déficit da Previdência – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 12 Sep 2017 14:31:13 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Seu Jorge e a Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3044&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=seu-jorge-e-a-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3044#comments Tue, 12 Sep 2017 14:31:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3044 Aos 77 anos, Giorgos não imaginava passar por aquela situação. Após trabalhar por anos na mina de carvão e na fundição, ele saíra naquela manhã de verão para sacar a aposentadoria da mulher. Sensibilizou-se com os pedintes que viu pelo caminho. Lembrou-se dos suicídios: não suportava mais ver o seu país assim. Tentou o saque da aposentadoria em uma agência, não conseguiu. Depois foi a mais um banco, nada. Insistiu em fazer o saque em mais outro, mas novamente sem sucesso. Na quarta vez que não conseguiu receber o benefício, Seu Giorgos não aguentou. Sentou no meio da calçada e chorou.

Um ano depois, talvez tivesse algum conhecido seu entre os que manifestavam contra o 15º corte no valor das aposentadorias, que ocorria mesmo após um ano da posse do primeiro-ministro Tsipras, do partido que chegara ao poder com discurso antiausteridade. Naquela ocasião, os manifestantes de cabelos brancos toparam com um ônibus da polícia no meio de sua passeata. Juntaram-se para tentar retirá-lo do caminho. A polícia respondeu à investida dos idosos. Com spray de pimenta.

Irresponsabilidade fiscal e contabilidade criativa foram alguns dos causadores da complicada crise da Grécia. Em um dos países mais envelhecidos da Europa, a crise levou a cortes de aposentadorias e até a feriados bancários, como o que Seu Giorgos Chatzifotiadis enfrentou. A foto do seu pesadelo, “O homem que chora”, correu o mundo.

***

Em alguns anos, Seu Giorgos pode ser Seu Jorge. Um idoso de mesmo nome que acreditou na mesma promessa de seu país de pagar a ele uma aposentadoria como pagou a de outros. Seu Jorge está desesperado com a sua aposentadoria cortada. A idade avançada não lhe permite mais trabalhar, e ele não consegue tratar suas doenças crônicas no SUS, cada dia mais sem dinheiro. É arrimo de família, uma vez que seus parentes jovens estão desempregados. Seu país vive uma crise grega, só que com sua renda per capita de Turquemenistão. Antes dos cortes, Seu Jorge já ganhava a metade do que ganhava Seu Giorgos.

Não acredita no que acontece. Vários anos antes ouviu de novo aquela ladainha de reforma da Previdência, mas recebeu no Whatsapp o vídeo explicando que tudo era mentira: a Previdência não tinha déficit, sobrava dinheiro que o governo desviava pra alguma coisa que Seu Jorge não entendeu muito bem o que era.

Seu Jorge não sabia que o vídeo fora criado por Nelson. Nelson ganhava bem mais que Seu Jorge, tinha direito a uma aposentadoria muito maior e com aumentos mais generosos, custeados não por suas próprias contribuições, mas pelas de pessoas como Seu Jorge. Nelson perderia esses direitos se o governo fizesse uma reforma.

Nelson era um orgulhoso servidor público, membro  da associação que representava a sua carreira. Seu Jorge confiou na informação do vídeo que recebeu porque tinha o selo de uma associação nacional de auditores. É coisa de doutor, pensou. Seu Jorge não sabia que cabia a associação de Nelson representar a carreira de elite com maior número de aposentados e pensionistas da União, 20 mil.

Entre as pautas da associação de Nelson, publicamente apresentadas em seu site em 2017, estavam o direito aos aumentos generosos, o fim da contribuição de servidores aposentados e até o direito desses aposentados receberem bônus de produtividade – de acordo com o aumento da arrecadação de impostos. No momento em que Seu Jorge recebeu o vídeo, este bônus era inclusive negociado pela associação de Nelson com o governo no meio de uma medida provisória. Insatisfeita com a proposta, a associação de Nelson contratou até um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal para levar o pleito à Justiça. A associação também mobilizava seus recursos em 2017 para a campanha mostrando que não existia déficit na Previdência ou na Seguridade Social.

