Corrupção – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Inflação e corrupção https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3602&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=inflacao-e-corrupcao Tue, 19 Apr 2022 05:25:06 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3602 Inflação e corrupção

Por Luiz Alberto Machado*

 “Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que  corromper sua moeda – processo que empenha todas as forças ocultas da economia na sua destruição, de modo tal que só uma pessoa em cada milhão consegue diagnosticar.”

John Maynard Keynes

Alinho-me àqueles que consideram o Plano Real o grande divisor de águas da economia brasileira. A conquista da estabilidade monetária pôs fim a um perverso ciclo de planos de estabilização fracassados que foram responsáveis pela nossa permanência em prolongado atoleiro. Adotados com o objetivo de acabar com a inflação crônica e elevada vigente na década de 1980 e início da de 1990, tais planos agravaram as tradicionais consequências negativas da inflação – corrosão do valor da moeda, elevação dos preços, perda aquisitiva dos salários – adicionando a elas a instabilidade jurídica decorrente da ruptura de contratos juridicamente perfeitos, a instabilidade financeira decorrente da troca frequente da moeda e das ilusões de rentabilidade, e a ampliação do campo para a corrupção generalizada graças, entre outras coisas, à manipulação dos orçamentos públicos transformados em peças de ficção contábil.

Num artigo de 1992 do Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, há um parágrafo que retrata bem o que era viver num país com taxas de inflação como essas: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil”. 

É evidente que há uma diferença acentuada entre os níveis da inflação daquela época e o da atual, que chegou a 10,06% em 2021, conforme divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos dez anos, apenas em dois deles, 2015 e 2021, a inflação anual foi superior a 10%, como se observa no gráfico 1.

Gráfico 1 – A inflação nos últimos 10 anos: IPCA 2011-2021

Para enfatizar bem a diferença entre os dois contextos, vale lembrar, tanto para os que viveram nos primeiros anos da década de 1990 e, especialmente, para os que não viveram nessa época, a que patamar havia chegado a inflação no Brasil e como estávamos defasados em relação a nossos vizinhos latino-americanos que, àquela altura, já tinham obtido sucesso no esforço de debelar a inflação. Quase todos esses países, a exemplo do Brasil na década de 1980, conviveram com a combinação de estagnação prolongada, inflação crônica e endividamento elevado, no que se convencionou chamar de década perdida.

Como se vê no gráfico 2, a inflação anual do Brasil em 1992 foi de 1.178%, contrastando enormemente com a inflação dos outros países da região.

Gráfico 2 – A inflação na América Latina em 1992[1]

Em 1993, o ano que antecede a adoção do Plano Real, a situação foi ainda pior, com a inflação atingindo 2.567%, enquanto a média dos países da América Latina foi de 22% (gráfico 3). 

Gráfico 3  – A inflação na América Latina em 1993

Diz o ditado que “uma imagem vale mais que mil palavras”. As imagens desses três gráficos constituem, a meu juízo, razões mais do que suficientes para perceber que a inflação atual, mesmo estando bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central, está num patamar completamente diferente daquele verificado antes da estabilidade propiciada pelo Plano Real.

Porém, considerando que: (i) não conseguimos eliminar por completo alguns resquícios de cultura inflacionária; (II) já nos deparamos aqui e acolá com notícias dando conta de reivindicações de aumentos de salários e/ou de preços em setores isolados; (iii) tudo indica que continuaremos em 2022 com uma inflação anual superior à meta fixada pelo Banco Central; (iv) estamos em ano eleitoral, nos quais interesses eleitoreiros costumam levar a gastos públicos superiores aos recomendáveis; e (v) assistimos a um crescente desmanche de avanços recentes das instituições anticorrupção,  achei por bem lembrar a perigosa relação entre inflação e corrupção a fim de conscientizar a todos sobre a necessidade de cortarmos o mal pela raiz, fazendo todos os esforços para que a inflação não se alastre e suba de patamar, ameaçando as conquistas decorrentes da estabilização monetária que nos colocaram, depois de muitos anos de inflação crônica e elevada, num novo padrão de convivência civilizada, sem os riscos que a falta de um padrão monetário estável significam para a corrosão do acordo moral de que dependem tanto a manutenção da ordem democrática como o funcionamento do mercado.

Recorro novamente a um alerta de Eduardo Giannetti da Fonseca: “A inflação destrói a transparência da gestão de verbas públicas, mina a confiança da sociedade no Estado, provoca a deterioração da moralidade fiscal e deturpa irremediavelmente as relações de mercado”.

Porém, para confirmar a hipótese de que ainda não estamos vivendo num clima de descontrole generalizado como costuma ocorrer quando todos os agentes econômicos – empresários, trabalhadores, donas de casa etc. – alteram seu comportamento normal, atirando-se num clima alucinado de jogatina, encerro reproduzindo um trecho bastante ilustrativo de Lionel Robbins, que, a exemplo de John Maynard Keynes, foi um dos maiores economistas do século XX: “A honestidade pública e privada tendem a se deteriorar na atmosfera de cassino engendrada pela inflação alta. A inflação, tal qual nós a conhecemos, através da história, corrompe e distorce toda a base da sociedade. Eu não afirmo que o mundo chegará ao seu fim se nós degenerarmos até a posição da América Latina. Mas o que digo é que uma inflação da ordem de grandeza que estamos presenciando (15% ao ano) gradualmente acarreta uma mudança radical de atitude – uma mudança geral e deplorável de atitude em toda a sociedade”.

 

Referências

FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Em O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1992, p. 2.

_______________ As consequências morais da inflação. Em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 185-190.

KEYNES, John M. As consequências econômicas da paz. Prefácio de Marcelo de Paiva Abreu; tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. (Clássicos IPRI; v. 3).

ROBBINS, Lionel. Against inflation (1979). Em FONSECA, Eduardo Giannetti da. Ética e inflação. Braudel Papers, n° 1. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993, p. 6.

 

 * Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Baseado no artigo publicado no blog de Fausto Macedo do jornal O Estado de S. Paulo, em 15 de abril de 2022.

[1] A fonte dos gráficos 2 e 3 é a FGV.

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Mudam-se os tempos, permanece o patrimonialismo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3507&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mudam-se-os-tempos-permanece-o-patrimonialismo Thu, 07 Oct 2021 13:44:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3507 Mudam-se os tempos, permanece o patrimonialismo

 

Por Luiz Alberto Machado*

 

Tenho absoluta convicção de que uma das razões da dificuldade para a consolidação da cidadania no Brasil reside no caráter patrimonialista que envolve nossa formação política.

A concepção patrimonialista da história político-econômica do Brasil é, de certa forma, uma contraposição à teoria da dependência, que surgiu por volta da década de 1960 e ganhou enorme popularidade nos anos seguintes. Tal teoria, que explicava o atraso relativo dos países latino-americanos a partir de uma relação perversa que os vinculava aos países desenvolvidos na nova divisão internacional do trabalho, ganhou projeção a partir da publicação do livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, de autoria de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto. Propunha que o subdesenvolvimento dos países latino-americanos era consequência inevitável da exploração a que estavam submetidos por parte dos países desenvolvidos – chamados de centrais –, situação a que estariam condenados a permanecer em razão das relações internacionais vigentes.  Dava, portanto, a certeza de que a responsabilidade pelo nosso subdesenvolvimento era integralmente dos países desenvolvidos, não restando aos países latino-americanos outro destino que não o de desempenhar o papel de vítimas da história.

Esse tipo de ponto de vista, que praticamente nos isentava de qualquer responsabilidade pelo subdesenvolvimento da região, jogando toda a culpa pelo nosso atraso nas costas dos países desenvolvidos, incomodou alguns pensadores que enxergavam nessa postura uma forma confortável de encarar a questão. Assim, agindo a princípio de forma assistemática, já que desenvolviam suas pesquisas e seus trabalhos em instituições e locais diferentes, acabaram dando origem a uma corrente de interpretação que se convencionou chamar de patrimonialista e que tem no deslocamento do foco central de sua análise da realidade latino-americana de fora para dentro dos países da região uma de suas marcas principais.

O Estado brasileiro, em sua conformação histórica, corresponde a um tipo de dominação política que na tipologia de Max Weber se denomina “organização estatal-patrimonial”. Trata-se de categoria que permite abarcar em toda a sua complexidade e profundidade o fenômeno do poder entre nós brasileiros, já que não restrita a variáveis puramente econômicas, como no marxismo, por exemplo. A tentativa de reduzir a formação do Estado à simples expressão de interesses de classe tem-se revelado insuficiente para explicar a história política de nosso país, sobretudo por desconsiderar as variáveis culturais como fatores configuradores da ordem política.

O mando político, no mundo hispânico, foi tradicionalmente entendido como patrimônio pessoal do governante – uma extensão do poder doméstico – e nisso consiste o aspecto nuclear da dominação patrimonial. Despojado de sua dimensão pública, o poder, nos moldes do patrimonialismo, constitui, nas palavras de Max Weber, “um direito próprio (do soberano) apropriado em igual forma que qualquer outro objeto de possessão”.

Diversos autores, com base nessa concepção weberiana, desenvolveram interessante análise da formação político-econômica do Brasil por meio da qual têm procurado identificar a origem de uma série de problemas que, até hoje, assolam o País. Entre esses autores, destacam-se Raymundo Faoro, José Nêumanne Pinto, Antonio Paim, Ricardo Vélez Rodríguez, Simon Schwartzman e José Júlio Senna. Em suas análises, realçam as principais características das relações entre o Estado e a sociedade no contexto do patrimonialismo brasileiro: (i) o centralismo; e (ii) o estatismo e seus subprodutos: autossuficiência do poder; raquitismo da vida civil; insolidarismo; privatização da coisa pública.

Uma das interpretações que mais me agrada entre as dos analistas que enfatizam o caráter patrimonialista da formação do Estado no Brasil é a do jornalista José Nêumanne, apresentada nos capítulos iniciais de seu livro Reféns do passado. Nele, Nêumanne chama a atenção para a enorme influência na época do Brasil-colônia de três instituições trazidas prontas pela coroa portuguesa – o Estado, o exército e a igreja – e de seus respectivos estamentos, o estamento burocrático, os militares e o clero. Direta ou indiretamente a influência desses estamentos esteve presente nos grandes acontecimentos da história política brasileira. Seus membros, sempre que necessário, colocavam os interesses do estamento a que pertenciam acima dos próprios interesses nacionais. A característica comum a essas instituições é o fato de não serem porosas à participação da opinião pública, assumindo, no Brasil e no exterior, vida própria, independente da vontade popular.

Na nossa história recente, temos tido oportunidade de presenciar exemplos claros desse caráter patrimonialista em episódios que redundaram no impeachment dos presidentes Collor e Dilma Rousseff, nos escândalos do mensalão e do petrolão durante os governos do presidente Lula e nas frequentes ações do presidente Bolsonaro em que fica flagrante a influência de seus filhos ou a preocupação de protegê-los diante de qualquer denúncia, como no caso das rachadinhas. São casos evidentes de usar o poder ou a coisa pública em benefício de interesses de grupos particulares. Podem variar em grau de intensidade, mas não deixam de marcar presença.

Em decorrência disso, além dos frequentes casos de corrupção, impunidade, empreguismo e nepotismo, ocorre uma brutal perda de eficiência, que compromete a produtividade, reduz a competitividade da economia nacional e mancha a imagem internacional do Brasil.

 

* Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no Blog de Fausto Macedo, O Estado de S. Paulo, em 29 de setembro de 2021.

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O crime compensa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3479&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-crime-compensa Wed, 14 Jul 2021 19:36:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3479 O crime compensa?

Por Luiz Alberto Machado*

Chama a atenção o volume de matérias divulgadas na mídia ou nas redes sociais envolvendo temas relacionados ao crime e à corrupção no Brasil.

Mesmo admitindo que há crime e corrupção no mundo todo e que a pandemia  expandiu os estímulos à prática de atos ilícitos em razão da redução do nível de atividade econômica e da menor oferta de empregos formais, a sensação que se tem é que no Brasil o volume supera o normal.

Sensação, aliás, confirmada pela Transparência Internacional, organização não governamental dedicada à produção de um índice comparativo da percepção de corrupção em 180 países. A escala do índice vai de 0 a 100, em que 0 significa que o país é percebido como “altamente corrupto” e 100 é a avaliação de um país percebido como “muito íntegro”. Notas abaixo de 50 indicam níveis graves de corrupção.

Na última edição do IPC (Índice de Percepção da Corrupção), publicada janeiro de 2021, a nota do Brasil (38) ficou abaixo da média da América Latina (41) e mundial (43) e distante da média dos países do G20 (54) e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) (64).

A combinação de elevado volume de matérias sobre crimes e de alto índice de percepção da corrupção leva à seguinte pergunta: o crime compensa no Brasil?

Uma possível resposta a essa pergunta pode ser buscada na teoria econômica, graças, sobretudo, à contribuição de Gary Becker, ganhador do Nobel de Economia em 1992, “por haver estendido os domínios da análise microeconômica ao vasto campo do comportamento humano e das suas interações, incluindo o comportamento não mercadológico”.

Becker, que se engajara, de 1964 a 1967, numa linha de pesquisa liderada por Jacob Mincer e Theodore Schultz voltada à teoria do capital humano, ampliou consideravelmente a problemática neoclássica (base da teoria do capital humano) ao estender para diversos outros fenômenos da vida social o mesmo argumento utilizado na análise do investimento em capital humano, fundamentada na racionalidade dos indivíduos. Nas mais diferentes situações – para se casar, para se dedicar ao crime, para consumir drogas, para ter filhos, para comprar um eletrodoméstico ou para se divorciar – o indivíduo toma sua decisão comparando racionalmente os custos e os benefícios, tendo em mente a maximização de sua satisfação.

Como observa Shikida[1], “a economia do crime, portanto, é uma das abordagens no campo das ciências sociais aplicadas que procura entender as motivações para o crime a partir da análise econômica. No artigo “Crime and punishment: an economic approach”, publicado em 1968, Becker, utilizando-se de modelagem matemática, ressaltou que uma pessoa propensa ao crime pondera, racionalmente, os custos e benefícios esperados de sua prática ilícita, para, a partir daí, escolher atuar (ou não) no mercado econômico ilegal”.

Detalhando mais o argumento, o indivíduo racional compara os ganhos que pode obter com as atividades ilícitas aos seus custos, considerando as possibilidades de ser capturado e a extensão da pena. Pode parecer simples, mas há uma série de variáveis envolvidas nessa análise. Pelo lado dos benefícios, o indivíduo compara o que será possível ganhar e em quanto tempo de “trabalho”. Leva em conta, alternativamente, quanto ganharia no exercício de uma atividade profissional regular, na qual provavelmente teria que trabalhar em tempo integral. Pelo lado dos custos, ele vai levar em conta as chances de ser flagrado, de ser condenado e de efetivamente ter que cumprir a pena. Se, por exemplo, for um indivíduo de baixa qualificação, sem maiores oportunidades de obter um emprego com remuneração elevada, a perspectiva de correr risco na atividade criminosa torna-se mais atraente. Se ele considerar que a chance de ser flagrado e condenado é remota em razão do número reduzido de policiais, do despreparo dos mesmos ou dos equipamentos limitados de que dispõem, a perspectiva torna-se mais atraente ainda. Se, ainda por cima, ele constatar que a legislação oferece uma série de atenuantes e que por falta de presídios a tendência dos juízes é de aplicar penas suaves, sendo, portanto, muito remota a hipótese de ter que passar um período muito longo de tempo atrás das grades, a chance de optar pelo crime é muito grande. Afinal, com essas variáveis todas, a conclusão a que o indivíduo chega é de que “o crime compensa”.

