crise – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 22 Sep 2016 11:45:13 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Reduzir a jornada semanal vai recuperar empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2856&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reduzir-a-jornada-semanal-vai-recuperar-empregos Mon, 19 Sep 2016 12:42:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2856 1. Introdução

A redução da jornada semanal de trabalho, sem redução dos salários, é bandeira antiga de atores tão diversos quanto o movimento sindical brasileiro e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)1. Previamente discutida neste blog, a redução de 44 para 40 horas é vista como uma maneira de gerar empregos: limitando o máximo de horas que um empregador pode contratar de um empregado, estaria se obrigando o patrão a contratar mais funcionários para dar conta do trabalho. O debate voltou à tona com o dramático aumento do desemprego e o prelúdio de mudanças na legislação trabalhista, e também com declarações públicas desastrosas que geraram falsos rumores de aumento da jornada diária para 12 horas e até da jornada semanal para 80 horas2. Outro boato falso das redes sociais que fomenta a questão é o de que países como a Suécia estariam reduzindo a jornada diária para apenas 6 horas3.

Este texto revisita o tema, introduzindo o histórico da discussão, os argumentos da teoria econômica e achados de evidências empíricas sobre a questão. Focamos no efeito da redução da jornada semanal sobre o nível de emprego, e não em outros importantes aspectos ligados ao tema, como saúde, segurança do trabalho, mobilidade urbana e qualidade de vida.

 

2. A redução da jornada como medida contra o desemprego

Como é proposta desde os anos 90 pelo movimento sindical brasileiro, existem várias estimativas sobre o aumento de vagas decorrente da redução da jornada semanal de 44 para 40 horas. Em 2004, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que a redução geraria 2,8 milhões de novos postos. Em 2007, a estimativa do órgão era de 2,5 milhões. Mais recentemente, em 2010, a estimativa do Dieese era de 1,7 milhões de novos empregos, enquanto a União Geral dos Trabalhadores (UGT) estimava o número de 2,2 milhões.

Reduções maiores na jornada tiveram efeitos estimados maiores: em 1997, a Força Sindical estimava 4,4 milhões de novos postos com uma redução de 44 para 30 horas, enquanto a Central Única dos Trabalhadores (CUT) previa 3,6 milhões para uma redução de 44 para 32 horas4.

De fato, a redução da jornada semanal é uma bandeira histórica da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Este foi o objeto da sua primeira Convenção, a nº 1, de 1919, que limitava a jornada da época para 48 horas. Com a Grande Depressão de 30, a OIT passa a recomendar a redução da jornada como estratégia contra o desemprego, quando a Convenção nº 47, de 1935, reduzia a jornada para 44 horas semanais.

A Convenção da OIT seguiu os passos do Acordo de Reemprego (PRA) do presidente americano Franklin Delano Roosevelt. Implantado a partir de 1933 no âmbito do New Deal, ele encorajava as empresas a reduzir a jornada de trabalho para 35 horas, com o objetivo de criar demanda por mais empregados, aliviando as consequências da Grande Depressão da década de 30.

 

3. A jornada semanal máxima em países desenvolvidos

Vários países desenvolvidos possuem atualmente jornadas semanais de 40 horas, ou menores, como a proposta para o Brasil (embora alguns mantenham a de 48 horas). Essas informações são apresentadas para países selecionados na Tabela 1, abaixo. Informações para países em desenvolvimento, que possuem jornadas mais longas, serão apresentadas mais adiante.

Tabela 1 – Jornada semanal de trabalho legal máxima – Países desenvolvidos selecionados

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Fonte: Travail Database da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/travail/travmain.sectionChoice?p_structure=. Acesso em: fevereiro de 2016.

 

4. Evidências favoráveis à redução

Apresentamos a seguir algumas evidências que podem ser entendidas como favoráveis à proposta de redução da jornada semanal de 48 para 44 horas no Brasil. Estudo dos professores de economia Gustavo Gonzaga e José Márcio Camargo, da PUC-Rio, e Naércio Menezes-Filho, da USP, buscou isolar o efeito, no emprego, da redução da jornada de 48 para 44 horas e outras mudanças ocorridas com a Constituição de 19885. Contrariamente à previsão da teoria econômica, os pesquisadores não observaram aumento da probabilidade de desemprego por parte dos que estavam empregados, pelo menos em curto prazo. Eles ressaltam, porém, que outras mudanças da Constituição, como o aumento da hora extra, podem ter contribuído para este resultado, bem como o fato da economia brasileira ser na época significativamente mais fechada à competição internacional.

