cartel – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 28 Apr 2015 15:58:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que não abrir o mercado brasileiro de serviços de engenharia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2495&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-nao-abrir-o-mercado-brasileiro-de-servicos-de-engenharia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2495#comments Tue, 28 Apr 2015 15:58:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2495 A “Operação Lava Jato” da Polícia Federal revelou a existência de uma possível organização criminosa envolvendo empreiteiras e empresas estatais na prestação de serviços de infraestrutura no país. Esse episódio abre importante oportunidade de aperfeiçoamento institucional e de ganhos econômicos para o país. Ela mostra  que o controle do mercado de serviços de engenharia e projetos por grandes empresas nacionais é nocivo ao país. A crise torna politicamente factível a abertura desse mercado à participação de empresas estrangeiras. Passa a ser politicamente viável a adoção de medidas como: o fim da exigência de conteúdo local em obras nacionais, o fim da preferência a empresas brasileiras em licitações públicas ou a abertura do mercado de trabalho para engenheiros estrangeiros.

Há quatro razões para a abertura do mercado de serviços de engenharia: efetivo funcionamento da Justiça; desincentivo à criação de organização criminosa ou de cartéis; aumento da produtividade da economia; e atração de mão de obra especializada escassa no país. Esses pontos são descritos a seguir.

Efetivo funcionamento da Justiça. O controle do mercado de projetos e serviços de engenharia e arquitetura por algumas poucas grandes empreiteiras nacionais restringe a possibilidade de que sejam efetivamente punidas judicialmente, caso se envolvam com corrupção ou ilegalidades. Cria-se uma situação em que essas empresas tornam-se “muito grandes para serem punidas”. Logo após à revelação das dimensões do escândalo, autoridades como o Vice-Presidente da República, o Presidente do Tribunal de Contas da União e o Ministro da Controladoria Geral da União, por exemplo, se pronunciarem a favor da “modulação” da punição das empresas para evitar a declaração de sua inidoneidade. Temia-se que, impedidas de contratar obras públicas, não haveria outras empresas no mercado para realizar tais obras, com o consequente atraso nos investimentos em infraestrutura1.

A restrição à punição, nesses termos, é uma evidente ameaça ao Estado de Direito e à igualdade de todos perante a lei. Cria-se incentivo à prática de ilícitos pela sinalização de que não é possível punir infratores. Para que se evite tal constrangimento, é preciso quebrar o domínio de grandes empreiteiras nacionais no mercado de obras públicas. A abertura para empresas estrangeiras é uma solução natural para que a Justiça não seja constrangida no cumprimento de suas funções. Realizada em conjunto com outros aprimoramentos institucionais (tais como maior controle dos financiamentos de campanha por fornecedores do setor público, agilização da justiça, melhor regulação da concessão de serviços públicos, etc.) a abertura ajudaria a conter o peso econômico e político das empreiteiras nacionais. Nesse novo cenário, se tornadas inidôneas, elas não ameaçariam os investimentos do país, pois sempre restaria ao Estado a opção de contratar empresas internacionais.

Restrição à criação de organizações criminosas e cartel. Um mercado fechado à entrada de estrangeiros facilita a criação de organizações criminosas e cartel, resultando em sobrepreço e despreocupação com a qualidade dos serviços prestados. A abertura do mercado dificultaria as práticas ilegais por três motivos. Em primeiro lugar, aumentaria o número de empresas que precisariam chegar a acordo em torno do procedimento ilícito, o que dificultaria o conluio e diminuiria o ganho esperado de cada empresa (o bolo teria que ser dividido por um maior número de participantes). Em segundo lugar, colocaria no mercado brasileiro empresas e executivos novos e pertencentes a distintas culturas empresariais; mais uma vez dificultando a formação de acordos, pelo menos enquanto as empresas estrangeiras não se aculturam e estruturam seus laços políticos e econômicos. Em terceiro lugar, as empresas estrangeiras estão sujeitas à punição imposta pelos judiciários de seus países de origem, quase sempre mais eficientes e duros que o brasileiro (com exceção de alguns países da Ásia), o que preveniria comportamento anticoncorrencial por parte das empresas estrangeiras atuantes no país.

