carga tributária – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 04 Mar 2022 02:06:36 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 Mais sobre o plano CASGIP https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3580&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=mais-sobre-o-plano-casgip Fri, 04 Mar 2022 02:06:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3580 Mais sobre o plano CASGIP

Caberia perguntar a Bolsonaro e aos presidentes das Casas do Congresso o que fizeram para o País crescer economicamente.

 

 Por Roberto Macedo

 

Meu artigo passado, neste espaço, tratou de um plano de governo diferente, porque fiquei frustrado com a fragilidade normativa e executiva de planos apresentados por candidatos em campanhas anteriores. Planos como estes devem reaparecer nos debates da eleição presidencial deste ano, e, assim, optei por outro plano, a ser cobrado de governantes e de políticos em geral.

Adotei para ele a sigla CASGIP, que sintetiza seus pilares e facilita referências a ele, inclusive para o interessado se lembrar do seu significado. Também voltarei a ele futuramente neste espaço, pois carece de esclarecimentos adicionais a alguns já apresentados a seguir.

A sigla vem dos nomes dos seis pilares do plano, com letras maiúsculas apontando o aspecto central de cada um deles, que são: Crescimento econômico mais acelerado, Ambientalmente sustentável, Socialmente inclusivo, com efetiva Governança do Estado, maior inserção Internacional do Brasil e intensa Participação da sociedade na cobrança de governantes e políticos.

Note-se a presença das letras ASG na sigla do plano, o que é uma tentativa de trazer os temas da conhecida plataforma ESG para o âmbito nacional, pois originalmente ela é limitada a empresas e investidores. O E desta plataforma representa o environment, ou meio ambiente, em inglês. As outras duas letras de ESG se referem a termos quase idênticos nas duas línguas.

Abordarei, agora, a questão do crescimento econômico. Sem ele, não haverá recursos para avançar nos quatro pilares no centro da sigla. O impacto sobre esse crescimento deveria ser parâmetro de decisões sobre políticas públicas. Ele depende fundamentalmente de mais investimentos em capital produtivo, o que gera empregos, renda e tributos, ou recursos para o setor público. E há o investimento privado e o investimento público, do qual tratarei a seguir.

À minha frente tenho um gráfico do investimento público como porcentagem do PIB no período 1947-2020, elaborado pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro.

Sobre 2020, falou-se muito de uma recuperação em V do PIB dentro do ano, mas ficou nisso, pois ao longo de 2021 o crescimento foi muito fraco. Este gráfico do investimento tem, também, um formato de V, mas invertido, pois começa com uma taxa perto de 3%, em 1947, e sobe até alcançar 10% na segunda metade da década de 70 do século passado – coincidentemente a década em que o PIB brasileiro mais cresceu no mesmo século. Depois disso, a linha do gráfico cai, até voltar a cerca de míseros 2%, em 2020.

Esse investimento público não é só federal, mas abrange as demais esferas de governo. E a relação dele com o crescimento econômico é evidente, carecendo de medidas para que volte a crescer.

Quanto a isso, é preciso atuar contra a frágil governança do governo federal e do setor público em geral. Ela sucumbiu ao populismo ao acomodar um amplo leque de interesses políticos e econômicos que prejudicou o Orçamento. Este, ainda que ampliado pelo forte aumento da carga tributária, passou a apresentar déficits primários que excluem o pagamento de juros, e agora, com o aumento da Selic, esses juros voltaram a preocupar.

O que fazer? É preciso passar um pente-fino nas despesas públicas, seguindo prioridades, em particular a de abrir espaço para investimentos e a de criar confiança na gestão fiscal. Exemplo de medida nesta linha seria uma reforma administrativa que buscasse aumentar a eficácia e a eficiência do setor público, como ao combater supersalários e “indenizações” autoconcedidas, como ocorre no Judiciário.

