Constituição – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 28 Sep 2021 15:15:29 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Reforma Administrativa: principais aspectos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3502&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reforma-administrativa-principais-aspectos Mon, 27 Sep 2021 14:07:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3502 Principais aspectos da Reforma Administrativa aprovada na

Comissão Especial da Câmara dos Deputados

 

Por Magno Antonio Correia de Mello*

 

Introdução 

A PEC 32, de 2020, destinada a reformar o sistema constitucional que rege a administração pública, sofreu profundas alterações em decorrência da aprofundada discussão travada no âmbito da Comissão Especial encarregada de apreciá-la. O texto original propunha a extinção gradativa do regime jurídico atualmente aplicável aos servidores públicos, substituído por uma profusão de vínculos entre os quais figuraria a contratação de pessoal por tempo determinado, inserida no mesmo sistema aplicável aos demais agentes, e a divisão dos servidores integrantes do quadro permanente em dois grupos, um deles reservado aos ocupantes de cargos que seriam classificados como “típicos de Estado” e outro destinado aos titulares dos postos que não mereceriam tal qualificação.

Nesta configuração, os atuais servidores não seriam aproveitados em nenhuma das situações concebidas pela proposição original. Mesmo aqueles cujos cargos fossem reconhecidos como integrantes do segmento ao qual se atribuiria tratamento diferenciado não se submeteriam ao mesmo regime dos que ingressassem após a introdução da nova sistemática.

O resultado produzido, talvez não percebido pelos autores do texto encaminhado ao Poder Legislativo, seria trágico. A atual força de trabalho da administração pública deixaria de receber a devida atenção dos gestores públicos. Os servidores que viabilizam o funcionamento da máquina estatal sofreriam um processo longo e irreversível de depreciação.

O problema foi felizmente percebido pelo relator da proposição, que optou por implementar mudanças atinentes também ao atual quadro de pessoal. Feitas as adaptações necessárias, o substitutivo aprovado pelo colegiado que examinou a matéria não permite o súbito e descabido rompimento da unidade que precisa nortear o serviço público.

Estes breves apontamentos abordam os principais aspectos do texto aprovado e buscam demonstrar que seu eventual acolhimento no âmbito do Plenário da Casa Legislativa irá além de evitar os graves danos que seriam provocados pelo texto original da proposição. É possível, de fato, se forem desfeitas as desinformações de toda sorte veiculadas a respeito do texto de que se cuida, perceber no novo conjunto de regras um sensível aperfeiçoamento nas normas que regem a administração pública. 

Código Administrativo

Na situação atual, cada ente federado administra seus recursos de forma absolutamente específica. Não existem parâmetros previstos em lei federal que os obriguem a adotar critérios de aplicação geral, o que leva a descompassos e assimetrias indesejáveis no âmbito da administração pública.

Cumpre recordar que a federação brasileira não se confunde com a dos Estados Unidos. Não se verificam códigos penais ou civis específicos. As regras de conduta impostas a cidadãos do Amazonas são as mesmas que obrigam os gaúchos.

Assim, a atribuição de competência à União para editar normas gerais sobre inúmeros aspectos relativos ao funcionamento da administração pública é uma oportunidade que não pode ser desprezada para que uniformizem critérios e se equiparem condutas. Entre os temas abordados, estará a disciplina de concursos públicos, que exige regulamentação há bastante tempo, dada a lamentável disseminação de arbitrariedades e abusos, decorrente justamente da ausência de normas acerca do assunto em âmbito federal. 

Contratação por tempo determinado

Os adversários da reforma usam este assunto para detratá-la sem nenhuma razão. As regras produzidas no substitutivo aprovado pela Comissão Especial são, sem nenhuma exceção, racionais e restritivas.

Na sistemática atual, prevê-se que a lei estabeleça autorizações específicas, por meio da definição de casos concretos em que se verifique “excepcional interesse público”. Tal qualificação, absolutamente subjetiva, predomina sobre a natureza do instituto.

Em outros termos, se for reconhecido o “excepcional interesse público” não se examinará se a necessidade a ser atendida se reveste de caráter temporário ou não. Estará autorizada pelo legislador a formalização do ajuste, sem nenhum limite de prazo e sem qualquer restrição de objeto.

E o que poderia ser considerado “excepcional interesse público”? Infelizmente, não há parâmetro ou delimitação para adjetivos. Na prática, será tudo que o legislador assim qualifique. Na legislação federal, há autorização – por se considerar de “excepcional interesse público” – para que contratações por tempo determinado incidam indefinidamente sobre as “atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas”. Outra permite contratações voltadas à “admissão de professor para suprir demandas decorrentes da expansão das instituições federais de ensino”.

Estas “demandas decorrentes da expansão” serão supridas eternamente por temporários e não houve qualquer ação judicial contra elas, porque atenderiam, de acordo com a lei, ao supramencionado “excepcional interesse público”, a despeito de se tratar de objeto obviamente despido de caráter temporário. O critério, portanto, ao invés de coibir, convive com absolutamente tudo.

Por outro lado, o gestor é obrigado a depender da capacidade de prestidigitação do legislador. Se não houver sido “adivinhada” previamente determinada situação de caráter temporária que exija a atuação da administração pública, a contratação não poderá ser promovida, ainda que literalmente desabem a ponte ou o mundo.

