combustíveis – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 16 Apr 2019 14:58:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A solução para o problema dos caminhoneiros está na agenda liberal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3206&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-solucao-para-o-problema-dos-caminhoneiros-esta-na-agenda-liberal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3206#comments Tue, 16 Apr 2019 14:58:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3206 De 21 a 31 de maio de 2018 os caminhoneiros autônomos pararam o país. O governo, tomado de surpresa pela situação explosiva, aceitou as principais exigências dos grevistas: uma subvenção para conter o preço do diesel e o tabelamento do frete. Ambas as medidas representam perdas para toda a sociedade brasileira, gerando consequências negativas para  os próprios caminhoneiros no médio prazo.

A solução correta está em medidas de abertura de mercado, regulação pró-competição, melhoria das condições de trabalho para os caminhoneiros e treinamento com suporte social àqueles que desejem mudar de profissão. A solução, portanto, está na agenda liberal e não no intervencionismo sobre preços de fretes e de combustíveis.

O Ministério da Fazenda se esforçou para que o inevitável subsídio ao diesel provocasse o mínimo possível de distorções. Nesse sentido, criou um mecanismo temporário, que expirou em dezembro, e estabeleceu um custo fiscal máximo. Também buscou financiar esse custo reduzindo outros subsídios distorcivos preexistentes que mereciam acabar. Deu a maior transparência possível ao custo da medida, buscando evitar que a perda fosse imposta à Petrobras e aos importadores, o que ocorreria se houvesse congelamento de preços, optando por deixar preços livres e subvencionar aqueles que comercializassem o litro do combustível por valor igual ou menor que um preço de referência.

Não obstante esse esforço para mitigar distorções, foram grandes os custos econômicos e fiscais. Subsidiar um combustível poluente não é a mais indicada das políticas quando a preocupação ambiental é crescente em todo mundo. Ainda mais quando esse subsídio pode acabar beneficiando pessoas de alta renda, proprietárias de caminhonetes de luxo. Ademais, sendo os caminhoneiros autônomos a parte mais fraca na cadeia de transportes, é provável que uma parte do ganho tenha ido para as empresas de transportes que os contratam, em vez de ficar no bolso dos caminhoneiros.

Subsídios aos combustíveis estimulam uso ineficiente de um recurso escasso e mantêm a pressão para baixo no preço do frete, pois impedem que o mercado se ajuste. Sem o subsídio, os transportadores menos competitivos sairiam do mercado, em busca de outra profissão, e diminuiriam a oferta de frete, permitindo que seus preços melhorassem, sem a necessidade de tabelamento do frete.

Por mais que se esforce, o governo não consegue copiar o mercado. Ao interferir em preços, são inevitáveis as distorções e perdas. Inúmeras situações inesperadas surgiram na gestão da subvenção. Para começar, não há apenas um preço do diesel em todo o país. Petrobras e importadores trabalhavam com mais de 70 preços, dependendo do modo de transporte do combustível (oleoduto ou por caminhões), do tipo de contrato (inclui seguro e frete ou não), da região do país, da qualidade do diesel, do tamanho da encomenda, etc. Ao fixar apenas 5 preços, o sistema criou distorções: alguns mercados se tornaram não atrativos, outros excessivamente lucrativos.

O que devem fazer as empresas: vender com prejuízo para preservar contratos ou cancelar vendas? E como explicar uma ou outra opção aos acionistas? Cadeias de fornecimento se desestruturam. O ambiente de negócios do Brasil se torna pior, investidores saem em busca de locais mais estáveis, investimentos e empregos são perdidos.

Outra distorção vem do fato de que não existe um único tipo de diesel. Há, por exemplo, o diesel marítimo. Quando criado, o mecanismo do subsídio não previa a exclusão desse diesel. Empresas que operam exclusivamente com esse combustível e que não entraram no programa de subvenção ficaram sob o risco de perder todo seu mercado para a Petrobras. Foi necessário mudar rapidamente a legislação para minorar esse problema, mas passaram-se meses antes da mudança, com as empresas sofrendo com a perda de rentabilidade e com o aumento da incerteza quanto ao futuro.

