Crescimento Econômico – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Poupança cai e também estimula o PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3680&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=poupanca-cai-e-tambem-estimula-o-pib Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3680 Poupança cai e também estimula o PIB

Maiores saques das cadernetas tiveram efeito expansivo sobre o Produto Interno Bruto, principalmente em 2022.

 

Por Roberto Macedo*

 

No ano mais crítico da pandemia de Covid-19, 2020, a captação líquida (depósitos menos retiradas) das cadernetas de poupança, conforme dados do Banco Central, foi recorde, atingindo R$ 166 bilhões no ano, e pela primeira vez o saldo final das contas superou R$ 1 trilhão. Isso resultou de três fatores principais. A pandemia levou muitos consumidores à reclusão doméstica, indo menos às compras de bens e serviços e recorrendo também ao comércio eletrônico, mesmo que em menor escala. Atuou, ainda, o efeito precaução, que expande a poupança em face de incertezas quanto ao que virá à frente. E veio o auxílio que o governo passou a pagar, parte do qual foi poupado nas cadernetas.

Nesse contexto, em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,9%. Em 2021, passou à recuperação, crescendo 4,6%, os consumidores começaram a voltar às compras e a captação líquida da poupança foi negativa em R$ 35,5 bilhões. Em 2022 esse movimento se acentuou, e até agosto a captação líquida negativa foi de R$ 85,2 bilhões, em razão do que no mesmo mês o saldo final caiu abaixo de R$ 1 trilhão – e só não caiu mais em razão do crédito de rendimentos, que o Banco Central não inclui na avaliação da captação líquida. Em agosto, esse crédito alcançou um total de R$ 6,6 bilhões.

Com isso, o crescimento do PIB se ampliou e as previsões de sua taxa de crescimento anual, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente com estimativas de analistas do mercado financeiro, passaram de 0,28%, na primeira edição de janeiro, para 2,75%, na última de setembro.

O governo Bolsonaro vem apregoando que esse resultado decorre de suas políticas econômica e social, mas parece-me que o maior efeito veio do retorno da população às compras de bens e serviços.

A mais recente ampliação dos benefícios sociais veio em setembro, mas os citados dados da poupança correspondem ao período até agosto, quando a recuperação já se evidenciava. Lembro, também, que o citado movimento de queda da poupança começou em 2021, quando a captação líquida negativa alcançou o citado valor de R$ 35,5 bilhões, e acrescento que isso ocorreu principalmente no segundo semestre, já trazendo um estímulo ao PIB que se consolidou em 2022, com o referido valor de R$ 85,2 bilhões.

Para fins de comparação, segundo o site economania.com.br, em 13 de julho passado, a partir de fontes governamentais, o valor total dos novos benefícios – aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, aumento do vale-gás, do auxílio-caminhoneiro, transporte gratuito para idosos com mais de 65 anos, subsídio para a produção do etanol e auxílio para taxistas – foi estimado em R$ 40,8 bilhões, sendo que o primeiro benefício citado é o maior deles (R$ 26 bilhões).

Contudo, a questão sob análise não pode parar aqui, porque a dúvida que emerge é se a despoupança que vem acontecendo nas cadernetas tem sido toda dirigida ao consumo, uma vez que pode ser também destinada a outras aplicações em renda fixa e em renda variável. Quanto a isso, meu amigo e ex-professor o economista Carlos Antonio Rocca vem realizando uma análise ímpar do chamado fluxo de fundos da economia, ou seja, de onde o dinheiro vem e para onde ele vai.

Rocca lidera o Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), ligado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (www.cemecfipe.org.br). A nota Cemec 05/2022, publicada em maio, trata da poupança financeira da economia no primeiro trimestre deste ano. Mostra que houve queda dos depósitos de poupança, conforme já assinalado, dos fundos de investimento, das ações e dos depósitos à vista, que se destinaram à compra de títulos da dívida pública, de títulos corporativos, mais depósitos a prazo e maior captação bancária, como via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

O resultado final foi negativo, totalizando R$ 32,4 bilhões, com destaque para os depósitos de poupança, que, como já dito, devem ter contribuído para a expansão do PIB.

O relatório do segundo trimestre ainda não foi publicado, mas Rocca teve a gentileza de adiantar dados de meu interesse, abrangendo o primeiro semestre como um todo. Desta vez, nos fluxos citados, do lado das saídas o maior destaque foi para os fundos de investimentos, com queda de R$ 109 bilhões, seguida pela da poupança, no valor de R$ 62 bilhões; e, do lado das entradas, o maior aumento foi na captação bancária, que cresceu R$ 91 bilhões. Soube que a alta de juros foi determinante do lado da captação, acrescida do fato de que papéis como LCIs e LCAs são isentos do Imposto de Renda.

Com os dados semestrais, o efeito da queda da poupança parece menor, porque foi de R$ 10,2 bilhões no segundo trimestre, o que contrasta com outros valores apresentados. Em retrospecto, creio ser claro o efeito do total das quedas ampliando o consumo, mas tenho mais a aprender com o professor Rocca, em particular como entra o aumento da renda em cálculos como os apresentados.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de outubro de 2022.

 

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PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3678&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-seguira-estimulado-em-2022-mas-2023-e-outra-historia Thu, 22 Sep 2022 22:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3678 PIB seguirá estimulado em 2022, mas 2023 é outra história

 

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, com os novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE divulgou no dia 1º deste mês um crescimento de 1,2% do PIB do segundo trimestre deste ano, relativamente ao trimestre anterior. Uma boa taxa e a melhoria decorreu de vários fatores. Do lado da demanda, seu maior componente, o consumo das famílias, aumentou 2,9% no período; os investimentos, 4,8%. Em contrapartida, caiu 0,9% o consumo do governo. As importações subiram 7,6%, também mostrando a força da demanda, ainda que neste caso atuando negativamente sobre o PIB brasileiro, embora com pequena participação no seu conjunto.

Influenciando a demanda estiveram estímulos como os decorrentes da busca de mais atividades fora do âmbito doméstico, busca essa que veio do alívio da pandemia da Covid-19. Houve também antecipação de metade do 13º aos aposentados e pensionistas do INSS e liberação de parte do FGTS, representando estímulos determinados pelo governo.

Setorialmente, a grande força esteve no setor de serviços, o mais amplo da economia, que avançou 1,3%, estimulado pelo referido aumento do consumo das famílias, mas o resultado mais forte foi na indústria, que avançou 2,2%. O maior peso no setor serviços fica evidente porque a sua taxa de crescimento, 1,3%, foi a que esteve mais perto da do PIB (1,2%).

O crescimento da economia deve continuar no segundo semestre, no qual já atuam novos estímulos governamentais, como o aumento do Auxílio Brasil e o vale gás, além de benefícios novos para caminhoneiros e motoristas de táxi. O mercado está prevendo, conforme o relatório Focus do Banco Central, de 2 de setembro, que o crescimento do PIB em 2022 alcançará a taxa de 2,26%, taxa essa que vem seguindo ininterruptamente há 10 semanas[1].

Já para 2023, a visão do mesmo relatório é de um crescimento próximo de apenas 0,47%. O que explica tamanho contraste relativamente à previsão para este ano? Antes de responder, vale lembrar que estimativas se baseiam em hipóteses quanto ao futuro. Essa do relatório Focus supõe que a força do alívio da pandemia se estabilizará e que o efeito da maior taxa de juros mostrará um impacto negativo maior. Há alguma incerteza quanto à manutenção do Auxílio Brasil no seu valor atual, mas se mantido poderá também aumentar a desconfiança quanto à situação fiscal do governo, inibindo investimentos privados. Em síntese, há maior incerteza quanto à taxa do PIB em 2023, o que também é típico de previsões, pois, quanto mais distantes do horizonte imediato, maior é essa incerteza.

A quem se interessar pela evolução semanal das previsões do PIB, da inflação e de outras variáveis por analistas do mercado financeiro, sugiro consultar o site do Banco Central, buscar a conexão Publicações e Pesquisa, e dentro dela o Focus – Relatório de Mercado. Na mesma conexão Publicações e Pesquisa, se houver interesse em receber esse relatório toda segunda-feira, há um local para essa finalidade, onde o e-mail do interessado deve ser colocado.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 5 de setembro de 2022.

 

[1] No relatório Focus de 19 de setembro, a expectativa de crescimento para este ano subiu para 2,65% e para 2023  subiu para 0,50%.

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PIB do segundo semestre de 2022 não começou bem https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3643&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-semestre-de-2022-nao-comecou-bem Sat, 02 Jul 2022 02:47:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3643 PIB do segundo trimestre de 2022 não começou bem

 

Por Roberto Macedo*

 

Dados setoriais de abril, já divulgados pelo IBGE, indicam que o PIB do segundo trimestre não começou bem. Segundo esses números, a indústria de transformação cresceu 0,1% no mês, relativamente ao mês anterior (março). Nos demais setores, o crescimento foi de 0,9% no comércio varejista, 0,7% no comércio varejista ampliado e 0,2% no setor de serviços, que é o mais importante – vale lembrar que no mês anterior sua taxa foi de 1,4%.

Com base nesses e noutros dados a Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, por meio do seu Monitor do PIB, estimou que o crescimento do PIB no mês foi de 0,3%.

Conforme já apontado neste espaço, há um fator que já favorece o crescimento do PIB em 2022. Se este ficasse no mesmo valor do primeiro trimestre de 2022, quando cresceu 1% e chegou ao índice de 174,13 (fazendo a média de 1995 = 100), ele cresceria 1,5% em 2022, pois o índice médio de 2021 foi 171,6 e dividindo-se 174,13 (que seria o índice médio de 2022 na hipótese acima) por ele, essa seria a taxa de crescimento. Esse pequeno aumento em abril também contribuiria para a elevação dessa taxa anual.

Vale lembrar também que com esse índice de 174,13 no primeiro trimestre deste ano e esse pequeno aumento em abril, o PIB ainda não voltou ao índice que já havia alcançado no quarto trimestre de 2014 (!), de 175,2. Ou seja, desde então entrou numa depressão que se revela duradoura.  E desde 1980 o PIB vem mostrando um desempenho inferior a seu potencial.

Nesse contexto, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, numa palestra em Lisboa no último dia 27, colocou a previsão de um crescimento do PIB de 1,7% em 2022, enquanto a última previsão do Relatório Focus, pesquisado pelo mesmo Banco Central junto a analistas de mercado, estava em 1,5% no início de junho. Em princípio, portanto, Campos Neto parece já ter incorporado essa taxa de 0,3% em abril, da FGV, na sua previsão, e está supondo que até o fim do ano o PIB ainda crescerá mais um pouquinho. Mas também pode acontecer alguma queda, em face de problemas como a inflação alta que corrói remunerações, e questões fiscais do governo que prejudicam expectativas de investidores. Quanto a isso, os investimentos, na forma de formação bruta de capital fixo, vêm mostrando taxas negativas desde o início do ano, inclusive em abril, conforme apontado pelo Monitor do PIB da FGV.

Pode-se concluir que há analistas prevendo mais pequenos aumentos até o fim do ano, enquanto outros apontam a perspectiva de quedas. O resultado final da taxa anual ainda não pode ser determinado, e nosso palpite é que ficará perto de 2%, o que não seria uma boa taxa, mas apenas a confirmação de que a nossa economia não mostra forças suficientes para superar sua tendência histórica de baixo crescimento, que já dura décadas.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 30 de junho de 2022.

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Políticos negligenciam o crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3613&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=politicos-negligenciam-o-crescimento-economico Sat, 07 May 2022 00:59:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3613 Políticos negligenciam o crescimento econômico

Tanto o presidente da República como parlamentares estão mais preocupados com seus interesses pessoais e eleitorais.

