecem favoráveis ao trabalhador, mas acabam não o sendo porque ignoram a premissa de um empregador que se comporta racionalmente e objetiva o lucro. O comportamento do empregador não deve ser idealizado.

Por exemplo, decisões bem-intencionadas de juízes para que o tempo no transporte oferecido voluntariamente pelo empregador aos empregados seja contado como horas-extras provocam a reação defensiva do empresário que, para preservar o lucro, desiste de fornecer o transporte. A situação do trabalhador piora: perderá mais tempo e dinheiro na rede de transporte pública, normalmente pior.

Autorização médica

Para o Prêmio Nobel indiano Amartya Sen, autor de Desenvolvimento como Liberdade, a pobreza é a privação de oportunidade. A reforma precisa ser melhor compreendida para vencer os esforços contrarreformistas de algumas entidades sindicais, da advocacia trabalhista e de parte do Judiciário/MP. No mesmo sentido do caso Guararapes, as pequenas fábulas aqui contadas precisam chamar atenção para um imperativo: a necessidade de defender os mais pobres de seus defensores.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 20 de outubro de 2017.

 

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Reforma trabalhista rumo ao ‘planalto’ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3148&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reforma-trabalhista-rumo-ao-planalto Mon, 29 Jan 2018 13:59:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3148 Rússia, Moçambique, Ucrânia, Comores, Venezuela, Panamá, Angola e Bielorrússia são alguns do grupo de apenas 12 países com legislação trabalhista mais rígida que a brasileira. Entre 144 nações, o Brasil ocuparia a 132ª posição em ranking de flexibilidade da legislação, segundo índice criado em anos recentes por pesquisadores do Institute of Labor Economics (IZA)1.

O indicador compara o tratamento das diferentes legislações para temas como a possibilidade de modalidades alternativas de contrato (como o trabalho intermitente); custos de contratação; custos e procedimentos de demissão; e jornada anual (que considera férias e feriados).  É pacífica na literatura a noção de que indicadores como este, em vez de serem usados para identificar causalidade entre a legislação e o crescimento econômico ou a taxa de desemprego de um país, são mais úteis quando analisados conjuntamente com medidas sobre o mercado de trabalho.  Se o índice aponta uma legislação trabalhista rígida, mas para um país que dispõe de bons dados para emprego, formalização e produtividade, não haveria problema.

Não é o caso do Brasil. O novo conjunto de indicadores divulgados pelo IBGE a partir de setembro de 2016 revela que cerca metade da força de trabalho não está abrangida pela legislação trabalhista. São os milhões de desempregados, informais e os integrantes da “força de trabalho potencial”, isto é, os desalentados que não apareciam nas estatísticas de desemprego porque já desistiram de procurar uma ocupação, embora quisessem uma. Nos Estados Unidos ele compõem uma taxa chamada de “taxa de desemprego real”.

Essas medidas ruins se somam aos indicadores de produtividade, estagnados há décadas, e ao índice de rigidez da legislação trabalhista para manifestar a necessidade de reforma nas leis do trabalho.

O Banco Mundial aponta os desafios de desenhar uma legislação trabalhista em países emergentes. Uma bem-intencionada legislação trabalhista, generosa, mas alienada, pode prejudicar exatamente os trabalhadores que tenta proteger, ao impedir a criação de vagas formais e o crescimento da produtividade (e da renda). Por outro lado, uma legislação exageradamente flexível pode levar à desproteção do trabalhador.

Esses dois extremos de regulação excessiva ou insuficiente são chamados de abismos. Não se sugere uma legislação “ideal”, ou a existência de um pico único para a performance do mercado de trabalho, mas sim a presença de múltiplos picos. Entre os abismos, há um planalto de possibilidades para esta legislação, que não levem o mercado de trabalho ao abismo do desemprego e da pobreza, nem ao abismo da precarização. Neste espaço, a regulação adereça as falhas de mercado sem prejudicar a eficiência. É neste planalto que o legislador quer chegar.

Figura 1 – Planalto e abismos da legislação trabalhista

Fonte: Betcherman (2014). Disponível em: https://wol.iza.org/uploads/articles/57/pdfs/designing-labor-market-regulations-in-developing-countries.pdf

 

Os dados sugerem que a regulação do mercado de trabalho no Brasil, pela CLT e pela jurisprudência trabalhista, nos coloca hoje em um desses abismos. Queremos subir ao planalto, mas sem correr o risco de cair no outro abismo2.

Este é o desafio da reforma trabalhista. A possibilidade que o negociado tenha a força do legislado contribui para que tenhamos contratos mais eficientes, com novas condições mutuamente benéficas para empregadores e empregados. É preciso, no entanto, ter a sensibilidade para reconhecer a desigualdade de poder negocial que pode existir nessa relação. A reforma impõe uma série de requisitos para as negociações coletivas, mas cortou subitamente a principal fonte de financiamento dos sindicatos (a impolular contribuição obrigatória).

Na teoria, se essa desigualdade leva uma das partes (o empregador) a conseguir termos mais favoráveis do que a outra, a liberdade contratual deixa de ser real e o resultado é uma falha de mercado, dando ensejo à proteção do arcabouço jurídico. Para que uma transação seja de fato mercado, é essencial a autonomia para veto em uma negociação.

Por sua vez, a incompreendida terceirização pode melhor entendida como um mecanismo para que a informação flua melhor no mercado de trabalho. Em A Reinvenção do Bazar: Uma história dos mercados, o falecido economista de Stanford John McMillan ensina que este mecanismo é um dos requisitos para o bom funcionamento de qualquer mercado, sob pena de reduzir quantidade e valor de transações.

No mercado de trabalho, isso significa desemprego e salários menores. A terceirização minimiza os custos de transação, entre eles o custo de busca. O desafio aqui para a regulação deste mecanismo é fazê-lo ser veículo de redução justamente desses custos, e não de custos com encargos trabalhistas (sonegação). O Judiciário aqui terá um papel fundamental: contrariamente ao que é divulgado, a reforma não liberou a terceirização “irrestrita”, mas sim a terceirização da atividade-fim: fraudes continuam sendo proibidas.

Há um mito no debate sobre a legislação e a Justiça trabalhistas no Brasil: o de que beneficiam e protegem demais o trabalhador. A pergunta é qual trabalhador. Se contribuem para nos levar ao abismo do desemprego, da informalidade e da renda baixa, não podem ser consideradas benéficas ao conjunto de trabalhadores. Cabe à reforma trabalhista mudar essa situação sem levar nosso mercado de trabalho ao abismo da precarização, mas sim ir rumo ao planalto.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 26 de abril de 2017 sob o título “Para a reforma trabalhista ir do abismo para o planalto”.

 

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1 Pelo Instituto Frasier, estaríamos em 144 de 159 países.

2 Note que este arcabouço também contempla a própria oposição à reforma. Para opositores, a legislação já estaria no planalto, mas a reforma nos levaria ao outro abismo. Um importante argumento divulgado é o de que o Brasil teria tido pleno emprego no início dos anos 2010 com legislação anterior. Cabe frisar que neste período convivemos com altos níveis de informalidade e produtividade estagnada, bem como que a taxa global esconde o alto nível de desemprego entre mulheres, jovens, negros e pobres. No melhor dos casos, tivemos um “pleno emprego do homem branco”. Ademais, o argumento, mesmo que aceito, não implica negar que as taxas poderiam ser ainda melhores sob outra legislação. Por fim, o argumento é valido ao apontar que o nível de emprego depende de outros fatores, como a atividade econômica e políticas de emprego ativas.

 

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Quem protege o trabalhador da Justiça do Trabalho? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3088&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-protege-o-trabalhador-da-justica-do-trabalho Mon, 06 Nov 2017 14:38:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3088 É comum o argumento de que a legislação e a Justiça do Trabalho são exageradamente pró-trabalhador. A afirmação é falaciosa: sempre se deve querer o bem do trabalhador. A questão é que na verdade esta estrutura normativa o prejudica com frequência, especialmente quando peca por idealizar o comportamento dos patrões. A Justiça do Trabalho é uma justiça de decisões bem intencionadas e efeitos adversos.

A CLT prevê que o empregador pode oferecer transporte aos empregados, sem que isso conte como tempo da jornada. O transporte dado livra o empregado de passar mais tempo em deslocamento e de usar o precário sistema de transporte público. Há duas exceções: o transporte será computado como tempo de jornada se o local de trabalho for de difícil acesso ou não servido por transporte público regular.

Muitos juízes reinterpretam estes dois termos. A intenção pode ser boa, uma vez que o empregado ganha uma indenização. O resultado não é: diante da insegurança jurídica, as empresas ficam na defensiva e deixam de oferecer o transporte. Quem perde?

Outro bom exemplo é o engessamento de políticas de remuneração. Quando um juiz decide pela incorporação definitiva de um adicional eventual de produtividade, o empregador tende a resistir em conferir este tipo de prêmio.

Representativa desta miopia é a Súmula 277 do TST, derrubada pelo STF. Ela previa que condições benéficas concedidas temporariamente aos trabalhadores em negociações coletivas deveriam ser incorporadas definitivamente ao contrato individual. Quantos empregadores vão estar predispostos a negociar essas concessões temporárias?

A teoria microeconômica não é romântica ao descrever o comportamento de uma firma: seu objetivo é o de maximizar o seu lucro. Assim, a escolha racional de empregadores diante de decisões trabalhistas como essas será prejudicial justamente aos empregados. O Judiciário trabalhista tem sido pródigo em, ao julgar ações, decidir de maneira que nos casos concretos parece favorável os trabalhadores, mas que acaba sendo deletéria a eles. Este resultado ocorre, ironicamente, por idealizar o comportamento (natural) das empresas.

Individualmente, os julgamentos podem fazer sentido. No agregado, não. Mesmo o TST, que poderia ter uma melhor visão do todo, não tem os insumos do Parlamento para legislar, e também falha ao não antecipar a reação empresarial. A regulação do trabalho no Brasil precisa trabalhar com esta restrição: buscar o melhor para o trabalhador ciente que o DNA da empresa é visar o lucro.

Um segundo problema que existe no arcabouço que rege o trabalho no Brasil é o seu confinamento na lógica de mais valia e na oposição entre capital e trabalho. Outra oposição, talvez mais relevante, é a oposição tácita entre incluídos e excluídos. Cerca de metade de força de trabalho está incluída na legislação trabalhista, e metade está excluída, desempregada ou informal. O instinto protetor sobre o primeiro grupo pode penalizar o segundo.

Pelo dilema “insider-outsider”, o ganho do incluído pode significar perda para o excluído, e vice versa. Um exemplo presente na reforma trabalhista é a inovação do trabalho intermitente, uma controversa nova forma de contratação, por hora. Um bar poderia ampliar o número de garçons contratados no fim de semana, permitindo a inclusão de excluídos: como desempregados para quem trabalhar algumas horas por mês é um avanço em relação a não trabalhar hora nenhuma.

Por outro lado, a mudança permitiria que o bar tenha menos empregados no seu quadro fixo, pela menor demanda nos outros dias. Isso seria perda para incluídos contratados por toda a semana que passariam a trabalhar apenas no fim de semana. Este dilema ainda aparece pouco no debate sobre a legislação e Justiça trabalhistas, em que predomina a visão do conflito capital-trabalho, sem que se perceba que existe um terceiro grupo afetado por estas normas e decisões e sem que se note o conflito invisível entre incluídos e excluídos.

Um terceiro raciocínio que precisa ser aprimorado nesta discussão é o que defende que não precisamos de mudanças na CLT ou no Judiciário, uma vez que mudanças não aconteceram nos últimos anos, nem quando o desemprego caiu, nem quando o desemprego subiu. O argumento, expressado nas redes pela atriz Camila Pitanga, tem lógica: uma mudança na legislação não é uma varinha de condão que resolve sozinha os problemas de renda do país. Entretanto, mesmo quando esteve bom, o funcionamento do mercado de trabalho era muito ruim.

Até no período de boom, com desemprego em baixa, convivemos com informalidade alta e produtividade estagnada, negativa em alguns setores. As estatísticas também escondiam o desemprego oculto pelo desalento, o que se refere ao “desempregado raiz”: o desempregado que já desistiu de procurar ocupação e não aparece mais nos dados oficiais. A baixa taxa oficial também não revelava a “desigualdade de desemprego”: os indicadores muito piores para mulheres, negros e jovens, grupos normalmente esquecidos nesta discussão.

Cabe ao Juiz do Trabalho ativista entender melhor que os indicadores do mercado de trabalho – que não se resumem à taxa de desemprego – são sensíveis às suas decisões; que a soma de decisões individuais bem-intencionadas pode gerar a exclusão de largas parcelas da população; e que o empresário tende a reagir racional e defensivamente ao seu ativismo, transferindo riscos para o trabalhador (inclusive o excluído, quando foge da contratação formal).  Sem essa visão mais ampla, a Justiça do Trabalho periga continuar sendo vista como o elefante na loja de cristais.

 

* Este texto foi publicado sob o título “Boas intenções, efeitos adversos” no jornal O Estado de São Paulo, de 24 de junho de 2017.

 

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Como a reforma trabalhista pode reduzir o desemprego e aumentar os salários? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3003&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-reforma-trabalhista-pode-reduzir-o-desemprego-e-aumentar-os-salarios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3003#comments Tue, 11 Jul 2017 21:00:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3003 No século passado, Getúlio Vargas decretou uma norma sob a premissa de que a situação econômica e a desorganização do trabalho ensejavam a intervenção do Estado em favor dos trabalhadores. O decreto obrigava todos os trabalhadores desempregados a se registrarem perante as autoridades: caso contrário, estariam sujeitos a processo por vadiagem, nos termos das leis penais.

A norma ficou conhecida como lei dos dois terços, e possuía além do espírito autoritário também um espírito xenófobo, ao proibir empresas de terem em seu quadro mais de um terço de trabalhadores estrangeiros.

Este era o Decreto nº 19.482, de 12 de dezembro de 1930. Ele antecede a fase ditatorial do presidente Getúlio Vargas e o decretamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Decreto ilustra o momento histórico que o país vivia e a origem autoritária das normas trabalhistas da época.

Após diversas modificações ao longo das décadas, a CLT é agora objeto justamente de uma “modernização”, termo pelo qual também é conhecida a reforma trabalhista. O desafio da reforma é o mesmo da CLT: regular um dos mercados de trabalho mais desiguais do mundo.

INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS

A proposta de modernização trabalhista é motivada pela inclusão das pessoas excluídas. A taxa de desemprego ronda os 14%, enquanto outros 6% da força de trabalho integram a chamada taxa de desemprego “oculto pelo desalento”, ou seja, abdicaram de buscar ativamente uma ocupação ainda que desejem uma.

Além destes cerca de 20% de pessoas desempregadas, temos ainda, entre as ocupadas, 40% de informais. São pessoas sem direitos, que não contam com as proteções constitucionais previstas pelas legislações trabalhista e previdenciária.