Diferentes modalidades de importação acabaram tendo tratamento distinto na subvenção. As importações feitas por distribuidoras por meio de traders foram, inicialmente, excluídas do programa de subvenção, o que também precisou ser corrigido. Mais incertezas e distorções para o ambiente de negócios. Houve longos atrasos no pagamento da subvenção, um grande aparato burocrático precisou ser montado para conferir notas fiscais e realizar os pagamentos da subvenção.

Houve diversas complicações relacionadas a tributos: cada estado da federação tem sua legislação de ICMS incidente sobre o diesel, e foi preciso conhecer cada uma delas para avaliar qual o preço do diesel antes da tributação, para que se pudesse calcular adequadamente a subvenção devida a cada participante. Também na área tributária foi necessário criar um mecanismo para restituir às empresas a tributação que incide sobre subvenções recebidas. Afinal, não fazia sentido subsidiar o diesel com uma mão e tirar parte do subsídio com a outra.

Em suma, ainda que tenha sido feito esforço para que o programa de subvenção causasse o menor impacto negativo possível, ficou evidente que o modelo é ruim. Sua maior virtude foi a de ser temporário, e o seu retorno é indesejável e prejudicial ao País.

Menos sorte tivemos com o tabelamento do frete, criado sem data para acabar e que igualmente gera perdas e estimula empresas a tomar decisões que diminuirão a produtividade da economia e a capacidade de crescimento do País.

A principal virtude do capitalismo é a divisão do trabalho. Desde Adam Smith sabemos que o que gera crescimento é o fato de que cada um se especializa em um trabalho, fazendo-o cada vez melhor, e vendendo-o no mercado, em troca do trabalho especializado de outros. O tabelamento do frete estimulou muitas empresas a parar de comprar o serviço de transporte no mercado, formando frota própria. Se não tinham frota antes, é porque preferiam se especializar na produção de seus próprios produtos. Ao incorporar um departamento de transporte a suas empresas, vão dispersar esforços e investimentos, e passarão a ser menos eficientes nas suas atividades principais.  Perde o País, que crescerá menos. E perdem os caminhoneiros, que terão menos demanda por seus serviços autônomos.

Interferência nos preços da economia, seja no diesel, seja no frete, é sem dúvida uma péssima saída para lidar com a ameaça de greves de caminhoneiros. Para buscarmos as soluções corretas, é preciso entender as causas do problema.

A primeira pergunta a fazer é: por que existe tanto espaço para que políticos interfiram no preço dos combustíveis? E a resposta está no fato de a Petrobrás ser responsável por mais de 90% da produção nacional, sendo dona de quase todas as refinarias. Com tal poder de mercado, a empresa se torna alvo de seu controlador, o Estado, e dos políticos que transitoriamente estão no comando do Estado.

A privatização das refinarias, acompanhada de uma adequada regulação da competição entre os novos produtores privados, reduziria o espaço para a manipulação de preços. A Petrobras se beneficiaria não só pela redução da pressão política sobre a sua gestão, mas também por poder centrar seus esforços naquilo que faz melhor: prospectar e extrair petróleo. A empresa ganharia valor, e o Brasil cresceria mais. Os consumidores de combustível ganhariam com a maior previsibilidade nos preços: deixaria de haver a volatilidade entre períodos de populismo e preço baixo alternando-se com períodos de recuperação acelerada dos preços, para compensar as perdas da fase populista. E a concorrência adequadamente regulada se encarregaria de conter as margens de lucro das refinarias.

A segunda questão é: por que os caminhoneiros e empresas de transporte de carga têm o poder de paralisar o País? A resposta está no fato de que mais de 60% do transporte de cargas do Brasil ocorre por rodovias. Fosse o transporte mais equilibrado com os modais ferroviário e marítimo, o poder de pressão seria muito menor.

