crise econômica – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 01 Oct 2015 12:56:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Os desafios para sair da crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2614&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-desafios-para-sair-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2614#comments Mon, 28 Sep 2015 12:07:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2614 O Brasil enfrenta uma grave crise econômica, refletida no recente rebaixamento de sua nota de crédito. A progressiva desaceleração da economia nos últimos quatro anos se transformou em uma profunda recessão. Desde 2011 interrompeu-se a redução na desigualdade de renda e a melhoria na qualidade de vida das famílias mais pobres, observados durante a década de 2000. A piora da economia ameaça reverter os avanços sociais dos últimos 20 anos.

A crise econômica tem como contraparte a crise política. Diversos projetos aprovados no Congresso minaram o ajuste fiscal. Os severos problemas financeiros e criminais nas  empresas estatais adicionam injúria ao grave momento do país.

Para além dos problemas fiscais de curto prazo, agravados pela gestão da política econômica nos últimos anos, o Brasil tem um problema estrutural de crescimento das despesas públicas e de estagnação da produtividade. Se estas questões não forem resolvidas, não haverá como retomar o crescimento em bases sustentáveis.

Os problemas que o Brasil enfrenta hoje decorrem da incapacidade do país de reconhecer seus limites e de fazer escolhas, buscando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais que, quando agregadas, ultrapassam os recursos públicos disponíveis. Agravando o quadro, as regras existentes conduzem a um crescimento das despesas públicas maior que o crescimento da renda nacional no longo prazo.

A questão central para o país não é um eventual ajuste fiscal de curto prazo. Se a trajetória de aumento das despesas não for revertida e a produtividade não aumentar, teremos uma economia com baixo crescimento, recorrente pressão inflacionária, juros elevados e a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para evitar a insolvência no pagamento da dívida pública. Essa trajetória é insustentável.

Este artigo propõe medidas voltadas para a superação do impasse econômico, estando organizado em dois blocos: sustentabilidade fiscal e aumento da produtividade.

I – Sustentabilidade Fiscal

A crise fiscal não é recente nem passageira. Desde 1991, as despesas públicas têm crescido mais do que o PIB, passando de 11% para 19% do PIB em 2014, sendo que mais de dois terços deste crescimento deveu-se ao aumento das despesas da previdência e assistência social (ver Gráfico 1).

Gráfico 1. Despesas primárias da União (% do PIB)

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Essa trajetória é agravada pelo aumento, em períodos de crescimento econômico, de despesas vinculadas à receita, como saúde e educação, que não podem ser ajustadas em períodos de desaceleração. O mesmo ocorre com os gastos com pessoal: a contratação de funcionários e os aumentos de salários em períodos de expansão não têm como contrapartida a sua redução em momentos de crise. Atualmente cerca de 90% do orçamento federal não pode ser ajustado em decorrência de restrições legais (ver Tabela 1).

Tabela 1. Principais despesas rígidas do orçamento federal

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A situação é semelhante nos Estados e Municípios. De cada R$ 100,00 arrecadados de ICMS em um Estado típico, R$ 62,50 já estão vinculados a alguma despesa e, do que resta, a maior parte destina-se a despesas de pessoal.

O ajuste das contas públicas em períodos de retração econômica acaba inevitavelmente sendo feito por aumento de tributos e corte dos investimentos. De 1991 a 2014, a carga tributária brasileira passou de 24% para 34% do PIB (Gráfico 2), sendo entre 5 a 15 pontos percentuais superior à da maioria dos países emergentes.

Na década de 2000, a arrecadação tributária teve um crescimento excepcional sobretudo em decorrência da alta do preço das commodities e do processo de formalização do mercado de trabalho, o que permitiu acomodar a expansão das despesas. Esse ciclo, porém, encerrou-se.

Gráfico 2. Carga tributária (% do PIB)

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Parte do aumento das despesas nos últimos anos beneficiou a população de menor renda, como é o caso do Bolsa Família e da universalização do acesso à educação fundamental. Porém, muitos dos benefícios concedidos pelo setor público, e ampliados nos últimos anos, são destinados a grupos com renda entre os 10% mais ricos, agravando a desigualdade ao invés de reduzi-la, além de serem insustentáveis no longo prazo. Esse é o caso das aposentadorias precoces para pessoas com pouco mais de 50 anos de idade, que beneficia a classe média alta urbana, e do crédito subsidiado a empresas selecionadas. Gasta-se com benefícios individuais e relegam-se as políticas que geram benefício coletivo, como é o caso do investimento em infraestrutura, que não ultrapassa 2% do PIB.

O ajuste das contas públicas requer que a sua gestão seja compatível com o crescimento do país, com um nível aceitável para a carga tributária e a sustentabilidade da relação dívida/PIB, o que implica: (i) reduzir a rigidez e o caráter pró-cíclico das despesas públicas; (ii) rever as regras de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais; (iii) reforçar as regras e instituições de responsabilidade fiscal.

Redução da rigidez e do caráter pró-cíclico do gasto

As regras de vinculação do gasto devem ser reformuladas de modo a permitir que parte das receitas auferidas em períodos de crescimento seja poupada para financiar as despesas nos momentos de retração. As vinculações de receita poderiam ser calculadas tendo por base a receita média de vários anos, permitindo diluir as flutuações cíclicas, ou, ainda, substituídas por um critério de valor mínimo, como o gasto do ano anterior, corrigido pela inflação. A meta de resultado primário para a União deveria ser ajustada pelo ciclo econômico, enquanto, para os Estados e Municípios, deveria ser exigida uma amortização maior da dívida na fase de crescimento, de forma a permitir o aumento da dívida em períodos de desaceleração.

Previdência e assistência

As despesas com benefícios previdenciários e assistenciais correspondem a mais da metade das despesas primárias federais, com uma trajetória de crescimento insustentável nos próximos anos, em decorrência do envelhecimento da população e do aumento real do salário mínimo.

Para reverter esta trajetória é preciso, em primeiro lugar, substituir progressivamente o atual regime de aposentadoria por tempo de contribuição (no qual os homens se aposentam em média com 55 anos e as mulheres com 52 anos) por um regime em que se exija uma idade mínima de aposentadoria, a exemplo do que fazem os demais países (ver Tabela 2).

Tabela 2. Idade de aposentadoria em países selecionados

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Em segundo lugar, é preciso completar a mudança do regime de pensões por morte, iniciada este ano, estabelecendo que as pensões devem ser reduzidas à medida que diminua o número de pessoas dependentes da pensão, seguindo o padrão internacional.

Por fim, deve-se estabelecer uma distinção entre os benefícios previdenciários – cujo valor deve ser proporcional às contribuições realizadas – e os assistenciais, que devem ser desvinculados do salário mínimo e concedidos para pessoas com idade mais elevada que a da aposentadoria por contribuição. Não se deve conceder benefícios assistenciais equivalentes ou melhores que os benefícios previdenciários, sob pena de desestimular a contribuição.

O Brasil pode garantir renda mínima aos idosos, incluindo quem não pode contribuir para a previdência, mas não deve conceder benefícios assistenciais cujo custo é insustentável no longo prazo. Não se trata de revogar direitos adquiridos nem de fazer uma transição precipitada, mas sim de corrigir distorções que têm um elevado custo fiscal.

Regras e instituições de responsabilidade fiscal

Depois de 15 anos da sua promulgação, ainda não foram regulamentados ou postos em prática dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como, por exemplo, o art. 17, que estabelece a exigência de fontes de financiamento adequadas como pré-condição à criação de novas despesas obrigatórias de caráter continuado. Nos últimos anos, diversas medidas com impacto fiscal no longo prazo foram tomadas sem a contrapartida de recursos – como, por exemplo a aprovação pelo Congresso da regra 85/95 para a previdência ou a ampliação de créditos do BNDES, cujos subsídios deverão custar R$ 184 bilhões ao Tesouro nas próximas décadas.

Deve-se, igualmente, implantar o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) com um número menor de conselheiros que o previsto na LRF, para torná-lo operacional. O CGF tem como objetivo padronizar os critérios de contabilidade pública para os diversos entes da Federação. Se já estivesse em funcionamento, teria evitado diversas manobras contábeis que distorceram a análise das contas públicas, tanto  da União (como no uso de bancos públicos para financiar o Tesouro), quanto dos Estados e Municípios (via ocultação de despesa de pessoal  ou cálculos criativos do resultado primário).

Cabe rever a legislação que regula o processo orçamentário, hoje consolidada na Lei nº 4.320/1964, aperfeiçoando, sobretudo, os métodos de estimação da receita, usualmente superestimada, e das regras de execução da despesa – geradora recorrente de crescentes restos a pagar. Adicionalmente, deve-se criar uma entidade fiscal independente – como existe em vários países – com a atribuição de fazer projeções de receitas, despesas e dívida pública, e avaliar tanto a consistência fiscal do orçamento, quanto das políticas públicas que exijam elevados gastos por muitos anos.

Os limites de despesa de pessoal e endividamento para Estados e Municípios deveriam ser revistos, de modo a torná-los mais compatíveis com a trajetória de longo prazo das contas públicas, e menos determinados pelo comportamento de curto prazo da arrecadação. Além disso, deveria ser instituído um limite para o endividamento da União.

Por fim, caberia regulamentar o direito de greve no setor público, previsto na Constituição. A estabilidade no emprego e a não responsabilização por greves abusivas ou pela interrupção inclusive de serviços essenciais tem resultado em longas e sucessivas paralisações, permitindo aumentos reais de remuneração incompatíveis com a realidade fiscal e com as remunerações praticadas no setor privado e em países com grau semelhante de desenvolvimento.

II – Aumento da produtividade

A produtividade da economia brasileira estagnou após 2010, depois de uma década com crescimento semelhante ao observado nas principais economias. O pior desempenho externo contribuiu para a nossa desaceleração. Entretanto, o retrocesso observado no Brasil, significativamente maior do que nos demais emergentes, decorre igualmente de causas domésticas.

A complexidade do sistema tributário – caracterizado pela multiplicidade de regras e benefícios concedidos discricionariamente – resulta em uma organização ineficiente da produção, em alto custo de cumprimento da lei para as empresas e em impressionante volume de litígio tributário.

O crescimento também vem sendo prejudicado por políticas de proteção setorial, favorecendo empresas ou setores selecionados, quase sempre sem metas de desempenho, e escassa avaliação do custo de oportunidade dos recursos alocados. Esses benefícios – como a concessão de empréstimos subsidiados, reserva de mercado, e incentivos tributários – destinam recursos a setores ineficientes ou que não precisam de proteção pública, prejudicando a produtividade dos setores à frente na cadeia produtiva. As regras de conteúdo nacional que protegem a indústria naval, por exemplo, implicam maiores custos para a produção de petróleo.

As políticas de proteção setorial podem ser eficazes em casos específicos, desde que resultem em ganhos sustentáveis de produtividade, e não apenas permitam a sobrevivência de empresas ineficientes.

O excesso de regulação e os elevados custos de contratação e demissão de trabalhadores induzem uma organização pouco eficiente das empresas e prejudicam a produtividade. Paradoxalmente, a legislação e o ativismo do judiciário, que intencionam proteger o trabalhador, terminam por prejudicar a geração de empregos de maior qualidade e estimular o comportamento oportunista, de empresas e trabalhadores, que resulta em informalidade, alta rotatividade e baixa produtividade.

A produtividade do trabalho é, adicionalmente, prejudicada pela baixa qualidade da educação. O gasto do Governo Federal em educação cresceu 285% acima da inflação entre 2004 e 2014, mas não foi acompanhado pelo aumento dos indicadores de aprendizado, o que sugere a necessidade de melhora na gestão e na disseminação das melhores práticas de ensino.

Por fim, o crescimento da produtividade é prejudicado pela infraestrutura deficiente e onerosa para seus usuários. Os problemas decorrem do baixo investimento público, da falta de planejamento adequado assim como da regulação ineficaz, caracterizada por agências reguladoras enfraquecidas e sem governança adequada que permita uma negociação mais eficaz dos conflitos e maior previsibilidade para a execução dos projetos.

A agenda para a melhora da produtividade é extensa. Neste artigo, concentramo-nos em três linhas de ação: (i) transparência e governança, (ii) competição, e (iii) simplificação e isonomia.

Transparência e governança

As deficiências de governança e a falta de transparência do poder público contribuem para a ineficiência do país, além de aumentar o custo das políticas públicas. Para superar estas deficiências, sugerimos um conjunto de iniciativas.

Em primeiro lugar, toda política pública deveria estar submetida à avaliação de resultados, que ampliaria o debate democrático sobre suas prioridades e seus custos, e deveria ser extensiva a todos os destinos de recursos públicos: programas previstos no orçamento, benefícios tributários, concessão de créditos subsidiados por bancos públicos e políticas de proteção setorial.

O debate democrático, fortalecido por análises sobre os custos envolvidos, os grupos beneficiados e o impacto social e econômico das políticas públicas, colaboraria para a escolha das políticas a serem mantidas e as que devem ser reformuladas. Essa análise deve incluir os impactos sobre os demais setores produtivos e o eventual uso alternativo dos recursos públicos. As políticas devem possuir metas claras de desempenho e avaliação de resultados transparentes, de preferência por instituições que sejam independentes do gestor público responsável pela sua execução.

No caso de políticas de proteção setorial, regras críveis devem garantir a progressiva redução da proteção, seja porque a política foi bem-sucedida, e a proteção não é mais necessária, seja pelo seu fracasso, o que significa que o país pode se tornar mais rico se deixar a livre alocação de mercado destinar os recursos para outros setores.

Em segundo lugar, é preciso rever a estrutura de governança das empresas estatais, que têm sido utilizadas como instrumentos de intervenção discricionária. A criação de um marco legal e a adoção de padrões de governança que explicitem o custo de ações específicas e os limites da atuação das empresas estatais seria uma importante contribuição para a melhoria do ambiente de negócios no país.   Além disso, devem ser definidos critérios mais restritos para a composição da diretoria e do conselho de administração. Não deveria ser permitida indicação de Ministros ou Secretários de governo como conselheiros, mesmo no caso de vagas cabíveis ao acionista controlador (Estado), em decorrência de possíveis conflitos de interesse.

Como princípio geral, a Lei das SA (Lei 6.404 de 1976) deveria ser fortalecida para as empresas controladas pelo Estado. No entanto, vários dos projetos de lei em discussão sobre o tema tentam criar um marco detalhado, sobrepondo-se à Lei das SA e gerando insegurança jurídica pelo eventual conflito de dispositivos das diferentes leis.

