Competitividade – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 04 Jul 2016 12:35:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A desvalorização do real será suficiente para tirar o Brasil da crise? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2813&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desvalorizacao-do-real-sera-suficiente-para-tirar-o-brasil-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2813#comments Mon, 04 Jul 2016 12:35:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2813 A se confirmarem as expectativas, o biênio 2015/16 trará uma queda acumulada do PIB de 7,5%, ou quase 10% em termos per capita. Em que pese mudanças de metodologia ao longo do tempo, esta será, certamente, a maior retração da economia brasileira, no mínimo, no período Pós-Guerra. Há uma crise de confiança, que vem impedindo a economia de reagir: desconfiança em relação à sustentabilidade das contas públicas, à evolução da inflação e ao apoio político que o presidente (seja o presidente interino, seja a presidente afastada) conseguirá obter.

Em grande parte decorrente dessa crise de confiança (sem ignorar problemas externos), houve significativa depreciação do real nos últimos anos: entre o primeiro semestre de 2014 (cotação média de R$ 2,30) e os primeiros cinco meses de 2016 (cotação média de R$ 3,70), o real depreciou-se em mais de 60%. Será que essa mudança de preços relativos será capaz de estimular nossa economia e tirar o País da crise?

Vários analistas acreditam que sim. Segundo esse argumento, há uma capacidade ociosa decorrente de escassez de demanda. A depreciação cambial torna nossas exportações mais competitivas, bem como incentiva a produção de nossa indústria substituidora de importações. O aumento da produção industrial irá, aos poucos, aumentando o nível de emprego, gerando renda que se reverterá em consumo, estimulando outras atividades, até que a economia retorne aos trilhos do crescimento.

Entendemos que esse raciocínio esteja correto até certo ponto. Concordamos que o câmbio poderá contribuir para ocupar a capacidade ociosa atualmente existente. Mas, além de fricções importantes, no longo prazo, o atual modelo de econômico, que gera baixa poupança, é incompatível com câmbio depreciado e altas taxas de crescimento. Seguem os argumentos.

Em primeiro lugar, conforme frequentemente divulgado1, o Brasil é muito fechado, de forma que o setor externo, mesmo crescendo bastante, teria pouca capacidade de alavancar a economia como um todo. Seria como esperar que o rabo abanasse o cachorro. Há também fatores conjunturais que podem dificultar o avanço de nossas exportações, como o menor crescimento do comércio internacional observado nos últimos anos.

O maior problema que vemos, contudo, é que a recuperação da atividade teria de vir via indústria. Temos dois grandes setores exportadores. Um é o produtor de commodities, no qual temos vantagens comparativas. Uma depreciação cambial certamente contribuirá para aumentar as exportações do agronegócio, mas, em larga medida, esse impacto tende a ser de menor importância. Mesmo porque, nossa taxa de câmbio é fortemente influenciada pelo preço internacional de commodities, de forma que há uma correlação negativa entre esse preço e o valor do real. Assim como a apreciação cambial de meados da década passada até o início desta foi, em parte, causada pelo boom de commodities, a depreciação recente também está associada à deterioração de nossos termos de troca (sem prejuízo do impacto causado por erros da política econômica). Dessa forma, o preço em reais recebido pelos exportadores de commodities tende a flutuar bem menos do que a taxa de câmbio.

O outro setor com potencial de exportação é a indústria de transformação. Em nosso entendimento, o principal obstáculo para que a depreciação cambial leve ao crescimento sustentável da economia é o fato de o Brasil adotar um modelo de baixa poupança, que impõe sérios limites ao crescimento da indústria de transformação.

Não iremos discutir aqui por que nossa taxa de poupança é baixa, mas cabe mostrar os principais números2. Em 2015, a taxa de poupança doméstica (que constitui a soma da poupança do governo e com a do setor privado) atingiu o mínimo da década, 14,4% do PIB. Desde 2010, a maior taxa observada ocorreu em 2011, quando atingiu 18,5% do PIB3. Para se ter uma base de comparação, de acordo com o World Economic Outlook de abril de 2016, publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2015, a taxa média de poupança dos países emergentes foi de 31,4%. Na América Latina era de 17,6%4 e, na Ásia emergente, de 41,5%, não por acaso, a região que cresce mais rapidamente no mundo!

É possível que, superadas algumas rigidezes de curto prazo, a indústria de transformação cresça, ocupando a capacidade ociosa existente. Mas, uma vez que a economia passe a operar com plena capacidade, as perspectivas de crescimento são mínimas. Uma economia de baixa poupança implica baixo nível de investimento para a economia como um todo. Mostraremos agora que isso é particularmente verdadeiro para a indústria de transformação.

Para entender porque o modelo pró-consumo/baixa poupança tende a desestimular investimentos, devemos observar o movimento dos preços relativos. Quando os gastos da economia superam a sua produção, a única forma de atender ao excesso de demanda é importando. Havendo condições externas favoráveis (leia-se, com o mundo disposto a financiar o Brasil), os preços relativos se movimentam na direção de garantir que o real se valorize, tornando as importações mais baratas. A apreciação do real se dá por meio de mudança nos preços relativos entre bens comercializáveis – chamaremos, para simplificar, de bens industriais – e de não comercializáveis, que chamaremos, também para simplificar, de serviços. Não trataremos aqui do setor produtor de commodities5, que também são comercializáveis, porque, conforme já comentamos, o Brasil apresenta enormes vantagens comparativas em sua produção, de forma que, mesmo havendo apreciação da taxa de câmbio, o País permanece competitivo e mantém elevados níveis de exportação.

Se a demanda aumenta além da capacidade de oferta da economia, a tendência é o preço dos serviços subir mais rapidamente do que o da indústria. Afinal, por não serem comercializáveis, os serviços não sofrem concorrência externa. Quando o preço dos serviços sobe (em relação ao dos bens industriais), os fatores produtivos se dirigem para o setor, fazendo com que sua participação no PIB aumente, à custa da participação da indústria de transformação. O Gráfico 1 mostra a evolução dos preços relativos (mensurada pela relação entre o deflator implícito da indústria de transformação/deflator implícito do setor serviços) e a participação da indústria de transformação no PIB.

Gráfico 1: Evolução da participação da indústria de transformação no PIB e de seu preço relativo, 2001 a 2015.

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Entendemos que a direção de causalidade vai no sentido de variação dos preços relativos alterar a participação da indústria no PIB. Portanto, para entender o atual (fraco) desempenho da indústria de transformação, é importante ver como os preços relativos evoluíram nos anos recentes e por quê.

A queda dos preços relativos a partir de 2011 decorre da política de expansão de gastos e da baixa taxa de poupança, em um contexto de forte liquidez internacional de capitais, que viabilizaram o déficit crescente no balanço de pagamentos.         Conforme o Gráfico 2 mostra, o período de forte queda de preços relativos, entre 2010 e 2014, foi acompanhado de aumento substancial no déficit em transações correntes.

Gráfico 2: Saldo em transações correntes (em USD milhões) e preço relativo da indústria de transformação (base 2010 = 100), 2000 a 2015.

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O movimento de alteração de preços relativos se reverteu em 2015. Entretanto, conforme mostrou o Gráfico 1, a indústria de transformação ainda não reagiu e continuou vendo reduzir sua participação no PIB. Não seria de se esperar que, com a depreciação cambial, a indústria de transformação reagisse?

A resposta seria afirmativa se a depreciação cambial implicasse mudança de preços relativos. Em verdade, a relação de preços comercializáveis/não comercializáveis é a mensuração correta da taxa de câmbio, se o objetivo é avaliar as condições de competitividade da indústria. O Gráfico 2 mostrou que houve, de fato, uma pequena melhora nos preços relativos em 2015 (3,5%), mas foi substancialmente inferior à depreciação cambial (acima de 30%, em termos nominais, comparando média de um ano em relação ao ano anterior, ou de quase 20%, quando se deduz, da depreciação nominal, a inflação medida pelo IPCA)6.

Esse comportamento dos preços relativos é, em certa medida surpreendente, porque, para uma economia sem imperfeições de mercado, o preço dos bens comercializáveis deveria se igualar ao preço internacional convertido na moeda doméstica. Com a forte depreciação cambial ocorrida, deveríamos esperar, portanto, que o preço dos produtos industriais se elevasse fortemente em relação ao dos serviços. Como isso não ocorreu, ou seja, como a inflação dos produtos industriais foi bem mais baixa do que a depreciação cambial, podemos concluir que esse setor não é tão comercializável como se poderia supor a priori. Há fricções que impedem o ajuste dos preços domésticos.

Essas fricções podem decorrer de vários fatores. As empresas podem ter “desaprendido” a exportar. Ao contrário do setor de commodities, que fornece um bem homogêneo, a indústria precisa convencer seus potenciais compradores que seu produto é melhor do que o do concorrente. Muitas vezes a exportação só é viabilizada se vier acompanhada de financiamento, o que está muito difícil diante da atual conjuntura, com dificuldade de ampliação dos créditos do BNDES e elevação do risco Brasil, que encarece o empréstimo de empresas brasileiras no exterior. É também necessário organizar a logística, que envolve não somente os contratos de transportes, seguros, etc, como também lidar com as burocracias, do Brasil e do país importador.

Outros fatores que vêm impedindo a retomada da produção industrial para exportação incluem a depreciação cambial que também alcançou nossos vizinhos latino-americanos (ainda que em menor escala do que o Brasil), importantes importadores de nossa indústria. Adicionalmente, há evidências anedóticas de que algumas empresas estavam com estoques elevados ou que estavam presas por contratos de importação em vigor quando se iniciou esse ciclo de depreciação do Real. Essas empresas estariam reduzindo os estoques, mas, em função da crise econômica, esse processo está mais lento do que o esperado. A crise, portanto, tem dificultado a alteração de preços relativos por meio de dois canais: dificuldade para redução de estoques e dificuldade para repassar o aumento de custos para os consumidores.

Por fim, o processo de sucateamento pela qual passou a indústria nacional nos últimos anos traz consequências mais fortes para o futuro, além daquela já mencionada de terem desaprendido a exportar. Aumentar a produção para exportar requer investimentos, e ninguém quer investir diante do clima de insegurança que existe, tanto em relação à capacidade de o governo pagar a dívida, quanto em relação à política monetária. O fortalecimento do dólar pode vir a ser acompanhado de aumentos da inflação, em uma escalada inflacionária como a da década de 1980, que anula a depreciação do câmbio real ocorrida nos últimos dois anos.