São diversas e antigas as causas para a predominância do transporte rodoviário. Mas certamente poderemos reequilibrar a distribuição de cargas por outros modais se houver mais segurança jurídica para a entrada de capitais privados na construção e operação de ferrovias, e se houver uma abertura do mercado de transporte marítimo de cabotagem, hoje totalmente fechado para proteger as empresas nacionais.

Uma empresa estrangeira que desembarque carga no Recife e esteja a caminho de Buenos Aires, por exemplo, é proibida por lei de aproveitar seu espaço vazio para fazer fretes do Recife para outras cidades do litoral brasileiro. Quase todos os grandes centros produtores e consumidores do Brasil estão em cidades litorâneas. A expansão do transporte marítimo de cabotagem seria uma injeção de produtividade na economia. Mas para que se torne realidade, é preciso não apenas enfrentar o interesse das empresas de transporte atualmente protegidas, mas também privatizar e modernizar a administração dos portos.

Estas são soluções estruturais que, mais uma vez, melhoram o crescimento e a vida de toda a população. Perdem os caminhoneiros? Provavelmente sim. Mas não faz sentido manter um país no atraso para proteger uma categoria de profissionais. Devemos lembrar que a luz elétrica tirou o emprego do acendedor de lampiões, os caixas eletrônicos acabaram com muitos empregos de bancários, e que até mesmo os caminhoneiros se beneficiam do progresso, afinal organizaram uma greve a partir do Whatsapp em seus modernos smartphones. A forma de lidar com essas perdas é a oferta de programas de reciclagem profissional e assistência social no período de transição de uma profissão para outra.

Enquanto não se obtém o desejado reequilíbrio entre os modais de transporte, qualquer sinal de locaute deve ser firmemente reprimido dentro da legislação existente. Certamente a greve de maio de 2018 teria sido menos abrangente se não houvesse o estímulo e o suporte de algumas empresas do setor à ação dos caminhoneiros.

A terceira questão a enfrentar é: por que os caminhoneiros autônomos são os mais prejudicados pela crise? Em uma situação normal, o aumento do preço dos combustíveis seria repassado ao preço final dos bens, batendo no bolso dos consumidores. Se os caminhoneiros não estão conseguindo repassar os custos maiores para o preço do frete, é porque algum fenômeno está afastando esse mercado dos padrões da livre concorrência.

Aqui a resposta se divide em dois pontos. O primeiro está no fato de que empresas de transportes, que contratam os serviços dos autônomos, têm mais poder de mercado que os caminhoneiros. Por isso, garantem para si margens maiores e impõem preços menores aos autônomos. Quando os custos sobem, os caminhoneiros não conseguem repassá-los às transportadoras.

A solução para isso é o tabelamento do frete? Certamente não. O correto é investigar se as empresas estão adotando práticas anticompetitivas ou ilegais, tais como formação de cartel ou imposição aos caminhoneiros de itens contratuais abusivos, tais como seguros sem opção de escolha de seguradora ou aluguel de equipamentos diretamente junto à transportadora. A solução é “mais CADE e menos SUNAB” (para os mais novos, SUNAB era o órgão de tabelamento e controle de preços dos anos 1980, famoso por sua ineficácia). Essa é uma pauta de interesse direto dos caminhoneiros, e o governo deveria insistir nela, tirando proveito da força dos grevistas para enfrentar o poder econômico das transportadoras.

O segundo motivo pelo qual os caminhoneiros não conseguem repassar o aumento de custos para os fretes é o excesso de oferta de fretes. Há gente em excesso trabalhando como caminhoneiro autônomo no País. E isso vem do fato de que o BNDES, ao longo de anos, ofereceu crédito com juros reais negativos para a compra de caminhões. Supostamente essa “doação” financeira seria um benefício para os caminhoneiros. Na prática, aumentou artificialmente a oferta de fretes, diminuindo a margem de lucro dos profissionais. De 2003 a 2013 a frota de caminhões no Brasil cresceu, em média, 5% ao ano, enquanto a economia cresceu 2% ao ano[1]. Quando a recessão de 2014 chegou, derrubando a demanda por transporte de cargas, uma multidão de caminhoneiros, ainda pagando o carnê do caminhão novo, foi surpreendida pela falta de serviços.