 Por Roberto Macedo*

Insisto novamente – e vou continuar nesta linha – na minha pregação de que há tempos a economia brasileira enveredou por um caminho que prejudicou muito seu crescimento econômico e que a sociedade precisa cobrar dos políticos um sério e rápido enfrentamento desse problema.

Desde a década de 1980, a economia brasileira, que em meados do século passado foi uma das que mais cresceram mundialmente, passou a taxas de crescimento muito baixas relativamente a seu potencial, ficando para trás diante da maioria dos países.

A década passada teve o pior desempenho médio anual do PIB desde a década de 1900. Olhando números do governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, segundo cálculos do economista José Roberto Mendonça de Barros, em artigo publicado neste jornal no dia 1.º de maio, o crescimento anual médio será de 0,55%, se o PIB crescer 0,5% em 2022, ou de 0,68%, se neste ano avançar 1% – previsões que são referendadas por outros analistas do assunto.

São taxas inferiores à do crescimento populacional, estimada em 0,7% ao ano, o que levaria a uma queda do PIB per capita no mesmo governo. Mas não vejo Jair Bolsonaro tratando deste problema, mais preocupado que está em se reeleger na próxima eleição presidencial e com seguir suas convicções políticas, que, entre outros casos, provocam atritos com o Supremo Tribunal Federal (STF), prestigiando até manifestações contra esse tribunal. Os episódios mais recentes foram o indulto ao deputado federal Daniel Silveira, além de voltar a insistir equivocadamente contra a lisura do processo eleitoral.

Entendo que o maior problema da economia está na política e que foram políticos, salvo exceções cada vez mais excepcionais, que nas últimas quatro décadas se comportaram de forma a contribuir para o mau desempenho econômico do Brasil.

O que leva ao crescimento econômico é, principalmente, a realização de investimentos em formação bruta de capital fixo (máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros), pois geram produção, empregos e renda, com efeitos que se disseminam pela economia além do próprio investimento em si. Nesse contexto, os investimentos públicos se destacaram por sua queda. Tenho à vista um gráfico dos investimentos públicos de 1947 a 2019 produzido pelo Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra esses investimentos como proporção do PIB, e a série começa com valor perto de 3% e sobe até seu pico, próximo de 10%, nos anos 1970, aqueles em que a economia apresentou seu maior avanço desde 1900. Depois, a taxa de investimento público/PIB volta a cair, atingindo um valor um pouco abaixo desses 3% em 2019. Ou seja, esses investimentos perderam quase todo o seu papel na promoção de um maior crescimento econômico.

Visto de outra forma, esse gráfico mostra que as despesas obrigatórias, como salários e previdência, cresceram mais, a ponto de sacrificar os investimentos. Como a carga tributária aumentou e o governo continua se endividando, a economia sofre com esta maior transferência de recursos de empresas e famílias para o governo, que investe muito menos do que essas fontes de tributos e empréstimos. Vejo isso como altamente prejudicial ao crescimento econômico, mas praticamente nada se faz para corrigir o problema.

Ao contrário, no caso federal, tanto o presidente da República como o Congresso se empenham em agravar essa redução dos investimentos públicos. Para realizá-los, é preciso haver recursos. Um exemplo: segundo matéria do jornal O Globo no dia 3/5, o governo abriu mão de R$ 40 bilhões em impostos, o que, além de prejudicar investimentos, deixa uma conta para o próximo governo, pois o atual vem contando com um aumento de arrecadação provocado, em grande parte, pela maior inflação. E essa renúncia também tem sido causada por interesses eleitoreiros.

No Congresso, a Câmara é dominada pelo Centrão, que também tem força no Senado, e a preocupação reinante é distribuir recursos para as bases dos congressistas para colher vantagens eleitorais. E o fazem por meio de absurdas emendas parlamentares, conhecidas como “de relator”, arbitrariamente determinando os municípios que as receberão, em proveito de seus autores. E outra aberração apareceu também no jornal citado. Trata-se de emendas chamadas de “cheque em branco” ou “pix orçamentário”, em que a verba vai diretamente para o caixa das prefeituras, sem a necessidade de um projeto específico. Segundo a reportagem, emendas desse tipo passaram de R$ 557 milhões, em 2020, para R$ 1,87 bilhão, em 2021, e no Orçamento atual estão previstos R$ 3,28 bilhões com essa “destinação”.

Chamar isso de investimento público pode até valer do ponto de vista contábil, se for apurado esse uso da verba. Mas as emendas em geral são recursos pulverizados seguindo o interesse de parlamentares e fogem à ética do bem comum, que deveria orientar os investimentos públicos. Ou seja, além da mudez quanto ao crescimento econômico, os parlamentares se engajam em práticas que o prejudicam.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de maio de 2022.

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Investimentos também crescem muito pouco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3597&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=investimentos-tambem-crescem-muito-pouco Sat, 19 Mar 2022 13:10:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3597 Investimentos também crescem muito pouco

 

Em linha com o fraco desempenho da economia, números da Formação Bruta de Capital Fixo também estão fragilizados.

 

 Por Roberto Macedo*

 

Prossigo minha pregação de que a situação da economia brasileira é muito pior do que se vê no noticiário e nas discussões sobre o assunto. Aliás, o fraco crescimento da economia não é sequer discutido seriamente pelo Congresso Nacional, ao qual também caberiam providências para tratar dela, e o Executivo passa por uma fase de desgoverno populista e eleitoreiro, que tampouco dá a devida atenção ao crescimento.

Começarei com um retrato muito feio da economia, com o propósito de difundi-lo e, quem sabe, despertar reações em contrário da sociedade e do governo. Em seguida, passarei aos investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), como em máquinas e equipamentos, que têm grande impacto sobre o crescimento e que também, em linha com o fraco desempenho deste, estão fragilizados.

Olhando a economia desde a década de 1900, os dados mostram inicialmente um crescimento médio do PIB perto de 4,5% ao ano, e alcançando a expressiva taxa de 8,8% na década de 1970, tornando-se, então, uma das economias que mais cresciam no mundo.

Contudo, a partir da década de 1980 e até a década de 2010, que vai até 2019, este crescimento despencou para uma taxa média anual de apenas 2,4%. Esta década de 2010 teve um crescimento médio de apenas 1,4% e foi a de pior desempenho de toda a série de dados, que cobriu 12 décadas(!).

A década de 2020 já começou pior ainda, pois, principalmente pelo efeito da pandemia de covid-19 nos seus dois primeiros anos, o PIB teve um crescimento anual médio de ínfimo 0,35%, que não cobriu sequer o crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano, caindo, assim, o PIB per capita. Este período pós 1980 pode ser visto como de estagnação, que meu dicionário define como uma economia crescendo abaixo do seu potencial. Como muita gente, acredito que com uma boa arrumação o Brasil poderia crescer bem mais. Com este desempenho desde 1980, o Brasil é tido como um país que caiu na chamada armadilha da renda média.

Além dessa desastrosa estagnação, desde 2014 o Brasil entrou numa depressão – algo mais longo do que as duas recessões ocorridas neste período –, e essa depressão ainda não foi superada, pois até hoje o PIB não voltou ao valor que tinha naquele ano (!). Portanto, este retrato da economia em estagnação e depressão é algo realmente lamentável, mas ainda não despertou um movimento em sentido contrário do País e de seu governo. É preciso que a sociedade perceba este desastre, cobrando providências dos governantes e dos políticos em geral.

Passando aos investimentos em FBCF, eles são importantes para o crescimento porque aumentam a oferta de bens e serviços, ao mesmo tempo que estimulam a sua demanda ao expandirem o emprego e o pagamento de salários e de lucros.

O mais recente relatório do IBGE sobre as contas nacionais trimestrais – do quarto trimestre de 2021 – apresenta um gráfico em que a FBCF aparece como porcentagem do PIB desde 2000, começando com o valor de 18,3% e alcançando 20,9%, o valor máximo de todo o período, em 2013. A partir daí, passou a cair até 14,6%, em 2017, ficando um pouco acima disso nos dois anos seguintes. Contudo, em 2020 e 2021, surpreendeu ao passar para 16,6% e 19,2%, respectivamente, de forma inconsistente com o crescimento do PIB neste período, que, conforme mostrado acima, apresentou taxas muito baixas.

Buscando uma explicação, consultei o economista Cláudio Considera, da FGV-Rio, conhecedor reconhecido das Contas Nacionais, que me sugeriu um artigo recente do economista Gilberto Borça Jr. O texto, apropriadamente intitulado Investimento em alta no Brasil, mas nem tudo que reluz é ouro, esclareceu que cerca de 40% do aumento da porcentagem da relação FBCF/PIB entre 2018 e 2021 foram devidos ao crescimento dos preços dos bens de capital acima do índice de preços do PIB e à internacionalização contábil de plataformas de exploração de petróleo, de alto custo, até então contabilizadas no exterior. Estes 40% não significaram, assim, um crescimento real da FBCF.

Cabe examinar, também, o investimento público, componente do investimento total, pois sua queda foi mais forte. No site do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (Rio), há o gráfico de uma série de 1947 a 2020 deste investimento como porcentagem do PIB. Depois de subir, desde o início da série, de perto de 3% do PIB para o recorde de cerca de 10%, em 1974 – na década de 1970, a de maior crescimento do PIB em 12 décadas, conforme apontado acima –, ele foi caindo até chegar a perto de apenas 2% do PIB, em 2020, revelando-se como um dos fatores que levaram à armadilha da renda média.

Para o leitor ter uma ideia da importância da taxa de investimento em FBCF relativa ao PIB, no período em que a China crescia perto de 10% ao ano, essa taxa chegou próxima de 45% ao ano. O Brasil jamais chegaria a tanto, mas ao menos poderia começar com a meta de 25% ao ano.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de março de 2022.

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Mais sobre o plano CASGIP https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3580&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-sobre-o-plano-casgip Fri, 04 Mar 2022 02:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3580 Mais sobre o plano CASGIP

Caberia perguntar a Bolsonaro e aos presidentes das Casas do Congresso o que fizeram para o País crescer economicamente.

 

 Por Roberto Macedo

 

Meu artigo passado, neste espaço, tratou de um plano de governo diferente, porque fiquei frustrado com a fragilidade normativa e executiva de planos apresentados por candidatos em campanhas anteriores. Planos como estes devem reaparecer nos debates da eleição presidencial deste ano, e, assim, optei por outro plano, a ser cobrado de governantes e de políticos em geral.

Adotei para ele a sigla CASGIP, que sintetiza seus pilares e facilita referências a ele, inclusive para o interessado se lembrar do seu significado. Também voltarei a ele futuramente neste espaço, pois carece de esclarecimentos adicionais a alguns já apresentados a seguir.

A sigla vem dos nomes dos seis pilares do plano, com letras maiúsculas apontando o aspecto central de cada um deles, que são: Crescimento econômico mais acelerado, Ambientalmente sustentável, Socialmente inclusivo, com efetiva Governança do Estado, maior inserção Internacional do Brasil e intensa Participação da sociedade na cobrança de governantes e políticos.

Note-se a presença das letras ASG na sigla do plano, o que é uma tentativa de trazer os temas da conhecida plataforma ESG para o âmbito nacional, pois originalmente ela é limitada a empresas e investidores. O E desta plataforma representa o environment, ou meio ambiente, em inglês. As outras duas letras de ESG se referem a termos quase idênticos nas duas línguas.