Neste grupo estão sobrerrepresentados os jovens, as mulheres, os negros e os pobres. A eles é necessário um olhar mais fraternal e solidário. Na prática a CLT é uma legislação para o homem branco.

As políticas de seguridade social só conseguem amparar esses grupos precarizados parcialmente. Emprego e salário são vitais para redução das desigualdades e erradicação da pobreza: a inclusão no mercado de trabalho é a melhor política social.

A reforma trabalhista tem o potencial de incluir estes grupos com novas modalidades de contratação e mais segurança jurídica para os contratos. Mercados precisam de boas escolhas institucionais para florescer, e no mercado de trabalho não é diferente.

A possibilidade de contratação em jornadas menores do que a jornada de 44h permite que o ajuste no mercado de trabalho se dê na quantidade de horas contratadas, e não no número de empregos formais (gerando desemprego, informalidade).

Ao contrário do que ocorre em outros mercados, no mercado de trabalho o ajuste à demanda não se dá pelo preço (salários), devido à irredutibilidade salarial e ao próprio salário mínimo (e seus encargos). Sem modalidades alternativas de contratação o desemprego e a informalidade são maiores.

Ainda que estas jornadas não sejam as ideais para parte dos trabalhadores, entende-se que possam funcionar como “porta de entrada” para o mercado de trabalho para trabalhadores mais vulneráveis.

Pela literatura, a resistência às novas formas de contratação pode ser explicada – além de pelo medo e a aversão à perda naturais em mudanças como essa – pela teoria de emprego insider-outsider.

Ela preconiza que no mercado de trabalho o que é ganho para o excluído (outsiders) pode ser perda para o incluído (insiders), que tentam bloquear mudanças, frequentemente por meio de sindicatos.

O trabalho intermitente é anedótico neste sentido, porque pode ser entendido como um jogo de soma zero. Suponha um restaurante cuja demanda nos fins de semana exige 40 garçons, mas durante a semana apenas 20.

Hipoteticamente, a sua função de produção é tal que na legislação atual ele emprega no ponto médio: 30 pessoas. Há, portanto, um excesso de garçons ao longo da semana, mas uma escassez no fim de semana.

Com o trabalho intermitente o restaurante, de fato, poderia contratar apenas 20 garçons de modo permanente (demanda do dia de semana), o que seria prejuízo para 10 de seus garçons. Por outro lado, poderia contratar outros 20 de modo intermitente (para a demanda do fim de semana), o que é vantajoso para 10 trabalhadores, por exemplo, desempregados.

Evidentemente os números do exemplo são arbitrários. Poderíamos considerar que sem o trabalho intermitente o restaurante emprega só 20 garçons (seriam geradas então 20 novas vagas) ou considerar que ele já emprega 40 garçons (nenhuma vaga seria gerada, e 20 pessoas ficariam em situação pior).

Os efeitos dependem da realidade de cada firma, mas este exemplo do trabalho intermitente ilustra a lógica de inclusão dos excluídos e de resistência dos incluídos nas novas formas de contratação – que incluem o fortalecimento das jornadas parciais e trabalhos temporários.

Por sua vez, as alterações propostas que afetam procedimentos na Justiça do Trabalho também têm o objetivo de ampliar o emprego formal. A bem-vinda e necessária conduta protetora do Judiciário não pode ser confundida com voluntarismo. Ao inibir o bom funcionamento do mercado, a incerteza jurídica afeta especialmente os trabalhadores, inclusive o informal ou desempregado. A viabilização de contratos depende do “império da lei”.

SEGURANÇA PARA NEGOCIAÇÕES

Em especial, fica fortalecida a segurança jurídica das negociações coletivas, nos moldes do que já vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal (STF). As negociações, previstas na Constituição, são estimuladas em outros países e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como instrumento para geração de ganhos mútuos entre as partes.

Atualmente no Brasil o que for firmado nessas negociações, que contam com a participação dos sindicatos, pode ser anulado pelo Judiciário – que se autoconferiu o papel de decidir o que é bom ou não para cada grupo de trabalhadores.

É simbólica deste entendimento uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proclamou que o “o empregado merece proteção, inclusive contra a sua própria necessidade ou ganância”. É um nível de tutela que não tem respaldo nas leis e na Constituição. Deveríamos condenar a busca por prosperidade e melhores condições de vida?

Frisa-se que a prevalência do negociado sobre o legislado não afeta dezenas de direitos indisponíveis, ou seja, que não poderão ser objeto de negociação. Entre eles estão o 13º, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o número de dias de férias, o aviso prévio e normas de saúde, higiene, e segurança do trabalho.

Um importante argumento que precisa ser esclarecido também é o de que as negociações só serão vantajosas para patrões, porque os trabalhadores não têm condição de negociar. O contraexemplo se dá por aquela que é a talvez variável mais importante do contrato de trabalho: o salário.

A legislação não define o salário de todos os trabalhadores. É permitido negociar, individual ou coletivamente, termos melhores do que mínimo exigido por lei. Fosse verdadeiro o argumento de que todos trabalhadores que buscarem condições mais favoráveis de trabalho serão imediatamente demitidos, todos os brasileiros contratados formalmente receberiam apenas o salário mínimo.

Por sua vez, é intuitivo que quanto mais aquecido for o mercado de trabalho, maior poder de barganha terão os trabalhadores. A tentativa de incluir dezenas de milhões de pessoas no mercado de trabalho formal afeta este poder de negociação, que será tão maior quanto mais alternativas os trabalhadores possuírem.

O fim da contribuição sindical obrigatória, em longo prazo, também pode contribuir nesse sentido. Na visão otimista, a maior liberdade sindical estimula exatamente uma participação mais ativa dos sindicatos. A faculdade de contribuir para um sindicato tenderá a ser exercida quanto mais representativo um sindicato for.

Os bons sindicatos poderão ser fortalecidos. Já a visão pessimista é que o fim da compulsoriedade gere escassez de recursos e facilite a captura do sindicato pelos empregadores, prejudicando as negociações. A atuação do sindicato tem características de “bem público”, por afetar tanto quem contribui quanto quem não contribui, e poderia ser subfinanciada – por esta ótica.

A drástica mudança na forma de financiamento poderia idealmente também ser o prelúdio de uma reforma sindical. O fim da unicidade necessita de emenda à Constituição, enquanto a reforma trabalhista é apenas um projeto de lei. Eventual competição dos sindicatos tenderia fortalecer a representação dos trabalhadores.

PRODUTIVIDADE E RENDA

As novas formas de contratação e o negociado sobre o legislado dominaram este debate, mas outro aspecto essencial da modernização trabalhista tem ficado esquecido na discussão: a busca por ganhos de produtividade. O crescimento da produtividade do trabalho é o que dita a capacidade que os salários têm de crescer de maneira persistente e sustentável.

Grosso modo, não sendo pelo crescimento da produtividade, países tem apenas outra possibilidade para crescer: pelo aumento de quantidade de trabalhadores. A produtividade se refere, portanto, a capacidade de aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) sem mudanças no número de trabalhadores1. Nas palavras do Prêmio Nobel Paul Krugman “a produtividade não é tudo, mas em longo prazo é quase tudo.”

Aqui é pertinente fazer uma digressão em relação ao popular argumento que diz que a reforma não gera emprego, porque “o que gera emprego é crescimento econômico”. Por outro prisma, poder-se-ia dizer que o que gera crescimento é emprego e produtividade. Não dá pra considerar o crescimento do PIB como exógeno ao mercado de trabalho.

A ênfase que o aperfeiçoamento das leis trabalhistas dá à produtividade não é redundante: este indicador esteve estagnado no Brasil nos últimos anos, e apresentou até evolução negativa em alguns setores da economia. O desempenho ruim persistiu mesmo no bom momento do mercado de trabalho, de boom das commodities e demografia favorável, que ampliaram o emprego formal.

Nossa performance deixou muito a desejar não só em termos absolutos, mas também relativos. Ficamos muito para trás de economias emergentes, como a China, ou maduras, como os Estados Unidos.

São vários os mecanismos por quais as mudanças na CLT permitirão o crescimento da produtividade e, portanto, da renda. Concede-se maior liberdade para que as empresas remunerem por desempenho, possibilidade hoje travada porque judicialmente estas parcelas temporárias podem ser incorporadas definitivamente ao salário ou estendidas a outros trabalhadores com o mesmo cargo, ainda que em outra cidade ou ano.

Outros instrumentos para ganhos de produtividade incluem a terceirização, que encoraja a especialização, e o estímulo para concessão de transporte pelos empregadores, evitando que as pessoas percam tempo e energia nas caóticas redes de transporte das grandes cidades.

A própria prevalência do negociado sobre o legislado tende a permitir ajustes que propiciem condições de trabalho mais amigáveis à produtividade, assim como as novas formas mais flexíveis de jornada tendem a aumentar a permanência nos postos de trabalho e diminuir a rotatividade, outra grande inimiga da produtividade.

A rotatividade é cronicamente elevada no Brasil, e os trabalhadores permanecem pouco tempo em um mesmo posto de trabalho. Ninguém investe em vínculos que tendem a durar pouco, com graves prejuízos para qualificação profissional.

Por sua vez, o problema do desemprego também tem uma intersecção com o problema da produtividade: a inclusão dos excluídos permite o crescimento da produtividade pela via da experiência (on-the-job learning). Trabalhadores que estariam fora do mercado de trabalho passarão a ter mais experiência, ainda que não em contratos permanentes de 44 horas.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Uma das principais polêmicas da tramitação da proposta se refere ao efeito no emprego de reformas trabalhistas em experiências internacionais. Se do ponto de vista teórico da economia do trabalho a fundamentação é sólida de que a flexibilização das leis trabalhistas vai ao sentido de mais emprego, o resultado de experiências internacionais é objeto de disputa.

Uma primeira controvérsia se refere aos estudos que aplicam técnicas econométricas para estimar a relação de causalidade entre rigidez da legislação e desemprego (ou crescimento). Nesta metodologia estatística esta relação é isolada, ou seja, são controlados os efeitos de outras variáveis que afetam o emprego. A rigidez é medida por um índice – que é arbitrário por construção.

Os críticos da reforma trabalhista apontam estudo publicado pela OIT em 2015, com dados de 63 países para 20 anos, que não detectou relação entre o índice de rigidez e o nível de emprego, mantidos outros fatores constantes2.

Os autores do estudo são mais cautelosos a respeito das conclusões do que os seus entusiastas brasileiros, afirmando que uma legislação trabalhista rígida pode não afetar o nível de emprego se cuidadosamente desenhada. Ainda, o desenho desta legislação deveria levar em conta as condições específicas do mercado de trabalho em cada país. Reconhecem também que o efeito sobre o emprego pode variar entre grupos da população (ex: jovens).

Com metodologia semelhante, outros estudos chegaram à conclusão divergente daquela do estudo da OIT, isto é, concluíram que a rigidez trabalhista afeta negativamente o nível de emprego. Entre eles podemos destacar o de Andrei Schleifer, o economista mais citado do mundo na academia, que com seus co-autores analisou 85 países3; e o do Prêmio Nobel James Heckman, que teve amostra de 43 países e ênfase na América Latina4.

A ausência de um resultado consensual entre estudos de fontes respeitadas é frustrante, mas pode ser explicada. Fora a dificuldade de controlar estatisticamente o impacto de outras variáveis nesta relação, os próprios indicadores de rigidez trabalhista e de desemprego são pouco apropriados para esse tipo de estudo.

Os índices de rigidez trabalhista são construídos artificialmente: embora muito interessantes para fazer comparações no tempo e entre países, são menos pertinentes para identificar causalidade entre variáveis. São atributos que outros índices também possuem, como o de desenvolvimento humano (IDH).

Por sua vez, análises comparadas de desemprego são sempre questionáveis porque as definições de desemprego variam em cada país, e compatibilizá-las não é trivial.

Outro objeto de disputa no debate sobre a reforma trabalhista se refere a experiências individuais de alguns países. São populares os casos de economias grandes que fizeram reformas em anos recentes, como Espanha, México e Alemanha.

Com frequência, se apontou que estas reformas “precarizaram” as relações de trabalho sem trazer ganhos no desemprego. Porém, desta vez, não é apontada evidência empírica como base.

No caso da Espanha, que fez sua reforma em 2012, foram identificados efeitos positivos, e rápidos, da reforma trabalhista sobre o emprego, por estudos de pesquisadores espanhóis5 e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)6, entre outros. Para o caso mexicano, ainda há carência de estudos.

Já em relação às reformas trabalhistas na Alemanha feita na década passada, a OCDE apontou em 2016 que elas tornaram o mercado de trabalho mais forte e que, graças a elas, a taxa desemprego continuou a cair e é agora a mais baixa da União Europeia7.

Em outra oportunidade, a OCDE defendeu que o desempenho macroeconômico alemão acima de seus vizinhos, inclusive em relação ao desemprego, teve como “base” as reformas trabalhistas feitas a partir de 20028.

Há uma série de outros trabalhos empíricos reconhecendo os efeitos positivos das reformas trabalhistas alemãs, inclusive atribuindo a elas o bom desempenho durante a crise econômica mundial – comumente chamado de “milagre”9.

Na França, que também se prepara para uma reforma trabalhista sob o presidente Emmanuel Macron, publicação dos Ministérios da Economia e Finanças e do Comércio Exterior explica que a maior parte dos milhões de empregos criados na Alemanha foram em contratos em regime de tempo parcial ou temporários – que são fortalecidos na proposta brasileira10.

Adicionalmente, há estudos apontando que a partir de 2010 a expansão do emprego pelas jornadas parciais foi dando espaço a uma expansão de empregos em tempo integral11.

Note que as novas modalidades de contrato previstas pela modernização brasileira são, junto com o fortalecimento da segurança jurídica, o principal mecanismo pelo qual se espera incluir os excluídos. São modalidades que em outros países são usadas por jovens e mulheres. Na Holanda, 60% das mulheres empregadas trabalham menos de 30 horas semanais (e apenas 18% dos homens), segundo a OCDE.

Essas evidências de outros países não integraram o debate da modernização trabalhista no Brasil nos últimos meses. Experiências individuais de outros países foram usadas em geral para se opor à reforma, com base em evidências apenas anedóticas.

Evidentemente que experiências de país A ou B não devem vincular qualquer opção de política pública no Brasil. Mesmo as conclusões dos estudos sobre reformas trabalhistas, sejam positivas ou negativas, precisam ser vistas com cautela, uma vez que o teor das reformas pode ser em muito diferente da proposta para o Brasil.

Portanto, parece ser mais conveniente a abordagem de Gordon Betcherman, preconizada em estudo do Banco Mundial, que reconhece a existência de um amplo espaço para as legislações trabalhistas de países emergentes no espectro “flexibilidade-rigidez”12. Desde que se evitem os extremos, seja de flexibilidade (baixo desemprego e informalidade, mas alta precarização) seja de rigidez (pobreza, com muitos “direitos” que não saem do papel), haveria muitas opções para o legislador.