Fica a lição de que políticas setoriais intervencionistas cedo ou tarde cobram seu preço. Mas o que fazer com milhares de profissionais que investiram na compra de um ativo fixo que não está dando a rentabilidade esperada? Esse problema só será superado definitivamente quando a economia voltar a crescer. Greves e tabelamentos de preços retardam a retomada e prolongam a agonia dos próprios caminhoneiros. Um dos principais fatores que derrubaram o crescimento em 2018, que em maio daquele ano estava estimado em 2,5%, e encolheu para 1%, foi justamente a deterioração das expectativas decorrente da greve dos caminhoneiros.

O melhor que o governo pode fazer é organizar uma política de treinamento para aqueles que desejarem mudar de ramo, acoplada a algum tipo de ajuda financeira temporária. Para os que preferirem se manter no ramo, o governo poderia acenar com melhorias das condições de trabalho: pontos de descanso, recuperação de rodovias, desburocratização na regulamentação da profissão (sem comprometimento da segurança).

A solução definitiva para a crise dos caminhoneiros passa por tornar os mecanismos de mercado mais eficientes e reduzir a influência política sobre os mercados de combustíveis e frete: privatização, boa regulação, abertura econômica, defesa da concorrência e assistência social aos perdedores de curto prazo. Interferência no sistema de preços, seja do combustível, seja do frete, é a receita do fracasso e de crises futuras. Fosse esta a solução correta, não estaríamos sob nova ameaça de greve menos de um ano depois de encerrada a primeira.

Como toda solução populista, a interferência nos preços ataca os sintomas sem cuidar das causas. O correto seria corrigir as causas sem descuidar de aliviar os sintomas, o que deve ser feito com a assistência social e melhoria das condições de trabalho dos caminhoneiros.

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[1] Fontes: Confederação Nacional dos Transportes e IBGE.

 

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É benéfica a supressão do terceiro dígito em preços de combustíveis? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2438&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=e-benefica-a-supressao-do-terceiro-digito-em-precos-de-combustiveis https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2438#comments Mon, 16 Mar 2015 14:45:51 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2438 Introdução

A definição de preços em milésimos de reais é prática comum do setor varejista de combustíveis. Todavia, existe o argumento de que não seria adequado sob a ótica consumerista, sob a alegação de que não permitiria formar ideia precisa de valor do produto vendido.O contratempo decorreria da própria insignificância de um milésimo de Real, tornando impossível constituir noção de valor e comparar preços de produto se serviços. Isso não ocorreria com preços expressos com até duas casas decimais, expressos no padrão legal, de uso generalizado. Com efeito, um milésimo de Real, ou R$ 0,001, é um número muito pequeno, e não faz parte do meio de pagamento corrente das transações diárias.

O assunto não é mesmo pacífico, tendo ensejado ações judiciais. O Judiciário já se pronunciou contrário a ações estaduais que buscam restringir a fixação do preço a duas casas decimais. Em Mato Grosso do Sul, um acordo chegou a ser firmado entre o Sindicato dos Postos de Combustíveis (Sinpetro-MS) e o Ministério Público Estadual (MPE) para garantir a legalidade do terceiro decimal pelos postos de combustíveis.

Cabe questionar se a supressão do terceiro dígito constitui medida benéfica para o consumidor. O presente texto argumenta que não.