Dessa forma, nossas perspectivas para o setor exportador, em particular para a indústria, é que há espaço para crescimento no médio prazo, à medida que algumas fricções sejam suavizadas e que se ocupe a capacidade ociosa. Com ou sem escalada inflacionária, o mundo está menos disposto a financiar o Brasil, o que significa que, por um bom horizonte, deveremos nos adaptar a conviver com déficits em transações correntes mais baixos. Isso implica real mais depreciado.

Somos, entretanto, céticos em relação à possibilidade de o setor exportador puxar a economia, permitindo-a sair da recessão e atingir novos patamares de crescimento, a exemplo do que ocorre no Leste Asiático. Sem alterações profundas nas contas públicas ou no comportamento do setor privado, que levem à maior taxa de poupança, o crescimento concomitante da indústria de transformação e das exportações é contraditório. Para a indústria (e o país) crescer, é necessário investir. Com baixa taxa de poupança doméstica, o investimento somente será viabilizado com déficits substanciais em conta corrente. Mesmo que o mundo esteja disposto a financiar perenemente tais déficits, eles somente ocorrerão se houver uma mudança de preços relativos em favor dos bens não comercializáveis, ou seja, em detrimento da indústria. Mas, sem preços relativos favoráveis, a indústria não será competitiva, e não poderá crescer.

Sendo assim, o máximo que se pode esperar da atual depreciação cambial é que ela permitirá que a indústria cresça no curto prazo, ocupando a capacidade ociosa existente. Uma vez ocupada, a tendência será o país voltar a crescer às taxas medíocres que vinha crescendo antes da crise, entre 0% e 2%, que é uma estimativa para o nosso PIB potencial.

Apesar de ser de difícil mensuração, há evidências muito fortes de que a taxa de crescimento do PIB potencial está abaixo de 2%. O ano de 2014 foi emblemático para corroborar essa conclusão: o País já vinha de períodos de crescimento medíocre (o crescimento anual médio no primeiro governo Dilma foi de 2,2%); a Utilização da Capacidade Instalada, medida pela Fundação Getúlio Vargas, situou-se acima da média histórica (83,3% ante 81,6%); a taxa de desemprego atingiu o mínimo histórico em dezembro daquele ano (4,3%); e o País se encontrava em vias de sofrer racionamento de água e energia. Ou seja, os fatores de produção estavam plenamente ocupados e, ainda assim, a economia cresceu apenas 0,1% em 2014. Esse resultado, aparentemente paradoxal, só pode ser explicado se a taxa de crescimento potencial da economia for igualmente baixa.

Dessa forma, a retomada das exportações pode ajudar o País a ocupar a atual capacidade ociosa. Mas isso significa voltar a crescer a taxas medíocres, de até 2% ao ano. Para que o País possa crescer a taxas mais elevadas de forma sustentável, será necessário implementar reformas estruturais que alterem o modelo econômico atualmente adotado, na direção de aumento da poupança pública e de menor intervenção no setor privado.

 

Este artigo é um resumo da seção final do capítulo intitulado “A crise atual: razões e perspectivas de recuperação via ajuste cambial”, publicado no livro “O Dia do Juízo Fiscal”, que também contou com a co-autoria de Marcos José Mendes. O livro foi apresentado no Fórum Nacional, patrocinado pelo Instituto Nacional de Altos Estudos, em maio de 2016, no Rio de Janeiro, e está disponível para download em http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/

 

___________________

1 Ver http://www.dgabc.com.br/Noticia/1554042/setor-externo-tem-pouco-potencial-como-alavanca-do-pib-diz-economista-da-fgv e http://exame.abril.com.br/economia/noticias/com-dolar-tao-alto-as-exportacoes-podem-salvar-o-brasil. Esses textos mencionam outros aspectos que podem reduzir o impacto do câmbio sobre a recuperação da economia, como a depreciação de outras moedas frente ao dólar.

2 O leitor interessado poderá ler o artigo original.

3 O IBGE revisa frequentemente as estatísticas do PIB e, para a taxa de poupança, apresenta dados que retroagem somente até 2010. Segundo as estatísticas mais recentes, do 1º trimestre de 2016, a taxa de poupança em 2011 havia sido de 18,5% do PIB.

4 Esse valor está influenciado pela baixa taxa de poupança brasileira. Se supusermos que nosso PIB corresponde a cerca de 30% do PIB latino-americano, a taxa de poupança do continente seria em torno de 19%, se excluirmos o Brasil.

5 Em verdade, parte importante das commodities é formada por bens industrializados ou semi-industrializados, como o aço, farelo de soja, açúcar e o suco de laranja.

6 Esse resultado é robusto para outras mensurações de preços relativos, por exemplo, inflação dos comercializáveis/inflação dos não comercializáveis.

 

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O que é desoneração da folha de pagamento e quais são seus possíveis efeitos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2271&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-desoneracao-da-folha-de-pagamento-e-quais-sao-seus-possiveis-efeitos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2271#comments Mon, 11 Aug 2014 14:37:40 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2271 Desde 2011 o Governo Federal tem alterado a forma pela qual tributa as empresa para fins de financiamento da previdência social. Historicamente as despesas previdenciárias têm sido financiadas por contribuições de empregados e empregadores. Estes últimos pagam contribuições equivalentes a 20% da folha de pagamento das empresas.

A chamada “desoneração da folha de pagamentos” implementada pelo Governo Federal consiste em substituir tal contribuição patronal por outro tributo incidente sobre o faturamento da empresa, e não mais sobre a folha de pagamentos, com alíquotas entre 1% e 2%, a depender do setor da economia.

Há redução parcial do imposto pago, pois, de modo geral, a receita gerada por essas alíquotas não compensa a perda advinda da menor tributação sobre a folha, o que significa perda de receita para o Erário e alívio financeiro para o contribuinte. Há um compromisso financeiro do Tesouro no sentido de ressarcir a previdência social pela receita perdida. Mas para o setor público como um todo (Tesouro mais Previdência) o resultado é perda de receita.

Importante observar que tal substituição vem sendo implantada gradualmente, agregando-se novos setores da economia paulatinamente.

A principal razão para a adoção dessa alteração tributária é reduzir os custos de produção no Brasil, em especial o custo da indústria, que tem enfrentado dificuldades para competir com os concorrentes internacionais. Como é sabido, a carga tributária no Brasil é bastante elevada. Enquanto a indústria brasileira exporta embutindo em seus preços os altos custos tributários do país, seus concorrentes podem oferecer preços menores, pois pagam menos impostos em seus países de origem. O mesmo raciocínio vale para o mercado interno: a indústria nacional não consegue oferecer preços competitivos com os das importações.

A perda de mercado no país e no exterior reduz a participação da indústria no PIB. Isso diminui a oferta de empregos de qualidade, desestimula o esforço de inovação tecnológica das empresas, e amortece o impacto multiplicador que a indústria tem sobre outras atividades da economia. Em consequência, o Brasil tende a crescer mais lentamente.

Um tipo de tributo que é especialmente pesado para as empresas em geral, e a indústria em particular, são os encargos sobre a folha de pagamentos. De acordo com cálculos do DIEESE, uma empresa que contrate um trabalhador com o salário de R$ 1.000,00 acaba tendo um gasto adicional de R$ 308,90 (ou 31%) com contribuições sociais sobre a folha de pagamento1. Além da contribuição para a previdência, equivalente a 20% do valor do salário, há outras contribuições, como salário-educação e contribuições ao “Sistema S”, ao que se acrescenta o seguro-acidente.

Dados do Banco Mundial evidenciam o peso da carga tributária sobre a contratação de mão-de-obra no Brasil. O Gráfico 1 mostra a tributação sobre o trabalho como proporção do lucro comercial para empresas de vários países. O Brasil tem a 6ª maior carga em um conjunto de 176 países.

Gráfico 1 – Impostos e Contribuições sobre o Trabalho (% dos lucros comerciais) – 2013

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A elevada tributação do fator trabalho induz as empresas a diminuir sua demanda por trabalhadores, substituindo-os por máquinas ou por empregados contratados à margem da lei (emprego informal).

Assim, a princípio, a desoneração da folha de pagamentos seria um instrumento que teria por objetivo: reduzir custos e aumentar a competitividade da indústria, bem como estimular a criação de empregos.

Contudo,  a implantação prática da desoneração no Brasil a partir de 2011 parece gerar mais problemas do que soluções, conforme analisado a seguir, tendo em vista o contexto e a forma como a medida foi posta em prática.

Aumento do Desequilíbrio Fiscal

Tendo em vista que no Brasil o gasto público é alto e crescente, a receita pública precisa acompanhar a despesa, de modo a financiá-la. Se a desoneração da folha de pagamentos gera perda de receita e os gastos continuam crescendo, o resultado é a ampliação do déficit público, com efeitos macroeconômicos adversos tais como o aumento da inflação, o déficit nas transações externas e o crescimento da dívida pública. Como se sabe, tais desequilíbrios cedo ou tarde precisam ser debelados com medidas que afetam negativamente o crescimento e o emprego.

Segundo os dados da Receita Federal do Brasil, em 2013, a desoneração representou perda de receita da ordem de R$ 12,3 bilhões, conforme evidenciado na Tabela 1 abaixo.

Tabela 1 – Desoneração da Folha de Pagamento – Estimativa de Renúncia: 2012 a 2014

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Em 2014, o valor deverá ser bem maior por conta da inclusão de novos setores no novo regime de tributação. No primeiro trimestre de 2014, a redução de arrecadação já soma R$ 4,6 bilhões. Tomando a média mensal, a renúncia fiscal em 2014 já está em patamar 409% acima daquela observada em 2012. Se a renúncia observada nos três primeiros meses de 2014 for extrapolada para o restante do ano, chega-se a R$ 18,4 bilhões. O número poderá ser maior se outros setores forem agregados à desoneração da folha.

Isso é nada menos do que 22% do superávit primário programado para o Governo Central em 2014. Ou seja, sem a renúncia de receita decorrente da desoneração da folha de pagamento, seria muito mais fácil atingir a meta de equilíbrio fiscal do setor público. Logo, a desoneração da folha de pagamento tem relevante impacto macroeconômico negativo (inflação, juros mais altos, desequilíbrio no balanço de pagamentos), ainda que traga vantagens para seus beneficiários diretos.

Observe-se que o desequilíbrio fiscal não decorre da desoneração da folha de pagamentos per si, mas do fato de a alíquota sobre o faturamento, que substituiu a anterior, ter sido fixada em um nível insuficiente para gerar o mesmo volume de receitas.