Seria como exigir, em relação a licitações e contratos, que a lei relativa ao assunto efetivasse um rol exaustivo de objetos específicos que podem ser contratados pela administração pública. Presente a analogia, se não constar deste fictício rol exaustivo, determinado bem, a despeito de indispensável para o funcionamento da administração pública, não poderia ser adquirido. Simplesmente não faz sentido.

Na lógica decorrente do substitutivo aprovado pela Comissão Especial, a lei, a exemplo do que ocorre nas compras púbicas, disciplinará as contratações, mas não especificará os casos sobre os quais elas incidem. Não obstante, exigirá o óbvio: que se trate de necessidade temporária, porque o instituto passará, de forma constitucional e explícita, a não se ajustar mais às demandas rotineiras e permanentes que norteiam o funcionamento do aparato estatal.

Pode até ocorrer, e a realidade de modo algum impediria isto, ainda que a Constituição proibisse, a intercorrência de necessidade temporária em atividades realizadas de modo permanente. Se isto acontecer, a contratação será autorizada pela própria Carta, sem que se necessite de regra específica inserida na legislação inferior, mas não se poderá prescindir do caráter transitório da necessidade atendida, vale dizer, o contrato deverá ser fixado por período que cubra o surgimento da necessidade e sua satisfação. Não se acomodará, portanto, ao atendimento de atividades permanentes sem que se apresente justificativa específica.

Contingências podem surgir inclusive em atividades que serão, de acordo com o substitutivo, classificadas como “exclusivas de Estado”. O conceito é sem dúvida discutível, porque sugere a existência de categorias funcionais mais relevantes que outras, mas ainda assim a concessão do título não impede a incidência de necessidades circunstanciais e imprevistas, muitas das quais não podem ou não devem ser atendidas pelo quadro de pessoal permanente.

Acionada na Califórnia, a União poderia optar por notórios especialistas norte-americanos e celebrar com eles contratos administrativos, o que não daria ao ente poder hierárquico sobre os indivíduos contemplados, ou contratar por tempo determinado advogados norte-americanos, que ao governo federal se subordinarão diretamente. O que se resolverá, em um ou em outro caso, será a atividade finalística da Advocacia-Geral da União, órgão cuja atuação, a despeito da competência a ele atribuída, não se ajusta ao exemplo citado.

O prazo de dez anos, estabelecido como limite dos contratos por prazo determinado, não constitui regra de aplicação universal, mas duração limite. O contrato não pode ser celebrado por prazo tão dilatado se for extrapolado o tempo de atendimento do objeto a cuja satisfação se destina. O que deverá pautar o prazo do contrato será o período estabelecido ou estimado para suprimento da necessidade temporária que o justifica, porque todas terão, a partir do novo texto, esta singular característica. Não se poderá fazer com que o mecanismo incida sobre atividades permanentes, sem nenhuma circunstância que justifique, para atender “excepcional interesse público”, conforme ocorre no caso do Hospital das Forças Armadas acima aludido.

Passarão a ser garantidos, por outro lado, direitos trabalhistas que hoje não são assegurados, o que tornará a contratação menos atraente para os gestores. Se forem obrigados a pagar direitos trabalhistas, é razoável esperar que Prefeitos e Governadores passem a refletir melhor sobre a conveniência de substituir efetivos por temporários.

De outra parte, haverá a exigência de processo seletivo impessoal, o que de igual modo não se verifica no texto constitucional vigente. A nomenclatura empregada – “processo seletivo simplificado” – tem como único objetivo evitar que o aprovado reivindique o reconhecimento de que faz jus à efetividade, porque a regra a respeito assegura que o procedimento em questão se sujeita a “ampla divulgação e competição”, o que o torna praticamente equivalente ao concurso público.

Por fim, ao contrário do que se verifica na situação atual, o problema será tratado de forma análoga às licitações e contratos administrativos. A disciplina a respeito será estabelecida em lei que veiculará normas gerais, no âmbito do art. 22 da Constituição[1], o que faculta aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exclusivamente a edição de normas residuais e específicas, prerrogativa que via de regra sequer é utilizada em relação às operações atualmente disciplinadas pela extensa e minuciosa Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (a nova lei de licitações), que chega a prever um portal eletrônico único para que os entes efetuem aquisições de bens necessários ao  funcionamento de suas administrações públicas.

Conforme se verifica, o resultado atingido é o oposto do que tem sido disseminado. Ao invés de ampliar a aplicação das contratações por tempo determinado e torná-las o instrumento a ser utilizado na realização de atividades que não sejam imputadas a cargos exclusivos de Estado, o recurso ao mecanismos passará a ser disciplinada por normas claras e terá alcance mais restrito do que o atualmente registrado. 

Automatização da administração pública

O substitutivo insere no texto constitucional a obrigação de se introduzirem sistemas automatizados que facilitem o contato entre os contribuintes e a administração pública. Tanto quanto nos dois assuntos anteriores, em que são editadas normas de caráter transitório que permitem a imediata alteração dos padrões vigentes, também aqui é feita alusão a uma lei já vigente para que se produzam efeitos imediatos.

Com efeito, de acordo com o § 5º do art. 3º e o art. 8º do substitutivo, vigorará, a respeito, até que se edite lei específica, a Lei nº 14.129, de 29 de março de 2021[2]. A progressiva automatização dos serviços prestados pelo governo federal é evidente e efetiva. A lei em questão não a estabeleceu, apenas legitimou e reduziu ao direito posto procedimentos que já eram materializados pela administração pública federal. Há determinação de que seja aplicada aos demais entes públicos, providência que atualmente se estabelece de modo opcional e que passaria a se revestir de caráter vinculante. 