Evidentemente, se as variáveis fossem outras, como por exemplo: de um lado, o indivíduo possui bom nível de qualificação, a atividade econômica está em fase de expansão, estão surgindo boas oportunidades de emprego e a chance de obter salários elevados é alta; e de outro lado o sistema de segurança é eficiente, recebe polpudos investimentos públicos, resultando num efetivo policial bem preparado e equipado, capaz de exercer com competência o combate ao crime, agindo tanto na prevenção como na repressão, o sistema judicial é ágil, permitindo a tramitação rápida dos processos e as penas são duras, tendo que ser cumpridas à risca, a possibilidade de se sair bem na atividade criminosa se reduz acentuadamente, e o indivíduo irá pensar muito mais antes de se dedicar a ela, já que na sua percepção, “o crime não compensa”.

Diante de tais considerações, a conclusão inevitável é de que no Brasil o crime compensa, pois, além de graves problemas na educação, que geram enorme quantidade de profissionais com baixa qualificação, temos um número muito baixo de crimes esclarecidos ou de atos de corrupção efetivamente punidos. E, quando ocorre a punição, a possibilidade de cumprimento integral da pena também é muito baixa.

Entre outros prejuízos decorrentes dessa situação, está o afugentamento de investimentos estrangeiros diretos, algo fundamental para um país cuja população – ou por não ter condições ou por uma questão cultural – não cultiva o hábito da poupança, pré-requisito indispensável para o investimento. Por isso, a atração de capitais provenientes do exterior é essencial para a preservação da nossa incipiente taxa de investimento.

 

* Luiz Alberto Machado é economista, mestre em Criatividade e Inovação e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no Blog de Fausto Macedo em O Estado de S. Paulo em 14 de julho de 2021.

[1] Disponível em http://www.brasil-economia-governo.org.br/2021/06/07/economia-do-crime/.

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Como usar inteligência artificial para combater a corrupção? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2882&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-usar-inteligencia-artificial-para-combater-a-corrupcao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2882#comments Thu, 06 Oct 2016 12:48:57 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2882 O gasto do governo federal em 2016 será de aproximadamente R$ 3 trilhões. Parte desse dinheiro irá parar nos bolsos de corruptos, como resultado de compras superfaturadas, venda de favores e outros crimes. É impossível fiscalizar centavo por centavo: são centenas de milhares de compras públicas, pagamentos de salários e repasses a ONGs. É possível, porém, automatizar o processo com o uso de inteligência artificial (IA).

O uso de IA faz parte do nosso cotidiano há algum tempo: a humanidade já se habituou a tradutores automáticos (como o Google Translate) e a assistentes virtuais (como Siri e Cortana), por exemplo. Quando seu banco telefona e pergunta se foi você mesmo que comprou aquela passagem para Cancún isso acontece porque um algoritmo de IA disparou o alerta. Médicos rotineiramente submetem imagens de biópsias a aplicativos que dizem se há ali algum tumor maligno. Mais recentemente, a Uber botou em circulação em Pittsburgh, nos Estados Unidos, seus primeiros carros autônomos.

A lógica de funcionamento é a mesma na maioria dos casos: você “alimenta” o algoritmo com casos passados e com isso o algoritmo “aprende” a prever ou classificar casos novos. Considere, por exemplo, a base de dados de um grande banco qualquer. Essa base contém dados sobre cada compra no cartão de crédito de cada cliente: data, horário, local, valor e se a compra foi identificada como fraudulenta (digamos, com base em reclamação do cliente). Quando o banco submete essa base a um algoritmo de IA, o algoritmo identifica os padrões e regularidades mais comumente associados às compras fraudulentas: horário, local, valor e quaisquer outras informações que existam na base. Uma vez alimentado (no jargão da inteligência artificial diz-se “treinado”), o algoritmo pode ser usado para identificar se novas compras são ou não fraudulentas.

Pois essa mesma lógica vem sendo usada no combate à corrupção. O Cadastro de Expulsões da Administração Federal (CEAF), por exemplo, contém dados sobre servidores punidos com perda do cargo. O Observatório da Despesa Pública (ODP) da Controladoria-Geral da União (CGU) usou um algoritmo de inteligência artificial para identificar os padrões mais comumente associados aos servidores expulsos: forma de ingresso no serviço público (concurso ou cargo de confiança), filiação partidária, se é sócio de empresa, etc. Com isso foi possível desenvolver um aplicativo que diz, para cada um dos 1,2 milhão de servidores do Executivo federal, a probabilidade de esse servidor ser corrupto. Naturalmente trata-se apenas de uma probabilidade, não de uma certeza; não chegamos (ainda) ao mundo de Minority Report. Mas a probabilidade é um primeiro passo: no mínimo ajuda a decidir quais investigações priorizar.

Outros órgãos também vêm usando IA no combate à corrupção. A Receita Federal tem usado IA para detectar exportações fictícias e pedidos fraudulentos de compensação tributária – o que, numa análise inicial, pode gerar R$ 16 bilhões de arrecadação em multas e recolhimento de tributos devidos. O Banco do Brasil, por sua vez, tem usado IA para análise de crédito. O Ministério do Planejamento tem usado IA para identificar fraudes na folha de pagamentos do funcionalismo. A lista não se restringe ao Executivo federal: Legislativo e Judiciário, bem como órgãos estaduais e municipais, também têm explorado o potencial de IA.

Ainda há muito por fazer. O concurso público privilegia candidatos capazes de memorizar leis e regimentos internos; apenas acidentalmente selecionam-se candidatos capazes de usar ferramentas de IA. É preciso recrutar melhor e, ao mesmo tempo, capacitar os já recrutados para que possam tirar proveito dessas ferramentas. É preciso, ainda, facilitar a troca de dados entre diferentes órgãos e eliminar retrabalho (hoje diferentes órgãos gastam um tempo enorme limpando e carregando as mesmas bases). Mesmo com esses obstáculos, porém, o potencial de IA é imenso na administração pública.

 

(Para os interessados em saber quem está fazendo o quê onde, um bom começo é assistir as duas edições do Seminário sobre Análise de Dados na Administração Pública, ocorridas em 2015 e 2016 e disponíveis no canal do Tribunal de Contas da União (TCU) no Youtube).

 

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2882 4
É crível o seguro-garantia como mecanismo anticorrupção nas obras públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2825&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-crivel-o-seguro-garantia-como-mecanismo-anticorrupcao-nas-obras-publicas Thu, 28 Jul 2016 13:07:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2825 A investigação da Lava-Jato tem desvelado a magnitude da prática generalizada de desvio de recursos públicos no Brasil por meio do superfaturamento de contratos, vertendo montantes bilionários para a classe política e as grandes empreiteiras. Com a opinião pública exigindo mudanças, a classe política tem procurado apresentar uma resposta apressadamente.Todavia,isso pode dar espaço para soluções ineficientes.

A ampliação e obrigatoriedade do seguro-garantia com cobertura integral das obras públicas passou a ser vista como medida essencial para extinguir a corrupção. Isso surgiu a partir de sua defesa em uma série de reportagens em revista semanal de grande circulação nacional nos primeiros meses do ano1, e acatada por alguns parlamentares no Congresso Nacional.

A ideia é adotar o modelo americano de performance bondspara obras públicas, baseado na garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro, afastando as outras modalidades de caução em dinheiro ou títulos públicos ou fiança bancária, em valores de cobertura de até 10% do valor contratual.Isso incentivaria a Seguradora a fiscalizar de perto a obra – pois depende da fiel execução contratual para não incorrer em perda pelo acionamento do seguro e garantir seu lucro –, passando a ser a verdadeira fiscal da obra, o que criaria uma distância entre a empreiteira e o governo – de fato, uma relação comprovadamente viciada. Chegou-se a defender um percentual de garantia de até 120% do valor contratual da obra (ainda que injurídico), para já permitir cobrir eventuais gastos extras futuros, talvez para aumentar esse incentivo às seguradoras.

Neste contexto, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 59, de 2016, para estabelecer a obrigatoriedade de prestação de seguro-garantia de 100% do valor do contrato em obras, serviços e fornecimento de bens de valor estimado superior a 200 milhões de reais2.Mais recentemente, surgiu o PLS nº 274, de 2016, que torna obrigatória a contratação integral do seguro-garantia nas contratações acima de 10 milhões de reais – com alcance para a administração pública em todas as esferas3.

O foco de sua justificação, todavia, baseia-se no aumento da adesão contratual da empreiteira e não na questão da corrupção.O argumento principal é que os problemas de atrasos e abandonos de obras públicas se associam, primordialmente, à falta de proteção do Poder Público nos contratos com empresas privadas, atribuindo-lhes a responsabilidade por esse quadro. O seguro-garantia, por não ser compulsório e estar limitado a patamar baixo de cobertura, não incentivaria a execução regular dos contratos, que seria dependente da fiscalização pelas seguradoras. Assim, assume que a fiscalização pública, bem como os pagamentos feitos conforme a execução física da obra ou a aplicação de multas por atrasos contratuais,seriam insuficientes para garantir a execução eficiente dos contratos pelas empresas contratadas, que se caracterizariam por uma ineficiência inerente. Apenas a ampliação do seguro-garantia incentivaria a melhor avaliação de risco pela seguradora e garantiria, assim, o fiel cumprimento tempestivo dos contratos.

Na verdade, essa concepção parte de prerrogativa equivocada acerca do funcionamento do mercado de seguros. A garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro não irá incentivar a Seguradora a fiscalizar de perto a obra, pois ela não depende da fiel execução contratual para garantir seu lucro. Isso porque o prêmio cobrado para assunção de risco, independentemente do valor coberto, já embute a expectativa de ocorrência de sinistro, que está atrelada ao risco do segurado e da própria viabilidade inerente ao projeto a ser segurado.Ou seja, o risco contratado fica desde já precificado, independentemente de fiscalização da seguradora em relação ao comportamento efetivo do risco assumido ao longo da maturação do contrato. Para isso, faz a avaliação técnica atuarial do tomador e a análise de histórico mercadológico, bem como dos métodos de controle e gerenciamento de riscos adotados na gestão da empresa. Também é prática comum a análise de risco partir da avaliação de anteprojeto executivo da obra, assim como alterações contratuais posteriores já são objeto de anuência pelas Seguradoras, como estabelece a normatização vigente4.

A ocorrência do sinistro torna-se, assim, uma questão meramente probabilística, já embutida na precificação ofertada pela companhia seguradora. Não há incentivo para uma fiscalização mais de perto pela seguradora – se assim o fosse, já ocorreria dentro dos limites atuais de seguro-garantia da Lei de Licitações, mas é antieconômico tanto para o tomador quanto para a companhia seguradora.

Também se parte de uma visão distorcida acerca da qualidade da gestão nas grandes empresas privadas do País, pois o risco de atraso ou abandono de obra pela empreiteira é desprezível. Daí que a constituição de garantia em parcela de até 100% do valor contratual, e não mais no limite vigente de até 10%, não mudará o nível atual de adimplência contratual a partir do cumprimento fiel do contrato pela empresa privada, simplesmente porque sua adesão já é adequada.

Os dados estatísticos divulgados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) sobre seguro-garantia corroboram essa visão, sugerindo ser baixa a inadimplência de contratações públicas derivada de inadimplência das empresas contratadas: do total de prêmio emitido em 2015 de R$ 1,5 bilhão na contratação de seguro-garantia para o setor público (pago por ele), os sinistros ocorridos totalizaram apenas R$ 54 milhões naquele ano (que é efetivamente devolvido ao setor público). Assim, a cobertura de 100% pode representar um custo da ordem de R$ 20 bilhões apenas com contratação de seguro-garantia, enquanto o retorno aos cofres públicos, derivado da inadimplência da empreiteira, continuará sendo baixo.

Esses dados são coerentes com a realidade empresarial, pois a empresa privada não tem interesse econômico em atrasar a entrega de uma obra, pois sua existência depende da qualidade de seu trabalho. Além disso, no mais das vezes, o causador da paralisação de uma obra ou serviço é o próprio Poder Público, diante de mudanças ou indefinições contratuais, bem como da falta de pagamento por contingenciamento orçamentário. Os atrasos também passam por desacordos comerciais envolvendo questões controversas em que não há como atribuir, de antemão, a responsabilidade exclusivamente ao contratado – como demonstram as inúmeras dessas desavenças que acabam em discussões prolongadas no Judiciário5 –, o que afasta um papel mais amplo ao seguro-garantia.

A proposta de ampliação e obrigatoriedade de cobertura integral do seguro-garantia baseia-se na premissa de que, uma vez que o seguro-garantia cubra valores contratuais mais elevados, as seguradoras teriam maiores incentivos em fiscalizar o andamento dos contratos, constituindo, indiretamente, instrumento de combate à corrupção em obras públicas – mas,para tanto, seria necessário ter ingerência sobre definição de preços. De qualquer forma, é pequena a probabilidade de que a seguradora questione preços que estejam superfaturados. Não há incentivo econômico para esse comportamento, o que inviabiliza a concretização do objetivo dessa proposta.

O próprio conflito de interesse na relação entre seguradora e ente público impõe restrições à atuação da seguradora, pois busca que seu faturamento seja o maior valor possível que possa receber – no caso, preços superfaturados. Ou seja: quanto mais cara uma obra, mais ela ganha. Também não se pode dizer que a Seguradora garantirá o preço mínimo que seja suficiente para a execução do serviço contratado, pois o risco assumido está fixado na apólice, em reais, independente de estar o preço subfaturado ou não6. Daí que a companhia seguradora, dependente dos recursos públicos, não tem espaço suficiente para atuar contra irregularidades promovidas pelos agentes no próprio setor público.

O superfaturamento dos contratos está diretamente associado à dificuldade em definição de preços, dada a singularidade de cada obra e a magnitude dos valores envolvidos, que geram espaço para corrupção. O próprio processo de contratação, baseado em exigências inadequadas, restringe a concorrência e resulta a que apenas poucas grandes empreiteiras do País atuem nesse mercado, o que dá margem à constituição de cartéis, como a Lava-Jato mostrou. A contratação mais ampla do seguro-garantia pode até acentuar essa tendência, que é o cerne da corrupção. No caso da Petrobras, por exemplo, se a Estatal contratar a construção de plataformas com seguro-garantia de 10% ou de 100%, isso não interferirá na definição do preço pago ao contratado, se superfaturado ou não – tão somente impondo custo adicional com o qual a Estatal arcará.

O seguro-garantia integral compulsório traria impactos negativos sobre a concorrência e a concentração de mercado, já que exigiria não apenas um bom perfil de crédito do licitante como, principalmente, elevada capacidade econômico-financeira para prestar contragarantias, em ativos líquidos, às seguradoras, de até 100% do risco contratado – que é da ordem de bilhões de reais para as grandes obras públicas7. Isso inviabiliza, na prática, essa proposta, além de aumentar consideravelmente o custo de contratação pelo Estado, que já é alto.

Por sua vez, atrasos de cronograma já são puníveis com multas estipuladas em contrato, além de imporem, naturalmente, a redução do próprio faturamento e da rentabilidade da empresa pela redução da produtividade. Já há, portanto, incentivos econômicos suficientes para aderência contratual das empreiteiras, assim como ocorre em obras no setor privado – que se baseia na retenção de percentual dos pagamentos mensais da execução da obra e, eventualmente, cobrança de multa por atraso, que funciona muito bem.Trata-se de princípio basilar da execução de uma obra, pois não é de interesse da empreiteira ter sua margem reduzida por falhas operacionais, além de incorrer em maiores custos fixos por ineficiência própria.

