Congresso – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Sun, 18 Apr 2021 00:29:45 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Congresso avança sobre o Orçamento https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3434&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=congresso-avanca-sobre-o-orcamento https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3434#comments Sun, 18 Apr 2021 00:28:50 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3434 Congresso avança sobre o Orçamento

Esse avanço é um procedimento aético, pois não tem como objetivo o bem comum

 Por Roberto Macedo

Quando redigia este artigo, prosseguia o impasse em torno do Orçamento federal de 2021, maquiado pelo Congresso. Abordei o tema no meu artigo anterior neste espaço (Sob comando do Centrão, Congresso corrompeu Orçamento de 2021, 1.º/4). Recorde-se que a Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano só veio no dia 25 deste mês, um atraso que já indicava problemas na sua elaboração.

O mais sério foi o “cancelamento” parcial de despesas obrigatórias (abono salarial, seguro-desemprego, previdência do INSS e outras menores), num total de R$ 26,5 bilhões, para abrir espaço (R$ 26 bilhões) para despesas discricionárias de emendas de interesse do relator do projeto e de parlamentares.

O noticiário anterior e subsequente à LOA e, em geral, sobre questões orçamentárias federais chama a atenção para o avanço político do Congresso no sentido de ampliar sua influência no destino dos gastos. Em entrevista ao jornal O Globo publicada em 21 de março, antes, portanto, da aprovação da LOA, o presidente da Câmara, Arthur Lira, já indicava como pretende lidar com o Orçamento federal. Disse ele: “… vamos buscar o comando do Orçamento. … O Orçamento vem pronto, todo prefixado, com 96% de despesas carimbadas. Defendo a desvinculação total do Orçamento. … Se o Congresso vai votar, se não vai votar… Aí a gente tem que ter o respeito de ouvir todos. A população tem de escolher o deputado: ‘Ah, eu quero que tenha no Orçamento 40% para educação. Então a população vai votar em deputados que defendam a Educação”. Ora, não é assim. O distanciamento entre congressistas e seus eleitores é imenso, em geral estes não são ouvidos. E mesmo se fossem, isso não levaria necessariamente o Orçamento pelos melhores caminhos.

Indagado sobre como buscar o comando do Orçamento, Lira respondeu: “Por que o Executivo é quem tem de tocar o Orçamento… Aí é o erro do Brasil. Onde as maiores democracias são fortes? Onde o Orçamento é do Legislativo. Quem vai executar é o Executivo. Mas quem diz onde vai executar, quanto vai executar e em que área é o Legislativo”.

É outro equívoco. Ele deveria acompanhar o caso dos EUA neste momento em que o presidente Joe Biden tratará com seu Congresso seu imenso programa de fortalecimento da economia e da sociedade americana. Esse programa partiu dele e é o Executivo que tem todo um enorme aparato de ministérios que cuidam de questões específicas e elaboram propostas de aprimoramento. O Congresso não tem esse aparato. Pode aprovar ou não, e até propor algumas mudanças, mas seu papel fundamental é o de legislar.

O que o nosso Congresso quer mesmo é executar ações de interesse de congressistas, voltadas principalmente para suas bases eleitorais nos municípios, o que se expressa claramente por meio das abomináveis emendas parlamentares. Tanto assim é que o grande impasse na discussão da LOA de 2021 diz respeito a essas emendas parlamentares. Em geral, destinam recursos em âmbito municipal a obras e serviços que, principalmente nos municípios pequenos, muito representam eleitoralmente. Essas emendas são aprovadas sem escrutínio pelos demais congressistas e pelas assessorias técnicas do Congresso. É um procedimento aético, pois não visa o bem comum. Como os municípios em geral carecem de mais recursos, estes deveriam ser buscados de forma a alcançar todos eles.

Cecília Machado, professora da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, em artigo na Folha, dia 13/4, fez uma avaliação de como essas emendas funcionam mal: “Na prática, a execução descentralizada e atomizada das emendas … pode encontrar … desafios na sua implementação… Primeiro, a discricionariedade individual dos parlamentares na escolha de projetos vem ao custo de uma avaliação mais ampla de alternativas para a aplicação dos recursos, e … é falha na identificação de ações prioritárias. … muitos municípios, especialmente os menores, não têm levantamento prévio de suas necessidades … com critérios técnicos. … Inexistem critérios de necessidade ou custo-efetividade dos projetos, que passam a seguir lógica populista ou eleitoral, … ainda que os maiores gargalos possam estar em outras regiões ou municípios”. A autora segue apontando outros sérios defeitos das emendas parlamentares.