Limite remuneratório

Foi recentemente aprovado projeto de lei que disciplina a exclusão de parcelas indenizatórias do limite remuneratório. O substitutivo explicita no texto constitucional a validade da metodologia empregada. Embora já exista compatibilidade entre o texto constitucional vigente e a sistemática adotada, a medida é salutar, porque se trata de tema sensível e se deve evitar a eventual declaração de inconstitucionalidade do futuro diploma, que poderia ser motivada pelo desejo de resguardar interesses feridos.

Veja-se que a regra já trabalha, sem que se precise incluí-los de forma expressa, para que magistrados e procuradores sejam abrangidos por regras restritivas. É que o aludido projeto de lei afeta de modo bastante contundente a concessão de férias em período superior a trinta dias para magistrados e membros do Ministério Público.

Sobre o assunto, é relevante também regra que exclui da incidência do teto parcelas pagas em moeda estrangeira a servidores em exercício no exterior. Será afastada a despropositada comparação entre variáveis de teor divergente e serão evitados cortes remuneratórios decorrentes exclusivamente da flutuação do dólar, como resultado de turbulências econômicas sem nenhuma ligação com a realidade em que os referidos pagamentos são feitos. 

Instrumentos de cooperação

Não há restrição de objeto nem na Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que trata de parcerias público-privadas, nem na Lei nª 13.019, de 31 de julho de 2014, que disciplina o relacionamento entre a administração pública e as ONG’s. Ambos os diplomas foram aprovados em governos petistas, a partir de propostas apresentadas pelo Poder Executivo.

As parcerias que seguem as regras estabelecidas nas referidas leis causam significativamente menos problemas que as demais, por se subordinarem a critérios que permitem o controle por parte da administração pública. O art. 37-A que se pretende acrescentar à Constituição, que vem sendo atacado de forma veemente pela esquerda, permitirá, ao cabo, paradoxalmente, que sejam universalizados os parâmetros corretos que governos de esquerda implantaram no funcionamento da administração pública federal.

A única ressalva é justamente no sentido contrário. Foi mantida regra no substitutivo aprovado pela Comissão Especial que proíbe parcerias destinadas a atividades ditas “exclusivas de Estado”. A restrição precisa ser excluída. Impedirá, entre outros problemas de natureza semelhante, que a Receita Federal e a Polícia Federal se entendam com concessionárias de aeroportos para executar serviços de alfândega, o que não se justifica. 

Avaliação de desempenho de servidores públicos

O assunto foi introduzido na Constituição Federal da pior forma possível. É vexaminoso que se vincule, no texto vigente, estritamente ao desligamento de servidores públicos. Trata-se de situação que causa profundo constrangimento e situa o Brasil nos dez mil anos que antecederam a idade da pedra no que diz respeito à administração pública.

É imprescindível, neste contexto, que as redentoras regras a serem introduzidas na Carta sobre o tema comecem a se defender por si mesmas. Trata-se de abordar a questão na forma como se verifica nas empresas mais avançadas e nos países de primeiro mundo: para que se atinjam os resultados visados pela administração pública e para que ela preste melhores serviços aos contribuintes.

É mantida a possibilidade de desligar servidores por mau desempenho e se introduzem regras muito objetivas para que a providência se efetive, mas é preciso enxergar na eventual adoção rotineira da medida o completo fracasso da avaliação de desempenho, tal como concebida no substitutivo. Com efeito, ao invés de se visar tal resultado, o sistema será inserido no texto constitucional para evitar que os servidores percam seus cargos por insuficiência de desempenho.

Se começarem a ocorrer desligamentos em massa por conta de mau desempenho, os procedimentos de avaliação precisarão ser imediatamente revistos. Será bastante provável, talvez até mesmo líquido e certo, nesta hipótese, que não terão sido respeitados os critérios expressamente introduzidos na Constituição da República.

Cumpre recordar que o desligamento de servidores públicos nas circunstâncias aqui referidas representará, em todos os casos, a frustração de objetivos estabelecidos pela administração pública. É certo que o servidor será prejudicado, porque perderá o cargo que ocupa, mas antes dele o sacrifício foi imposto à coletividade, que não viu seus propósitos cumpridos. 

Estabilidade

Seria reduzida a pó pelo texto original e limitada a menos de vinte por cento do contingente de pessoal mantido pela administração púbica. Como se trata de instituto imprescindível para o bom funcionamento do aparato estatal, foi mantido na exata extensão que atualmente abrange.

Mas o substitutivo suprime distorções que só desmerecem a aplicação da garantia e em nada contribuem para uma boa imagem da administração pública. Não se criou a estabilidade para que servidores sem nenhum rendimento ou utilidade permaneçam retribuídos indefinidamente pelos contribuintes.

Os recursos públicos devem se destinar apenas a servidores que prestam bons serviços e que retribuam os investimentos a eles dirigidos. Evitar que o contrário se verifique de modo algum representa a abertura de oportunidade para desmandos praticados por gestores públicos. Se estes ocorrerem, o sistema de controle, inclusive judicial, deverá entrar em ação. Não faz sentido impor prejuízos indevidos aos que sustentam a administração pública sob o pretexto de evitar abusos, os quais de modo algum estarão autorizados pelo novo texto constitucional.