Também é promissor o tratamento sugerido pelos professores Nauro Campos e Jeffrey Nugent para os índices de rigidez da legislação trabalhista. A comparação de um país com outros deveria ser cotejada com os dados domésticos de desempenho do mercado de trabalho13.

Na comparação internacional, temos uma das legislações menos flexíveis do mundo, com a 132a posição entre 144 países (LAMRIG, publicado pelo Instituto de Economia do Trabalho (IZA)) ou a 144ª entre 159 países (Instituto Fraser).  Nos dois rankings, Japão, Hong Kong, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá aparecem na liderança, e Angola e Venezuela nas últimas posições.

A comparação por si não é um problema, mas infelizmente no Brasil temos também altas taxas de desemprego e informalidade, e uma baixa taxa de crescimento da produtividade. O conjunto desses indicadores cronicamente ruins sugere a necessidade de mudanças.

PREVIDÊNCIA E TERCEIRIZAÇÃO

Há no debate uma genuína preocupação de que as inovações da modernização trabalhista prejudiquem a Previdência. Ela se somaria a outras tendências estruturais de economias modernas, como a indústria 4.0, que tendem a enfraquecer a arrecadação previdenciária.

Isso seria especialmente deletério no Brasil, cuja previdência, com uma das tributações sobre a folha mais pesadas do mundo, é especialmente dependente da contribuição patronal tradicional.

Por outro lado, se existem mudanças estruturais ocorrendo no mercado de trabalho, não seria melhor justamente permitir a formalização de outras formas de contratos de trabalho? Desde que não sejam usadas de maneira espúria, a segurança jurídica para o trabalho intermitente e o autônomo exclusivo, por exemplo, poderiam, ao contrário, ampliar a arrecadação.

Cabe observar também que, sendo a reforma bem-sucedida em incluir os excluídos (desempregados e informais), aumenta-se a massa salarial sujeita à tributação. Ainda no âmbito da arrecadação previdenciária, é louvável a majoração da reforma da multa por empregado informal, que sobe em até 7 vezes, para R$ 3.000.

Da mesma forma, há um sincero medo de que a terceirização da atividade-fim também prejudique a arrecadação. Este é um debate que foi mal embasado, a partir de estudo rudimentar que apontava que o terceirizado ganha 25% menos do que o contratado diretamente.

No mercado de trabalho, os salários são determinados pelas forças da demanda por trabalho pelos empregadores e da sua oferta pelos trabalhadores. Eles não deveriam ser afetados pela forma de contratação, se direta ou indiretamente.

Em verdade, a pesquisa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), meramente comparou a remuneração média de funcionários em setores classificados como tipicamente de terceirizados e tipicamente de contratação direta. Não foi comparada a remuneração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores contratados diretamente com as mesmas funções.

Seria o mesmo, portanto, que comparar o salário de um juiz e de um faxineiro do fórum, e explicar a diferença pelo fato do faxineiro ser terceirizado. Estudos que realmente fizeram a comparação apropriada identificaram diferenças muitos menores, e até positivas em ocupações de maior qualificação14.

Também não é consistente a lógica do argumento de que a terceirização da atividade-fim permitirá que trabalhadores contratados diretamente sejam demitidos para que outros mais baratos sejam contratados.

Sendo os salários determinados pelas forças de mercado, não haveria razão para que, por exemplo, o porteiro João fosse demitido para que um terceirizado José seja contratado com um salário menor. Se José já estava disponível e aceitava um salário menor, porque o condomínio esperaria a terceirização para o contratar?

Há duas exceções a este raciocínio: a terceirização no serviço público, uma vez que os salários não são determinados pelo mercado, e a terceirização espúria: a mera intermediação de mão de obra com o objetivo de sonegar encargos. Assim, há um importante argumento de que a vedação à terceirização da atividade-fim é principalmente um instrumento para evitar que se fuja da tributação.

Cabe, porém, refletir sobre as perdas decorrentes da insegurança jurídica que a vedação à terceirização gera, diante da impraticalidade de exigir que burocratas distingam o que são atividades meio e fim de milhares de empresas.

A terceirização em atividades-fim é amplamente adotada fora do país. Empresas terceirizam desde o estabelecimento de seus preços (McDonalds, Coca-Cola, General Eletric, Nestlé) até o desenho dos produtos (Samsung, Ford, Intel, Lufthansa). A gigante Ikea até faz o desenho dos móveis que vende, mas não fabrica nenhum deles.

Esses arranjos, que potencialmente geram emprego e incrementam a produtividade, e por isso, a renda, teriam segurança para nascer no Brasil?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientar que os mecanismos por meio das quais a reforma trabalhista tem potencial para aumentar o emprego e a renda não são explicados por suposta benevolência dos empregadores. Ao contrário, a regulação do mercado de trabalho deve ser consciente de que a motivação das firmas é de expandir seus lucros.

Qualquer contratação pressupõe a busca do empresário pelo lucro. Não é possível esperar que os empregadores vão empregar mais porque são “bonzinhos”. A legislação e a jurisprudência trabalhistas devem, portanto, ser elaboradas com ciência dessa restrição que opera em uma economia de mercado.

A aversão que temos aos patrões não pode ser maior do que o desejo de melhorar a vida dos brasileiros. A reforma gera os mecanismos para que o emprego formal e a renda floresçam dentro da lógica do capital.

A regulação do mercado de trabalho não é trivial e nossos anseios por proteção podem justamente prejudicar quem se busca proteger. Ilustrativamente, estudo econométrico sobre a PEC das Domésticas concluiu que em decorrência da medida o emprego se reduziu e mulheres de baixa qualificação foram movidas para fora da força de trabalho ou para empregos piores15.

Evidentemente que a reforma trabalhista não é capaz de, sozinha, propiciar o desenvolvimento e a redução das desigualdades, e nem terá fortes efeitos imediatos no emprego e na produtividade. É preciso desfazer o nó fiscal, que tanto reprime a economia com redução de investimentos público, elevada carga tributária e juros altos.

São necessárias reformas, também microeconômicas, que melhorem o ambiente de negócios, a qualidade da educação e deem mais eficiência e progressividade às despesas do Estado e ao sistema tributário.

Por outro lado, é natural que um projeto de lei com tantas mudanças sofra resistência, porque é difícil concordar com todos os seus dispositivos. Por exemplo, talvez pudessem ser deixadas para negociações coletivas itens que integrarão o texto da lei (salvo veto) e consistem em demanda de profissionais de áreas específicas, com ganhos menos evidentes para o conjunto de trabalhadores.

É o caso das demandas de médicas e enfermeiras (possibilidade de gestante e lactante trabalharem em local de baixa insalubridade) e bancárias (fim do intervalo de 15 minutos antes das horas-extras).

Outra reflexão é se a velocidade da tramitação da proposta, conjugada com tantos eventos políticos relevantes no país nos últimos meses, não prejudicou a sua assimilação – e até aceitação – pelos operadores do Direito. A almejada segurança jurídica depende também do convencimento deles, e não apenas de dispositivos em uma lei.

De todo modo, é urgente que o debate sobre as normas trabalhistas, que irá continuar depois de apreciação da reforma, perca o seu componente maniqueísta, em que os que são favoráveis à manutenção do status quo atual possuem o monopólio das boas intenções e do interesse no bem-estar dos trabalhadores.

 

Versão deste texto foi originalmente publicada no portal JOTA, em 2 de julho de 2017, sob o título “Reforma trabalhista é aposta para o crescimento do emprego”.

 

Sugestões de leitura:

Ao longo da tramitação da reforma trabalhista, o Senado ouviu os principais especialistas do Brasil em Economia do Trabalho, cujas apresentações seguem abaixo:

André Portela

Sérgio Firpo

José Pastore 1 e 2

José Márcio Camargo

Hélio Zylberstajn

A respeito especificamente do tema produtividade, também é de interesse o estudo dos professores Roberto Ellery, Ricardo Paes de Barros e Diana Grosner, publicado pelo Ipea e coletâneas organizadas recentemente por Regis Bonelli, Fernando Veloso e Armando Castelar Pinheiro, do IBRE, FGV; e Luiz Ricardo Cavalcante e Fernanda DeNegri, do Ipea.

Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal.

 

_______________

1 Rigorosamente, essa seria na verdade a produtividade média do trabalho, que se distingue da produtividade marginal do trabalho. Para os fins deste texto não diferenciamos os conceitos.

2 FENWICK, C.; MARTINSSON, S.; PIGNATTI, C.; RUSCONI, G. Labour Regulation and Employment Patterns. World Employment and Social Outlook. Genebra: OIT, 2015.

3 SCHLEIFER, A.; DJANKOV, S.; LA PORTA, R.; LOPEZ-DE-SILANDEZ, F. The Regulation of Labor. National Bureau of Economic Research Working Paper nº 9756. Junho de 2003.

4  HECKMAN, J.; PAGÉS-SERRA, C. The Cost of Job Security Regulation: Evidence from Latin American Labor Markets. Economia 2, 109-154. 2000.

5 AGUIRREGABIRIA, V.; ALONSO-BORREGO, C. Labor Contracts and Flexibility: Evidence from Labor Market Reform in Spain. Economic Inquiry, volume 52, issue 2, pp 930-957. Abril de 2014.

6 OCDE. The 2012 Labour Market Reform in Spain: A Preliminary Assessment. OECD Publishing, 2014.

7 OCDE. OECD Economic Surveys: Germany. Abril de 2016.

8 OCDE. Germany Keeping the Edge: Competitiveness for Inclusive Growth. Fevereiro de 2014.

9 BURDA, M. C.; HUNT, J. What Explains the German Labor Market Miracle in the Great Recession? Brookings Papers on Economic Activity. The Brookings Institution, 2011.

10 BOUVARD, F.; RAMBERT, L.; ROMANELLO, L.; STUDER, N. How have the Hartz reforms shaped the German labour market?. Trésor-Economics, nº 110. Ministère de l’Économie, et des Finances et Ministère du Commerce Extérieur  março de 2013.

11 BURDA, M. C. The German Labor Market Miracle, 2003 -2015: An Assessment. SFB 649 Discussion Paper 2016-005. Fevereiro de 2016.

12 BETCHERMAN, G. Labor Market Regulations: What do we know about their Impacts in Developing Countries?. The World Bank Research Observer, vol. 30, no. 1. Fevereiro de 2015.

13 CAMPOS, N. F.; NUGENT, J. B. The Dynamics of the Regulation of Labor in Developing and Developed Countries since 1960. IZA Discussion Paper No. 6881. Setembro de 2015.

14 STEIN, G. ZYLBERSTAJN, G.; ZYLBERSTAJN, H. Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil. Working Paper 4/2015. Center for Applied Microeconomics, São Paulo School of Economics. Agosto de 2015.

15 PIRES, P. O. M. Labor Rights, Formality and Spillovers: Evidence from Brazil. Dissertação apresentada à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Orientador Rodrigo dos Reis Soares. São Paulo, 2016.

 

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Reduzir a jornada semanal vai recuperar empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2856&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reduzir-a-jornada-semanal-vai-recuperar-empregos Mon, 19 Sep 2016 12:42:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2856 1. Introdução

A redução da jornada semanal de trabalho, sem redução dos salários, é bandeira antiga de atores tão diversos quanto o movimento sindical brasileiro e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)1. Previamente discutida neste blog, a redução de 44 para 40 horas é vista como uma maneira de gerar empregos: limitando o máximo de horas que um empregador pode contratar de um empregado, estaria se obrigando o patrão a contratar mais funcionários para dar conta do trabalho. O debate voltou à tona com o dramático aumento do desemprego e o prelúdio de mudanças na legislação trabalhista, e também com declarações públicas desastrosas que geraram falsos rumores de aumento da jornada diária para 12 horas e até da jornada semanal para 80 horas2. Outro boato falso das redes sociais que fomenta a questão é o de que países como a Suécia estariam reduzindo a jornada diária para apenas 6 horas3.

Este texto revisita o tema, introduzindo o histórico da discussão, os argumentos da teoria econômica e achados de evidências empíricas sobre a questão. Focamos no efeito da redução da jornada semanal sobre o nível de emprego, e não em outros importantes aspectos ligados ao tema, como saúde, segurança do trabalho, mobilidade urbana e qualidade de vida.

 

2. A redução da jornada como medida contra o desemprego

Como é proposta desde os anos 90 pelo movimento sindical brasileiro, existem várias estimativas sobre o aumento de vagas decorrente da redução da jornada semanal de 44 para 40 horas. Em 2004, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que a redução geraria 2,8 milhões de novos postos. Em 2007, a estimativa do órgão era de 2,5 milhões. Mais recentemente, em 2010, a estimativa do Dieese era de 1,7 milhões de novos empregos, enquanto a União Geral dos Trabalhadores (UGT) estimava o número de 2,2 milhões.

Reduções maiores na jornada tiveram efeitos estimados maiores: em 1997, a Força Sindical estimava 4,4 milhões de novos postos com uma redução de 44 para 30 horas, enquanto a Central Única dos Trabalhadores (CUT) previa 3,6 milhões para uma redução de 44 para 32 horas4.

De fato, a redução da jornada semanal é uma bandeira histórica da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Este foi o objeto da sua primeira Convenção, a nº 1, de 1919, que limitava a jornada da época para 48 horas. Com a Grande Depressão de 30, a OIT passa a recomendar a redução da jornada como estratégia contra o desemprego, quando a Convenção nº 47, de 1935, reduzia a jornada para 44 horas semanais.

A Convenção da OIT seguiu os passos do Acordo de Reemprego (PRA) do presidente americano Franklin Delano Roosevelt. Implantado a partir de 1933 no âmbito do New Deal, ele encorajava as empresas a reduzir a jornada de trabalho para 35 horas, com o objetivo de criar demanda por mais empregados, aliviando as consequências da Grande Depressão da década de 30.

 

3. A jornada semanal máxima em países desenvolvidos

Vários países desenvolvidos possuem atualmente jornadas semanais de 40 horas, ou menores, como a proposta para o Brasil (embora alguns mantenham a de 48 horas). Essas informações são apresentadas para países selecionados na Tabela 1, abaixo. Informações para países em desenvolvimento, que possuem jornadas mais longas, serão apresentadas mais adiante.

Tabela 1 – Jornada semanal de trabalho legal máxima – Países desenvolvidos selecionados

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Fonte: Travail Database da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/travail/travmain.sectionChoice?p_structure=. Acesso em: fevereiro de 2016.