Na verdade, estamos falando das maiores empreiteiras do País, que são exportadoras de tecnologia de obras de infraestrutura, com faturamento da ordem de bilhões, com corpo técnico e gerencial composto pelos melhores quadros profissionais disponíveis no mercado de trabalho. Não há porque supor ineficiência, até porque não há racionalidade econômica por trás dessa hipótese. Controle de perda é primordial para a gestão privada, cujo resultado é dependente de sua própria atuação.

Se cabe falar em ineficiência, é muito mais plausível que isso esteja associado a questões inerentes aos processos do próprio setor público como também das próprias características de obras de grande vulto, em que acaba sendo humana e tecnicamente impossível prever a totalidade dos serviços que efetivamente serão necessários, diante dos riscos não quantificados envolvidos. Daí ser da natureza do setor trabalhar com aditivos contratuais para cobrir serviços não previstos inicialmente, diante de riscos geológicos ou de montagem e execução de obras, que podem decorrer de simples reavaliação técnica construtiva, mas que acaba sendo essencial para execução de uma obra – fato reconhecido pelo legislador, que permite a contratação de aditivos, com limites estabelecidos na Lei de Licitações.

Por outro lado, há especialistas que apontam como empecilho a incapacidade de o mercado segurador brasileiro suprir a demanda que seria gerada com a exigência legal de cobertura integral de todas obras públicas no País, especialmente quando envolvem cifras bilionárias. Isso porque o setor securitário opera com base em limites técnicos e operacionais em função do risco assumido, já a partir das diretrizes do Decreto-Lei nº 73, de 1966. Decorre que a capacidade de retenção de risco das seguradoras autorizadas, como função do patrimônio líquido ajustado8, mesmo com operações estruturadas, mostra-se insuficiente nesses casos.

A própria abertura do mercado de resseguros doméstico, em 2007, esteve associada a essa mesma necessidade de contratação de seguros de grandes obras públicas, incluindo os investimentos bilionários no Pré-Sal. À época, já se considerava limitada a capacidade do setor privado de seguros de garantir grandes projetos governamentais – dúvida que ainda é relevante, sendo o percentual de até 30%, e opcional, uma alternativa mais crível, defendida pela Susep na revisão da Lei de Licitações9.Também é considerado viável pelo mercado de seguros, sendo o patamar praticado em países europeus10.

Há, portanto, dúvidas consistentes que questionam a viabilidade e utilidade da criação de novo mercado cativo para o mercado segurador –uma opção que foi afastada quando das discussões da criação da Lei de Licitações – para o fim almejado de combate à corrupção. Seguro constitui tão somente garantia adicional ofertada ao contratante, que encarece a obra pública – reduzindo a já baixa capacidade de investimento do setor público, mais grave para os Estados deficitários e Municípios pequenos já com baixa capacidade de resposta às demandas sociais –, além de, infelizmente, não constituir a panaceia contra a corrupção no Brasil. O assunto envolve uma série de outras questões institucionais, como, por exemplo, o preenchimento dos quadros de direção no Executivo por critérios políticos e não técnicos.

De qualquer forma, de modo similar às propostas de ampliação do seguro-garantia, também seria esperado que a cobertura mais ampla de garantia da modalidade da fiança bancária traga os mesmos benefícios. Isso daria ao Banco o mesmo incentivo para impor o fiel cumprimento dos contratos públicos e reduzir a corrupção, além do benefício adicional de evitar a criação de monopólio legal para o setor de seguros – ainda que sofra de suas mesmas limitações intrínsecas como mecanismo anticorrupção.

Uma alternativa mais crível pode estar na remodelagem da superveniência dos órgãos de controle interno e externo do setor público, já constituídos e com expertise operacional. A adoção de uma solução doméstica, baseada na atuação just in time, e não ex post, da CGU ou do TCU pode ser adequada. A reconfiguração da atuação desses órgãos de controle não apenas apresenta o melhor custo-benefício como também supera o conflito de interesse inerente à introdução de uma seguradora como juiz de contratos públicos. Isso pode ser efetivamente eficiente.

_______________

1 Entre outras, ‘Simples e Eficiente’, Editorialda Revista VEJA, de 13 de janeiro de 2016; ‘Seguro contra atrasos’, reportagem na edição de 20 de janeiro de 2016; ‘Fórmula anticorrupção’. Entrevista com Modesto Carvalhosa, edição de 2 de março de 2016.

2 Do Senador Eduardo Amorim.

3 Do Senador Cássio Cunha Lima.

4 Circular Susep nº 477, de 2013

5 A recente MPV nº 678, de 2015, que reconhece a matriz de riscos como instrumento para estimar o valor de contratação de obra, introduz mecanismo de arbitragem para resolução de disputas no âmbito das contratações públicas, o que reduzirá o tempo de paralisação das obras públicas.

6 Inexiste a possibilidade de contratação de seguro acima do valor (subfaturado) do contrato inicial de execução de obra, que fica atrelado ao seguro – sob pena de enriquecimento sem causa do Setor Público, no caso.

7‘Performance bonds’, artigo de Jairo Saddi, Jornal Valor, edição de 28 de março de 2016.

8 Resolução CNSP nº 321, de 2015.

9 Veja em: http://www.sonhoseguro.com.br/2015/01/joaquim-levy-aprova-o-projeto-nova-susep-mas-quer-seguradoras-como-investidores-institucionais/

10 Veja em:

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RADIOAGENCIA/494242-DEBATEDORES-DEFENDEM-AMPLIACAO-DO-SEGURO-GARANTIA-PARA-OBRAS-PUBLICAS-LICITADAS.html

 

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Como explicar a atual crise de representatividade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2726&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-explicar-a-atual-crise-de-representatividade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2726#comments Mon, 22 Feb 2016 12:44:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2726 O sistema de governo do Brasil pós-Constituição de 1988 foi arquitetado para combinar o presidencialismo com o pluripartidarismo, o que veio a ser intitulado por Sérgio Abranches de presidencialismo de coalizão (ABRANCHES, 1988). Em face dessa combinação, o alcance de maiorias estáveis no Parlamento seria extremamente difícil e custoso. Outrossim, a desvinculação entre eleições presidenciais e parlamentares possibilitaria a estruturação de um sistema representativo de origens distintas, necessitando, consequentemente, da formação de coalizões para alcançar a governabilidade, articuladas por meio da troca de cargos no governo e de emendas parlamentares por apoio político na aprovação de projetos legislativos de interesse nacional encabeçados pelo Executivo (ABRANCHES, 1988).  Para que o Presidente não sucumbisse à barganha dos parlamentares, foram dados a ele muitos poderes constitucionais, ao ponto de alguns defenderem a preponderância do Poder Executivo no quadro de separação de Poderes.

Sérgio Abranches (1988) acreditava que esse sistema estava fadado ao insucesso, por essa extrema dificuldade de formar maiorias estáveis. Em primeiro lugar, porque o comportamento irresponsável dos parlamentares geraria poucos incentivos para que eles cooperassem com o Presidente, assim como esse se isolaria do apoio do Parlamento, por crer no grande poder popular nele depositado. Em segundo lugar, a disciplina partidária não seria eficaz, já que a legislação eleitoral brasileira conteria fortes incentivos para o comportamento individualista dos parlamentares (maximização das suas chances de reeleição). Em terceiro lugar, uma coalizão partidária careceria da principal arma que garante seu funcionamento no parlamentarismo: a ameaça de dissolução. Enfim, haveria uma política de oposição cega, que relutaria muito em fazer qualquer coisa que poderia ajudar o governo a ser bem-sucedido.

Em contraposição a essas ideias, Fernando Limongi e Argelina Figueiredo (1998) defendem que o presidencialismo de coalizão não leva necessariamente à ingovernabilidade e à paralisia. Isso porque, no Brasil, esse sistema encontraria estabilidade e sucesso na governabilidade, por meio da interdependência entre a preponderância legislativa do Executivo,do padrão centralizado de trabalhos legislativos e a da disciplina partidária. Sua teoria foi corroborada por dados de 1988 a 1995, o que também se observou de forma clara no governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva (ALSTON, MUELLER, 2010).

Contudo, no decorrer dos mandatos da presidente Dilma Rousseff, essa capacidade de estruturar as coalizões foi se reduzindo e as características autodestrutivas do presidencialismo de coalizão, narradas por Abranches, vêm se sobressaindo. O alto grau de heterogeneidade ideológica e o fracionamento político-partidário decorrentes da proliferação de partidos, a alta propensão de conflitos de interesse em razão das clivagens sociais, a tradição presidencialista e proporcional, o insuficiente quadro institucional para resolução de conflitos somado à inexistência de mecanismos institucionais de destituição de governos ilegítimos são alguns dos fatores do atual sistema político-partidário que se conjugam para desencadear a atual crise (VICTOR, 2015).

Além disso, o sistema proporcional para eleição dos deputados incentiva o aumento vertiginoso de partidos acompanhado pela formação de coligações sem similaridades ideológicas; o modelo de lista aberta gera maior tendência de personificação do voto, enfraquecendo os partidos e convolando-se em competição intrapartidária, além de “puxar” candidatos com perfil oposto ao desejado pelo eleitor (“efeito Tiririca”); a representação desproporcional entre os estados na Câmara dos Deputados e o grande número de cadeiras por estado despolitizam o eleitorado, aumentam os esforços de personificação e diminuem o controle partidário; o fim da verticalização produz incongruências ideológicas dentro da lógica do federalismo; enfim, campanhas altamente individualistas incentivam a diferenciação, que muitas vezes é alcançada por meio de troca de interesses particulares e clientelismo, expandindo a influência do poder econômico (VICTOR, 2015).

Alguns estudiosos sugerem que deveria ser implantado no País o sistema parlamentarista multipartidário, pelo fato de gerar instituições mais duradouras e eficazes, uma vez que parceiros menores são membros institucionais, negociando ministérios, o que permite que haja maiores incentivos para cooperar. Por outro lado, quando o Presidente perde sua base de apoio, pode ocorrer a queda do gabinete (chefe de governo) por voto de desconfiança do Parlamento, o que gera maior responsabilidade por parte do Chefe do Executivo. A dificuldade de destituir governos sem governabilidade no presidencialismo gera altos custos políticos, econômicos e sociais pelo seu prolongamento. A questão sobre a implantação do parlamentarismo no Brasil sempre retorna ao debate em momentos de visível crise do presidencialismo, mas não se pode calcular a instabilidade que aquele sistema pode gerar se seus institutos forem mal utilizados por um Parlamento imaturo institucionalmente.

Passa-se de um presidencialismo de coalização para o de cooptação (PESSÔA, 2015), em que as coalizões são formadas sem propósitos ideológicos, mas apenas para manter o poder. Os acordos firmados perdem ao longo do tempo seus objetivos de governabilidade, desdobrando-se em esquemas de corrupção como o “Mensalão” ou o “Petrolão”, que apenas garantem uma recompensa política em troca de apoio à base governista. O combate a mecanismos legais de cooptação de parlamentares, como as emendas individuais e a distribuição dos cargos no governo, apenas asseveram o uso de mecanismos ilegítimos, como a corrupção (MENDES, DIAS, 2014). A excessiva fragmentação político-partidária somente torna mais custosa essa barganha, sobretudo em governos em que não se desenvolvem atitudes de liderança suficientes para centralizar esforços em prol de objetivos nacionais.

A crise de representatividade é grave. A reforma política exigida para superar tal crise parece estar acima da capacidade e da vontade das lideranças políticas. Não parece haver ambiente para algum tipo de acordo social que viabilize tal reforma. A crise econômica piora a situação ao agravar os conflitos.

Ospartidos políticos precisam retomar a sua proeminência na condução da política brasileira, porque hoje estão sendo conduzidos meramente por fatores externos, como a crise econômica e os escândalos de corrupção da “lava-jato”. Enquanto isso não ocorre e a reforma política é feita marginalmente para perpetuar interesses eleitorais dos seus autores, o sentimento de conexão dos cidadãos com seus representantes diminui cada vez mais, instalando um vácuo representativo que, caso não seja ocupado pelas instituições legítimas, passa a ser alvo do Poder Judiciário, daí o avanço da judicialização da política.

 

________________

Referências bibliográficas

ABRANCHES, Sérgio H. H. de. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro. Vol. 31, n. 1, 1988, p. 5 a 34.

­­­­­ALSTON, Lee J.; MELO, Marcus André; MUELLER, Bernardo; PEREIRA, Carlos. The Predatory or Virtuous Choices Governors Make: The Roles of Checks and Balances and Political Competition.LASA. 2010.

LIMONGI, F.; FIGUEIREDO, A. Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão. Lua Nova. São Paulo, nº 44, p. 82-106, 1998.

MENDES, Marcos J.; DIAS, Fernando A. C. A PEC do orçamento impositivo. Textos para discussão 149 do Senado Federal. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, 2014. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-149-a-pec-do-orcamento-impositivo> . Acesso em 9/12/2015.

MERTON, Roberth K. Social Theory and Social Structure. Nova Iorque: Free Press, 1968.

PESSÔA, Samuel. Presidencialismo de coalizão ou de cooptação? Conjuntura Econômica – Ponto de Vista. Vol. 69, n.1, jan 2015. Disponível em: http://portalibre.fgv.br/main.jsp?lumPageId=4028818B37A00A200137A4099DA13ADA&contentId=8A7C82C54ADE6252014ADFA107E05EFF .

VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira. Presidencialismo de Coalizão: exame do atual sistema de governo brasileiro. Ed. 1. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

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A Operação Lava-Jato reduz o crescimento econômico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2580&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-operacao-lava-jato-reduz-o-crescimento-economico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2580#comments Tue, 18 Aug 2015 13:07:54 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2580 Há quem afirme que a Operação Lava-Jato prejudica o crescimento econômico, argumentando que as grandes empresas que estão sob investigação entraram em dificuldade financeira. Os bancos lhes negam crédito, os parceiros comerciais se afastaram. Os preços de suas ações despencam. O risco de se tornarem inabilitadas a participar de obras públicas reduz suas perspectivas futuras. A dificuldade financeira se alastra, pois seus fornecedores acumulam créditos não recebidos. Milhares de empregos são perdidos. Reduz-se o número de empresas tecnicamente capazes a fazer importantes obras de infraestrutura. O resultado é menos crescimento.

Seria importante, então, “punir pessoas culpadas, mas preservar as empresas”, para mitigar os efeitos negativos sobre a atividade econômica. Ou, até mesmo, restringir o alcance das investigações a bem da saúde econômica do país.

O problema dessa interpretação é que crescimento econômico deve ser entendido como um processo de médio e longo prazo. Um país só entra no clube dos desenvolvidos se crescer muitos anos seguidos a taxas razoáveis. A literatura econômica mostra que isso só acontece nas nações que têm “boas instituições”, ou seja, normas de conduta social que favoreçam o investimento, a cooperação, a criatividade, a livre iniciativa, a igualdade de oportunidades e o esforço individual.

Os fatos apurados pela Lava-Jato atentam diretamente contra importantes instituições e, por isso, minam as possibilidades de crescimento de longo prazo. Agridem os direitos de propriedade, pois os atos de corrupção expropriam o patrimônio dos contribuintes, dos acionistas minoritários das empresas envolvidas e dos associados de fundos de pensão onde houve fraudes.