Abordarei, agora, a questão do crescimento econômico. Sem ele, não haverá recursos para avançar nos quatro pilares no centro da sigla. O impacto sobre esse crescimento deveria ser parâmetro de decisões sobre políticas públicas. Ele depende fundamentalmente de mais investimentos em capital produtivo, o que gera empregos, renda e tributos, ou recursos para o setor público. E há o investimento privado e o investimento público, do qual tratarei a seguir.

À minha frente tenho um gráfico do investimento público como porcentagem do PIB no período 1947-2020, elaborado pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro.

Sobre 2020, falou-se muito de uma recuperação em V do PIB dentro do ano, mas ficou nisso, pois ao longo de 2021 o crescimento foi muito fraco. Este gráfico do investimento tem, também, um formato de V, mas invertido, pois começa com uma taxa perto de 3%, em 1947, e sobe até alcançar 10% na segunda metade da década de 70 do século passado – coincidentemente a década em que o PIB brasileiro mais cresceu no mesmo século. Depois disso, a linha do gráfico cai, até voltar a cerca de míseros 2%, em 2020.

Esse investimento público não é só federal, mas abrange as demais esferas de governo. E a relação dele com o crescimento econômico é evidente, carecendo de medidas para que volte a crescer.

Quanto a isso, é preciso atuar contra a frágil governança do governo federal e do setor público em geral. Ela sucumbiu ao populismo ao acomodar um amplo leque de interesses políticos e econômicos que prejudicou o Orçamento. Este, ainda que ampliado pelo forte aumento da carga tributária, passou a apresentar déficits primários que excluem o pagamento de juros, e agora, com o aumento da Selic, esses juros voltaram a preocupar.

O que fazer? É preciso passar um pente-fino nas despesas públicas, seguindo prioridades, em particular a de abrir espaço para investimentos e a de criar confiança na gestão fiscal. Exemplo de medida nesta linha seria uma reforma administrativa que buscasse aumentar a eficácia e a eficiência do setor público, como ao combater supersalários e “indenizações” autoconcedidas, como ocorre no Judiciário.

Alguma elevação da carga tributária será necessária, e chamo a atenção para os chamados gastos tributários, que reduzem a tributação de diversos grupos econômicos e sociais. Como as demais despesas, esses gastos tributários precisam ser revistos, cabendo também aí um pente-fino. Falta, ainda, transparência quanto a esses incentivos, como no caso dos que reduziram encargos sociais para expandir o emprego, pelo que sei, sem que isso fosse cobrado dos setores beneficiados.

E há questões cujo conhecimento é muito restrito, mas que também merecem atenção. Por exemplo, no dia 27 passado, o renomado economista Affonso Celso Pastore, num artigo neste jornal, sugeriu a tributação de ganhos auferidos pelos “fundos fechados e offshores, taxando seus proprietários com a alíquota do Imposto de Renda igual à de todos os demais rendimentos”. Poucos sabem o que são esses objetos da proposta de Pastore.

Como fica? O governo e a classe política não dão bola para propostas como esta, pois a cabeça de ambos é outra, voltada para seus interesses pessoais – em particular a reeleição – e de grupos que os apoiam. Por isso é preciso que a sociedade passe a cobrar de governantes e de políticos um plano adequado.

Por exemplo, caberia perguntar ao presidente Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado: o que já fizeram pelo efetivo crescimento econômico do País?

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2022.

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Um plano para a sociedade cobrar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3578&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-plano-para-a-sociedade-cobrar Fri, 18 Feb 2022 17:42:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3578 Um plano para a sociedade cobrar

 

Em vez de um plano para candidatos, este tem seis pilares para a sociedade cobrar do governo e de políticos em geral.

 

 Por Roberto Macedo

 

Já atuei na elaboração de planos para candidatos a governador de São Paulo e a presidente da República, inclusive em propostas apresentadas a todos os candidatos, num trabalho para a Associação Comercial de São Paulo, em 2010. Mas perdi o entusiasmo por esses planos e optei por outro, desta vez para a sociedade cobrar do governo e dos políticos em geral.

Há tempos sigo os debates eleitorais presidenciais, e em geral os candidatos focam muito pouco num plano de governo. É preciso ter um, porque alguém pode cobrar, mas fica por aí. Minha impressão é de que temem apresentar propostas mais elaboradas, com receio de repercussões negativas de suas ideias. Seus marqueteiros se preocupam mais com explorar as ditas virtudes pessoais de cada um e criticar as dos demais candidatos. Eleitores tampouco cobram planos, nem se interessam pelos apresentados.

Apresentada a seguir, sucintamente, em razão da limitação de espaço, minha proposta também foi influenciada por estudo da consultoria internacional McKinsey, propositivo e dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade. Este estudo, que abordei aqui no meu artigo passado, propõe maior crescimento econômico, socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.

Seguem-se os seis pilares do plano: além dos três citados acima, uma eficaz e eficiente governança do Estado, maior inserção internacional do País e participação efetiva da sociedade cobrando a sua execução.

Explicando os pilares: sem um bem maior crescimento econômico do Brasil, com aumento de produtividade, a solução de problemas pelo governo é dificultada pela carência de recursos. O impacto sobre este crescimento deveria ser um parâmetro de decisão quanto a políticas públicas.

O crescimento também gera empregos, e sem isso a inclusão social deixa de ocorrer. Com o maior crescimento, eles ajudam na progressão social dos cidadãos, o que é indispensável neste país de forte desemprego e herdeiro de desigualdades que remontam à sua colonização.

Crescimento ambientalmente sustentável é necessidade imperiosa neste país beneficiado pela natureza, mas muito desleixado ao cuidar dela. Esse desleixo hoje pontifica na região amazônica, praguejada por grandes desmatamentos ilegais que danificam o meio ambiente e também pelos que praticam a mineração sem cuidados com a natureza, tudo isso em prejuízo também dos povos indígenas. Vários estudos argumentam que a biodiversidade da Amazônia pode ser explorada economicamente para o sustento de seus habitantes, inclusive cobrando dos países ricos parte do trabalho ambiental, em face do seu impacto favorável de alcance mundial.

A governança do Estado também é lastimável. Olhando apenas o caso federal, o Executivo já não era grande coisa, mas a situação se agravou sob o desgoverno Bolsonaro. Os investimentos públicos, como em infraestrutura, seguem escassos, há grande resistência a privatizações e concessões e parcerias público-privadas não vieram com a intensidade necessária. Na educação e na saúde ainda há muito por arrumar.

O Judiciário é muito lento, custoso e injusto ao ostentar privilégios. O Legislativo foi dominado pelo Centrão. Em particular, acomoda interesses de grupos, só quer saber da reeleição dos seus membros e não dá a mínima para o fraco crescimento econômico. Alguém já viu este tema ser discutido seriamente pelo Congresso? A frágil governança também se espelha pela necessidade de reformas como a tributária e a administrativa, pois, se é preciso reformar e as reformas não vêm, a governança é frágil.

Quanto à maior inserção internacional, o País também é muito carente e, como é enorme, acha que pode produzir tudo aqui, mesmo que com produtividade muito baixa e em benefício de grupos influentes nas decisões políticas, sempre em busca desta ou daquela vantagem. O sucesso do agronegócio decorreu de seu empenho em buscar o mercado externo. Outros setores precisam fazer o mesmo, em particular a indústria. Foi isso que levou ao forte crescimento da indústria chinesa e de outros países da região.

O sexto pilar, o da efetiva cobrança do governo pela sociedade, é uma inovação em planos, porque em geral são feitos por governos que não querem saber disso. Os diversos segmentos da sociedade precisam se agrupar em torno deste objetivo, inclusive criando instituições para essa finalidade. Grupos de cidadãos, jornalistas, entidades de classe, trabalhadores e empresários, representações da sociedade civil e outros segmentos não podem continuar alheios às barbaridades que vêm do governo e que desde 1980 conduziram o Brasil a uma estagnação do seu crescimento, no sentido de crescer abaixo do seu potencial, depois de cair na chamada “armadilha da renda média” e não reagir a contento.

Creio que os leitores concordariam que, com uma boa arrumação, o Brasil poderia crescer muito mais e dar melhores condições de vida à sua população. Passemos, então, a essa arrumação.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S .Paulo, em 17 de fevereiro de 2022.

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PIB pode surpreender em 2022 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3577&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-pode-surpreender-em-2022 Thu, 17 Feb 2022 14:22:14 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3577 PIB pode surpreender em 2022

 

Para economista, por enquanto as previsões sobre o crescimento da economia são muito baixas, mas há fatores pesando a favor de uma taxa maior, a exemplo dos gastos normais em ano eleitoral

 

Por Roberto Macedo

 

A previsão da taxa anual de variação do PIB mais acompanhada pelo noticiário dos meios de comunicação é a do Relatório Focus, do Banco Central, que semanalmente recorre a opiniões de analistas do mercado financeiro para calculá-la. Essa previsão, e de outros indicadores econômico-financeiros, é levantada toda sexta-feira e divulgada na segunda-feira seguinte. A última veio no relatório publicado no dia em que este texto era escrito (14/2), e apontava uma baixíssima taxa, de apenas 0,3%, insuficiente até para cobrir o crescimento da população, hoje estimado em 0,7% ao ano, e assim levaria a uma queda do PIB per capita.

Mas trata-se de uma previsão, e há fatores que, ao estimular a demanda agregada da economia, apontam para um impacto favorável. 2022 é um ano eleitoral e marca a eleição mais ampla de todas, pois abrange a do presidente da República, de governadores estaduais, de senadores e de deputados federais e estaduais. Eleição envolve muitos gastos pelos candidatos, e desta vez foi disponibilizado um fundo recorde de R$5,7 bilhões, que será entregue aos partidos políticos para distribuir entre seus candidatos.

Sabe-se também que vários Estados estão em boa situação financeira, pois entre outras razões, como o crescimento econômico local e a inflação, sua arrecadação cresceu bastante. E governos estaduais devem gastar mais em obras e outros dispêndios, pois estarão em campanha para governadores em busca de reeleição ou de outros voos, como em direção ao Senado ou até a presidência da República. Ou também simplesmente para apoiar outros candidatos.

O caso de São Paulo serve como exemplo, pois seu PIB cresceu mais que o do país, gerando mais arrecadação, e seu governador, candidato à Presidência, está empenhado em obras e em distribuir benesses que levam dinheiro a consumidores. Recentemente, enviou à Assembleia Legislativa proposta de um reajuste salarial de 20% para policiais militares e trabalhadores do setor de saúde e de 10% para os demais funcionários. A partir de março, se a proposta for aprovada, o que é bem provável, todos os servidores poderão aumentar seus gastos, a partir de um aumento de suas remunerações que totalizará R$5,6 bilhões em 2022.

Decisões desse tipo, ainda que não de mesma magnitude e prazo de vigência, já estão ocorrendo em outros Estados. Segundo matéria publicada na Folha de S. Paulo também do dia 14 de fevereiro, neste ano eleitoral os reajustes a servidores já ocorreram em 13 Estados. O INSS também reajustou suas aposentadorias e pensões em 10,16%. Não consegui dados sobre o impacto financeiro dessa medida, mas sei que alcança dezenas de milhões de beneficiários, aliviando efeitos da inflação ampliada, sobre o consumo.

De sua parte, entre outras medidas pró aumento de gastos dos consumidores, o governo federal criou um programa ampliado que substituiu o Bolsa Família, o Congresso deve gastar mais com suas emendas parlamentares, e por aí vai.

Mas, vale lembrar, nem toda a ampliação de rendimentos irá para o consumo. Em 2020, por exemplo, parte significativa do Auxílio Emergencial de R$600 por mês foi parar nas contas de poupança, numa atitude de precaução diante das incertezas que cercam o futuro da economia e do desempenho também muito fraco do mercado de trabalho.