Alguma elevação da carga tributária será necessária, e chamo a atenção para os chamados gastos tributários, que reduzem a tributação de diversos grupos econômicos e sociais. Como as demais despesas, esses gastos tributários precisam ser revistos, cabendo também aí um pente-fino. Falta, ainda, transparência quanto a esses incentivos, como no caso dos que reduziram encargos sociais para expandir o emprego, pelo que sei, sem que isso fosse cobrado dos setores beneficiados.

E há questões cujo conhecimento é muito restrito, mas que também merecem atenção. Por exemplo, no dia 27 passado, o renomado economista Affonso Celso Pastore, num artigo neste jornal, sugeriu a tributação de ganhos auferidos pelos “fundos fechados e offshores, taxando seus proprietários com a alíquota do Imposto de Renda igual à de todos os demais rendimentos”. Poucos sabem o que são esses objetos da proposta de Pastore.

Como fica? O governo e a classe política não dão bola para propostas como esta, pois a cabeça de ambos é outra, voltada para seus interesses pessoais – em particular a reeleição – e de grupos que os apoiam. Por isso é preciso que a sociedade passe a cobrar de governantes e de políticos um plano adequado.

Por exemplo, caberia perguntar ao presidente Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado: o que já fizeram pelo efetivo crescimento econômico do País?

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2022.

]]>
Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3421&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-pessimismo-com-a-pec-emergencial-aprovada-no-congresso https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3421#comments Sat, 13 Mar 2021 15:14:30 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3421 Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso?

Por Alexandre Manoel

Se olharmos o “filme”, e não a fotografia do atual desequilíbrio fiscal brasileiro, inferiremos que a PEC Emergencial (recentemente aprovada no Senado e na Câmara) pode ser entendida de duas formas: i) “compromisso final” de que o governo federal fará (pela PRIMEIRA VEZ) o ajuste fiscal pelo lado da despesa; ii) PRIMEIRA participação conjunta dos entes federativos no esforço de ajuste fiscal, no intuito de recuperar a poupança pública nacional.

A fim de raciocinarmos sobre o filme do desequilíbrio fiscal atual, vale mencionar, inicialmente, que os dados históricos sobre contas públicas sugerem que o desequilíbrio fiscal no Brasil não é conjuntural, e sim estrutural, e vige desde o início da República. A última década do século XIX e o século XX são marcados por crises de dívida e de inflação, decorrentes do excesso de gasto público.

Nesse sentido, destaque-se que as intenções de ajuste fiscal no Brasil foram sempre transitórias e de curta duração, buscando frequentemente onerar o setor produtivo (de maneira desorganizada), sem NUNCA ter sido feito um ajuste pelo lado da despesa.

A propósito, considerando apenas os ajustes fiscais recentes (para não me alongar muito), vale lembrar que o Plano Real foi um plano de estabilização monetária, trazendo consigo um forte endividamento (a dívida bruta saiu de 34% do PIB em 1995 para 76% do PIB em 2002) e um grande aumento de carga tributária (aumento de uns 4 pontos percentuais do PIB de 1995 a 2002). Em outras palavras, em virtude de não termos conseguido fazer o necessário ajuste fiscal (pelo lado das despesas) para complementar a estabilização monetária, trocamos, ao longo da consolidação do Plano Real, inflação por maior endividamento e maior carga tributária.

Vale também mencionar que, em 2003, o ajuste fiscal no governo Lula I foi feito em cima de aumento de carga tributária (aumento de uns 2,5 pontos percentuais do PIB entre 2003 e 2006) e pedaladas nas despesas primárias por meios de crescentes restos a pagar (variação positiva e crescente dos restos a pagar – a monografia ganhadora do primeiro prêmio SOF de Finanças Públicas, realizado em 2007, documenta bem isso).

Ademais, relembremos que a política fiscal expansionista do período 2007- 2014 (que levou ao déficit primário vigente desde 2014) decorreu de gastos primários crescentes (aumento de 2,3 pontos percentuais do PIB na despesa primária federal), de forte aumento das renúncias (gastos ou subsídios) tributárias (cerca de 2,3 pontos percentuais do PIB) e de intensificação das pedaladas fiscais, que redundaram no impeachment da presidente Dilma.

