coronavirus – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 07 May 2021 13:03:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 Vacinas? Independência ou mortes! https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3437&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=vacinas-independencia-ou-mortes Fri, 07 May 2021 13:03:09 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3437 Vacinas? Independência ou mortes!

Dependência de importações vem prejudicando a imunização no Brasil

Por Roberto Macedo

O panorama da vacinação contra a Covid-19 no País é claramente insatisfatório e lamentável. Faltam muitas vacinas, o Brasil não se preveniu para comprá-las em meados do segundo semestre do ano passado, com destaque para a recusa das fabricadas pela Pfizer. Depois veio a segunda e mais forte onda da pandemia e a dificuldade de aquisição foi muitíssimo agravada. É preciso implorar aos fabricantes, a governos de outros países e a instituições internacionais, mas não há como atender rápida e satisfatoriamente à demanda de um país tão grande e populoso como o Brasil.

A Fiocruz e o Instituto Butantan vêm fazendo grande esforço para ampliar sua produção, mas esbarram numa dificuldade paralela: a também escassa disponibilidade do IFA, o insumo farmacêutico ativo, principal ingrediente das vacinas, não produzido no Brasil, que vem da China. Juntamente com as vacinas, tem altos custos de transporte aéreo. Tanto a Fiocruz como o Butantan estão construindo novas plantas para produzir o IFA, mas isso toma um tempo que mantém o atual caminho definido por séria escassez de vacinas e muitas mortes.

Por essas e outras razões apresentadas mais à frente, esse quadro de muitas dificuldades aponta na direção de que o Brasil, além de produzir o IFA para as duas vacinas oferecidas pelas instituições citadas, apoie mais iniciativas de fabricar imunizantes totalmente nacionais, na sua concepção e nos insumos utilizados, e também mais voltadas para variantes surgidas no País ou aqui mais atuantes. Segundo Januario Montone, consultor de projetos na área de saúde, é provável que a pandemia tenha vindo para ficar e, mesmo se aliviada, poderá exigir revacinação periódica. E podem surgir outros vírus.

Fiocruz e Butantan desenvolvem suas próprias vacinas, a Butanvac no segundo caso, e são iniciativas dignas de apoio, dada a competência dessas duas instituições. Vou me referir a outras iniciativas, menos conhecidas, que também parecem merecedoras de apoio.

A Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto tem um projeto que seria apoiado pelo governo federal. A vacina já tem até nome, Versamune, e o ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia e Inovação, anunciou-a como 100% brasileira. Na lei do orçamento federal de 2021, aprovada pelo Congresso Nacional, receberia R$ 200 milhões, mas foram vetados pelo presidente Bolsonaro ao sancionar a lei. Esta teve de abrir mais espaço para as abjetas emendas parlamentares, cujos projetos não têm, de longe, a mesma prioridade das vacinas.

Conforme O Estado de S. Paulo de 27 de abril, a Universidade Federal do Paraná também desenvolve sua própria vacina, que está em fase de testes. Recebeu apoio do governo do mesmo Estado, que investiu R$ 700 mil nas pesquisas, mais R$ 250 mil em bolsas para doutorandos ligados ao projeto. Esse primeiro valor não será suficiente para toda a fase de testes e outros custos envolvidos.

Outro projeto é o da Universidade Federal de Minas Gerais, a prefeitura de Belo Horizonte decidiu financiá-lo, investindo cerca de R$ 30 milhões na produção do imunizante, que serão usados para o teste de sua segunda fase. Mas também aí serão necessários recursos para a terceira fase e outros custos envolvidos.

Esses valores são muito díspares e não tenho condições de avaliar as efetivas necessidades, o que deveria ser parte do processo de apoiá-las. E há outros projetos em andamento. Segundo o jornal O Globo de sábado passado, conforme informação do Ministério da Saúde, o País tem hoje ao menos 17 vacinas contra a Covid-19 em estudo, mas a reportagem não teve acesso à lista delas. Creio que o setor público não deve apoiar todas, e para evitar politicagens deveria criar uma comissão de alto nível, inclusive ético, para selecionar algumas para apoio.