 

4. Evidências favoráveis à redução

Apresentamos a seguir algumas evidências que podem ser entendidas como favoráveis à proposta de redução da jornada semanal de 48 para 44 horas no Brasil. Estudo dos professores de economia Gustavo Gonzaga e José Márcio Camargo, da PUC-Rio, e Naércio Menezes-Filho, da USP, buscou isolar o efeito, no emprego, da redução da jornada de 48 para 44 horas e outras mudanças ocorridas com a Constituição de 19885. Contrariamente à previsão da teoria econômica, os pesquisadores não observaram aumento da probabilidade de desemprego por parte dos que estavam empregados, pelo menos em curto prazo. Eles ressaltam, porém, que outras mudanças da Constituição, como o aumento da hora extra, podem ter contribuído para este resultado, bem como o fato da economia brasileira ser na época significativamente mais fechada à competição internacional.

Já estudo de 2012 dos economistas americanos Lonnie Golden, da Universidade do Estado da Pensilvânia, e Stuart Glosser, da Universidade de Wisconsin, encontrou “efeitos positivos líquidos” da redução permanente da jornada no nível de emprego em países europeus6. Os pesquisadores também simularam os efeitos de uma redução na economia americana, concluindo que ela poderia ter “considerável efeito neutralizador” na perda de empregos ocorrida durante a crise econômica dos últimos anos (“Grande Recessão”).

O efeito no referido estudo existiria por “induzir” os empregadores a acelerar contratações previstas, mas que seriam feitas apenas quando a economia se recuperasse. Por isso, os pesquisadores defendem que a medida poderia não só evitar aumento do desemprego durante a crise, mas conseguir uma redução “modesta” da taxa.  O efeito seria mais forte para a manufatura de bens não duráveis (em oposição à manufatura de bens duráveis). Os pesquisadores são contrários a uma redução que gere perdas salariais (argumentando que perdas salariais poderiam reforçar uma contração macroeconômica), mas ressaltam que a reposição integral do salário por parte do empregador seria cara e danosa, subentendendo que deve haver uma perda parcial do salário, ou que a compensação integral deva ser feita pelo governo, e não pelo empregador. Esta é uma marcante diferença da proposta brasileira, que veda a redução salarial, completamente a custo do empregador.

Apresentamos a seguir agora o conjunto de evidências desfavoráveis à mudança.

 

5. Evidências desfavoráveis à redução

Aponta-se que uma redução da jornada por lei, valendo para todos os setores e sem redução salarial, por aumentar em 10% o custo da hora trabalhada, poderia ter os seguintes efeitos adversos:

  1. não gerar emprego na magnitude desejada, caso os empregadores optem por aumentar outros custos face à mudança na produção, em vez de fazer novas contratações (como aumentar horas extras ou investimento em maquinário);
  2. desestimular novas contratações, no médio e longo prazo, que teriam sido feitas caso a redução não ocorresse;
  3. afastar investimentos produtivos do país e contribuir para a desindustrialização, por ser o custo unitário do trabalho (indicador corrigido pela produtividade) significativamente menor em concorrentes do país a nível internacional;
  4. gerar pressão nos preços e comprimir o investimento, caso novas contratações sejam de fato feitas, ou caso outras medidas de aumento de custo sejam tomadas frente à mudança (como o aumento de horas extras); e
  5. provocar demissões, caso a produtividade de um trabalhador em 40 horas não compense remunerá-lo no mesmo nível de 44 horas.

 

Quais efeitos predominam dependeria de cada setor, já que existem diferenças significativas, por exemplo, nos níveis de produtividade; nas possibilidades de substituir o trabalho por maquinário/equipamento; ou no grau de competição externa enfrentada.

A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) − que não segue a composição de outros órgãos da ONU e possui uma organização tripartite, com forte tradição sindical – tem predileção por políticas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), em vez da redução universal da jornada sem redução de salários. Este tipo de política foi considerado “chave” para a OIT na crise mundial dos últimos anos, integrando o seu “Pacto Global para o Emprego”. Programas como PPE se proliferaram nos últimos anos com apoio entusiasmado da organização, inspirados no sucesso do alemão Kurzarbeit.

Ao contrário da redução legal da jornada, a redução de carga horária de programas como o PPE é considerada mais flexível (respeitando diferenças setoriais, por ser a adesão facultativa); menos custosa para quem contrata (já que reposições salariais são feitas pelo governo); e capaz de gerar maior aumento da produtividade (porque, em geral, dão concomitantemente oportunidade de qualificação ao trabalhador que teve a carga horária reduzida).

Entretanto, programas como o PPE objetivam, em verdade, frear as demissões em um período recessivo, e não gerar mais contratações (como a proposta de redução da jornada semanal), sendo temporários, e não permanentes (como a redução da jornada).

A redução da carga horária de 44 para 40 horas sem redução salarial, por implicar em um aumento de 10% no custo por hora trabalhada, tornaria ainda mais elevados os “custos unitários do trabalho” (CUT), que já vinham em alta7. Os CUT são entendidos como o custo médio da mão de obra por unidade produzida, e foram significativamente afetados pelos ganhos salariais reais dos últimos anos sem contrapartida de aumento de produtividade.  A elevação desses custos muito acima da de concorrentes internacionais prejudica setores que enfrentam competição externa.

Gráfico 1 – Custos unitários do trabalho no setor manufatureiro em diversos países – 2000-2015 – Em dólares

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Fonte: The Wall Street Journal, a partir de dados do Boston Consulting Group. Na escala à esquerda, a base 100é o custo nos Estados Unidos.

Legenda: Germany = Alemanha; U.K. = Reino Unido; U.S. = Estados Unidos; Czech Republic = República Tcheca; South Korea = Coreia do Sul; Poland = Polônia; Thailand = Tailândia.

 

Ilustrativamente, conforme o Gráfico 1, acima, os custos unitários do trabalho (CUT)8 dobraram no Brasil entre 2000 e 2015, e estariam, em 2015, no mesmo patamar da Alemanha, muito acima de países ricos como Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Canadá. Mais importante, eles seriam o dobro dos de competidores emergentes como Polônia e China, o triplo dos da Rússia e quatro vezes os do México. Assim, a elevação dos CUT tornaria o emprego no Brasil ainda mais desvantajoso perante seus competidores internacionais, reforçando a tendência do gráfico. Entretanto, cabe observar que esses dados são antecedentes à forte depreciação do real ocorrida em 2015, que aliviou esta tendência.

Cabe ressaltar que a preocupação em relação às dificuldades de competitividade decorrentes dos grandes aumentos dos custos unitários do trabalho (CUT) (ou seja, aumento do custo da mão de obra sem contrapartida de produtividade) é externada inclusive por economistas heterodoxos atuantes no debate de política econômica, como os professores Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP) e José Luis da Costa Oreiro (UFRJ/UnB).

A Tabela 2, abaixo, apresenta dados das jornadas para países em desenvolvimento, significativamente maiores dos que as dos países desenvolvidos apresentadas anteriormente e mesmo que as do Brasil. Ressaltamos que tal comparação não é aqui colocada por ser a jornada destes países, de alguma forma considerada ideal, mas porque se trata de países com renda per capita mais próxima da do Brasil e que competem com o país em vários setores, com custos unitários do trabalho menores, conforme apresentado anteriormente.

Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho legal máxima – Países em desenvolvimento selecionados

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Fonte: Travail Database da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/travail/travmain.sectionChoice?p_structure=. Acesso em: fevereiro de 2016.

 

Nesse sentido, dados de 2011 da OIT indicam que 44% dos países não adotam a carga horária de 40 horas, contra 41% que a adotam, o que vai de encontro a um argumento central da redução da jornada no Brasil, que é o de que “a grande maioria dos países adota as 40 horas. Consoante com a tabela anterior, a OIT aponta que a jornada de 40 horas é adotada predominantemente por países ricos: a taxa é de quase dois terços para os países desenvolvidos, mas de menos de 10% para a América Latina.  Cabe observar, ainda, que é notória a violação da legislação trabalhista em países emergentes, como os do Sudeste Asiático, trazendo dificuldades adicionais de competitividade para a redução da jornada no Brasil sem contrapartida de aumentos de produtividade.

Por fim, um último aspecto que costuma ser levantado em relação à competividade e à jornada de trabalho no Brasil se refere à jornada anual de trabalho. Não apenas os custos unitários do trabalho cresceram no país (custo da mão de obra ajustado pela produtividade), como o Brasil possuiria já uma jornada anual menor, em consequência de adotar mais dias de férias remuneradas em relação aos outros países, como também por possuir, ligeiramente, maior número de feriados pagos.

Complementarmente, o sociólogo José Pastore, especialista em mercado de trabalho, argumenta que os empregadores seriam induzidos a escolher alternativas antes de empregar um novo funcionário, diante dos custos envolvidos (salários, despesas de contratação, treinamento). Estes ajustes incluiriam alterações nos turnos, folgas e férias; na tecnologia; e no uso do capital.  A própria argumentação dos defensores da redução da jornada parece reconhecer este efeito, ao afirmar que jornadas mais reduzidas trariam aumento da produtividade.

Pastore alerta que, além de evitar novas contratações, tais ajustes poderiam ter como consequências adversas, em um segundo momento, o aumento da produtividade e da automação, que reduziriam os empregos diretos. Assim, os referidos ajustes não estariam previstos nas estimativas apresentadas anteriormente de entidades como o Dieese, que seriam demasiado otimistas.

Pastore aponta ainda que, caso de fato haja novas contratações − isto é, caso o empregador não adote as estratégias anteriores (ou elas tenham se exaurido) e também não opte por contratar um empregado informalmente −, pode haver repasses nos preços (alimentando a inflação) ou redução do investimento (que já está baixo, comprometendo o crescimento da economia, e do emprego, no futuro).

Adicionalmente, Pastore, aponta alguns empecilhos para esta hipótese (de que a proposta de redução da jornada tenha efeitos do nível de emprego): a invisibilidade do trabalho; a necessidade de qualificação do empregado adicional para fazer o trabalho antes executados por outros trabalhadores; e ajustes nas instalações.

Segundo o sociólogo, reduções da jornada na França, em 1982 (de 40 para 39 horas) e em 2000 (de 39 para 35), − que inspiraram propostas no Brasil – teriam sido seguidas por aumento de desemprego. As mudanças teriam sido seguidas ainda por alterações em turnos; remanejamentos e determinações rígidas de férias; e encurtamento de descanso, especialmente na indústria, o que tornou a alteração impopular entre os trabalhadores do setor. Finalmente, em janeiro de 2016, o governo do Partido Socialista começou a reverter a jornada de 35 horas por conta de dificuldades com a competitividade da economia9. Tal movimento também estaria ocorrendo em outros países da União Europeia, para evitar transferências de empreendimentos para o leste europeu.

 

6. Alternativas

Diante deste quadro, José Pastore sugere que a redução na jornada no Brasil siga exemplos bem-sucedidos pelo mundo, que permitem a redução da jornada por negociação, não por norma legal imposta a todos os setores. No Brasil, tal possibilidade decorre do art. 7º, inciso XIII da Constituição, que faculta a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Para Pastore, investimento e educação continuam sendo as melhores políticas para emprego. Em se tratando de medidas legislativas de combate ao desemprego, o sociólogo argumenta que elas deveriam estar voltadas para a redução das despesas de encargos sobre a folha; contratos mais flexíveis e inovações (como contratos especiais para jovens, o SIMPLES trabalhista e a controversa terceirização).

Já os professores Gustavo Gonzaga e José Márcio Camargo (PUC-Rio) e Naércio Menezes-Filho (USP) propõem uma alternativa (no mesmo sentido da proposta aqui analisada) de aumentar o volume de emprego, reduzir a jornada, manter os mesmos salários, mas sem afetar o custo total do trabalho para o empregador. Tal alternativa consistiria em reduzir, concomitante à redução da jornada, o custo fixo do emprego (como número de dias pagos e não trabalhados) e aumentar o adicional pago por horas-extras.

O governo, por sua vez, tem demonstrado a intenção de ampliar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), estendendo seu prazo ou tornando-o permanente, permitindo sua adoção em todos os setores da economia.  Entretanto, como os custos da manutenção parcial do salário do empregado ficam por conta do governo, o aumento do PPE pressiona ainda mais as contas do Estado, em um momento em que o próprio governo prescreve o ajuste fiscal como solução para o crescimento da economia.

 

7. Considerações finais

A teoria econômica prevê que um aumento do custo do trabalho − como o da redução da jornada em 10% (de 44 para 40 horas) – seria prejudicial ao emprego. Dois efeitos se somariam: o “efeito substituição” (estímulo a troca de trabalhador por capital) e o “efeito escala” (aumento de custos que deprime a produção em um primeiro momento, e, por isso, o emprego em um segundo momento).

Reconhecendo que a redução da jornada sem redução salarial tem dificuldades em dar incentivos econômicos para o aumento do emprego, o presidente americano Franklin D. Roosevelt, quando adotou essa mesma medida durante a Grande Depressão dos anos 30, justificou a redução da jornada sob argumentos não-econômicos. Roosevelt fez um chamamento, pedindo “aos empregadores da nação” que participassem de “pacto em nome do patriotismo e da humanidade” para reduzir o desemprego e sair da crise. Trata-se certamente de tema sensível, que traz à superfície uma série de tensões da relação capital-trabalho, mas que terá de ser inevitavelmente debatido enquanto a sociedade busca saídas para a face mais cruel da crise: o desemprego.

______________

1 http://www.euquero40horas.org.br/.

2 Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1811894-ministerio-do-trabalho-faz-acao-em-redes-sociais-para-esclarecer-fala-de-ministro.shtml e http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2016/07/1,91848/presidente-da-cni-robson-braga-de-andrade-jamais-defendeu-aumento-da-jornada-de-trabalho.html.

3 Em verdade, o que existe por hora são experimentos, financiados pelo governo, ou iniciativas privadas, e não uma imposição legal valendo para todo o país. Segundo a OIT, a jornada semanal legal é de 40 horas, e não de 30. Ver, entre outros: http://www.nytimes.com/2016/05/21/business/international/in-sweden-an-experiment-turns-shorter-workdays-into-bigger-gains.html?_r=0

4 Não está claro, porém, se a metodologia dessas estimativas seguiram as melhores práticas estatísticas ou se apenas aplicam, linearmente, a percentagem de redução das horas no estoque de trabalhadores empregados.

5 GONZAGA, G.; MENEZES FILHO, N. A.; CAMARGO, J, M. Os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988. Revista Brasileira de Economia, v. 57, nº 2, 2003.

6 GOLDEN, L.; GLOSSER, S; Work Sharing as a Potential Policy Tool for Creating More and Better Employment: A Review of the Evidence. In: MESSENGER, J.; GHOSHEH, N. Work Sharing: New Developments during the Great Recession and Beyond. Edward Elgar Publishing e International Labour Organization (ILO), 2012. 