De modo semelhante, deve-se rever a governança dos fundos de previdência de servidores públicos e de funcionários de estatais, limitando-se a indicação de conselheiros e dirigentes por parte do governo. Deve-se ressaltar que, nesses casos, não se trata de recursos públicos, mas sim dos participantes, e que, portanto, não deveriam ser aplicados com outros objetivos que não o de garantir um retorno seguro para os beneficiários.

Em terceiro lugar, deve-se fortalecer a governança das agências reguladoras, reforçando a segurança jurídica e a adoção de políticas com objetivos de longo prazo, protegendo-as dos interesses oportunistas. Quanto maior a segurança sobre o ambiente regulatório, menor o prêmio de risco requerido e menor o custo do investimento para a sociedade. Os diretores das agências devem ser independentes e qualificados tecnicamente. Contratos de gestão, com metas de desempenho, que reflitam as prioridades da política pública, permitem a avaliação dos resultados e a substituição dos diretores em caso de fracasso.

Por fim, deve-se melhorar a transparência e a governança de entidades públicas e quase públicas, que operam com recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o FGTS, o FAT, e o Sistema S, além dos sindicatos de trabalhadores e patronais, que atualmente não são obrigados a publicar balanços sobre a utilização dos recursos recebidos. A abertura dos dados sobre o montante de recursos recebidos, os programas em que são alocados e os resultados obtidos colaborariam para o debate sobre a sua eficácia e a deliberação democrática sobre a utilização dos recursos da sociedade.

Competição

Existe uma vasta literatura acadêmica documentando a relevância de um ambiente favorável à competição para o crescimento da produtividade. No caso do Brasil, diversos trabalhos estimam o efeito positivo da abertura comercial dos anos 1990 sobre o aumento da produtividade, assim como o impacto negativo das políticas de proteção adotadas desde meados da década passada.

É preciso abrir mais a economia, se possível no âmbito de acordos bilaterais ou multilaterais. A redução de tarifas de importação pode ser feita de forma progressiva, permitindo-se o ajuste das empresas locais. Isso permitiria o maior acesso a insumos e bens de capital mais eficientes, aumentando a produtividade, estimulando o aumento do investimento e a expansão da produção.

Deve-se, igualmente, rever toda a estrutura de reservas de mercado, que prejudicam a concorrência e a expansão da produção. A não ser em situações excepcionais, e que precisam ser demonstradas, a proteção a empresas domésticas – como a obrigatoriedade de a Petrobras ser operadora única e ter participação mínima de 30% nos campos do pré-sal e a preferência concedida a empresas nacionais nas licitações públicas – tem impactos negativos sobre os preços e a produtividade, beneficiando apenas grupos específicos, em detrimento do interesse geral.

Simplificação e isonomia

A complexidade, ineficiência e ambiguidade do sistema tributário brasileiro têm consequências negativas sobre a produtividade e o crescimento. As regras existentes permitem que empresas ou produtos semelhantes sejam tributados desigualmente, induzindo uma organização ineficiente do setor produtivo. Além disso, a multiplicidade de regras coexiste com incerteza sobre as regras aplicáveis, resultando em imenso contencioso tributário e em elevado custo de observância da lei pelas empresas.

Daí a necessidade de se buscar simplificação e isonomia, sendo propostas três mudanças nesta direção.

A primeira diz respeito à tributação de bens e serviços. A maioria dos países adota um único imposto sobre o valor adicionado (IVA), com base ampla, uma ou poucas alíquotas e possibilidade de dedução do imposto incidente em todas as aquisições das empresas. Já o Brasil possui uma multiplicidade de tributos (ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS), com bases fragmentadas, legislação complexa, restrições ao crédito tributário e uma profusão de alíquotas e regimes especiais.

Deve-se ter como meta simplificar e aproximar os tributos sobre bens e serviços do modelo do IVA, substituindo os atuais por um ou, no máximo, dois tributos sobre o valor adicionado (um federal e outro subnacional, cobrado no destino), além de um tributo seletivo (sobre fumo, bebidas etc.). As propostas do Governo Federal de reforma do PIS/Cofins e de disciplinamento da guerra fiscal dos Estados apontam na direção correta, mas são tímidas frente aos desafios da melhora da tributação indireta no país.

Um segundo foco de atenção são os vários regimes simplificados de tributação, como o Lucro Presumido e o SIMPLES. Esses regimes geram distorções importantes, decorrentes da base inadequada de tributação (o faturamento), do alto limite de enquadramento (cerca de US$ 1 milhão por ano no SIMPLES, contra um valor entre US$ 50 mil e 150 mil nos demais países), e do enorme diferencial de tributação relativamente às grandes empresas. A consequência é um sistema que estimula a abertura de pequenos negócios, mas impede o seu crescimento.

É preciso rever completamente o modelo de tributação simplificada no Brasil, e não apenas fazer ajustes no SIMPLES. Não se trata de aumentar o custo tributário dos negócios efetivamente pequenos, mas sim de criar um modelo que trate de forma semelhante os semelhantes, que estimule a formalização do trabalho qualquer que seja o porte da empresa, e que favoreça o crescimento das empresas.

Por fim, deve-se rever a distorção na tributação da renda pessoal decorrente da forma como é recebida. Isto ocorre, por exemplo, na distribuição de lucros pelas empresas do SIMPLES e do Lucro Presumido, que são isentos na pessoa física. A Tabela 3 mostra como os regimes simplificados podem gerar enormes distorções na tributação da remuneração de um profissional, a qual pode variar de 40% do rendimento para um trabalhador formal a menos de 10% para o sócio de uma empresa do SIMPLES.

Tabela 3. Exemplo de incidência tributária para um advogado com renda bruta de R$ 30 mil/mês

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Medidas que estabeleçam a isonomia na tributação, além socialmente justas, contribuiriam para reduzir as distorções decorrentes da multiplicidade de regimes tributários. Deve-se, no entanto, evitar tributar duas vezes a mesma renda, deduzindo-se da base tributária dos rendimentos pessoais os impostos pagos pelas empresas.

A grave crise fiscal reflete o crescimento dos gastos públicos acima da geração de renda, fruto de um conflito entre diversos grupos sociais que buscam, via Estado, a apropriação de parcela maior da renda. A intervenção pública mal focada, a proteção de interesses privados específicos e um dos piores sistemas tributário do mundo prejudicaram a produtividade e o crescimento. Os indicadores sociais, depois de uma década de avanço, estagnaram ou retrocederam nos últimos anos.

A boa gestão pública requer disciplina fiscal, transparência e a avaliação dos resultados sobre os benefícios concedidos. Dessa forma, pode-se deliberar sobre as escolhas públicas, as políticas a serem preservadas e as que devem ser revistas. A proteção dos grupos sociais mais frágeis é importante, mas precisa caber nas possibilidades do país. A transferência de renda para os mais ricos é injustificável.

A crise atual impõe escolhas difíceis. Postergá-las apenas tornará ainda mais custoso o ajuste das contas públicas. A alternativa ao ajuste é o agravamento da crise e o retrocesso econômico.

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 13/9/2015

 

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O F.A.Q. da Crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-faq-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592#comments Mon, 31 Aug 2015 12:53:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2592 Foi publicado recentemente neste site o texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”. Com base no diagnóstico ali traçado, listamos uma série de perguntas frequentes sobre a crise econômica, oferecendo as nossas respostas.

 

1 – A crise que estamos vivendo é consequência da crise econômica internacional?

R: Não. A crise fiscal, a inflação alta, o desemprego crescente, a baixa capacidade de crescimento da economia brasileira são fundamentalmente consequência de desequilíbrio fiscais estruturais (a despesa pública cresce mais que o PIB há 30 anos) somada a uma política econômica equivocada adotada a partir de 2005/2006.

Na verdade, a situação econômica internacional existente entre 2003 e 2011 foi muito favorável ao Brasil, devido a dois fenômenos: o grande aumento nos preços dos nossos produtos de exportação (commodities) e a fartura de crédito no mercado financeiro internacional. O nosso governo tomou essas duas situações passageiras como se fossem definitivas e passou a conduzir a política econômica acreditando que os preços das commodities nunca iriam mudar e que haveria dinheiro barato para sempre no mercado financeiro internacional.

Por isso, acelerou os gastos públicos, concedeu isenções tributárias, distribuiu benefícios creditícios, interferiu no processo de decisão das grandes empresas, congelou preços públicos e fez muitas outras políticas criticáveis, com descrito em detalhe no postPor que a economia brasileira foi para o buraco?” Enquanto os ventos na economia internacional eram favoráveis, o Brasil ia bem apesar dos erros de política econômica. Contudo, tais erros acumularam distorções (déficits público e no balanço de pagamentos crescentes, aumento da inflação, insustentabilidade da dívida pública).

Agora que os ventos favoráveis vindo do exterior mudaram (queda nos preços das commodities e tendência de aumento das taxas de juros internacionais), como seria de se prever, o governo passa a culpar tais mudanças pela crise brasileira. Se durante o período de bonança tivéssemos adotado uma política econômica responsável, não estaríamos enfrentando uma situação tão dura. Se tivéssemos aproveitado os tempos bons para fazer reformas que consertassem as inconsistências no gasto público, estaríamos mais bem preparados para o momento atual. Assim como um organismo fragilizado é mais vulnerável a contrair doenças, uma economia desajustada sofre mais quando há uma crise na economia internacional. Basta comparar o desempenho da economia brasileira com a de países latino-americanos que praticam melhores políticas macroeconômicas, como Chile e Colômbia. Esses dois países estão sentido o impacto da crise internacional, mas com intensidade muito menor que o Brasil.

2 – Se a economia está em recessão, por que fazer ajuste fiscal, que aprofunda mais a recessão? Será que esse tipo de remédio não irá matar o paciente?

R: Em primeiro lugar, é preciso dizer que a recessão começou ANTES do ajuste fiscal. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV mostrou recentemente que a recessão começou em meados de 2014. Portanto, mais de seis meses antes da posse do Ministro Levy e do início do ajuste fiscal.

Essa recessão se deu pelo esgotamento de um padrão de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, somado a uma política econômica populista e insustentável, adotada a partir de 2005/2006. A crise é composta por vários problemas: inflação alta e crescente, visível esgotamento financeiro do Tesouro e incapacidade de continuar a subsidiar investimentos, paralisação do setor de óleo e gás pela mudança do marco regulatório do pré-sal, ameaça de racionamento de energia, sobre-endividamento da maior empresa do país, queda da produtividade da economia (devido aos inúmeros gargalos produtivos, como a infraestrutura deficiente, legislação tributária e trabalhista inadequadas e interferência do governo nas decisões privadas), sobre-endividamento das famílias, crescente risco de rebaixamento da nota de crédito do Governo Federal para o nível de investimento especulativo.

Enquanto a China puxava nossa economia, parte desses problemas não aparecia ou era menor. Acabado o estímulo externo, a crise se impôs.

Na situação em que nos encontramos, o ajuste fiscal não é uma das políticas possíveis. Ele é o único caminho responsável a ser trilhado. Esse ajuste é condição necessária para que o país tenha alguma esperança de retomar o crescimento no futuro. Sem o ajuste fiscal, a dívida pública vai crescer rapidamente, o Tesouro não terá como financiá-la (porque os investidores não vão querer correr o risco de levar o calote) e será preciso emitir moeda para pagar a dívida pública. Voltaremos à época da hiperinflação. E quem viveu nos anos 80 sabe que com hiperinflação não se vai a lugar nenhum.

Embora seja necessário (o único caminho possível, a não ser que se considere o caos econômico como opção válida), o ajuste fiscal não será suficiente para garantir a retomada do crescimento. Estão certos os que dizem que o ajuste vai aprofundar a recessão. A única possibilidade de o ajuste fiscal não gerar mais recessão seria fazê-lo por meio de reformas que permitissem reduzir o gasto público corrente, abrindo espaço para que, ao mesmo tempo em que o superávit primário aumentasse, a carga tributária pudesse ser mantida constante e houvesse investimentos de qualidade em infraestrutura.

Porém, não é esse o padrão de ajuste fiscal de curto prazo viável no Brasil. Como no passado, o ajuste será feito por meio de aumento de tributos e mais repressão ao investimento. Não há como não derrubar a economia fazendo tal ajuste. Mesmo assim, é melhor fazer esse ajuste sub-ótimo do que não fazer nenhum ajuste e rumar para a hiperinflação.

Ou seja: o ajuste em curso vai ajudar a derrubar a economia no curto prazo. Mas a recíproca não é verdadeira: o “não-ajuste” não fará a economia crescer. Irá, isso sim, nos levar para uma situação ainda pior: a hiperinflação e a desestruturação da economia. Há, ainda, o risco de ficarmos no meio do caminho: um ajuste insuficiente que não evitará o pior, e ainda imporá custos à sociedade.

3 – A tentativa de resolver a crise econômica na Europa por meio de medidas de austeridade fiscal falhou. Por que vamos insistir nesse remédio que não funcionou em outros lugares?

R: É incorreto dizer que a política de ajuste na Europa foi apenas de austeridade fiscal. Irlanda, Portugal e Espanha implantaram não apenas duros ajustes fiscais, mas também fizeram reformas importantes: vendas de ativos, flexibilização do mercado de trabalho, reforma orçamentária.

Também é incorreto dizer que esse conjunto de medidas não deu resultado. Esses três países sofreram as dores do ajuste, mas estão todos emergindo da crise e voltando a crescer, assim como diversos países do leste europeu, como Polônia, Hungria e os países bálticos.

A lição que devemos tirar do caso europeu é justamente o contrário da afirmação feita na pergunta: o país que se recusou a se ajustar, a Grécia, é que foi para uma crise aguda. O caso grego é um exemplo do que ocorrerá com o Brasil se não fizermos um adequado ajuste fiscal. Diga-se de passagem, apesar de todo o barulho político feito por seu governo populista, a Grécia acabou tendo que por em prática um programa de ajuste fiscal e de reforma estrutural do setor público. Não apenas por exigência dos credores, mas por uma questão de sobrevivência da economia do país.

Deve-se dizer, por fim, que a contração econômica nos ajustes fiscais feitos nos países do Euro tende a ser maior do que em um país que tem moeda própria, como o Brasil. Isso porque os países do Euro não têm a opção de se ajustar por meio da desvalorização cambial, já que a moeda é única. Por isso, para reduzir os custos internos e se tornarem mais produtivos, eles precisam de uma grande contração econômica, para gerar grande desemprego e, com isso, reduzir os salários e os custos das empresas. No Brasil, a desvalorização cambial pode fazer uma parte desse serviço, sendo necessária menor contração do PIB.