Nelson tinha um ponto de vista claro sobre como devem ser apresentadas as contas da Seguridade, mas Seu Jorge não tinha a mesma clareza. No vídeo que produziu, Nelson omitiu que a contabilidade de sua associação exclui as despesas com as aposentadorias e pensões dos próprios servidores públicos, e também não achou necessário mostrar que ainda assim havia um déficit já para o ano de 2016.

Seu Jorge não dava bola para o papo de crise na Previdência. Além do vídeo, ficou tranquilo ao ler no jornal que uma importante entidade da sociedade civil alertava que a reforma do governo era baseada em premissas equivocadas. Não entendia do assunto, mas novamente quem estava afirmando era doutor.

Seu Jorge também não percebia que cabia a esta outra entidade defender advogados como Miguel. O escritório de Miguel lucra ao conseguir benefícios do INSS para seus clientes, retendo em honorários uma parte do pagamento de aposentadorias rurais, aposentadorias especiais e aposentadorias por invalidez. Preocupado não só com seus clientes, mas também com seu negócio, Miguel, como outros advogados, acionou a entidade a que pertence e ela se manifestou contra a reforma da Previdência, pelos seus abusos sociais.

Em uma tarde daquele 2017, Seu Jorge perdeu tempo no trânsito com uma passeata. Porém, ficou resignado e a apoiou, porque se solidarizou com a causa dos trabalhadores do campo prejudicados pela reforma da Previdência. O protesto foi organizado por José. Como Miguel, José também ficou preocupado com as mudanças na aposentadoria rural. José é presidente de um sindicato rural cuja maior parte do filiados só se registrou para conseguir uma declaração atestando anos de trabalho no campo. Essa declaração é essencial para que recebam a aposentadoria rural.

Após a filiação para receber a aposentadoria, parte desses filiados terá mensalmente, e para sempre, descontos nos benefícios para financiar a atividade sindical, conforme autorizaram.  José não é o único presidente de sindicato rural preocupado com a reforma: ao todo, são cerca de 4 mil. Apesar da urbanização das décadas anteriores, existiam no Brasil em 2017 mais sindicatos de trabalhadores do campo do que sindicatos urbanos filiados à CUT e à Força Sindical, juntas. Caso fosse aprovada a reforma do governo, a comprovação de trabalho rural para aposentadoria seria feita com contribuições ao INSS ao longo da vida do trabalhador, e não apenas no momento de pedir da aposentadoria com intermédio de um sindicato como o de José ou de um advogado como Miguel.

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Prosperando a mobilização de entidades com interesses como os de Miguel e José, sob a desinformação disseminada por entidades como a de Nelson, nenhuma reforma da Previdência será feita. Apesar das aposentadorias serem extremamente protegidas em nosso sistema jurídico, o absurdo cenário de relativização do direito adquirido e corte de benefícios pode aparecer no horizonte. Ele ocorrerá depois da redução em despesas não obrigatórias (mas não desimportantes) e do aumento de impostos, bem como do aumento do endividamento público que reprimirá a economia com juros altos. A outra saída é a hiperinflação.

Tem sido assim no Rio de Janeiro e foi assim em países europeus, como a Grécia de Seu Giorgos, o outro Seu Jorge. O duro corte de aposentadorias nesses países foi de tal forma imperativo que terminou validado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O tribunal foi provocado pela servidora pública portuguesa Maria Alfredina, que não aceitava o desconto da ‘contribuição extraordinária de solidariedade’, que é como se diz corte de aposentadorias em português de Portugal.

O córtex pré-frontal ventromedial é uma região de nossos cérebros que fica ativada quanto pensamos em nós próprios. Estudos mostram que quando pensamos em nós no futuro, porém, a região não se ativa: nossa incapacidade de pensar em nosso amanhã seria tal que é como se o cérebro estivesse pensando em outra pessoa. Enquanto país, talvez enfrentemos dificuldade semelhante. Encaramos uma reforma da Previdência como desnecessária e sequer questionamos a atividade dos grupos de interesse que atuam no debate. Fazer reforma da Previdência é ruim. A questão que devemos nos indagar é se não fazê-la é ainda pior, dando a Seu Jorge o destino de Seu Giorgos. Vamos deixá-lo chorando na calçada?