 

Aspectos legais e racionalidade subjacente de preços com fracionamento especial

ALei nº 9.069, de 29 de Junho de 1995 (“Lei do Real”), sempre permitiu a prática de mais de duas casas decimais, ainda que como exceção à regra geral. O fracionamento especial é usado para fixar preço de unidades de referência que servem para compor o cálculo do preço que será pago ao final. Dificilmente representa uma quantidade efetivamente comprada pelo consumidor. Mercado financeiro – especialmente para cotação de câmbio –, e de capitais – principalmente para cotação de ações e fundos mobiliários –, comumente adotam expressão monetária com mais de duas casas decimais. A Ptax800, taxa de câmbio oficial do Bacen e principal referência de preço da moeda nacional, é divulgada com quatro casas, por exemplo. E isso possui sentido, pois constitui preço-base para transações envolvendo cifras elevadas e troca de grandes quantidades referenciadas na taxa divulgada. Na conversão de milhares de reais em dólares, por exemplo, a terceira casa decimal faz diferença no valor final da transação. É, de fato, muito comum e não confunde ninguém.

Na esfera pública, verifica-se cobrança de tributos, pela Secretaria da Receita Federal (SRF), também com base em mais de duas casas decimais, por exemplo para o PIS e Cofins sobre o litro de bebida. Não constitui prática abusiva nem gera confusão alguma para os contribuintes. Serve também para referenciar preços em contratos de concessões públicas. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) chega a utilizar valores com cinco casas decimais para precificação de tarifa de pedágio em rodovias federais concedidas, com base em quilômetro. Trata-se de prática comum de formação de preço baseada em cálculo econômico, cuja precisão é necessária diante da repercussão econômico-social. Pode-se, portanto, afirmar que possui caráter favorável para uma economia de mercado: quanto melhor definido é o preço, mais eficiente torna-se uma economia baseada em trocas.

Ocorre, também, na cobrança de preço em estacionamentos públicos com base em milésimos de real por minuto. Possui, da mesma forma, racionalidade econômica favorável ao consumidor. Ao permitir o pagamento com base em unidade de referência (temporal) menor, cria-se o benefício da maior precisão e constituição do preço justo. Isso permite que não se pague hora cheia sem se usufruir do correlato serviço. Não ocorre, assim, o que se costuma chamar de “enriquecimento sem causa”, que se refere ao pagamento sem a devida contraprestação em produto ou serviço.

No setor econômico específico de distribuição de combustíveis, a ANP não apenas autoriza como determina a cobrança de três casas decimais para o consumidor nos postos de combustíveis. De acordo com a Resolução ANP nº 41, de 5 de novembro de 2013,

“Art. 20. Os preços por litro de todos os combustíveis automotivos comercializados deverão ser expressos com três casas decimais no painel de preços e nas bombas medidoras” (grifo adicionado).

A política de informação de preços segue, portanto,determinação regulatória federal.A medida justifica-se em decorrência de que “diversos itens da estrutura de preços não têm representatividade com apenas duas casas decimais”. De fato, o preço da gasolina é calculado com base em custos de produção, de distribuição e de revenda. Para tanto, o uso de três dígitos favorece o cálculo econômico, especialmente porque permite competitividade entre as empresas de frete, que cobram com base no litro transportado, por exemplo. A competição via preço ocorrerá com base nessa unidade de referência. Nesse caso, cada milésimo de real faz diferença para o preço total do caminhão, para o transporte em grande escala.

Porém, para o pagamento da compra, o valor total final será quitado considerando-se apenas duas casas decimais, desprezando-se a terceira – ou seja, sem arredondamento para cima, seguindo determinação legal e regulatória. Não há prejuízo ou cobrança indevida alguma: mesmo com precisão de milésimos, só se paga com reais e centavos de reais.Assim, por exemplo, uma compra de 41 litros de gasolina a R$ 3,459 por litro resultará em preço com apenas duas casas decimais significativas, conforme abaixo:

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Forma ainda mais comum é a compra de combustível equivalente a uma quantia em Reais. Por exemplo, o abastecimento de 50 reais de gasolina, com o preço de R$ 3,459 por litro, resultará na compra efetiva de 14,45 litros.