É preciso assinalar que o corte de servidores integrantes de quadros excedentes ou incumbidos de atividades obsoletas não atingirá os atuais servidores. As regras transitórias introduzidas no substitutivo permitirão que estes, se alcançados pelas referidas situações, sejam aproveitados de maneira racional em outras atividades.

Trata-se de uma providência com cada vez menor viabilidade. É óbvio que o enxugamento de quadros que decorrerá da progressiva e inevitável automatização não permite que medidas da espécie sejam perpetuadas e aplicadas aos futuros servidores. Parece bem mais razoável, destarte, que quando o cenário ocorrer os quadros de pessoal da administração pública já se encontrem concisos e enxutos.

Proibição da pena de cassação de aposentadoria

É uma sanção administrativa descabida. Incide sobre direito constituído, a partir de motivos que nenhuma ligação possuem com sua aquisição. Cabe lembrar, para não ocupar espaço demasiado sobre o assunto, que nunca se cogitou o corte imotivado da aposentadoria de segurados do regime geral de previdência, nem mesmo quando cometem crimes. 

Redução de jornada com corte remuneratório

Não há como enxergar a medida senão de forma positiva. Será introduzida no texto constitucional para ser usada apenas em contexto de crise fiscal, como alternativa evidentemente mais suave do que a exoneração de servidores efetivos.

Na discussão sobre o assunto houve a afirmação, por um parlamentar de oposição, que o mais correto teria sido eliminar a referida possibilidade, ao invés de se introduzir medida paliativa. A partir da premissa do atendimento de interesses corporativos, seria uma solução de fato mais positiva. Difícil seria encontrar no meio social quem fizesse idêntica assertiva.

A fórmula adotada insere no texto constitucional providência que o Supremo Tribunal Federal considerou incompatível com o sistema vigente. Salvo melhor juízo, não poderá mais ser considerada irregular medida admitida de forma expressa pela Carta da República. 

Carreiras exclusivas de Estado

A lista é extensa e denota a eficácia de entidades que defendem, com legitimidade, registre-se, interesses corporativos, mas que em nada contribuíram para nenhum outro aspecto do texto. Será inserida no único local do texto constitucional em que o problema é mencionado: no art. 247 da Constituição.

Passou a servir de anteparo exclusivamente para o corte de servidores estáveis em cenário de crise fiscal. Não se prestará mais à imoral, indecente e abusiva outra finalidade hoje estabelecida, porque não faz sentido que servidores “exclusivos de Estado” ou que outras características tenham sejam privilegiados no que diz respeito ao desempenho a que se obrigam. 

Aposentadoria de policiais

A influência dos servidores integrantes do aparato dedicado à segurança pública sobre as posições adotadas pelo atual governo não evitou problemas de relacionamento. Os policiais não ficaram satisfeitos com o teor da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, a despeito de se tratar de texto que tratou a categoria de forma bem menos ríspida do que a que se verificou em relação aos demais servidores.

De todo modo, a introdução do assunto no substitutivo se ateve a critérios bastante bem delineados. No que diz respeito à pensão, foi suprimido um critério cruel, na medida em que só se contemplava as famílias com benefícios integrais caso os policiais sofressem agressão em serviço. Trata-se de atividade estressante e reconhecidamente mais sujeita a intempéries que as exercidas por outros servidores públicos. Admitida a necessidade de tratamento diferenciado a pensionistas, a referida limitação se revela descabida.

A norma introduzida no substitutivo assegura de forma universal o acesso a pensões com valor não inferior ao salário-mínimo. No texto vigente, a garantia é combinada com outras rendas percebidas pelos pensionistas, as quais não possuem ligação alguma com o benefício.

A aposentadoria integral de policiais, de sua parte, limita-se a materializar o que a administração pública federal já pratica. A tentativa de estender a garantia a outras unidades federativas foi abortada pelo relator da reforma administrativa. 

Conclusão

Este texto não visa impor a visão do autor como indiscutível e absoluta. É próprio do sistema democrático que opiniões distintas convivam. A contribuição que se espera ter conferido à discussão reside em outro aspecto: que se busque, a partir das ponderações aqui promovidas, uma análise que enfrente o verdadeiro conteúdo do substitutivo aprovado pela Comissão Especial encarregada de examinar a reforma administrativa. Causa grande preocupação que boa parte dos posicionamentos a respeito venham sendo disseminados a partir de evidentes inverdades e condenáveis distorções interpretativas.

 

[1] Define as competências privativas da União.

[2] Lei que dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o Governo Digital e para o aumento da eficiência pública.

 

* Magno Antonio Correia de Mello é consultor legislativo da Câmara dos Deputados.

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Por que instituir a previdência complementar do servidor público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=236&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-instituir-a-previdencia-complementar-do-servidor-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=236#comments Fri, 25 Feb 2011 02:10:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=236 As duas reformas da previdência brasileira, feitas em 1998 e em 2003, embora tenham repercutido basicamente no regime de previdência do servidor público, ainda estão inacabadas. Isso porque uma das principais alterações aprovadas ainda não foi regulamentada em nenhum dos entes federativos: o estabelecimento da previdência complementar do setor público.