O que fica claro é que a maioria dos congressistas quer mesmo é cevar suas clientelas políticas, de olho na reeleição. Tenho argumentado que se trata de um financiamento público e indireto de campanhas eleitorais em benefício de candidatos já com mandato, que não alcança quem não o tem. Apesar de as emendas estarem na Constituição por emenda constitucional, pode-se argumentar que seriam inconstitucionais por violarem um princípio originário e cláusula pétrea da Carta Magna, o de que todos são iguais perante a lei.

Seria importante que o assunto fosse levado ao Supremo Tribunal Federal. Dada a disposição do deputado Arthur Lira, do lado do Congresso o problema das emendas só tende a se agravar.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de abril de 2021.

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Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3402&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ao-escolher-o-presidente-camara-ignorou-seus-representados Fri, 05 Feb 2021 14:56:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3402 Ao escolher o presidente, Câmara ignorou seus representados

Os congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão

Por Roberto Macedo

A Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.

O que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos, vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve responder com gratidão.

Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.

Quanto a essas negociações, o jornalista Carlos Brickmann fez esta comparação: “Para evitar o constrangimento de levar uma proposta indecente a um parlamentar decente”, o que procurasse o governo ou fosse chamado para negociar deveria portar um código de barras para mostrar o valor de seu interesse, e acelerar as negociações.

Nos Estados Unidos, propostas legislativas feitas por congressistas em favor de seus redutos eleitorais são chamadas de earmarks, como aquelas plaquinhas colocadas em orelhas de bovinos. Lá são combatidas por uma instituição chamada CAGW (Cidadãos contra o Desperdício Governamental), como não cabíveis num orçamento federal que deve ser voltado para o bem comum, e não para interesses específicos e locais. Aqui caberia iniciativa similar, pois tais emendas parlamentares e outras verbas que recebem violam outro dispositivo constitucional, o de que todos são iguais perante a lei, pois no processo eleitoral os candidatos já incumbentes são beneficiados por essas dotações relativamente aos candidatos sem mandato. Assim, elas constituem indiretamente um financiamento público de campanhas, que distorce a competição entre candidatos.

Voltando à representação dos eleitores, a brasileira é extremamente frágil. Vivi em países com voto distrital, em que o eleito passa a representar um distrito, e não apenas aqueles que o elegeram, e tem o hábito de prestar contas aos moradores distritais ao longo de seu mandato, sem o que poria em risco a renovação dele. Houvesse isso aqui, os congressistas deveriam estar agora explicando em quem votaram na segunda-feira passada e a razão. Muitos enfrentariam problemas, pois a avaliação de Bolsonaro vem caindo e está perto de 30% a proporção dos que veem sua gestão como ótima ou boa. Aliás, a representatividade dos parlamentares eleitos no Brasil é tão baixa que é como se eles fossem parlamentares cometas, pois só aparecem diante do eleitor a cada quatro anos, em busca de votos.

No Senado, o resultado pareceu-me diferente do da Câmara e não tão ruim. Foi eleito o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) por maior margem relativa de votos, tendo como adversária apenas uma concorrente simbólica, Simone Tebet (MDB-MS), que disputou individualmente. Seu próprio partido deixou de apoiá-la. Bem articulado, Pacheco teve apoio até do PT.

Li na Agência Brasil reportagem sobre seu discurso de posse e destaco estes trechos: “Defendeu a independência da Casa, o combate à corrupção, a geração de empregos, o combate à pandemia, a estabilidade econômica e a preservação do meio ambiente. (…) (O Senado deve) atuar com vistas no trinômio saúde pública, desenvolvimento social e crescimento econômico, com o objetivo de preservar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, gerar emprego e renda. (…) também citou as reformas, sobretudo a tributária. (…) votações de reformas que dividem opiniões (…) deverão ser enfrentadas com urgência, mas sem atropelo”. Em tese, tudo muito bonito.

Pacheco chegou ao Congresso em 2014, como deputado federal, e no seu primeiro mandato alcançou a presidência da importante Comissão de Constituição e Justiça, o que demonstra poder de articulação, ratificado pela eleição recente. Seu currículo não levanta tanto as sobrancelhas como o de Arthur Lira, mas tem sido criticado por conflito de interesses entre suas ações políticas e negócios da família.

O que quero mesmo é um Brasil melhor, mas tenho minhas dúvidas quanto à eficácia, nessa direção, dos novos presidentes da Câmara e do Senado, principalmente do primeiro. Certo mesmo é que vou acompanhar de perto o trabalho deles.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de fevereiro de 2021.

 

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