Portanto, para aqueles que querem cortes IMEDIATOS na despesa primária em plena pandemia, lembremos: até 2016, o Brasil NUNCA tinha feito ajuste fiscal pelo lado das despesas.

De fato, em 2016, quando foi aprovado o teto dos gastos públicos, houve a primeira tentativa e sinalização de ajuste pelo lado das despesas. Nesse sentido, pergunto aos navegantes que tiveram paciência de ler o texto até aqui: foi feito ajuste de imediato nas despesas primárias concomitantemente à implantação do teto? NÃO.

Pelo contrário, em 2016, foi dado (ou ratificado) um forte aumento real nas despesas com pessoal, que perdurou até 2020. Vale também lembrar que o teto somente abrangia as despesas federais, assim como não possuía regras claras que apontassem como ele seria furado, de maneira que as travas para trazer a despesa de volta ao teto fossem acionadas.

De qualquer forma, todos devem ter MUITO orgulho da construção do TETO, pois foi a PRIMEIRA vez que se fez (ou se começou a fazer) ajuste fiscal pelo lado das despesas. Entre 2016 e 2018, os ajustes feitos foram a diminuição dos benefícios financeiros e creditícios (especialmente reforma no FIES, início da devolução dos empréstimos da STN ao BNDES e troca da TJLP pela TLP), levando-os de 1,8% do PIB para aproximadamente 0,6% do PIB. Contudo, é preciso ser dito que quase NENHUM daqueles ajustes tinham efeito imediato – eles viriam ao longo do tempo, como de fato vieram.

Aliás, esta me parece (a evidência tem mostrado) a forma viável e correta de se fazer ajuste pelo lado da despesa no Brasil. E foi a forma utilizada e reforçada pela PEC emergencial recentemente aprovada no Congresso Nacional, que trouxe mecanismo claro (95% da despesa obrigatória) para acionar o teto, garantindo constitucionalmente que o ajuste será feito pelo lado da despesa. Isso (definitivamente) não é pouco, embora muitos teimem em achar que seja. Mas, com o tempo, verão que não é.

Por que não é pouco? Ora, temos o teto garantido CONSTITUCIONALMENTE até 2036. Se ousarem mudar, terão de enfrentar dois turnos em cada casa, com 3/5 em cada uma. Antes de a mudança se efetivar, o mundo desabará nas costas do governo de plantão. Dado o histórico brasileiro, se a PEC Emergencial fizesse somente isso, já seria um GRANDE avanço. Em tese, somente isso deveria ser suficiente para alinhar as expectativas relativas à sustentabilidade da dívida.

Mas, insistem em diminuir a potência da PEC. Por exemplo, tenho ouvido analistas falarem de risco fiscal por conta do protocolo emergencial. Isso também é fantasia. Com a PEC Emergencial, o Presidente da República terá que propor a calamidade pública ao Congresso Nacional, que a decretará. Se o pedido de calamidade não estiver alinhado, o mundo também desabará sobre o governo de plantão; haverá tempo suficiente para o mercado corrigir eventuais desvios de rota do governo.

A propósito, risco fiscal é o que existe hoje (sem a PEC Emergencial) em que uma leitura atenta do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mostrará que o Congresso Nacional pode de uma hora para outra acionar a Calamidade e jogar a conta nas costas do Poder Executivo. Por que ninguém tem atentado publicamente para isso?

Ouvi também de analistas e jornalistas que a PEC “só” será acionada em 2024/25. Ainda bem, não é? Essa análise pressupõe que o governo até lá será minimamente responsável, pois, se ousar não ser, praticando ativismo populista, com aumentos exacerbados de despesa obrigatória, a PEC emergencial disparará os gatilhos antes. Por que ninguém comenta isso? Por que não comenta que a PEC Emergencial IMPEDE arroubos populistas. Será que é pop ser pessimista?

Além disso, a PEC Emergencial (que considero o PRINCIPAL marco fiscal até hoje estruturado no País) possui ao menos quatro outros significativos avanços, do ponto de vista fiscal.