Ainda que possa parecer que não, para um produto com valor unitário baixo, uma casa decimal a mais faz diferença no preço total. Tanto para o ofertante como para o consumidor, a terceira casa decimal impõe diferenciação entre os preços praticados no setor. Na verdade, ainda que possa dificultar a comparação de preços entre os postos de combustíveis (o consumidor se vê obrigado apela memorização do terceiro dígito pelo consumidor), há argumentação de que permite a comparação de preços da mesma forma que se faz para produtos de valor unitário mais elevado. Um preço a R$ 3,459 é e sempre será maior do que outro a R$ 3,458, por definição matemática, e qualquer cidadão com ensino primário pode constatar. Comparar um produto que custa em torno de R$ 3,459 com similares constitui o mesmo processo de comparação de produtos de R$ 1,99 ou de R$ 1.999 com outros de mesma faixa de preço. A diferença será proporcional à unidade do preço de referência – se centavos ou milésimos, ou dezenas e centenas de reais.

Agora, a proibição do uso de três casas não tem capacidade suficiente para, per se, alterar a prática de preços do setor. Ocorre que se está diante de um setor com forte inelasticidade-preço de demanda, o que impõe maior poder de mercado ao ofertante, por definição1.Isso sem falar nas fortes suspeitas de cartelização na definição do preço, que tem sido objeto de sucessivas investigações pelos órgãos de preservação da concorrência.

Na verdade, como os preços vigentes no setor apresentam, via de regra, o dígito “9” na terceira casa, eventual proibição do fracionamento milesimal gerará arredondamento de preços para cima. Nesse caso, o preço de mercado modal de Brasília, que é de R$ 3,459, não cairá para R$ 3,45, mas subirá para R$ 3,46 em decorrência apenas de ajuste regulatório impedindo preços com três casas decimais. Mantidas todas as demais condições constantes, não se espera que um preço cotado a R$ 3,459 ou a R$ 3,455 caia a R$ 3,45. Não há porque perder margem ou faturamento em um setor econômico caracterizado pela baixa concorrência.A regra é a do tabelamento de preço, ainda que informal.

Nesse cenário, não é plausível esperar queda de preço. Assim, para o abastecimento de 41 litros, não há como o consumidor “ganhar”, ou deixar de pagar R$ 0,36, apenas pelo afastamento do terceiro dígito. Ele vai, no mínimo, pagar mais R$ 0,05.Note que, ainda que possa parecer pequena a diferença, a supressão do milésimo seria financeiramente negativa para o consumidor. Para 41 litros de gasolina à cotação unitária de R$ 3,46, paga-se o total de R$ 141,86 e não de R$ 141,81 calculado com o preço unitário com três casas, a R$ 3,459. É uma diferença a maior, ainda que de apenas quatro centavos, conforme ilustrado abaixo.

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Supondo um motorista que em média gaste 100 litros de gasolina por mês, isso significa majoração de somente R$ 1,2 ao ano. Mas considerando a frota de carros do País,que ultrapassa 50 milhões de unidades, isso significa ganho de faturamento da ordem de R$ 60 milhões por ano. A maximização do bem-estar do consumidor ocorrerá com preços calculados com três casas decimais, e não duas.

A legislação consumerista não pode apontar um caminho regulatório que vai de encontro ao interesse do consumidor, por definição, impondo tendência de majoração de preços. Não se pode afirmar que seja benéfica a proibição do terceiro dígito de preços para o motorista urbano médio, sendo mais provável a hipótese contrária. O mesmo raciocínio é ainda mais válido para o setor de transporte de cargas terrestres, já que é maior o consumo de combustível por esse segmento.A base de transporte de cargas no País é estruturada sobre o modelo rodovia-caminhão, e o combustível é preço administrado com alta representatividade na formação de custos domésticos, com alto índice de repasse para os demais preços. No limite, pode-se imprimir viés inflacionário, a ser repassado a uma série de outras cadeias produtivas.