 

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O déficit da Previdência é uma farsa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2886&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-deficit-da-previdencia-e-uma-farsa https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2886#comments Mon, 10 Oct 2016 11:55:20 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2886 Enquanto o país se prepara para o futuro ao discutir uma nova e ampla reforma da Previdência, ganha popularidade o argumento de que o déficit da Previdência é na verdade uma falácia (ou ainda uma farsa, um mito). Entender este argumento, e a sua fragilidade, é essencial para este debate.

A tese de que a Previdência é superavitária sempre foi propagada por sindicatos, advogados previdenciários e políticos. Seu respaldo “empírico” vem de publicações de dados de uma entidade corporativa, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (que defende que o problema da Previdência se deve à sonegação) e, mais recentemente, ganhou ares mais científicos com a difusão da tese de doutorado da professora Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo é sobre o período 1990-2005, mas o argumento vem colecionando dezenas de milhares de “curtidas” nas redes sociais nos últimos meses.

O raciocínio varia de acordo com o interlocutor, mas tem um eixo principal: a contabilidade do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) deveria excluir despesas com grupos que contribuem menos e incluir como receitas contribuições que cobrem o déficit, além de levar em conta também receitas perdidas com desonerações ou sonegação.

O debate sobre a contabilidade do sistema é natural, pois reflete em parte a disputa entre os subgrupos que compõem a Previdência. É legítimo, por exemplo, que representantes dos trabalhadores urbanos busquem evitar novas regras que julguem prejudiciais a eles apontando o dedo para a menor contribuição dos trabalhadores do campo, e, portanto, para a contabilidade do sistema. Em verdade, reformas previdenciárias também modificaram a forma das contas em países como França, Itália, Reino Unido, Espanha e Suíça, e há até quem defenda que este tipo de alteração deva ser usada na negociação política como moeda de troca com os opositores da reforma (como sindicatos)1.

Entretanto, a discussão sobre as contas da Previdência não pode virar uma cortina de fumaça, deslocando tempo e energia do verdadeiro debate: como adereçar o inexorável processo de transição demográfica. Também não pode resultar em contabilidade criativa que funcione como um anti-aging para o envelhecimento da população, ou em “negacionismo” de uma verdade inconveniente: a sustentabilidade da Previdência exigirá mudanças profundas e impopulares, e decorre de um problema físico, e não contábil.

Antes de conhecer os argumentos da “falácia do déficit previdenciário”, cabe apresentar uma introdução sobre a contabilidade atual do RGPS. As principais receitas do regime operado pelo INSS são a contribuição patronal sobre a folha de pagamento (20%) e a contribuição do trabalhador (8 a 11%). As despesas são aquelas com aposentadorias, pensões e auxílios da clientela urbana e rural. Contrariamente ao que algumas fontes veiculam, não são consideradas como despesas os gastos com benefícios assistenciais (como o Benefício de Prestação Continuada ao idoso pobre ou Bolsa Família), trabalhistas (como seguro-desemprego) e nem com a Previdência dos servidores públicos (que é deficitária por si) ou de políticos.

Esta conta deve fechar com um déficit de cerca de R$ 150 bilhões em 2016, podendo a chegar a R$ 200 bilhões em 2017. Qualquer déficit é coberto pelo Tesouro: o INSS não tem obrigação de fechar suas contas sozinho e nem teria poder para mudar regras a fim de cortar benefícios ou aumentar alíquotas das contribuições, o que compete ao Congresso. Tal fato torna ainda mais inusitada essa celeuma: seja o RGPS superavitário ou deficitário, os benefícios sempre serão pagos. Cabe observar também que essa apresentação de contas já foi sucessivamente referendada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que não valida o argumento da Previdência superavitária.

Um primeiro questionamento deste argumento pede a exclusão dos trabalhadores rurais, porque a Previdência urbana seria “sempre” superavitária2. A lógica é que os benefícios do campo exigem menor contrapartida contributiva, arrecadando pouco e despendendo muito,  e assim deveriam ser custeados diretamente pelo governo (como um benefício assistencial).