7 Em verdade, o aumento de custos seria superior a 10% porque há custos fixos na remuneração da mão de obra, como vale-transporte, auxílio alimentação, creches (por exemplo, o custo de manter uma creche é o mesmo se as funcionárias trabalharem 40 ou 44 horas semanais), além de alguns custos de monitoramento e de recursos humanos.

8 Especificamente, a medida aqui analisada é o “custo da hora trabalhada, controlado para produtividade na manufatura”, em dólares.

9 France reviews its 35-hour working week. The Telegraph, 25 de janeiro de 2016. Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/france/12120927/France-reviews-its-35-hour-working-week.html.

 

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O F.A.Q. da Crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-faq-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592#comments Mon, 31 Aug 2015 12:53:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2592 Foi publicado recentemente neste site o texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”. Com base no diagnóstico ali traçado, listamos uma série de perguntas frequentes sobre a crise econômica, oferecendo as nossas respostas.

 

1 – A crise que estamos vivendo é consequência da crise econômica internacional?

R: Não. A crise fiscal, a inflação alta, o desemprego crescente, a baixa capacidade de crescimento da economia brasileira são fundamentalmente consequência de desequilíbrio fiscais estruturais (a despesa pública cresce mais que o PIB há 30 anos) somada a uma política econômica equivocada adotada a partir de 2005/2006.

Na verdade, a situação econômica internacional existente entre 2003 e 2011 foi muito favorável ao Brasil, devido a dois fenômenos: o grande aumento nos preços dos nossos produtos de exportação (commodities) e a fartura de crédito no mercado financeiro internacional. O nosso governo tomou essas duas situações passageiras como se fossem definitivas e passou a conduzir a política econômica acreditando que os preços das commodities nunca iriam mudar e que haveria dinheiro barato para sempre no mercado financeiro internacional.

Por isso, acelerou os gastos públicos, concedeu isenções tributárias, distribuiu benefícios creditícios, interferiu no processo de decisão das grandes empresas, congelou preços públicos e fez muitas outras políticas criticáveis, com descrito em detalhe no postPor que a economia brasileira foi para o buraco?” Enquanto os ventos na economia internacional eram favoráveis, o Brasil ia bem apesar dos erros de política econômica. Contudo, tais erros acumularam distorções (déficits público e no balanço de pagamentos crescentes, aumento da inflação, insustentabilidade da dívida pública).

Agora que os ventos favoráveis vindo do exterior mudaram (queda nos preços das commodities e tendência de aumento das taxas de juros internacionais), como seria de se prever, o governo passa a culpar tais mudanças pela crise brasileira. Se durante o período de bonança tivéssemos adotado uma política econômica responsável, não estaríamos enfrentando uma situação tão dura. Se tivéssemos aproveitado os tempos bons para fazer reformas que consertassem as inconsistências no gasto público, estaríamos mais bem preparados para o momento atual. Assim como um organismo fragilizado é mais vulnerável a contrair doenças, uma economia desajustada sofre mais quando há uma crise na economia internacional. Basta comparar o desempenho da economia brasileira com a de países latino-americanos que praticam melhores políticas macroeconômicas, como Chile e Colômbia. Esses dois países estão sentido o impacto da crise internacional, mas com intensidade muito menor que o Brasil.

2 – Se a economia está em recessão, por que fazer ajuste fiscal, que aprofunda mais a recessão? Será que esse tipo de remédio não irá matar o paciente?

R: Em primeiro lugar, é preciso dizer que a recessão começou ANTES do ajuste fiscal. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV mostrou recentemente que a recessão começou em meados de 2014. Portanto, mais de seis meses antes da posse do Ministro Levy e do início do ajuste fiscal.

Essa recessão se deu pelo esgotamento de um padrão de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, somado a uma política econômica populista e insustentável, adotada a partir de 2005/2006. A crise é composta por vários problemas: inflação alta e crescente, visível esgotamento financeiro do Tesouro e incapacidade de continuar a subsidiar investimentos, paralisação do setor de óleo e gás pela mudança do marco regulatório do pré-sal, ameaça de racionamento de energia, sobre-endividamento da maior empresa do país, queda da produtividade da economia (devido aos inúmeros gargalos produtivos, como a infraestrutura deficiente, legislação tributária e trabalhista inadequadas e interferência do governo nas decisões privadas), sobre-endividamento das famílias, crescente risco de rebaixamento da nota de crédito do Governo Federal para o nível de investimento especulativo.

Enquanto a China puxava nossa economia, parte desses problemas não aparecia ou era menor. Acabado o estímulo externo, a crise se impôs.

Na situação em que nos encontramos, o ajuste fiscal não é uma das políticas possíveis. Ele é o único caminho responsável a ser trilhado. Esse ajuste é condição necessária para que o país tenha alguma esperança de retomar o crescimento no futuro. Sem o ajuste fiscal, a dívida pública vai crescer rapidamente, o Tesouro não terá como financiá-la (porque os investidores não vão querer correr o risco de levar o calote) e será preciso emitir moeda para pagar a dívida pública. Voltaremos à época da hiperinflação. E quem viveu nos anos 80 sabe que com hiperinflação não se vai a lugar nenhum.

Embora seja necessário (o único caminho possível, a não ser que se considere o caos econômico como opção válida), o ajuste fiscal não será suficiente para garantir a retomada do crescimento. Estão certos os que dizem que o ajuste vai aprofundar a recessão. A única possibilidade de o ajuste fiscal não gerar mais recessão seria fazê-lo por meio de reformas que permitissem reduzir o gasto público corrente, abrindo espaço para que, ao mesmo tempo em que o superávit primário aumentasse, a carga tributária pudesse ser mantida constante e houvesse investimentos de qualidade em infraestrutura.

Porém, não é esse o padrão de ajuste fiscal de curto prazo viável no Brasil. Como no passado, o ajuste será feito por meio de aumento de tributos e mais repressão ao investimento. Não há como não derrubar a economia fazendo tal ajuste. Mesmo assim, é melhor fazer esse ajuste sub-ótimo do que não fazer nenhum ajuste e rumar para a hiperinflação.

Ou seja: o ajuste em curso vai ajudar a derrubar a economia no curto prazo. Mas a recíproca não é verdadeira: o “não-ajuste” não fará a economia crescer. Irá, isso sim, nos levar para uma situação ainda pior: a hiperinflação e a desestruturação da economia. Há, ainda, o risco de ficarmos no meio do caminho: um ajuste insuficiente que não evitará o pior, e ainda imporá custos à sociedade.

3 – A tentativa de resolver a crise econômica na Europa por meio de medidas de austeridade fiscal falhou. Por que vamos insistir nesse remédio que não funcionou em outros lugares?

R: É incorreto dizer que a política de ajuste na Europa foi apenas de austeridade fiscal. Irlanda, Portugal e Espanha implantaram não apenas duros ajustes fiscais, mas também fizeram reformas importantes: vendas de ativos, flexibilização do mercado de trabalho, reforma orçamentária.

Também é incorreto dizer que esse conjunto de medidas não deu resultado. Esses três países sofreram as dores do ajuste, mas estão todos emergindo da crise e voltando a crescer, assim como diversos países do leste europeu, como Polônia, Hungria e os países bálticos.

A lição que devemos tirar do caso europeu é justamente o contrário da afirmação feita na pergunta: o país que se recusou a se ajustar, a Grécia, é que foi para uma crise aguda. O caso grego é um exemplo do que ocorrerá com o Brasil se não fizermos um adequado ajuste fiscal. Diga-se de passagem, apesar de todo o barulho político feito por seu governo populista, a Grécia acabou tendo que por em prática um programa de ajuste fiscal e de reforma estrutural do setor público. Não apenas por exigência dos credores, mas por uma questão de sobrevivência da economia do país.

Deve-se dizer, por fim, que a contração econômica nos ajustes fiscais feitos nos países do Euro tende a ser maior do que em um país que tem moeda própria, como o Brasil. Isso porque os países do Euro não têm a opção de se ajustar por meio da desvalorização cambial, já que a moeda é única. Por isso, para reduzir os custos internos e se tornarem mais produtivos, eles precisam de uma grande contração econômica, para gerar grande desemprego e, com isso, reduzir os salários e os custos das empresas. No Brasil, a desvalorização cambial pode fazer uma parte desse serviço, sendo necessária menor contração do PIB.

4 – Não seria contraditório acabar com a desoneração da folha de pagamentos no momento em que as empresas estão sofrendo com a crise econômica?

R: Sem dúvida que seria melhor fazer um ajuste fiscal baseado em redução da despesa pública, sem a necessidade de elevar tributos. Isso não aumentaria os custos das empresas, geraria menos desemprego e abriria mais espaço para o investimento privado. Porém, o orçamento público brasileiro é muito rígido. Se não fizermos reformas que reduzam o ritmo de crescimento de despesas da previdência, das políticas sociais ou da folha de pagamento, não haverá como conter a expansão do gasto.

Nessa situação, como já afirmado acima, é melhor que se faça um ajuste de baixa qualidade (via aumento de impostos e corte de investimentos) do que não se fazer ajuste nenhum.

O risco, como já apontado na resposta à questão 1, é que o ajuste “politicamente possível” não seja suficiente para reequilibrar as contas e conter o crescimento da dívida. Aí os sacrifícios serão em vão.

5 – O ajuste fiscal vai ser pago pelos mais pobres?

R: Não necessariamente os pobres pagarão pelo ajuste fiscal. Como afirmado ao longo do texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”, o gasto público no Brasil beneficia todas as camadas de renda. Se fizermos uma reforma fiscal que contenha a expansão dos gastos feitos a favor das classes alta e média, poderemos ter um efeito de redistribuição de renda. Uma reforma da previdência social, por exemplo, que requeira maior tempo de trabalho para a aposentadoria, tende a ser redistribuidora de renda, pois o seu custo recairá sobre a classe média e alta urbana. O mesmo se pode dizer de um maior controle na contratação e remuneração de servidores públicos, que, em sua maioria, estão entre os 5% mais ricos do país. O fim dos subsídios creditícios a grandes empresas também teria importante efeito redistributivo de renda. Um redirecionamento do gasto público em educação do nível universitário para o ensino básico também beneficiaria os mais pobres, principalmente se fosse instituída a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Mesmo alguns programas normalmente identificados como sendo de atendimento aos mais pobres, como o abono salarial e o seguro desemprego, atendem camadas de renda acima do nível de pobreza: o seu redesenho pode levar à redução de despesas sem afetar os mais pobres.

Deve-se lembrar, ainda, que o não-ajuste levará a aumento da inflação; esta sim muito prejudicial aos pobres e concentradora de renda.

6 – Por que não fazemos o ajuste tributando os bancos?

R: Uma lição básica em economia é a de que o custo dos tributos não incide, necessariamente, sobre o agente econômico que é tributado. Sempre que a pessoa física ou jurídica que é tributada pode passar para frente o custo do imposto pago, ela passará. Uma maior tributação dos bancos (que já são bastante tributados) se converterá, total ou parcialmente, em aumento das taxas de juros por eles cobradas. Quem pagará uma parte ou a totalidade do imposto será o indivíduo ou a empresa que precisar tomar crédito.

Não obstante isso, tendo em vista o exíguo espaço político para se cortar despesas, é possível que se acabe optando por tributar as operações de crédito, pois essa é uma forma dissimulada de se ampliar a tributação sobre a população como um todo, disfarçando-a de tributação sobre os bancos.

7- Por que não fazemos o ajuste tributando os ricos, através da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas?

Esse imposto, sozinho, não resolveria o problema. Mesmo que não se preveja nenhuma isenção, nem se leve em conta a fuga de capitais que ele provocaria, sua arrecadação dificilmente passaria de R$ 5 bilhões por ano. O valor é irrisório frente às necessidades fiscais do Tesouro Nacional.

Pode-se discutir a progressividade ou regressividade do sistema tributário brasileiro e, com isso, a possibilidade de tributos que incidam sobre os mais ricos. Porém, não se pode esperar que esse tipo de tributação gere receita suficiente para fechar as contas públicas. Somente os aumentos previstos nas áreas de previdência, saúde e educação para os próximos anos está na casa de R$ 22 bilhões por ano.

Tributar grandes fortunas pode também trazer o impacto indesejado de reduzir ainda mais a já reduzida taxa de poupança doméstica.

8 – As despesas com juros são da ordem de R$ 417 bilhões por ano. Por que não fazemos o ajuste fiscal cortando a taxa de juros fixada pelo Banco Central? Não seria muito mais fácil do que cortar programas sociais?

R: Isso já foi tentado pelo Governo, no âmbito da “nova matriz econômica”. Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa Selic foi sistematicamente reduzida, passando de 12,5% a.a. para 7,25% a.a.. Porém, a redução forçada dos juros, sem que haja uma correspondente redução do déficit primário, aumenta a inflação e não se sustenta. O déficit do governo coloca renda na mão das pessoas e aumenta o consumo. Como a oferta de bens e serviços é rígida (há uma série de obstáculos à expansão da produção no Brasil, como descrito no texto), o aumento da demanda leva a aumento de preços.

Por isso, o ajuste das contas não financeiras deve preceder a redução dos juros pelo Banco Central. Tentar começar pelos juros, apesar de ser a conta mais elevada, não é algo consistente ou sustentável. Ademais, a maior parte dos valores pagos a títulos de amortização e juros da dívida não vêm diretamente da tributação imposta à população, e sim de novos empréstimos, que rolam os antigos. Um corte abrupto dos juros reduzirá a oferta de novos empréstimos ao Governo. Com isso, seriam necessários cortes nas outras despesas com vistas a alocar mais recursos para pagar amortização e juros da dívida.

9 – Muitos economistas advogam que, para o país crescer mais rápido, é necessário aumentar a poupança. Mas se todo mundo poupar, qual será o estímulo para as empresas investirem, se não haverá quem consome?

Há uma confusão de conceitos. Poupar não é o mesmo que deixar de gastar. Um indivíduo que deixa de gastar em bens de consumo final (alimentos, roupas, festas, etc) para comprar tijolos e construir uma casa, em verdade, está poupando. Sua poupança está sendo gasta na aquisição de bens de investimento (no caso, os tijolos). Poupar (e sua contrapartida, investir), portanto, é simplesmente trocar o consumo de bens e serviços finais hoje por bens e serviços finais no futuro. Assim, um aumento da taxa de poupança de um país somente altera o mix de produção, com a economia passando a produzir mais bens de capital, insumos para construção civil ou produtos para exportação (que lhes permite adquirir ativos no exterior). Naturalmente, economias que investem mais, crescem mais rapidamente. Não é por menos que os países emergentes do leste asiático, cuja taxa de poupança é acima de 30% do PIB (enquanto no Brasil é em torno de 15% do PIB), são os que mais rapidamente crescem.

10 – Um modelo de crescimento do estilo asiático, baseado em elevada taxa de poupança e câmbio depreciado, não está associado a piores condições para o trabalho?