Ainda quanto a fatores atuando em sentido contrário do lado da demanda, há grande incerteza quando ao futuro da economia, que também está sujeita a instabilidades ligadas à fragilidade fiscal do governo federal, ao lado da inflação que levou ao aumento da taxa básica de juros e das taxas de juros em geral, o que também desestimula consumidores e investidores a tomar crédito para ampliar seus dispêndios.

Ou seja, há fatores pesando a favor de uma taxa maior do PIB em 2022 do que a previsão citada, e outros que poderiam levar a uma taxa ainda menor do que ela. Deve-se lembrar que previsões do tipo citado envolvem uma distribuição de frequências de opiniões, colhidas a partir de uma amostra, que no caso citado foi de 100 analistas atuantes no mercado financeiro, com o BC utilizando a mediana de suas previsões.

Ao longo do ano continuaremos acompanhando a evolução das previsões sobre a variação do PIB e dos fatos que irão afetá-las, e voltaremos ao assunto neste espaço.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático, em 16 de fevereiro de 2022.

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Visão tipo ESG, com crescimento econômico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3574&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=visao-tipo-esg-com-crescimento-economico Fri, 04 Feb 2022 12:33:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3574 Visão tipo ESG, com crescimento econômico

 

Estudo se dirige a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade

 

Por Roberto Macedo

 

Depois de procurar em várias fontes, cheguei a essa visão a partir de um estudo da McKinsey, grande e famosa empresa de consultoria internacional com escritórios em mais de 130 cidades e mais de 65 países, em versão divulgada em outubro do ano passado. O acesso a esse estudo será indicado no final deste texto. Tem quatro autores, inclusive Tracy Francis, do staff da empresa no Brasil, e pareceu-me repleto de ideias interessantes, originais e estimuladoras de ações.

Em tradução livre, o título do estudo é Nossas vidas futuras e sobrevivência: ambientalmente sustentáveis, socialmente inclusivas e com crescimento econômico. Lembra a sigla ESG, que ganhou grande espaço no noticiário dos últimos dois anos, a qual prega uma agenda de empresas e investidores voltada para o meio ambiente (environment), a inclusão social e a governança, só que colocando o crescimento econômico em lugar dessa última. Poderia ser chamada de ESC.

O texto a que me refiro é longo, tem oito páginas e resume outro de mesmo número de páginas, mas com fonte menor. Aqui vou resumi-lo ainda mais, transcrevendo textos mediante tradução própria. Num artigo futuro pretendo voltar ao assunto para tratar do caso brasileiro, avançando além do que representam essas três letras.

O estudo é dirigido a quem promove mudanças nos negócios, no governo e na sociedade, de forma a tratar os problemas nele abordados, e em busca de soluções. Argumenta que sem crescimento econômico “(…) como poderíamos alcançar prosperidade e bem-estar ou pagar pelas transições necessárias para tornar a economia mais ambientalmente sustentável e socialmente inclusiva? Sem sustentabilidade, como poderíamos estruturar o crescimento para a geração atual e outras que virão? Sem inclusão – uma oportunidade para o trabalho produtivo e uma vida satisfatória para todos os cidadãos –, como poderíamos assegurar a demanda necessária para impulsionar o crescimento?’’.

Enfatizando o crescimento, em face de sua importância para a sustentabilidade e para a inclusão, aponta que ele vem caindo nas economias desenvolvidas do G-7 desde a crise financeira de 2008. Nas economias emergentes, com exceção de países como China e Índia, o crescimento tem sido menor do que no início dos anos 2000. Retratando a pobreza, é dito que mais de 600 milhões de pessoas ainda viviam em pobreza extrema em 2017, e que mais 100 milhões se juntaram a esse grupo, como resultado da pandemia de Covid-19. De sua parte, um futuro sustentável exigirá enormes investimentos, para zerar emissões líquidas de carbono, prevendo investimentos anuais perto de US$ 5 trilhões até o ano 2030 e US$ 4,5 trilhões até 2050. É muito dinheiro. E pondera que, “para os líderes atuais, as questões são muitas e profundas – e solucionáveis”.

Explica que o ciclo virtuoso começa com o crescimento, e que este inclui, entre outros aspectos, a ambição de prosperidade crescente e bem-estar, inclusive crescimento do lucro para empresas, do PIB das nações e medidas que tragam vida satisfatória para os cidadãos. A inclusão social significa igualdade de oportunidades e amplo avanço de resultados para todos – especialmente a suficiência de padrões de vida – e o estreitamento de desigualdades entre gêneros, idades, etnias, status familiares e lugares de residência. Em sustentabilidade, busca-se maior resiliência ambiental, que começa reduzindo o risco do clima, e inclui também a preservação muito mais ampla do capital natural, assim como do equilíbrio entre gerações.

O estudo também aponta que medidas adotadas segundo sua agenda podem trazer efeitos contrários para parte da sociedade. Por exemplo, os grandes investimentos para realizar a transição das fontes energéticas, embora gerando muitos empregos na chamada economia verde, poderão afetar trabalhadores de baixa renda, que precisarão de treinamento para se adaptarem a novos empregos.

Ao concluir, o estudo aponta seis desafios em escala global que as nações precisam encarar para enfrentar as três questões centrais envolvidas na sigla ESC mencionada acima: 1) como deslanchar o crescimento via maior produtividade; 2) como reduzir os custos de transição da descarbonização; 3) como financiar e suavizar o custo da transição energética, país por país, setor por setor, de uma forma que não prejudique o crescimento da economia; 4) como retreinar e empregar os milhões de trabalhadores estagnados em ocupações que se reduzem em razão do progresso tecnológico; 5) como fortalecer o contrato social com o atendimento de necessidades básicas dos cidadãos medianos; e 6) como apoiar os segmentos mais vulneráveis da população, como, por exemplo, a sua quinta parte mais pobre?

Para acessar o texto inicialmente citado, sugiro recorrer ao Google consultando “economic growth for the good of all: sustainable and inclusive McKinsey”, e na primeira página de resultados buscar o texto divulgado pela empresa em 26/10/21.

 

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

 Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 3 de fevereiro de 2020.

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Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3554&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=cenario-do-pib-em-2022-e-pior-que-resultado-de-2021 Fri, 07 Jan 2022 13:32:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3554 Cenário do PIB em 2022 é pior que resultado de 2021

 

Previsão do Boletim Focus para a variação do produto deste ano vem caindo, e a queda desta semana foi bem mais forte.

 

Por Roberto Macedo

 

O primeiro Boletim Focus, do Banco Central, de 2022, publicado na segunda-feira passada, revelou cenário mais difícil para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano do que o observado em 2021. O boletim é semanal e suas previsões são colhidas de analistas do mercado financeiro, na sexta-feira anterior à sua publicação.

A previsão para a variação do PIB de 2022 deste boletim é de apenas 0,36% – na semana anterior, estava em 0,42%, e há quatro semanas era de 0,51%. Ou seja, vem caindo, e esta última queda foi bem mais forte.

Quanto a 2021, a previsão é de uma taxa de 4,5%, mas é enganosa quanto ao desempenho do PIB dentro do ano. Ela é calculada usando o PIB previsto para 2021 relativamente ao de 2020, ou seja, entre esses dois anos. Como em 2020 o PIB caiu 3,9%, essa queda faz com que a comparação entre 2021 e 2020 leve a uma taxa bem mais alta do que a que ocorreria se o PIB houvesse permanecido estável em 2020. Vista de outra forma, a taxa de 4,5% é mais determinada pela queda do PIB de 2020 do que pelo seu fraco desempenho em 2021.

Resumindo, fiz cálculos sobre o assunto e concluí que o crescimento do PIB medido apenas dentro de 2021 foi estimado em apenas 0,9%, o que contrasta fortemente com o referido aumento de 4,5%, que o Boletim Focus apresenta.

Acrescente-se que em 2020 o crescimento do PIB foi bem maior no primeiro do que no segundo semestre, em larga medida impulsionado pelo desempenho do agronegócio no primeiro trimestre, que coincide com o auge das colheitas no meio rural. Mas, em seguida, o desempenho da economia foi se deteriorando até chegar à situação já mencionada, em que os analistas do mercado financeiro viraram o ano reduzindo, ainda mais e fortemente, a sua visão do crescimento do PIB em 2022.

Ainda sobre o PIB, os dados do IBGE de 2019 e de 2020, mais as previsões do Boletim Focus para 2021 e 2022, já permitem obter uma visão do PIB durante todo o governo Bolsonaro. As taxas anuais do PIB obtidas dessas fontes são: 2019 (1,2%), 2020 (-3,9%), 2021 (4,5%) e 2022 (0,4%), o que leva à média de 0,6%, inferior ao crescimento da população, estimado em 0,7% ao ano. Assim, o PIB total cresceu muito pouco e o PIB per capita caiu. Bolsonaro deverá ser cobrado por isso nos debates eleitorais deste ano.

O que fazer? Sou economista, mas entendo que o principal problema da economia brasileira é na esfera política. Nossos políticos, em particular no momento em curso, estão longe de se preocupar com os problemas econômicos do País, ressalvadas exceções cada vez mais excepcionais. Começando pelo presidente da República, é como se não tivéssemos um. E, pior, nem se pode dizer que seja algo como um zero à esquerda. É pior do que isso, pois seu comportamento tem efeitos econômicos negativos. Não tem capacidade nem demonstra interesse por uma gestão presidencial eficaz, a ponto de ter designado o ministro Paulo Guedes como seu “Posto Ipiranga” para questões sobre a economia. Mas parece que o próprio presidente não se interessa mais por seus conselhos ao decidir.

Também não o vejo interessado em liderar uma pauta política de discussões centradas nos principais problemas econômicos do País. Frágil politicamente, e obsessivamente focado só em sua reeleição, optou pelo Centrão para se sustentar no poder e obter um novo mandato a um custo brutal para a economia, pois esse aliado só sabe atuar para atender aos interesses paroquiais dos congressistas, cuja maioria também não está aí para servir o País. Matéria de página inteira deste jornal no dia 26/12/2021 teve este título: Congresso controla mais de 50% dos investimentos do Orçamento. Entrevistado sobre o assunto, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) afirmou: “Num sistema presidencialista, é complicado ter um Orçamento parlamentarista”.

Um dos resultados é o agravamento do endividamento público, pelo qual o mercado financeiro passou a cobrar mais caro, o que também agrava a dívida. Título de matéria no jornal Valor de ontem ilustra essa dificuldade: Risco fiscal piora e juros disparam. E as preocupações quanto à solvência do governo pressionam, também, a taxa de câmbio e geram efeitos inflacionários.

O que precisa acontecer em 2022 para o Brasil seguir por um caminho ao menos não tão ruim como este evidenciado pelo péssimo desempenho do PIB? Primeiro, é preciso que Bolsonaro não seja reeleito, pois, a julgar pelo que faz no seu mandato, não se credencia a um novo. É preciso que os eleitores atentem para essa questão. Quem ainda o apoia precisa examinar o mal que ele trouxe ao País, que poderia ser sintetizado na expressão um período de desgoverno. Quem ao seu redor ainda o chama de mito e seus apoiadores em geral precisam perceber que ele é mito noutro sentido, de que não é verdadeiro, ao não governar conforme prometeu. E quem não o apoiou ou se desiludiu com o seu desempenho precisa atuar no seu meio social para mudar as crenças dos incautos que ainda pensam em reelegê-lo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de janeiro de 2022.