Já estudo de 2012 dos economistas americanos Lonnie Golden, da Universidade do Estado da Pensilvânia, e Stuart Glosser, da Universidade de Wisconsin, encontrou “efeitos positivos líquidos” da redução permanente da jornada no nível de emprego em países europeus6. Os pesquisadores também simularam os efeitos de uma redução na economia americana, concluindo que ela poderia ter “considerável efeito neutralizador” na perda de empregos ocorrida durante a crise econômica dos últimos anos (“Grande Recessão”).

O efeito no referido estudo existiria por “induzir” os empregadores a acelerar contratações previstas, mas que seriam feitas apenas quando a economia se recuperasse. Por isso, os pesquisadores defendem que a medida poderia não só evitar aumento do desemprego durante a crise, mas conseguir uma redução “modesta” da taxa.  O efeito seria mais forte para a manufatura de bens não duráveis (em oposição à manufatura de bens duráveis). Os pesquisadores são contrários a uma redução que gere perdas salariais (argumentando que perdas salariais poderiam reforçar uma contração macroeconômica), mas ressaltam que a reposição integral do salário por parte do empregador seria cara e danosa, subentendendo que deve haver uma perda parcial do salário, ou que a compensação integral deva ser feita pelo governo, e não pelo empregador. Esta é uma marcante diferença da proposta brasileira, que veda a redução salarial, completamente a custo do empregador.

Apresentamos a seguir agora o conjunto de evidências desfavoráveis à mudança.

 

5. Evidências desfavoráveis à redução

Aponta-se que uma redução da jornada por lei, valendo para todos os setores e sem redução salarial, por aumentar em 10% o custo da hora trabalhada, poderia ter os seguintes efeitos adversos:

  1. não gerar emprego na magnitude desejada, caso os empregadores optem por aumentar outros custos face à mudança na produção, em vez de fazer novas contratações (como aumentar horas extras ou investimento em maquinário);
  2. desestimular novas contratações, no médio e longo prazo, que teriam sido feitas caso a redução não ocorresse;
  3. afastar investimentos produtivos do país e contribuir para a desindustrialização, por ser o custo unitário do trabalho (indicador corrigido pela produtividade) significativamente menor em concorrentes do país a nível internacional;
  4. gerar pressão nos preços e comprimir o investimento, caso novas contratações sejam de fato feitas, ou caso outras medidas de aumento de custo sejam tomadas frente à mudança (como o aumento de horas extras); e
  5. provocar demissões, caso a produtividade de um trabalhador em 40 horas não compense remunerá-lo no mesmo nível de 44 horas.

 

Quais efeitos predominam dependeria de cada setor, já que existem diferenças significativas, por exemplo, nos níveis de produtividade; nas possibilidades de substituir o trabalho por maquinário/equipamento; ou no grau de competição externa enfrentada.

A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) − que não segue a composição de outros órgãos da ONU e possui uma organização tripartite, com forte tradição sindical – tem predileção por políticas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), em vez da redução universal da jornada sem redução de salários. Este tipo de política foi considerado “chave” para a OIT na crise mundial dos últimos anos, integrando o seu “Pacto Global para o Emprego”. Programas como PPE se proliferaram nos últimos anos com apoio entusiasmado da organização, inspirados no sucesso do alemão Kurzarbeit.

Ao contrário da redução legal da jornada, a redução de carga horária de programas como o PPE é considerada mais flexível (respeitando diferenças setoriais, por ser a adesão facultativa); menos custosa para quem contrata (já que reposições salariais são feitas pelo governo); e capaz de gerar maior aumento da produtividade (porque, em geral, dão concomitantemente oportunidade de qualificação ao trabalhador que teve a carga horária reduzida).

Entretanto, programas como o PPE objetivam, em verdade, frear as demissões em um período recessivo, e não gerar mais contratações (como a proposta de redução da jornada semanal), sendo temporários, e não permanentes (como a redução da jornada).

A redução da carga horária de 44 para 40 horas sem redução salarial, por implicar em um aumento de 10% no custo por hora trabalhada, tornaria ainda mais elevados os “custos unitários do trabalho” (CUT), que já vinham em alta7. Os CUT são entendidos como o custo médio da mão de obra por unidade produzida, e foram significativamente afetados pelos ganhos salariais reais dos últimos anos sem contrapartida de aumento de produtividade.  A elevação desses custos muito acima da de concorrentes internacionais prejudica setores que enfrentam competição externa.