Aumento da produtividade da economia. O Brasil entrou em um ciclo de baixo crescimento econômico porque vários fatores que, no passado, impulsionaram o crescimento estão perdendo força:

  • A expansão da oferta de trabalho desacelerou em função da queda no ritmo de crescimento populacional, havendo menos mão de obra disponível para ampliar a produção de bens e serviços;
  • O ritmo de melhoria da qualificação da mão de obra, que vinha crescendo desde os anos 1990, em função da inclusão de crianças na escola, estagnou-se devido à conclusão do processo de universalização do ensino básico. Novos ganhos de qualificação dependem agora da melhoria da qualidade da educação, algo bem mais difícil que a simples inclusão de alunos no sistema escolar;
  • O forte crescimento da China, que ampliou a demanda por commodities brasileiras, está refluindo e resultando em perdas nas nossas receitas de exportação;
  • O Brasil tem baixa taxa de poupança e investimento, o que faz o nosso estoque de capital crescer lentamente, afetando a capacidade produtiva do país.

Frente a esse quadro, a principal forma de acelerar o crescimento do país é através do aumento da produtividade da economia. Ou seja, fazer com que os nossos restritos estoques de capital e de mão de obra sejam capazes de produzir mais e melhores bens e serviços.

Um dos fatores de baixa produtividade da economia brasileira é a nossa infraestrutura limitada e de baixa qualidade. Estradas esburacadas aumentam o custo de frete e o índice de perda de produtos durante o transporte. Portos congestionados e sem calado para receber grandes embarcações restringem a agilidade na circulação de insumos e produtos. Aeroportos com restrições em suas malhas de voo e atrasos por falta de equipamentos para navegação durante mau tempo dificultam a circulação de executivos e técnicos especializados. De modo geral, em infraestrutura gastamos pouco e gastamos mal.2

O Brasil tem histórico de dificuldades para expandir a quantidade e qualidade de sua infraestrutura. Há reconhecida incapacidade para identificar claramente os gargalos de infraestrutura, definir os melhores projetos para solucionar tais gargalos, elencar prioridades na definição de projetos, produzir projetos de boa qualidade, e executar as obras dentro do prazo cumprindo o orçamento do projeto3.

Uma leitura dos recentes relatórios do TCU sobre as contas do governo é bastante ilustrativa; em especial as seções que avaliam os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na edição de 2011 lê-se, por exemplo, que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte estava com sua previsão de conclusão atrasada em três anos. A Termonuclear Angra III estava atrasada em dois anos. No segmento de transportes o atraso médio era de 1,2 ano. Dezessete obras dos grupos Petrobras e Eletrobras tinham orçamentos estourados em mais de 100% do orçamento inicial4.

Na edição de 2012, o relatório de contas de governo destaca o atraso nas obras de transposição do Rio São Francisco, com o primeiro trecho postergado de 2010 para 2014 e o segundo trecho passando de 2012 para 2015. A obra, que em 2007 tinha orçamento de R$ 4,8 bilhões, pulou para R$ 8,2 bilhões em 20125.

Um projeto de Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio e São Paulo surgiu no ano de 2008 com um orçamento estimado em R$ 34 bilhões. Não obstante a imponência dos valores envolvidos (com indícios de subestimativas), os projetos e modelagem de concessão apresentavam falhas e inconsistências. Em consequência, não houve empresas interessadas no negócio, e o TAV parece ter sido arquivado, embora ainda conste como projeto do PAC.6 Os torcedores da Copa do Mundo de 2014 sentaram-se em estádios cujo custo de construção chegou, em alguns casos, a duplicar em relação aos projetos originais (ver mais sobre esse ponto em outro post neste blog).

A abertura do mercado brasileiro de serviços de projeto e engenharia ajudaria a minorar esses problemas. Não apenas pelo aumento na quantidade de empresas capazes de realizar obras, como também pela entrada de novas tecnologias, e pela agregação de valor decorrente de maior capacidade de planejamento e execução.

Suprimento de mão de obra especializada. Uma das principais restrições apresentadas pelo mercado de trabalho brasileiro é a escassez de mão de obra especializada. As empresas têm grande dificuldade em preencher vagas que exigem formação de nível superior em engenharia, geologia, arquitetura, química e outras profissões do ramo de serviços de engenharia, arquitetura e projetos7. A abertura do mercado brasileiro não traria apenas firmas, mas também profissionais estrangeiros qualificados, contratados e treinados nas matrizes das empresas, para preencher essa lacuna.