Os sistemas previdenciários podem operar, basicamente, na forma de dois regimes: capitalização e repartição. No regime de capitalização, os benefícios de cada indivíduo são custeados pela capitalização prévia das contribuições feitas ao longo da vida ativa. No regime de repartição, os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias e pensões em curso, esperando que, no futuro, seus benefícios previdenciários sejam custeados por outros

A previdência complementar, onde vige o regime de capitalização, complementa a previdência básica regida pela repartição (sistema vigente no INSS e no serviço público federal), subdividindo-se em previdência complementar fechada (acessível apenas aos empregados de patrocinadoras ou associados de sindicatos, associações, etc) e aberta (acessível a qualquer pessoa física). No primeiro caso, ao contrário do segundo, há a participação financeira do empregador, quando este existe.

A previdência complementar do setor público será, assim, regida pela capitalização, complementará o regime básico, que continuará a existir, e contará com a participação financeira do ente federado, que, de acordo com o art. 202 da Constituição, não poderá superar a do segurado.

De acordo com o art. 40, §§ 14, 15 e 16 da Constituição Federal, , o ente federado (União, estado ou município), desde que institua regime de previdência complementar, poderá fixar, para as aposentadorias e pensões de seus servidores, o mesmo teto vigente no INSS, que hoje corresponde a cerca de 6,8 salários mínimos. Ou seja, não será necessário para esses governos pagar aposentadorias em valores equivalentes ao salário da ativa. Para receber maior renda de aposentadoria, os servidores terão a opção de adesão à previdência complementar.

A nova regra, todavia, só se aplicará compulsoriamente aos servidores que entrarem no serviço público após a implantação do respectivo plano de previdência complementar (para os demais, a adesão será facultativa).

Ademais, considerando que os planos de benefício da previdência complementar do servidor público deverão se restringir à modalidade de contribuição definida, na qual os benefícios futuros dependem da capitalização de contribuições, o novo regime de previdência do servidor deverá ter a seguinte configuração: a) até o teto do INSS, continuará a viger o sistema de benefício definido, em que o valor do benefício é garantido pelo ente federativo; b) para o valor que exceder o teto, caberá ao servidor a assunção dos riscos.

Contudo, por falta de legislação regulamentando a matéria, nada disso ocorreu até o momento.

O grande problema da postergação na efetivação do novo modelo é que, embora as reformas previdenciárias empreendidas tenham conseguido controlar a tendência explosiva dos gastos, o déficit do regime ainda é e continuará sendo elevado, já que ainda não se conseguiu reduzir efetivamente a pressão fiscal advinda dos encargos previdenciários.

As despesas com o regime próprio dos servidores se encontram estabilizadas em relação ao PIB. Na União, têm oscilado em torno de 2% do PIB, com tendência decrescente no longo prazo, conforme mais e mais servidores passem a receber benefícios previdenciários de acordo com as regras estabelecidas nas reformas da previdência empreendidas.

Ademais, mesmo considerando que os servidores públicos em atividade ficaram sujeitos a regras de transição, já se observa que a idade média de aposentadoria subiu (de 58 para 62 anos, no caso dos homens, e de 54 para 58 anos, no das mulheres), bem como aumentou o tempo de permanência no serviço público, tendências que seguirão seu curso ascendente até que as regras de transição se esgotem.

Não obstante, as despesas e o déficit do regime previdenciário dos servidores continuam sobremaneira elevados. Em 2009, enquanto as despesas do INSS, que abrange 23,2 milhões de beneficiários, somaram 7,1% do PIB; as do regime dos servidores, com apenas 3,1 milhões de beneficiários, totalizaram 4,3%. Em termos de déficit, o do primeiro regime representou 1,7% do PIB e o do segundo, 1,4%.

Essa situação se dá por duas razões básicas. Por um lado, porque as reformas estabelecidas e seus efeitos levam tempo para surtir efeitos fiscais plenos, tendo em vista as regras de transição. Por outro, porque ainda não existe um valor máximo para os benefícios previdenciários dos servidores públicos, o que só será possível depois do estabelecimento, mediante legislação ordinária, da previdência complementar desses trabalhadores.

Nesse último caso, pode-se afirmar que não há como restringir o montante do déficit do sistema sem a existência de um teto. A razão é que, de acordo com a estrutura de custeio do regime de repartição hoje existente no setor público, as contribuições sociais arrecadadas dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas equivalem a menos de 12% dos gastos correntes da União com aposentadorias e pensões. Ou seja, os 88% restantes precisam ser bancados pelos contribuintes de tributos federais. Além disso, a imposição do teto no regime próprio dos servidores significa a aproximação entre este regime e o existente para os demais trabalhadores do País, prática que hoje representa tendência internacional.

Do ponto de vista da política fiscal, os efeitos de curto e longo prazo redundantes da mudança do regime de previdência dos servidores são distintos. No curto, existem os elevados gastos envolvidos com a transição de um regime integralmente de repartição, como o vigente, para outro em que parte será regida pela capitalização. Os custos são elevados por que os futuros servidores, ou seja, os que ingressarem no serviço público após a constituição da respectiva previdência complementar, passarão a contribuir apenas até o teto do regime, que, sendo igual ao do INSS, hoje equivale a R$ 3.689,66. Com isso, menor arrecadação será revertida para financiar as aposentadorias integrais em manutenção, cujos valores médios para a União correspondem a: R$ 6.177,00, no Executivo (civis), R$ 19.281, no Legislativo, e R$ 15.563 no Judiciário (MPO, 2010). Resultado: caberá ao Tesouro Nacional aportar, por vários anos, ainda mais recursos para financiar esses benefícios.