Aumento da cumulatividade do sistema tributário

A ideia de reduzir a contribuição previdenciária não é nova. A PEC n° 233, de 2008, de iniciativa do Poder Executivo federal, continha proposta nesse sentido no bojo de uma reforma tributária. A proposta consistia em substituir gradualmente parcela da contribuição previdenciária do empregador por um novo imposto sobre valor adicionado (IVA). Esse imposto seria o principal tributo do país, em substituição a vários outros impostos e contribuições. Entre essas estavam a Cofins e o PIS, tributos muito criticados por serem complexos e cumulativos.

Em vez de um imposto sobre valor adicionado, conforme previsto na PEC nº 233, de 2008, a contribuição previdenciária foi compensada com uma contribuição sobre o faturamento. Trata-se de um exemplo do risco de se seguir a estratégia da reforma tributária fatiada, em que medidas logicamente articuladas dentro de um conjunto são destacadas e adotadas parcialmente, em geral apenas a parte politicamente palatável.

Ou seja, trocou-se um tributo que incide sobre o valor agregado a cada etapa da produção (a mão de obra) por outro com efeito cumulativo, o que distorce os preços relativos das mercadorias. Isso se dá porque o imposto sobre o faturamento incide sobre o valor agregado em outras etapas da produção, sem qualquer compensação pelos tributos já recolhidos. Assim, bens com longas cadeias de produção pagam mais tributos, quando comparados àqueles  de cadeia de produção curta.

Logo, diferentes empresas e diferentes setores acabam sendo tributados a mais ou a menos em função de especificidades do processo produtivo, o que tem consequências negativas sobre a eficiência. Produtos de cadeia produtiva mais simples (por exemplo, alimentos em natura) terão carga tributária menor que outros mais sofisticados (por exemplo, automóveis). Com esse incentivo, empresas  produzirão internamente insumos que poderiam adquirir no mercado, com o intuito de pagar menos impostos. O resultado é o desestimulo à especialização, com impacto negativo sobre a produtividade e a qualidade do processo produtivo.

 Quebra de vinculo entre o financiador e o beneficiário dos gastos previdenciários

Outro problema decorrente da substituição da contribuição sobre a folha pela contribuição sobre o faturamento é a quebra do vínculo entre o número de trabalhadores empregados e contribuição à previdência. Com a contribuição sobre a folha  há relação direta entre a intensidade do uso da mão de obra e de aposentadorias geradas por uma empresa e a contribuição dessa empresa e de seus empregados para o financiamento da previdência.  Quando se transfere a base de incidência para o faturamento, perde-se esse vínculo. Por exemplo, empresas que faturam muito, mas que têm poucos empregados, contribuem mais, enquanto empresa com muitos empregados e pouco faturamento, contribuem menos.

Mais lógico do que substituir integralmente a contribuição sobre a folha por uma contribuição sobre o faturamento ou mesmo por um imposto sobre valor agregado, seria reduzir parcialmente (em vez de zerar) a alíquota da contribuição sobre a folha. A nova alíquota poderia ser calibrada para gerar a mesma perda de receita (desoneração) decorrente da substituição da contribuição sobre a folha pela contribuição sobre o faturamento. Ainda que não deixasse de aguçar o desequilíbrio fiscal, essa política alternativa não deterioraria ainda mais a qualidade do sistema tributário e do financiamento da previdência.

Escolha arbitrária dos setores beneficiados

Outro problema da política de desonerações é a inclusão arbitrária de setores beneficiados durante a tramitação legislativa das medidas ou mesmo depois, com ajustes na lei. Isso aconteceu no caso da desoneração da folha de pagamentos, notadamente durante a tramitação da MPV nº 563, de 2012, assim como ocorre, por exemplo, na distribuição dos setores entre os regimes cumulativos e não cumulativos da Cofins e do PIS e na inclusão de setores no Super Simples.

Tal fato representa uma interferência indevida do Estado na escolha de vencedores (os contemplados) e perdedores (os excluídos), substituindo o mercado na alocação dos recursos, criando privilégios e incentivando a prática do lobby. Ademais, eleva a complexidade do sistema tributário, pois tornam-se necessários mais controles e  regras detalhadas definindo quem está dentro e quem está fora do novo regime de tributação.

O resultado disso é perda de produtividade da economia. Os recursos escassos passam a ser alocados ineficientemente entre as diversas atividades, de acordo com as vantagens tributárias. Eleva-se o custo das empresas para cumprir as exigências tributárias (agora mais complexas) e os recursos gastos para sustentar a prática do lobby.

Estimulo ao emprego no pleno-emprego

Em relação aos efeitos da desoneração da folha de pagamentos sobre o mercado de trabalho do Brasil, é preciso que se leve em conta a atual peculiar situação desse mercado. Milhões de empregos foram gerados no país nos últimos anos, o que resultou em taxa de desemprego historicamente baixa e em aumentos reais dos salários.

Tendo em vista que a desoneração da folha reduz o custo de contratação, ela acaba por pressionar ainda mais o mercado de trabalho, elevando os salários e, portanto, o custo das empresas. Assim, a eventual redução de custos para as empresas, proporcionada pela desoneração tributária, acaba em parte tragada pela elevação nos salários. Ademais, os setores não contemplados por desonerações arcam com o custo mais alto de mão de obra sem o correspondente ganho de redução de impostos.

Em síntese, a desoneração da folha, concebida para elevar a contratação de mão de obra ao reduzir seu custo, poderá, na prática, à medida que for sendo implementada, afetar preponderantemente os salários, diante da atual situação de baixo desemprego. Certamente é um benefício para os trabalhadores, mas não resolve o problema de custo de produção das empresas.

Considerando o resultado final, os setores beneficiados com a mudança de base de tributação deverão obter redução líquida de custos, porém menor do que o alívio tributário, diante  do aumento salarial. Já os setores não beneficiados sofrerão aumento de custos, pois, além de continuarem pagando sobre a folha de pagamentos, estarão sujeitos a salários mais altos. Ao fim e ao cabo, aumentará a distorção alocativa da economia.

A desoneração do setor de serviços prejudica a indústria

A indústria foi o setor mais atingido pela perda de competitividade do país, pressionado entre baixa produtividade e custos elevados (tributos, logística deficiente, burocracia, insegurança jurídica, etc.), de um lado, e valorização cambial e concorrência externa, de outro. O seu nível de produção mal consegue alcançar o nível anterior ao início da crise internacional, em setembro de 2008.

A desoneração da folha parece ter sido concebida para compensar parcialmente as perdas da indústria. No entanto, a desoneração acabou se estendendo, também, para o setor de serviços. Como é sabido, parte significativa do setor de serviços produz “bens não-comercializáveis”, ou seja, bens e serviços que não podem ser negociados no mercado internacional. É o caso, por exemplo, da construção civil: não é possível aumentar a oferta de residências no país importando casas do exterior. O mesmo argumento vale para serviços de cabeleireiros, reparos de equipamentos, hospedagem, entre outros.

Por isso, o setor de serviços tem mais espaço para elevar preços e contratar mão-de-obra em um contexto de expansão da demanda agregada. Isso pressiona o mercado de trabalho e eleva os salários a serem pagos não só naquele setor, mas também pela indústria, dificultando ainda mais a competitividade da indústria em relação a produtos importados, além de prejudicar as exportações de manufaturados.

Conceder desoneração tributária à indústria, sem concedê-la ao setor de serviços, seria uma forma de reequilibrar a situação da indústria: a mão-de-obra ficaria mais barata para a indústria e mais cara para o setor de serviços. Contudo, se a vantagem também é dada ao setor de serviços, anula-se, pelo menos parcialmente, o efeito positivo para a indústria.

Em suma, a desoneração da folha de pagamento poderia, em princípio, ser uma providência com efeitos líquidos positivos sobre a economia brasileira. Entretanto, no contexto e nos moldes em que foi adotada pelo Governo Federal a partir de 2011, não parece capaz de reduzir os custos de produção das empresas em geral ou da indústria em particular. Ademais, agravou o problema de desequilíbrio fiscal e tornou o sistema tributário mais complexo e casuístico.

Para ler mais sobre o tema:

Domingues, E.P. et al (2012) Crescimento, emprego e produção setorial: efeitos da desoneração de tributos sobre a folha de salários no Brasil. UFMG/CEDEPLAR. Texto para Discussão nº 456.

Giambiagi, F., Schwartzman, A. (2014) Complacência. Ed. Elsevier-Campus.

Pinto, V.C., Afonso, J.R., Barros, G.L. (2014) Avaliação setorial da desoneração da folha de salários. Fundação Getúlio Vargas. Nota Técnica, fev. 2014.

Werneck, R. (2013) Abertura, competitividade e desoneração fiscal. In: Bacha, E., de Bolle, M. O futuro da indústria no Brasil. Civilização Brasileira.

________________

1 Fonte: Cardoso, D., Souza, K., Domingues, E. “Medidas recentes de desoneração tributária no Brasil: uma análise de equilíbrio geral computável”. Encontro de Economia Aplicada. Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: http://www.ufjf.br/encontroeconomiaaplicada/files/2014/05/MEDIDAS-RECENTES-DE-DESONERA%C3%87%C3%83O-TRIBUT%C3%81RIA-NO-BRASIL-UMA-AN%C3%81LISE-DE-EQUIL%C3%8DBRIO-GERAL-COMPUT%C3%81VEL.pdf

 

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As exportações brasileiras ficaram mais competitivas com a desvalorização do real? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2156&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=as-exportacoes-brasileiras-ficaram-mais-competitivas-com-a-desvalorizacao-do-real Mon, 10 Mar 2014 14:33:31 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2156 No final de 2007, o saldo da balança comercial começou a apresentar uma trajetória declinante, parcialmente interrompida entre o terceiro trimestre de 2010 e o terceiro trimestre de 2011. Desde então, a tendência de queda se acentuou. Para vários analistas e formuladores da política econômica, o vilão desse fraco desempenho foi a taxa de câmbio, que estaria demasiadamente apreciada. A solução para o problema seria, portanto, uma depreciação do real. Com o real mais depreciado, as empresas brasileiras ganhariam maior competitividade e, com isso, exportariam mais.

Em verdade, há um consenso de que a melhor forma de ganhar competitividade é aumentar a produtividade, mas isso só é viável no médio e longo prazos. É igualmente consensual que menor tributação é outra forma de ganho de competitividade. Entretanto, as exportações já são isentas de vários tributos, e alterações na estrutura tributária podem envolver longas discussões no Congresso, de forma que, efetivamente, no curto prazo, o principal instrumento de ganho de competitividade é a depreciação cambial.