4 – Não seria contraditório acabar com a desoneração da folha de pagamentos no momento em que as empresas estão sofrendo com a crise econômica?

R: Sem dúvida que seria melhor fazer um ajuste fiscal baseado em redução da despesa pública, sem a necessidade de elevar tributos. Isso não aumentaria os custos das empresas, geraria menos desemprego e abriria mais espaço para o investimento privado. Porém, o orçamento público brasileiro é muito rígido. Se não fizermos reformas que reduzam o ritmo de crescimento de despesas da previdência, das políticas sociais ou da folha de pagamento, não haverá como conter a expansão do gasto.

Nessa situação, como já afirmado acima, é melhor que se faça um ajuste de baixa qualidade (via aumento de impostos e corte de investimentos) do que não se fazer ajuste nenhum.

O risco, como já apontado na resposta à questão 1, é que o ajuste “politicamente possível” não seja suficiente para reequilibrar as contas e conter o crescimento da dívida. Aí os sacrifícios serão em vão.

5 – O ajuste fiscal vai ser pago pelos mais pobres?

R: Não necessariamente os pobres pagarão pelo ajuste fiscal. Como afirmado ao longo do texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”, o gasto público no Brasil beneficia todas as camadas de renda. Se fizermos uma reforma fiscal que contenha a expansão dos gastos feitos a favor das classes alta e média, poderemos ter um efeito de redistribuição de renda. Uma reforma da previdência social, por exemplo, que requeira maior tempo de trabalho para a aposentadoria, tende a ser redistribuidora de renda, pois o seu custo recairá sobre a classe média e alta urbana. O mesmo se pode dizer de um maior controle na contratação e remuneração de servidores públicos, que, em sua maioria, estão entre os 5% mais ricos do país. O fim dos subsídios creditícios a grandes empresas também teria importante efeito redistributivo de renda. Um redirecionamento do gasto público em educação do nível universitário para o ensino básico também beneficiaria os mais pobres, principalmente se fosse instituída a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Mesmo alguns programas normalmente identificados como sendo de atendimento aos mais pobres, como o abono salarial e o seguro desemprego, atendem camadas de renda acima do nível de pobreza: o seu redesenho pode levar à redução de despesas sem afetar os mais pobres.

Deve-se lembrar, ainda, que o não-ajuste levará a aumento da inflação; esta sim muito prejudicial aos pobres e concentradora de renda.

6 – Por que não fazemos o ajuste tributando os bancos?

R: Uma lição básica em economia é a de que o custo dos tributos não incide, necessariamente, sobre o agente econômico que é tributado. Sempre que a pessoa física ou jurídica que é tributada pode passar para frente o custo do imposto pago, ela passará. Uma maior tributação dos bancos (que já são bastante tributados) se converterá, total ou parcialmente, em aumento das taxas de juros por eles cobradas. Quem pagará uma parte ou a totalidade do imposto será o indivíduo ou a empresa que precisar tomar crédito.

Não obstante isso, tendo em vista o exíguo espaço político para se cortar despesas, é possível que se acabe optando por tributar as operações de crédito, pois essa é uma forma dissimulada de se ampliar a tributação sobre a população como um todo, disfarçando-a de tributação sobre os bancos.

7- Por que não fazemos o ajuste tributando os ricos, através da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas?

Esse imposto, sozinho, não resolveria o problema. Mesmo que não se preveja nenhuma isenção, nem se leve em conta a fuga de capitais que ele provocaria, sua arrecadação dificilmente passaria de R$ 5 bilhões por ano. O valor é irrisório frente às necessidades fiscais do Tesouro Nacional.

Pode-se discutir a progressividade ou regressividade do sistema tributário brasileiro e, com isso, a possibilidade de tributos que incidam sobre os mais ricos. Porém, não se pode esperar que esse tipo de tributação gere receita suficiente para fechar as contas públicas. Somente os aumentos previstos nas áreas de previdência, saúde e educação para os próximos anos está na casa de R$ 22 bilhões por ano.

Tributar grandes fortunas pode também trazer o impacto indesejado de reduzir ainda mais a já reduzida taxa de poupança doméstica.

8 – As despesas com juros são da ordem de R$ 417 bilhões por ano. Por que não fazemos o ajuste fiscal cortando a taxa de juros fixada pelo Banco Central? Não seria muito mais fácil do que cortar programas sociais?

R: Isso já foi tentado pelo Governo, no âmbito da “nova matriz econômica”. Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa Selic foi sistematicamente reduzida, passando de 12,5% a.a. para 7,25% a.a.. Porém, a redução forçada dos juros, sem que haja uma correspondente redução do déficit primário, aumenta a inflação e não se sustenta. O déficit do governo coloca renda na mão das pessoas e aumenta o consumo. Como a oferta de bens e serviços é rígida (há uma série de obstáculos à expansão da produção no Brasil, como descrito no texto), o aumento da demanda leva a aumento de preços.

Por isso, o ajuste das contas não financeiras deve preceder a redução dos juros pelo Banco Central. Tentar começar pelos juros, apesar de ser a conta mais elevada, não é algo consistente ou sustentável. Ademais, a maior parte dos valores pagos a títulos de amortização e juros da dívida não vêm diretamente da tributação imposta à população, e sim de novos empréstimos, que rolam os antigos. Um corte abrupto dos juros reduzirá a oferta de novos empréstimos ao Governo. Com isso, seriam necessários cortes nas outras despesas com vistas a alocar mais recursos para pagar amortização e juros da dívida.

9 – Muitos economistas advogam que, para o país crescer mais rápido, é necessário aumentar a poupança. Mas se todo mundo poupar, qual será o estímulo para as empresas investirem, se não haverá quem consome?

Há uma confusão de conceitos. Poupar não é o mesmo que deixar de gastar. Um indivíduo que deixa de gastar em bens de consumo final (alimentos, roupas, festas, etc) para comprar tijolos e construir uma casa, em verdade, está poupando. Sua poupança está sendo gasta na aquisição de bens de investimento (no caso, os tijolos). Poupar (e sua contrapartida, investir), portanto, é simplesmente trocar o consumo de bens e serviços finais hoje por bens e serviços finais no futuro. Assim, um aumento da taxa de poupança de um país somente altera o mix de produção, com a economia passando a produzir mais bens de capital, insumos para construção civil ou produtos para exportação (que lhes permite adquirir ativos no exterior). Naturalmente, economias que investem mais, crescem mais rapidamente. Não é por menos que os países emergentes do leste asiático, cuja taxa de poupança é acima de 30% do PIB (enquanto no Brasil é em torno de 15% do PIB), são os que mais rapidamente crescem.

10 – Um modelo de crescimento do estilo asiático, baseado em elevada taxa de poupança e câmbio depreciado, não está associado a piores condições para o trabalho?

No curto prazo, é correto. Se o país poupa muito, há poucos recursos para programas assistenciais e de previdência. Além disso, a taxa de câmbio depreciada implica salários reais menores. Entretanto, essa é uma visão estática. Como esses países investem mais, o que lhes permite crescer mais rapidamente, no longo prazo, o padrão de vida da população tende a ser melhor. Coréia do Sul e Brasil tinham níveis de renda per capita semelhantes na década de 1960 e, hoje, a renda per capita sul-coreana é cerca do triplo da brasileira. Da mesma forma, a renda per capita da China já se aproxima da brasileira, quando era menos da metade há vinte anos. Pode-se fazer uma analogia com o bem-estar de uma família. Se tivermos dois domicílios com a mesma renda inicial, aquele que poupar mais terá menor qualidade de vida no curto prazo. Entretanto, no longo prazo, o que poupou mais terá maior renda (decorrente das aplicações financeiras feitas ao longo da vida), o que lhe permitirá auferir maior bem estar.

11 – Corremos o risco de uma nova década perdida?

Infelizmente, sim. Tomando o PIB per capita como medida de bem estar individual, temos que o pico deste ocorreu em 2013 (R$ 27,4 mil, em valores de dezembro de 2014). Considerando que o PIB cresceu 0,15% em 2014 e a população tem crescido em torno de 0,9% a.a., e assumindo que o PIB diminuirá 2% em 2015 e 0,5% em 2016, crescendo 1,5% na média dos anos seguintes, temos que o PIB per capita cairá até 2017, recuperando-se lentamente depois disso, até voltar ao patamar de 2013 apenas em 2023 ou 2024. Trata-se de cenário bastante plausível. Não havendo reformas substanciais que aumentem a poupança pública e a produtividade, teremos baixa taxa média de crescimento econômico no período 2017-2024, em face do esgotamento da principal fonte de crescimento econômico do passado recente (qual seja, o aumento da taxa de ocupação da mão de obra), combinado com nosso histórico de incrementos reduzidos na produtividade do trabalho.

 

Os autores agradecem os comentários de Pedro Fernando Nery.

 

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Por que a economia brasileira foi para o buraco? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2585&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-a-economia-brasileira-foi-para-o-buraco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2585#comments Tue, 25 Aug 2015 18:12:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2585 Até poucos anos atrás havia grande otimismo em relação à economia brasileira. Chegamos a crescer 7,6% em 2010. Os salários cresciam, o desemprego ia para zero, a pobreza e a desigualdade caiam. A ascensão da classe C era festejada com a ampliação do consumo. De repente tudo mudou: a economia entrou em recessão em meados de 2014. As previsões para os próximos anos, coletadas junto ao mercado pelo Banco Central, são sombrias: uma recessão de 2% esse ano e crescimento zero em 2016. E mesmo quando a luz no final do túnel aparecer, o que se espera são medíocres taxas de crescimento do PIB de, no máximo, 2% ao ano. A taxa de desemprego calculada pelo IBGE não para de subir, passando de 4,3% em dezembro de 2014 para 7,5% em julho de 2015. Os dados sobre o déficit e a dívida do Governo Federal só mostram deterioração: festejados programas de governo, como o Fies e o Pronatec, tiveram que ser encolhidos por falta de dinheiro. A inflação disparou. Alguns governos estaduais não conseguem sequer pagar o funcionalismo, e estão parcelando os contracheques. Afinal, o que aconteceu para que caíssemos do nirvana para o buraco tão rapidamente?

A crise econômica atual tem causas antigas, que remontam ao início do atual  período democrático (iniciado em 1985), bem como causas recentes, ligadas a uma política econômica equivocada e inconsistente, adotada por volta  de 2005/2006 e aprofundada a partir de 2011.

As causas antigas

Quando o Brasil transitou de um regime ditatorial para uma democracia, em 1985, surgiram fortes pressões sociais para expansão do gasto público. Isso levou ao aumento do déficit público e exigiu a expansão da carga tributária. Esses fatos estão na base da nossa crise atual, como veremos a seguir. Vejamos, primeiro, porque o gasto público passou a crescer após à transição para a democracia.

Houve um acúmulo de necessidades sociais não atendidas ao longo dos 21 anos de regime militar. Praticamente não havia políticas públicas para atendimento aos mais pobres. Os indicadores sociais e educacionais estavam em níveis africanos.

Durante a ditadura os governantes não se sentiam premidos a atender a população mais pobre pelo simples fato de que o direito de voto era restrito. Havia eleição direta apenas para os cargos de senador, deputado e prefeitos de pequenas cidades. Ter uma carreira política de sucesso em muitos casos não dependia de ter votos. Com a redemocratização e a instituição de eleições diretas em todos os níveis, a sobrevivência de um político no poder passou a depender diretamente do voto.

Sendo os pobres a maioria do eleitorado (lembrando que até mesmo os analfabetos passaram a ter direito a voto), nada mais natural de que os políticos no poder passassem a oferecer políticas públicas a favor dos mais necessitados. Houve uma explosão de políticas de assistência social, educação e saúde pública. Diversos indicadores sociais passaram a melhorar, ainda que muito dessas políticas sejam caras e pouco eficientes.

Ocorre que não apenas os pobres se beneficiaram. A classe média também encontrou maior espaço para reivindicação. Afinal, com a redemocratização recobrou-se o direito de greve e o direito de associação em sindicatos e outras instituições formadas por pessoas com interesses comuns (associações de aposentados, de consumidores, de pacientes de doenças raras, etc.). Esses grupos passaram a ter grande poder de pressão para reivindicar políticas públicas a seu favor.

Frente ao ganho de poder político dos pobres e da classe média, seria de se esperar que os mais ricos perdessem espaço no orçamento público, com o governo direcionando os recursos antes gastos em favor deste para programas voltados aos pobres e à classe média. Mas isso não aconteceu. Os mais ricos também ganharam poder de reivindicação. Afinal, eleições custam caro, e alguém tem que financiá-las. Por meio do financiamento eleitoral, grandes empresas (em especial aquelas que têm contrato com o poder público) passaram a garantir o atendimento de seus interesses.

Ou seja, com a redemocratização, o Estado brasileiro passou a ser pressionado para atender aos pobres, à classe média e aos ricos. Com vários segmentos sociais tendo acesso aos recursos públicos, instituiu-se um cenário de forte disputa pelos recursos orçamentários. Para que isso não resultasse em expansão da despesa pública, teria sido necessário criar regras eficazes de limitação do gasto público: um orçamento consistente, que refletisse a real expectativa de receitas e despesas; limites legais para o déficit público; vedação ao financiamento do Tesouro pelo Banco Central.

Essas regras fiscais ou não foram instituídas, ou foram contornadas. Criaram-se, também, regras na direção contrária ao controle fiscal. Na nossa frágil democracia, pressionada por diferentes grupos sociais e de interesses, foram sendo construídas regras que protegiam a fatia do bolo dos grupos que conseguiam fazer mais pressão sobre instâncias decisórias do poder público. Assim, foram criadas regras que instituíam despesa mínima para os setores de educação e saúde, regras benevolentes de aposentadoria, crédito subsidiado para grandes empresas por meio de bancos públicos, regras de aumento real para o salário mínimo, etc.

Ou seja, em vez de haver regras fiscais que impusessem um limite ao gasto público total e forçassem os políticos a fazer escolhas entre beneficiar o grupo A ou o grupo B, o que se criou foram regras que obrigavam o setor público a beneficiar todo mundo, ao mesmo tempo, o tempo todo. Como bem sabe qualquer pessoa que administra um orçamento doméstico, uma hora a despesa fica maior que a receita e o endividamento explode.