Cabe observar que a aplicação compulsória das novas regras apenas para os novos servidores amenizará o custo de transição, na medida em que o sistema previdenciário antigo continuará a contar com as contribuições integrais dos servidores públicos em exercício, o que minimizará a perda de arrecadação.

Mesmo assim, a vigência de um valor máximo para os benefícios dos novos servidores públicos redundará em um custo de transição entre o regime antigo e o novo estimado em torno de 0,1% do PIB nas duas primeiras décadas.

No longo prazo, todavia, a situação tende a se acomodar, já que a quantidade de aposentadorias integrais se reduz paulatinamente enquanto as novas crescem. Após um razoável período de tempo, a situação se reverte completamente, passando, então, a gerar a fundamental redução dos gastos públicos no âmbito do regime próprio de previdência do servidor público. Paralelamente, a previdência complementar dos servidores estará captando e capitalizando as contribuições adicionais, bem como aplicando a poupança em investimentos de longo prazo. Ao final do processo, as aposentadorias de maior valor deixarão de ser financiadas pelo Estado e, consequentemente, por toda a sociedade.

O gráfico a seguir mostra a trajetória estimada do custo de transição como proporção do PIB, caso a previdência complementar tivesse sido instituída na União em 2009. Verifica-se que tal custo apresenta três fases distintas. Nas duas décadas iniciais, é elevado. Na década seguinte, embora o custo de transição ainda seja positivo, sua trajetória já é descendente. A partir da terceira década, as vantagens advindas da limitação das aposentadorias ao teto do RGPS começam a superar os custos associados às perdas de arrecadação, fazendo com que os ganhos fiscais atinjam algo próximo a 0,2% do PIB.

Custo de transição da previdência complementar dos servidores públicos da União (em % do PIB)

Fonte: CAETANO, Marcelo A. “Previdência complementar para o serviço público no Brasil”. Sinais Sociais, v.3. nº 8, set/dez 2008. Rio de Janeiro: SESC, 2008.

Ressaltem-se ainda duas situações específicas que recomendam a tempestiva reformulação do regime previdenciário do servidor público. Em primeiro lugar, o Brasil encontra-se em fase de crescimento, o que torna menos difícil custear a transição. Em segundo, quase 40% dos servidores públicos federais possuem hoje mais de 50 anos de idade, o que configura um perfil envelhecido de trabalhadores (superior ao verificado no conjunto da nossa força de trabalho e mesmo nos países da OECD). Nesta segunda situação, embora haja uma pressão das despesas previdenciárias no médio prazo, há também a oportunidade de repor esses servidores por novos já inseridos num também novo regime de previdência sujeito ao teto do INSS e complementado por fundo de pensão do setor público. Se o processo de renovação dos servidores ocorrer antes da mudança de regime, os custos fiscais serão maiores e o tempo de maturação do novo regime será mais amplo.

Por fim, cabe fazer um alerta em relação à exigência constitucional de que os fundos de pensão dos servidores deverão ter natureza pública. Já que tal figura não possui significação jurídica estabelecida, caberá à lei que vier a instituir a previdência complementar a normatização da matéria. Se esta for no sentido do estabelecimento de institutos de previdência constituídos como fundações ou autarquias públicas, estar-se-á quebrando um dos pilares da organização da previdência complementar no Brasil, que sempre teve natureza privada. Além disso, correr-se-á o risco de o sistema ficar mais vulnerável às ingerências políticas. Ademais, caso venham a ser fundos públicos, o Governo Federal poderá encontrar dificuldades para supervisionar e regular as entidades criadas por estados e municípios, devido aos princípios constitucionais de autonomia federativa.

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Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm

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O fator Previdenciário deve acabar? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=233&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-fator-previdenciario-deve-acabar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=233#comments Sat, 12 Feb 2011 01:56:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=233 Por ocasião da discussão da primeira reforma da previdência social, o Congresso Nacional rejeitou a imposição de idade mínima para habilitação à aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral de previdência social (embora a tenha aceito para o regime do servidor público), o que foi um duro golpe para o Executivo, que considerava essa a principal medida de contenção das despesas do INSS.

Ocorre que, embora a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, não tenha estabelecido um limite de idade, ela retirou do texto da Constituição a regra de cálculo da aposentadoria, o que abriu caminho para substancial inovação em sua metodologia: a aplicação do fator previdenciário, introduzido mediante a Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.

Mas o que é exatamente o fator previdenciário?