Gráfico 1 – Custos unitários do trabalho no setor manufatureiro em diversos países – 2000-2015 – Em dólares

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Fonte: The Wall Street Journal, a partir de dados do Boston Consulting Group. Na escala à esquerda, a base 100é o custo nos Estados Unidos.

Legenda: Germany = Alemanha; U.K. = Reino Unido; U.S. = Estados Unidos; Czech Republic = República Tcheca; South Korea = Coreia do Sul; Poland = Polônia; Thailand = Tailândia.

 

Ilustrativamente, conforme o Gráfico 1, acima, os custos unitários do trabalho (CUT)8 dobraram no Brasil entre 2000 e 2015, e estariam, em 2015, no mesmo patamar da Alemanha, muito acima de países ricos como Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Canadá. Mais importante, eles seriam o dobro dos de competidores emergentes como Polônia e China, o triplo dos da Rússia e quatro vezes os do México. Assim, a elevação dos CUT tornaria o emprego no Brasil ainda mais desvantajoso perante seus competidores internacionais, reforçando a tendência do gráfico. Entretanto, cabe observar que esses dados são antecedentes à forte depreciação do real ocorrida em 2015, que aliviou esta tendência.

Cabe ressaltar que a preocupação em relação às dificuldades de competitividade decorrentes dos grandes aumentos dos custos unitários do trabalho (CUT) (ou seja, aumento do custo da mão de obra sem contrapartida de produtividade) é externada inclusive por economistas heterodoxos atuantes no debate de política econômica, como os professores Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP) e José Luis da Costa Oreiro (UFRJ/UnB).

A Tabela 2, abaixo, apresenta dados das jornadas para países em desenvolvimento, significativamente maiores dos que as dos países desenvolvidos apresentadas anteriormente e mesmo que as do Brasil. Ressaltamos que tal comparação não é aqui colocada por ser a jornada destes países, de alguma forma considerada ideal, mas porque se trata de países com renda per capita mais próxima da do Brasil e que competem com o país em vários setores, com custos unitários do trabalho menores, conforme apresentado anteriormente.

Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho legal máxima – Países em desenvolvimento selecionados

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Fonte: Travail Database da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/travail/travmain.sectionChoice?p_structure=. Acesso em: fevereiro de 2016.

 

Nesse sentido, dados de 2011 da OIT indicam que 44% dos países não adotam a carga horária de 40 horas, contra 41% que a adotam, o que vai de encontro a um argumento central da redução da jornada no Brasil, que é o de que “a grande maioria dos países adota as 40 horas. Consoante com a tabela anterior, a OIT aponta que a jornada de 40 horas é adotada predominantemente por países ricos: a taxa é de quase dois terços para os países desenvolvidos, mas de menos de 10% para a América Latina.  Cabe observar, ainda, que é notória a violação da legislação trabalhista em países emergentes, como os do Sudeste Asiático, trazendo dificuldades adicionais de competitividade para a redução da jornada no Brasil sem contrapartida de aumentos de produtividade.

Por fim, um último aspecto que costuma ser levantado em relação à competividade e à jornada de trabalho no Brasil se refere à jornada anual de trabalho. Não apenas os custos unitários do trabalho cresceram no país (custo da mão de obra ajustado pela produtividade), como o Brasil possuiria já uma jornada anual menor, em consequência de adotar mais dias de férias remuneradas em relação aos outros países, como também por possuir, ligeiramente, maior número de feriados pagos.

Complementarmente, o sociólogo José Pastore, especialista em mercado de trabalho, argumenta que os empregadores seriam induzidos a escolher alternativas antes de empregar um novo funcionário, diante dos custos envolvidos (salários, despesas de contratação, treinamento). Estes ajustes incluiriam alterações nos turnos, folgas e férias; na tecnologia; e no uso do capital.  A própria argumentação dos defensores da redução da jornada parece reconhecer este efeito, ao afirmar que jornadas mais reduzidas trariam aumento da produtividade.

Pastore alerta que, além de evitar novas contratações, tais ajustes poderiam ter como consequências adversas, em um segundo momento, o aumento da produtividade e da automação, que reduziriam os empregos diretos. Assim, os referidos ajustes não estariam previstos nas estimativas apresentadas anteriormente de entidades como o Dieese, que seriam demasiado otimistas.