No caso de governos, ao contrário dos orçamentos domésticos, há uma saída (perigosa) para evitar o endividamento: emitir moeda para pagar a despesa. E foi isso que se fez entre 1985 e 1994. O resultado foi a hiperinflação. Como os grupos sociais não conseguiam chegar a um consenso sobre o controle dos gastos públicos e como não havia regras fiscais que garantissem um orçamento equilibrado, a inflação fazia o serviço, corroendo o valor real dos gastos públicos e da renda das pessoas.

O problema é que a inflação tem efeitos perversos: além de incidir mais fortemente sobre os mais pobres (que não têm acesso a bancos, para proteger seu dinheiro por meio de aplicações financeiras), ela cria um ambiente de incerteza e insegurança que desestimula o investimento, levando a baixo crescimento econômico. Tivemos uma década perdida, em que tentamos nos livrar da inflação. Tentávamos fazê-lo sem abrir mão da prodigalidade fiscal. Queríamos resolver o problema (inflação) sem extinguir a causa (déficit público).

O esgotamento fiscal induziu a realização de algumas reformas. A principal delas foi o Programa Nacional de Desestatização, iniciado em 1990, que afastou o setor público da gestão de empresas então deficitárias e operadas de forma ineficiente em vários setores, como siderurgia, telefonia e mineração. Essas empresas funcionavam como um segundo cofre do Tesouro e como ferramenta de política econômica, muitas vezes sendo induzidas a tomar decisões que prejudicavam seu desempenho. Tomavam empréstimos no exterior quando era necessário fechar as contas do balanço de pagamentos; tinham os preços de seus produtos congelados, para segurar a inflação; etc.

Embora importantes, as privatizações não foram capazes de mudar o deficitário regime fiscal brasileiro. Passamos quase uma década, de 1985 a 1994, em que sete planos de estabilização da moeda falharam, porque não conseguiram impor limites ao gasto público. Somente em 1994 tivemos um plano de sucesso. O Plano Real correu o mesmo risco de dar errado, como os seus antecessores, pois não foi acompanhado de medidas para controlar os gastos públicos. Mais uma vez os esforços de ajuste fiscal não foram suficientes para equilibrar as contas públicas. Destaca-se nesse período a criação, em 1994, do Fundo Social de Emergência (posteriormente rebatizado de “Desvinculação de Receitas da União” – DRU), para tornar a despesa orçamentária menos rígida e viabilizar a redução de despesas obrigatórias (Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994). Esse é o exemplo típico de ajuste fiscal limitado, fazendo-se aquilo que as restrições políticas permitiam fazer: ajustes marginais, jamais reformas amplas, que assegurassem o equilíbrio fiscal e a solvência de longo prazo das contas públicas.

Novas crises de balanço de pagamentos surgiram em 1997 e 1998, nas quais a frágil situação fiscal brasileira somou-se ao contágio de crises ocorridas em outros países emergentes. Naquele momento ficou claro que o sucesso da estabilização dependia de mudanças profundas no regime fiscal brasileiro. As crises econômica e política forçaram os agentes políticos a aceitar limitações fiscais. Ajudou o fato de que um empréstimo do FMI ficava condicionado a medidas de ajuste fiscal: se os diversos grupos sociais e políticos do país não conseguiam se entender sobre como conter o gasto público, uma imposição externa ajudava a formar o consenso.

O ajuste fiscal “meia boca”

O país começou, então, a trilhar um caminho de mais responsabilidade fiscal. Assim, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano 2000. Um pouco antes, entre 1997 e 1998, fez-se uma importante renegociação da dívida dos estados e municípios junto ao mercado financeiro. Essa dívida era impagável e alimentada por déficits crônicos desses governos. O Governo Federal assumiu a dívida e passou a pagá-la em dia aos credores privados. Em troca disso, os estados e municípios se comprometeram a pagar o débito de forma parcelada ao Governo Federal ao longo de trinta anos. Para conseguir pagar essa dívida, foram forçados a ajustar suas contas. Quem não pagasse em dia, tinha as suas receitas confiscadas pelo Governo Federal. O esquema deu certo, e os estados e municípios se ajustaram rapidamente. Pela primeira vez na história recente começamos a ouvir palavras como “eficiência”, “gestão” e “equilíbrio fiscal” no âmbito dos governos estaduais e municipais. Tudo isso porque estava fechada a porta ao socorro federal: ou os estados e municípios se ajustavam ou quebravam.

Mais medidas foram tomadas visando ao equilíbrio fiscal. Estabeleceram-se metas de resultado primário e de redução da dívida nos três níveis de governo. Pouco depois se propôs uma reforma da previdência, com foco no regime dos servidores públicos (Emenda Constitucional nº 20/1998).

A aprovação dessas reformas ajudou bastante, mas não alterou o modelo instaurado nos anos 1980: continuava a pressão por aumento dos gastos públicos. A aprovação de cada reforma representava grande custo político para o Governo, em especial devido à aguerrida resistência dos interesses estabelecidos, apoiada pelos partidos de oposição da época. Não havia nada próximo a um consenso social em torno da reforma do Estado. Somente a visão da beira do precipício, representada pelas ameaças e concretizações de crises cambiais, é que davam estímulo e cacife ao Poder Executivo Federal para propor, e ao Legislativo para aceitar, pequenos avanços na agenda de reformas.

Em função dessa resistência, não  se reformou a previdência do setor privado ou o processo de elaboração e execução do orçamento federal. Para piorar, foram tomadas medidas fiscais em direção contrária, das quais se destacam a aceleração dos reajustes do salário mínimo (que tem grande impacto na despesa da previdência) e a vinculação das despesas em saúde ao ritmo de crescimento do PIB (Emenda Constitucional nº 29, de 2000). O apelo eleitoral desse tipo de medida é evidente.

Naquele momento a carga tributária ainda não era tão elevada. Em 1998, por exemplo, estava na casa de 27% do PIB. Por isso, havia espaço para fazer o ajuste fiscal via aumento de receitas. E assim se fez, com a criação de novos tributos e a majoração dos antigos, para dar conta do crescimento acelerado da despesa. Para a classe política era mais fácil dispersar o custo entre todos os contribuintes do país, do que comprar brigas com grupos organizados que defendiam seu quinhão no orçamento. Ademais, cada aumento de impostos vinha embalado com uma nobre causa a ser atendida: a CPMF era para financiar a saúde, o aumento das contribuições sociais era para financiar as aposentadorias, etc.

Passamos, então, de um regime cronicamente inflacionário (devido ao alto déficit público) para um regime de gastos públicos altos financiados por alta carga tributária. Já não tínhamos mais a hiperinflação, mas a economia não conseguia crescer, sufocada pela alta carga tributária.

Outra característica do nosso ajuste fiscal foi o radical corte nos investimentos públicos. A criação de regras de despesas obrigatórias em diversos setores, como educação, previdência e saúde, não foi acompanhada de regras de despesa mínima em infraestrutura. Estas ficaram expostas a cortes, para que se pudesse ampliar despesas que beneficiavam diretamente grupos bem organizados. A infraestrutura do país tornou-se cada vez mais precária, passando a representar um gargalo adicional para o crescimento econômico.

E o problema não estava só nas contas públicas

O fato de a nossa jovem democracia não ter conseguido construir instituições para conter o poder de influência dos diferentes grupos de interesse (ricos, pobres e de classe média) sobre as decisões públicas criou outros problemas além do desequilíbrio fiscal crônico, que passaram a minar a nossa capacidade de crescimento. Assim como reivindicavam gastos públicos ou benefícios tributários a seu favor, cada um desses grupos organizados também lutava por regulação econômica que protegesse suas rendas. E isso se fazia à custa da eficiência e competitividade da economia, resultando em menor potencial de crescimento.

A indústria conseguiu influenciar a política comercial do país, mantendo altas barreiras à entrada de produtos estrangeiros. Isso diminuiu a entrada de novas tecnologias no país, reduzindo o ritmo de inovação e de ganho de produtividade. Ademais, deu sobrevida a empresas ineficientes que, não tendo que competir com estrangeiros, conseguiram se manter vivas. Essas empresas utilizam recursos produtivos (mão de obra, capital, financiamentos) que poderiam ser mais bem empregados em empresas mais produtivas, gerando mais renda e produto.

Os sindicatos de empregados de empresa do setor formal conseguiram manter regras trabalhistas rígidas, que garantem benefícios a quem está empregado, mas que induzem as empresas a contratar menos. Assim, tais benefícios têm, como contrapartida, perdas para os trabalhadores que não conseguem emprego formal, e se mantêm no setor informal, sem acesso aos benefícios. Com regras trabalhistas rígidas, as empresas não têm flexibilidade para se ajustar a variações no ritmo da economia. Muitas, para evitar entrar no radar dos órgãos de fiscalização, optam por se manter pequenas, sem registrar seus trabalhadores. Perde-se oportunidade para que empresas talentosas cresçam, pois empresas informais não têm acesso a crédito e têm poucos incentivos a treinar seus trabalhadores. Mais uma vez, prejudica-se o crescimento econômico.

Os servidores públicos e seus sindicatos, com crescente influência, conseguiram obter ou manter diversos benefícios para as diferentes categorias, colocando em segundo plano o interesse dos usuários de serviços públicos. Greves intermináveis, nunca punidas com demissões ou desconto de remuneração, passaram a paralisar escolas, universidades, policiamento, vigilância sanitária, justiça e serviços de saúde. Os serviços públicos terceirizados, em uma comunhão de interesses das empresas concessionárias e de seus empregados, passaram a paralisar frequentemente os transportes públicos, a coleta de lixo e serviços funerários.

A justiça morosa sempre beneficiava quem tinha mais tempo e dinheiro para ingressar em juízo e manter causas de longa duração. O respeito aos contratos, em tal situação, fica ameaçado, o que desestimula investimentos.

Em função dessas dificuldades, o país navegou, entre 1994 e 2003, com baixa capacidade de crescimento, mas com estabilidade de preços, garantido pelo ajuste fiscal precário, baseado em aumentos de impostos.

As sucessivas crises externas, associadas a esse equilíbrio instável das contas públicas, infraestrutura deficiente e regulação econômica ineficiente, não abriam muito espaço para o crescimento.

E o ajuste fiscal necessário não se concretizava

Nos primeiros anos do novo século já estava clara a necessidade de reformas que mudassem o padrão de crescimento do gasto público. Projeções de especialistas em previdência social mostravam que os sistemas dos servidores públicos e do setor privado estavam em rota de déficit crescente. Os gastos em programas sociais cresciam de forma acelerada. A rigidez da despesa com pessoal, saúde e educação também aumentava. O processo de elaboração do orçamento era frágil: as receitas superestimadas, as despesas subestimadas e o controle fiscal feito “na boca do caixa”. Tornou-se lugar comum a frase segundo a qual “o orçamento público, no Brasil, é uma peça de ficção”.

Ou seja, mais de uma década atrás já era evidente que o regime fiscal brasileiro não seria sustentável no longo prazo. Obviamente, a carga tributária não poderia crescer para sempre, pois chegaria um momento em que sufocaria os contribuintes e as possibilidades de crescimento econômico e da própria receita. A crônica falta de investimento em infraestrutura reduzia o potencial de crescimento do PIB e da receita pública. Enquanto isso a despesa crescia, sempre a taxas superiores ao PIB, como pode ser visto no gráfico abaixo. Em 2001, já havia rompido, no caso específico do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), a barreira dos 15% do PIB. Tudo isso projetava um futuro em que a dívida pública cresceria mais que o PIB e, em algum momento, se tornaria impagável.

Gráfico 1 – Despesa Primária do Governo Central: 1997-2014 (% do PIB)

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Chegamos, então, a 2002 com um regime fiscal capenga e insustentável. A associação desse fato com a eleição de Lula para a Presidência da República desencadeou um movimento de temor sobre qual seria a política econômica do PT. O passado recente de oposição à Lei de Responsabilidade Fiscal, às reformas da previdência e a toda e qualquer medida de controle de gastos indicava que se teria um governo populista, que aceleraria o ritmo de deterioração das contas públicas. Em função desse temor, houve fuga de capitais e, mais uma vez, o país se viu em uma crise de balanço de pagamentos, sem dólares para pagar os compromissos externos do governo e das empresas privadas. A cotação do dólar ultrapassou a marca dos R$ 4,00 e  a inflação acelerou-se: nos três últimos meses de 2002 o IPCA acumulou 6,5%, equivalente a uma taxa anualizada de 29%.

Ao tomar posse em meio a forte crise econômica, o Presidente Lula surpreendeu e adotou um conjunto de medidas de ajuste fiscal que confrontava todo o discurso oposicionista do PT. Mandou para o Congresso e aprovou, ainda que de forma mitigada, uma reforma da previdência do setor privado (Emendas Constitucionais nº 41/2003 e nº 47/2005). Controlou com mão de ferro as despesas não obrigatórias e os reajustes do funcionalismo público. Manteve a escalada da carga tributária. Ou seja, intensificou o padrão de equilíbrio fiscal do governo anterior: algumas reformas, supressão do investimento público e elevação da carga tributária.

Assim como no caso do Governo FHC, não conseguiu abrir mão de políticas de alto retorno eleitoral, como os aumentos reais para o salário mínimo. Tampouco reformou o frágil processo orçamentário. O controle da despesa continuava na boca do caixa, a base de “decretos de contingenciamento”. Obteve-se alguma melhoria na qualidade do gasto público ao se reformar um conjunto de programas sociais, criando-se o Bolsa Família.

Outras reformas, fora da área fiscal, foram realizadas com o objetivo de aumentar a eficiência da economia. Destaquem-se a Lei de Falências, a introdução do sistema de crédito consignado e a melhoria das garantias em operação de crédito, facilitando a execução de garantias. Isso melhorou o ambiente de negócios e estimulou o crédito e o investimento.

Já se começava a discutir o aprofundamento das reformas fiscais, visando zerar o déficit público. Aí veio o Mensalão…

O Mensalão e o Maná que Caiu do Céu

Essa orientação de política econômica duraria pouco. Em 2005 estourou o escândalo do Mensalão e a popularidade do Presidente Lula caiu fortemente, ameaçando a sua reeleição. Para costurar uma nova rede de apoio político, o Presidente deu uma guinada na política fiscal. Os cofres públicos foram abertos e generosos aumentos de remuneração foram concedidos a praticamente todas as carreiras do funcionalismo federal. Foram ampliadas as verbas públicas destinadas à UNE, aos sindicatos e confederações de trabalhadores, às universidades, aos estados e municípios, às emendas parlamentares, às campanhas publicitárias do governo.