A ideia é bastante intuitiva: suponhamos um automóvel que, no mercado internacional, custe US$ 10 mil. Se a taxa de câmbio estiver em R$ 2,00 por dólar, seu preço, em reais, seria de R$ 20 mil. Se o real se desvalorizar, e o dólar passar a valer R$ 3,00, o preço do automóvel, em reais, aumentaria para R$ 30 mil. Suponhamos que o custo de fabricação do carro no Brasil fosse de R$ 25 mil. Na situação inicial, com o dólar valendo R$ 2,00, o fabricante brasileiro teria imensa dificuldade em exportar, pois seu custo de produção estaria acima do preço internacional e, para exportar sem prejuízos, dificilmente encontraria consumidores dispostos a pagar R$ 25 mil (ou US$ 12,5 mil) por um bem que podem adquirir por R$ 20 mil (ou US$ 10 mil). Já com o real depreciado, a R$ 3,00 por dólar, o fabricante de automóveis não teria maiores dificuldades em exportar sua produção. Afinal, se vendesse o carro a US$ 10 mil, receberia, em reais, R$ 30 mil, e teria um lucro de R$ 5 mil.

O problema desse raciocínio é que, se nossa moeda se depreciar, com o dólar norte americano passando de R$ 2,00 para R$ 3,00, o custo da montadora, antes de R$ 25 mil, pode também aumentar. Do ponto de vista de ganho de competitividade, de pouco adiantaria a taxa nominal de câmbio depreciar-se de R$ 2,00 para R$ 3,00 se os custos das empresas brasileiras aumentassem na mesma proporção. Por esse motivo, a medida de nossa competitividade não é dada pelo câmbio nominal, mas, sim, pelo câmbio real que, grosso modo, busca avaliar em que medida o preço internacional dos bens tem evoluído em relação aos custos domésticos.

Apesar de o conceito de câmbio real ser relativamente fácil de entender, sua mensuração não é trivial. Antes de discutirmos diferentes formas de mensuração do câmbio real, cabe esclarecer que, ao contrário do câmbio nominal, onde há algum espaço de manipulação pela autoridade monetária, o câmbio real depende integralmente das forças de mercado, e, em larga medida, de como a absorção doméstica (a soma do consumo e investimento, privados e do governo) se comporta em relação à produção 1. Assim, eventuais intervenções do banco central no mercado de câmbio ou choques externos, como o anúncio do banco central norte-americano de que adotaria uma política monetária mais restritiva, podem alterar o câmbio nominal, mas terão um impacto mínimo sobre a taxa real de câmbio se a política econômica não se alterar.

Feito esse parênteses, voltemos à mensuração do câmbio real. A melhor forma de mensurar a competitividade é comparar a evolução dos preços dos chamados itens comercializáveis com a dos itens não comercializáveis. Bens comercializáveis são aqueles que podem ser facilmente importáveis ou exportáveis. São, em geral, produtos industriais ou commodities. Já os itens não comercializáveis correspondem àqueles produtos que não podem ser facilmente exportáveis ou importáveis. Normalmente estão associados a serviços. Não há divisão inequívoca entre o que é e o que não é comercializável, pois depende dos custos de transação (que inclui o custo de transportes), dos parceiros comerciais e de outros fatores institucionais. Por exemplo, commodities são, quase que por definição, bens comercializáveis. A invenção de navios frigoríficos, no início do século XX, transformou a carne em bem comercializável e permitiu o grande desenvolvimento da Argentina e Uruguai. Já o turismo pode ser um serviço comercializável ou não, dependendo do contexto. Para pequenas ilhas caribenhas, próxima a fortes mercados emissores, como norte-americano e canadense, e com estrutura bem montada, o turismo é um serviço comercializável. Já o turismo no Nordeste brasileiro teria características de item comercializável e não comercializável ao mesmo tempo, pois compete com outras praias no exterior, mas com custos de transação mais elevados (exigência de visto de americanos, longa distância de europeus) e conta com um mercado cativo doméstico (brasileiros que não dispõe de recursos para ir ao exterior ou que não querem enfrentar barreiras de língua, vistos, etc).

Por que a relação preço dos bens comercializáveis/preço dos bens não comercializáveis mensura o câmbio real (e, portanto, a competitividade de um país)? Observem, inicialmente, que, em tese, o preço dos comercializáveis livre de impostos, quando convertidos em uma única moeda, é o mesmo em todos os países. No caso de commodities essa é uma aproximação muito boa. Já para bens diferenciados, como automóveis, certamente há variações de preço em função da marca, modelo, etc, mas, dentro de determinada categoria de qualidade, conforto e tamanho de veículo, a faixa de variação de preços tende a ser pequena. Já o preço dos não comercializáveis pode variar intensamente de país para país, pois esses bens/serviços estão protegidos da concorrência internacional. Mesmo dentro de um país, as diferenças de preço entre bens não comercializáveis é muito maior do que entre bens comercializáveis. Por exemplo, o aluguel de um apartamento em Ipanema (Rio de Janeiro) pode ser dez vezes mais caro do que o aluguel de um apartamento semelhante em Goiânia. Já a diferença entre o preço do automóvel ou do feijão entre as duas localidades é substancialmente menor, se houver.

Na produção de qualquer bem, há insumos comercializáveis e não comercializáveis. Assim, para produzir automóveis, é necessário aço, tinta e outros insumos cujos custos devem ser aproximadamente os mesmos (uma vez convertidos na mesma moeda) no Brasil ou em qualquer país. Assim, um aumento no preço dos insumos comercializáveis, por afetar da mesma forma todos os produtores, não prejudica a competitividade da indústria nacional.

Já o transporte dos insumos do porto para a fábrica e, posteriormente, o transporte do automóvel da fábrica para o porto, a tarifa de energia, o aluguel e a mão-de-obra, todos esses insumos são não comercializáveis e, portanto, um aumento de seu custo afeta somente a competitividade da indústria nacional. Por esse motivo, quando o preço dos comercializáveis sobe em relação aos não comercializáveis, o câmbio real se deprecia e estamos ganhando competitividade. Simetricamente, se o preço dos não comercializáveis aumenta em relação ao dos comercializáveis, estamos perdendo competitividade, e o câmbio real se aprecia.

Podemos analisar agora como mensurar os preços relativos. A fórmula tradicionalmente utilizada na literatura é:

formula

Em que q é a taxa real de câmbio; e é a taxa nominal de câmbio (expressa em moeda doméstica por moeda externa, como R$ por US$); p* e o nível de preços internacional; e p, o nível de preços domésticos.

Quanto maior o valor de q, mais desvalorizada está a moeda do país. Olhando para os termos, o numerador corresponde ao preço internacional convertido na moeda doméstica. No exemplo do automóvel, era o preço de US$ 10 mil, multiplicado pela taxa de câmbio nominal, para chegarmos aos R$ 20 mil. Assim, o numerador corresponde ao preço dos bens comercializáveis.

O denominador é o nível de preços domésticos. Pela discussão acima, vemos que p não deve ser escolhido aleatoriamente, mas deve refletir o preço dos bens não comercializáveis.

Com base na fórmula acima, o Banco Central (Bacen) estima diversas taxas de câmbio real. Como podemos estimar a taxa de câmbio real em relação a cada moeda diferente, haverá tantas taxas de câmbio real quantos forem as moedas. O Bacen estima uma taxa de câmbio que chama de efetiva, em que pondera as diferentes moedas pela participação do país emissor nas exportações brasileiras. Assim, a taxa de câmbio real efetiva corresponde ao comportamento do real brasileiro frente a uma cesta de moedas que incluem o dólar norte-americano, o yuan chinês, o euro, o iene japonês, o peso argentino, entre outras. Além disso, o Bacen calcula as taxas de câmbio real bilaterais, por exemplo, real x dólar, real x euro, etc.

Em relação aos índices de preços, o Bacen utiliza quatro índices domésticos (IPCA, IPC-Fipe, INPC e IPA-DI) e, para os preços internacionais, dois (o correspondente ao Índice de Preços no Atacado – IPA, quando utiliza o IPA-DI para os preços domésticos, e o correspondente ao Índice de Preços ao Consumidor – IPC, quando utiliza os demais índices para os preços domésticos). Pela discussão anterior, o IPA-DI, por ser um índice de preços no atacado, e, como tal, fortemente influenciado pelo preço dos bens comercializáveis, é inadequado para o cálculo da taxa real de câmbio. Na prática, entretanto, como veremos a seguir, a diferença não é muito grande em termos qualitativos (embora possa ser, do ponto de vista quantitativo).

Outra forma de calcular a taxa real de câmbio é dividir diretamente o índice de preços de bens comercializáveis pelo de bens não comercializáveis. O Bacen calcula esses índices para o IPCA. O Gráfico 1 mostra a evolução das diferentes medidas de câmbio real desde dezembro de 2005. Para suavizar as séries, apresentamos os valores médios dos últimos doze meses, tendo como base dezembro de 2006 = 100. Apresentamos também o índice referente à taxa de câmbio nominal.

grafico_1

(Clique no gráfico para ampliar)

Observamos, em primeiro lugar, que todos os métodos de calcular a taxa real de câmbio de acordo com a Equação 1 fornecem resultados qualitativamente semelhantes. Em termos quantitativos, a diferença entre utilizar como base de comparação o dólar ou uma cesta de moedas pode ser substancial, podendo superar 10 pontos percentuais. Já o uso do IPCA ou IPA como deflator não altera muito os resultados. Na maior parte do tempo, as séries são muito próximas, apresentando diferença média de 1 ponto percentual. Em alguns períodos, contudo, como no fim do primeiro semestre de 2008, a diferença entre as séries chegou a 6 pontos percentuais.

Em segundo lugar, vemos que as séries de câmbio real calculadas de acordo com a Equação (1) são qualitativamente semelhantes à evolução da taxa de câmbio nominal. Os movimentos, contudo, tendem a ser mais suaves. Por exemplo, no recente ciclo de depreciação do real, desde o segundo semestre de 2011, a depreciação do câmbio nominal foi mais intensa do que a do câmbio real, refletindo o fato de a inflação brasileira ser mais alta do que a inflação de nossos parceiros comerciais.

Finalmente, mas não menos importante, o comportamento da série que mensura somente a relação preço comercializáveis/não comercializáveis é bem diferente das demais. Observe-se, inclusive, que, de acordo com esse índice, a forte depreciação do câmbio nominal observada nos últimos dois anos não se transformou em depreciação do câmbio real: o forte aumento do preço dos serviços no Brasil teria minado eventuais ganhos de competitividade.