Pastore aponta ainda que, caso de fato haja novas contratações − isto é, caso o empregador não adote as estratégias anteriores (ou elas tenham se exaurido) e também não opte por contratar um empregado informalmente −, pode haver repasses nos preços (alimentando a inflação) ou redução do investimento (que já está baixo, comprometendo o crescimento da economia, e do emprego, no futuro).

Adicionalmente, Pastore, aponta alguns empecilhos para esta hipótese (de que a proposta de redução da jornada tenha efeitos do nível de emprego): a invisibilidade do trabalho; a necessidade de qualificação do empregado adicional para fazer o trabalho antes executados por outros trabalhadores; e ajustes nas instalações.

Segundo o sociólogo, reduções da jornada na França, em 1982 (de 40 para 39 horas) e em 2000 (de 39 para 35), − que inspiraram propostas no Brasil – teriam sido seguidas por aumento de desemprego. As mudanças teriam sido seguidas ainda por alterações em turnos; remanejamentos e determinações rígidas de férias; e encurtamento de descanso, especialmente na indústria, o que tornou a alteração impopular entre os trabalhadores do setor. Finalmente, em janeiro de 2016, o governo do Partido Socialista começou a reverter a jornada de 35 horas por conta de dificuldades com a competitividade da economia9. Tal movimento também estaria ocorrendo em outros países da União Europeia, para evitar transferências de empreendimentos para o leste europeu.

 

6. Alternativas

Diante deste quadro, José Pastore sugere que a redução na jornada no Brasil siga exemplos bem-sucedidos pelo mundo, que permitem a redução da jornada por negociação, não por norma legal imposta a todos os setores. No Brasil, tal possibilidade decorre do art. 7º, inciso XIII da Constituição, que faculta a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Para Pastore, investimento e educação continuam sendo as melhores políticas para emprego. Em se tratando de medidas legislativas de combate ao desemprego, o sociólogo argumenta que elas deveriam estar voltadas para a redução das despesas de encargos sobre a folha; contratos mais flexíveis e inovações (como contratos especiais para jovens, o SIMPLES trabalhista e a controversa terceirização).

Já os professores Gustavo Gonzaga e José Márcio Camargo (PUC-Rio) e Naércio Menezes-Filho (USP) propõem uma alternativa (no mesmo sentido da proposta aqui analisada) de aumentar o volume de emprego, reduzir a jornada, manter os mesmos salários, mas sem afetar o custo total do trabalho para o empregador. Tal alternativa consistiria em reduzir, concomitante à redução da jornada, o custo fixo do emprego (como número de dias pagos e não trabalhados) e aumentar o adicional pago por horas-extras.

O governo, por sua vez, tem demonstrado a intenção de ampliar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), estendendo seu prazo ou tornando-o permanente, permitindo sua adoção em todos os setores da economia.  Entretanto, como os custos da manutenção parcial do salário do empregado ficam por conta do governo, o aumento do PPE pressiona ainda mais as contas do Estado, em um momento em que o próprio governo prescreve o ajuste fiscal como solução para o crescimento da economia.

 

7. Considerações finais

A teoria econômica prevê que um aumento do custo do trabalho − como o da redução da jornada em 10% (de 44 para 40 horas) – seria prejudicial ao emprego. Dois efeitos se somariam: o “efeito substituição” (estímulo a troca de trabalhador por capital) e o “efeito escala” (aumento de custos que deprime a produção em um primeiro momento, e, por isso, o emprego em um segundo momento).

Reconhecendo que a redução da jornada sem redução salarial tem dificuldades em dar incentivos econômicos para o aumento do emprego, o presidente americano Franklin D. Roosevelt, quando adotou essa mesma medida durante a Grande Depressão dos anos 30, justificou a redução da jornada sob argumentos não-econômicos. Roosevelt fez um chamamento, pedindo “aos empregadores da nação” que participassem de “pacto em nome do patriotismo e da humanidade” para reduzir o desemprego e sair da crise. Trata-se certamente de tema sensível, que traz à superfície uma série de tensões da relação capital-trabalho, mas que terá de ser inevitavelmente debatido enquanto a sociedade busca saídas para a face mais cruel da crise: o desemprego.