Tudo indicava que teríamos uma recaída fiscal e voltaríamos para o padrão de crises cíclicas. Porém um fenômeno externo veio em socorro ao Brasil. O forte crescimento da economia chinesa elevou a demanda por commodities no mercado internacional. Os preços de nossos produtos de exportação, como minério de ferro e soja, cresceram sobremaneira. Do final de 2002 até o final de 2010 o preço médio das exportações brasileiras, em dólares, subiu 146%, enquanto o das importações cresceu apenas 85%. Um “maná vindo dos céus” (ou melhor, da China) aumentou fortemente as receitas de exportações e barateou as nossas compras de produtos industrializados – produzidos, em sua maioria, na própria China.

O Brasil, assim como todos os demais exportadores de commodities do mundo e, em especial, da América Latina, passou a acumular grandes superávits comerciais. As reservas internacionais cresceram. O fantasma da crise cambial foi afastado. O aumento de renda nacional decorrente das exportações a preços elevados se traduziu em ganhos de arrecadação de tributos. A receita do Governo Federal passou a crescer a inacreditáveis 7% ao ano, em termos reais. O desemprego caiu. A criação de regimes tributários simplificados estimulou a formalização do emprego, o que contribuiu para melhoria das contas da previdência.

Paralelamente, havia um excesso de liquidez no mercado financeiro internacional. Investidores estrangeiros passaram a aplicar seus recursos nos países emergentes. O Brasil, com boas perspectivas econômicas e uma taxa de juros atraente, passou a ser destino preferencial. Essa entrada de poupança externa, somada às melhorias institucionais no mercado interno de crédito, ajudou na forte expansão dos financiamentos de imóveis e bens de consumo.

Essa lufada de boas notícias afastou o inferno astral político do Presidente Lula, que recobrou a sua popularidade e se reelegeu. O ambiente de bonança abriu espaço para que o PT finalmente adotasse os seus ideais históricos de política econômica, baseados na crença de que é possível estimular o crescimento econômico através de um governo grande, que tenha ingerência nas decisões dos agentes privados, para orientar o mercado em direção ao crescimento.

O governo tomou como sendo permanente o ganho de renda proporcionado pelo boom de commodities. Qualquer pessoa que já gastou trinta segundos olhando um gráfico da evolução histórica da cotação de commodities sabe que esse mercado se caracteriza por alternar períodos de alta e de baixa, com a transição de um para outro se dando de forma abrupta. No entanto, a crença era de que a melhoria do quadro econômico era consequência da política interna, nada tendo a ver com o presente vindo da China. Assim, não havia que temer qualquer reversão do quadro externo.

A ordem, agora, era estimular a economia, acelerando-se o gasto público. Trocou-se a equipe econômica e criou-se, em 2007, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), baseado no desarquivamento de projetos de investimento do setor público e de empresas estatais, que passaram a ter prioridade e não seriam contabilizados como despesa pública para fins de apuração do déficit público.

Esse mecanismo de não contabilizar investimentos como desepesas, para fins de apuração do déficit público, havia sido instituído anteriormente, a partir de um acordo com o FMI. Nesse acordo criou-se o Programa Piloto de Investimentos (PPI), no qual alguns projetos, previamente selecionados com base em sua qualidade e retorno econômico, ganhavam esse privilégio. A ideia era que bons projetos de infraestrutura tendem a acelerar o crescimento e, com isso, melhorar as contas fiscais no longo prazo.

Com o advento do PAC, generalizou-se a prática de retirar os investimentos do cálculo do déficit. Não importava se os projetos fossem antigos e de baixa qualidade, tampouco se teriam algum impacto econômico relevante. Subverteu-se, portanto, um mecanismo que, se fosse usado com temperança, poderia ajudar a melhorar a infraestrutura e o crescimento econômico.

Não havia foco, nem prioridade nos investimentos: tudo teria que ser feito ao mesmo tempo. Certamente o Brasil precisava ampliar seus investimentos públicos, após décadas de supressão desses gastos em nome do equilíbrio fiscal. Mas fazê-lo dessa forma dificilmente colaboraria para melhorar a eficiência da economia.

Em 2006 o Brasil foi escolhido para ser a sede da Copa do Mundo de 2014. Em 2007 candidatou-se para sediar os jogos Olímpicos. Duas empreitadas de vulto, que exigiriam fortes investimentos em arenas esportivas, previsíveis elefantes brancos de alto custo de construção e manutenção.

A primeira rodada de aumentos reais de remuneração dos servidores públicos, ocorrida em 2006, desencadeou um movimento de reivindicação por parte das carreiras inicialmente não contempladas. Houve aumentos generalizados e os servidores nunca ganharam tanto. Em 2007, os gastos primários do governo central, retratados no gráfico 1 acima, já se aproximavam dos 17% do PIB, quase dois pontos percentuais acima do nível de 2005. Mas não se via problema nisso, pois a receita estava “bombando” e a carga tributária, reforçada pelos aumentos de impostos do período 2002-2004 e pelo crescimento da base de arrecadação, já chegava a 33,2% do PIB.

Os erros de política econômica que agravaram os problemas estruturais

Em 2008 eclodiu a crise no mercado financeiro norte-americano, com a quebra do banco Lehman Brothers. A atividade econômica mundial caiu fortemente e isso, obviamente, teve consequências sobre o Brasil. No ano de 2009 o PIB brasileiro caiu 0,23%. A equipe econômica decidiu, então, que precisava fazer uma “política anticíclica”: aumentar os gastos públicos e reduzir tributos para estimular o consumo e reativar a economia.

Política anticíclica é, por definição, algo passageiro: expande-se o gasto apenas enquanto a economia está precisando de incentivos. À medida que a economia sai da crise, e a capacidade ociosa das indústrias diminui, o governo deve retirar os estímulos.

Porém, a política anticíclica aqui adotada aumentou gastos difíceis de reverter posteriormente, como, por exemplo, a remuneração do funcionalismo e o salário mínimo. E as desonerações tributárias, que poderiam ser revertidas, não o foram em função da pressão política de seus beneficiários. Tornaram-se, isso sim, definitivas, mediante a edição de uma medida provisória posteriormente convertida na Lei nº 13.043, de 2014.

Já em 2010 a economia apresentava forte crescimento, mas os estímulos fiscais não foram retirados. Na verdade, o boom de commodities continuava intenso, pois a China manteve elevado ritmo de crescimento e continuou fortemente compradora no mercado internacional, apesar da crise que afetava os EUA e a Europa.

A partir de 2011, animado com o elevado crescimento de 2010 (que nada mais foi que a recuperação da queda de 2009 e não o prenúncio de um novo patamar de crescimento), a política anticíclica transmutou-se em um conjunto de medidas que veio a ser batizado de “Nova Matriz Econômica”.

Essa “nova” política consistia em forte intervenção governamental na economia visando estimular o investimento privado e o consumo. A ideia básica era de que, havendo mais consumo, as empresas se interessariam em investir e produzir mais. Ao mesmo tempo, se os investimentos fossem incentivados e subsidiados, o ciclo se fecharia, com as empresas ampliando investimentos e produção. A taxa de crescimento se aceleraria. Não seria preciso se preocupar com equilíbrio fiscal, pois o crescimento decorrente da política de estímulos faria a receita pública crescer e fechar as contas do governo.

Também fazia parte do cardápio a redução da taxa de juros básica da economia. Considerada pelos gestores da política econômica como instrumento ineficiente de controle da inflação, ela precisaria ser reduzida para diminuir os custos financeiros das empresas e dos consumidores. A queda dos juros no mercado internacional, em função da crise financeira de 2008, parecia uma oportunidade e tanto para baixar as taxas domésticas.

Outro pressuposto da Nova Matriz era de que o governo sabia melhor do que as empresas quais seriam os bons investimentos para o país. Partia-se do pressuposto de que era preciso proteger e subsidiar as empresas nacionais, para que novos setores produtivos, escolhidos pelo governo, florescessem no país e/ou se tornassem multinacionais de sucesso. Com isso, deixaríamos de ser um simples exportador de commodities e agregaríamos valor à produção nacional.

Essa política estava baseada em diagnósticos errados. Sua pressuposição básica era de que o aumento do consumo das famílias e do governo desencadearia imediato aumento dos investimentos e, consequentemente, do crescimento econômico. Porém, entre o aumento do consumo e a ampliação da capacidade produtiva há grandes obstáculos: o país tem sérios problemas de infraestrutura; o custo do trabalho subiu muito desde o início do século (aumento do salário mínimo e redução da oferta de trabalho decorrente de mudança na composição etária da população); os trabalhadores têm baixa qualificação; fornecedores não conseguem ofertar insumos de qualidade e no prazo demandado (em função da política de proteção e exigência de conteúdo local); a justiça é lenta e o cumprimento dos contratos sistematicamente desrespeitado; há um excesso de burocracia para se abrir e gerir uma empresa; as regras trabalhistas são rígidas; as regras tributárias complexas e requerem alto custo para serem cumpridas. Ou seja, produzir no Brasil é caro, arriscado e não resulta em produtos de qualidade.

Ademais, há uma inconsistência entre aumentar o déficit público e aumentar o investimento privado ao mesmo tempo. Ambos são financiados pela poupança agregada da economia. Se o déficit público aumenta, o seu financiamento (a venda de títulos pelo Tesouro) vai absorver uma parcela maior da poupança disponível, sobrando menos recursos para financiar o investimento privado.

É verdade que podemos recorrer à poupança externa. Mas a entrada de capital externo acaba gerando um excesso de dólares na economia, valorizando o real. Quando o câmbio se valoriza, a indústria nacional fica menos competitiva em relação aos produtos importados. O aumento do consumo, em vez de estimular mais produção doméstica, vai estimular mais importações. E foi o que ocorreu. Apesar de todo discurso de incentivo ao investimento da indústria nacional, essa teve a sua participação no PIB sistematicamente encolhida nos últimos anos. Em 2010 ela estava na faixa de 15% do PIB, chegando a apenas 11% em 2014.

Não bastasse isso, é preciso reconhecer que, entre o aumento do consumo e a ampliação da produção, existe um hiato de tempo, no qual as empresas precisam constatar que o consumo subiu, acreditar que isso é permanente, tomar a decisão de investir e, finalmente, construir e começar a operar as novas unidades produtivas.

Por todos os motivos acima, apesar dos estímulos e desonerações fiscais, a indústria não conseguiu suprir a expansão do consumo. Os ganhos de renda, advindos da expansão fiscal e da bonança no comércio exterior, levaram ao aumento do consumo de bens importados, dada a incapacidade da indústria em prover bens com preço e qualidade capazes de concorrer com os produtores internacionais. Viajar a Miami, para comprar pela metade do preço, virou esporte nacional.

Ao mesmo tempo, os ganhos de renda elevaram o consumo de serviços (construção e reforma, serviços pessoais, refeições fora de casa). Como esses serviços não podem ser importados, os produtores nacionais não enfrentam concorrência externa, e o aumento de demanda elevou seus preços. Isso teve impacto sobre a inflação e sobre a competitividade da indústria: a absorção de mão de obra pelo setor de serviços aumentou os salários de equilíbrio em toda a economia, reduzindo a margem de lucro da indústria. Aumentou, também, o custo de outros serviços consumidos pela indústria, como alugueis, logística, consultoria e fretes.  Ainda que houvesse incentivo fiscal ao investimento, a menor margem de lucro e a baixa eficiência não permitiam à indústria vislumbrar oportunidades de negócios. Ademais, o crédito barato não era para todos, mas apenas para os escolhidos do Governo.

A redução da taxa Selic “na marra” levou ao descontrole da inflação. Ficou evidente mais um erro de diagnóstico: uma política monetária prudente tem sim efeito sobre a taxa de inflação. A atuação sobre os juros não se fez apenas via taxa básica. Houve determinação política para que os bancos públicos reduzissem os juros cobrados em suas operações de crédito e expandissem os seus empréstimos. A ideia era de que isso acirraria a concorrência com os bancos privados e os induziria a reduzir os juros de seus financiamentos. Na prática, os bancos privados não entraram nessa disputa. A carteira de crédito de instituições públicas, como Caixa Econômica e Banco do Brasil, se expandiu e perdeu qualidade (aumento do risco de inadimplência). O custo dessa maior inadimplência já aparece nas perdas provisionadas por esses bancos e, cedo ou tarde, virará gasto público, quando o Tesouro for chamado a fazer um aumento de capital para compensar as perdas. Criou-se um “esqueleto fiscal” a ser pago no futuro. Como, aliás, já aconteceu em diversos momentos da história do país.

O subsídio ao crédito teve sua expressão máxima nos empréstimos subsidiados do Tesouro Nacional ao BNDES, em montante que atingiu inacreditáveis 10% do PIB. A ideia, mais uma vez, era conceder crédito subsidiado a empresas e estimular o investimento. Ocorre que, para emprestar ao BNDES, o Tesouro tem que tomar emprestado dos poupadores nacionais. Afinal, o Tesouro é deficitário e não tem dinheiro sobrando para emprestar a ninguém. Ao tomar dinheiro em mercado, o Tesouro tirou a oportunidade de que aquele dinheiro fosse emprestado por outros bancos a outros tomadores. Ou seja, os créditos criados via BNDES não eram créditos novos dentro da economia. Eram simples realocações da poupança privada, em que o Governo decidiu, via BNDES, escolher quem receberia os créditos, na suposição de que o Governo tem mais capacidade que o mercado para alocar o crédito de forma eficiente.

Há pelo menos dois problemas nessa política. Primeiro, o crédito não é concedido aos melhores projetos (aqueles que têm mais chance de sucesso e de gerar crescimento econômico), mas sim aos projetos que têm maior conexão política. Segundo, o subsídio embutido no crédito aumenta o déficit público e, com isso, a pressão do Tesouro para se financiar no mercado, reduzindo a poupança disponível para financiar outros investimentos. A taxa de juros (preço da poupança disponível) sobe, prejudicando a viabilidade de todos os outros projetos que não têm acesso a juros subsidiados.

Efeito similar tiveram as diversas medidas de proteção das empresas nacionais. A cadeia produtiva de óleo e gás, por exemplo, foi submetida a crescentes exigências de compra de insumos fabricados internamente. Houve grandes estímulos para a instalação de estaleiros em território nacional. Isso se traduziu em insumos mais caros, de pior qualidade e entregues fora do prazo. E tudo isso bancado por mais subsídios públicos. Também daí decorrem baixa produtividade e redução da capacidade de crescimento.