Qual das metodologias é mais correta? Não há resposta inequívoca para essa pergunta. A Equação 1 utiliza o índice de preços (no atacado ou ao consumidor) de nossos parceiros comerciais. Mas os itens que compõem esses índices, bem como sua ponderação, podem guardar pouca relação com os itens comercializáveis que competem com nossa produção. Em relação ao denominador, já explicamos que o IPA é um índice inadequado. Em tese, o IPCA restrito aos bens e serviços não comercializáveis seria mais adequado. Ainda assim, o IPCA é um índice ao consumidor. Se queremos ter uma noção dos custos de nossas empresas, deveríamos utilizar um índice de não comercializáveis de insumos, e não de bens de consumo final. Por motivos similares, a taxa de câmbio real calculada pelo índice IPCA comercializáveis/IPCA não comercializáveis tem problemas por não tratar diretamente dos insumos na produção. Uma alternativa seria utilizar somente um índice de salários como proxy para os preços dos bens não comercializáveis, mas essa proxy também teria problemas, pois deixaria de considerar vários insumos importantes que não são comercializáveis, como aluguel, tarifas de água, luz e transportes. Por fim, mesmo o índice do IPCA comercializáveis é contaminado por itens não comercializáveis: quando compramos uma garrafa de vinho ou um automóvel, estamos pagando também pelo transporte até a loja, pelo salário do vendedor, aluguéis, etc.

Mesmo com todas as limitações, as taxas reais de câmbio apresentam boa correlação com o saldo da balança comercial. Os Gráficos 2 e 3 mostram a relação do saldo da balança comercial e dos serviços não fatores; o primeiro com a taxa real de câmbio mensurada pela relação preço comercializáveis/preço não comercializáveis; o segundo, com a taxa mensurada em relação ao dólar e utilizando o IPA como deflator (dentre as séries calculadas de acordo com a Equação 1, foi a que apresentou a melhor correlação). Para o período analisado, a taxa de câmbio estimada pela variação dos preços relativos apresentou melhor aderência à série do saldo da balança comercial, e maior correlação (0,96 versus 0,79). Esse resultado, contudo, deve ser visto somente como um fato estilizado. Um trabalho econométrico mais profundo, utilizando outras variáveis, é necessário para que se possa chegar a conclusões mais robustas. De qualquer forma, não deixa de ser interessante verificar que, a despeito da forte depreciação no câmbio nominal observada desde o primeiro trimestre de 2013 até o início de 2014, quando o dólar passou (em valores aproximados) de R$ 2,00 para R$ 2,35, uma depreciação nominal muito acima da inflação do período, o câmbio real medido pela relação preço comercializáveis/não comercializáveis continua se apreciando, comportamento mais consistente com a contínua deterioração de nossa balança comercial.

Em suma, para que a competitividade das exportações brasileiras aumente, e o déficit comercial seja revertido, não basta desvalorizar o câmbio nominal. É preciso que os preços dos bens não comercializáveis parem de subir a taxas superiores às dos comercializáveis.

grafico_2

(Clique no gráfico para ampliar)

grafico_3

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1 Sobre a determinação da taxa real de câmbio, ver outro artigo deste blog, intitulado “Por que o real se valoriza em relação ao dólar desde 2002?

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O que é o Plano Brasil Maior? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2029&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-o-plano-brasil-maior Wed, 23 Oct 2013 12:11:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2029 I) Introdução

O governo atual já adotou três políticas industriais. O Plano Brasil Maior (PBM) do início do governo Dilma sucedeu a Política de Desenvolvimento Produtivo (a PDP), de 2008, e a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004.

O objetivo deste artigo é fazer uma radiografia dos tipos de medidas do PBM.

II) Objetivos e Diretrizes do Plano Brasil Maior

O PBM está organizado de acordo com cinco “Diretrizes Estruturantes”(DEs).

1)    Fortalecimento das cadeias produtivas com “enfrentamento” do processo de substituição da produção nacional em setores industriais intensamente atingidos pela concorrência das importações.

2)    Ampliação e Criação de Novas Competências Tecnológicas.

3)    Desenvolvimento das Cadeias de Suprimento em Energias.

4)    Diversificação das Exportações e Internacionalização Corporativa.

5)    Promoção de produtos manufaturados de tecnologias intermediárias com consolidação de competências na economia do conhecimento natural.

A Diretriz Estruturante 1 (DE 1) indica uma postura mais reativa à concorrência de importados. As DEs “2” e “4” são as mais associadas a uma política industrial centrada na inovação, o que é considerado uma intervenção mais adequada. A DE 3 diz respeito às questões energéticas/ambientais, não sendo exatamente uma política industrial. A DE 5 é a mais confusa, pois é uma “consolidação de competência na economia do conhecimento natural”, com o objetivo de “ampliar o conteúdo científico e tecnológico dos setores intensivos em recursos naturais”.

Sugere-se que se aplicará ciência e tecnologia às áreas mais extrativas ou agrícolas. No entanto, os exemplos principais de setores citados são comércio e serviços, o que deixa dúvida sobre o seu real propósito.

O PBM também apresenta uma “dimensão sistêmica”, “de natureza horizontal e transversal”. Isto quer dizer medidas cujos benefícios valem para todos ou grande parte dos setores. Esta dimensão sistêmica orientaria ações para “reduzir custos, acelerar o aumento da produtividade e promover bases mínimas de isonomia para as empresas brasileiras em relação a seus concorrentes internacionais”. Aqui se misturam elementos de incremento da eficiência com uma linguagem que pode sugerir simplesmente mais protecionismo.

A “dimensão sistêmica”, por sua vez, estaria conectada à questão da inovação ao buscar “consolidar o sistema nacional de inovação por meio da ampliação das competências científicas e tecnológicas e sua inserção nas empresas”.

A conexão destas dimensões com cada medida concreta do PBM não é muito clara. Menos evidente ainda é como este conjunto de medidas respeita as DEs e se articula entre si de forma a compor esta última dimensão sistêmica. Ou seja, não se vislumbra no PBM um plano integrado de política industrial.

III) PBM Setorial

O PBM Setorial, assim como as medidas anteriores de política industrial, constitui um plano com ênfase em medidas setoriais, o que lhe dá um perfil de uma política industrial clássica. Foram “eleitos” dezenove setores a receber estímulos especiais. São um total de 287 medidas distribuídas conforme o quadro abaixo.

Quadro I – Distribuição do Quantitativo de Medidas segundo os Setores do PBM

Quase ¼ das medidas do PBM são direcionadas à agroindústria. Este foco justamente no setor com reconhecido sucesso exportador pode indicar que o PBM é mais “seguidor” do que “definidor” dos setores economicamente mais competitivos. Em seguida vêm os setores automotivo (10% das medidas) com 29 medidas, e o complexo da saúde (também 10%). Merece destaque também a ênfase no setor de defesa, aeronáutica e espacial, com 9,76% das medidas (28), muito na esteira do bom desempenho do cluster de São José dos Campos com proeminência da Embraer. Por fim, bens de capital com 8,36% das medidas (24) e o setor de tecnologia da informação e complexo eletrônico (TICs) com 8,01% (23) têm papel destacado, em linha com as políticas industriais clássicas.

O PBM, tal como a PDP, vai além de uma política industrial strictu sensu, abarcando comércio atacadista e varejista e serviços. No complexo da saúde, por exemplo, há medidas que dizem respeito ao serviço e não à atividade manufatureira. Os itens 15,17,18 e 19 da tabela acima não pertencem à indústria.

Naturalmente, a quantidade de medidas constitui indicador imperfeito da avaliação da ênfase do PBM, até porque não mede cifras envolvidas de investimento/gasto público ou renúncia fiscal. No entanto, estes números não parecem destoar do que se ouve do discurso oficial sobre a importância relativa dos setores.

IV) Os Tipos de “Medidas” do PBM

As medidas do PBM, em grande parte, integram a agenda natural do respectivo órgão responsável. Isso quer dizer que é possível que boa parte das medidas não tenha sido construída de cima para baixo, como sugere o governo, mas de baixo para cima. As “Diretrizes” do PBM, portanto, seriam mais uma consequência da agenda de trabalho existente dentro de cada ministério do que um farol da atual política industrial brasileira.

Classificamos dois tipos de “medidas” do PBM. Uma parte delas é, na verdade, declaração de intenções,  “objetivos” ou simples “agendas de trabalho” para se fazer algo. Por exemplo, no caso de serviços, há a medida que na verdade é um objetivo muito vago de “implementar projetos direcionados ao setor de serviços”. No caso de “bens de capital’ também há a “medida” de “identificar oportunidades nos segmentos que compõem a cadeia produtiva dos bens de capital”, que naturalmente é mais uma agenda de trabalho. A medida concreta pode decorrer deste trabalho de identificação, mas não se pode confundir com a própria medida.

Há inclusive a programação de estudos ou simplesmente organização de simpósios e seminários. Por exemplo, no caso do setor “serviços” há a “medida” de “elaborar atlas de serviços” e “realizar o II Simpósio de Políticas Públicas para Comércio e Serviços”. As mesmas se repetem para o setor “comércio”, sendo o Simpósio, inclusive, o mesmo (Comércio e Serviços).

Desta forma, separamos o que consideramos como “medidas” do que seriam objetivos, intenções ou agendas, definidos como “não-medidas”.

Quadro II – Medidas e Não Medidas do PBM

Das 287 “medidas” do PBM, 69 ou 24,04% seriam objetivos, estudos ou agendas. Em alguns setores, chega-se a ter mais “não-medidas” do que “medidas” como são os casos do comércio (60%) e serviços logísticos (57,14%). Na indústria de mineração (50%) e no complexo da saúde (48,28%) também há um percentual significativo de “não medidas”. Setores com intervenção mais objetiva por não se verificarem “não medidas” seriam papel e celulose, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos e construção civil.

V) Novidades, Extensões e Ampliações nas Medidas do PBM

Nem todas as medidas são realmente novas. Há aquelas que apenas estendem para outros setores, regimes especiais ou benefícios que já existem ou simplesmente ampliam ou mantêm o que já existe no próprio setor. Assim, fizemos uma divisão das medidas em “novos”, “extensões” e “manutenção/ampliação”, gerando o quadro III.

Quadro III – Novidades, Extensões e Ampliações do PBM

Cumpre esclarecer que tudo que não se explicita constituir extensão ou ampliação, foi considerado como “novo”. Implementações de programas que já existem, regulamentações de leis ou decretos também pré-existentes, são todos considerados “novos”. Assim, uma definição mais restritiva do que se considera “novo” pode reduzir bastante o número de novidades.