______________

1 http://www.euquero40horas.org.br/.

2 Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1811894-ministerio-do-trabalho-faz-acao-em-redes-sociais-para-esclarecer-fala-de-ministro.shtml e http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2016/07/1,91848/presidente-da-cni-robson-braga-de-andrade-jamais-defendeu-aumento-da-jornada-de-trabalho.html.

3 Em verdade, o que existe por hora são experimentos, financiados pelo governo, ou iniciativas privadas, e não uma imposição legal valendo para todo o país. Segundo a OIT, a jornada semanal legal é de 40 horas, e não de 30. Ver, entre outros: http://www.nytimes.com/2016/05/21/business/international/in-sweden-an-experiment-turns-shorter-workdays-into-bigger-gains.html?_r=0

4 Não está claro, porém, se a metodologia dessas estimativas seguiram as melhores práticas estatísticas ou se apenas aplicam, linearmente, a percentagem de redução das horas no estoque de trabalhadores empregados.

5 GONZAGA, G.; MENEZES FILHO, N. A.; CAMARGO, J, M. Os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988. Revista Brasileira de Economia, v. 57, nº 2, 2003.

6 GOLDEN, L.; GLOSSER, S; Work Sharing as a Potential Policy Tool for Creating More and Better Employment: A Review of the Evidence. In: MESSENGER, J.; GHOSHEH, N. Work Sharing: New Developments during the Great Recession and Beyond. Edward Elgar Publishing e International Labour Organization (ILO), 2012. 

7 Em verdade, o aumento de custos seria superior a 10% porque há custos fixos na remuneração da mão de obra, como vale-transporte, auxílio alimentação, creches (por exemplo, o custo de manter uma creche é o mesmo se as funcionárias trabalharem 40 ou 44 horas semanais), além de alguns custos de monitoramento e de recursos humanos.

8 Especificamente, a medida aqui analisada é o “custo da hora trabalhada, controlado para produtividade na manufatura”, em dólares.

9 France reviews its 35-hour working week. The Telegraph, 25 de janeiro de 2016. Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/france/12120927/France-reviews-its-35-hour-working-week.html.

 

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A desvalorização do real será suficiente para tirar o Brasil da crise? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2813&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desvalorizacao-do-real-sera-suficiente-para-tirar-o-brasil-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2813#comments Mon, 04 Jul 2016 12:35:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2813 A se confirmarem as expectativas, o biênio 2015/16 trará uma queda acumulada do PIB de 7,5%, ou quase 10% em termos per capita. Em que pese mudanças de metodologia ao longo do tempo, esta será, certamente, a maior retração da economia brasileira, no mínimo, no período Pós-Guerra. Há uma crise de confiança, que vem impedindo a economia de reagir: desconfiança em relação à sustentabilidade das contas públicas, à evolução da inflação e ao apoio político que o presidente (seja o presidente interino, seja a presidente afastada) conseguirá obter.

Em grande parte decorrente dessa crise de confiança (sem ignorar problemas externos), houve significativa depreciação do real nos últimos anos: entre o primeiro semestre de 2014 (cotação média de R$ 2,30) e os primeiros cinco meses de 2016 (cotação média de R$ 3,70), o real depreciou-se em mais de 60%. Será que essa mudança de preços relativos será capaz de estimular nossa economia e tirar o País da crise?

Vários analistas acreditam que sim. Segundo esse argumento, há uma capacidade ociosa decorrente de escassez de demanda. A depreciação cambial torna nossas exportações mais competitivas, bem como incentiva a produção de nossa indústria substituidora de importações. O aumento da produção industrial irá, aos poucos, aumentando o nível de emprego, gerando renda que se reverterá em consumo, estimulando outras atividades, até que a economia retorne aos trilhos do crescimento.

Entendemos que esse raciocínio esteja correto até certo ponto. Concordamos que o câmbio poderá contribuir para ocupar a capacidade ociosa atualmente existente. Mas, além de fricções importantes, no longo prazo, o atual modelo de econômico, que gera baixa poupança, é incompatível com câmbio depreciado e altas taxas de crescimento. Seguem os argumentos.

Em primeiro lugar, conforme frequentemente divulgado1, o Brasil é muito fechado, de forma que o setor externo, mesmo crescendo bastante, teria pouca capacidade de alavancar a economia como um todo. Seria como esperar que o rabo abanasse o cachorro. Há também fatores conjunturais que podem dificultar o avanço de nossas exportações, como o menor crescimento do comércio internacional observado nos últimos anos.