Sempre que o Governo tenta proteger um dos elos da cadeia produtiva (por exemplo, a indústria naval), ele desprotege o elo seguinte (produção de petróleo), pelo simples fato de que obrigará esse setor a comprar insumos mais caros e piores. Não é possível proteger todos os setores da economia nacional ao mesmo tempo. A menos que importemos o modelo econômico da Coréia do Norte.

Numa demonstração de que o controle fiscal era secundário e que o importante era estimular a empresa nacional, a Lei de Licitações foi alterada, para permitir aos órgãos públicos pagar até 25% a mais nas licitações, quando o ofertante fosse empresa nacional. A aquisição de medicamentos pelo SUS deixou de ter como objetivo único atender as necessidades dos pacientes. Acoplou-se a ela uma política industrial de produção de medicamentos nacionais, mantida a base de fortes subsídios públicos, que, obviamente, consumiam recursos que poderiam ir para o atendimento final dos pacientes. Aguardemos para ver os resultados em termos da expansão da tecnologia e da capacidade nacional para produzir medicamentos…

Não menos problemática foi tentativa de induzir a Vale (empresa privada, mas com grande participação de entidades estatais) a investir no beneficiamento de minério (atividade de baixo retorno e excesso de produção internacional) em vez de se concentrar na mais lucrativa atividade de exploração e exportação de minério. A Petrobras fez uma série de maus negócios, desde compra de refinaria a preço superfaturado até construção de refinarias sem viabilidade econômica. Tudo a título de migrar da exploração de recursos naturais para atividades supostamente mais sofisticadas.

No conjunto de interferências equivocadas no processo produtivo merece destaque a mudança do marco regulatório do petróleo. A título de extrair maiores rendas de petróleo para o governo, e reduzir o lucro das petroleiras, foi proposta a mudança do regime de concessão (que vinha funcionando bem) para o regime de partilha (ver mais sobre esse tópico aqui). Aproveitou-se para estabelecer uma reserva de mercado para a Petrobrás, que seria a operadora única dos campos e sócia obrigatória, com pelo menos 30% do capital em cada campo.

A discussão do novo marco regulatório paralisou o setor. Foram quatro anos sem novas licitações para exploração de petróleo. Bilhões de reais de investimentos deixaram de ser feitos, em um período em que o preço do barril superava os US$ 100 e, portanto, as petroleiras estavam dispostas a dar lances elevados pelas concessões. Agora, com o petróleo a US$ 50, o interesse por investir nos campos (de alto custo) do pré-sal caíram bastante. Enquanto o Brasil gastava quatro anos discutindo as regras do pré-sal, o desregulamentado mercado dos Estados Unidos viu florescer o óleo de xisto, tornando-se o maior produtor de petróleo do mundo.

Ademais, a reserva de mercado concedida à Petrobrás se tornou um veneno para a empresa. Endividada, em função de inúmeros investimentos equivocados, interferência governamental e má governança decorrente de corrupção, a empresa não tem capital para participar com 30% de todo o capital da exploração do pré-sal. Por conta disso, atrasa-se ainda mais o cronograma de investimentos do setor, freando o crescimento econômico.

Ainda no setor de combustíveis, destaca-se o congelamento do preço da gasolina. A medida teve por objetivo controlar, “na marra”, a expansão da inflação, após o equívoco em se tentar controlar, “na marra”, a taxa de juros fixada pelo Banco Central. Ou seja, lançou-se mão de uma medida errada (o controle de preços), para corrigir outra medida errada (o controle dos juros). Os efeitos não se compensaram: somaram-se a amplificaram seus efeitos negativos sobre a economia. Como diz o velho ditado: um erro não justifica o outro.

De fato, a intervenção teve diversos efeitos negativos. Em primeiro lugar, arruinou as finanças da Petrobras, que foi obrigada a importar gasolina a um preço mais alto do que vendia no mercado interno (o que também prejudicou o balanço de pagamentos). Em segundo lugar, inviabilizou todo o setor de produção de etanol, que ficou menos competitivo em relação à gasolina, levando usinas à falência. Em terceiro lugar, criou uma inflação reprimida, que os agentes econômicos sabiam que iria aparecer (como de fato apareceu) em 2015, no momento em que se permitisse um reajuste corretivo dos preços: as expectativas inflacionárias ficaram mais rígidas, exigindo política monetária mais restritiva.

A expressão mais evidente do fracasso do novo marco regulatório do petróleo foi o leilão do megacampo de Libra, em 2013. Com reservas estimadas entre 8 e 12 bilhões de barris, o maior campo já licitado no Brasil e um dos maiores do mundo obteve o interesse de apenas um consórcio, que o arrematou pelo preço mínimo. O que gerou esse resultado pífio foram as regras de exploração, que espantaram os potenciais investidores.

No setor elétrico, a intervenção do governo não foi mais feliz. Às vésperas de um período seco, com os reservatórios das hidrelétricas em nível crítico, foi decretada uma redução de tarifas de energia. Estimulou-se o consumo quando se sabia que a oferta não daria conta de maior demanda. O risco de racionamento elevou-se e só não se concretizou porque a economia entrou em recessão e o consumo caiu. Mas não escapamos de uma correção de preços que, em poucos meses, aumentou em 50% a tarifa de energia.

O desarranjo no setor elétrico foi além do problema das tarifas. Uma medida provisória (MP 579) buscou induzir as geradoras de energia a dar desconto no valor da energia produzida. Para tanto, prometia a renovação antecipada das concessões que estavam para vencer nos próximos anos. As geradoras ligadas à Eletrobrás foram induzidas a aceitar o acordo e tiveram perdas de receitas (criando mais “esqueleto fiscal” a ser transferido para o Tesouro no futuro). Outras importantes geradoras não aceitaram o acordo. O seu suprimento de energia deixou de ser vendido em contratos de longo prazo, a crise de abastecimento se agravou e os preços explodiram. Para quem desejava reduzir o custo da energia, o governo conseguiu um belo resultado, porém com o sinal trocado!

A tão necessária recuperação da infraestrutura não escapou do equivocado pressuposto de que o governo conhece e pode mais que as empresas e o mercado. Ao mesmo tempo em que ofereceu ao setor privado a oportunidade de construir e administrar concessões de estradas e aeroportos, o governo decidiu tabelar o lucro máximo que essas empresa poderiam obter. A ideia era fornecer infraestrutura barata para que os usuários pudessem deslocar sua produção a baixo custo e as famílias não fossem oneradas pelos custos de pedágio. Ocorre que esse tabelamento de lucros atraiu empresas de baixa qualidade para a gestão das estradas, inviabilizou a concessão de outras tantas rodovias e diminuiu a concorrência nas concessões aeroportuárias.

Ainda no setor aeroportuário, a insistência em manter forte intervenção governamental, por meio da participação da Infraero como sócia de todos os consórcios, reduziu a agilidade dos consórcios administradores e onerou o erário, uma vez que a Infraero tem que participar com 49% (sua participação no negócio) de todo o custo de investimento na reformulação e ampliação dos aeroportos.

Outra conta que foi jogada para o contribuinte, no âmbito das concessões, foi o subsídio creditício dado nos financiamentos aos consórcios vencedores. Para que a tarifa aos usuários não fosse elevada, dava-se crédito barato aos concessionários. Ou seja, a conta que o usuário dos serviços (eletricidade, rodovias e aeroportos) não pagava, era repassada ao contribuinte. Mais despesa pública em um país com as contas estressadas.

Não menos desastrada foi a política de desoneração da mão de obra. Com o intuito de reduzir os custos das empresas, substituiu-se a base de cálculo da contribuição para a previdência social. Em vez de se calcular a tributação com base na remuneração de cada empregado, passou-se a calculá-la com base no faturamento das empresas. O resultado imediato foi a indução de contratação de mais mão de obra, pois agora a inclusão de mais empregados na firma não aumentava o custo de contribuição previdenciária. Para um mesmo nível de faturamento, não importava se a empresa tinha 10 ou 100 funcionários, a contribuição seria a mesma. Mas isso foi feito em um momento em que o país estava em pleno emprego. Estimular a contratação em uma situação como essa significa induzir aumentos de salários, pois a demanda por mão de obra cresce e a oferta de mão de obra não acompanha, pois há poucos desempregados buscando colocação. Em vez de reduzir custo das empresas, a medida representou aumento salarial: mais uma estocada na capacidade competitiva das empresas frente aos concorrentes externos, que também gerou perdas substanciais de arrecadação tributária.   (em outro artigo há mais detalhes sobre isso).

A falsa sensação de que o Brasil estava engrenando um longo período de crescimento (criada pela renda extra vinda de fora, sob a forma de altos preços e alta demanda por commodities e pelo dinheiro barato circulando no mercado financeiro internacional) levou a grande relaxamento da política fiscal. Um país que, como vimos, permaneceu por  décadas na corda bamba do déficit, equilibrando-se à base de aumento de carga tributária e cortes de investimentos, de repente descobriu-se sem restrições fiscais. Na educação, por exemplo, os gastos federais aumentaram de R$ 14 bilhões em 2004 para R$ 94 bilhões em 2014: um crescimento real de 294%! (mais sobre esses números aqui)

Como um contágio da baixa responsabilidade fiscal, o Governo Federal passou a estimular os estados e municípios a se endividar. Estes aproveitaram a oportunidade para expandir suas folhas de pagamento.

Em suma, houve uma primeira guinada de política econômica em 2005-2006, motivada pelo Mensalão e custeada pelo boom de commodities. Em seguida estabeleceu-se uma política de expansão fiscal com o pretexto de se fazer política anticíclica, posteriormente transformada em “Nova Matriz Econômica”. Tal “matriz”, além de aprofundar a lassidão fiscal, introduziu novos elementos que prejudicariam o bom funcionamento da economia e sua capacidade de crescimento: escolha pelo governo dos setores a serem estimulados, proteção a empresas nacionais ineficientes, interferência na estratégia de investimento das grandes empresas, congelamento de preços de insumos básicos (energia elétrica e gasolina), relaxamento da política monetária, paralisia das licitações de campos de petróleo, elevação do risco de racionamento de energia elétrica e aumento do risco regulatório (a hiperatividade do governo, interferindo em vários mercados, tornava as empresas receosas de investir).

Esses efeitos negativos, contudo, não foram sentidos de imediato. O aumento da renda real, o baixo desemprego, a expansão do consumo ajudada pelo crédito barato, as estatísticas de redução da pobreza e da desigualdade, tudo isso fazia a população crer que seu nível de vida havia mudado definitivamente para melhor.

Como uma cigarra feliz, o Governo Federal estimulou os brasileiros a consumir com vontade toda a renda extra que veio dos ganhos do boom de commodities e do crédito barato vindo do exterior. Impossível não chamar a Nova Matriz Econômica pelo seu nome verdadeiro: “populismo”.

Em 2013 a maré baixou e os problemas começaram a aparecer

Em 2013 o ritmo de crescimento da economia chinesa começou a diminuir. Os mercados de commodities esfriaram. A atividade econômica no Brasil sentiu o baque e os problemas acumulados com os erros da nova matriz, somados à nossa histórica fragilidade fiscal e aos demais problemas estruturais, passaram a cobrar seu preço: o nível de endividamento dos consumidores brecou a expansão do consumo; a escalada da inflação corroeu a renda; acabou o dinheiro que estava bancando o crescimento  insustentável dos gastos primários; os subsídios creditícios dados pelo Tesouro elevaram a dívida bruta e o seu custo; a queda do preço do petróleo somou-se aos escândalos de corrupção e ao previsível fracasso dos produtores nacionais de equipamentos de exploração, colocando a Petrobras na berlinda; as expectativas se deterioraram; as desonerações fiscais ajudaram a derrubar a receita pública e ampliaram o déficit.

O governo passou a maquiar as contas para esconder o déficit, deteriorando ainda mais a confiança e as expectativas dos agentes econômicos em relação à consistência da política econômica. O gráfico abaixo mostra como o resultado primário despencou em 2014. Isso sinaliza para um rápido crescimento da dívida pública e descontrole da inflação.

Gráfico 2 – Resultado Primário do Governo Federal

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O Banco Central, que perdeu credibilidade ao baixar os juros e deixar a inflação escapar da meta, está se defrontando com taxas na casa de 10% ao ano. Para recobrar a credibilidade e fazer as pessoas acreditarem que pretende trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% ao ano, ele precisa “comprar credibilidade”, e o faz com uma elevação de juros bem mais forte do que a que seria necessária caso os agentes econômicos não tivessem perdido a fé nas intenções da Autoridade Monetária. A recessão necessária para colocar os preços nos eixos terá que ser maior.

Diversos programas públicos estão sendo reduzidos ou extintos pela simples falta de dinheiro. Vedetes da propaganda oficial, como Fies, Pronatec, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa Melhor e Ciência sem Fronteira estão encolhendo. Mas os desafios fiscais não param. A elevação da inflação fará com que os reajustes futuros do salário mínimo, corrigidos pelos índices passados mais o crescimento real do PIB, sejam altos, realimentando os gastos públicos e a pressão sobre as empresas.

Apesar da evidente crise fiscal, sucessivos aumentos de gastos presentes e futuros têm sido aprovados, com destaque para a meta de se gastar 10% do PIB na área de educação, a fixação de um piso para o gasto em saúde equivalente a 15% da receita corrente líquida da União, a obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares ao orçamento, a substituição do fator previdenciário por critérios mais frouxos de acesso a aposentadorias.

A sociedade brasileira e as lideranças políticas parecem ter se acostumado com os anos recentes, em que a receita pública crescia a 7% ao ano, e não conseguem se adaptar à nova realidade, em que a receita está caindo em termos reais.

As agências de avaliação de risco já sinalizaram o iminente rebaixamento da nota de crédito do país. Esse rebaixamento iminente já está expresso nas elevadas taxas de juros cobrados de empresas e governos brasileiros que buscam crédito no exterior. Quando consumado, o rebaixamento fechará o acesso do país a recursos de fundos de investimento internacionais, cujos estatutos proíbem investimentos em países sem qualificação de crédito. A tendência será a desvalorização adicional do real, mais pressão inflacionária e maior dificuldade para equilibrar o balanço de pagamentos.

Só não vamos para uma crise clássica, de falta de liquidez para pagar nossos compromissos externos, porque acumulamos mais de US$ 350 bilhões em reservas internacionais. Entretanto, o uso extensivo de swaps cambiais está aumentando a exposição do governo ao risco cambial, bem como o custo de manutenção das reservas. Em um cenário de stress, o Banco Central pode ser obrigado a vender parte substancial das reservas, aproximando-nos de uma clássica crise de balanço de pagamentos.