De fato, a chamada Previdência urbana foi superavitária nos últimos anos, mas principalmente pelo excepcional momento do mercado de trabalho formal. Na realidade, ela também apresentou déficits até 2009, e deve voltar a apresentar um em 2016, já de cerca de R$ 30 bilhões. Em que se pese a conjuntura de desemprego que piora a arrecadação, o envelhecimento da população por si só deve fazer com que os déficits pré-2009 voltem a ser a regra.

A crítica levanta, porém, aspectos da Previdência rural que de fato devem ser discutidos na próxima reforma. Existem problemas com a comprovação de efetivo trabalho no campo, sonegação e excessiva judicialização, e não havia disposição política no governo anterior para enfrentar a questão. Ainda assim, há preocupações dos representantes rurais de que a exclusão desse trabalhador da Previdência, com os benefícios sendo tratados como assistenciais, possam no futuro gerar cortes adicionais. De todo modo, com ou sem os rurais na contabilidade do INSS, os benefícios vão continuar sendo pagos e a mudança na prática é apenas como trocar o dinheiro dos bolsos de uma mesma calça (o Tesouro).

Todavia, o questionamento principal do argumento da “farsa do déficit” é do lado da receita, que deveria incorporar a arrecadação de contribuições sociais como a Cofins e a CSLL. Hoje essas contribuições já podem ser usadas para cobrir o “déficit”, mas defende-se que elas integrem a contabilidade antes da apuração do resultado. O argumento é especialmente contrário à Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite que 30% das contribuições sociais sejam usadas livremente pelo governo, o que é entendido como um “desvio” de dinheiro da Previdência para outros fins, inclusive o pagamento da dívida pública, não se podendo falar, portanto, em déficit.

Em verdade, historicamente, os grandes perdedores da DRU sempre foram os Estados e Municípios, e não a Previdência. Desde os anos 90, inicialmente como Fundo Social de Emergência (FSE) e Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), a DRU foi instrumento para o governo federal ampliar a sua arrecadação sem aumentar impostos, que são obrigatoriamente divididos com os entes subnacionais. A saída foi aumentar as contribuições sociais, desobrigando que essa arrecadação fosse usada somente na Seguridade Social, permitindo na prática que o governo aumentasse tributos para pagar suas despesas em qualquer área. A partir daí, com a DRU renovada por sucessivos governos, a União aumentou alíquotas e expandiu a base das contribuições sociais.

No argumento do déficit, esses recursos são vistos como sendo da Previdência, e desviados para outras finalidades. No entanto, o histórico do mecanismo deixa claro que sem a DRU as contribuições não arrecadariam  tanto quanto hoje e que ela funcionou como instrumento para não compartilhar recursos com os Estados e Municípios, não com a Previdência.

Há ainda uma visão de que a DRU seria “inconstitucional”, por não respeitar o texto original da Constituição de 1988. Este é um argumento mais frágil, já que as modificações sempre foram feitas por emendas constitucionais e já que o Congresso Nacional de fato tem poder para modificar a Constituição (“poder constituinte derivado”), respeitado o devido trâmite e preservadas as cláusulas pétreas. Ou nas palavras de Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros em Previdência, o texto original de 1988 não deve ser tido como “uma verdade revelada” por Deus3.

Também precisa ficar claro que a DRU apenas desvincula as receitas, mas não as vincula novamente para nenhum fim. Assim, não existe impeditivo para elas voltarem para a própria Seguridade, cobrindo o déficit da Previdência. Também deve ficar claro que a DRU não é necessariamente usada para pagar “juros da dívida”, até porque, com o agravamento da crise fiscal, nenhuma receita de tributos tem sido usada para pagar qualquer despesa com a dívida (pelo contrário, estamos nos endividando cada vez mais). No argumento da “farsa do déficit”, falta ainda coragem para especificar que despesas devem parar de ser financiadas pela DRU (educação? investimento público? Bolsa Família?).

Outro ponto a ser esclarecido neste burocrático debate sobre DRU e contribuições da Seguridade é que esta não é sinônimo de Previdência. A Previdência é apenas um dos três pilares da Seguridade, que abrange ainda a Saúde e a Assistência Social. Supondo que todo o dinheiro da DRU fosse agora ser vertido para a Seguridade, a sociedade ainda teria que escolher como dividir os recursos entre essas áreas carentes.