O maior problema que vemos, contudo, é que a recuperação da atividade teria de vir via indústria. Temos dois grandes setores exportadores. Um é o produtor de commodities, no qual temos vantagens comparativas. Uma depreciação cambial certamente contribuirá para aumentar as exportações do agronegócio, mas, em larga medida, esse impacto tende a ser de menor importância. Mesmo porque, nossa taxa de câmbio é fortemente influenciada pelo preço internacional de commodities, de forma que há uma correlação negativa entre esse preço e o valor do real. Assim como a apreciação cambial de meados da década passada até o início desta foi, em parte, causada pelo boom de commodities, a depreciação recente também está associada à deterioração de nossos termos de troca (sem prejuízo do impacto causado por erros da política econômica). Dessa forma, o preço em reais recebido pelos exportadores de commodities tende a flutuar bem menos do que a taxa de câmbio.

O outro setor com potencial de exportação é a indústria de transformação. Em nosso entendimento, o principal obstáculo para que a depreciação cambial leve ao crescimento sustentável da economia é o fato de o Brasil adotar um modelo de baixa poupança, que impõe sérios limites ao crescimento da indústria de transformação.

Não iremos discutir aqui por que nossa taxa de poupança é baixa, mas cabe mostrar os principais números2. Em 2015, a taxa de poupança doméstica (que constitui a soma da poupança do governo e com a do setor privado) atingiu o mínimo da década, 14,4% do PIB. Desde 2010, a maior taxa observada ocorreu em 2011, quando atingiu 18,5% do PIB3. Para se ter uma base de comparação, de acordo com o World Economic Outlook de abril de 2016, publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2015, a taxa média de poupança dos países emergentes foi de 31,4%. Na América Latina era de 17,6%4 e, na Ásia emergente, de 41,5%, não por acaso, a região que cresce mais rapidamente no mundo!

É possível que, superadas algumas rigidezes de curto prazo, a indústria de transformação cresça, ocupando a capacidade ociosa existente. Mas, uma vez que a economia passe a operar com plena capacidade, as perspectivas de crescimento são mínimas. Uma economia de baixa poupança implica baixo nível de investimento para a economia como um todo. Mostraremos agora que isso é particularmente verdadeiro para a indústria de transformação.

Para entender porque o modelo pró-consumo/baixa poupança tende a desestimular investimentos, devemos observar o movimento dos preços relativos. Quando os gastos da economia superam a sua produção, a única forma de atender ao excesso de demanda é importando. Havendo condições externas favoráveis (leia-se, com o mundo disposto a financiar o Brasil), os preços relativos se movimentam na direção de garantir que o real se valorize, tornando as importações mais baratas. A apreciação do real se dá por meio de mudança nos preços relativos entre bens comercializáveis – chamaremos, para simplificar, de bens industriais – e de não comercializáveis, que chamaremos, também para simplificar, de serviços. Não trataremos aqui do setor produtor de commodities5, que também são comercializáveis, porque, conforme já comentamos, o Brasil apresenta enormes vantagens comparativas em sua produção, de forma que, mesmo havendo apreciação da taxa de câmbio, o País permanece competitivo e mantém elevados níveis de exportação.

Se a demanda aumenta além da capacidade de oferta da economia, a tendência é o preço dos serviços subir mais rapidamente do que o da indústria. Afinal, por não serem comercializáveis, os serviços não sofrem concorrência externa. Quando o preço dos serviços sobe (em relação ao dos bens industriais), os fatores produtivos se dirigem para o setor, fazendo com que sua participação no PIB aumente, à custa da participação da indústria de transformação. O Gráfico 1 mostra a evolução dos preços relativos (mensurada pela relação entre o deflator implícito da indústria de transformação/deflator implícito do setor serviços) e a participação da indústria de transformação no PIB.

Gráfico 1: Evolução da participação da indústria de transformação no PIB e de seu preço relativo, 2001 a 2015.

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Entendemos que a direção de causalidade vai no sentido de variação dos preços relativos alterar a participação da indústria no PIB. Portanto, para entender o atual (fraco) desempenho da indústria de transformação, é importante ver como os preços relativos evoluíram nos anos recentes e por quê.