Como toda política populista, a “nova matriz” era inconsistente e termina em crise. Tivemos a oportunidade de usar o período do boom de commodities para fazer reformas fiscais e regulatórias que removeriam fragilidades e entraves ao crescimento da economia. Preferimos a fórmula fácil de torrar a renda extra pela via do gasto público em políticas questionáveis ou de eficiência não comprovada, além de multiplicar o crédito subsidiado.

Temos problemas estruturais, que vêm de longe e precedem a política econômica dos últimos oito anos. Mas esta, sem dúvida, agravou em muito os fundamentos da economia brasileira.

Feita essa longa digressão, estamos em condições de discutir indagações que frequentemente surgem nesse momento de crise e de mudança de rota da política econômica. No próximo post será apresentado um F.A.Q. da crise.

 

O autor agradece os comentários de Alexandre Rocha, Paulo Springer de Freitas e Pedro Fernando Nery, isentando-os de responsabilidade por erros eventualmente contidos no texto.

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O crescimento de longo prazo da economia brasileira tem sido satisfatório? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1837&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-crescimento-de-longo-prazo-da-economia-brasileira-tem-sido-satisfatorio https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1837#comments Mon, 13 May 2013 14:42:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1837 A economia brasileira teve um mau desempenho em termos de crescimento econômico nos últimos 25 anos. O Gráfico 1 mostra a taxa anual de crescimento da renda per capita, cuja média foi de apenas 1,4% ao ano. O Gráfico também mostra quão volátil tem sido o crescimento: em 10 dos 26 anos ali mostrados o crescimento foi negativo ou nulo.

Para anos mais recentes o gráfico mostra uma taxa média de crescimento um pouco mais alta: 2,8% ao ano para o período 2004-2012. Essa pode ser considerada uma época de ouro para o comércio internacional brasileiro (2004-2008), pois os preços das commodities exportadas pelo país subiram bastante, o que abriu maior possibilidade de crescimento para o país, financiado por ganhos nos termos de troca internacionais. Em 2009 a crise econômica mundial teve impacto sobre o ritmo da economia nacional. Mas como o governo afrouxou as políticas monetária e fiscal, e o mercado internacional de commodities se recuperou rapidamente, houve forte recuperação em 2010. Porém, em 2011 e 2012, apesar da continuidade dos estímulos governamentais, houve um retorno para o padrão de baixo crescimento, apesar de o país ainda  poder contar com um cenário externo bastante favorável em termos de preços de commodities e disponibilidade de crédito.

Quão ruim é o desempenho brasileiro quando comparado com outros países? O Gráfico 2 apresenta a taxa média de crescimento da renda per capita brasileira no período 1985-2010, comparando-a com outros 27 países. Por abarcar um período de 26 anos, pode-se considerar essa taxa como sendo o crescimento de longo-prazo das economias consideradas.

O conjunto de países escolhidos para essa comparação é bastante representativo, pois inclui: vizinhos latino-americanos; alguns países asiáticos que são conhecidos casos de sucesso em termos de crescimento econômico; um país asiático que não tem sido tão bem sucedido

quanto seus vizinhos (Filipinas); membros do grupo conhecido como BRICs1; um país desenvolvido que, assim como o Brasil, é altamente dependente da exportação de commodities (Austrália); economias emergentes da Europa que foram afetadas pela crise iniciada em 2008 (Portugal, Espanha e Irlanda) e outros países de renda média relevantes (Turquia, Polônia e Egito).

É fácil verificar que o desempenho do Brasil não é satisfatório. Sua taxa de crescimento é bem inferior à média do grupo (representada pela linha horizontal). Se, por exemplo, o Brasil tivesse crescido no mesmo ritmo da Costa Rica (1,9% ao ano), durante os 26 anos considerados no gráfico, o PIB nacional seria hoje 17% maior.

Ainda que consideremos apenas o melhor período de crescimento do Brasil (2004-2010), o país não fica em uma posição de destaque. Esse exercício é feito no Gráfico 3.  Para o período 2004-2010, Espanha, Portugal e Irlanda, fortemente afetados pela crise do Euro, puxam para baixo o crescimento médio do grupo de países. Mas isso não é suficiente para que o Brasil fique acima da média. É importante frisar esse ponto: tomamos o período mais favorável para a economia brasileira, que é um período em que alguns países estavam sob forte crise; apesar dessa comparação enviesada, a taxa de crescimento do Brasil ainda continua abaixo da média.

Para criar um viés ainda mais forte a favor do Brasil, podemos tirar a China e a Índia do grupo de comparação, pois esses são os dois países de maior crescimento, e que puxam a média do grupo para cima. Mesmo nesse caso a média do grupo (3.0%) ainda é um pouco superior à média brasileira (2.9%).

Fica claro, portanto, que a taxa de crescimento de longo prazo da economia brasileira, desde meados dos anos 80, tem sido decepcionante. Não se pode responsabilizar a crise econômica internacional, iniciada em 2008, por esse desempenho medíocre. Como visto acima, desde muito antes da crise, o crescimento já deixava a desejar. As causas do baixo crescimento não são externas, mas sim inerentes à nossa própria economia. Entre elas podem-se citar: carga tributária excessiva, baixa poupança do setor público, infraestrutura precária, baixo nível educacional da população, alta proteção à indústria nacional, fragilidade de instituições capazes de garantir o cumprimento dos contratos comerciais e proteger a justa concorrência (judiciário, agências reguladoras) e legislação trabalhista ultrapassada.

__________________

1 A sigla BRIC refere-se a Brasil, Rússia, Índia e China. Mais recentemente a África do Sul tem sido incluída no grupo. O termo foi criado por Jim O’Neil, um executivo do grupo Goldman Sachs, para denominar um grupo de países considerado emergente nos cenários político e econômico.

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A Grécia deve abandonar o euro? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1118&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-grecia-deve-abandonar-o-euro https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1118#comments Mon, 12 Mar 2012 13:40:46 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1118 O elevado endividamento do governo grego não é exatamente uma novidade. A expressão “PIGS” (acrônimo dos nomes em inglês de Portugal, Itália, Grécia e Espanha), utilizada para denominar países com finanças públicas desorganizadas do sul da Europa, foi cunhada já nos anos 90. Neste artigo farei uma breve exposição do problema grego e discutirei as duas alternativas que se colocam: a Grécia deve fazer um programa de ajuste sob a supervisão da troika (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu), ou deve abandonar o euro e tentar um caminho sozinha?

De 2000 a 2008, o endividamento grego cresceu sem maiores problemas. Havia grande liquidez no mundo, decorrente, entre outros fatores, de um maior desenvolvimento e integração do sistema financeiro e de um forte aumento da poupança asiática (em especial, da China), que disponibilizou mais recursos para empréstimos.

A introdução do euro, em 2002, também contribuiu para o endividamento. Em primeiro lugar porque a perspectiva de maior integração europeia significava maior perspectiva de crescimento. Além disso, a moeda única reduzia custos de transação e, sobretudo, o risco cambial, permitindo reduzir as taxas cobradas. Por fim, também contribuiu uma euforia do mercado financeiro, que não enxergou corretamente os riscos que estavam incorrendo, ou conheciam bem os riscos, mas acreditavam que os demais governos da eurozona não deixariam um país quebrar.

A crise financeira internacional já apresentou alguns sinais em 2007, mas se tornou evidente com a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008. A recessão global que se seguiu atingiu fortemente a Grécia, entre outros motivos, porque uma de suas principais indústrias, a do turismo, é particularmente sensível a variações do PIB. O governo grego, assim como o de diversos outros países, tentou amenizar os impactos da crise fazendo uma política fiscal expansionista, seja gastando mais, seja reduzindo os impostos. Isso fez com que a dívida grega se acelerasse, passando de cerca de 105% do PIB em 2008 para 145% em 2010. Para se ter uma base de comparação, a relação dívida/PIB dos países da Zona do Euro passou de 70% para 85% no período.

Diante da forte deterioração fiscal, a Grécia fez um plano de austeridade e, em maio de 2010, fechou o primeiro acordo com o FMI e União Europeia, no valor de € 110 bilhões. Isso, entretanto, não foi suficiente para equilibrar suas finanças. Em verdade, a política de austeridade posta em vigor pode ter até deteriorado as finanças gregas, pois fez cair a arrecadação de tributos e não foi suficiente para restabelecer a confiança do setor privado na economia.

Ao longo de 2011 foram feitas várias negociações, que culminaram, em fevereiro de 2012, com um acordo em que a Grécia se comprometeria a cumprir um novo programa de ajustamento. Em troca, receberia empréstimos de € 130 bilhões, e os credores privados aceitariam um desconto de 53% no valor dos títulos. Esse acordo permitirá que a relação dívida/PIB grega convirja dos atuais 160% para 120% em 2020.

Está longe de haver um consenso de qual é a melhor opção para a Grécia. As principais posições antagônicas são entre a Grécia abandonar o euro e dar um calote generalizado ou fazer o programa de ajuste imposto pela troika.

Há algumas vantagens em participar do programa de ajuste. Em primeiro lugar, institucionaliza-se o default parcial sobre os títulos (a redução de 53% no valor de face da dívida), reduzindo a probabilidade de contestações judiciais. Em segundo lugar, os empréstimos darão ao país um colchão de liquidez, reduzindo a probabilidade de insolvência no curto e médio prazos.

Por outro lado, manter-se na Zona do Euro traz todos os problemas associados à regimes de câmbio fixo em países em situação de desequilíbrio fiscal e de balanço de pagamentos. A Grécia vem apresentando constantes déficits em transações correntes. No início dos anos 2000, esse déficit já era da ordem de 7% do PIB. Com a crise de 2008, o déficit aumentou, superando 14% do PIB em 2009 e, mesmo tendo se reduzido, situou-se acima de 10% do PIB em 2011.

O déficit em transações correntes corresponde à poupança externa que está sendo injetada no país. Não há país em crise que consiga financiamento de 10% de seu PIB, principalmente após o calote parcial que impôs ao setor privado. Daí a importância do empréstimo coordenado pela troika no curto prazo. No médio prazo, entretanto, a Grécia terá de reverter esse déficit em conta corrente, o que necessariamente passa pelo aumento das exportações de bens e serviços, vis a vis as importações.

O aumento da competitividade de um país implica mudança de preços relativos, tornando caros os bens e serviços comercializáveis (ou seja, os bens e serviços que podem ser vendidos para ou comprados do exterior) em relação aos serviços não comercializáveis. Essa mudança de preços relativos reduz a demanda doméstica dos produtos comercializáveis, estimulando as exportações e reduzindo as importações.

Quando o país dispõe de autonomia monetária, pode desvalorizar a moeda e, com isso, conseguir facilmente a mudança de preços relativos (pode haver problemas não desprezíveis nessa transição, que serão discutidos a seguir). Mantendo-se atrelada ao euro, a Grécia não dispõe dessa opção. Na ausência de choques exógenos positivos (por exemplo, recuperação surpreendente da economia europeia, aumentando o fluxo de turistas para o país), há duas formas mais óbvias de se conseguir a mudança de preços relativos.

A primeira é instituir reformas que aumentem a produtividade do país (mais rapidamente do que a dos outros países da área do euro). Um aumento de produtividade permite abaixar os custos. No caso de bens e serviços não comercializáveis, a concorrência deve fazer com que seus preços caiam. Já para os bens e serviços comercializáveis, o preço (em euros) tende a ficar inalterado, pois é formado no mercado internacional.

A outra forma de alterar os preços relativos é por meio de uma forte redução da demanda agregada, ou seja, por meio de uma recessão. Isso reduz a demanda por todos os bens e serviços, comercializáveis ou não. Entretanto, como o preço dos comercializáveis é estabelecido no mercado internacional, ele permanece inalterado. Já o preço dos não comercializáveis tende a cair, gerando a mudança de preços relativos necessária para aumentar a competitividade da economia.

Além dos impactos negativos de uma recessão sobre o bem estar da população decorrentes do aumento do desemprego e/ou da queda de renda, há ainda os impactos fiscais, associados à queda da arrecadação tributária. Ou seja, corre-se o risco de a Grécia entrar em um círculo vicioso, em que um programa de ajuste levaria a uma recessão, que deterioraria a situação fiscal, tornando necessário um ajuste ainda maior. O Brasil viveu situação similar no período 1980-83, quando precisou ajustar-se ao segundo choque do petróleo, ocorrido em 1979.

Apesar do descrito acima, tal programa de ajuste não está fadado ao fracasso. O setor privado poderá voltar a investir se perceber que as medidas de austeridade e que as reformas econômicas serão de fato implementadas  e se estiver ciente de que não haverá crise de liquidez (afinal, a Grécia receberá créditos de centenas de bilhões de euros). Os ganhos de produtividade poderão ser sentidos já no médio prazo (digamos, em três ou quatro anos) e o país pode entrar em um círculo virtuoso, voltando a crescer.

Se, em vez de fazer o programa de ajuste, a Grécia optar por sair do euro, poderá fazer o ajuste de preços relativos com muito mais rapidez, em tese, sem necessidade de recessão bastando, para isso, deixar a sua “nova” moeda se desvalorizar. Mas essa opção não está livre de riscos. O cenário mais provável é de uma forte recessão no curto prazo.

Em primeiro lugar, o abandono do euro sem um programa de apoio obrigaria o país a dar um desconto ainda maior na dívida do que o 53% que está sendo proposto. Afinal, se o governo grego está sem caixa, e se não houver empréstimos de regularização, simplesmente não haverá como pagar os credores. Ademais, a dívida grega continuará a ter o euro como moeda de referência. Com uma moeda nova desvalorizada em relação ao euro, a capacidade de pagamento do país diminui.

O não pagamento da dívida implica o isolamento do governo grego do sistema financeiro (pelo menos no curto prazo), requerendo, a partir daí, que o setor público não incorra mais em déficits. É claro que, caso se recuse a pagar a dívida, as despesas com juros cairiam a zero. Mas há outras despesas governamentais (pessoal, aposentadoria, transferências, etc), e, para não depender de financiamento, a Grécia teria de apresentar resultado primário (isto é, receitas governamentais menos despesas, desconsiderando o pagamento de juros) positivo ou neutro. O resultado primário já melhorou muito, mas, ainda assim, foi deficitário em 2,5% do PIB em 2011. Ou seja, mesmo se sair da Zona do Euro, o governo grego terá de promover ajustes para, no mínimo, zerar o déficit primário.