Isso também deve ficar claro quando se diz que não existe déficit na Previdência porque “a Seguridade deve ser analisada como um todo”. O que parece uma platitude na verdade esconde uma lógica mais séria: mais recursos da Seguridade para a Previdência necessariamente implica menos recursos para a Saúde ou para Assistência, áreas certamente carentes. Adicionalmente, mesmo a noção de superávit na Seguridade foi rejeitada no relatório final do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência ainda no governo Dilma Rousseff.

Por fim, a ideia de uma Previdência superavitária também passa por algumas bandeiras inquestionavelmente justas: a recuperação da dívida ativa, o combate à sonegação e a redução de desonerações e isenções. Todas são medidas importantes e louváveis, mas certamente insuficientes perante o acentuado processo de envelhecimento da população. A promessa de soluções fáceis nessas áreas deve ser vista com algum ceticismo, especialmente porque com frequência são apresentadas por entidades corporativas, que legitimamente estão defendendo a relevância das competências de suas carreiras.

De toda esta discussão, deve ser absorvida a motivação de corrigir distorções, mas não se deve desviar o foco da discussão que mais importa para o país: o processo de transição demográfica, seu agressivo papel no aumento da despesa pública e, consequentemente, seu efeito nos nossos objetivos constitucionais de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir desigualdades. Fugir deste debate sob o pretexto de que mudando a contabilidade a Previdência passa a ser superavitária é uma lógica digna de Donald Trump, ou nos termos de Fabio Giambiagi, dos que dizem que “Elvis não morreu”4.

Como conseguiremos crescer com juros reais tão altos sufocando empreendimentos, pressionados pela percepção de risco de insolvência ligado ao envelhecimento da população?  Como a economia poderá se dinamizar com a necessidade de custear a Previdência e criar cada mais vez impostos sobre uma carga tributária já tão distorciva?

Como os governos, federais e subnacionais, arranjarão espaço fiscal para os investimentos em infraestrutura e educação necessários para o país se desenvolver, se essas despesas discricionárias vão ser cada vez mais comprimidas pela obrigatória e ascendente despesa com o pagamento de benefícios5? Como o Estado terá capacidade financeira para dar mais oportunidades aos mais pobres, se os gastos que os beneficiam, como de saneamento básico, saúde pública e programas assistenciais, serão comprimidos por um componente que hoje já é responsável por mais da metade dos gastos da União e que cresce sem parar?

Construímos com nossa Previdência o que seria a segunda maior folha de pagamento do mundo, maior do que a de qualquer multinacional, governo ou exército6. Mais de 90% das famílias brasileiras estão direta ou indiretamente cobertas por ela. É por isso que a Previdência é uma conquista da sociedade brasileira e é por isso também que se impõe como um desafio.

Distorções em seu desenho nunca vão tornar ninguém milionário, mas amplificadas pelo seu gigantesco tamanho, podem colocar restrições severas ao desenvolvimento de um país que está longe de ser rico. Mal temos uma das 80 maiores rendas per capita do planeta: neste campeonato estamos na 4ª divisão, perigando cair para a 5ª ao fim desta década. Este é um problema de ação coletiva, muito diferente dos embates com soluções fáceis em que existem vilões para culpar, como sonegadores, corruptos, rentistas ou entreguistas responsáveis pelos males nacionais.  A ausência de um vilão para apontar o dedo não deve ser substituída pelo mero negacionismo que ignore esse problema inconveniente. O elefante na sala não é uma farsa.

 

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1 No Brasil, também os militares defendem mudanças na contabilidade da sua previdência, que reduzem significativamente o déficit da forma como foi historicamente entendido.

2  No entanto, este ponto não é defendido pela tese da professora Gentil.

3 TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previdência: A Visita da Velha Senhora. Brasília: Gestão Pública, 2015.

4 http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/08/sobre-canarinhos.html

5 Especialmente se for a aprovada a “PEC do teto dos gastos”.

6 Em tese, perdemos apenas para o  “INSS americano”, a Social Security Administration (SSA).

 

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