Isso reduz a sensação de segurança de quem tem poupança para investir. Quando os direitos de propriedade estão sob risco, as pessoas preferem consumir suas rendas a correr o risco de poupar e serem expropriadas. Os poupadores de outros países preferem investir em outros lugares. Oresultado é menos poupança disponível para financiar investimento e crescimento.

A sensação de que há corrupção sem punição reduz a coesão social, que pode ser definida como o conjunto de valores e crenças que levam os indivíduos de uma sociedade a cooperar, ajudando a sociedade a resolver seus problemas de ação coletiva. Se eu sei que há corruptos sangrando o erário, passo a considerar que não é justo pagar impostos, e a sonegação se torna socialmente aceitável. Por que devo ser honesto nos meus negócios e na minha conduta pessoal se o país é governado por “big bosses” que cometem erros muito maiores? Resulta daí o generalizado desrespeito aos contratos, às leis e às mais triviais civilidades cotidianas.

Onde não há expectativa de que acordos sejam cumpridos e regras de convivência respeitadas, muitos investimentos produtivos e geradores de renda deixam de ser feitos. É muito difícil trabalhar em locais onde não se pode confiar nos outros. Também não vale a pena estudar e se tornar produtivo, pois quem ganha dinheiro é quem tem estômago para praticar “malfeitos”. A civilidade cede lugar à lei da selva. Isso é muito mais nocivo para o crescimento de longo prazo que “a perda de 1 ponto do PIB” em função do desemprego em empresas corruptas.

Nesse ambiente envenenado, tampouco se pode fazer reformas necessárias ao desenvolvimento, pois os indivíduos se tornam resistentes a fazer sacrifícios pessoais em nome da coletividade. Posso até concordar que aposentadoria precoce é uma regra que precisa ser mudada, a bem do equilíbrio fiscal e do crescimento. Mas porque vou aceitar uma reforma que posterga minha aposentadoria quando sei que há gente roubando a previdência e que permanece impune?

A Lava-Jato deve ser vista como a afirmação de princípios fundamentais de uma sociedade saudável: a lei vale para todos; a corrupção não deve ser tolerada; o crime deve ser punido. Condená-la, em função dos efeitos colaterais que provoca, equivale a dizer que um paciente com câncer não deve se submeter a quimioterapia para não sofrer enjoo ou correr o risco de infecções oportunistas. Por piores que sejam esses efeitos, não há saída sem a quimioterapia.

O risco que a Lava-Jato encerra não é a perda de pontos percentuais do PIB. O risco real é o nosso sistema democrático não aguentar o impacto das revelações. A descrença nos três Poderes e nos partidos políticos pode abrir espaço para “salvadores da pátria”, que surgiriam como infecções oportunistas ao longo do tratamento, e que poderiam levar a resultados tão ruins quanto o próprio câncer.

Com o intuito de “passar o país a limpo”, alguns novos personagens, não identificados como “políticos tradicionais”, podem se eleger com propostas que suprimam o funcionamento das instituições democráticas. O país já viu esse filme e sabemos que tal opção não é promissora.

O desafio é nos mantermos nos trilhos da legalidade e aguentar o tranco até o final das investigações. Precisamos, também, aproveitar a comoção nacional e a fragilidade dos grupos que patrocinam interesses escusos para aprovar reformas importantes que melhorem a qualidade de nossas instituições. Poderíamos começar com uma nova rodada de privatizações que retirassem decisões empresariais da órbita de interesse políticos; bem como fazer melhorias nas regras de governança das empresas estatais e dos fundos de pensão, dois focos de má gestão e corrupção, assim como reduzir a influência política sobre as agências reguladoras. Importante também seria aumentar a probabilidade de punição e o tamanho da pena e da expropriação de recursos dos condenados por corrupção.

 

Reprodução, com algumas poucas alterações, de texto publicado na coluna de opinião do Valor Econômico, em 14 de agosto de 2015.

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A reforma política reforma os políticos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2567&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reforma-politica-reforma-os-politicos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2567#comments Mon, 13 Jul 2015 17:17:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2567 A política sem romance. É assim que o Nobel James Buchanan define a teoria da escolha racional, em que os políticos são racionais como os consumidores da microeconomia: buscam a própria satisfação, atuando para alcançar objetivos próprios, não necessariamente os da sociedade que os elegeu. Esse entendimento é útil para uma análise econômica da reforma política, com resultados pouco otimistas em relação às mudanças propostas.

Outro instrumento útil é a teoria econômica do crime, do também Nobel Gary Becker. Por essa teoria, um criminoso pesa os ganhos e perdas esperados com um crime antes de cometê-lo. Essa noção pode parecer sofisticada para crimes comuns, mas é aceita para crimes de colarinho branco, associados à política. Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato, defende justamente que a corrupção é um crime racional, sendo necessário para combatê-la aumentar seus riscos.

Assim, a economia joga luz sobre as principais propostas de reforma política, como o financiamento público de campanha. A proposta se baseia na lógica que o custo das campanhas induz os políticos a se corromperem. Empresários financiariam esses políticos com a expectativa de, ajudando a elegê-los, serem favorecidos em um seu mandato.  Aos políticos restaria se renderem a essa dinâmica, sob risco de não se elegerem.

Como o financiamento público afeta os incentivos dados ao mau político e ao mau empresário? Os ganhos e perdas esperados de cada um são alterados ao continuarem se valendo desse mecanismo, agora ilegal? Na teoria dos jogos, essa dinâmica pode ser entendida como um jogo simultâneo, em que o político e o empresário decidem se optam por aceitar ou fazer uma doação.

Por essa lógica, fica claro que as chances de mudanças positivas com o financiamento público são pequenas, dando vazão a práticas como o caixa-dois ou o soft money (financiamento indireto). Se a votação de um candidato é de fato dependente dos seus gastos, o payoff da doação ilegal será altíssimo: no financiamento público, na margem, recursos adicionais seriam essenciais para o candidato. Esse ganho esperado seria maior do que sem o financiamento público, porque o erário não será capaz de arcar com o valor bilionário das campanhas. Por isso, o financiamento público pode vir com um teto de gastos.  A distribuição dos recursos, que pode ser igualitária, também limita as despesas.  Marginalmente o ganho esperado com a doação cresceria.

Na outra ponta do jogo, a do empresário, também há ganhos em fazer a doação irregular. É ingênuo supor que para manter seus lucros com o governo o mau empresário se tornaria mais competitivo, produtivo. A doação permaneceria sendo vantajosa, e mais ainda se o financiamento público reduzir a oferta de políticos que podem ser comprados, tornando o payoff da doação maior.

Resta analisar o outro componente do comportamento estratégico dos jogadores: as perdas esperadas. Ao engajarem na prática ilegal, o político e o empresário têm como perda a expectativa de punição, que por sua vez é determinada pela probabilidade da ação ser descoberta e punida, e pelo tamanho da pena. No caso do político, um componente adicional da perda esperada é a punição do eleitor.

O problema é que o financiamento público por si não aumenta a perda esperada, que só seria majorada com o fortalecimento das instituições de fiscalização e controle, o endurecimento da legislação penal e a conscientização do eleitor. A análise econômica evidencia que o financiamento público aumenta os ganhos esperados de uma doação irregular e também não tem qualquer efeito sob as perdas esperadas. Se os ganhos esperados são altos e as perdas pequenas, as doações ocorrerão. Em economês, é o equilíbrio de Nash.

A mesma lógica um comportamento estratégico por um político que visa a objetivos próprios pode ser ampliada para outras ideias da reforma política, como a proibição da reeleição (a mãe de todas as corrupções, para Joaquim Barbosa). Consoante com a teoria de political business cycles, a proibição impediria o uso da máquina para fins eleitorais. Em tese.

Entretanto, o mau político que usaria a máquina para se reeleger pode continuar usando-a para outros objetivos. A proibição o impede de se candidatar ao mesmo cargo, mas não de participar das eleições. Nesse caso, ele ainda dependeria da sua popularidade e apoio político, podendo contar com o direcionamento do governo.

Cabe lembrar que a proibição da reeleição no Executivo já existe no Brasil, depois de dois mandatos. Mesmo assim, foram frequentes casos de prefeitos que buscaram um terceiro mandato em município vizinho, ou de governadores que participam das eleições para o Legislativo.

Para manter seus interesses, o mau político pode ainda usar um poste. Essa prática já é comum hoje: o lançamento de vice ou secretário de governo como candidato, que sozinho não tem densidade eleitoral, cuja plataforma eleitoral está associada à máquina, e escolhido pelo próprio governante. Isso sugere uma baixa efetividade da mudança.

As medidas propostas no âmbito da reforma parecem partir da premissa de que o criminoso não é culpado pela corrupção, mas vítima do sistema que o corrompe. O que parece existir, porém, é um equilíbrio de seleção adversa, em que a percepção da política como um lugar fértil para a corrupção e hostil aos honestos atrai maus candidatos e repele os bons, alimentando um ciclo vicioso.

Conforme a análise com a teoria econômica feita, para quebrar o ciclo, é necessário aumentar a perda esperada das más práticas, de modo que maus políticos e empresários sejam punidos pelas instituições e pelo eleitor. Logo, vale mais o apoio ao pacote anticorrupção do Ministério Público Federal do que a algumas das propostas da reforma política. Não se pode esperar muito da reforma porque não há bala de prata para vencer a corrupção. Política não é romance.

 

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Olimpíadas e Copa do Mundo: prestígio a que preço? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2549&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=olimpiadas-e-copa-do-mundo-prestigio-a-que-preco https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2549#comments Mon, 29 Jun 2015 12:42:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2549 Nota dos editores

Esta semana temos o privilégio de publicar um artigo do Historiador e Economista Stanley Engerman, da Universidade de Rochester (EUA), que gentilmente nos autorizou a traduzir e publicar suas considerações sobre os custos e benefícios enfrentados por países sede de grandes eventos esportivos internacionais (já tratamos desse assunto anteriormente em outro post). O que nos leva a retornar ao tema e publicar esse texto, escrito em 2012 (antes da Copa do Mundo do Brasil e das Olimpíadas de Londres) é mostrar ao leitor que não é apenas em países menos desenvolvidos que os orçamentos desses eventos estouram. Também no Canadá, Austrália, Japão, Coréia do Sul, Espanha e Estados Unidos, o viés de otimismo levou a projeções irreais de custos e receitas, bem como à superestimação das receitas e da participação do capital privado no financiamento da empreitada. Em geral, o resultado é prejuízo absorvido pelos cofres públicos e ampliação significativa da dívida pública.

Portanto, quando o Brasil decidiu concorrer como sede de uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, realizados com apenas dois anos de diferença, já tinha a sua disposição evidências empíricas de que haveria alto custo para o orçamento público. Ademais, os Jogos Panamericanos de 2007 também já haviam dado mostras suficientes de custos financeiros elevados, desperdícios e erros primários de planejamento.

Também nos motivou tratar desse assunto a recente operação do FBI que resultou na prisão de dirigentes da FIFA e da CBF. As conexões de grandes eventos com a corrupção e os negócios de Estado indicam que os prejuízos públicos têm, como contrapartida, alguns poucos ganhadores privados. Vamos ao texto…

 

 

Dois grandes eventos esportivos internacionais atraem ampla audiência em vários países: os jogos olímpicos e a copa do mundo de futebol (três eventos, se considerarmos, em separado, as Olimpíadas de Inverno e as Olimpíadas de Verão, como o fazem o Comitê Olímpico Internacional (COI) e as redes de TV desde 1994).

Esses eventos têm certas características em comum. Eles ocorrem a cada quatro anos, têm grande audiência televisiva em escala internacional, a localização do evento é diferente em cada edição, existem rumores de corrupção no processo de decisão do local dos jogos (geralmente porque essa corrupção existe), e há muita controvérsia acerca dos resultados do evento para a cidade ou país sede.

Cada um desses eventos é de propriedade de uma organização privada, que é responsável pela escolha da localização, pela supervisão da preparação do local dos jogos, pelas regras de seleção dos participantes e pelos contratos de televisão. Essa organização privada também faz tudo que esteja ao seu alcance para proteger o monopólio do logotipo do evento, dos equipamentos e dos produtos a ele associados.

Em 2014 a Copa do Mundo será no Brasil e, logo em seguida, em 2016, o Rio de Janeiro será a sede dos Jogos Olímpicos de Verão. Muitos no Brasil estão prevendo lucros e a transformação da infraestrutura do país. Será que tais expectativas são realistas?

Uma coisa é certa: a competição para se tornar a sede desses eventos tem se tornado cada vez mais intensa, com inúmeras cidades ou países fazendo ofertas pesadas para ganhar a disputa. E este é o primeiro passo para o desastre financeiro. Requer-se do hospedeiro dos jogos a provisão de ampla infraestrutura, incluindo instalações para as competições e hospedagem para os atletas. A esperança – dificilmente realizada – é de que os estádios e arenas terão finalidade útil nos anos seguintes, enquanto as vilas olímpicas serão vendidas como apartamentos residenciais. Em geral há problemas que limitam os ganhos potenciais (ou aumentam as perdas). A principal expectativa de ganhos refere-se à atração de habitantes de outras cidades que, no futuro, irão frequentar as arenas e estádios para assistir a shows e eventos esportivos, dinamizando  as receitas dos hotéis e restaurantes, ao mesmo tempo em que gastariam dinheiro com os ingressos dos eventos. Essas expectativas, contudo, não se realizam, e as receitas oriundas dessas fontes acabam sendo menores que as estimadas no momento em que as cidades ou países estão competindo para sediar o evento. Também é muito comum observar uma escalada dos custos de promoção do evento entre o momento da candidatura e a data de realização dos jogos. Tais custos são absorvidos pelos anfitriões, como parte de suas obrigações contratuais.

A generalizada frustração das receitas esperadas e o estouro dos custos são os principais responsáveis pelos problemas financeiros dos países e cidades anfitriões. Mas também importantes são os tipos de compromissos assumidos para obter o evento e as estimativas irreais quanto ao uso e rentabilidade das instalações após o evento, com muitas dessas instalações não tendo o uso pós-evento que se programou para elas.

Com apenas poucas exceções, os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo representaram grandes perdas para os anfitriões. Apesar de se saber disso, a disputa para ser sede desses eventos é grande, seja por excesso de otimismo ou pela crença de que o prestígio internacional compensa o custo. Daí a pergunta básica: prestígio e estatura internacional a que custo? Apenas os Jogos Olímpicos de Verão de 1984, realizados em Los Angeles, deram lucro. Todos os outros jogos de inverno e de verão terminaram em prejuízo – apesar dos lucrativos contratos de televisão, que aparentemente se tornaram a principal fonte de financiamento dos eventos. Embora haja conhecimento de corrupção, e tenha havido alguma reclamação quanto à maneira como o COI opera, não houve mobilização que mudasse ou ameaçasse a natureza do processo de seleção das sedes.

A primeira Olimpíada de Verão ocorreu em Atenas em 1896, com 14 nações participantes. Desde então esses jogos ocorrem a cada quatro anos, exceto durante as duas grandes guerras. A mais recente foi a Olimpíada de Pequim em 2008, com mais de duzentas nações participando. As Olimpíadas de Inverno começaram em 1924 e, também à exceção do período das duas grandes guerras, foram realizadas a cada quatro anos (até 1992) no mesmo ano das Olimpíadas de Verão. Depois de 1992, para o benefício do COI, as duas Olimpíadas foram divididas e passaram a ser feitas em anos não coincidentes, com os jogos de inverno seguintes sendo agendados para 1994, e desde então realizado a cada quatro anos. A Copa do Mundo, atualmente realizada pela FIFA, teve a sua primeira edição em 1930 e vem ocorrendo desde então a cada quatro anos, com exceção para o período das duas guerras mundiais. As Olimpíadas de Verão incluíram, em 1900, o futebol como modalidade olímpica, o que foi mantido nos anos seguintes (a exceção de 1932), mas essa competição perdeu prestígio em relação à Copa do Mundo.