No curto prazo, é correto. Se o país poupa muito, há poucos recursos para programas assistenciais e de previdência. Além disso, a taxa de câmbio depreciada implica salários reais menores. Entretanto, essa é uma visão estática. Como esses países investem mais, o que lhes permite crescer mais rapidamente, no longo prazo, o padrão de vida da população tende a ser melhor. Coréia do Sul e Brasil tinham níveis de renda per capita semelhantes na década de 1960 e, hoje, a renda per capita sul-coreana é cerca do triplo da brasileira. Da mesma forma, a renda per capita da China já se aproxima da brasileira, quando era menos da metade há vinte anos. Pode-se fazer uma analogia com o bem-estar de uma família. Se tivermos dois domicílios com a mesma renda inicial, aquele que poupar mais terá menor qualidade de vida no curto prazo. Entretanto, no longo prazo, o que poupou mais terá maior renda (decorrente das aplicações financeiras feitas ao longo da vida), o que lhe permitirá auferir maior bem estar.

11 – Corremos o risco de uma nova década perdida?

Infelizmente, sim. Tomando o PIB per capita como medida de bem estar individual, temos que o pico deste ocorreu em 2013 (R$ 27,4 mil, em valores de dezembro de 2014). Considerando que o PIB cresceu 0,15% em 2014 e a população tem crescido em torno de 0,9% a.a., e assumindo que o PIB diminuirá 2% em 2015 e 0,5% em 2016, crescendo 1,5% na média dos anos seguintes, temos que o PIB per capita cairá até 2017, recuperando-se lentamente depois disso, até voltar ao patamar de 2013 apenas em 2023 ou 2024. Trata-se de cenário bastante plausível. Não havendo reformas substanciais que aumentem a poupança pública e a produtividade, teremos baixa taxa média de crescimento econômico no período 2017-2024, em face do esgotamento da principal fonte de crescimento econômico do passado recente (qual seja, o aumento da taxa de ocupação da mão de obra), combinado com nosso histórico de incrementos reduzidos na produtividade do trabalho.

 

Os autores agradecem os comentários de Pedro Fernando Nery.

 

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Como criar empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2499&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-criar-empregos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2499#comments Tue, 05 May 2015 12:56:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2499 Com a elevação da taxa de desemprego e com a discussão sobre terceirização no mercado de trabalho, a pergunta sobre como criar empregos ganhou força novamente no debate sobre a política econômica. Há argumentos defendendo que o desemprego crescente no Brasil é fruto principalmente da rigidez das normas trabalhistas em vigor. Pesquisadores também pregam que o desemprego é consequência do ambiente macroeconômico adverso e das taxas de juros crescentes. Mas será que existe uma única resposta para a pergunta do nosso título?

Deixando de lado o aspecto passional do tema, há consenso de que existem sérios problemas no mercado de trabalho brasileiro: desemprego aumentando, postos de trabalho com baixa produtividade, condições laborais ruins, grande rotatividade, mercado informal crescente, etc.

Para contribuir com a discussão, pretende-se neste texto apresentar sucintamente e de forma clara os principais tópicos relacionados a esses assuntos.

Primeiramente, há que se falar sobre o funcionamento do mercado de trabalho. Sua função é fazer a ponte entre a procura por mão-de-obra e a oferta de trabalho. É de suma importância, portanto, que esse vínculo esteja funcionando perfeitamente. Caso contrário, mesmo em uma situação de crescimento econômico, pode-se não conseguir impacto positivo suficiente sobre os empregos ou, ainda, os investimentos em educação e as novas tecnologias podem não significar ganhos de produtividade e melhores salários.

Para que tenhamos um bom funcionamento do mercado de trabalho, este deve ser apenas um facilitador do encontro entre oferta e demanda de mão-de-obra. Não se deve pensar no mercado de trabalho como um agente que influencie a redistribuição de recursos.

O funcionamento do mercado de trabalho pode ser afetado de três formas:

  1. pelas instituições, como os tribunais trabalhistas;
  2. pelas regulamentações, a exemplo das normas que regem a demissão de trabalhadores;
  3. pelas intervenções, como os programas de seguro-desemprego.

As instituições que regem os litígios trabalhistas e a negociação coletiva sofreram pouca mudança desde que foram estabelecidas na década de 40. O Brasil precisa manter o que está funcionando e alterar o que não está.

É indiscutível o fato de nossas leis trabalhistas, que provavelmente foram bastante apropriadas para as condições das décadas de 50 e 60, estarem apresentando sinais de obsolescência. A regulamentação para esse mercado é necessária para garantir condições justas nos contratos de trabalho. Algumas regulamentações destinam-se a garantir o pagamento mínimo e a segurança do emprego, mas, quando obrigam trabalhadores e empregadores a contratos demasiadamente restritivos, podem acabar prejudicando a capacidade do mercado de trabalho de se ajustar com flexibilidade para promover o emprego e a produtividade.

Além de regulamentações corretas e instituições adequadas, não se pode menosprezar o uso de intervenções do governo. Elas são necessárias especialmente quando a situação macroeconômica não está favorável. Por exemplo, o treinamento público de assistência ao desempregado pode melhorar o nível de emprego e a produtividade. Nesse aspecto, o Estado brasileiro ainda deixa a desejar. O Brasil precisa encontrar a dosagem certa de regulamentações e intervenções, além de um desenho institucional correto, para atingir os objetivos de emprego, produtividade e segurança.

Importa frisar que nem toda queda no crescimento do emprego é explicada pela ineficiência do mercado de trabalho. Existem outros fatores decorrentes da conjuntura macroeconômica, como as baixas taxas de crescimento do PIB. Se o crescimento econômico acontece a uma taxa menor do que a soma das variações da população economicamente ativa e da produtividade, os salários deveriam declinar para que não houvesse mais desemprego.

A ineficiência do mercado de trabalho brasileiro fica caracterizada também pelo alto setor informal. A taxa de informalidade média da população ocupada está em torno de 32%1.

O mais grave do setor informal está no fato de que essas pessoas não contribuem para a previdência social, têm pouco ou nenhum acesso a programas de apoio à renda e ao seguro-desemprego e enfrentam um grau de incerteza muito mais alto quanto à sua renda futura. Em suma, o trabalho informal é responsável por um grande contingente de pessoas que não gozam formalmente de nenhum tipo de proteção social. Esse enorme segmento da sociedade precisa ser assistido por políticas públicas, que oneram o Estado. Há que se ponderar, entretanto, que parte significativa dos postos de trabalho informal decorre dos elevados custos de formalização. Nesse caso, o setor informal funciona como uma válvula de escape, de forma que, sem ele, haveria maior taxa de desemprego e maior demanda por políticas públicas.

Outra distorção é a grande rotatividade da mão-de-obra (já analisada em outro post nesse blog). Segundo estudo do DIEESE em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego2, a taxa de rotatividade global chegou a 63,7%, em 2013. Apesar de a rotatividade ser inerente a qualquer mercado de trabalho, ela gera custos. Se esses custos são altos, os empregadores, na expectativa de ter sua força de trabalho renovada constantemente, têm menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores, o que traz sérios prejuízos nos ganhos de produtividade.

Por fim, as relações de trabalho são altamente afetadas pela Justiça Trabalhista. Conforme informações do Conselho Nacional de Justiça3, tramitaram na Justiça do Trabalho, em 2013, 7,9 milhões de processos, sendo que 4 milhões representam casos novos, que ingressaram no Judiciário no decorrer daquele ano. Com essa forte litigância, as empresas assumem o custo das frequentes disputas judiciais, mas o maior custo resulta do fato de as empresas se tornarem mais cautelosas no tocante às novas contratações, reduzindo assim o emprego formal.

Feito esse esboço sobre o cenário do mercado de trabalho, cabe comentar a teoria econômica existente que explica o desemprego.

No modelo neoclássico, a oferta de trabalho (quantidade de mão-de-obra disponibilizada pelas pessoas) depende da escolha entre trabalho e lazer (este entendido como toda atividade não mercantil). A teoria neoclássica considera que trabalhar não traz bem-estar, ao contrário do lazer. As pessoas estariam dispostas a sacrificar tempo de lazer, porque, ao se empregarem, estariam sendo remuneradas e, assim, teriam recursos para comprar bens e serviços, o que geraria bem-estar. Quanto maior a remuneração paga aos trabalhadores, mais eles estariam dispostos a renunciar lazer e oferecer sua força laboral às firmas (considerando que prevaleceria o efeito-substituição4). E a demanda? Por que as firmas contratam empregados? As empresas precisam de empregados que viabilizem o processo produtivo. Elas contratarão um número de pessoas  tal que seu lucro seja o maior possível. Essa maximização do lucro acontece quando o salário real do último trabalhador contratado seja igual ao valor da produção-extra gerada por ele. Vamos supor que a remuneração do trabalhador seja R$ 1.000,00. O empresário só contratará novos trabalhadores se eles gerarem uma produção que valha mais do que R$ 1.000,00. Na hora em que a produção-extra por trabalhador for inferior ao salário real, o empresário não arregimentará mais ninguém.5

Sob esse enfoque, observamos que, se o objetivo é ampliar o nível de emprego, o salário real tem que ser reduzido. Isso pode ocorrer por diminuição do valor absoluto (o que é praticamente impossível dado dispositivo constitucional que garante a irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo6) ou pela inflação (aumento generalizado do nível de preços que corrói o poder de compra dos salários).

Outra maneira de pensar é a seguinte: se estivermos num ambiente de inflação controlada (nível de preços fixo), um aumento do salário nominal fatalmente gerará desemprego, a menos que a produtividade dos trabalhadores aumente devido a avanços tecnológicos.

Alguns temas bem cotidianos podem ser relacionados à teoria neoclássica. A existência do seguro-desemprego pode elevar a taxa de desemprego na medida em que garante uma renda ao desocupado e, assim, faz com que ele seja mais seletivo na procura de um posto de trabalho.

A fixação de um salário-mínimo, utilizando o arcabouço teórico neoclássico, não traz boas consequências, pois obstrui o livre jogo da oferta e da demanda. Se o mínimo for superior ao salário de mercado, teremos uma oferta de trabalho maior do que a demanda e, por conseguinte, desemprego. Em geral, o salário-mínimo é fixado pelo governo num patamar mais alto do que o de mercado porque as autoridades públicas entendem que é preciso obrigar as empresas a oferecer uma remuneração que, no mínimo, permita ao trabalhador empregado adquirir uma determinada quantidade de produtos. Troca-se um mal – salário de mercado baixo – por outro – desocupação. Pior ainda porque o desemprego atinge os empregados de menor qualificação, justamente os que deveriam ser beneficiados pela fixação do salário-mínimo. Se o objetivo é criar políticas sociais que beneficiem as camadas mais pobres da população, tem-se duas alternativas. A primeira é utilizar-se de transferência de renda para as pessoas mais carentes, pois haveria uma melhora desse estrato sem haver intervenção no mercado de trabalho. A outra, de longo prazo, é incrementar a produtividade da população carente, por meio, por exemplo, de educação. O aumento da produtividade refletirá automaticamente em maiores salários.

Podemos relaxar algumas hipóteses do modelo neoclássico mais tradicional, e supormos que a produtividade do trabalhador depende do salário que recebe. Assim, um trabalhador tenderá a produzir mais se receber um salário maior. Por exemplo, em situações de limiar de pobreza, um salário mais alto permite ao trabalhador ter melhor alimentação, o que impacta positivamente sua produtividade. Outro modelo, bastante popular, prevê que o indivíduo trabalhará com mais afinco se souber que, caso perca o emprego, terá maior perda salarial. Nesse caso, empregados que recebem acima do salário de mercado irão se esforçar mais pois, se forem demitidos, passarão a ganhar um salário menor. Já aqueles empregados que recebem de acordo com o mercado, sabem que, se forem demitidos, encontrarão outro emprego que lhes paga a mesma remuneração.

Portanto, o salário real a ser pago não é definido pelo mercado, é escolhido pela firma de forma a tornar máximo o seu lucro. Ou seja, admitem-se salários superiores aos que equilibram a oferta e a demanda de trabalho. Mais ainda, a existência de desempregados não exercerá pressão para uma queda nos salários reais. A lógica desse modelo consiste no fato de que maiores remunerações se traduzem em maior produtividade, o que beneficia a firma.

A teoria do capital humano, por sua vez, continua admitindo que os salários são determinados pela produtividade marginal. No entanto, considera que as pessoas possuem características (inteligência, habilidades natas, saúde, etc) que as individualizam. Além disso, o trabalhador pode conseguir mais diferenciais por meio da educação, adquirindo habilidades que fazem aumentar sua produtividade.

O trabalhador tem a opção de se aperfeiçoar (aumentar seu capital humano), incorrendo em custos para isso, mas esperando elevar seus rendimentos futuros, ou o trabalhador decide não estudar, permanecendo com seu atual salário. Essas duas alternativas serão avaliadas e o trabalhador escolherá a que trouxer mais benefícios para ele.

Essa teoria explica a pobreza como consequência da baixa produtividade que, por sua vez, é explicada pelo baixo investimento em capital humano. Essa afirmação leva ao seguinte questionamento: por que as pessoas não passaram mais tempo na escola sabendo que isso elevaria seus ganhos salariais?

Há várias explicações para isso. Uma consiste no fato de que as famílias cujo rendimento total esteja abaixo da linha da pobreza necessitem de qualquer potencial incremento na renda que possa ser obtido no curto prazo. Não dá para trabalhar menos e estudar mais hoje, com vistas a ter mais renda no futuro, se o fato de trabalhar menos implicar dificuldades para sobreviver. Isso faz com que as crianças entrem precocemente no mercado de trabalho, prejudicando a qualidade da sua formação escolar. O problema é que se cria um ciclo vicioso: a pobreza das gerações atuais pode ser entendida ou explicada pela pobreza de seus antepassados. Para combater esse ciclo, existem os programas tipo “bolsa-escola” em que a família carente recebe uma transferência de renda do governo se garantir a assiduidade de suas crianças nas salas de aula.

A má qualidade do ensino é também uma explicação para o não investimento em capital humano. Não é o número de anos na escola, per si, que leva à acumulação de capital humano e, portanto, permite aumentar a produtividade e o rendimento do trabalho. É necessário quantidade e qualidade. Se as famílias percebem que a qualidade do ensino é ruim, podem achar mais vantajoso tirar o filho da escola e colocá-lo trabalhando ou, alternativamente, manter o filho em dupla jornada, estudando e trabalhando, ainda que isso prejudique seus estudos.

Por fim, não podemos descartar questões culturais. Muitos jovens trabalham para ter um tênis de marca ou um celular mais moderno, contribuindo pouco para o orçamento familiar. É necessário que as famílias tenham real noção da importância da educação para o futuro de seus filhos.

 A teoria do capital humano também ajuda a explicar a má distribuição de renda no Brasil. Uma sociedade na qual observamos uma elevada concentração do capital humano apresentará um perfil distributivo muito mais concentrado quando comparada a outra em que se verifica uma quantidade uniforme de anos de estudo para a maioria de seus indivíduos.