Há indícios de que o consumidor médio tem noção da irrelevância do milésimo de real para diferenciação de preço. Veja a prática da falta de troco na economia na magnitude dos centavos. Isso é muito comum em caixas de supermercado e também pelo comércio em geral, mas não apresenta relevância sistêmica. É socialmente aceitável a imprecisão do troco na magnitude de centavos nas trocas diárias com dinheiro em espécie. Se centavos de Real não são relevantes para o cidadão comum, milésimos não podem ser. Da mesma forma que para a cotação de câmbio, o consumidor não memoriza os milésimos de reais para fins comparativos de preços, pois não há relevância – daí ser desnecessário gravar-se mais do que dois dígitos, em ambos os casos. Simplesmente porque não faz diferença econômica.

Isso aponta que a preocupação com o milésimo não constitui questão estritamente econômica. Não se trata nem mesmo de questão legal, pois o Real é divisível além de centavos, para permitir cálculo econômico mais preciso. Daí chega-se ao predomínio da ótica consumerista, de que a prática de preços induziria a se achar que o preço é menor, em decorrência da leitura apenas de duas e não de três casas decimais – ainda que não faça diferença de facto e seja, na verdade, favorável para o consumidor.

Há, sobretudo, uma visão de que a prática constitui propaganda que confundiria o consumidor. A preocupação funda-se também no fato de que o terceiro dígito após a vírgula não representa valor monetário que realmente expressa preço inteligível. Decorreria, daí, dificuldade para formação de noção de valor, com prejuízo para comparação de preços, base de escolha do consumidor.Um argumento é que se se adquirir um litro de combustível, o fornecedor não teria como devolver R$ 0,001 de troco, porque não existe esse fracionamento de moeda em circulação.

Entretanto, trata-se de questão muito mais teórica do que prática. Além de não se parar num posto de combustível para comprar um litro apenas, a lei e a regulação são claras quanto à forma de cobrança do produto com apenas duas casas decimais. Por fim, dificilmente o posto de gasolina teria moedas de R$ 0,01 para dar de troco. Assim, mesmo que o preço do litro seja anunciado e cobrado com três casas, no resultado final será sempre desprezado o que ultrapassar a casa dos centésimos. Na hipotética compra de um litro de combustível, cujo preço está em R$ 3,459, paga-se apenas R$ 3,45.

 

Considerações finais

Por fim, um argumento adicional seria que a exibição de preços de combustíveis com unidade de milésimo em fonte menor que as demais constituiria prática abusiva, já que destacaria apenas parte do preço – até os centavos. Isso criaria falsa sensação de que o produto é mais barato do que realmente está sendo cobrado: um produto de R$ 3,459, teria destaque até R$ 3,45. Todavia, trata-se de prática geral de comércio varejista e também muito comum nos supermercados, carregando uma racionalidade subjacente. Qual seja: a de destacar a parte do preço de maior relevância, justamente da parte que realmente importa para o consumidor poder assimilar e comparar com sua capacidade econômico-financeira.

Na verdade, é benéfica tal prática tanto para o consumidor – que assimila a parte relevante do preço – quanto para o fornecedor – pela maior sensibilização do cliente, com efeito sobre a demanda efetiva.A definição de preços com três casas decimais impõe maior precisão e eficiência a uma economia de mercado – possuindo finalidade econômica e financeira. É desnecessária, portanto, a proibição de fracionamento especial de preços no setor de combustíveis, sob pena de impor prejuízos aos agentes econômicos.

 

(Este texto é baseado no estudo “Adequação Regulatória e Racionalidade de Preços de Varejo de Combustíveis com Três Casas Decimais” – Boletim do Legislativo nº 23 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos)

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1 Veja o caso recente do cartel de postos no Maranhão. Disponível em: http://blogs.diariodepernambuco.com.br/economia/?p=19386. Acesso em: 21 fev, 2015.

 

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