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A sofrência do PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3544&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-sofrencia-do-pib Fri, 17 Dec 2021 20:45:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3544 A sofrência do PIB, que é mais forte no ‘per capita’

 

Candidatos presidenciais precisam aprender e indicar como enfrentariam a péssima situação da economia

  

Por Roberto Macedo*

 

O termo sofrência ganhou projeção como modalidade de música sertaneja, fama esta que cresceu muito com o recente falecimento da famosa cantora Marília Mendonça, líder dessa modalidade. Meu dicionário (Houaiss) não contém esse termo, mas Roberto Teixeira da Costa, economista voltado para o mercado de capitais e relações internacionais, escreveu neste espaço, em 25 de novembro passado, o artigo Saindo da sofrência em busca da crescência, e esclareceu que no dicionário que consultou “a palavra é definida como substantivo feminino, condição de pessoa que sofre, que não consegue se livrar de uma situação de tristeza e de sofrimento”.

Usou o termo para se referir à situação atual do Brasil, afirmando que em “(…) mais de 60 anos de vida profissional (…)” não se recordava de ter “vivido um período de tamanha descrença no País e no seu futuro”. Também tenho o mesmo período de vida profissional e o mesmo sentimento. Teixeira da Costa aplicou o termo ao Brasil, e seu texto inspirou-me a usar sofrência para a situação que há muito tempo, desde os anos 1980, marca o Produto Interno Produto (PIB), indicador econômico das agruras por que passa o País.

Começando pelos dados mais recentes, no dia 2 deste mês o IBGE publicou o resultado do PIB no terceiro trimestre deste ano, mostrando queda de 0,1% relativamente ao trimestre anterior. A imprensa destacou esse resultado, mas a notícia mais importante do relatório do IBGE sobre o assunto foi que a taxa do segundo trimestre foi revisada de -0,1% para -0,4%, uma queda bem maior. A taxa do primeiro trimestre também foi revisada, e para cima, de 1,2% para 1,3%, mas essa alteração ficou longe de compensar essas duas quedas nos trimestres seguintes.

Com esses números, dentro de 2021 o PIB cresceu apenas 0,8%, relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa muito ruim. E o quarto trimestre de 2021 já começou mal, com o mês de outubro indicando quedas setoriais na indústria, no comércio e nos serviços. E o índice do Banco Central que prevê o crescimento do PIB mostrou queda de 0,4% no mesmo mês.

Mas a sofrência não fica por aí, pois, como venho apontando em vários artigos neste espaço, desde 2015 a economia se encontra numa depressão, e ainda não retomou o PIB que tinha em 2014! Supondo que o PIB não cresça nada no último trimestre deste ano, ele precisaria subir 2,3% em 2022 para voltar ao PIB de 2014. As previsões para 2022 estão longe dessa taxa, e, assim, isso não deve acontecer.

Passando ao PIB per capita, ele leva em conta o crescimento da população, atualmente perto de 0,7% ao ano. Quanto maior for essa taxa, menor o crescimento do PIB per capita. Estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, citado por este jornal no dia 13 deste mês, estimou que o PIB precisaria crescer 2,1% ao ano para retomar, só em 2028 (!), o valor que apresentava em 2013(!).

E há a sofrência ainda mais antiga. O PIB brasileiro mostrou tendência persistente de crescimento a partir de 1900 até a década de 1970, quando alcançou a taxa média anual de 8,8% (!), trazendo o País para o grupo de países de renda média. A partir daí, e até a década de 2010, esse crescimento caiu para taxa média anual próxima de apenas 2,5%, levando o Brasil à chamada armadilha da renda média.

E permanecemos dentro dela. A sofrência vem provocando um aumento recorde do número de brasileiros que vivem no exterior em busca de melhores oportunidades profissionais e condições de vida que as disponíveis no Brasil. O site do Deutsche Welle (DW), uma grande empresa alemã de comunicações que publica matérias em português, noticiou recentemente que dados do nosso Ministério das Relações Exteriores mostram que o número de brasileiros fora do País passou de 1,9 milhão, em 2012, para 4,2 milhões (!), em 2020. Ou seja, mais que dobrou. E esta semana veio a notícia de que o El País, prestigioso jornal espanhol, encerrou a edição brasileira, que contava com o apoio local de 17 jornalistas, após oito anos no País sem resultados que assegurassem a sustentabilidade econômica dessa edição.

E quem é responsável por toda esta sofrência? A resposta daria uma grande história, pois estamos falando de quatro décadas. Olhando mais o momento recente, a classe política brasileira, salvo raríssimas exceções, não demonstra o menor interesse pela economia que tão mal conduz. Não vejo nem o presidente nem o Congresso atuando como socorristas da sofrência. Seu interesse dominante é o de renovar mandatos nas eleições de 2022, custe isso o que custar, inclusive com ações fiscais que também contribuem para prejudicar a economia.

Como não se pode perder a esperança, ela seria estimulada se os candidatos à Presidência apresentassem suas propostas sobre o que fazer na economia. O eleito irá herdá-la nesta péssima situação, e é preciso aprender e indicar como enfrentá-la, pois não haverá saída se ele não tiver essa disposição.

 

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 16 de dezembro de 2021.

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PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3531&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-terceiro-trimestre-pode-vir-com-recessao Thu, 18 Nov 2021 21:40:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3531 PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão

Há uma previsão de taxa positiva e outra, de taxa negativa, ambas de valor absoluto próximo de 0,1%

 

Por Roberto Macedo*

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará no início de dezembro a variação do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre deste ano. No primeiro, foi de 1,2%, relativamente ao trimestre anterior, uma ótima taxa trimestral. Mas ficou por aí, e no segundo teve até pequena queda, de 0,1%. As perspectivas para o terceiro trimestre, examinadas mais à frente, são péssimas. Pode vir até outra taxa negativa, o que levaria o PIB a uma “recessão técnica”, marcada por dois trimestres consecutivos de queda. Se vier, será rasa em sua profundidade, mas incomodará, pois será mais um sinal de que a economia brasileira vai mal.

Passando à política econômica do governo Bolsonaro, ela é marcada pelo desgoverno. Desde o início, o presidente só pensa naquilo, ou seja, em ganhar a eleição de 2022. Despreza a questão fiscal, agora com a compra de votos no atacado, ao oferecer R$ 400,00 mensais de Auxílio Brasil para angariar apoio principalmente no Nordeste, onde sua rejeição é maior e Lula atrai a maioria. Mas Lula, também com pouco apego à questão fiscal, na sua campanha poderá prometer R$ 600,00, em lugar dos R$ 400,00 de Bolsonaro, e dizer, ainda, que estes só valerão até dezembro de 2022, e sua proposta seria de algo permanente.

Na economia também há forte inflação, no que a própria política governamental tem parte da culpa, porque a questão fiscal foi agravada com a PEC dos Precatórios, com o maior teto de gastos e com a insistência da Câmara dos Deputados nas chamadas emendas do relator, que acabaram tendo um assim-não-dá do Supremo Tribunal Federal. Mas o governo vai insistir, e tudo isso gera incertezas na economia, refletindo-se na taxa cambial, que aumenta e gera mais inflação, o que, por sua vez, leva a aumentos de juros pelo Banco Central, desestimula consumidores de bens e serviços e desencoraja empresários a fazer investimentos em formação bruta de capital fixo (mais infraestrutura, fábricas, fazendas e outros investimentos), que poderiam expandir o PIB e gerar mais empregos.

Empresários se orientam pela perspectiva de lucros e por um cenário que garanta a realização deles, e este é prejudicado pelas incertezas que vêm do lado fiscal. A certeza é de que o governo não tem compromisso com esse lado.

No detalhe, o terceiro trimestre foi de entressafra agrícola, com o que o PIB do setor agropecuário deve mostrar taxa negativa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), em fase de divulgação, espera-se que a indústria como um todo não tenha crescimento, caindo a produção da indústria extrativa, a da indústria de transformação e a de eletricidade – quedas aliviadas pelo bom desempenho da construção civil. Ainda que com queda do comércio, mas impulsionado pelos transportes e por outros serviços, espera-se um crescimento do setor de serviços. Com essas e outras informações, o Ibre-FGV prevê crescimento de apenas 0,1% no terceiro trimestre. Quase nada.

Na terça-feira passada, vieram números de uma segunda fonte de dados trimestrais, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que procura prever as variações do PIB. A previsão para o terceiro trimestre foi de uma queda à taxa de 0,14%, que, se confirmada pelo IBGE neste ou noutro valor negativo, marcaria o início de mais uma recessão técnica, conforme já explicado acima. Entre as duas previsões citadas, prefiro ver confirmada a taxa negativa do IBC-Br. A diferença entre as duas é pequena, mas a notícia de uma nova recessão acentuaria mais o mau estado da economia, que talvez assim recebesse atenção maior do governo e da sociedade.

Até agora, o PIB não voltou ao seu valor de 2014 (!), nem deve voltar no final deste ano. Aliás, é enganosa, no que se refere à realidade atual, a taxa esperada para o PIB segundo o mais recente boletim Focus, do Banco Central (BC) – um aumento de 4,9% em 2021, relativamente ao PIB de 2020. Enganosa porque a parte mais importante dela, de 3,6%, ocorreria mesmo que o PIB tivesse crescimento nulo dentro de 2021, pois o cálculo é feito relativamente ao buraco que teve em 2020, quando caiu 4,1% e fez uma recuperação em V até o fim do ano. Mas, olhando apenas o crescimento dentro de 2021, a taxa esperada é de apenas 1,3%, que, somada à citada parcela de 3,6%, levaria aos 4,9%.

Vem aí a época de festas, mas, no caso do PIB, só haverá o que lamentar. E Bolsonaro? Certamente, comemorará as 400 pratas que distribuirá por meio de sua nova versão do Bolsa Família, esperando que seja reverenciado por quem teve a sorte de levar o dinheiro. E o presidente também quer um inoportuno reajuste salarial para o funcionalismo público federal.

Quanto ao Brasil e seu PIB, o legado que Bolsonaro vai deixar já pode ser previsto, e é lamentável. As taxas do PIB durante o seu mandato devem ficar em 1,2% (2019), -4,1% (2020), 4,9% (2021) e 0,9% (2022), as duas últimas conforme previsões do mais recente boletim Focus. A média aritmética delas ficaria em 0,73%, uma das mais baixas da história dos mandatos presidenciais brasileiros.

 

*  Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de novembro de 2021.

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PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3511&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-v-ao-simbolo-da-raiz-quadrada Fri, 22 Oct 2021 00:28:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3511 PIB – do V ao símbolo da raiz quadrada

 

Após concluída no 1.º semestre, recuperação da economia passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo.

 

Por Roberto Macedo*

 

Começarei pelo V. Tenho à minha frente um gráfico que mostra o índice do volume do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral desde o trimestre final de 2019, quando o valor desse índice foi de 171,6, com a média de 1995 = 100. Com a chegada da Covid-19, no final do primeiro trimestre de 2020, o índice caiu para 167,6. No trimestre seguinte, teve queda mais forte e atingiu 152,6, seu ponto mais baixo no ano, que se tornou o vértice de um V, porque em seguida veio a recuperação, com o índice passando a 164,3 e a 169,4 no terceiro e no quarto trimestres de 2020, respectivamente.

Com isso, o PIB findou o ano só um pouco abaixo do que era no último trimestre de 2019, ou seja, 171,6, conforme apontado acima. No primeiro trimestre de 2021, a recuperação em V se completou com o índice de 171,5, muito próximo do que tinha no final de 2019. Vale repetir: 171,6.