Por fim, há o modelo keynesiano, que contraria totalmente o pensamento neoclássico quando afirma ser o nível de emprego dependente do nível de atividade e não o contrário. Ou seja, enquanto a teoria neoclássica prevê que o salário e o nível de emprego são determinados no mercado de trabalho, surgindo daí um nível de produção correspondente, a teoria keynesiana mais tradicional entende que há uma demanda por bens. Para satisfazer essa demanda, os empresários contratam mão de obra, e é isso que determina o nível de emprego. Se o nível de desemprego tem origem numa demanda agregada insuficiente, ou seja, num desempenho macroeconômico fraco, só por meio de ferramentas macroeconômicas será possível reverter a tendência à desocupação.

De acordo com a teoria neoclássica, para incentivar o emprego deve-se deixar o mercado de trabalho funcionar livremente (o que pode ser obtido com flexibilização das leis trabalhistas, queda do poder dos sindicatos, etc), pois a interação entre oferta e demanda por mão de obra induzirão ao salário real de equilíbrio e à plena ocupação da mão de obra. Já a teoria keynesiana defende que o nível de empregos aumentará com redução da taxa de juros, pois isso aquecerá a demanda agregada. Observe-se, contudo, que mesmo para parcela significativa de economistas keynesianos, há limites para a política de redução de juros fazer efeito sobre a demanda agregada e, consequentemente, sobre o nível de emprego. Dependendo da credibilidade das políticas fiscal e monetária, redução da taxa de juros pode levar somente à mais inflação, desorganização do sistema econômico e pouco impacto sobre o mercado de trabalho.

O que fazer então para conseguir gerar empregos? Pode-se inferir dos modelos econômicos apresentados três diagnósticos sobre a origem do desemprego. O primeiro tem por base o pensamento keynesiano, que afirma ser a demanda de trabalho dependente do patamar de crescimento. Assim, as causas do desemprego situam-se fora do mercado de trabalho.

O segundo diagnóstico vem do modelo neoclássico. A persistência da elevada taxa de desemprego deve-se a algum fator institucional, como a existência de sindicatos, ou legal, como o estabelecimento de um salário-mínimo, que não permite a perfeita flexibilidade dos salários-reais.

Por fim, uma terceira interpretação das causas do desemprego, que pode ser incorporada tanto ao modelo neoclássico quanto ao keynesiano, enfatiza o papel do marco regulatório ineficiente, ou seja, problemas nas instituições e na legislação fazem crescer a desocupação.

Tendo em mente essas explicações para o desemprego, existem algumas políticas públicas para alavancar o emprego.

Primeiramente, cabe dividir as políticas de emprego em ativas e passivas. As políticas ativas procuram elevar a demanda por trabalho, aumentando a chance dos trabalhadores de garantirem sua empregabilidade, ou seja, fazem com que os empregadores contratem mais. São exemplos desse tipo de política: criação de cargos pelo setor público, subsídio às novas contratações, oferta de crédito às pequenas e micro empresas, incentivo ao trabalho autônomo, etc. No entanto, há que se comentar que a criação de cargos pelo setor público ou subsídios às novas contratações, ao elevarem os gastos públicos e requererem maior carga tributária, podem acabar por reduzir a demanda agregada por emprego. O ideal seria enfatizar as políticas macroeconômicas, que estimulem o investimento e a atividade econômica, bem como o  aumento de produtividade.

As políticas passivas caracterizam-se por diminuir o número de desempregados reduzindo a oferta de trabalho, ou seja, fazendo com que menos pessoas procurem emprego. Como exemplo temos: indução à aposentadoria dos trabalhadores com dificuldade de se reintegrar ao mercado de trabalho, adiamento da entrada de jovens no mercado de trabalho com incentivos para passarem mais tempo no sistema escolar e redução das horas trabalhadas (há apenas que mencionar que se a redução das horas trabalhadas elevar o custo do trabalho – e é razoável que isso ocorra, pois há custos fixos com contração, o resultado final pode ser aumento do desemprego).

A política ativa mais popular consiste na formação profissional, principalmente porque as firmas requerem cada vez mais qualificação de seus trabalhadores. Dessa maneira, deveria haver uma reciclagem dos desempregados oriundos dos setores ou regiões em decadência. No caso dos jovens, a escolaridade deles deveria ser acrescida de inter-relações do sistema educacional formal com o mundo do trabalho.

Outra política de emprego reside na intermediação de mão-de-obra. Sucintamente, consiste na ajuda ao desempregado em termos de colocação, divulgação das ofertas de emprego, acompanhamento do mercado de trabalho, etc. No Brasil, essa política vem sendo executada pelos estados, por meio de agências de emprego, e por entidades da sociedade civil, basicamente organizações sindicais.

Pode-se pensar também em medidas cujo foco seja a concessão de subsídios à criação de empregos. O problema desses programas é que, por falta de fiscalização ou de uma avaliação prévia do setor que se quer incentivar, é frequente um elevado desperdício de recursos. Portanto, caso se opte por esse tipo de política pública, é fundamental uma análise criteriosa para não haver utilização errada do orçamento público.

Existem ainda programas de ajuda ao emprego autônomo, cooperativas e pequenas firmas. Em suma, combina-se ajuda financeira com apoio técnico e organizacional.

Todas essas políticas públicas são importantes, principalmente no curto prazo e em momentos de crise; no entanto, um mercado de trabalho corretamente azeitado será conseguido pelo empreendimento de reformas trabalhistas que permitam determinar corretamente o preço da mão-de-obra e que promovam o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos de que os trabalhadores precisam para aumentar a produtividade da mão-de-obra e os salários. Um incentivo particularmente pernicioso é o FGTS (já analisado em outro post nesse blog), que encarece a mão de obra, estimula sua rotatividade e reduz os incentivos para aumento de produtividade. Obviamente, esse é somente um exemplo, mas, mesmo estudos mais superficiais são capazes de detectar incentivos errados na  nossa legislação trabalhista, que merecem revisão. O mercado de trabalho deve ser mais flexível. Serão bem-vindas todas as  alterações que se façam para que os contratos reflitam as condições específicas da empresa empregadora, desobrigando as firmas e os trabalhadores de seguirem um modelo que não atende à realidade ou ainda que gere grave insegurança jurídica no mercado de trabalho.

Há de se frisar, contudo, que não há política pública geradora de emprego que seja suficiente se persistirem as baixas taxas de crescimento econômico apresentadas atualmente. Nesse sentido, uma política monetária e fiscal saudável é o principal instrumento para o crescimento do emprego no longo prazo. Independentemente da teoria em que se acredita, deve-se ter em mente que não há mágicas em economia. No curto prazo, políticas localizadas podem aliviar ou remediar algum problema, mas, no longo prazo, não há como escapar da necessidade de se adotar políticas macroeconômicas responsáveis. E antes de se parafrasear Keynes, argumentando que, no longo prazo todos estaremos mortos, não custa lembrar o caso da Argentina e da Coreia do Sul que, em pouco mais de uma geração, aconteceu um forte empobrecimento da primeira e, em relação à segunda, um forte enriquecimento.

O ideal que se vislumbra é uma combinação de várias frentes, com medidas baseadas nos diversos modelos teóricos, conseguindo a união de vários segmentos da sociedade, todos visando a combater esse mal social que é o desemprego.

______________

1 Boletim Mercado de Trabalho, Conjuntura e Análise nº 57, 2014. IPEA.

2 http://www.dieese.org.br/notaaimprensa/2014/numerosRotatividadeBrasil.pdf

3 http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62109-aumento-de-produtividade-na-justica-trabalhista-impede-crescimento-de-estoque-processual

4 Poderia prevalecer o efeito-renda. Nesse caso, aumento do salário real faria diminuir a oferta de trabalho. As pessoas já teriam atingido um nível de consumo tão elevado que requereriam mais tempo livre (lazer).

5 Cabe enfatizar que a produção marginal (produção-extra) é decrescente, ou seja, cada novo trabalhador gerará uma produção menor do que o contratado imediatamente antes.

6 Inc. VI do art. 7º da Constituição Federal.

 

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Seguro-desemprego e abono salarial: por que é preciso alterar? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2426&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=seguro-desemprego-e-abono-salarial-por-que-e-preciso-alterar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2426#comments Thu, 12 Mar 2015 13:49:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2426 Introdução

A Medida Provisória (MP) nº 665, de 30 de dezembro de 2014, altera regras do seguro-desemprego (concessão e tempo de duração) e do abono salarial (concessão e valor), além de criar novas regras para o seguro-desemprego do pescador artesanal (seguro-defeso). A MP nº 665/2014 foi editada no mesmo dia da Medida Provisória nº 664, que alterou as regras de pensão por morte, já discutidas neste blog.

Em relação ao seguro-desemprego, o dispositivo mais discutido da MP é o que estende de seis para dezoito meses o prazo mínimo de trabalho para o primeiro pedido do seguro-desemprego. Em relação ao abono salarial, até a edição da MP, ele correspondia ao pagamento de um salário mínimo por ano a trabalhadores do setor formal da economia, com rendimento médio de até dois salários mínimos mensais e que tenham trabalhado por pelo menos um mês no período de referência. Assim, independentemente da quantidade de meses trabalhados, o valor era sempre de um salário mínimo integral1. Com a MP, o abono passa a ser proporcional à quantidade de meses trabalhados, estando elegíveis apenas aqueles que trabalharam por seis meses ininterruptos.

De maneira introdutória, apresentamos dados que ilustram a motivação da edição da MP nº 665, de 2014, relativos à evolução do seguro-desemprego e da taxa de desemprego no país – que remete ao problema da rotatividade da mão de obra –, e do custo fiscal do seguro-desemprego e do abono salarial. Em seguida, apresentamos uma comparação internacional das regras de seguro-desemprego. Concluímos com uma abordagem sobre o problema da rotatividade no Brasil.

 

Evolução do seguro-desemprego e da taxa de desemprego no Brasil

Entre 2003 e 2013, o número de beneficiários do seguro-desemprego cresceu justamente quando o desemprego caiu, evidenciando potenciais problemas no desenho do benefício, conforme se apresenta no Gráfico 1.

Os dados apresentados não coadunam com o papel que o seguro-desemprego teria de estabilizador automático da economia: ele deveria ser uma fonte de renda em períodos de desaquecimento da economia do país, ao contrário do que ocorre. O número de beneficiários subiu de 5,1 milhões para 8,9 milhões, enquanto a taxa de desemprego caiu de 12,3% para 5,4% no mesmo período. A explicação passa pela rotatividade do mercado de trabalho: devido a uma série de incentivos existentes, muitos trabalhadores usufruem do benefício exatamente quando o mercado de trabalho está aquecido – como será visto adiante.

Gráfico 1 – Taxa de desemprego cai, enquanto aumentam os beneficiários do seguro-desemprego – 2003-2013

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Custo fiscal do seguro-desemprego e do abono salarial

Os Gráficos 2 e 3 mostram a evolução dos gastos com o seguro-desemprego e com o abono salarial: ambos cresceram significativamente nos últimos anos. Como no Gráfico 1, o Gráfico 2 mostra que as despesas com o seguro-desemprego aumentaram substancialmente no período de queda do desemprego.

Gráfico 2 – Gastos com seguro-desemprego e taxa de desemprego – 2003 e 2013

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Anteriormente à edição da MP nº 665, de 2014, o governo estimava em R$ 19 bilhões de reais os gastos com o abono salarial em 2015, o equivalente a 70% do gasto com o Bolsa Família. Entre 2003 e 2015, os gastos com o abono teriam aumentado em mais de dez vezes – uma variação de quase 1.000% (nominal).

A evolução dos gastos com o abono salarial, do número de beneficiários do abono (em milhões) e também a evolução do salário mínimo pode ser visualizada no Gráfico 3, a seguir:

Gráfico 3 – Salário mínimo, gastos e quantidade de beneficiários do abono salarial – 2003-2013

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A política de valorização real do salário mínimo foi a principal responsável pelo aumento dos gastos com o abono salarial, por dois motivos. O primeiro, mais intuitivo, é que como o abono é um benefício vinculado ao salário mínimo, ele sempre aumentará quando o mínimo aumenta. O segundo é que a própria cobertura do abono salarial se amplia quando o salário mínimo aumenta, já que a faixa de elegibilidade para o abono também é medida em salários mínimos. Assim, o governo gasta mais porque, simultaneamente, aumenta-se o valor do benefício e o número de beneficiários elegíveis.

Comparado com outros benefícios da seguridade social, como o Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada, o abono salarial tem impacto menor na redução da pobreza e na desigualdade de renda nos extremos da população. Por ser um benefício direcionado a trabalhadores do mercado formal, ele não atinge a enorme quantidade de trabalhadores que estão na informalidade, e nem trabalhadores desempregados e desalentados.

O Gráfico 4, abaixo, compara o custo dos benefícios modificados na MP 665/2014 e o de outros benefícios da seguridade social.

Gráfico 4 – Custo fiscal estimado de benefícios selecionados da seguridade social (R$ bilhões) – 2015

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Comparação internacional de regras de seguro-desemprego

O Quadro 4 sumariza a situação existente nos países da América do Sul e do G20, contemplando, portanto, tanto países desenvolvidos quanto países emergentes, incluindo latino-americanos e asiáticos. Os critérios comparados são as exigências de tempo de trabalho ou contribuição para o 1º pedido e o tempo de duração do benefício.

Países desenvolvidos tendem a ser mais generosos com as regras para concessão e usufruto do benefício do que o Brasil – tanto em relação às regras anteriores quanto às da MP 665/2014 – enquanto países sul-americanos e emergentes apresentam regras mais próximas do caso brasileiro, no caso daqueles que disponibilizam o benefício do seguro-desemprego. No quadro abaixo, saque de conta individual se refere ao saque de contas como a do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em cor cinza estão regras iguais ou mais generosas do que às vigentes antes da MP, e em azul regras menos generosas.

Quadro 1 – Regras de seguro-desemprego e benefícios semelhantes – América do Sul, G20 e Brasil2.

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Nos desenhos do seguro-desemprego nos países analisados, é incomum a coexistência de duas modalidades de proteção ao desemprego que atinjam os mesmos beneficiários, como ocorre no Brasil com as regras anteriores e atuais do seguro-desemprego e do FGTS.

 

Considerações finais: causas e consequências da rotatividade no mercado de trabalho

O problema da rotatividade no mercado de trabalho brasileiro se refere à rotatividade espúria, que se opõe à rotatividade genuína. Trata-se do desligamento do trabalhador de um posto de trabalho seguido pela realocação em outro posto, comumente no mercado informal, quando o trabalhador objetiva auferir vantagens decorrentes dos incentivos existentes com a troca3. Naturalmente, o desligamento com a recontratação em outra vaga ocorre principalmente quando a economia está aquecida e existem muitas vagas abertas (desemprego baixo). Essa é a principal explicação para a correlação negativa entre o número de beneficiários do seguro-desemprego e a taxa de desemprego.