São 60 medidas (21,51%) que correspondem a extensões para outros setores (8,96%) ou manutenções/ampliações do que já existe (12,54%). Papel e celulose é o setor com mais manutenções/ampliações do que já existe, e petróleo, gás e naval é o que tem percentualmente mais extensões (60%). As novidades, de qualquer forma, compreendem quase 80% do programa.

VI) Medidas com Viés Protecionista

Das 287 medidas setoriais do PBM, 40 (13,93% do total de medidas) contém viés protecionista. O setor de tecnologia da informação (TIC) é o que mais contém medidas protecionistas alcançando 22,5% do total deste tipo (9). Seguem os setores automotivo (8) e bens de capital (8) com 20% das medidas protecionistas cada, seguidos de defesa, aeronáutica, espacial (6) com 15% do total.

Quadro IV Quantitativo de Medidas com Viés Protecionista do PBM

VII) As Medidas de Fomento

O PBM inclui medidas de desoneração tributária e de crédito subsidiado, além do que chamamos de provisão de bens coletivos para um determinado setor como, por exemplo, a implantação de centro de treinamento e qualificação profissional em equipamentos médidos e hospitalares e produtos farmacêuticos. Sua distribuição setorial no PBM é apresentada abaixo.

Quadro V – Medidas do PBM de Desoneração Tributária, Crédito Subsidiado ou Provisão de Bens Coletivos

A grande parte das desonerações (pouco mais de ¼ com 12 medidas) do PBM está na agroindústria, seguida do setor automotivo (19,15% com 9 medidas) e TICs (17,02% com 8 medidas). No caso de crédito subsidiado, o setor com mais medidas é o de “energias renováveis” que representa 15,63% do total. O setor com maior percentual de medidas de provisão de bens coletivos, cujos efeitos tendem a ser apropriados de forma menos particularizada, é a agroindústria, que representa quase metade (48,05%) do total deste tipo de medida.

Uma grande parte das medidas do PBM está diretamente associada à inovação, investimento, produção, exportação ou emprego. Para efeito do esforço de classificação, colocamos o item “produção” de forma residual, ou seja, toda medida de fomento que não for para apoiar inovação, investimento, exportação e emprego/qualificação.

Quadro VI – Variável Fomentada no PBM

Dessas medidas de fomento, pouco mais de 1/3 (34,59% ou 55 medidas) são direcionadas às inovações, 15,09% para investimentos (24), 20,13% (32) para produção, 23,27% (37) para exportações e 6,92% para emprego e qualificação de mão de obra. Ou seja, há, de fato, alguma ênfase em inovação no PBM, mas que está longe de ser absoluta, pois restam 2/3 de medidas com outros objetivos de fomento.

Nos setores fomentados, em geral, não se constata um foco em uma única variável fomentada. Por exemplo, em petróleo, gás e naval são 20% das medidas para inovação, 20% para investimento, 40% para produção e 20% para exportação. No complexo da saúde há uma maior concentração de medidas (50%) destinadas à inovação, mas há também quase 30% em produção. Nos TICs há proeminência em inovação (50%) como esperado, secundado por medidas em favor do investimento (1/3). Não havendo um foco, torna-se mais difícil definir qual o objetivo principal da política industrial nestes setores. O objetivo genérico parece ser simplesmente o “crescimento” e “desenvolvimento” dos setores contemplados.

De outro lado, em energias renováveis em que se esperava mais inovação, não há nenhuma medida para tal objetivo, sendo metade em investimento e metade em exportações. Será mais relevante exportar do que inovar neste setor?

Curiosamente, todas as medidas de fomento na construção civil são na área de inovação. A maior parte das medidas de inovação vão para a agroindústria (15). Depois da construção civil, o setor com maior percentual de medidas de fomento baseados em inovação é o de defesa, aeronáutico, espacial seguido de, também curiosamente, couro, calçados, têxtil, confecções, gemas e joias e móveis.

VIII) Conclusões

As principais críticas ao PBM são comuns às duas políticas predecessoras. Não há exigência de contrapartida e nem desempenho dos beneficiários, com ausência de qualquer sinalização de que as vantagens serão removidas no caso de uma má performance. Na verdade, não está claro quais variáveis são relevantes em cada setor para o PBM dado, no mais das vezes, haver mais de uma variável sendo fomentada. É possível que o objetivo seja simplesmente “fazer crescer” o setor.

Há pelo menos ¼ das medidas que classificamos como “não medidas” por serem mais objetivos e estudos do que ações concretas. A grande maioria das medidas (80%) são “novas”. Outros critérios mais restritivos de “novidade” podem, no entanto, diminuir este percentual.

Quase 14% das medidas do PBM apresentam viés protecionista. Canedo-Pinheiro (2013) e Almeida (2013) realçam que um dos principais fatores explicativos para o fracasso das politicas industriais brasileiras anteriores teria sido a ênfase em proteção excessiva por tempo indeterminado. Menezes Filho e Kannebley Junior (2013) mostram que a produtividade total dos fatores no país aumentou em período de relativa abertura econômica (1990/97) e declinou no período de fechamento (1985/90). Assim, o conjunto de medidas protecionistas pode acabar tendo um efeito oposto ao esperado sobre o crescimento econômico.

A crítica fundamental parece ser o fato de que o PBM se baseia apenas em incentivos positivos (a cenoura), mas não em negativos (o chicote), originando uma estrutura assimétrica. A criança ganha o doce quando se comporta bem, mas não deixa de jogar vídeo game quando se comporta mal. Pior, a conexão dos incentivos positivos com a performance é fraca. Se a criança ganha sempre o doce, independente de seu comportamento, por que não prosseguir na malcriação?

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Referências

Almeida, M.: “Padroes de Politica Industrial: a velha, a nova e a brasileira”. In “ O Futuro da Industria no Brasil”. Eds. Bacha, E. e Bolle, M. B. Civilizacao Brasileira. Rio de Janeiro. Brasil. 2013.

Canedo-Pinheiro, M.: “Experiencias Comparadas de Politica Industrial no pos-guerra: licoes para o Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Menezes Filho e Kannebley Junior, S. : “Abertura comercial, exportacoes e inovacoes no Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Plano Brasil Maior: www.brasilmaior.mdic.gov.br

Politica de Desenvolvimento Produtivo: http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/sitio/inicial

Politica Industrial, de Comercio Exterior e Tecnologica: http://investimentos.mdic.gov.br/public/arquivo/arq1272980896.pdf

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Faz sentido impor tributação tão elevada sobre o consumo de energia elétrica? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1095&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=faz-sentido-impor-tributacao-tao-elevada-sobre-o-consumo-de-energia-eletrica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1095#comments Mon, 27 Feb 2012 12:57:48 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1095 Do valor total de uma conta de luz paga pelos consumidores residenciais e comerciais, aproximadamente 45% são recursos destinados ao governo (tributos e encargos). Ou seja, somente 55% representam a remuneração das empresas de geração, transmissão e distribuição de energia[1]. O Brasil, em perspectiva internacional, impõe elevada carga tributária sobre a energia elétrica, como pode ser visto nos dois gráficos abaixo.

Gráfico 1 – Carga tributária sobre energia elétrica (exceto encargos setoriais) – consumidores industriais (2004)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: OCDE.

Gráfico 2 – Carga tributária sobre energia elétrica (exceto encargos setoriais) – consumidores residenciais (2004)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: OCDE.

A Tabela 1 mostra que a maior tributação ocorre no nível estadual: o ICMS[2] representa em torno de 20% da receita bruta das distribuidoras de energia, ou 46% de todos os tributos e encargos, como mostrado no Gráfico 3. Em seguida vêm os tributos de competência do Governo Federal, com destaque para o crescimento da importância do PIS/PASEP[3] e COFINS[4] ao longo dos anos (para uma análise do aumento do PIS/PASEP e COFINS, ver neste site o texto Por que é tão elevada a carga tributária sobre os serviços de saneamento básico?). Em terceiro lugar aparece uma miríade de “encargos setoriais” (para uma análise desses encargos ver, neste site, o texto O que é subsídio cruzado e como ele afeta a sua conta de luz?).

Tabela 1 – Carga tributária sobre a receita bruta das empresas distribuidoras de energia elétrica


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: Instituto Acende Brasil e Price Waterhouse & Coopers.

Gráfico 3 – Carga tributária sobre a receita bruta das empresas distribuidoras de energia elétrica: participação dos principais tributos (2008)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: Instituto Acende Brasil e Price Waterhouse & Coopers.

Os motivos da alta tributação

Por que é tão intensa a tributação do consumo de energia elétrica? O primeiro motivo é a pressão exercida pelos crescentes gastos governamentais, tanto no nível federal quanto no nível estadual. Desde a redemocratização, o Estado brasileiro vem elevando o nível de gasto público em função de diversos fatores de ordem política. Criou-se um modelo em que, ano após ano, aumenta-se o gasto público, o que exige que os governos Federal, estaduais e municipais busquem mais e mais receitas para equilibrar suas contas. Tal fenômeno já foi analisado em três textos deste site (Como o gasto público elevado desequilibra a economia brasileira?, Como as eleições afetam a economia? e Por que é importante controlar o gasto público?). Essa pressão exercida pelos gastos crescentes exige que os três níveis de governo (Federal, estadual e municipal) façam grande esforço de arrecadação e encontrem no setor elétrico uma suculenta base tributária.

O fornecimento de energia elétrica é bastante propício à tributação por vários motivos. Em primeiro lugar, é fácil para os fiscos federal e estaduais coletar seus tributos: basta arrecadá-los junto às empresas distribuidoras de energia, que representam apenas sessenta e três empresas em todo o país. Tais empresas dispõem de dados precisos a respeito da quantidade de energia fornecida, dados esses facilmente acessíveis aos fiscos. Compare essa situação, com a tributação de produtos fabricados por inúmeras indústrias, que passam por uma longa cadeia de fornecedores e distribuidores, para os quais é difícil conferir dados e notas fiscais. Obviamente é muito mais simples e produtivo para o fisco ir direto a uma grande empresa, que tem uma grande base tributária, com informações claras e precisas sobre essa base tributária. É por esse mesmo motivo que outros setores são alvo de tributação mais intensa, como o de bebidas (que dispõe de contadores de litros produzidos) e automóveis (poucas e grandes indústrias, alto valor unitário do produto vendido).