A queda dos preços relativos a partir de 2011 decorre da política de expansão de gastos e da baixa taxa de poupança, em um contexto de forte liquidez internacional de capitais, que viabilizaram o déficit crescente no balanço de pagamentos.         Conforme o Gráfico 2 mostra, o período de forte queda de preços relativos, entre 2010 e 2014, foi acompanhado de aumento substancial no déficit em transações correntes.

Gráfico 2: Saldo em transações correntes (em USD milhões) e preço relativo da indústria de transformação (base 2010 = 100), 2000 a 2015.

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O movimento de alteração de preços relativos se reverteu em 2015. Entretanto, conforme mostrou o Gráfico 1, a indústria de transformação ainda não reagiu e continuou vendo reduzir sua participação no PIB. Não seria de se esperar que, com a depreciação cambial, a indústria de transformação reagisse?

A resposta seria afirmativa se a depreciação cambial implicasse mudança de preços relativos. Em verdade, a relação de preços comercializáveis/não comercializáveis é a mensuração correta da taxa de câmbio, se o objetivo é avaliar as condições de competitividade da indústria. O Gráfico 2 mostrou que houve, de fato, uma pequena melhora nos preços relativos em 2015 (3,5%), mas foi substancialmente inferior à depreciação cambial (acima de 30%, em termos nominais, comparando média de um ano em relação ao ano anterior, ou de quase 20%, quando se deduz, da depreciação nominal, a inflação medida pelo IPCA)6.

Esse comportamento dos preços relativos é, em certa medida surpreendente, porque, para uma economia sem imperfeições de mercado, o preço dos bens comercializáveis deveria se igualar ao preço internacional convertido na moeda doméstica. Com a forte depreciação cambial ocorrida, deveríamos esperar, portanto, que o preço dos produtos industriais se elevasse fortemente em relação ao dos serviços. Como isso não ocorreu, ou seja, como a inflação dos produtos industriais foi bem mais baixa do que a depreciação cambial, podemos concluir que esse setor não é tão comercializável como se poderia supor a priori. Há fricções que impedem o ajuste dos preços domésticos.

Essas fricções podem decorrer de vários fatores. As empresas podem ter “desaprendido” a exportar. Ao contrário do setor de commodities, que fornece um bem homogêneo, a indústria precisa convencer seus potenciais compradores que seu produto é melhor do que o do concorrente. Muitas vezes a exportação só é viabilizada se vier acompanhada de financiamento, o que está muito difícil diante da atual conjuntura, com dificuldade de ampliação dos créditos do BNDES e elevação do risco Brasil, que encarece o empréstimo de empresas brasileiras no exterior. É também necessário organizar a logística, que envolve não somente os contratos de transportes, seguros, etc, como também lidar com as burocracias, do Brasil e do país importador.

Outros fatores que vêm impedindo a retomada da produção industrial para exportação incluem a depreciação cambial que também alcançou nossos vizinhos latino-americanos (ainda que em menor escala do que o Brasil), importantes importadores de nossa indústria. Adicionalmente, há evidências anedóticas de que algumas empresas estavam com estoques elevados ou que estavam presas por contratos de importação em vigor quando se iniciou esse ciclo de depreciação do Real. Essas empresas estariam reduzindo os estoques, mas, em função da crise econômica, esse processo está mais lento do que o esperado. A crise, portanto, tem dificultado a alteração de preços relativos por meio de dois canais: dificuldade para redução de estoques e dificuldade para repassar o aumento de custos para os consumidores.

Por fim, o processo de sucateamento pela qual passou a indústria nacional nos últimos anos traz consequências mais fortes para o futuro, além daquela já mencionada de terem desaprendido a exportar. Aumentar a produção para exportar requer investimentos, e ninguém quer investir diante do clima de insegurança que existe, tanto em relação à capacidade de o governo pagar a dívida, quanto em relação à política monetária. O fortalecimento do dólar pode vir a ser acompanhado de aumentos da inflação, em uma escalada inflacionária como a da década de 1980, que anula a depreciação do câmbio real ocorrida nos últimos dois anos.

Dessa forma, nossas perspectivas para o setor exportador, em particular para a indústria, é que há espaço para crescimento no médio prazo, à medida que algumas fricções sejam suavizadas e que se ocupe a capacidade ociosa. Com ou sem escalada inflacionária, o mundo está menos disposto a financiar o Brasil, o que significa que, por um bom horizonte, deveremos nos adaptar a conviver com déficits em transações correntes mais baixos. Isso implica real mais depreciado.