Primeiro, a PEC Emergencial sinaliza o retorno dos subsídios (gastos) tributários para o mesmo nível de 2007, contribuindo, inclusive, para o retorno do superávit primário. Alguns “analistas exigentes” têm sugerido que ficaram de fora os principais (SIMPLES, ZFM, etc) e que com isso restam pouco mais de 1,9% do PIB. Como isso pode ser motivo para tristeza?

Pensemos de outra forma. Isso pode significar que não haverá renúncia adicional com o Simples, por exemplo. Pode significar também que os que restaram (1,9% do PIB) terão que ser extintos ao longo do tempo. Enfim, significa que, de alguma forma, o montante total de subsídios tributários, pouco mais de 4,3% do PIB, diminuirá ao longo do tempo, de modo que o ajuste será feito, ou, no mínimo, que teremos uma discussão no Congresso no assunto, baseado na Constituição.

A propósito, somente a garantia ou a sinalização de que o governo não poderá fazer nada (ou não terá estímulos para isso) ao longo dos próximos oito anos JÁ é uma GRANDE vitória. Quem passou pelo governo sabe as recorrentes tentativas (por parte de vários setores) de aumentá-los; agora, a Constituição irá impedir, diminuindo-os ao longo do tempo, ou, ao menos, sinalizando sua diminuição. O governo tentou fazer isso em 2018 por meio da LDO, que infelizmente se mostrou um instrumento legal fraco para tanto. Fico contente de ver que isso subiu para a Constituição e que a caça aos subsídios tributários virou uma “caçada constitucional”.

Segundo, a PEC Emergencial traz “fortes incentivos” (praticamente deixando os entes desajustados sem relação com o governo federal) para que Estados, Municípios e Distrito Federal participem do ajuste fiscal. Claro que seria interessante que o Judiciário e o Legislativo dos entes subnacionais também participassem do ajuste. Ocorre que a participação destes é mais uma questão moral, pois pouco representam (em termos financeiros e fiscais) relativamente à necessidade de ajuste. Neste caso, a imprensa, principalmente a nacional, deveria ou deverá cobrar a participação destes 4 outros poderes quando algum Poder Executivo subnacional entrar na regra das restrições devido à regra de o gasto superar 95% das receitas correntes.

Terceiro, pela PRIMEIRA vez a Avaliação de Políticas Públicas está sendo constitucionalizada. Isso é um “canhão”. Muitos ainda não perceberam, ou não querem se dar conta (é pop ser pessimista no Brasil) do que isso pode significar em termos de enforcement para o Executivo utilizar a Avaliação no necessário corte de despesas futuro para cumprir o teto até 2036. A propósito, a Avaliação era a única parte das quatro etapas do Ciclo Orçamentário (Planejamento, Execução Orçamentária/Financeira, Controle e Avaliação) que não estava na Constituição.

Quarto, a PEC Emergencial impõe a criação de Lei Complementar que harmonize as regras fiscais (primário e teto) com o objetivo de sustentabilidade da dívida pública, determinando a trajetória do superávit/déficit primário, desfazimento de ativos, etc, que garantam a sustentabilidade da dívida. Isso aqui é assunto para um texto. Outro “canhão fiscal” na constituição.

Ademais, existem vários outros avanços pontuais na PEC (como a desvinculação dos fundos e de receitas, assim como a constitucionalização de itens da LRF) que merecem um texto cada um deles.

Ouso dizer, inclusive, que, com essa PEC e a independência do Bacen, não dá mais para falarmos de Dominância Fiscal (DF) no Brasil, pois basicamente estamos constitucionalizando o regime de Dominância Monetária no Brasil. Para voltar à possibilidade de DF, teremos de alterar a Constituição.

Por fim, resta torcer para que os artigos da PEC sejam crescentemente compreendidos ao longo do tempo, considerando não apenas a desidratação que existiu em relação à versão inicial, mas sobretudo o avanço que ela representa em relação à situação fiscal atual e a perspectiva que existia no final do ano passado. E, como tenho fé em Deus, sempre creio que a verdade se estabelecerá um dia, de modo que esta Emenda Constitucional ainda há de ganhar o devido respeito que ela merece, de fato.