Embora pouco se conheça acerca dos aspectos financeiros das primeiras edições das Olimpíadas, acredita-se que a edição de Los Angeles, em 1984, tenha sido a primeira (e provavelmente a última) a ser lucrativa. Há inúmeras histórias de horror financeiro, em que a cidade sede perdeu volume expressivo de dinheiro, com os custos excedendo as expectativas enquanto as receitas ficavam abaixo do programado. As Olimpíadas de Verão de Montreal (1976) custaram US$ 1,2 bilhão, deixando uma dívida de US$ 750 milhões, que só acabou de ser paga dois anos atrás (2010). Os jogos de Barcelona (1992) custaram US$ 10,7 bilhões e deixaram uma dívida para o governo da ordem de US$ 6,1 bilhões. As Olimpíadas de Atenas (2004) custaram entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões, montante equivalente a 5% do PIB grego, e deixaram uma dívida de US$ 11,5 bilhões. Os custos foram apenas uma parte dos problemas enfrentados por Atenas, uma vez que a demanda por ingressos foi inesperadamente baixa. Apenas aproximadamente dois terços dos tíquetes foram vendidos, e o número de turistas na Grécia caiu em torno de 12% em relação ao ano anterior.

Os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, custaram em torno de US$ 43 bilhões. Nos casos de Atenas e Pequim, muito da dificuldade financeira veio das exigências de construção de infraestrutura para os jogos, o que significava novos estádios e arenas. Em Atenas, 21 dos 22 estádios construídos ficaram subutilizados, e passaram a representar custos adicionais de manutenção. Resultado similar se observou na China onde, apesar do custo de US$ 43 bilhões, várias das novas instalações ficaram sem uso. Nenhum uso permanente se encontrou para o caríssimo (US$ 500 milhões) novo estádio. Parece que se decidiu transformá-lo em um shopping Center, enquanto outros estádios menores serão demolidos. O Parque Olímpico construído em Sydney, para os jogos de 2000, está sem uso. Após à Copa do Mundo da África do Sul, os novos estádios permaneceram vazios, após terem custado US$ 5,4 bilhões. As Olimpíadas de Inverno de Vancouver em 2010 também deixaram dificuldades financeiras. A expectativa inicial era de que a venda dos apartamentos da Vila Olímpica cobririam o custo, mas isso não ocorreu. Menos da metade dos apartamentos foi vendida, o que contribuiu para uma dívida de US$ 730 milhões. Isso, contudo, foi muito menos do que as perdas das Olimpíadas de Inverno do Japão, em 1998, que teve um custo entre US$ 13 bilhões e US$ 14 bilhões, deixando uma dívida de US$ 11 bilhões.

Uma importante fonte de perdas financeiras para as sedes de Olimpíadas e Copas do Mundo são as exigências de infraestrutura. Como parte das exigências para ser sede da Copa do Mundo de 2002, o Japão teve que construir sete estádios novos e reformar outros três, a um custo de US$ 4,5 bilhões; enquanto a Coréia do Sul construiu dez estádios ao custo de US$ 2 bilhões. Eles são agora usualmente chamados de “elefantes brancos”. O maior dos estádios japoneses, com 64 mil assentos, foi construído ao custo de US$ 667 milhões. Depois da Copa do Mundo, a cidade onde está localizado gasta US$ 6 milhões por ano em manutenção, e o estádio é usado por um time local que não consegue atrair mais de 20 mil pessoas aos seus jogos.

O Estádio Olímpico de Montreal foi inicialmente orçado em US$ 150 milhões, mas, quando foi concluído, o seu custo já somava US$ 1,47 bilhão, incluindo reparos, impostos e juros. Isso contribuiu para a dívida da cidade, que soma US$ 1 bilhão. Após os jogos, transformou-se em sede de um time de baseball deficitário até o ano de 2004, quando esse time mudou-se para os EUA. O estádio agora tem uso limitado para esportes e outros eventos. Não está alugado para nenhuma equipe  e é conhecido como “The Big One”, em referência à sua situação financeira.

A expectativa de déficit se mantém para as Olimpíadas de 2012 em Londres e para o Copa do Mundo do Brasil em 2014. As cidades-sede do Brasil têm mostrado lentidão para completar seus doze estádios e treze aeroportos (mais 50 projetos de transportes) que foram prometidos à FIFA, e há um rumor de que a FIFA entrará na justiça para induzir o Brasil a cumprir seus compromissos. No momento, o custo estimado é de US$ 11,2 bilhões, a maior parte em infraestrutura. A proposta de Londres tinha custo inicial de US$ 2,4 bilhões. Recentemente, a estimativa de custos já havia subido para US$ 9 bilhões, a maior parte financiada pelos cofres públicos. É provável que o subsídio público esteja entre 80% e 90% em olimpíadas anteriores: 90% (Montreal 1996) e 82% (Munique 1972).

Atualmente, a principal fonte de recursos para as Olimpíadas é a venda de direitos de transmissão às emissoras de TV, principalmente nas vendas para as redes dos EUA. Esses direitos pertencem ao COI, e a organização define a participação dos comitês locais, que foi uma fatia de aproximadamente 30% em 2000. Após várias décadas de fortes altas no pagamento por esses direitos, essa tendência sofreu, recentemente, uma desaceleração. No período pós-1980, as demandas feitas pelas redes de TV levaram a mudanças fundamentais nas regras para participação nas Olimpíadas, permitindo-se que atletas profissionais pudessem participar ao lado de amadores, e permitindo-se a remuneração pela participação. A mudança mais marcante em direção ao profissionalismo ocorreu nos Jogos Olímpicos de 1992, quando o time de basquete dos EUA deixou de ser composto por atletas universitários e jogadores amadores, passando a ser formado por jogadores da NBA, dando origem ao famoso “Dream Team”. Essa mudança foi feita por duas razões. Primeiro, para aumentar a atratividade das transmissões de TV. E segundo, devido à incapacidade dos EUA para vencer em edições anteriores dos jogos, gerando um desejo nacionalista de reafirmar a supremacia norte-americana no basquete.

O que parece um enigma, dada a quase certeza de perda financeira de grande magnitude gerada por esses eventos esportivos, é o crescente desejo de mais cidades em obter o direito de sediá-los. Em 1984 apenas uma cidade, Los Angeles, concorreu para ser cidade-sede. Para 2012 foram nove cidades, e, para 2016, doze!

Nos EUA as cidades frequentemente provêm subsídios aos seus times profissionais, por meio da construção de arenas e estádios. É bastante sabido que tais cidades não recuperam seus custos. A justificativa para manter o subsídio envolve alguma explicação não-pecuniária ou não-financeira, tais como o orgulho da cidade: como você pode considerar sua cidade como grande se ela sequer tem um time de futebol americano da NFL? Trata-se de ter o prestígio de ter um time na liga principal, de elevar o moral da cidade, de ganhar a atenção dos outros. Essas são algumas das explicações para manter uma atividade sabendo-se que ela gerará perda financeira. Essas explicações também se aplicam ao desejo de sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo, embora em uma escala mais ampla, dada a maior escala do custo financeiro. Por isso, a expectativa de perda financeira, baseada na experiência passada, não é suficiente para conter o incentivo a concorrer para ser cidade sede.

A combinação da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 promete ter impacto negativo nas finanças públicas do Brasil. A construção da infraestrutura necessária está atrasada devido ao fraco planejamento de obras e financeiro. E não está claro se eles completarão todos os seus compromissos em termos de estádios, qualidade dos aeroportos, e transportes terrestres. Como a situação será resolvida é algo que se verá no futuro, embora as autoridades brasileiras digam que tudo estará pronto a tempo.

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Por que não abrir o mercado brasileiro de serviços de engenharia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2495&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-nao-abrir-o-mercado-brasileiro-de-servicos-de-engenharia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2495#comments Tue, 28 Apr 2015 15:58:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2495 A “Operação Lava Jato” da Polícia Federal revelou a existência de uma possível organização criminosa envolvendo empreiteiras e empresas estatais na prestação de serviços de infraestrutura no país. Esse episódio abre importante oportunidade de aperfeiçoamento institucional e de ganhos econômicos para o país. Ela mostra  que o controle do mercado de serviços de engenharia e projetos por grandes empresas nacionais é nocivo ao país. A crise torna politicamente factível a abertura desse mercado à participação de empresas estrangeiras. Passa a ser politicamente viável a adoção de medidas como: o fim da exigência de conteúdo local em obras nacionais, o fim da preferência a empresas brasileiras em licitações públicas ou a abertura do mercado de trabalho para engenheiros estrangeiros.

Há quatro razões para a abertura do mercado de serviços de engenharia: efetivo funcionamento da Justiça; desincentivo à criação de organização criminosa ou de cartéis; aumento da produtividade da economia; e atração de mão de obra especializada escassa no país. Esses pontos são descritos a seguir.

Efetivo funcionamento da Justiça. O controle do mercado de projetos e serviços de engenharia e arquitetura por algumas poucas grandes empreiteiras nacionais restringe a possibilidade de que sejam efetivamente punidas judicialmente, caso se envolvam com corrupção ou ilegalidades. Cria-se uma situação em que essas empresas tornam-se “muito grandes para serem punidas”. Logo após à revelação das dimensões do escândalo, autoridades como o Vice-Presidente da República, o Presidente do Tribunal de Contas da União e o Ministro da Controladoria Geral da União, por exemplo, se pronunciarem a favor da “modulação” da punição das empresas para evitar a declaração de sua inidoneidade. Temia-se que, impedidas de contratar obras públicas, não haveria outras empresas no mercado para realizar tais obras, com o consequente atraso nos investimentos em infraestrutura1.

A restrição à punição, nesses termos, é uma evidente ameaça ao Estado de Direito e à igualdade de todos perante a lei. Cria-se incentivo à prática de ilícitos pela sinalização de que não é possível punir infratores. Para que se evite tal constrangimento, é preciso quebrar o domínio de grandes empreiteiras nacionais no mercado de obras públicas. A abertura para empresas estrangeiras é uma solução natural para que a Justiça não seja constrangida no cumprimento de suas funções. Realizada em conjunto com outros aprimoramentos institucionais (tais como maior controle dos financiamentos de campanha por fornecedores do setor público, agilização da justiça, melhor regulação da concessão de serviços públicos, etc.) a abertura ajudaria a conter o peso econômico e político das empreiteiras nacionais. Nesse novo cenário, se tornadas inidôneas, elas não ameaçariam os investimentos do país, pois sempre restaria ao Estado a opção de contratar empresas internacionais.

Restrição à criação de organizações criminosas e cartel. Um mercado fechado à entrada de estrangeiros facilita a criação de organizações criminosas e cartel, resultando em sobrepreço e despreocupação com a qualidade dos serviços prestados. A abertura do mercado dificultaria as práticas ilegais por três motivos. Em primeiro lugar, aumentaria o número de empresas que precisariam chegar a acordo em torno do procedimento ilícito, o que dificultaria o conluio e diminuiria o ganho esperado de cada empresa (o bolo teria que ser dividido por um maior número de participantes). Em segundo lugar, colocaria no mercado brasileiro empresas e executivos novos e pertencentes a distintas culturas empresariais; mais uma vez dificultando a formação de acordos, pelo menos enquanto as empresas estrangeiras não se aculturam e estruturam seus laços políticos e econômicos. Em terceiro lugar, as empresas estrangeiras estão sujeitas à punição imposta pelos judiciários de seus países de origem, quase sempre mais eficientes e duros que o brasileiro (com exceção de alguns países da Ásia), o que preveniria comportamento anticoncorrencial por parte das empresas estrangeiras atuantes no país.

Aumento da produtividade da economia. O Brasil entrou em um ciclo de baixo crescimento econômico porque vários fatores que, no passado, impulsionaram o crescimento estão perdendo força:

  • A expansão da oferta de trabalho desacelerou em função da queda no ritmo de crescimento populacional, havendo menos mão de obra disponível para ampliar a produção de bens e serviços;
  • O ritmo de melhoria da qualificação da mão de obra, que vinha crescendo desde os anos 1990, em função da inclusão de crianças na escola, estagnou-se devido à conclusão do processo de universalização do ensino básico. Novos ganhos de qualificação dependem agora da melhoria da qualidade da educação, algo bem mais difícil que a simples inclusão de alunos no sistema escolar;
  • O forte crescimento da China, que ampliou a demanda por commodities brasileiras, está refluindo e resultando em perdas nas nossas receitas de exportação;
  • O Brasil tem baixa taxa de poupança e investimento, o que faz o nosso estoque de capital crescer lentamente, afetando a capacidade produtiva do país.

Frente a esse quadro, a principal forma de acelerar o crescimento do país é através do aumento da produtividade da economia. Ou seja, fazer com que os nossos restritos estoques de capital e de mão de obra sejam capazes de produzir mais e melhores bens e serviços.

Um dos fatores de baixa produtividade da economia brasileira é a nossa infraestrutura limitada e de baixa qualidade. Estradas esburacadas aumentam o custo de frete e o índice de perda de produtos durante o transporte. Portos congestionados e sem calado para receber grandes embarcações restringem a agilidade na circulação de insumos e produtos. Aeroportos com restrições em suas malhas de voo e atrasos por falta de equipamentos para navegação durante mau tempo dificultam a circulação de executivos e técnicos especializados. De modo geral, em infraestrutura gastamos pouco e gastamos mal.2

O Brasil tem histórico de dificuldades para expandir a quantidade e qualidade de sua infraestrutura. Há reconhecida incapacidade para identificar claramente os gargalos de infraestrutura, definir os melhores projetos para solucionar tais gargalos, elencar prioridades na definição de projetos, produzir projetos de boa qualidade, e executar as obras dentro do prazo cumprindo o orçamento do projeto3.

Uma leitura dos recentes relatórios do TCU sobre as contas do governo é bastante ilustrativa; em especial as seções que avaliam os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na edição de 2011 lê-se, por exemplo, que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte estava com sua previsão de conclusão atrasada em três anos. A Termonuclear Angra III estava atrasada em dois anos. No segmento de transportes o atraso médio era de 1,2 ano. Dezessete obras dos grupos Petrobras e Eletrobras tinham orçamentos estourados em mais de 100% do orçamento inicial4.

Na edição de 2012, o relatório de contas de governo destaca o atraso nas obras de transposição do Rio São Francisco, com o primeiro trecho postergado de 2010 para 2014 e o segundo trecho passando de 2012 para 2015. A obra, que em 2007 tinha orçamento de R$ 4,8 bilhões, pulou para R$ 8,2 bilhões em 20125.

Um projeto de Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio e São Paulo surgiu no ano de 2008 com um orçamento estimado em R$ 34 bilhões. Não obstante a imponência dos valores envolvidos (com indícios de subestimativas), os projetos e modelagem de concessão apresentavam falhas e inconsistências. Em consequência, não houve empresas interessadas no negócio, e o TAV parece ter sido arquivado, embora ainda conste como projeto do PAC.6 Os torcedores da Copa do Mundo de 2014 sentaram-se em estádios cujo custo de construção chegou, em alguns casos, a duplicar em relação aos projetos originais (ver mais sobre esse ponto em outro post neste blog).