Com números já citados, o crescimento entre o primeiro trimestre de 2021 e o último trimestre de 2019 foi de 1,2%, taxa muito boa para uma variação trimestral, impulsionada, entre outros fatores, pelo desempenho do agronegócio, que é mais forte no primeiro trimestre, marcado pela colheita de safras plantadas no ano anterior, que cresceram. Também pesou um forte aumento de investimentos em capital fixo (fábricas, máquinas e outros), como proporção do PIB, em boa parte decorrente da contabilização, no Brasil, de caríssimas plataformas de exploração de petróleo até então escrituradas no exterior.

Daí para a frente, a economia brasileira passou a mostrar desempenho fraco, inclusive caindo um pouquinho no segundo trimestre de 2021, quando o índice de seu PIB ficou em 171,4, após ter alcançado 171,5 no primeiro trimestre deste ano.

Olhando para a frente, a previsão do crescimento do PIB entre 2021 e 2020, revelada pelo boletim Focus, do Banco Central (BC), de sexta-feira passada, é de um aumento de 5,0%, o que seria uma taxa ótima, não fosse o fato de que decorre principalmente da forte queda do PIB em 2020, que foi de 4,2%. Com essa queda, e conforme números acima, o índice médio do PIB naquele ano foi de 163,5. Se não crescesse nada dentro de 2021, ficando no valor a que chegou no último trimestre de 2020, ou seja, 169,4, só isso levaria a um crescimento anual de 3,6%!

Portanto, esta previsão de uma taxa de 5% em 2021 é, na sua maior parte, resultante do V que marcou o ano de 2020. E tem implícita a hipótese de que dentro de 2021 o PIB cresceria apenas mais uma parcela de 1,4%. Como já cresceu 1,2% no primeiro trimestre e ficou praticamente estável no segundo, pode-se concluir que a última previsão do relatório Focus, do BC, envolve, também implicitamente, a hipótese de que o desempenho da economia no segundo semestre deste ano será muito fraco.

Com esses dados, a recuperação em V, após concluída no primeiro trimestre do ano, passou a mostrar linha próxima de uma reta com o resultado do segundo. E, juntando o V com essa reta, o gráfico tem formato parecido com o do símbolo da raiz quadrada.

O mesmo formato também aparece a partir de dados do IBC-Br, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, que procura prever as taxas de variação mensal do PIB. Esse índice, que tem como base a média de 2002 = 100, mostrou também um V em 2020, terminando o último trimestre do ano com o valor médio de 137,6. No primeiro trimestre de 2021, subiu 1,5%, caiu 0,4% no segundo e, já mostrando os dados de julho e agosto do terceiro trimestre, a variação da média desses dois meses relativamente à do segundo semestre foi de apenas 0,1%. Ou seja, após a subida no primeiro semestre, caiu no segundo e ficou por aí, levando também a algo próximo da linha reta que forma a raiz quadrada após o V da recuperação.

Dei, também, uma olhada em índices setoriais do IBGE, e vi que até agosto os da indústria, comércio e serviços não mostravam força capaz de crescer o PIB com maior vigor até o fim do ano. Creio que esse panorama da raiz quadrada é que vem levando à redução da previsão do crescimento do PIB também em 2022, que segundo o mesmo Focus estava em 1,5%, e entre analistas do mercado já há quem aposte até em 0,5%.

Por trás desse desempenho está o aumento da inflação, que sobe há 28 semanas no Focus e corrói o consumo das famílias, pois seus rendimentos não acompanham o ritmo inflacionário, mais o aumento dos juros e as incertezas políticas que prejudicam o investimento privado e desvalorizam o real, também com impacto inflacionário. E há, ainda, problemas nas cadeias de suprimentos e um enfraquecimento da economia internacional, em particular da China. Ademais, o governo federal não tem recursos para aumentar sensivelmente os investimentos públicos e parece estar só preocupado em investir em projetos eleitorais do presidente da República e do Centrão.

E assim segue a economia brasileira, sem rumo. Ou, pior, só têm rumo os projetos populistas de seu comandante e dos que o apoiam. Espero que ao menos ele não chegue ao destino que tanto almeja.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de outubro de 2021.

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A diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e dentro de 2021 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3504&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-diferenca-entre-o-crescimento-do-pib-entre-2020-e-2021-e-dentro-de-2021 Fri, 01 Oct 2021 06:05:53 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3504 A diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e dentro de 2021

 

Por Roberto Macedo 

 

2021 ainda não terminou, mas já se pode prever que quando o PIB deste ano for publicado pelo IBGE, no final de fevereiro ou no início de março de 2022, haverá uma grande discussão sobre essa diferença. Conforme se prevê hoje, o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 deverá ficar perto de 5,2%, uma boa taxa para um crescimento anual. Contudo, se essa taxa for verificada, o crescimento do PIB dentro de 2021 será de apenas 1,6%. O governo deverá ressaltar o primeiro resultado, mas seus opositores procurarão enfatizar o segundo.

Com o auxílio do gráfico a seguir explicarei essa diferença, e ao final darei minha visão de qual resultado é o mais relevante.

Esse gráfico mostra o Índice de Volume Trimestral do PIB – Série encadeada (média de 1995 = 100), começando do quarto trimestre de 2019 (2019.IV), e seguindo pelos quatro trimestres de 2020. Em 2021, os dados até o 2º trimestre são os já levantados pelo IBGE; os números dos dois trimestres seguintes supõem aumentos de 0,4% no terceiro e 0,5% no quarto, relativamente aos respectivos trimestres anteriores, e são taxas consistentes com um crescimento de 5,2% do PIB entre 2020 e 2021. O índice médio do PIB em 2020 foi 163,5 e é mostrado pelo gráfico.

Dadas essas informações, a taxa de 5,2% prevista para a variação entre 2020 e 2021 é obtida pela comparação entre a média dos números de 2021 e a média de 2020, ou seja, 172 e 163,5. Essa taxa se decompõe em duas. A primeira, de 3,6%, supondo que o PIB não crescesse nada em 2021, ou seja, comparando-se o valor de 169,4 com 163,5. Nessa hipótese, o primeiro valor, que é aquele com que o PIB terminou 2020, se manteria inalterado em 2021 e seria, assim, o seu valor médio.

A segunda taxa, de 1,6%, resultaria aproximadamente do crescimento médio do PIB dentro de 2021, obtido dos seus índices trimestrais, que levam à média de 172, comparada com o valor do último trimestre de 2020, cujo valor, 169,4, já foi mencionado e consta do gráfico.

Agora, a minha avaliação. A primeira taxa, de 3,6%, resulta mais do mau resultado de 2020 do que do 2021, pois a média do PIB de 2020 foi muito baixa, resultante da pandemia da covid-19 no mesmo ano. Esse efeito é chamado de carregamento, pois melhora a taxa do PIB de 2021, independentemente do seu desempenho. Já a segunda taxa, de 1,5% leva em conta apenas o crescimento dentro de 2021, comparando-o com o índice do quarto trimestre de 2020, ou seja, com o valor com que o PIB terminou o ano após a recuperação em V, claramente evidenciada pelo gráfico, após a qual a economia não conseguiu crescer como o fez na haste direita desse V.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site do Espaço Democrático em 30 de setembro de 2021.

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PIB do segundo trimestre de 2021 ainda não voltou ao de 2013 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3498&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-trimestre-de-2021-ainda-nao-voltou-ao-de-2013 Fri, 17 Sep 2021 12:41:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3498 PIB do segundo trimestre de 2021 ainda não voltou ao de 2013!

 

Por Roberto Macedo

 

No dia 1º de setembro o IBGE divulgou os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil relativos ao segundo trimestre deste ano. O relatório sobre o assunto retroage a dados de 1996 apresentados num de seus gráficos, mostrado a seguir.

A linha azul do PIB observado mostra que até o quarto trimestre de 2008 ele seguia uma trajetória de crescimento que então foi interrompida por uma crise financeira nos Estados Unidos, que teve repercussões internacionais, alcançando também o Brasil. Aqui ela provocou uma recessão, que os economistas definem como uma sequência de dois trimestres consecutivos de queda do PIB, e foi seguida de uma recuperação rápida que retornou o PIB a seu maior valor anterior e a uma nova tendência de aumento que durou até o terceiro trimestre de 2013, quando atingiu o seu maior valor da série apresentada.

Começou, então, uma nova recessão, que se encerrou no primeiro trimestre de 2017, quando o PIB voltou a crescer, mas a taxas inferiores às que crescia antes da crise de 2008, conforme se percebe pela menor inclinação das linhas que vão de 2017 a 2019, relativamente àquelas 2009 e 2013.

No início de 2020 veio novamente uma recessão, associada à pandemia da Covid-19, que durou até o primeiro trimestre de 2021, quando a economia cresceu 1,2% relativamente ao último trimestre de 2020, retornando o PIB ao valor que tinha no último trimestre de 2019, conforme se observa pela linha do PIB ajustado.

Entretanto, não retornou ainda ao maior valor da série, já referido, o do terceiro trimestre de 2013. Com isso, a economia saiu de uma recessão, mas num contexto mais amplo ela permanece em depressão, este um movimento mais longo e mais grave que o de recessões.

A recuperação da recessão da pandemia da Covid-19 foi chamada de recuperação em V, formato que a linha do PIB mostrou em 2020. E como mostra o gráfico, a depressão que assola a economia desde 2013 tem um formato mais longo e achatado, como o da parte inferior de um U, mas a ponta de sua haste direita ainda está abaixo da ponta da haste esquerda.

A conclusão do exposto é que a economia brasileira está numa situação mais grave que a ressaltada sobre o noticiário econômico, mais focado no curto prazo e nessa recuperação em V, sem essa visão de um passado mais longo, a da depressão ainda em curso.

Uma estimativa da taxa que o PIB precisaria crescer para sair dela seria de 3% a partir do terceiro trimestre deste ano, mas o cenário é o de que, com muita sorte, o Brasil só conseguiria isso no final de 2022. Na contramão desse cenário, o PIB do segundo trimestre de 2021 caiu 0,1% e até o final do ano os analistas do mercado financeiro, conforme se depreende das recentes edições do Boletim Focus do Banco Central, estão indicando que nesse período ele só vai crescer algo próximo de 0,5%.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 14 de setembro de 2021.

 

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O ‘V’, o ‘K’ e o ‘X’ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3497&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-v-o-k-e-o-x Tue, 14 Sep 2021 21:28:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3497 O ‘V’, o ‘K’ e o ‘X’

 Paulo Guedes encharca-se com ideias equivocadas, enquanto a sociedade fica mais injusta e desigual

 Por Luís Eduardo Assis*

A divulgação do PIB do segundo trimestre gerou confusão. Como sempre, o IBGE deu destaque para os números dessazonalizados. Retirar dos indicadores a influência de fatores sazonais requer modelos econométricos que não têm a pretensão de oferecer mais do que aproximações. Conforme os parâmetros escolhidos os resultados podem variar bastante, sem falar que a pandemia deve ter alterado os padrões sazonais. Olhando os dados brutos, sem adivinhar os fatores sazonais, o que se sabe é que o PIB entre abril e junho subiu (sim, subiu) 1,2% em relação ao primeiro trimestre e foi 12,4% maior que no mesmo período do ano passado.

Esse desempenho, de todo modo pífio, animou o ministro da Economia a jactar-se da recuperação “em V” do nível de atividade. Aqui Paulo Guedes ataca espantalhos. Nunca se disse que, passado o isolamento social, a economia iria manter o nível de atividade de antes. Se houve interrupção momentânea das atividades, o retorno à rotina anterior só poderia aparecer nos gráficos com a forma de um V. Não há nada de surpreendente. O que assusta é que, na falta de um projeto de crescimento, essa recuperação nem sequer nos coloca na posição medíocre em que estávamos antes. Comparado com o segundo trimestre de 2019, estamos hoje com um PIB apenas 0,2% maior. Em relação ao segundo trimestre de 2013, o PIB do segundo trimestre de 2021 ficou ainda 2,5% menor. Nesses oito anos, a população cresceu 6,1%.