Ressalte-se a oportunidade que tem o Brasil de tirar proveito de um grande contingente de profissionais qualificados que, em função da crise econômica europeia, encontra-se sem perspectiva profissional em seus países de origem. Pessoas cuja formação foi custeada por outros países poderiam colocar sua capacidade de trabalho a nossa disposição. A tradicional fuga de cérebros, em que cientistas e técnicos formados à custa do contribuinte brasileiro transferem-se para universidades e empresas estrangeiras, pode agora ser revertida em favor do Brasil.

Há, portanto, boas e fortes razões para a abertura do mercado brasileiro a empresas de engenharia e projetos estrangeiras, ainda que, sozinha, essa providência não represente condição suficiente para melhorar a qualidade, custo e honestidade dos processos produtivos do setor.

Outras reformas se impõem

Embora seja condição necessária para darmos um salto institucional, a abertura do mercado de serviços de projeto, engenharia e arquitetura, isoladamente, não é suficiente para alcançarmos tal melhoria. É preciso aprimorar outros aspectos legais e regulatórios. Restrições ao financiamento de campanha por empresas que têm grandes contratos com o setor público é certamente um ponto central para se cortar o alinhamento de interesses entre políticos e fornecedores do governo. Note-se que não se está aqui falando em “financiamento de campanha exclusivamente público”, como propugnado por muitos. Trata-se apenas de restringir, na legislação, o evidente conflito de interesse que existe em contribuir para campanhas e, ao mesmo tempo, ser fornecedor do setor público.

Outro aspecto central é a regulação dos processos de concessão de obras públicas. No passado recente o Governo Federal priorizou a modicidade tarifária no desenho de leilões de concessão. Acabou, com isso, atraindo algumas empresas que aceitavam cobrar tarifas baixas, mesmo sabendo que tal remuneração não permitiria manter a qualidade dos serviços e os investimentos definidos no contrato de concessão. Possivelmente essas empresas objetivavam, posteriormente, pressionar o governo para obter aditivos contratuais. Houve empresas estrangeiras que se comportaram desse modo, sendo o caso da espanhola OHL o exemplo clássico: obteve contratos de concessão de rodovias com pedágios a R$ 1,00. Deu motivo para o Governo comemorar o aparente sucesso de um leilão vantajoso para o usuário das rodovias. Na prática, a empresa falhou em cumprir o contrato e deixou o país depois de tomar empréstimos bilionários no BNDES e de passar alguns anos coletando pedágio sem oferecer o serviço no padrão contratado (já tratamos sobre isso neste blog) 8.

Certamente as empresas internacionais que entrarem no Brasil irão, com o tempo, aprender as brechas deixadas pela legislação, pela regulação e pelas falhas de fiscalização para incrementar seus ganhos. Daí a importância de se fazer progressos institucionais. O aumento da autonomia decisória e da qualidade técnica das agências reguladoras é um ponto fundamental nesse processo.

Por fim, há que se investir na melhoria da capacidade de planejamento do Estado, para evitar que obras desnecessárias ou não prioritárias sejam realizadas, relegando-se as urgentes ao segundo plano; bem como para que os projetos tenham qualidade e cumpram suas finalidades com eficiência. Não obstante a necessidade de todas essas reformas é preciso, também, aumentar a concorrência no mercado de projetos e obras de  engenharia. Em textos futuros falaremos sobre algumas das barreiras à entrada que existem nesse mercado.

___________

1 Ver, na imprensa, por exemplo: http://veja.abril.com.br/multimidia/video/inidoneidade-ou-nao-as-gigantes-empreiteiras-da-lava-jato-eis-a-questao/ e http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/24/politica/1416836274_165235.html

2 Ver, a esse respeito, por exemplo: Frischtak (2013), Mesquita, Volpe e Blyde (2008), Pagés (2010).

3 Sobre esse ponto ver Rajaram et al (2008) e Banco Mundial (2009).

4 TCU (2011, p. 178-186).

5 TCU (2012, p. 466-67)

6 Sobre as inconsistências do TAV ver Mendes (2010) e Mendes (2011).

7 Ver Fundação Dom Cabral (2013).

8 Velloso et al (2012) tratam essa questão em detalhes do ponto de vista teórico e prático.

 