Em segundo lugar, a base tributária é ampla: no ano de 2011, as distribuidoras de energia elétrica faturaram R$ 110 bilhões, excluídos os tributos, o que equivale a aproximadamente 2,5% do PIB. Assim, qualquer pequena alíquota de tributo ou encargo que se imponha sobre tal faturamento já rende uma receita elevada sem que o contribuinte perceba o adicional em sua conta.

Em terceiro lugar, a energia elétrica é um bem essencial tanto nas residências quanto na indústria, comércio e serviços (o impacto do “apagão” de 2001 sobre o ritmo da economia é uma demonstração clara da essencialidade deste serviço). Isso significa que os consumidores não reduzirão o consumo de energia na mesma proporção dos aumentos de preço. É o que se chama, em economia, de demanda inelástica a variações de preços. Não havendo redução acentuada de consumo quando há aumento de preços provocado por aumento de tributos, a receita tributária será maior do que se for aplicado o aumento dos tributos a um bem ou serviço de alta elasticidade-preço, pois, nesse caso, parte da receita tributária será perdida em decorrência da queda do consumo.

Por exemplo, suponha que um produto custe R$ 1, e que são vendidas 100 unidades desse produto. Se o governo cria um imposto de 10% sobre o preço de venda e supondo que o imposto seja integralmente repassado para o preço, o valor final desse produto subirá para R$ 1,10. Se a demanda desse bem tem baixa elasticidade a preços, com o novo preço de R$ 1,10 os consumidores reduzirão pouco o seu consumo. Suponhamos que essa redução seja de 5 unidades, passando o consumo total a ser de 95 unidades. A receita do governo com o novo imposto será de R$ 9,50 (95 unidades X R$ 0,10). Mas se a elasticidade preço do bem for mais alta (um bem de menor essencialidade), os consumidores reduzirão mais intensamente o consumo para, digamos, 70 unidades, o que fará a receita tributária do governo ser menor: R$ 7,00 (70 unidades X R$ 0,10). Daí porque, sob o ponto de vista de arrecadação, é mais interessante para o governo tributar bens e serviços cujas demandas sejam inelásticas a preço.

O quarto fator que estimula a tributação da energia elétrica é que essa tributação é pouco visível. Como todo tributo indireto, ela já vem embutida no preço, e o consumidor não consegue distinguir claramente o que é o custo da energia e o que é tributo ou encargo.

Em quinto lugar, no caso específico do ICMS, a tributação sobre energia cresce como um efeito colateral da chamada “guerra fiscal” (ver neste site o texto O que é guerra fiscal?). Os estados disputam entre si a instalação de indústrias, oferecendo reduções e isenções na cobrança do ICMS que, na maioria dos casos, é pago pelas empresas ao Estado onde ocorre a produção (tributação na origem). Porém, ao contrário do que ocorre com a maioria dos bens e serviços, a tributação da energia elétrica ocorre no estado onde ela é consumida. Assim, não há estímulo aos estados para tentar atrair empresas do setor de energia a instalar sedes em seus territórios, pois a arrecadação continuará a fluir para os estados onde a energia é consumida.

Poderia haver um estímulo à redução da tributação da energia elétrica caso isso representasse queda de custo tão grande para as empresas que compensasse outras vantagens tributárias. Nesse caso, um estado que cobrasse baixos tributos permitiria que as empresas ali instaladas tivessem um custo substancialmente mais baixo. Porém, os altos tributos e encargos criados pelo Governo Federal (que não participa da guerra fiscal) e a agressividade dos incentivos dados aos demais setores da economia, parecem tornar pouco atrativa a opção de atrair empresas via desconto de ICMS na conta de luz.

A opção adotada tem sido tributar em excesso a energia para, com isso, gerar uma folga de caixa que permita ao governo estadual oferecer mais subsídios tributários a outros setores. A Tabela abaixo mostra as alíquotas aplicadas a alguns produtos no Estado de São Paulo, destacando-se que o consumo de energia acima de 200 Kwh/mês é tributado com a alíquota mais alta.

Tabela 2 – Alíquotas de ICMS de alguns bens e serviços selecionados no Estado de São Paulo


Fonte: http://www.idealsoftwares.com.br/tabelas/aliquotas_sp.html

Será esta alta tributação eficiente?

Toda tributação reduz a eficiência da economia, porque estimula os consumidores e as empresas a mudarem seus comportamentos (supostamente maximizadores de seus respectivos níveis de bem-estar) para tentar minimizar os impostos pagos, como no exemplo numérico apresentado acima. A diferença entre o que seria arrecadado por um imposto que não provocasse qualquer mudança de comportamento dos consumidores ou das empresas (chamado de imposto lump-sum ) e a efetiva arrecadação do governo é chamado de ‘perda de peso morto” (deadweight loss) (lembre-se do exemplo numérico oferecido acima, em que a redução da demanda pelo bem tributado levou a uma arrecadação de R$ 7,00, ao passo que se não houvesse mudança no comportamento dos consumidores  a arrecadação seria de R$ 10,00).

A teoria da tributação ótima[5] é aquela que busca definir a estrutura tributária que produz a menor reação dos agentes econômicos e, com isso, gera menor perda de eficiência para a economia.  Um resultado dessa teoria indica que, quanto mais inelástica a preços a demanda e a oferta de um bem, menor a perda de peso morto e, consequentemente, menor a perda de eficiência.

O raciocínio é intuitivo: demanda e oferta inelásticas a preço significam que é baixa a reação dos consumidores e produtores a aumentos de preços. Por isso, a criação de um imposto que aumente os preços ao consumidor ou que representem um encargo a mais para o produtor não afetará as decisões de consumo e de produção. Ou seja, o montante consumido e produzido após o imposto é similar ao montante consumido e produzido antes da introdução do imposto. A economia se afasta pouco do seu mix ótimo de produção e consumo.

Já afirmamos acima que, em função da sua essencialidade, a demanda por energia é inelástica a preços. Sob esse ponto de vista, seria melhor tributar a energia elétrica a tributar outros bens de maior elasticidade preço. Da mesma forma, a oferta também tende a ser inelástica a preços. Isso porque a indústria de energia exige um grande investimento em obras e equipamentos, que representam alto custo fixo. Um aumento no custo variável de venda da energia (quanto mais energia vendida mais imposto se paga) não representará um acréscimo significativo no custo total da empresa, pois ela incorrerá no custo fixo independentemente de vender ou não a energia. Outro argumento favorável, em termos de eficiência econômica, à alta tributação da energia é o baixo custo administrativo para se coletar tal tributo, como já foi ressaltado no início do texto: quanto menos o fisco gastar na sua ação de coletar tributos, mais recursos sobram para serem aplicados em políticas públicas, logo, mais eficiente é a economia.Todavia, há outro resultado da teoria da tributação ótima que aponta em direção oposta: um aumento de alíquota de um tributo provoca um aumento da perda de peso morto (queda de eficiência) equivalente ao quadrado do aumento da alíquota. Ou seja, a perda de eficiência da economia é mais que proporcional ao aumento de alíquota. Isso significa que a elevação das alíquotas sobre energia elétrica a nível tão alto e tão superior ao dos demais produtos, como mostrado na Tabela 2, provavelmente gerou grande perda de eficiência.

Outra importante constatação da teoria da tributação ótima é a de que qualquer tributo sobre bens intermediários (bens usados para produzir outros bens) provoca distorções na economia e, consequentemente, perda de bem-estar e de eficiência. A energia elétrica é, obviamente, um importante insumo intermediário. A preferência deveria ser pela tributação sobre o consumidor final de energia elétrica. A tributação dos consumidores industriais e comerciais, com elevadas alíquotas, é certamente um forte gravame que reduz a competitividade desses consumidores.

A perda de eficiência é ainda maior porque a tributação não impacta uniformemente as diferentes indústrias. Aquelas que são mais intensivas no uso de energia terão seus custos aumentados mais que proporcionalmente, distorcendo os preços relativos. Isso pode alterar as vantagens comparativas do País. Por exemplo, indústrias que consomem muita energia, como alumínio e derivados, podem perder competitividade.

É verdade que a tributação sobre o uso comercial e industrial da energia, por meio de tributos sobre valor adicionado (ICMS, PIS/COFINS) pode, em tese, ser compensada pelo desconto de créditos tributários acumulados. Mas, quando consideramos detalhes da tributação, vemos que há restrições à plena desoneração tributária (determinados insumos não podem ter seus tributos descontados). Além disso, a base de cálculo do ICMS inclui outros tributos já pagos, configurando bitributação. A prática de alíquotas diferenciadas por setores, isenções e não restituições de créditos do ICMS elevam a alíquota efetiva final paga sobre o insumo. Deve-se considerar, também, que a cobrança do imposto com alíquotas diferentes, por estados diferentes, acabam induzindo empresas a desviarem sua escolha ótima de localização (em função dos custos de produção e distribuição), por levar em conta, também, o custo da energia.

As indústrias mais intensivas em energia perdem competitividade em relação às menos intensivas, e as indústrias nacionais, em geral, perdem competitividade em relação às indústrias de outros países que impõem menor tributação sobre esse insumo.

Qual o impacto distributivo dessa tributação?

A definição da estrutura ótima de tributação enfrenta um dilema entre eficiência e distribuição de renda. Se não houvesse qualquer preocupação do governo com o impacto distributivo dos impostos, bastaria simplesmente criar um imposto lump-sum[6] (não gerador de distorções) que cobrasse um valor fixo por pessoa. Mas obviamente isso seria bastante injusto, visto que as pessoas têm habilidades e capacidades de geração de renda distintas.

Por isso, toda distorção gerada por impostos que uma sociedade aceita suportar decorre de seu intuito de ter tributos que sejam justos do ponto de vista distributivo. Ocorre que tributos sobre consumo[7] são reconhecidamente concentradores de renda, porque as famílias pobres gastam uma parcela maior de sua renda com consumo. Quando se trata de bem essencial, como a energia elétrica, esse efeito é ainda mais evidente.

Temos, então, um contra-senso. Vivemos em uma sociedade que exibe pronunciada preferência pela redistribuição da renda: elege governos com plataforma redistributiva e confere alto valor a programas públicos de redução da pobreza. Porém, o que se dá com uma mão (via gasto público), tira-se com outra, via tributação concentradora de renda.

Conclusão

Não obstante o fato de a tributação do consumo de energia elétrica ser, a princípio, gerador de baixa perda de eficiência da economia, pela inelasticidade-preço de oferta e demanda; as altas alíquotas praticadas e a sua incidência de forma diferenciada sobre empresas situadas em diferentes partes do país possivelmente geram perdas de eficiência e efeito concentrador de renda. Assim, a fúria arrecadadora dos governos federal e estaduais, decorrente do aumento dos gastos públicos (boa parte deles destinados a custear programas de redução de pobreza e redistribuição de renda) acaba tornando toda a economia mais pobre (em menor nível de bem-estar), com menor capacidade de crescimento e geração de renda; além de anular parte da redistribuição de renda feita por meio de programas sociais.