 

Alexandre Manoel é sócio e economista-chefe da MZK Investimentos e ex-secretário de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria dos ministérios da Fazenda e da Economia (2018-2020).

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3421 1
Seu Jorge e a Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3044&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=seu-jorge-e-a-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3044#comments Tue, 12 Sep 2017 14:31:13 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3044 Aos 77 anos, Giorgos não imaginava passar por aquela situação. Após trabalhar por anos na mina de carvão e na fundição, ele saíra naquela manhã de verão para sacar a aposentadoria da mulher. Sensibilizou-se com os pedintes que viu pelo caminho. Lembrou-se dos suicídios: não suportava mais ver o seu país assim. Tentou o saque da aposentadoria em uma agência, não conseguiu. Depois foi a mais um banco, nada. Insistiu em fazer o saque em mais outro, mas novamente sem sucesso. Na quarta vez que não conseguiu receber o benefício, Seu Giorgos não aguentou. Sentou no meio da calçada e chorou.

Um ano depois, talvez tivesse algum conhecido seu entre os que manifestavam contra o 15º corte no valor das aposentadorias, que ocorria mesmo após um ano da posse do primeiro-ministro Tsipras, do partido que chegara ao poder com discurso antiausteridade. Naquela ocasião, os manifestantes de cabelos brancos toparam com um ônibus da polícia no meio de sua passeata. Juntaram-se para tentar retirá-lo do caminho. A polícia respondeu à investida dos idosos. Com spray de pimenta.

Irresponsabilidade fiscal e contabilidade criativa foram alguns dos causadores da complicada crise da Grécia. Em um dos países mais envelhecidos da Europa, a crise levou a cortes de aposentadorias e até a feriados bancários, como o que Seu Giorgos Chatzifotiadis enfrentou. A foto do seu pesadelo, “O homem que chora”, correu o mundo.

***

Em alguns anos, Seu Giorgos pode ser Seu Jorge. Um idoso de mesmo nome que acreditou na mesma promessa de seu país de pagar a ele uma aposentadoria como pagou a de outros. Seu Jorge está desesperado com a sua aposentadoria cortada. A idade avançada não lhe permite mais trabalhar, e ele não consegue tratar suas doenças crônicas no SUS, cada dia mais sem dinheiro. É arrimo de família, uma vez que seus parentes jovens estão desempregados. Seu país vive uma crise grega, só que com sua renda per capita de Turquemenistão. Antes dos cortes, Seu Jorge já ganhava a metade do que ganhava Seu Giorgos.

Não acredita no que acontece. Vários anos antes ouviu de novo aquela ladainha de reforma da Previdência, mas recebeu no Whatsapp o vídeo explicando que tudo era mentira: a Previdência não tinha déficit, sobrava dinheiro que o governo desviava pra alguma coisa que Seu Jorge não entendeu muito bem o que era.

Seu Jorge não sabia que o vídeo fora criado por Nelson. Nelson ganhava bem mais que Seu Jorge, tinha direito a uma aposentadoria muito maior e com aumentos mais generosos, custeados não por suas próprias contribuições, mas pelas de pessoas como Seu Jorge. Nelson perderia esses direitos se o governo fizesse uma reforma.

Nelson era um orgulhoso servidor público, membro  da associação que representava a sua carreira. Seu Jorge confiou na informação do vídeo que recebeu porque tinha o selo de uma associação nacional de auditores. É coisa de doutor, pensou. Seu Jorge não sabia que cabia a associação de Nelson representar a carreira de elite com maior número de aposentados e pensionistas da União, 20 mil.

Entre as pautas da associação de Nelson, publicamente apresentadas em seu site em 2017, estavam o direito aos aumentos generosos, o fim da contribuição de servidores aposentados e até o direito desses aposentados receberem bônus de produtividade – de acordo com o aumento da arrecadação de impostos. No momento em que Seu Jorge recebeu o vídeo, este bônus era inclusive negociado pela associação de Nelson com o governo no meio de uma medida provisória. Insatisfeita com a proposta, a associação de Nelson contratou até um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal para levar o pleito à Justiça. A associação também mobilizava seus recursos em 2017 para a campanha mostrando que não existia déficit na Previdência ou na Seguridade Social.