Além de irrisória, a recuperação da economia vem agravar nossas iniquidades, já que a retomada foi ainda mais frágil no mercado de trabalho. A Pnad mostra que entre dezembro de 2019 e agosto de 2020 a pandemia reduziu em 12,9 milhões, ou quase 14%, o número de pessoas ocupadas. Desde então, a recuperação econômica reincorporou apenas 6,1 milhões de pessoas. Para os trabalhadores, não houve V. A inflação também acirrou a desigualdade. Nos 12 meses terminados em julho, a inflação das pessoas com renda inferior a R$ 1.810,13 foi de mais de 10%, ante 7,1% da inflação dos felizardos que têm renda mensal maior que R$ 18.106,00. O item “Alimentação no Domicílio”, que atinge em cheio as pessoas mais pobres, aumentou 21,8%, ante 6,7% para a alimentação fora do domicílio. O desemprego comprime a renda dos trabalhadores menos qualificados. O custo dos serviços de manicure compilados no IPCA subiu menos de 5% nos últimos 12 meses. Para “Cabeleireiros e Barbeiros”, o aumento foi ainda menor, 1,6%, o que não é tão ruim quanto o caso das costureiras, cujo serviço ficou 0,4% mais barato nesse período.

Enquanto isso, o gás de cozinha aumentou 32,8% e o coxão duro ficou 37,6% mais caro. Na outra ponta do Brasil, o mercado de bens de luxo vai de vento em popa. Os endinheirados que têm aplicações no exterior se regozijam com o dólar mais caro e, na falta das viagens internacionais, se deleitam comprando aqui mesmo. Qual a forma de combater a inflação? Juros mais altos é o que temos para o momento, o que premia os rentistas, deteriora as finanças públicas e aguça a concentração de renda. Ou seja, a recuperação tem mais a forma de um K. A população mais pobre vê sua condição se deteriorar, enquanto os mais ricos têm dificuldade em escolher no que gastar. Como lembra J. Stiglitz em The Price of Inequality, a desigualdade custa muito caro: instabilidade econômica, menor crescimento e riscos à democracia. O ministro da Economia perde-se em especulações nefelibatas, encharca-se com ideias equivocadas, contenta-se com o V minúsculo e ignora que o X da questão é o fato de que estamos criando uma sociedade ainda mais injusta e desigual. Terá muito o que explicar no futuro. Paulo Guedes tem um passado pela frente.

* Luís Eduardo Assis é economista, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e é membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. e-mail : luiseduardoassis@gmail.com

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 13 de setembro de 2021.

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PIB caiu um tiquinho e está sem forças para subir um tantão https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3494&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-caiu-um-tiquinho-e-esta-sem-forcas-para-subir-um-tantao Fri, 03 Sep 2021 18:47:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3494 PIB caiu um tiquinho e está sem forças para subir um tantão

Hoje o cenário de crescimento por tiquinhos parece o mais verossímil

 

Por Roberto Macedo

 

O IBGE anunciou ontem que o produto interno bruto (PIB) caiu 0,1% no segundo trimestre deste ano, relativamente ao anterior. Além de valores em reais, o relatório publicado também abrange números-índices que compõem uma série de dados com média de 1995=100, igualmente apresentada com ajuste sazonal, à qual recorrerei.

Ela mostra que no trimestre anterior o PIB cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, taxa bem forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo. O índice do PIB do segundo trimestre de 2021 foi de 171,4, e o do primeiro, 171,5, números bem próximos do valor que tinha no quarto trimestre de 2019 (171,6), concluindo assim a recuperação em V da forte recessão ensejada pela Covid-19, iniciada no primeiro trimestre de 2020.

Mas repito que até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa cujo gráfico tem um formato mais achatado do que um V, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 2015-2016 e de 2020. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), exigiria um aumento de 3,3% do PIB a partir do terceiro trimestre de 2021, o que não se concretizará neste ano.

Ora, a previsão do crescimento do PIB em 2021, dada na última sexta-feira pelo relatório semanal Focus, do Banco Central, que sintetiza as avaliações do mercado financeiro, é de um aumento de 5,2%. Não seria o caso de comemorar? De fato, também reiterando argumento já apresentado aqui, essa taxa é excepcional, mas noutro sentido. Desse total, uma parcela vem do fato de que, na comparação ano a ano, a base dessa avaliação, o PIB de 2020, teve uma queda de 4,1%, ficando, nesse ano, com um índice médio trimestral de 163,5, e um valor de 169,4 no quarto trimestre. Se permanecesse aí, sem crescer nada em 2021, só isso levaria a um aumento de 3,6% na comparação com 2020, quando o PIB caiu no buraco de 4,1%. Tecnicamente, isso é um carregamento que o mau desempenho de 2020 trouxe para o PIB de 2021 nessa comparação anual.

Assim, a referida previsão de 5,2% do boletim Focus para o crescimento da economia em 2021 implica que a expectativa implícita nessa taxa é de que durante o ano o PIB aumente apenas mais 1,6% além dos 3,6% do carregamento. Mas já cresceu 1,2% no primeiro trimestre, no segundo caindo para 1,1% até aí.

Também volto a insistir que será indispensável assimilar e divulgar essa diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e sua variação dentro de 2021. É bem possível que o governo queira faturar politicamente o forte crescimento que a primeira taxa deve revelar, mas, a bem da verdade, será preciso mostrar as duas e explicar por que a primeira será tão alta.

Quanto ao que vem pela frente, no dia 17 de junho, logo após a divulgação do PIB do primeiro trimestre, publiquei aqui artigo intitulado Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável. Mantenho essa percepção, e gostaria de estar errado.

Antecipei nesse artigo que o PIB do segundo trimestre teria menor desempenho que o do anterior, pois não contaria com o forte impulso do setor agropecuário no primeiro e a escassez de chuvas no segundo prejudicou várias safras, em particular a do milho, de grande tamanho. Também não via condições de repetir o forte crescimento da formação bruta de capital fixo do primeiro trimestre, muito influenciado pela contabilização interna de plataformas de petróleo já operando no País, mas até então contadas como ativos no exterior. Os dados do segundo trimestre mostraram que o setor agropecuário caiu 2,8% e essa formação de capital foi reduzida em 3,6%. Analisei outros fatores no mesmo artigo e conclui que poderia até mostrar um pequeno retrocesso no segundo trimestre, o que se verificou.

Olhando o segundo semestre, a esperança está numa recuperação mais forte do setor de serviços, que no segundo trimestre cresceu 0,7%, e vale notar que a previsão do boletim Focus acomoda um crescimento de apenas 0,5% do PIB no segundo semestre.

De fato, não há razões para ser otimista. O presidente Bolsonaro não tem um plano de recuperação da economia, só pensa em reeleição e em criar conflitos, o ministro Paulo Guedes perdeu prestígio, ambos estão nas mãos do Centrão gastador, tudo isso gerou um quadro de grandes incertezas, políticas, institucionais e fiscais e há a certeza de uma inflação alta, o que prejudica o ambiente de negócios e a própria confiança do consumidor. Notícia recente no jornal Valor mostrou algo pouco percebido, que exportadores estão deixando parte do seu dinheiro lá fora. Isso reduz a oferta de dólares, contribui para o aumento da taxa de câmbio e, assim, também da inflação. E 2022 será um ano eleitoral, pressionando a gastança fiscal.

Assim, hoje o cenário de crescimento por tiquinhos parece o mais verossímil.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de setembro de 2021.

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‘IBGE na Idade da Pedra Lascada’ não faz o menor sentido https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3487&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ibge-na-idade-da-pedra-lascada-nao-faz-o-menor-sentido Fri, 06 Aug 2021 17:59:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3487 ‘IBGE na Idade da Pedra Lascada’ não faz o menor sentido

A última Pnad reflete o desempenho recente da economia brasileira

Por Roberto Macedo

O ministro Paulo Guedes questionou a metodologia utilizada pelo IBGE na análise que esse instituto faz sobre o mercado de trabalho, com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), cujo último resultado, do trimestre encerrado em maio último, mostrou, entre outros aspectos, taxa de desemprego de 14,6% da população economicamente ativa (PEA). Essa pesquisa, ao buscar informações nos domicílios, abrange todas as formas de trabalho, como o formal, o informal, por conta própria e outras. Essa taxa foi a segunda maior da série iniciada no primeiro trimestre de 2012.

Guedes contrastou esse resultado com os do Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged), que cobre apenas o mercado formal, com carteira assinada. Segundo ele, “estamos gerando praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio” e a Pnad “está atrasada ao usar entrevistas por telefone … enquanto o Caged trabalha com dados oficiais das empresas”. E concluiu: “Vamos ter que rever… os procedimentos do IBGE porque ele ainda está na Idade da Pedra Lascada”.

Essa afirmação não faz o menor sentido. Soube que essa idade se refere a um período da Pré-História, dos primeiros hominídeos até cerca de 10 mil anos antes de Cristo (a.C.), seguido pela Idade da Pedra Polida, que vai até perto de 5.000 a.C. O IBGE completou 85 anos em 2021, usa modernas tecnologias de informação e tem como presidente um economista de prestígio, Eduardo Rios Neto, doutor em demografia e membro da Academia Brasileira de Ciências. Assim, Guedes não foi polido em sua afirmação.

A última edição da Pnad, a do trimestre móvel concluído em maio, mostrou resultados em sintonia com o que se sabe de outras fontes sobre o desempenho recente da economia brasileira. No primeiro trimestre de 2021 seu produto interno bruto (PIB) retornou ao valor que tinha no último de 2019, mas ainda sem alcançar o que mostrava em 2014 (!), quando a taxa de desemprego esteve em torno de 6,5% da PEA.

No momento a economia continua sob efeitos da Covid-19, ainda que aliviados pelo avanço da imunização. As previsões para o crescimento do PIB neste ano, relativamente a 2020, estão em torno de 5,4%, mas essa taxa tem dois componentes. O primeiro vem do fato de que o PIB sofreu forte queda em 2020, de 4,1%. Mas teve uma recuperação em V que, no final do mesmo ano, chegou a um valor que, se mantido ao longo de 2021, sem crescimento neste ano, levaria a um aumento de 3,8%, pois a comparação seria feita com o “buraco” ocorrido no anterior. O segundo componente, de mais 1,6%, seria o crescimento atribuível ao desempenho da economia previsto para 2021, mas só dentro dele. Ou seja, nada entusiasmante, pois se trata de taxa muito baixa que não teria grande impacto na taxa de desemprego.

Além disso, vale lembrar que essa taxa é medida pela proporção entre o número de desocupados que procuram trabalho e o total da PEA, que inclui esse número e o dos que estão trabalhando. Assim, se mais pessoas passam a procurar trabalho, encorajadas por notícias de recuperação, a taxa de desemprego pode até subir. E poderia cair numa situação de queda do PIB se uma parcela ponderável dos que procuram emprego desistisse de fazê-lo.

Explicado isso, o que se nota na apresentação do IBGE sobre o trimestre findo em maio último é que o número de pessoas na força de trabalho na semana de referência da pesquisa parou de cair, e até subiu um pouco nas últimas três divulgações trimestrais, mesmo com o aumento da taxa de desemprego. A população ocupada na agricultura e na construção vem crescendo mais do que noutros setores, o que era de esperar em face do melhor desempenho dessas duas atividades.