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Para ler mais sobre o tema:

Instituto Acende Brasil (2010) Tributos e encargos na conta de luz: pela transparência e eficiência. White Paper – Instituto Acende Brasil, edição nº 2.

Lago, J.N. (2006) Tributos e encargos na tarifa de energia elétrica: uma análise sob o ponto de vista do consumidor e da política de tarifa social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Ciências Econômicas.

Montalvão, E (2009) Impacto de tributos, encargos e subsídios setoriais sobre as contas de luz dos consumidores. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 62.

Monteiro, E.M. (2007) Teoria de grupos de pressão e uso político do setor elétrico brasileiro. Universidade de São Paulo. Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia. São Paulo.

Stiglitz, J. (2000) Economics of the public sector. Terceira Edição. Ed. Norton. Caps. 17 a 20.

Biderman, C. e Arvate, P. (2004) (Orgs.) Economia do Setor Público no Brasil. Ed. Elsevier. Caps. 9 a 11.


[1] Fonte: Instituto Acende Brasil (2010).

[2] Imposto relativo à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

[3] Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).

[4] Contribuição para o financiamento da Seguridade Social.

[5] Ver, por exemplo, Stiglitz (2000), capítulo 19, e Arvate e Biderman (2004), capítulo 10.

[6] Impostos lump-sum são impostos baseados em características do indivíduo que não podem ser alteradas. O caso mais clássico são os impostos por pessoa. Mas, em tese, impostos lump-sum poderiam ser instituídos com base na altura, no gênero ou idade.

[7] Observe-se que aqui estamos falando em tributação uniforme, sobre todos os bens de consumo. É claro que tributar bens supérfluos e de luxo pode ter um efeito positivo sobre a distribuição de renda.

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Por que é importante investir em infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=31&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-investir-em-infraestrutura Wed, 09 Feb 2011 23:52:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=31 “Governar é construir estradas”. A afirmação de Washington Luís, Presidente do Brasil entre 1926-1930, procurava destacar a importância da infraestrutura de transportes para o desenvolvimento da economia: boas estradas reduzem o custo de transportes e, portanto, o preço final dos produtos, tornando-os mais acessíveis ao consumidor e mais competitivos com os concorrentes. Também permitem que cada região se especialize nas atividades econômicas para as quais tenham maior vocação (agricultura, pecuária, serviços, etc.), gerando ganhos de produtividade e qualidade para toda a economia. A redução do tempo de viagem entre duas cidades permite aumentar os laços econômicos e sociais (é possível morar em uma cidade e estudar, fazer compras e consultar médicos em outra cidade, por exemplo), o que aumenta o universo de escolha dos consumidores e a concorrência entre as empresas.

Obviamente quando se fala em infraestrutura não se está falando apenas em estradas. A construção de usinas hidrelétricas aumenta a oferta de energia no país e viabiliza a expansão das indústrias. Sistemas de irrigação facilitam a expansão da agricultura para terras antes consideradas impróprias para cultivo. Portos eficientes reduzem os custos das exportações aumentando a capacidade das empresas nacionais para vender seus produtos no exterior, o que aumenta o emprego no país.

Os investimentos em infraestrutura também podem ter importante impacto na redução da pobreza e na melhoria da qualidade de vida da população de menor renda. Há um efeito direto de aumento da oferta de empregos e salários quando a economia cresce e se torna mais eficiente e competitiva. Mas há, também, um aumento no valor de mercado do patrimônio da população pobre quando a sua residência passa a ser servida por rede de esgoto, água e telefone. Da mesma forma, a propriedade rural passa a valer mais quando uma estrada facilita seu acesso à cidade mais próxima. A redução de incidência de doenças na população pobre, decorrente da expansão do saneamento básico, se reflete em aumento da capacidade de aprendizado escolar das crianças e da capacidade laboral dos adultos. Telefones e demais sistemas de comunicação eficientes e baratos permitem que pequenos negócios informais tenham custos operacionais baixos e possam crescer, pois se torna barato encontrar novos negócios (torna-se  mais fácil construir uma ponte entre comprador e vendedor). Além disso, uma comunicação melhor permite agilizar a pesquisa por matérias-primas de menor custo e aperfeiçoar as condições de negociação de venda de safra pelo pequeno produtor rural. Transportes urbanos rápidos e baratos dão liberdade para se optar por uma residência mais distante, com preços mais acessíveis.

Todas essas vantagens do investimento em infraestrutura podem se perder se os investimentos forem mal feitos, se os custos forem superfaturados, se o material utilizado nas obras for de má qualidade, se a infraestrutura construída não for submetida a periódica manutenção. Uma estrada que ligue o “nada” a “lugar algum” não terá efeitos positivos sobre a economia e representará desperdício de valiosos recursos públicos. Uma estrada esburacada não realizará todo seu potencial de reduzir custos e aproximar lugares distantes.

Outro problema relevante é a subordinação das decisões sobre que obras devem ser executadas aos interesses econômicos das empresas que fazem as obras. Não é difícil imaginar que um eficiente lobby convença gestores públicos a fazer um investimento que não seja prioritário ou necessário para a população, mas que seja lucrativo para os construtores e fornecedores. As possibilidades de corrupção também são grandes.

Para que os investimentos públicos em infraestrutura realizem todo seu potencial benéfico à população é preciso que o estado tenha capacidade técnica para planejar e monitorar investimentos (e evitar ficar a reboque de projetos apresentados por empreendedores privados, que têm interesse em lucrar com a execução do projeto e menor interesse na eficácia da infraestrutura quando esta estiver pronta). Também é fundamental que existam mecanismos de estado que promovam avaliações independentes dos projetos (por instituições de controle como o TCU e a Controladoria Geral da União), para que haja uma checagem dos projetos elaborados pelo governo. É importante que se tenha uma lei de licitações que garanta efetiva competição entre os candidatos a realizar a obra, evitando conluios e cartéis. Fiscalização das obras (qualidade do material empregado, cumprimento de prazo, correta execução dos projetos, etc.) é outro componente fundamental.

Falhas nesses quesitos fizeram com que os investimentos públicos em infraestrutura no Brasil muitas vezes aparecessem para a população como fonte de desperdício de recursos, perdendo apoio entre os eleitores. Por outro lado, a realização de políticas que geram benefícios mais imediatos aos eleitores, as chamadas “políticas sociais” (tais como o aumento do salário mínimo, a criação de ajuda financeira aos pobres e a expansão da quantidade e do valor das aposentadorias) mostraram ter importante impacto na popularidade dos políticos, facilitando sua eleição ou reeleição.

Junte-se a isso a necessidade de manter o equilíbrio das contas do governo, e tem-se uma situação em que a expansão dos gastos com as políticas sociais acaba levando à necessidade de se frear os investimentos em infraestrutura. Não se está aqui julgando que as políticas sociais são inapropriadas (este deve ser assunto de para outro texto analítico). Faz-se apenas a constatação de que o seu crescimento ocupou o espaço dos investimentos na composição da despesa pública.

Além disso, nos diversos episódios de crises nas contas do governo (motivada não só pela expansão das políticas sociais, mas também por expansão ineficiente da máquina pública), em que se fez necessário um corte abrupto de despesas, os investimentos em infraestrutura se tornaram o principal alvo dos cortes. É fácil entender os motivos. O primeiro motivo é que o corte de um único investimento de grande valor já gera significativa redução de despesas, enquanto que o corte de despesas correntes (salários, benefícios sociais, manutenção dos órgãos públicos, etc.) precisaria ser feito em diversos programas, para que a soma total equivalesse ao valor cortado no investimento. O segundo motivo é que há restrições legais ao corte de importantes despesas correntes (há limites para a demissão de pessoal, não se pode reduzir o valor dos vencimentos dos servidores, a constituição obriga a realização de um montante mínimo de gastos em saúde e educação, etc.). O terceiro motivo é que investimentos em infraestrutura são gastos que ainda não trouxeram um benefício concreto para a população – esse benefício somente se materializará quando a obra estiver completa. Já o corte de programas sociais traz um prejuízo imediatamente sentido pela população afetada e, por isso, é mais custoso politicamente. Daí a preferência pelo caminho mais fácil: adiar ou cancelar investimentos públicos em infraestrutura.

Como conseqüência desses fatores, o investimento público em infraestrutura no Brasil caiu de 3,6% do PIB no período 1981-1986 para 1,15% no período 2001-2006, de acordo com estudo de Calderón e Servén[1]. O mesmo estudo mostra que, em decorrência dessa redução de investimentos, o Brasil, na comparação com outros países emergentes, ficou para trás em termos de quantidade, qualidade e acesso da população a estradas, energia elétrica, telefones, internet, água e saneamento. A conseqüência é a perda de eficiência e competitividade da economia, com redução da possibilidade de crescimento econômico, de geração de emprego e renda e de redução da pobreza.

A reversão desse quadro desfavorável passa, em primeiro lugar, pela recuperação da capacidade do estado brasileiro para planejar e gerir investimentos públicos em infraestrutura, de acordo com os pontos já listados acima, desde a elaboração de um bom plano de investimentos até uma boa fiscalização de obras e adequada manutenção da infraestrutura já existente.

Quando a população passar a enxergar nos investimentos públicos de qualidade um efetivo caminho para melhorar sua qualidade de vida, haverá um natural arrefecimento da demanda por medidas imediatas de assistência social para alívio da pobreza e por aumentos salariais via elevação do salário mínimo. Fazer obras boas, úteis e necessárias obras voltará a dar votos.

Um segundo caminho para lidar com a falta de recursos públicos para financiar investimentos é recorrer aos investimentos privados em infraestrutura, tema que será abordado em outro texto.

Para ler mais sobre o tema:

Banco Mundial. Avaliação da gestão da eficiência do investimento público. Outubro de 2009. Disponível em http://www.njobs.com.br/2-seminario-orcamento/public/palestras.php –  painel 1, painelista Jim Brumby.

Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

Frischtak, C. O investimento em infraestrutura no Brasil: histórico recente e perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.  38, n. 2, ago 2008, p. 307-348.

Downloads:

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[1] Calderón, C. e Servén, L. Infrastructure in Latin America. Policy Research Working Paper nº 5317. Banco Mundial, maio 2010.

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