A abertura do mercado brasileiro de serviços de projeto e engenharia ajudaria a minorar esses problemas. Não apenas pelo aumento na quantidade de empresas capazes de realizar obras, como também pela entrada de novas tecnologias, e pela agregação de valor decorrente de maior capacidade de planejamento e execução.

Suprimento de mão de obra especializada. Uma das principais restrições apresentadas pelo mercado de trabalho brasileiro é a escassez de mão de obra especializada. As empresas têm grande dificuldade em preencher vagas que exigem formação de nível superior em engenharia, geologia, arquitetura, química e outras profissões do ramo de serviços de engenharia, arquitetura e projetos7. A abertura do mercado brasileiro não traria apenas firmas, mas também profissionais estrangeiros qualificados, contratados e treinados nas matrizes das empresas, para preencher essa lacuna.

Ressalte-se a oportunidade que tem o Brasil de tirar proveito de um grande contingente de profissionais qualificados que, em função da crise econômica europeia, encontra-se sem perspectiva profissional em seus países de origem. Pessoas cuja formação foi custeada por outros países poderiam colocar sua capacidade de trabalho a nossa disposição. A tradicional fuga de cérebros, em que cientistas e técnicos formados à custa do contribuinte brasileiro transferem-se para universidades e empresas estrangeiras, pode agora ser revertida em favor do Brasil.

Há, portanto, boas e fortes razões para a abertura do mercado brasileiro a empresas de engenharia e projetos estrangeiras, ainda que, sozinha, essa providência não represente condição suficiente para melhorar a qualidade, custo e honestidade dos processos produtivos do setor.

Outras reformas se impõem

Embora seja condição necessária para darmos um salto institucional, a abertura do mercado de serviços de projeto, engenharia e arquitetura, isoladamente, não é suficiente para alcançarmos tal melhoria. É preciso aprimorar outros aspectos legais e regulatórios. Restrições ao financiamento de campanha por empresas que têm grandes contratos com o setor público é certamente um ponto central para se cortar o alinhamento de interesses entre políticos e fornecedores do governo. Note-se que não se está aqui falando em “financiamento de campanha exclusivamente público”, como propugnado por muitos. Trata-se apenas de restringir, na legislação, o evidente conflito de interesse que existe em contribuir para campanhas e, ao mesmo tempo, ser fornecedor do setor público.

Outro aspecto central é a regulação dos processos de concessão de obras públicas. No passado recente o Governo Federal priorizou a modicidade tarifária no desenho de leilões de concessão. Acabou, com isso, atraindo algumas empresas que aceitavam cobrar tarifas baixas, mesmo sabendo que tal remuneração não permitiria manter a qualidade dos serviços e os investimentos definidos no contrato de concessão. Possivelmente essas empresas objetivavam, posteriormente, pressionar o governo para obter aditivos contratuais. Houve empresas estrangeiras que se comportaram desse modo, sendo o caso da espanhola OHL o exemplo clássico: obteve contratos de concessão de rodovias com pedágios a R$ 1,00. Deu motivo para o Governo comemorar o aparente sucesso de um leilão vantajoso para o usuário das rodovias. Na prática, a empresa falhou em cumprir o contrato e deixou o país depois de tomar empréstimos bilionários no BNDES e de passar alguns anos coletando pedágio sem oferecer o serviço no padrão contratado (já tratamos sobre isso neste blog) 8.

Certamente as empresas internacionais que entrarem no Brasil irão, com o tempo, aprender as brechas deixadas pela legislação, pela regulação e pelas falhas de fiscalização para incrementar seus ganhos. Daí a importância de se fazer progressos institucionais. O aumento da autonomia decisória e da qualidade técnica das agências reguladoras é um ponto fundamental nesse processo.

Por fim, há que se investir na melhoria da capacidade de planejamento do Estado, para evitar que obras desnecessárias ou não prioritárias sejam realizadas, relegando-se as urgentes ao segundo plano; bem como para que os projetos tenham qualidade e cumpram suas finalidades com eficiência. Não obstante a necessidade de todas essas reformas é preciso, também, aumentar a concorrência no mercado de projetos e obras de  engenharia. Em textos futuros falaremos sobre algumas das barreiras à entrada que existem nesse mercado.

___________

1 Ver, na imprensa, por exemplo: http://veja.abril.com.br/multimidia/video/inidoneidade-ou-nao-as-gigantes-empreiteiras-da-lava-jato-eis-a-questao/ e http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/24/politica/1416836274_165235.html

2 Ver, a esse respeito, por exemplo: Frischtak (2013), Mesquita, Volpe e Blyde (2008), Pagés (2010).

3 Sobre esse ponto ver Rajaram et al (2008) e Banco Mundial (2009).

4 TCU (2011, p. 178-186).

5 TCU (2012, p. 466-67)

6 Sobre as inconsistências do TAV ver Mendes (2010) e Mendes (2011).

7 Ver Fundação Dom Cabral (2013).

8 Velloso et al (2012) tratam essa questão em detalhes do ponto de vista teórico e prático.

 

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O que é “rent-seeking”? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2190&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-rent-seeking https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2190#comments Tue, 25 Mar 2014 17:36:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2190 O conceito de “rent-seeking” (caça à renda, em uma tradução literal) é bastante útil para se entender alguns fenômenos importantes na economia. Em particular, nas políticas de governo, tais como os motivos para haver proteção tarifária a alguns produtos fabricados no país, a concessão de crédito subsidiado a algumas empresas, a regulamentação de algumas profissões ou a existência de meia-entrada para estudantes em eventos culturais.

Em primeiro lugar, é útil entender o conceito econômico de “renda”, que é distinto do uso comumente dado a esse termo. O ponto de partida da análise microeconômica é um mundo fictício em que todos os setores de uma economia funcionam em concorrência perfeita. Isso significa que cada produtor é muito pequeno em relação ao tamanho do mercado em que ele trabalha e, por isso, suas decisões não afetam o preço de mercado. Por exemplo, um produtor de sapatos que coloca a sua produção à venda, fixará o preço do seu produto no mesmo nível de preço dos sapatos vendidos no mercado. Se pedir preço superior, não venderá nenhuma unidade. Se pedir preço inferior, venderá todas as unidades, mas não maximizará seu lucro. Quem determina o preço é a velha lei da oferta e da demanda: se os consumidores desejarem comprar mais sapatos, e a produção não tiver aumentado, o preço do sapato se eleva. Se, por outro lado, a demanda por sapatos for constante, e entrarem mais produtores oferecendo sapatos no mercado, o preço tende a cair.

O produtor de sapatos só ficará nesse mercado se tiver lucro, que é o valor que ele recebe por ter empregado seu tempo e seu capital na organização e gestão de sua fábrica. A esse lucro dá-se o nome de “lucro normal”, que tenderá a ser igual para todas as firmas do setor. Se algum produtor conseguir um lucro acima do normal, diz-se que ele está recebendo uma “renda”, ou seja, um valor acima do retorno normal esperado para a sua atividade. O conceito não se aplica apenas a empresas: trabalhadores que recebem remuneração acima do mercado também recebem uma “renda”.

“Renda” ou “renda econômica” é, portanto, o montante que um fator de produção (capital, trabalho, terra) recebe acima do valor que seria suficiente para manter esse fator em sua atual ocupação. Se o lucro normal na nossa fábrica de sapatos é de R$ 10,00 por unidade, e um empresário consegue R$ 12,00 então ele tem uma renda econômica de R$ 2,00 por unidade. O produtor de sapatos estaria disposto a vender sua produção obtendo um lucro de R$ 10. Não haveria na economia nenhuma outra aplicação alternativa para o seu capital que desse retorno maior do que esse. Por isso, pode-se dizer que os R$ 2,00 adicionais são um lucro que não afeta a sua disposição de se manter no mercado de sapatos. É um ganho extra. Trata-se de um retorno acima daquele necessário para estimulá-lo a fabricar e vender sapatos.

Cabe, então, perguntar o que pode originar tais rendas. A possibilidade mais óbvia é que o mercado em que o produtor está trabalhando não funcione em concorrência perfeita. Se estivermos em um caso de monopólio, por exemplo, em que há um único produtor no mercado, este pode escolher o montante a ser produzido e fixar um preço acima daquele que seria obtido em concorrência perfeita. Com isso, o monopolista garante para si uma renda econômica.

Na prática, há vários mecanismos que garantem renda econômica para empresas ou grupos de pessoas. Por exemplo:

  • Uma categoria profissional que consegue a aprovação de uma lei limitando o número de profissionais que pode atuar no setor. Nesse caso, há um bloqueio à entrada de novos concorrentes nesse mercado, restringindo as possibilidades de expansão da oferta. Por exemplo: a fixação de um número limitado de licenças para a prestação de serviços de taxi em uma cidade; a exigência de exames de proficiência para que os indivíduos formados em determinada profissão possam atuar no ramo; as restrições à atuação de firmas de capital estrangeiro em determinados setores (no Brasil, por exemplo, empresas aéreas e de comunicações devem ser de capital nacional);
  • Os sindicatos de trabalhadores, ao organizarem a ação de seus filiados, e ameaçarem parar a produção se não receberem um determinado nível salarial, geram renda para seus filiados, em detrimento de outros trabalhadores, que estão desempregados e fora do sindicato, e que aceitariam trabalhar por salários menores.
  • As empresas fazem lobby junto ao governo para que este eleve as tarifas de importação de produtos estrangeiros que concorram com a produção nacional. Protegidas de tal concorrência, as empresas que dominam o mercado podem fixar preços mais elevados e receber lucros acima daqueles que teriam caso houvesse maior concorrência. Recebem, pois, rendas econômicas acima do lucro normal.

Estamos, agora, em condições de entender o conceito de “rent-seeking” (ou caça à renda). Diz-se que uma pessoa, grupo ou empresa tem um comportamento “rent-seeking” quando ela empreende esforço, gastando tempo e/ou dinheiro, para tentar garantir uma renda econômica para si ou para seu grupo.

Tomando o último exemplo acima, quando uma empresa vai ao governo pedir proteção tarifária, tal empresa está gastando tempo e dinheiro para conseguir a renda desejada. Ela paga o salário de lobistas, investe em publicidade com o objetivo de cooptar a opinião pública à sua causa, gasta tempo em suas reuniões de diretoria para discutir a estratégia de abordagem das autoridades governamentais, eventualmente paga alguma propina a uma autoridade com alto poder de decisão, etc.

Da mesma forma, a organização de sindicatos faz com que alguns trabalhadores saiam da linha de produção para desenvolver as atividades de organização e gestão do sindicato, sendo sustentados por contribuições dos demais empregados que continuam trabalhando. Isso é uma alocação de tempo e dinheiro para que um grupo se organize em busca de renda econômica.

De modo mais geral, diz-se que há rent-seeking quando alguém emprega esforço para aumentar a sua participação na riqueza já produzida pela sociedade; sem que tal esforço gere nova riqueza. Ou seja, trata-se de atuar no sentido de usar tempo e dinheiro para se apropriar de riqueza que já existe na sociedade, em vez de atuar criando nova riqueza. A riqueza que alguém consegue se apropriar por meio de atividade de rent-seeking não é, assim, uma geração de renda, mas uma distribuição de renda favorecendo os grupos bem sucedidos na empreitada, com a corresponde a perda para o restante da sociedade.

Dado o grande poder que os governos têm para interferir na economia e criar regras e restrições, a atividade rent-seeking em geral tem grande interface com a ação governamental1. Os governos podem não apenas restringir a livre importação e exportação de bens e serviços, mediante tarifas e cotas aduaneiras, como podem criar licenças e permissões para restringir o acesso de ofertantes a determinado mercado, podem distribuir crédito subsidiado, ofertar serviços públicos com preços diferenciados conforme a clientela, assumir dívidas de grupos privados, conceder isenções tributárias, ou tabelar preços de alguns produtos.

A ação rent-seeking relacionada a políticas de governo pode tanto partir de um agente privado demandando algum tipo de proteção ou benefício governamental, como pode partir de uma autoridade governamental demandando propina de uma empresa ou setor econômico. Nesse caso, a propina seria a renda econômica, obtida acima da remuneração normal do servidor público corrupto.

Não se pode, contudo, dizer que onde há ação governamental gerando renda econômica há corrupção. Há regras estabelecidas de forma transparente e que geram oportunidade para a criação de rendas. É o caso, por exemplo, de leis que estabelecem o direito de alguns grupos (estudantes e idosos, por exemplo) a pagar meia-entrada em eventos culturais. Os beneficiários auferem um ganho à custa dos usuários que pagam entrada inteira (pois estes terão que pagar a mais para cobrir o custo da meia-entrada) e de eventual redução no lucro de quem oferece o espetáculo.

Em geral, quanto maior o grau de intervenção do governo na economia, maiores as oportunidades para que grupos se apropriem de riqueza por meio de atividades rent-seeking. No Brasil o governo é grande, não apenas pelo alto nível dos gastos públicos e da carga tributária, mas também pela histórica tradição de regular fortemente a economia. Assim, é de se esperar que haja amplo espaço para o rent-seeking. De fato, não é difícil citar exemplos, tais como:

  • Diversas linhas de crédito oferecidas por bancos públicos a setores específicos de empresas. O destaque mais recente tem sido para os chamados “campeões nacionais”: empresas escolhidas a dedo pelo governo para receber crédito farto e barato do BNDES. Mas esse não é um fenômeno novo na história do país. Já nos anos 70 o BNDES distribuía crédito de forma discricionária, socorrendo empresas em dificuldade econômica, tendo ficado conhecido, à época, como “hospital de empresas”. Não é difícil imaginar que empresas e grupos de empresas mobilizem recursos para fazer lobby ou financiar campanhas eleitorais como forma de aumentar suas chances de acesso ao crédito e ao socorro financeiro baratos;
  • Dado que os servidores públicos conseguiram para si remunerações acima de profissões similares no setor privado2, o acesso a um emprego público passou a ser uma fonte de renda econômica. Por isso, milhares de pessoas gastam muitas horas de seu dia, durante anos, estudando para ser aprovadas em concurso público e, com isso, terem acesso à renda econômica ofertada por essa ocupação; ou, alternativamente, encontram meios de serem indicadas para cargos públicos que não exigem concurso;
  • A Constituição Federal estabeleceu que “a saúde é um direito de todos e um dever do estado” (art. 196). Na prática, contudo, o governo não tem recursos para oferecer todo tipo de tratamento médico a todos os cidadãos do país. Estabelece-se uma espécie de racionamento, por meio de políticas de saúde que oferecem tratamentos padrão para as doenças de maior incidência na sociedade. Frente a esse racionamento, as pessoas que sofrem de doenças com tratamento de alto custo, não incluídas na cesta de serviços de saúde ofertada pelo governo, têm incentivo a recorrer à justiça. Com base no dispositivo constitucional acima citado, pleiteiam o custeio de seus tratamentos individuais. Ganhando a causa, passam a ter direito a um tratamento cujo financiamento representará o corte de outros tratamentos que não poderão ser oferecidos a outras pessoas. O beneficiário apropriou-se de riqueza da sociedade, subtraindo-a de outras pessoas3;
  • A justiça brasileira é, muitas vezes, lenta. Isso abre oportunidade para empresas ou pessoas dispostas a obter ganhos por meio de quebra de contratos. Uma empresa pode, simplesmente, não pagar seus fornecedores e deixar que eles busquem a cobrança judicial. Como esta é demorada, o devedor ganha com o fato de postergar o pagamento ou, até mesmo, pagar apenas uma fração da dívida;
  • A justiça não é apenas lenta, mas também incerta quanto às suas decisões. Isso aumenta as chances de vitória daqueles que têm capital suficiente para pagar bons advogados. Empresas pequenas não têm capital de giro suficiente para sustentar longas demandas judiciais até o recebimento de seus direitos, o que introduz um viés a favor de grandes empresas, que passam a ter vantagem em disputas judiciais e podem, com isso, usar a litigância para extrair renda em seu favor;
  • As agências reguladoras brasileiras carecem de autonomia política. Empresas prestadoras de serviços públicos, em áreas como telefonia, geração e transmissão de energia, transportes coletivos, entre outras, podem fazer pressão sobre essas agências de modo a alterar regras de proteção à concorrência ou aos direitos dos consumidores, com vistas a aumentar seus lucros;
  • De modo similar, acionistas majoritários de empresas de capital aberto podem adotar procedimentos administrativos que expropriem direitos dos acionistas minoritários, contando com a fragilidade da agência reguladora do setor, que sofre restrições políticas e técnicas para conseguir impor punições aos infratores da lei de sociedades anônimas;
  • Já foi citado anteriormente o caso clássico de restrições tarifárias e administrativas a importações, que protegem o mercado das empresas que operam no país. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo ao comércio internacional, o que certamente garante renda a setores da economia, com destaque para a indústria automobilística, que tem uma proteção efetiva de quase 200%4;
  • Além das formas tradicionais de proteção à indústria nacional via restrição de importações, outros tipos de barreiras aos concorrentes estrangeiros são utilizados, como o requerimento de conteúdo nacional mínimo, muito importante, por exemplo, na indústria do petróleo;
  • A legislação trabalhista brasileira interfere fortemente nas relações de trabalho e, como resultado geral, garante benefícios aos empregados do setor formal da economia, em detrimento daqueles que estão no setor informal. Pode-se dizer que o esforço político dos movimentos de trabalhadores sindicalizados para evitar uma reforma das leis do trabalho é uma forma de garantir rendas que seriam perdidas em um mercado de trabalho mais competitivo;
  • A alta carga tributária estimula as pessoas e empresas a se organizar para conseguir isenções fiscais. O resultado é que a legislação tributária é repleta de casos especiais, alíquotas específicas, tratamentos de exceção, etc;
  • Quando há quebra de safra, o governo refinancia, com subsídio, as dívidas rurais de grandes agricultores sem, contudo, lhes cobrar um imposto adicional nos anos de colheita e lucros fartos. Os lucros são privados, os prejuízos socializados;
  • A existência de grandes empresas estatais na economia, cujos dirigentes são escolhidos por critérios políticos, permite que tais empresas sejam usadas para beneficiar grupos politicamente bem conectados ou para oferecer salários elevados a seus empregados. O mesmo pode ser dito dos fundos de pensão dos empregados de empresas estatais, parcialmente financiados por recursos dessas empresas, e que alocam seus investimentos por critérios políticos;
  • O rent-seeking também pode ocorrer dentro do setor público. Por exemplo, quando os municípios se organizam para pressionar o governo federal com vistas a aumentar as transferências federais aos cofres locais. Ou quando são feitas emendas ao orçamento para a realização de gastos em serviços públicos ou investimentos em uma cidade específica. Em ambos os casos, os contribuintes de todo o país estarão pagando por um benefício a ser gozado pela população de uma única cidade ou região.

O problema do rent-seeking é que ele leva à má alocação de recursos na economia, reduz a produtividade e prejudica o crescimento econômico de longo prazo. Isso ocorre por vários motivos:

  • Tempo e dinheiro são gastos com vistas a subtrair renda de outros, sem criar riqueza nova. O mesmo dinheiro que é investido em lobby e financiamento de campanhas eleitorais poderia ser investido em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, por exemplo. Note-se que a prática de rent-seeking por alguns participantes do mercado leva os seus concorrentes a reagirem, também embarcando em práticas similares para não perder mercado.
  • Os limitados recursos da sociedade, disponíveis para investimentos, não vão para as mãos das empresas que têm os projetos mais competentes e promissores, mas sim para as empresas que têm maior conexão política. As chances de criação de riqueza tornam-se menores. Ademais, como sempre existe a possibilidade de refinanciar ou não pagar os débitos do empréstimo público, em caso de fracasso, o esforço empreendido para tornar um empreendimento bem sucedido também serão menores.
  • O rent-seeking permite que se mantenham vivas empresas ineficientes. Se essas empresas fechassem, o capital e o trabalho por elas utilizado ficariam livres para serem empregados em atividades mais lucrativas e produtivas, aumentando a produtividade e o crescimento da economia.
  • O rent-seeking cria restrições à livre concorrência, o que desestimula as empresas protegidas a buscar ganhos de produtividade para se manterem vivas no mercado, prejudicando a produtividade agregada da economia, ao mesmo tempo em que inibe o surgimento de outras empresas inovadoras, visto que seus potenciais fundadores temem não conseguir se estabelecer no mercado em função da concorrência desleal; seja por proteção de mercado, seja pelo viés da justiça a favor dos maiores e mais capitalizados.
  • Os governos tendem a se tornar maiores que o necessário. A ação governamental deixa de ter por objetivo apenas a correção de falhas de mercado, atuando em áreas que o mercado privado não é capaz de fornecer bens e serviços adequados5. Aumenta a burocracia, a carga tributária, a parcela da força de trabalho que é empregada no setor público (tradicionalmente menos produtivo que o setor privado). Tudo isso aumenta o custo que o setor privado tem que pagar para sustentar o governo, ou seja, a carga tributária.
  • Há, também, mudança nos objetivos prioritários do governo. Em vez de ser um agente econômico que oferece serviços públicos de qualidade, que aumentam a produtividade da economia (como infraestrutura ou educação pública), o governo passa a priorizar a criação de emprego, a distribuição de subsídios e privilégios, a transferência de riqueza de uma parcela da sociedade para outra. Tudo isso sem conexão direta com a efetiva oferta de serviços públicos à população.

Limitar o espaço para a prática de rent-seeking seria, então, uma forma de aumentar o crescimento de longo prazo e a justiça distributiva em uma sociedade, evitando que alguns “espertos, organizados ou conectados” extraiam renda do restante da sociedade. A imposição de restrições ao comportamento rent-seeking é feita, basicamente, por meio de maior transparência dos atos públicos e garantia de funcionamento, com independência política, de agências de Estado responsáveis por impor regulação à ação de agentes econômicos. Em termos objetivos estamos falando de algo como:

  • Agências reguladoras e banco central com autonomia operacional e regras de indicação e mandato que garantam autonomia decisória, evitando a subordinação dessas entidades à vontade imediata do governante do momento;
  • Sistema judicial mais ágil e com resultados previsíveis, baseados em jurisprudência bem estabelecida, com ênfase na garantia dos direitos de propriedade e da preservação dos contratos;
  • Inclusão no orçamento de todo e qualquer tipo de subsídio, isenção tributária e demais benefícios custados pelos contribuintes, para evitar que tais benefícios sejam financiados de forma pouco transparente, ou que o custo de seus benefícios seja jogado para as gerações futuras, por meio de aumento da dívida pública;
  • A existência de instituição autônoma encarregada de calcular e divulgar os benefícios e custos dos programas públicos, para dar publicidade a quem ganha e quem perde com cada um deles6;
  • Política de remuneração do setor público que se espelhe nas remunerações e reajustes salariais praticados no setor privado;
  • Focalização das ações governamentais nas questões que efetivamente demandem interferência pública, em função da existência de falhas de mercado que impeçam o setor privado de prover bens e serviços com eficiência (segurança pública, meio-ambiente, educação, estímulo à inovação, saneamento básico, etc.).

Um conceito muito próximo ao de rent-seeking é o de “crony capitalism”, usualmente traduzido como “capitalismo de relações”, “capitalismo de laços” ou “cronismo”. Este será tema de outro texto a ser publicado nas próximas semanas.

______________

1Isso não quer dizer que toda geração de renda econômica ou toda atividade rent-seeking dependa da ação do governo. Situações de monopólio e de barreiras naturais à entrada de novos concorrentes existem em vários setores da economia, o que pode garantir rendas a seus produtores mesmo sem qualquer regulação governamental. Da mesma forma, trabalhadores podem se organizar e restringir a oferta de trabalho mesmo em um ambiente sem qualquer legislação trabalhista.

2Para uma estimativa da superioridade das remunerações dos servidores públicos em relação ao setor privado ver, por exemplo, Barbosa, A.N.L.H., Barbosa Filho, F.H. (2012) Diferencial de salários entre os setores público e privado no Brasil: um modelo de escolha endógena. IPEA. Texto para Discussão 1713.

3Sobre esse ponto ver, por exemplo, Romero, L.C.P. (2008) Judicialização das políticas de assistência farmaceutica: o caso do Distrito Federal. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 41.

4Vide, por exemplo, Baumann, R., Kume, H. (2013) Novos padrões de comércio e política tarifária no Brasil. In: Bacha, E., Bolle, M.B. (Orgs.) O futuro da indústria no Brasil: desindustrialização em debate. Ed. Civilização Brasileira.

5Sobre esse ponto ver, neste site, o texto Por que o governo deve interferir na economia?

6Diversos países da OCDE implementaram instituições fiscais independentes com tal finalidade. Ver uma descrição dessas entidades em FMI (2013) “The functions and impact of fiscal councils” ou OCDE (2013) “Principles for independent fiscal institutions”.

 

Para ler mais sobre o tema:

Caselli, F., Michaels, G. (2009) Do oil windfalls improve living standards? Evidence from Brazil. NBER Working Paper Series w15550.

Krueger, A. (1974) The political economy of the rent-seeking society. The American Economic Review, vol. 64, n. 3, p. 291-303.

Lisboa, M.B., Latif, Z.A. (2013) Democracy and growth in Brazil. INSPER Working Papers. Disponível em: http://www.insper.edu.br/working-papers/working-papers-2013/democracy-and-growth-in-brazil/

Mendes, M.J. (2006) Despesa dos Poderes autônomos: Legislativo, Judiciário e Ministério Público. In: Mendes, M.J. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Ed. Topbooks/Instituto Fernand Braudel.

Naritomi, J, Soares, R.R., Assunção, J. J. (2012) Institutional development and colonial heritage in Brazil. The Journal of Economic History, vol. 72, nº 2, jun.

Pinheiro, A.C. (2013) Os empréstimos do BNDES para os “campeões nacionais”. Valor Econômico, 1/3/2013.

Rajan, R. (2006) Competitive rent preservation, reform paralysis, and the persistence of underdevelopment. NBER Working Paper 12093.

Sonin, Konstantin (2003) Why the Rich may Favor Poor Protection of Property Rights. Journal of Comparative Economics, 31, 715-731.

Zanella, F.C., Ekelund, R.B., Laband, D.N. Monarchy, monopoly and merchantilism: Brazil vs. United States in the 1800s. Public Choice 116, p. 381-398.

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Ética & Incentivos: o que diz a Teoria Econômica sobre recompensar quem denuncia a corrupção? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1989&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=etica-incentivos-o-que-diz-a-teoria-economica-sobre-recompensar-quem-denuncia-a-corrupcao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1989#comments Tue, 24 Sep 2013 13:09:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1989 No dia 5 de agosto deste ano foi publicado no Diário Oficial da Câmara Legislativa do DF projeto de lei aprovado em 27 de julho que “concede prêmio à pessoa que comunicar às autoridades competentes a prática de crime contra a Administração Pública do Distrito Federal, de que resulte a efetiva recuperação de valores do Erário.” (Pinheiro, I., 2013).

A publicação do PL, que tem por objetivo estimular a sociedade a se envolver com mais afinco no controle da corrupção, gerou imediata repercussão na mídia, nem sempre favorável ao projeto.

O Correio Braziliense (2013), por exemplo, em reportagem de 6/8/2013, inicia seu texto afirmando que “No que depender da Câmara Legislativa, o Distrito Federal voltará à época do Velho Oeste americano” e apresenta argumentos de especialistas contra o PL. Segundo a reportagem, para o cientista político Leonardo Barreto, “retirar parte do recurso roubado dos cofres públicos e entregá-lo para um delator é desviar o dinheiro duas vezes. Barreto comparou a situação a um roubo de caminhão de carga, no qual a pessoa que teve conhecimento do crime e entregou os ladrões às autoridades leve certa quantidade do carregamento para casa, como recompensa pelo ato.” O artigo cita a seguinte frase do cientista político: “Se quer incentivar um comportamento mais correto, talvez, sim, com uma premiação, mas nunca com o produto do roubo”.

O Correio Braziliense cita ainda posicionamento do cientista político Valdir Pucci segundo o qual repartir recursos públicos “com um número restrito de pessoas, mesmo que com um bom propósito” é começar “um jogo de soma zero”. “O Estado não ganha, a sociedade não ganha, não tem retorno para ninguém”. Teria ainda o cientista político chamado a atenção para o fato de que “Pagar por esse serviço pode acender uma onda de denuncismo, que também terá prejuízos para o Estado. É preciso analisar como essa informação será recebida e tratada, para não virar outro problema, de investigações inválidas e consequências ruins para pessoas inocentes”.

A reportagem chama ainda a atenção para a possibilidade do PL ser inconstitucional e acrescenta o posicionamento do fundador e secretário-geral da Organização Não-Governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, que “acredita que a obrigação de todo cidadão é agir contra o que é errado. Recompensar quem age corretamente, segundo o especialista, não é uma atitude ética”. Teria ainda afirmado o secretário-geral que “A remuneração vai contra os princípios da cidadania. No nosso país, vai ter conluio de quem roubou com quem denunciou”.

Por outro lado, em seu editorial de 9/8/2013, a Folha de São Paulo reconhecendo que, em tese, “qualquer pessoa que tome conhecimento de um crime tem o dever moral de denunciá-lo às autoridades competentes”, também lembra que “No mundo real, delatar um crime envolve riscos. No mínimo, de ser tachado de alcaguete. Na pior das hipóteses, a própria vida é ameaçada.” Por essa razão, o editorial argumenta que “a sociedade precisa reconhecer que, dentro de certos limites, determinadas medidas pragmáticas constituem um avanço.” E conclui com uma visão positiva do PL, afirmando que “Se bem regulamentada, a recompensa pode representar importante ferramenta – e impulsos morais automáticos não deveriam impedi-la.”

Não obstante essa última visão favorável, o Governador do Distrito Federal achou por bem vetar o PL em 30/8/2013. Segundo reportagem no R7 Notícias (2013a), “Após avaliar todo o conteúdo do projeto, o chefe do Executivo do DF entendeu que a proposta causou polêmica jurídica e constitucional e não envolveu a sociedade para debates e amadurecimento da ideia.” A reportagem adiciona um posicionamento mais claro do Governador: “Agnelo também disse que denúncias envolvendo políticos devem ser feitas pelos cidadãos de bem como obrigação cívica e não podem estar vinculadas às possibilidades de conseguir vantagens financeiras.” Cita ainda as palavras do Governador Agnelo: “O crime é nocivo a toda a comunidade. Não pode ser causa de lucro para absolutamente ninguém, nem mesmo aos que o denunciam.”

A reportagem da R7 Notícias ainda inclui posicionamento do professor titular da cadeira de Direito Público na UnB, prof. Marcelo Neves, que afirma o PL ser “inconstitucional desde a criação porque fere o princípio da Moralidade Administrativa.” Segundo o professor, “O Estado jamais poderá vincular pagamento de valores a produtos da corrupção. Se a lei fosse sancionada, quem fizesse a denúncia se tornaria tão criminoso quanto, porque receberia um valor em cima da própria criminalidade e estaria se beneficiando da própria corrupção.”