E mais: a população ocupada informalmente aumentou em 3,7 milhões de pessoas entre as pesquisas dos trimestres concluídos em agosto de 2020 e maio de 2021, o que é um bom resultado. Maior até que o citado número de que Guedes se vangloriou ao criticar os dados da Pnad recorrendo aos do Caged, ou seja, “1 milhão de empregos a cada três meses e meio”. Assim, os números da última Pnad estão condizentes com o crescimento da economia esperado dentro de 2021.

Como visto, na crítica à Pnad Guedes ressaltou também que a pesquisa passou a ser feita por telefone, mas parcialmente, segundo o IBGE. E com a repetição do novo procedimento amostral, as comparações são feitas dentro dele, reduzindo eventual impacto da mudança. Vale também lembrar que os dados do Caged têm sofrido críticas que apontam um aumento das admissões resultante de mudança na metodologia de coleta dos dados.

A realização da Pnad precisa ser aprimorada, em particular ampliando e reestruturando a sua amostra. Para isso seria necessário consultar os resultados de um novo censo, mas o de 2020 foi adiado em razão da pandemia e da disputa política por recursos orçamentários. Ainda que tardio, vejamos se de fato virá em 2022, para um retrato mais amplo e atualizado do País.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 5 de agosto de 2021.

 

 

 

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Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3460&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=novo-e-robusto-aumento-do-pib-ate-o-fim-do-ano-e-improvavel Tue, 22 Jun 2021 14:01:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3460 Novo e robusto aumento do PIB até o fim do ano é improvável

O crescimento do PIB entre 2020 e 2021 não é o que virá dentro de 2021

Por Roberto Macedo

No primeiro trimestre deste ano o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 1,2% relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa forte para uma variação trimestral. Mas cabe examiná-la num contexto mais amplo, o dos últimos anos da série encadeada do índice do PIB, publicada trimestralmente pelo IBGE, com a atualização desse índice. Ela teve início no primeiro trimestre de 1998, com ajuste sazonal e média de 1995 igual a 100.

Segundo essa série, o PIB do primeiro trimestre de 2021 apenas voltou a 171,6, o mesmo valor que tinha no quarto trimestre de 2019, concluindo a recuperação em V da recessão iniciada no primeiro trimestre de 2020, a da primeira onda da Covid-19.

Num olhar ainda mais amplo, até hoje o PIB não escapou da depressão, algo mais duradouro e forte do que uma recessão, iniciada após o primeiro trimestre de 2014 (!), quando esse índice foi de 177,1 – o maior da série –, depressão essa que tem um formato mais achatado, como o da parte inferior de um U, durante a qual ocorreram as fortes quedas de 2015-2016 e a da Covid-19. A recuperação desse índice de 177,1, de sete anos atrás (!), ainda não se verificou, e exigiria um aumento de 3,2% do PIB a partir do primeiro trimestre de 2021, taxa mais típica de uma variação anual.Nesse contexto, a previsão do crescimento do PIB neste ano, dada na última sexta-feira pelo relatório semanal Focus, do Banco Central, que sintetiza as avaliações do mercado financeiro, é de um aumento de 4,85%. Não seria essa uma taxa excepcional e digna de comemoração? De fato, ela é excepcional, mas noutro sentido. Desse valor, 3,8% decorrem de que na comparação ano a ano, a base de comparação, o PIB de 2020, teve uma queda de 4,1%, ficando, na mesma série mencionada inicialmente, com um índice médio trimestral de 163,5, e um valor de 169,5 no quarto trimestre de 2020. Se permanecesse aí e não crescesse nada em 2021, isso levaria a um aumento de 3,7% na comparação com 2020, quando o PIB caiu num buraco de 4,1%, com o qual o PIB de 2021 estaria sendo comparado. Tecnicamente isso é chamado de um carregamento que o mau desempenho de 2020 trouxe para o PIB de 2021 nessa comparação anual.

Como já visto, o mercado está prevendo um crescimento ainda maior, de 4,85%. Isso implica que a expectativa implícita nessa taxa é de que durante 2021 o PIB cresça apenas mais 1,15% além dos 3,8%, ficando aproximadamente no mesmo nível em que veio no primeiro trimestre, ou seja, com crescimento de 1,2%. O título deste artigo está em sintonia com essa previsão.

Complicado? Pode ser para quem não aprecie o assunto, nem domine o conceito de PIB e sua métrica no tempo, mas será indispensável assimilar essa diferença entre o crescimento do PIB entre 2020 e 2021 e sua variação dentro de 2021. É bem possível que o governo tente faturar politicamente o forte crescimento que a primeira taxa vai revelar, mas, a bem da verdade, será preciso mostrar as duas taxas e explicar por que a primeira será tão alta.

Quanto à variação do PIB no restante de 2021, não estou otimista, e torço para estar errado. O PIB do segundo semestre deverá ter menor desempenho que o do primeiro, pois não vai contar com o forte impulso do setor agropecuário no primeiro, quando suas colheitas são mais fortes, e a escassez de chuvas no segundo prejudicou várias safras, em particular a do milho, de grande tamanho. Também não vejo condições de repetir o forte crescimento da formação bruta de capital fixo do primeiro semestre, influenciada, entre outros fatores, pela contabilização interna de plataformas de petróleo já operando no País, mas até então contadas como ativos no exterior. De forma correspondente, nota-se que as importações tiveram forte aumento no primeiro trimestre de 2021 relativamente ao último de 2020, a uma taxa de 7,7%. Ainda pelo lado da produção, o setor de serviços, o mais importante da economia, continua com fraco desempenho, cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre de 2021, e a indústria de transformação caiu 0,5% no mesmo período, sempre relativamente ao trimestre anterior.

Pelo lado da demanda, não se espera que o consumo das famílias e do governo, que teve desempenho negativo no primeiro trimestre, se recupere a ponto de ter impacto relevante no PIB, pois o governo não está em condições de fazer isso e o das famílias continua contido pelo distanciamento social e por uma vacinação muito lenta, num contexto também marcado por forte expansão do desemprego. Com tudo isso, o segundo trimestre de 2021 pode até mostrar um pequeno retrocesso, e lembro que cenários como esse podem mudar, em particular no segundo semestre do ano.

Em síntese, ainda em depressão, a economia segue muito doente. Falta-lhe até uma UTI para internação, pois nem o Executivo nem o Congresso parecem estar preocupados em formular e executar eficazmente um tratamento econômico que lhe dê maior dinamismo.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de junho de 2021.

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Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3426&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mercado-ve-pib-crescendo-32-em-2021-mas-deve-ficar-perto-de-zero Mon, 22 Mar 2021 14:57:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3426 Mercado vê PIB crescendo 3,2% em 2021, mas deve ficar perto de zero

A expectativa dessa taxa de 3,2% vem mais da forte queda do PIB em 2020

Por Roberto Macedo

Esse forte contraste se explica por que, ao olhar para o produto interno bruto (PIB) de 2021, o mercado está muito influenciado pela taxa a ser anunciada pelo IBGE no início de 2022, prevista como muito alta pelo andar recente da economia, e muito mais impactada pela forte queda da economia em 2020 do que pelo desempenho da economia em 2021. Essa previsão de 3,2% acompanha procedimentos estatísticos adotados pelo IBGE ao medir as variações do PIB, conforme explicarei em seguida, pedindo ao leitor desculpas por recorrer a algumas tecnicalidades que tentarei minimizar.

Recorde-se que o PIB teve em 2020 um movimento na forma de um V incompleto na sua haste direita, caindo fortemente com a pandemia da Covid-19 a partir de meados de março e até o segundo trimestre. Depois o PIB passou a crescer, mas sem superar a queda anterior, levando a uma redução de 4,1% no ano. Como o IBGE chegou a esse valor? É como se calculasse a variação média trimestral do PIB ao longo de um ano, por meio de um índice, e a comparasse com a do ano anterior.

Resolvi conferir essa taxa de 4,1% com base no último relatório do PIB trimestral do IBGE, divulgado em 3 de março e, nele, a Série Encadeada do Índice de Volume Trimestral (Média de 1995=100). Tomei as médias dos quatro índices trimestrais de 2020 e 2019 e, dividindo a primeira média pela segunda, o resultado levou a essa queda de 4,1% em 2020.

Noutro exercício, tomei o valor do mesmo índice no último trimestre de 2020 e, supondo para o PIB um crescimento nulo em 2021, esse valor seria o mesmo nos quatro trimestres. E dividindo-o pela média de 2020 encontrei qual seria a taxa de crescimento da economia em 2021, se medida pelo IBGE com essas informações, chegando à taxa de 3,8%. Ou seja, com crescimento zero do PIB, o resultado do IBGE em 2021 seria esse.

Boletim Focus, do Banco Central (BC), divulgado no último dia 15, que mostra as expectativas dos analistas do mercado com relação a vários indicadores, prevê que esse crescimento será de 3,2%, e abaixo do valor a que cheguei, sugerindo que, além de não crescer, o PIB teria uma pequena queda em 2021 na previsão desses analistas.

Ambas as previsões são altas porque em 2020 o valor do PIB caiu bastante, fazendo com que a taxa do PIB de 2021 a ser calculada IBGE tenha um viés de alta independentemente do que acontecer neste ano. Esse viés é chamado de carry over na literatura internacional sobre o assunto, um carregamento transferido de um espaço para outro ou, no tempo, de um para outro período, como no caso sob exame.

Alguém errou nessa história? Não, é uma questão de critério. O IBGE trabalha com essa média trimestral dentro de um ano relativamente à do anterior; outro seria calcular a variação do PIB comparando o valor alcançado em dezembro de 2021 com o verificado de dezembro de 2020. E mais um critério foi o procedimento que adotei acima, de zerar o crescimento em 2021, baseado em outras avaliações que economistas fazem da economia neste ano, independentemente do que aconteceu no ano passado. Entendo que o IBGE está correto, pois é melhor trabalhar com as médias dentro de cada ano comparado. A distorção do carregamento de 2020 para 2021 foi um caso excepcional. O desempenho usual do PIB é de crescimento, e não de queda, e muito menos tão forte como a do ano passado.

Olhando à frente em 2021, o quadro é desalentador. Como foi visto acima, a própria previsão do Boletim Focus, do BC, embute pequena variação negativa do PIB. De fato, ainda sem completar uma efetiva recuperação em V, os dados mais recentes levaram vários economistas a prever até um desempenho negativo do PIB já nos dois primeiros trimestres do ano, percepção que se agravou com a piora da pandemia imposta pela Covid-19. Em matéria de meia página (B3), ontem, este jornal entrevistou vários economistas e assim resumiu o resultado: “País está na contramão do resto do mundo, onde projeções para a atividade sobem; no Brasil, previsão é de queda com inflação em alta”.

Nesse contexto, ganhou surpresa o resultado de um aumento do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (|IBC-Br) à taxa de um 1% em janeiro, mas isso foi visto como um ponto fora da curva, pois a economia deve ter mostrado menos ímpeto em fevereiro e deve piorar, avançando no negativo, a partir do mês atual.

Com o contágio e as mortes pela Covid-19 batendo novos recordes desde meados de fevereiro, as reforçadas medidas de isolamento recém-adotadas devem impor novas perdas principalmente ao comércio e ao setor de serviços, o mais importante da economia, com o que ela sofrerá bastante. A vacinação está atrasada e insuficiente, ainda sem efeitos sensíveis no controle da pandemia, com a contaminação pela Covid-19 avançando mais rápido do que a vacinação. Ela veio escassa com o grande descaso do governo em planejá-la, ainda em meados no ano passado, e rapidamente adquirir as vacinas necessárias para a imunização em massa da população.

Deu no que deu.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de março de 2021.

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