Cabe também pensar em parcerias entre esses projetos e com o setor privado, que, além da parte de gestão e tecnologia, poderia ajudar também em áreas como a do marketing, até mesmo pensando em exportar após atendidas as necessidades nacionais. Segundo Edward Luce, jornalista do Financial Times, em artigo no jornal Valor de sexta-feira passada, as vacinas Pfizer e Moderna receberam recursos para pesquisas, do governo dos Estados Unidos.

Olhando ainda mais à frente, pode-se pensar ainda num programa de ajuda a países muito pobres e pequenos, para vários dos quais as vacinas hoje não passam de uma miragem, o que poderia também ajudar a melhorar a imagem internacional do Brasil, que está péssima.

Em síntese, nosso país está sendo atropelado pela pandemia, o governo federal está mais voltado para CPI do Senado e, no caso das vacinas, bate cabeça para corrigir seus gravíssimos erros. Mas é bom saber que dentro e fora dele há iniciativas que, se adequadamente incentivadas, poderão superar a dependência do Brasil das indústrias farmacêuticas de outros países. Os depósitos e prateleiras dessas indústrias não estão em condições de atender a todos os que as procuram.

 

 Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de maio de 2021.

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Covid-19 e teoria econômica: a diferença entre risco e incerteza https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3265&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=covidd-19-e-teoria-economica-a-diferenca-entre-risco-e-incerteza Wed, 03 Jun 2020 16:42:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3265 De acordo com o Laboratório de Estudos Espaciais do Centro de Pesquisas Computacionais da Rice University, até o dia 20 de maio de 2020, a pandemia causada pelo novo coronavírus havia causado a morte de mail de 18 mil pessoas em todo o território nacional[1].  Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, até essa mesma data mais de 150 mil cidadãos se tornaram vítimas fatais de doenças cardiovasculares no país[2]. Somente no mês de maio, foram mais de 21 mil óbitos até o momento.

Comparando-se os valores relativos a óbitos por causas tradicionais com aqueles provocados pelo novo coronavírus, poder-se-ia estranhar a grande preocupação originada pela pandemia do Covid-19 na nação. O que torna tão diferente essa nova epidemia dos desafios de saúde que os brasileiros enfrentam há anos e que dominam as causas de mortalidade?

O efeito da pandemia do novo coronavírus sobre a sociedade nos oferece a oportunidade de ilustrar dois conceitos fundamentais da Teoria Econômica moderna, os conceitos de risco e de incerteza e, pela própria situação que enfrentamos, entender a dramática distinção entre eles.

Ambos os conceitos de risco e de incerteza estão associados ao fato de vivermos em um mundo “não-determinístico”, ou seja, um mundo em que não temos informação completa sobre os fenômenos que nos cercam. A diferença fundamental entre esses conceitos diz respeito ao nível de incompletude dessa informação.

No caso de uma situação de risco, conseguimos antecipar o que pode ocorrer e até mesmo determinar probabilidades razoáveis sobre os possíveis acontecimentos. Quando nos deslocamos em nossa típica cidade brasileira, por exemplo, sabemos que corremos o risco de sermos assaltados no caminho. No entanto, por conhecermos a cidade, temos uma boa ideia de que regiões são mais perigosas, que horários são mais arriscados, que trajetos são mais seguros, que meios de transporte oferecem menor probabilidade de assalto. Com toda essa informação, temos como calcular com alguma precisão os riscos que corremos e escolher um deslocamento sem que o pânico nos domine. Trata-se de um caso em que corremos riscos, mas as consequências e suas respectivas probabilidades são relativamente conhecidas e isso nos permite tomar decisões com alguma segurança.