É um índice utilizado para definir o valor da aposentadoria. Ele multiplica o valor médio das contribuições à previdência social de cada segurado do seguinte modo:

Valor da aposentadoria = (valor médio das contribuições) x fator previdenciário

Esse índice (diferente para cada segurado) está estruturado de forma a incluir a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar (além da alíquota de contribuição), nos seguintes termos:

Fator previdenciário =  Tc x a x   (1 + Id + Tc x a) onde:

Es                       100

Tc = tempo de contribuição do segurado

a = alíquota de contribuição do segurado = 0,31 (20% da empresa + 11% do empregado)

Es = expectativa de sobrevida do segurado na data da aposentadoria (fornecida pelo IBGE)

Id = idade do segurado na data da aposentadoria

Na primeira parte da equação, busca-se uma proporção entre o total de contribuições pagas pelo indivíduo e o tempo que se espera que ele receberá a aposentadoria. Suponha-se, por exemplo, um empregado que tenha trabalhado durante 30 anos. Como a contribuição mensal paga ao INSS correspondeu a 0,31% do seu salário de contribuição (11% do empregado mais 20% do empregador),a contribuição total acumulada seria suficiente para pagar sua aposentadoria por 9,3 anos (30 x 0,31). Portanto, se sua expectativa de sobrevida também for 9,3 anos, a primeira parte do fator estará equilibrada (corresponderá à unidade): suas contribuições foram suficientes para pagar sua aposentadoria ao longo do período esperado de sobrevida. Se ele estiver se aposentando ainda jovem, a sua expectativa de sobrevida será alta, o que reduz o valor da primeira parte da equação, reduzindo o fator previdenciário e, consequentemente, o valor mensal da aposentadoria. Se ele vai viver mais tempo, terá que receber menos por mês, para que a sua contribuição durante o período ativo seja suficiente para financiar sua aposentadoria. Efeito similar ocorrerá se o tempo de contribuição for baixo.

Na segunda parte, está sendo pago um prêmio para os segurados que permanecerem mais tempo em atividade, de modo que a aposentadoria é maior para aquele que permanece trabalhando por mais tempo e vice-versa.

Fundamental entender que o fator previdenciário é uma forma de fazer um “regime de repartição” funcionar de modo similar a um “regime de capitalização”.

No regime de capitalização o indivíduo faz contribuições mensais que, capitalizadas, serão depois retiradas na forma de uma renda mensal de aposentadoria. No regime de repartição são os trabalhadores ativos que financiam os benefícios dos aposentados e pensionistas, pressupondo que, no futuro, seus benefícios previdenciários serão custeados pela nova geração de trabalhadores.

O problema do regime de repartição é que, com o envelhecimento da população e ampliação da expectativa de vida, há cada vez menos trabalhadores na ativa para remunerar aposentados e pensionistas. Assim, uma transição para um regime de capitalização torna o sistema previdenciário menos deficitário.

Com o fator previdenciário, cria-se um estímulo para que o trabalhador permaneça mais tempo na ativa para ter uma aposentadoria maior. Tudo se passa como se ele estivesse mais tempo na ativa para acumular mais contribuições em uma conta de capitalização.

Além disso, o resultado final da aplicação do fator atende plenamente ao princípio de equidade que deve reger o sistema de previdência social, conforme dispõe o art. 194 da Constituição. Afinal, é razoável considerar que aquele que opte por se aposentar por tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres) em idade precoce receba benefício inferior a de outro que prefira se aposentar com idade mais elevada. Esse último, além de ter contribuído por maior período, deverá receber o benefício por menos tempo, sendo, justo, pois, que aufira uma renda mensal mais elevada que o primeiro.

Outra qualidade do fator previdenciário é que ele tende a equilibrar o fluxo de caixa do sistema previdenciário no curto e médio prazo, já que o segurado que sai mais cedo, provocando desembolso antecipado, recebe, em contrapartida, aposentadoria de menor valor. Ademais, possui o mérito de ajustar automaticamente os valores das aposentadorias ao contínuo aumento da expectativa de sobrevida da população brasileira, o que é essencial num sistema previdenciário de repartição como o nosso.

Diante de tantas qualidades, cabe questionar se ainda há necessidade de impor idade mínima para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A resposta é sim. O necessário equilíbrio financeiro da previdência social continua a demandar o estabelecimento de uma idade mínima para concessão de qualquer tipo de aposentadoria.

Isso ocorre porque a incidência do fator previdenciário teve um efeito moderado em termos de incentivo à postergação da aposentadoria, sendo razoável supor que muitas pessoas prefiram se aposentar cedo, com menores aposentadorias. Assim fazendo podem complementar seus rendimentos mensais com a concessão de benefício complementar (no caso daquelas vinculadas a um regime privado de previdência) ou, mais frequentemente, com a renda proveniente de novo trabalho, já que não se proíbe que o aposentado volte a trabalhar.

Com efeito, a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição ainda é muito baixa (54 para homens e 52 anos para mulheres), especialmente quando comparada à experiência internacional. Confrontando essas idades com as respectivas expectativas de sobrevida (Tábua de Mortalidade 2009/IBGE), nos deparamos com a seguinte situação: os homens que se aposentam aos 54 anos de idade deverão receber aposentadoria por mais 23,7 anos; as mulheres que se aposentam com 52 anos de idade, por mais 29,2 anos (quase o mesmo tempo mínimo de contribuição, que é de 30 anos).

É fácil perceber a inconsistência existente e o quanto se agravará, em face do irrefutável envelhecimento da nossa população. Há que se considerar, ainda, que a contribuição representa 31% do salário, enquanto a aposentadoria corresponde a 75% e 61%[1] desse valor, respectivamente para homens com 54 e mulheres com 52 anos (se o fator não fosse aplicado, a deficiência atuarial seria ainda mais grave, já que o benefício reporia 100% do salário para ambos os sexos).

O distanciamento entre as regras vigentes no Brasil, um dos seis únicos países do mundo que ainda concede aposentadoria sem limite de idade, e as aplicadas nos países desenvolvidos aponta para a relevância de introduzir tal limite para a aposentadoria por tempo de contribuição.