Os posicionamentos citados acima mostram que o assunto se reveste de grande polêmica, especialmente ao incorporar argumentos de ordem moral ao debate. Uma análise dos argumentos contra o PL permite classificá-los em essencialmente duas categorias. Aqueles que afirmam existir um imperativo cívico que obrigaria o cidadão a denunciar corrupção e aqueles que afirmam ser imoral ou aético remunerar aqueles que, em consequência de suas denúncias, permitam a recuperação de recursos desviados. Como a discussão envolve recursos públicos, surge naturalmente a questão de se a teoria econômica teria alguma contribuição a oferecer a esse debate. O objetivo deste artigo é justamente revisitar os argumentos oferecidos acima com o instrumental teórico e prático da economia da informação e dos incentivos.

Para começar, considere o argumento da cidadania: todo cidadão tem a “obrigação cívica” de denunciar a corrupção, portanto não há razão para recompensar quem assim o fizer. Aqui a teoria econômica chama a atenção para a distinção entre imperativos morais, cívicos e até legais, e a ação. De fato, todo agente (econômico) está constantemente buscando tomar boas decisões num mundo repleto de limitações. Essa realidade pode fazer com que ele opte por não seguir seus imperativos cívicos, optando por uma ação que, dadas as limitações existentes, lhe pareça melhor. Um exemplo mundano diz respeito ao lixo nas ruas. Há obrigação cívica mais fundamental do que não sujar nossas cidades? É isso, de fato, que observamos, ou seja, os indivíduos guardando seus entulhos até encontrarem a lata de lixo mais próxima? Apesar de termos feito muito progresso nessa direção, parece a este autor que ainda temos um longo caminho a percorrer no nosso país. De forma semelhante, com que frequência ouvimos notícias de cidadãos contribuindo no combate à corrupção?

Mas porque nem todos os brasileiros guardam seu lixo ou denunciam práticas corruptas? A razão é muito simples, e foi muito bem apresentada no editorial da Folha de São Paulo supracitado: custo. É desagradável, custoso, para o transeunte carregar consigo a lata vazia de cerveja por dezenas de metros até encontrar uma lata de lixo. Isso faz com que, na ausência de outros incentivos, ele talvez prefira deixar a lata na via. Que outros incentivos poderia ele ter? Naturalmente, se houvesse um benefício pecuniário, talvez ele guardasse sua lata para recebê-lo. Nos Estados Unidos, por exemplo, há estações de reciclagem perto de estabelecimentos comerciais em que as pessoas depositam suas latas e, em troca, recebem alguns centavos por isso. Há também os incentivos negativos. A multa por jogar um toco de cigarro pela janela do carro no estado americano de Washington pode chegar a US$1000, segundo Orlando Sentinel (2011); procedimento similar ao que a Prefeitura do Rio de Janeiro acaba de implantar naquela cidade. Já no Japão a vergonha de ser chamado a atenção nas ruas das cidades por jogar lixo pode representar um “custo moral” superior à multa americana. Não é de se admirar que nesses países se jogue bem menos lixo nas ruas.

Em suma, a Teoria dos Incentivos explica que, quando existe um custo em se executar certa tarefa, os agentes necessitam ser de alguma forma motivados para fazê-lo, seja por meio de incentivos positivos, como remuneração ou algum tipo de premiação, seja por meio de incentivos negativos, como punição ou recriminação. O “custo”, no caso da lata de cerveja, é bem primário e se reduz a ter que carregá-la consigo. Em outros casos, pode ser bem elevado. Suponha que você esteja caminhando na rua e um pedestre ao seu lado é assaltado. Talvez concorde comigo que seu dever cívico é agir, atacando o bandido, gritando, chamando a polícia. Essas atitudes, no entanto, envolvem o risco de o bandido se voltar contra você, causando-lhe potencialmente grande prejuízo. Não é sem razão que ouvimos com frequência, especialmente nas grandes cidades, notícias de assaltos em ambientes públicos sem que as pessoas em volta do bandido reajam.

No caso particular da denúncia à corrupção, existem pelo menos dois tipos de custos muito claros. O primeiro foi ressaltado no editorial da Folha de São Paulo supracitado, bem como pelo próprio autor do PL, o deputado distrital Professor Israel Batista, que diz que a recompensa “expressa de forma física o reconhecimento de que o denunciante prestou um serviço de importância extremada, ao se arriscar e arriscar a sua família”1. De fato, existe um risco ao se denunciar um crime de corrupção. Esse risco já seria suficiente para desestimular muitos, contrabalançando o sentimento de dever cívico.

Mas e se não houver risco, como no caso uma denúncia anônima? Será que os cidadãos, imbuídos do dever cívico se dedicarão à tarefa de descobrir e denunciar os crimes de corrupção? A própria existência do PL sugere que não, uma vez os telefones anônimos para denúncia estão disponíveis à sociedade. O limitado uso desse mecanismo relativamente seguro de denúncia anônima está associado ao segundo tipo de custo, qual seja, o custo de oportunidade.

De fato, já existe literatura econômica sobre a questão da recompensa ao esforço do cidadão de denunciar corrupção. O artigo Bugarin & Vieira (2008) analisa justamente essa questão, ou seja, modela cuidadosamente a decisão do cidadão quanto a se envolver no esforço social de combate à corrupção.

O artigo chama a atenção para o fato de que o tempo e o esforço dedicados pelo cidadão ao controle da corrupção compete com suas outras atividades, em particular o trabalho, que lhe gera renda, e o lazer, que lhe gera felicidade. Em outras palavras, para dedicar-se ao controle da corrupção, o cidadão deve abrir mão ou de tempo de trabalho, reduzindo sua renda, ou do tempo dedicado ao lazer. Sem dúvida, ele será beneficiado direta ou indiretamente por sua ação, seja pela felicidade pessoal de contribuir para a redução da corrupção (satisfação cívica), seja pelo benefício que será gerado para a sociedade como um todo pelo uso apropriado do recurso público recuperado. No entanto, esse último benefício é diluído por toda a sociedade, enquanto a perda, seja em termos de horas de trabalho ou de lazer, é exclusivamente sua. Por essa razão, Bugarin & Vieira (2008) mostra que o envolvimento social espontâneo tende a ser muito reduzido, muito aquém do que seria ótimo para a sociedade.

O artigo acima citado, de fato vai mais além e propõe um mecanismo para estimular a dedicação dos cidadãos ao esforço oficial de controle da corrupção via recompensa àquele que se mostre instrumental na elucidação e recuperação dos recursos públicos desviados pela corrupção. Nesse artigo de 2008 é proposta a recompensa como um percentual do valor dos recursos recuperados, exatamente o que propunha o PL. Ademais, o artigo mostra que esse mecanismo pode ser calibrado de forma que o governo, o cidadão que se dedica e a sociedade como um todo fiquem melhor (em termos esperados) quando o mecanismo de recompensa é usado2.

Considere agora o argumento da moralidade, segundo o qual é aético ou imoral remunerar o denunciante. O fundamento parece se encontrar no sentimento de que seria moralmente condenável usar-se de recurso previamente desviado para remunerar o denunciante. Transcrevo novamente a citação do CB de 6/8/2013: “Barreto comparou a situação a um roubo de caminhão de carga, no qual a pessoa que teve conhecimento do crime e entregou os ladrões às autoridades leve certa quantidade do carregamento para casa, como recompensa pelo ato.”

Para discutir essa argumentação, peço ao leitor que imagine que um de seus amigos tenha perdido sua carteira contendo R$1000,00. Suponha ainda que um transeunte a tenha encontrado, procurado seu telefone a partir do nome em sua carteira de identidade, também perdida na carteira, tenha telefonado e marcado um local para entregá-la. Seu amigo então lhe conta que recebeu a carteira, na qual ainda estavam os R$1000, agradeceu ao cidadão pelo seu esforço e dele se despediu sem lhe oferecer qualquer recompensa. Suponha agora uma situação mais radical em que seu amigo é vítima de um ladrão de carteirinha na rua. Um transeunte, ao perceber o ato criminoso, persegue o ladrão aos gritos e gestos que chamam a atenção da polícia que, por sua vez, prende o ladrão, de forma que sua carteira é recuperada. Seu amigo, estimando que é dever cívico do cidadão lutar contra esse ato criminoso, agradece sua contribuição sem recompensá-lo pelo risco envolvido na perseguição do bandido.

O que você pensaria de seu amigo? Que diferença existe entre o exemplo hipotético citado por Barreto e este exemplo?

Passando para situações reais, inúmeros são os mecanismos institucionais de recompensa. Por exemplo, a Receita americana (Internal Revenue System) recompensa os cidadãos que provêm informação relevante sobre evasão fiscal, dando a eles um percentual normalmente correspondendo a 10% do valor recuperado, curiosamente o mesmo percentual proposto no PL3. Existe no Brasil desde 2000, e em muitos outros países há mais tempo, os programas de leniência4 que permitem a uma empresa envolvida em conluio ilegal negociar com o governo uma redução ou até mesmo a eliminação total de sua punição caso ajude as autoridades nas investigações sobre o comportamento ilegal de cartelização. Os auditores-fiscais no país recebem uma gratificação denominada Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação-GIFA que é computada em função de cumprimento de metas de arrecadação. Portanto, se os auditores descobrirem irregularidades tributárias de empresas e, com isso, conseguem aumentar a arrecadação federal, obterão recompensa. Outro exemplo recente, curiosamente aprovado exatamente na mesma sessão da Câmara Legislativa do DF que aprovou o PL em questão, o projeto de lei no. 1.447/20135, de iniciativa do Governador do Distrito Federal, institui a gratificação a policiais, que varia de R$400 a R$1200, por apreensão de arma de fogo no DF.

Uma possível diferença entre os exemplos institucionais acima apresentados e aquele proposto pelo PL, que parece ter gerado grande reação negativa, é o fato de que a remuneração prevista corresponde a um percentual do montante desviado, dando a impressão de “duplo desvio”: “retirar parte do recurso roubado dos cofres públicos e entregá-lo para um delator é desviar o dinheiro duas vezes”, teria afirmado

o cientista político Barreto. Essa distinção da origem do dinheiro, no entanto, é essencialmente ilusória. Suponha, por exemplo, que o PL fosse reapresentado conforme descrevo a seguir. Inicialmente, cria-se um “Fundo de Combate à Corrupção”, no qual se aloca quantia considerável de recursos orçamentários. Em seguida, se determina que o Fundo será usado da seguinte forma. Toda vez que uma denúncia acarrete recuperação de recurso público desviado por corrupção, o denunciante é pago com recursos do Fundo em valor correspondente a 10% do valor recuperado. Neste caso, formalmente o denunciante estará recebendo um pagamento oriundo dos recursos orçamentários e o recurso recuperado volta integralmente aos cofres públicos. O argumento do duplo desvio deixa de existir. O funcionamento do mecanismo, no entanto, é exatamente o mesmo e, portanto, os incentivos por ele gerados são idênticos.

À guisa de conclusão, a teoria econômica ressalta a diferença que existe entre princípios morais, por um lado, e as decisões tomadas pelos cidadãos, por outro, chamando a atenção para o fato de que um cidadão pode decidir não cumprir com suas obrigações cívicas se os custos ou riscos envolvidos no cumprimento dessas obrigações forem elevados. Nesse caso, incentivos tanto positivos quanto negativos podem e devem ser usados de forma a estimular o comportamento desejado do cidadão. Ignorar esse fato levará simplesmente à manutenção do status quo de pouco envolvimento espontâneo da sociedade civil no esforço de controle da corrupção.

Ademais, a teoria econômica chama a atenção para a possível criação de conflitos inexistentes devido à simples forma de se descrever um mecanismo. Segundo o Correio Braziliense, o cientista político Barreto, crítico do PL, teria dito: “Se quer incentivar um comportamento mais correto, talvez, sim, com uma premiação, mas nunca com o produto do roubo”. Com o supramencionado Fundo de Combate à Corrupção se teria exatamente o efeito de apresentar a recompensa como uma premiação e não um fruto do “produto do roubo”, sem que isso alterasse a essência do mecanismo proposto pelo PL.

Finalmente, a teoria econômica ajuda a identificar semelhanças entre diferentes mecanismos, mostrando, por exemplo, a similaridade entre o mecanismo de gratificação a policiais por apreensão de armas e o mecanismo gratificação ao cidadão por “apreensão de corrupto”, sendo que o primeiro mecanismo foi proposto pelo Executivo Distrital enquanto o segundo foi vetado pelo mesmo Executivo.

Resta, por fim, a constatação de que o Distrito Federal talvez tenha perdido uma oportunidade de se posicionar na vanguarda do país no que diz respeito aos mecanismos institucionais de incentivo ao envolvimento da sociedade na árdua tarefa de controle da corrupção.

(Trabalho preparado para apresentação no Primeiro Encontro Anual do Economics and Politics Research Group, UnB, 21/9/2013.)

____________

1 EBC, 2013.
2 Detalhes da modelagem utilizada podem ser consultados em: http://bugarinmauricio.files.wordpress.com/2012/12/quaeco419.pdf
3 Cooter e Garoupa (2001).
4 Veja Considera, Correa e Guanais (2001) para o caso brasileiro e Paul (2000) para o caso americano.
5 R7 Notícias, 2013b.

Referências:

Batista, I. (2013). Projeto de Lei 857/2012, disponível em http://profisrael.com.br/wp-content/uploads/2012/07/RDI-PL-00857-2012.pdf

Bugarin, M. e Vieira, L. (2008). “Benefit Sharing: An Incentive Mechanism for Social Control of Government Expenditure”. Quarterly Review of Economics and Finance, 48: 673-690.

Considera, C., Correa, P. e Guanais, F. (2001). Building a leniency and amnesty policy: The Brazilian experience. Global Competition Review, 44–46.

Cooter, R. e Garoupa, N. (2001). The virtuous circle of distrust: A mechanism to deter bribes and other cooperative crimes. The Berkeley Law & Economics Working Papers, Vol. 2000, Issue 2, Article 13.

Correio Braziliense (2013). “Lei aprovada no Distrito Federal recompensa quem denunciar corruptos”, 6/8/2013, disponível em http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/08/06/interna_cidadesdf,380868/projeto-de-lei-preve-recompensa-em-dinheiro-a-quem-denunciar-corruptos.shtml

EBC (2013). “Lei do DF prevê prêmio para quem denunciar casos de corrupção”, 6/8/2013, disponível em: http://www.ebc.com.br/print/66131

Folha de São Paulo (2013). Editorial, 9/8/2013, editorial, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/08/1323819-editorial-delacao-mais-premiada.shtml

Orlando Sentinel (2011). “If a cop sees you litter, it’ll cost you”, 28/3/2011, disponível em http://articles.orlandosentinel.com/2011-03-28/news/os-law-and-you-litter-20110328_1_litter-cigarette-butts-trash-cans

Paul, R. (2000). International Cartels in Crosshairs. New York Law Journal.

R7 Notícias (2013a). “Governador do DF veta projeto de lei que prevê recompensa a quem denunciar políticos corruptos”, 30/8/2013, disponível em http://noticias.r7.com/distrito-federal/governador-do-df-veta-projeto-de-lei-que-preve-recompensa-a-quem-denunciar-politicos-corruptos-30082013

R7 Notícias (2013b). “Comissão da Câmara Legislativa aprova recompensa a policiais que aprenderem armas de fogo”, 7/5/2013, disponível em http://noticias.r7.com/distrito-federal/noticias/camara-legislativa-aprova-a-recompensa-a-policiais-que-aprenderem-armas-de-fogo-20130507.html

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