Em uma situação de incerteza, por outro lado, a informação é mais limitada, é difícil estimarmos as diferentes probabilidades do que pode acontecer e, em alguns casos, não conseguimos sequer prever tudo que é passível de ocorrer. Se tivermos que nos deslocar em uma cidade desconhecida que se sabe ter alta taxa de criminalidade em um país estrangeiro, pelo total desconhecimento prévio do local, estaremos em uma situação de incerteza: não sabemos que bairros são mais seguros, que vias são mais perigosas, às vezes nem mesmo a que tipos de crimes estaremos sujeitos. Nesse caso é bem mais difícil decidir com segurança e não será de se estranhar que um certo pânico tome conta de nós…

Uma doença que há anos acomete nosso país é a dengue. Em 2019 foram mais de 1,5 milhão de casos em todo o país. Essa doença, no entanto, é relativamente bem conhecida. Sabemos como diagnosticá-la, como tratá-la e como ela é transmitida. Ainda que não exista vacina contra essa enfermidade, apesar de todos esses casos, morreram menos de 800 cidadãos pela dengue em 2019[3]. Trata-se de uma situação de risco, certamente, mas não é de se estranhar que a dengue não cause comoção e que haja até certa displicência na sociedade, que precisa ser relembrada constantemente por campanhas públicas sobre a importância da medida básica de se evitar acúmulo de água, por exemplo.

Compare agora com o Covid-19. Nada se sabia sobre essa nova doença até finais de 2019 e ela parecia relativamente circunscrita à província chinesa de Hubei no início do ano. Muitas informações contraditórias foram sendo reveladas: que não era transmissível pelo ar, que o vírus não resistiria ao calor, que seria uma simples gripe, etc., até que, de repente explodiram os casos no mundo. Vimos a Coréia do Sul, outros países da Ásia e até mesmo um navio de turismo serem fortemente atingidos. Em poucas semanas a Itália se tornou epicentro mundial da pandemia e as vítimas fatais se multiplicassem.

Sobre essa nova cepa de coronavírus muito pouco se sabe até hoje, nem mesmo se uma pessoa pode ser por ele reinfectada. Trata-se de uma claríssima situação de incerteza em que não conseguimos estimar as probabilidades associadas à pandemia. Quantos serão infectados? Que órgãos de nosso corpo, além do pulmão, o vírus atinge? Por que algumas pessoas ficam com respirador por semanas e sobrevivem enquanto outras morrem em poucos dias? Que remédios poderiam ajudar: a cloroquina, anticoagulantes, antiparasitário, corticoides? Nem mesmo sabemos quantas pessoas de fato já foram contaminadas ou qual é a verdadeira taxa de letalidade da doença.

Confrontados com essa situação de grande incerteza, entende-se a dificuldade que temos em tomar decisões e nos coordenarmos como sociedade.

Sentindo na pele, com o surgimento do Covid-19, a dramática diferença entre risco e incerteza que é tão cara à Teoria Econômica, fica a esperança de que rapidamente acumulemos uma quantidade suficiente de informações seguras a respeito desse novo coronavírus e da nova pandemia, de forma a conseguirmos passar de um ambiente de incerteza para um ambiente de risco e podermos, então, tomar as decisões mais acertadas.

Até lá, resta-nos manter o isolamento social, uma vez que uma das poucas certezas que temos sobre esse vírus é que ele tem alta transmissibilidade e que uma pessoa infectada já pode contagiar outros antes mesmo que os sintomas da doença nela se manifestem.

[1] https://www.coronavirusnobrasil.org. Acessado em 20/5/2020.

[2] http://www.cardiometro.com.br/. Acessado em 20/5/2020.

[3] Mais precisamente, foram 782 óbitos. Vide Panorama Farmacêutico, 14/02/2020. Disponível em: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/01/14/brasil-teve-aumento-de-488-nos-casos-de-dengue-em-2019/ acesso em 6/5/2020/

Maurício Bugarin é do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

bugarinmauricio@gmail.com, www.bugarinmauricio.com

*Artigo originalmente publicado no jornal Nexo no dia 21 de maio de 2020 e aqui reproduzido com a anuência do autor.

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