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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-custa-caro-ligar-de-telefone-fixo-para-celular https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117#comments Tue, 04 Feb 2014 12:02:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2117 A ampla difusão da telefonia celular levou a alguns comportamentos curiosos dos usuários. Muitos compram telefones que comportam chip  de várias operadoras. Profissionais liberais e prestadores de serviço costumam colocar, em seus cartões profissionais, vários números de telefone celular, cada um de uma operadora diferente.  É comum ver pessoas carregando mais de um aparelho celular, cada um deles com chip de uma operadora diferente. Tornou-se usual o uso da frase: “você tem um número fixo para o qual eu possa ligar?”. Parentes, namorados e amigos que fazem muitas ligações entre si, tendem a escolher a mesma operadora, para aproveitar ligações mais baratas ou promoções de ligação gratuita entre linhas daquela operadora.

Esse tipo de comportamento decorre da política de preços usada pelas operadoras de telefonia móvel, que fixam preços diferenciados, cujo padrão é:

  • Cobrar mais barato por ligações entre linhas móveis da mesma operadora;
  • Cobrar mais caro nas ligações originadas em telefones fixos com destino a telefones móveis;
  • Quando a operadora de telefonia móvel pertence a um grupo econômico que também é proprietário de empresa de telefonia fixa, cobra-se mais barato pelas ligações que provêm da operadora de telefone fixo pertencente ao mesmo grupo do que de ligações de telefone fixo geradas em operadora rival.

Não existe um modelo de custos que apure adequadamente qual a diferença de custos entre uma ligação entre linhas móveis daquela entre linha fixa e móvel; ou a diferença entre ligações dentro de uma mesma rede móvel e ligações entre redes distintas. Não obstante isso, as diferenças de preços cobrados ao consumidor, para esses distintos tipos de ligação telefônica, é bastante grande, na casa dos múltiplos de dez.

Tal diferenciação de preços não é apenas consequência de diferentes custos para viabilizar as chamadas; sendo, também, decorrente de estratégias das operadoras para maximizar lucro e  expandir participação de mercado.

Há, portanto, nessas estratégias de fixação de preços, possibilidade de conduta anticompetitiva e de lesão ao consumidor à qual as instituições reguladoras – ANATEL e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – devem ficar atentos.

Para entender o fenômeno é preciso, em primeiro lugar, saber que o regime de tarifação no Brasil é baseado no princípio de que quem paga a ligação é o usuário que fez a chamada: “a parte que chama paga” (calling party pays-CPP).  Além disso, a operadora móvel que recebe uma chamada tem o direito de cobrar pelo uso da sua rede. Trata-se da chamada  “tarifa de interconexão” para a terminação de chamadas da telefonia móvel, o VU-M (Valor de Uso da Rede Móvel) que serve tanto para chamadas originadas em telefones fixos como celulares.

Suponha que João, usuário da operadora (fixa ou móvel) A faça uma ligação para Maria, que tem uma linha móvel da operadora B. No preço cobrado de João por essa ligação estará embutida a “tarifa de interconexão”, que irá para os cofres da operadora B.

Esse sistema de cobrança, usado em diversos países, gera incentivos para que a operadora B fixe uma elevada tarifa de interconexão, encarecendo as ligações feitas para seus usuários a partir de linhas de outras empresas. Isso aumentará a receita da operadora B. Parte dessa receita extra, a operadora pode repassar a seus usuários, sob a forma de descontos na compra de aparelhos,  ligações a baixo custo entre linhas da própria operadora B ou créditos para ligações futuras.

O usuário de uma linha da operadora B, recebedor da chamada, é insensível a preços que são pagos por quem faz a chamada. No momento de escolher a operadora, este não é um preço relevante para ele. Ele vai dar mais atenção aos custos que ele pagará ao fazer suas próprias ligações e ao custo de aquisição do aparelho celular, de modo que a operadora tem incentivos a cobrar barato por isso, para atrair o cliente.

Ao usar essa estratégia, a operadora B atrairá muitos usuários. Por outro lado, uma vez que a operadora B cobra barato por ligações entre linhas da sua própria rede, o consumidor vai se filiar a essa operadora sempre que as pessoas com quem conversa frequentemente também tiverem linhas da operadora B. Ou, então, se essa operadora tiver uma maior fatia de mercado, pois nesse caso será mais amplo o leque de ligações que o consumidor poderá fazer sem sair da própria rede  e, portanto, sem pagar a tarifa de interconexão.