No curto prazo, a política de desvalorização com default provavelmente terá um impacto mais forte sobre o setor privado. Em primeiro lugar, cerca de 40% da dívida do governo grego está em mãos de investidores domésticos. O não pagamento dessa dívida reduzirá a riqueza do setor privado do país, reduzindo a demanda agregada. Em segundo lugar, porque as empresas gregas que estiverem endividadas em euros (ou em outra divisa) sofrerão um forte desequilíbrio patrimonial: suas dívidas serão aumentadas na proporção da desvalorização da moeda, enquanto que suas receitas (exceto no caso de empresas exportadoras) serão corrigidos pela inflação doméstica, supostamente, mais branda que a desvalorização cambial (se a inflação for maior que a desvalorização do câmbio, o câmbio real não terá se desvalorizado e os desequilíbrios externos do país permanecerão).

Teme-se ainda que a desvalorização da “nova” moeda leve a um aumento da inflação, eventualmente, a uma hiperinflação. Conforme colocado anteriormente, para que o país se torne mais competitivo, é necessária uma mudança de preços relativos, com encarecimento dos bens e serviços comercializáveis. Em tese, é possível que uma desvalorização nominal da moeda seja suficiente para garantir esse ajuste. Considerando, entretanto, haver rigidez salarial e, talvez, alguns mecanismos de indexação (formais ou informais) ao câmbio ou à inflação, o mais comum é a desvalorização cambial trazer um impacto inflacionário. Se houver descontrole fiscal, a probabilidade de explosão inflacionária aumenta consideravelmente.

A hiperinflação não é um cenário a ser descartado nesse caso, embora a experiência brasileira de 1999[1] mostre que é possível desvalorizar a moeda mantendo a inflação sob controle. É necessário, contudo, manter uma postura firme do Banco Central, mantendo os juros altos, e do Tesouro, garantindo, pelo menos, superávit primário. No nosso caso, o acordo em vigor com o FMI e acordos informais, que garantiram a manutenção do fluxo de capitais externos, ajudaram a impedir que o PIB caísse naquele ano, tornando nossa transição relativamente suave. Já na Argentina e México, a transição do regime de câmbio fixo para de câmbio flutuante foi mais traumática, com quedas do PIB da ordem de 6%.

O abandono do euro traz ainda dificuldades de implementação, pois não pode  ser anunciado com antecedência. Do contrário, haverá uma corrida bancária (todos tentarão sacar o máximo possível de euros), com prováveis riscos sistêmicos. Observe-se que a frágil situação fiscal grega dificulta que o governo se envolva em operações de resgate de bancos.

Em um cenário mais catastrófico, uma crise bancária combinada com hiperinflação pode desestruturar o país, levando, inclusive, a convulsões sociais. Já em um cenário benigno, o setor público faria as reformas necessárias e  as exportações gregas rapidamente ganhariam competitividade. Livre de dívidas passadas e com forte (e crível) compromisso de estabilidade financeira, a Grécia voltaria a ter acesso ao crédito e encontraria mais rapidamente (comparativamente à opção do ajuste proposto pela troika) o caminho do crescimento sustentável.

Resumidamente, não há fórmula mágica para a saída da crise grega, assim como não houve solução indolor para as crises cambiais e da dívida dos países latino-americanos. Parece inevitável que a Grécia sofra uma recessão no curto prazo. Também parece inevitável o default, mesmo que parcial. Independentemente da escolha entre ficar ou sair do euro, para recuperar a estabilidade fiscal e  voltar a crescer, o governo grego deverá dar mostras de que é capaz de fazer um ajuste em suas contas e de que está fortemente comprometido com esse ajuste.

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[1] Argentina e México também são exemplos de que é possível abandonar o câmbio fixo sem haver hiperinflação. No caso do México, a inflação subiu para cerca de 50% logo após a desvalorização do peso, em 1995, mas caiu nos anos seguintes.

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Quanto custa ao Brasil manter um elevado nível de reservas internacionais? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=418&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-ao-brasil-manter-um-elevado-nivel-de-reservas-internacionais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=418#comments Mon, 04 Apr 2011 16:51:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=418 O governo brasileiro dispõe atualmente de aproximadamente US$ 300 bilhões de dólares registrados como reservas internacionais no balanço do Banco Central. O acúmulo desse valor se deu pelos sucessivos superávits no comércio internacional (exportações em valores maiores que as importações) e pela entrada de investimentos externos no país.

Quando os dólares entram no país em função das exportações, eles são da propriedade das firmas exportadoras. Quando entram por investimentos em ações, por exemplo, eles pertencem a quem vendeu as ações a investidores internacionais. Quando entram por investimentos em títulos bancários, pertencem aos bancos que venderam tais títulos. Como, então, esses dólares vão parar nas mãos do governo, mais especificamente do Banco Central?

Vão para o Banco Central porque ele compra tais dólares das mãos de seus detentores privados. Em um primeiro momento, essa compra significaria o Banco Central recolher dólares no mercado, e entregar reais. Mas isso implicaria aumentar substancialmente o volume de reais em circulação na economia. Para que esse imenso volume de compras não gere efeitos inflacionários, o próprio Banco Central utiliza títulos de sua carteira para fazer o que se chama tecnicamente de “esterilizar” os efeitos dessa compra de divisas externas. Em resumo, troca títulos por dinheiro. Para levantar os reais necessários à compra dos dólares, o governo aumenta a sua dívida dentro do país.

Se o governo tivesse superávit nas suas contas fiscais (receitas maiores que os gastos públicos) ele até poderia usar esse dinheiro poupado para comprar as reservas. Mas como o governo brasileiro é deficitário, a única forma de comprar dólares é expandindo o seu endividamento.

O governo tem diferentes motivos para acumular reservas em moeda estrangeira. O principal é garantir uma espécie de seguro contra crises internacionais. Quando uma crise interrompe o fluxo de empréstimos em dólares no mercado internacional, os países que não têm uma reserva dessa moeda não podem fazer importações (no caso do Brasil, por exemplo, ninguém aceitaria pagamentos em Reais, pois esta não é uma moeda de circulação internacional). Nos anos 80 e 90 do século passado, por exemplo, por diversas vezes o Brasil viu-se sem dólares e precisou pedir auxílio ao FMI e adotar medidas para lidar com o problema. Tais medidas são sempre custosas: elevação das taxas de juros internas (para atrair investidores internacionais), redução do ritmo de crescimento da economia (para reduzir a demanda por importações e gerar excedentes não consumidos no país a serem exportados), ajuste das contas públicas (para reduzir a necessidade de financiamento externo à dívida do governo).

A importância de dispor de grandes reservas internacionais pode ser vista no impacto da crise de 2009 sobre a economia brasileira. Tendo em vista que não sofremos escassez de dólares, devido ao alto volume de reservas, não foi necessário elevar os juros. Foi possível, inclusive, reduzi-los, para estimular a atividade econômica. A abundância de recursos externos também permitiu ampliar o déficit público, como forma adicional de alavancar a atividade econômica. A própria dívida pública caiu como proporção do PIB, devido à combinação de dois fatores: i) o País, àquela altura, já tinha se tornado um credor líquido em dólares; ii) houve desvalorização do real em relação ao dólar, o que significa que as reservas disponíveis, depositadas em dólares, passaram a valer mais quando avaliadas em reais. Como o valor das reservas (um ativo público) aumentou em reais (mesmo mantendo-se constante em dólares) e é deduzido da dívida pública bruta para se apurar a dívida pública líquida, o resultado final foi uma queda da dívida líquida[1].

Há, portanto, o benefício de não ter sido necessário gastar recursos públicos pagando-se juros mais altos, além do benefício de não ter havido uma redução drástica da atividade econômica (com perda de empregos e renda). Como não houve um choque de juros sobre a dívida pública, o prêmio de risco pago pelas empresas brasileiras que tomam empréstimo no exterior também não cresceu.

Não obstante esses benefícios, é preciso ficar claro que há um custo em se manter elevadas (e crescentes) reservas internacionais no Banco Central.

Deve existir, assim, um ponto em que os custos de carregamento das reservas passem a superar seus benefícios e que determinaria o volume ótimo de reservas. Saber com exatidão os custos das reservas, portanto, é crucial para que o País possa avaliar os custos e benefícios envolvidos na acumulação de reservas. São duas as fontes de custos:

(a) a diferença entre os juros que o governo paga sobre os recursos que tomou emprestados para comprar as reservas (juros sobre a dívida interna) e os juros que rendem as reservas internacionais;

(b) quando o real se valoriza em relação ao dólar, isso significa que as reservas em dólares passaram a valer menos reais, representando uma perda para o Banco Central e para o governo.

Não há estatísticas oficiais regularmente publicadas que apresentem o custo de manutenção das reservas. Aparecem na imprensa, esporadicamente, valores estimados pelo governo e pelas entidades de mercado, que nem sempre têm coincidido.

Em março de 2011 os dirigentes do Banco Central afirmaram[2] que o custo fiscal das reservas internacionais no ano de 2010 teria sido de R$ 26 bilhões.

Tal valor diverge daquele calculado pelo Departamento Econômico do Bradesco, por exemplo, que avaliou esse custo em aproximadamente R$ 46 bilhões[3].

A diferença poderia decorrer do fato de o Banco Central ter estimado apenas os custos descritos no item (a) acima (diferença de juros), não considerando os do item (b) (variações na cotação do real frente ao dólar).  Pode-se justificar esse método de cálculo argumentando que a perda decorrente de valorização do real só seria efetiva se o Banco Central vendesse os dólares. Já que o BC não vendeu dólares no período,  ele não teria realizado o “prejuízo”. No futuro, na ocorrência de apreciação do dólar, essa perda seria revertida.

Mas a diferença de estimativas não decorre desse tipo de procedimento, até porque a citada estimativa do Banco Bradesco também não computa a depreciação do dólar.

A origem da discrepância parece estar no fato de o Banco Central ter utilizado em seu cálculo um custo de financiamento da dívida interna muito baixo, de 7,8% ao ano.

No ano de 2010, a taxa Selic média, segundo dados do próprio Banco Central, foi de 9,8%, o que, por si só, levaria a uma diferença no custo de 2 pontos percentuais ao ano em relação aos 7,8% utilizados no cálculo do custo da reserva.

A posição do BC sobre o custo das reservas foi exposta em matéria da repórter Martha Beck, de O Globo, em 24 de fevereiro:

Segundo o diretor de administração do BC, Anthero Meirelles, o custo de captação de recursos no ano passado foi de 7,76%, enquanto a rentabilidade das reservas ficou em 1,88%. Isso resultou numa diferença de 5,86% que quando aplicada sobre o saldo médio das reservas – de R$ 455 bilhões – resulta num gasto de R$ 26,6 bilhões[4].

Tomando como referência a própria base de cálculo do Banco Central, de R$ 455 bilhões, o custo fiscal adicional decorrente da diferença de 2 pontos percentuais na taxa incidente sobre a dívida interna seria de R$ 9,1 bilhões, o que elevaria o custo total dos R$ 26,6 bilhões para R$ 35,7 bilhões.

Ocorre, entretanto, que esse cálculo pode ainda ser considerado subestimado. O custo da dívida para o Tesouro foi superior à taxa Selic, como demonstra o Anexo 4.2. do Relatório Mensal da Dívida Pública Federal divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Para o mês de dezembro de 2010, o custo da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPFMi) acumulado nos últimos doze meses foi de 11,83%.

Tabela 1. Custo da DPMFi em 2010

Fonte: STN

Com base nesse custo efetivo de captação do Tesouro Nacional, de 11,83%, tomando-se os valores diários das reservas internacionais, e, ainda, considerando-se a rentabilidade das reservas assumida pelo Bacen – 1,9% ao ano – a estimativa de custo fiscal do carregamento das reservas foi de R$ 42,5 bilhões. Muito próximo, portanto, dos R$ 46 bilhões estimados pelo Banco Bradesco.

Assim, o custo fiscal das reservas, sem computar o impacto da desvalorização do dólar ao longo de 2010, ficou no intervalo entre R$ 35,7 bilhões e R$ 42,5 bilhões. No primeiro caso, o custo de captação equivale à taxa Selic; no segundo caso, equivale à taxa média apontada pelo Tesouro Nacional para a DPMFi.

O custo relativo à desvalorização do dólar também pode ser calculado aproximadamente como o somatório das perdas ou ganhos diários decorrentes da desvalorização/valorização do dólar em relação ao saldo de reservas da véspera[5]. Usando essa metodologia, o custo da desvalorização das reservas em 2010 pode ser calculado em R$ 16,9 bilhões.

Desse modo, o custo total – o de diferença de taxas de juros  e o relativo à depreciação do dólar – pode ser estimado entre R$ 52,8 bilhões e R$ 59,4 bilhões.

Seria importante que o Banco Central estabelecesse com clareza a sua metodologia de cálculo do custo fiscal das reservas internacionais e, especialmente, justificasse o uso da taxa de dívida interna utilizada. A publicação regular desses valores, acompanhada da respectiva metodologia de cálculo, seria importante medida de transparência das contas públicas. Todos reconhecem os benefícios das reservas internacionais detidas pelo País. Não faz sentido que haja dúvidas quanto aos seus custos.

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Para ler mais sobre o tema:

Saraiva, B. e Canuto, O. (2009) Vulnerability, exchange rate and international reserves: whither Brazil? Disponível em http://www.roubini.com/latam-monitor/257719/vulnerability_exchange_rate_and_international_reserves_whither_brazil.


[1] A rigor, a queda na taxa internacional de juros que se seguiu à crise fez com que os títulos internacionais aumentaram seu valor, em dólar, o que também contribuiu para o aumento de nossas reservas. Mas esse fator teve impacto secundário na melhora da relação dívida líquida/PIB comparativamente à desvalorização do real.

[2] Declarações prestadas em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado  no dia 22 de março de 2011.

[3] http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/02/24/custo-de-carregamento-das-reservas-internacionais-foi-de-26-6-bi-em-2010-923874889.asp.

[4] Ver fls. 43 e 44 do Balanço do Bacen  em:

http://www.bcb.gov.br/htms/inffina/be201012/Demonstra%E7%F5es%20Financeiras%20Bacen%2031.12.2010.pdf

[5] As reservas não estão totalmente aplicadas em dólar norte-americano, apesar de contabilizadas, na posição diária, nessa moeda. Assim, o estoque considerado para fazer o cálculo da valorização/desvalorização tem uma pequena margem de erro. Como a desvalorização do dólar foi maior do que as demais moedas, a estimativa do custo derivado da desvalorização das reservas – que não é objeto principal de discussão nesse texto – pode estar ligeiramente superestimada.

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