Com tal decisão, o trabalhador consegue auferir vantagens destinadas a trabalhadores desempregados, sem ter por muito tempo o ônus de estar de fato desempregado e sem renda (ou simplesmente não tê-lo). Entre as principais causas da rotatividade estão a existência de um amplo mercado de trabalho informal4 (32% dos trabalhadores estão na informalidade, segundo o IPEA5) e a existência do prêmio pela demissão, em que o desenho do seguro-desemprego desempenha um papel importante6.

Entre as vantagens que o trabalhador pode receber se for demitido estão poder sacar o saldo de sua conta do FGTS acrescido de multa de 40% desse saldo, além das parcelas do seguro-desemprego. Quando criado em 1966, objetivo do FGTS era justamente proteger e dar garantias ao trabalhador desempregado. Duas décadas depois, foi criado o seguro-desemprego, com o mesmo propósito, apesar de mecanismos diferentes. Até hoje FGTS e seguro-desemprego coexistem e seus desenhos não dialogam entre si (sobre os problemas do FGTS, ver o post O FGTS traz benefícios para o trabalhador?). Além desses valores, o trabalhador pode, com a troca forçada de posto de trabalho, receber valores referentes ao aviso-prévio, 13º, férias e terço de férias proporcionais. Em algumas situações, outros valores devidos podem ser recebidos se a Justiça do Trabalho for acionada.

Como não é o empregador que arca com boa parte dos valores recebidos (ex: seguro-desemprego, saldo do FGTS), a demissão não é tão custosa para o empregador, ao passo que é muito vantajosa para o empregado, incentivando a rotatividade. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a taxa global de rotatividade chegou a 64% em 20137 e a taxa descontada de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro foi de 43%8. Além do novo desenho do seguro-desemprego, também o novo formato do abono salarial estimula o estabelecimento de vínculos mais duradouros.

E por que a rotatividade é considerada um problema? O principal ponto destacado por economistas é o baixo investimento feito pelas empresas em capital humano (qualificação da mão de obra), já que tal investimento não pode ser recuperado quando os trabalhadores estão constantemente mudando de postos. Como consequência, temos uma força de trabalho pouco qualificada, remetendo ao problema da baixa produtividade no Brasil.

Com a taxa de desemprego baixa, diminui a possibilidade de crescimento do PIB via emprego, e a produtividade passa a desenvolver papel fundamental. Entre outros, Giambiagi e Schwartsman (2014) consideram que a elevação da produtividade deveria se tornar uma obsessão nacional9. Em discurso de posse do segundo mandato, também a Presidente Dilma Rousseff ressaltou que para o país voltar a crescer é necessário um ajuste nas contas públicas, um aumento na poupança interna, a ampliação do investimento e a elevação da produtividade da economia.

Com a rotatividade e uma força de trabalho pouco qualificada, a economia como um todo perde, incluindo os próprios trabalhadores. Outras consequências da rotatividade incluem o estabelecimento de relações de trabalho pouco cooperativas entre empregadores e empregados e também a deterioração dos fundos que abastecem o FGTS e o seguro-desemprego (FAT).

Figura 1 – Rotatividade no mercado de trabalho brasileiro

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Por fim, cumpre ressaltar que, embora a redução dos gastos com seguro-desemprego e abono salarial traga efeitos inequívocos no quadro fiscal do governo, ainda há dúvida sobre sua capacidade isolada em melhorar o problema da rotatividade10. Em relação ao quadro fiscal, a MP nº 665, de 2014 foi editada em um contexto em que o Tesouro Nacional divulgou seu primeiro déficit desde o início da atual série histórica, de magnitude de R$ 17 bilhões – mesmo com o recebimento de receitas extraordinárias11 e quantidade substancial de restos a pagar deixada para 201512. No entanto, junto com a alteração das regras das pensões e do auxílio-doença, as mudanças não devem gerar corte de gastos na magnitude anunciada pelo governo, de R$ 18 bilhões, em parte porque a mudança no abono salarial só poderá ter efeitos a partir de 2016.

 

(Este texto é baseado no trabalho “Análise da MP nº 665, de 2014: Alterações no Seguro-Desemprego e no Abono Salarial”. O estudo integral consta do Boletim do Legislativo nº 22 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link: http://www.senado.gov.br/estudos).

O autor agradece a colaboração de Jeane Arruda, Roberta Assis e Antonio Ostrowski, e os comentários de Rafael Silveira e Silva, se responsabilizando por quaisquer erros.

______________

1 Para detalhes das novas regras, ver o Sumário Executivo da Medida Provisória, na página do Senado Federal: http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/sumarios-de-proposicoes/mpv665

2O objetivo neste texto foi a construção de um quadro sucinto e resumido, mas podem existir regras complexas em um só país. Mais detalhes estão disponíveis em: www.ssa.gov/policy/docs/progdesc/ssptw

3O trabalho de Camargo (1996) é a principal referência sobre o problema de rotatividade no país. Ver: CAMARGO, J. M. Flexibilidade e produtividade do mercado de trabalho brasileiro. Em: CAMARGO, J. M. Flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

4Um tratamento completo sobre a informalidade pode ser encontrado em Neri (2006). Ver: NERI, M. Informalidade. Série Ensaios Econômicos, EPGE, nº 635, dezembro de 2006. Disponível em        http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/550/2170.pdf?sequence=1.

5Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise nº 57, Agosto de 2014.

6Alguns autores também consideram que a legislação trabalhista seria uma das causas da rotatividade. Por ser rígida, ela impediria que empregadores e empregados desenhassem contratos apropriados, incentivando à rotatividade dos postos.

7Os números da Rotatividade no Brasil: um olhar sobre os dados da RAIS 2002-2013. Dieese, 2014.  Disponível em: http://www.dieese.org.br/notaaimprensa/2014/numerosRotatividadeBrasil.pdf

8A taxa descontada exclui os desligamentos decorrentes de falecimento, aposentadoria, transferência e a pedido do trabalhador.

9Ver: GIAMBIAGI, F.; SCHWARTSMAN, A. Complacência – Entenda Por que o Brasil Cresce Menos do que Pode. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 272p.

10Ver entre outros, as observações de Ricardo Paes de Barros, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, e do professor Carlos Alberto Ramos, da UnB. Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/01/1570475-novas-regras-de-beneficios-vao-afetar-jovens-e-informais-diz-economista.shtml; http://www.valor.com.br/opiniao/3867638/sinais-de-resistencia-aos-cortes-nos-beneficios.

11Incluindo recursos recebidos do Fundo Soberano do Brasil (FSB), dividendos de estatais controladas pela União, concessões (como o leilão do serviço de 4G) e o Programa de Recuperação Fiscal (Refis).

12Quase R$ 250 bilhões, segundo a ONG Contas Abertas. Ver: http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/10330

 

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A Legislação Trabalhista ajuda ou atrapalha a geração de emprego? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-legislacao-trabalhista-ajuda-ou-atrapalha-a-geracao-de-emprego https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1#comments Mon, 07 Feb 2011 08:09:48 +0000 http://economia-e-governo.braudel.org.br/?p=1 Em 2010, foram divulgadas notícias de que a criação de empregos com carteira assinada foi recorde no país. Mas será que o otimismo dominante permite que o problema de criação de emprego seja colocado em segundo plano? Apesar dessas sucessivas notícias que divulgam como ótimo o desempenho do mercado de trabalho brasileiro ao longo dos últimos anos, não se pode esquecer que a taxa de desocupação em maio de 2010, conforme a Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE), ficou em 7,5%, o que significa dizer que mais de 1,8 milhão de pessoas procuravam emprego no Brasil.

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1], com foco em informações prestadas pelas prefeituras, mostra que as iniciativas que procuram facilitar a alocação da mão de obra no mercado de trabalho estão entre os principais serviços socioassistenciais realizados pelos governos municipais brasileiros . Em mais da metade das cidades se acredita que o enfrentamento das situações de vulnerabilidade social passa pela inserção ou reinserção no mercado de trabalho. Esse fato, por si só, demonstra a importância de um posto de trabalho para a sociedade.

É provável que a taxa de desemprego no Brasil esteja subestimada em virtude do elevado subemprego. O grau de informalidade ficou em 36,9% dos ocupados no mês de setembro de 2010[2]. A persistência da elevada informalidade no mercado de trabalho, não obstante o rápido crescimento econômico, indica a existência de barreiras estruturais na transição do trabalhador para o mercado de emprego formal.

Como fazer para se criar empregos de qualidade para todos os brasileiros que desejam trabalhar? A resposta a essa questão está diretamente relacionada com a legislação trabalhista vigente.

O mercado de trabalho tem a função de fazer a ponte entre a procura por mão de obra e a oferta de trabalho. Ele deve ser um facilitador do encontro entre oferta e demanda de mão de obra. É de suma importância, portanto, que esse mecanismo esteja funcionando perfeitamente. Caso contrário, o crescimento econômico pode não causar impacto positivo sobre os empregos ou, ainda, os investimentos em educação e novas tecnologias podem não significar ganhos de produtividade e melhores salários (devido à incapacidade do mercado de trabalho para fazer o “casamento” mais adequado entre trabalhador e empresa).

O funcionamento do mercado de trabalho pode ser afetado de três formas:

a)      pelas regulamentações, a exemplo das normas que regem a demissão de trabalhadores;

b)      pelas intervenções, como os programas de seguro-desemprego.

c)      pelas instituições, como os tribunais da justiça trabalhista;

A regulamentação dos litígios trabalhistas e da negociação coletiva sofreram pouca mudança desde que foram estabelecidas na década de 1940 com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. O Brasil precisa fazer uma avaliação desse sistema, de modo a manter o que está funcionando e alterar o que não funciona tão bem.

Talvez nossas leis trabalhistas tenham sido bastante apropriadas para as condições das décadas de 1950 e 1960, mas agora certamente estão apresentando sinais de obsolescência. A regulamentação para o mercado de trabalho é necessária para garantir condições de trabalho seguras e justiça nos contratos de emprego. Algumas regulamentações destinam-se a garantir o pagamento mínimo e a segurança do emprego, mas, quando obrigam trabalhadores e empregadores a contratos demasiadamente restritivos, podem acabar prejudicando a capacidade do mercado de trabalho de se ajustar com flexibilidade para promover o emprego e a produtividade.

Um exemplo típico de inadequação da legislação está nas regras que regem o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Criado com o objetivo de ser uma poupança do trabalhador e uma proteção contra a perda de renda gerada pelo desemprego, ele é hoje fonte de grande distorção das relações de trabalho provocando curta duração dos contratos de trabalho e a alta rotatividade dos trabalhadores nas empresas. Estudo realizado pelo Banco Mundial e pelo IPEA, citado ao final do texto, estima que um de cada três trabalhadores brasileiros muda de emprego a cada ano.

Apesar de a rotatividade ser inerente a qualquer mercado de trabalho, ela gera custos (indenização dos demitidos, por exemplo). Se esses custos são altos, os empregadores, na expectativa de ter sua força de trabalho renovada constantemente, têm menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores.

As regras do FGTS geram tal distorção porque quando a conta vinculada ao trabalhador acumula um saldo grande, o empregado tem incentivo a provocar sua demissão, de forma a se apoderar do dinheiro. Com essa característica do fundo, patrões e empregados não esperam que os contratos durem muito tempo. Além disso, a multa rescisória é paga diretamente ao empregado, o que reforça seu interesse em provocar a demissão, especialmente num período de crescimento econômico, em que arrumaria outro emprego facilmente.

Pelo lado do empregador, o preço da demissão é alto quando o funcionário tem muito tempo de emprego, pois maior será o valor da indenização que lhe é devida. Isso significa que as empresas que têm como política investir em seu quadro de funcionários serão as grandes apenadas. As maiores beneficiárias serão as empresas que rodam seu pessoal de três em três meses.

As intervenções do governo são necessárias especialmente quando a situação macroeconômica não está favorável. Por exemplo, os programas públicos de treinamento e qualificação do desempregado podem melhorar o nível de emprego e a produtividade. No entanto, apesar de ser uma importante ferramenta, o que se observa da qualificação profissional liderada pelo governo federal é a existência de cursos que passam apenas noções gerais, com poucas aulas práticas, cujo ensino é prejudicado pela heterogeneidade das turmas. Além disso, como se optou por descentralizar as ações de qualificação profissional para estados e municípios, com respectivo repasse dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vários focos de corrupção e  má aplicação de recursos públicos foram encontrados.

O Brasil precisa encontrar a dosagem certa de regulamentações e intervenções, além de um desenho institucional correto, para atingir os objetivos de emprego, produtividade e segurança.

Por fim, as relações de trabalho são altamente afetadas pelas instituições, como a Justiça Trabalhista, cujas decisões consideram recursos previstos em um antigo direito processual do trabalho. Todos os anos, trabalhadores interpõem cerca de dois milhões de ações judiciais contra empregadores. As empresas assumem o custo das taxas federais e legais, mas o maior custo resulta do fato de as empresas se tornarem mais cautelosas no tocante às novas contratações, reduzindo assim o emprego formal.

Há uma confluência dos estudiosos para a ideia de que o correto seria empreender reformas trabalhistas que permitissem determinar corretamente o preço da mão de obra e promovessem o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos necessários para aumentar a produtividade da mão de obra e os salários. É consensual a necessidade urgente de se diminuir drasticamente os encargos da folha de pagamento, pois o custo relacionado ao salário é muito alto para o Brasil e estimula a informalidade no mercado de trabalho. Outra medida é oferecer mais autonomia para que trabalhadores e empresários possam negociar seus contratos de trabalho, sem tanta interferência da legislação. Note-se que não se defende o fim de direitos básicos: eles são importantes para preservar o capital humano do país. No entanto, é difícil crer que uma única legislação trabalhista possa atender de forma eficiente nosso heterogêneo parque produtivo ou possa atender tanto à indústria quanto ao setor de serviços.

Nesse sentido, nosso mercado de trabalho deveria caminhar numa direção de maior flexibilidade. Seria bem-vinda proposta que fizesse os contratos refletirem as condições específicas da empresa empregadora, desobrigando as firmas e os trabalhadores de seguirem o modelo rígido da CLT.

Para ler mais sobre o tema:

Meneguin, Fernando B. “O Funcionamento do Mercado de Trabalho e as Políticas Públicas para a Criação de Emprego”. Em Agenda Legislativa para o Desenvolvimento Nacional. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/agendalegislativa.html

Banco Mundial e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Empregos no Brasil”. Volume I: Sessão Infomativa sobre Política. 2002.

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[1] Pesquisa de Informações Básicas Municipais

[2] Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise, nov/2010. IPEA.

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