Se todas as operadoras de telefonia móvel raciocinarem e agirem da mesma forma que a operadora B, o resultado será um equilíbrio de mercado no qual: (a) os usuários escolherão suas operadoras de acordo com a operadora usada pelos seus interlocutores frequentes (por exemplo, todos os membros de uma família usando a mesma operadora); (b) pessoas e firmas que usam intensamente o telefone (profissionais liberais, prestadores de serviço) terão celulares de vários chips ou vários aparelhos, para fazer a maioria das suas ligações dentro da rede de uma mesma operadora; (c) os consumidores evitarão as ligações de fixo para celular, pelo menos daqueles que pertencem a grupos econômicos distintos.

Esse equilíbrio, embora não induza à dominação do mercado por uma empresa em particular, preservando a concorrência, é ineficiente, pois gera custos desnecessários como o de adquirir um aparelho mais caro (para vários chips); ou adquirir mais de um aparelho; ou restringir o leque de escolhas de operadora de um indivíduo (eu posso achar que a qualidade das ligações da operadora A é melhor, mas fico na operadora B porque meus interlocutores frequentes estão nela); ou induzir a realização de mais de uma ligação (perco tempo e dinheiro fazendo uma primeira ligação, a partir do meu telefone fixo, para um número móvel, apenas para perguntar se a pessoa tem um número fixo para o qual eu possa ligar e ter uma conversa mais longa).

A cobrança da tarifa de interconexão também pode ser um indutor de comportamento cartelizado das operadoras de telefonia móvel. Elas podem combinar que todas cobrarão uma tarifa de alto valor, de modo que uma não roubará mercado da outra, mas todas as ligações que pagam tal tarifa ficarão caras, elevando as receitas de todos os membros do cartel.

No caso brasileiro existe também um problema de desigualdade de concorrência. Isso porque havendo grupos econômicos que possuem operadoras fixas e operadoras móveis, a estratégia pode ser estendida para induzir a conexão entre fixo e móvel do mesmo grupo. Assim, ligações de fixo para móvel de operadoras de um mesmo grupo econômico tendem a ser mais baratas (com descontos que compensem a tarifa de interconexão) que aquelas de fixo de um grupo para móvel de outro grupo.

As duas principais operadoras de telefonia fixa, Oi e Telefonica, têm seus próprios braços móveis, Oi e Vivo/TIM, respectivamente. A GVT, por outro lado, não tem um braço móvel. Por isso, se tornou a grande prejudicada nesse sistema de tarifação, pois seus usuários pagam altas tarifas de interconexão com as outras redes e ela própria não tem como contratacar, pois não tem operadora móvel para cobrar tarifa de interconexão das demais, nem pode dar desconto nas ligações dentro do próprio grupo.

A GVT reclamou do desequilíbrio à ANATEL e ao CADE. Apesar de a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) 1 ter concluído que o valor elevado do VU-M constituía uma ação anticompetitiva de três operadoras de telefonia celular (Vivo, Claro e TIM) para elevar os custos das rivais, o Tribunal da Concorrência 2 entendeu não caber intervenção do órgão. Isto porque as tarifas de interconxão são reguladas pela ANATEL, e as operadoras não estavam desrespeitando os limites de valor impostos pela agência reguladora. Apenas estavam fixando tarifas de interconexão no limite máximo fixado pela ANATEL. Em função disso, como será mostrado adiante a ANATEL anunciou maior rigor no controle de tarifas de interconexão para a terminação de chamadas da telefonia móvel.

Note-se que no estágio inicial de implantação da telefonia móvel uma elevada tarifa de interconexão entre linhas fixas e móveis cumpria o importante papel de estimular a expansão da rede móvel. Imagine uma situação inicial em que poucas pessoas usam telefone celular e quase todo mundo usa telefone fixo. A imposição de uma VU-M encarece a ligação de fixo para móvel. Assim, se eu quero falar com uma das poucas pessoas que tem telefone móvel eu pagarei mais caro, o que me estimularia a ter uma linha móvel. Ao mesmo tempo, como visto acima, o VU-M é um poderoso instrumento para que as empresas de telefonia móvel ofereçam condições atrativas para atrair clientes a uma linha móvel (aparelhos baratos, ligações gratuitas entre linhas da mesma rede, etc.). Isso ajudou na rápida expansão da telefonia móvel, ao atrair um grande número de consumidores para essa modalidade de telefonia.