Somos, entretanto, céticos em relação à possibilidade de o setor exportador puxar a economia, permitindo-a sair da recessão e atingir novos patamares de crescimento, a exemplo do que ocorre no Leste Asiático. Sem alterações profundas nas contas públicas ou no comportamento do setor privado, que levem à maior taxa de poupança, o crescimento concomitante da indústria de transformação e das exportações é contraditório. Para a indústria (e o país) crescer, é necessário investir. Com baixa taxa de poupança doméstica, o investimento somente será viabilizado com déficits substanciais em conta corrente. Mesmo que o mundo esteja disposto a financiar perenemente tais déficits, eles somente ocorrerão se houver uma mudança de preços relativos em favor dos bens não comercializáveis, ou seja, em detrimento da indústria. Mas, sem preços relativos favoráveis, a indústria não será competitiva, e não poderá crescer.

Sendo assim, o máximo que se pode esperar da atual depreciação cambial é que ela permitirá que a indústria cresça no curto prazo, ocupando a capacidade ociosa existente. Uma vez ocupada, a tendência será o país voltar a crescer às taxas medíocres que vinha crescendo antes da crise, entre 0% e 2%, que é uma estimativa para o nosso PIB potencial.

Apesar de ser de difícil mensuração, há evidências muito fortes de que a taxa de crescimento do PIB potencial está abaixo de 2%. O ano de 2014 foi emblemático para corroborar essa conclusão: o País já vinha de períodos de crescimento medíocre (o crescimento anual médio no primeiro governo Dilma foi de 2,2%); a Utilização da Capacidade Instalada, medida pela Fundação Getúlio Vargas, situou-se acima da média histórica (83,3% ante 81,6%); a taxa de desemprego atingiu o mínimo histórico em dezembro daquele ano (4,3%); e o País se encontrava em vias de sofrer racionamento de água e energia. Ou seja, os fatores de produção estavam plenamente ocupados e, ainda assim, a economia cresceu apenas 0,1% em 2014. Esse resultado, aparentemente paradoxal, só pode ser explicado se a taxa de crescimento potencial da economia for igualmente baixa.

Dessa forma, a retomada das exportações pode ajudar o País a ocupar a atual capacidade ociosa. Mas isso significa voltar a crescer a taxas medíocres, de até 2% ao ano. Para que o País possa crescer a taxas mais elevadas de forma sustentável, será necessário implementar reformas estruturais que alterem o modelo econômico atualmente adotado, na direção de aumento da poupança pública e de menor intervenção no setor privado.

 

Este artigo é um resumo da seção final do capítulo intitulado “A crise atual: razões e perspectivas de recuperação via ajuste cambial”, publicado no livro “O Dia do Juízo Fiscal”, que também contou com a co-autoria de Marcos José Mendes. O livro foi apresentado no Fórum Nacional, patrocinado pelo Instituto Nacional de Altos Estudos, em maio de 2016, no Rio de Janeiro, e está disponível para download em http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/

 

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1 Ver http://www.dgabc.com.br/Noticia/1554042/setor-externo-tem-pouco-potencial-como-alavanca-do-pib-diz-economista-da-fgv e http://exame.abril.com.br/economia/noticias/com-dolar-tao-alto-as-exportacoes-podem-salvar-o-brasil. Esses textos mencionam outros aspectos que podem reduzir o impacto do câmbio sobre a recuperação da economia, como a depreciação de outras moedas frente ao dólar.

2 O leitor interessado poderá ler o artigo original.

3 O IBGE revisa frequentemente as estatísticas do PIB e, para a taxa de poupança, apresenta dados que retroagem somente até 2010. Segundo as estatísticas mais recentes, do 1º trimestre de 2016, a taxa de poupança em 2011 havia sido de 18,5% do PIB.

4 Esse valor está influenciado pela baixa taxa de poupança brasileira. Se supusermos que nosso PIB corresponde a cerca de 30% do PIB latino-americano, a taxa de poupança do continente seria em torno de 19%, se excluirmos o Brasil.

5 Em verdade, parte importante das commodities é formada por bens industrializados ou semi-industrializados, como o aço, farelo de soja, açúcar e o suco de laranja.

6 Esse resultado é robusto para outras mensurações de preços relativos, por exemplo, inflação dos comercializáveis/inflação dos não comercializáveis.

 

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