Enquanto no Brasil o fator previdenciário permite que alguém se aposente com 53 anos de idade, 35 de contribuição e benefício em torno de 70% da média dos salários de contribuição; nos países da OCDE, não apenas a idade de aposentadoria é muito mais elevada, como são requeridos 40 anos de contribuição e 70% do salário é o valor máximo do benefício.

Isso significa que no Brasil, não obstante a aplicação do fator previdenciário, ainda se recebe aposentadoria por mais tempo e com maior valor em relação ao salário médio de contribuição do que o verificado nos países desenvolvidos. Mesmo assim, há atualmente significativa pressão política em favor da eliminação do fator previdenciário.

Esse índice utiliza as informações sobre expectativa de sobrevida da população brasileira por sexo e faixa etária fornecidas pelo IBGE, que, em face do paulatino envelhecimento da população brasileira, é maior a cada ano.

Isso significa que os trabalhadores passaram a se deparar com a seguinte escolha: ou aceitam receber benefícios cada vez menores ou contribuem por cada vez mais tempo para fazer jus a proventos de aposentadoria de valor idêntico ao dos segurados já aposentados. Muitos argúem que tal situação não é justa, em especial porque impede o trabalhador de conhecer antecipadamente sua situação quando da aposentadoria, em vista dos constantes aumentos anuais da expectativa de sobrevida da população.

Diante da pressão política, o Congresso Nacional tentou extinguir o fator previdenciário em várias ocasiões. Na mais recente, aprovou a Lei nº 12.254, de 2010, que continha dispositivo que o eliminava, mas que acabou sendo vetado pelo Presidente da República.

Com isso, nos deparamos hoje com a ameaça de nem com o fator previdenciário contarmos no futuro, o que significaria caminhar na contramão do que ocorre no mundo, onde cada vez mais países utilizam fatores de cálculo que permitem a capitalização virtual das contribuições ao sistema previdenciário, de forma a aproximar os fluxos de contribuições passadas e de renda futura de benefícios.

A Suécia e a Itália, por exemplo, não obstante possuam sistemas previdenciários enormes e com graves restrições demográficas, conseguiram reduzir sobremaneira os efeitos do envelhecimento de suas populações a partir da criação de vínculos mais estreitos entre contribuições e benefícios. Isso foi possível mediante a instituição das chamadas “contas nocionais de previdência” (também adotadas pela Polônia e por mais três pequenos países), que consideram fatores demográficos e macroeconômicos no cálculo do benefício previdenciário, de forma similar ao nosso fator previdenciário.

Tomando como exemplo o sistema sueco, quando o indivíduo chega à idade de se aposentar (61 anos), o valor do seu benefício corresponde ao valor de suas contribuições acumuladas mais os juros nocionais (calculados de acordo com parâmetros estabelecidos pelo governo), dividido pela expectativa de sobrevida aos 61 anos. Se ele decide se aposentar um ano mais tarde, suas contribuições durante o ano adicional de trabalho são também acumuladas à taxa de juros nocional e o resultado final é dividido pela expectativa de sobrevida média aos 62 anos de idade e assim sucessivamente.

É fácil perceber que esse sistema de contas nocionais aproxima-se da sistemática que rege a aplicação do fator previdenciário no Brasil, com diferenças, dentre as quais a de que, ao contrário do caso brasileiro, no europeu se impõe uma idade mínima para habilitação ao benefício previdenciário.

A experiência desses países ensina que não deveríamos  extinguir o fator previdenciário. Pelo contrário, deveríamos, sim, refletir sobre a necessidade de impor idade mínima para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como sobre o aperfeiçoamento desse índice e ampliação dos benefícios previdenciários cujo cálculo utilize sua metodologia.

É inquestionável que o fim do fator dificultará muito mais o necessário controle do desequilíbrio financeiro e atuarial da previdência social brasileira. De acordo com estimativa da Consultoria de Orçamentos da Câmara dos Deputados, o impacto orçamentário e financeiro de tal extinção teria correspondido a cerca de R$ 1,2 bilhão, em 2009, R$ 2,5 bilhões, em 2010, e R$ 3,9 bilhões em 2011[2].

Por fim, cabe destacar que as aposentadorias por tempo de contribuição são majoritariamente concedidas aos trabalhadores melhor qualificados e com maior rendimento. Prova disso é que tal aposentadoria é o benefício mais alto da previdência social. Seu valor médio equivale a R$ 1.205,83, mais do dobro da média dos valores recebidos pelos trabalhadores que se aposentam por idade (R$ 521,58), que representam o maior contingente de beneficiários do sistema.

E quem paga por isso é toda a população brasileira, direcionando cerca de 34% da renda nacional para pagar tributos, enquanto continua a conviver com uma péssima saúde pública, baixíssima qualidade do ensino e níveis assustadores de violência.

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Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Na aplicação do fator previdenciário, são somados 5 anos ao tempo de contribuição das
mulheres e dos professores do ensino básico (10 anos se forem mulheres).

[2] CAMBRAIA, Túlio. Os Efeitos da extinção do fator previdenciário e do retorno à média curta. COFF/CD. Estudo Técnico nº 02, abr 2009. http://www.camara.gov.br/internet/orcament/principal/.

A estimativa também leva em consideração a diminuição do período de cálculo da contribuição média do segurado.

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