Todavia, o Brasil, assim como a grande maioria dos países, já ultrapassou essa fase inicial de consolidação da telefonia móvel, de modo que o ônus imposto à telefonia fixa, para incentivar a móvel, torna-se menos relevante. Em dezembro de 2013 havia 271,1 milhões de linhas móveis, representando 136,45 celulares por 100 habitantes3. Estes números sugerem que os benefícios dos subsídios cruzados entre linhas fixas e móveis seriam muito menores que no passado, quando era importante ampliar a rede móvel, gerando economias de escala e impondo concorrência à telefonia fixa.

Este problema está longe de ser exclusividade brasileira, tendo ocorrido em todos os países que usam o sistema de quem chama paga. Nesse sentido, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizaram grandes esforços nos últimos anos para reduzir a tarifa de interconexão da telefonia móvel. A Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) desde 1997 supervisiona as tarifas de terminação de chamadas em operadoras móveis. A Comissão Européia em fevereiro de 2003 incluiu a terminação de chamadas das móveis no rol de preços que as autoridades reguladoras nacionais européias deveriam regular.

Como resultado destes esforços, o Relatório da OCDE de 20124 indica que entre 2006 e 2011 houve uma queda média de 53% nas tarifas de terminação de móveis dos países da OCDE.

No Brasil, após uma década de pouco movimento da ANATEL no assunto, resolveu-se seguir a experiência dos países desenvolvidos e definir um cronograma mais significativo de queda da VU-M. Entre 2010 e 2015, prevê-se uma queda de cerca de 62% da VU-M. Na região I do Plano Geral de Outorgas, por exemplo, a VU-M média passaria de R$ 0,42285 por minuto em 2010 para R$ 0,160908 em 2015. O padrão de queda nas outras duas regiões é bem similar. A introdução de um modelo de custos em muito ajudaria a calibrar estas tarifas de forma adequada.

Em resumo, a tarifação de terminação de chamadas constitui um monopólio da operadora a qual o usuário chamado está conectado. Este usuário que recebe a chamada é em geral pouco elástico ao preço de terminação, gerando espaço para exercício de poder de mercado pela operadora. De fato, poucos indagam a operadora, quando escolhem seu plano de celular, qual a tarifa que quem chama paga.

A elevada tarifa de terminação de chamadas no Brasil, a VU-M, gerou várias distorções, entre elas um significativo diferencial entre o custo das chamadas realizadas dentro e fora de uma mesma rede. Isto distorce a concorrência em favor de operadoras grandes ou reduz a escolha dos consumidores, forçando-os a aderir à operadora usada por seus interlocutores frequentes.

Há várias formas de contornar o problema como adotar, pelo menos em parte, i) o regime de quem recebe paga (Receiving Party Pays-RPP) adotado nos EUA, ii) regime de Bill and Keep no qual as operadoras não pagam (ou pagam apenas a partir de certo percentual de diferença entre chamadas originadas e recebidas) interconexão entre si; iii) regular mais vigorosamente as tarifas de terminação em móveis, inclusive com base em uma metodologia de custos.

A ANATEL (2012) optou por uma combinação de ii e iii. Introduziu um bill and keep parcial temporário na relação de interconexão entre operadoras móveis com (Oi, Vivo, TIM e Claro) e sem (todas as outras) Poder de Mercado Significativo, inicialmente na proporção de tráfego de 80/20% e depois na proporção 60/40%. O Bill and Keep entre operadoras móveis com e sem PMS desapareceria após um período de transição. Ademais, a ANATEL definiu um cronograma de redução da VU-M até 2016, que vale para todas as relações de interconexão com terminação em móvel quando se prevê a adoção de uma metodologia de custos.

Acreditamos que o órgão regulador está na direção correta, sendo que o modelo de custos, se apropriadamente implantado, poderá representar grande avanço no tratamento desta importante questão regulatória em telecomunicações. Antes tarde do que nunca.

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1 Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000515371906.pdf
2 Processo Administrativo 08012.008501/2007-91Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000756991343.pdf
3 Os dados do Brasil foram extraídos do site da Telecom, www.teleco.com.br
4 New OECD Report released on developments in mobile termination rates.

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