Nelson tinha um ponto de vista claro sobre como devem ser apresentadas as contas da Seguridade, mas Seu Jorge não tinha a mesma clareza. No vídeo que produziu, Nelson omitiu que a contabilidade de sua associação exclui as despesas com as aposentadorias e pensões dos próprios servidores públicos, e também não achou necessário mostrar que ainda assim havia um déficit já para o ano de 2016.

Seu Jorge não dava bola para o papo de crise na Previdência. Além do vídeo, ficou tranquilo ao ler no jornal que uma importante entidade da sociedade civil alertava que a reforma do governo era baseada em premissas equivocadas. Não entendia do assunto, mas novamente quem estava afirmando era doutor.

Seu Jorge também não percebia que cabia a esta outra entidade defender advogados como Miguel. O escritório de Miguel lucra ao conseguir benefícios do INSS para seus clientes, retendo em honorários uma parte do pagamento de aposentadorias rurais, aposentadorias especiais e aposentadorias por invalidez. Preocupado não só com seus clientes, mas também com seu negócio, Miguel, como outros advogados, acionou a entidade a que pertence e ela se manifestou contra a reforma da Previdência, pelos seus abusos sociais.

Em uma tarde daquele 2017, Seu Jorge perdeu tempo no trânsito com uma passeata. Porém, ficou resignado e a apoiou, porque se solidarizou com a causa dos trabalhadores do campo prejudicados pela reforma da Previdência. O protesto foi organizado por José. Como Miguel, José também ficou preocupado com as mudanças na aposentadoria rural. José é presidente de um sindicato rural cuja maior parte do filiados só se registrou para conseguir uma declaração atestando anos de trabalho no campo. Essa declaração é essencial para que recebam a aposentadoria rural.

Após a filiação para receber a aposentadoria, parte desses filiados terá mensalmente, e para sempre, descontos nos benefícios para financiar a atividade sindical, conforme autorizaram.  José não é o único presidente de sindicato rural preocupado com a reforma: ao todo, são cerca de 4 mil. Apesar da urbanização das décadas anteriores, existiam no Brasil em 2017 mais sindicatos de trabalhadores do campo do que sindicatos urbanos filiados à CUT e à Força Sindical, juntas. Caso fosse aprovada a reforma do governo, a comprovação de trabalho rural para aposentadoria seria feita com contribuições ao INSS ao longo da vida do trabalhador, e não apenas no momento de pedir da aposentadoria com intermédio de um sindicato como o de José ou de um advogado como Miguel.

***

Prosperando a mobilização de entidades com interesses como os de Miguel e José, sob a desinformação disseminada por entidades como a de Nelson, nenhuma reforma da Previdência será feita. Apesar das aposentadorias serem extremamente protegidas em nosso sistema jurídico, o absurdo cenário de relativização do direito adquirido e corte de benefícios pode aparecer no horizonte. Ele ocorrerá depois da redução em despesas não obrigatórias (mas não desimportantes) e do aumento de impostos, bem como do aumento do endividamento público que reprimirá a economia com juros altos. A outra saída é a hiperinflação.

Tem sido assim no Rio de Janeiro e foi assim em países europeus, como a Grécia de Seu Giorgos, o outro Seu Jorge. O duro corte de aposentadorias nesses países foi de tal forma imperativo que terminou validado pela Corte Europeia de Direitos Humanos. O tribunal foi provocado pela servidora pública portuguesa Maria Alfredina, que não aceitava o desconto da ‘contribuição extraordinária de solidariedade’, que é como se diz corte de aposentadorias em português de Portugal.

O córtex pré-frontal ventromedial é uma região de nossos cérebros que fica ativada quanto pensamos em nós próprios. Estudos mostram que quando pensamos em nós no futuro, porém, a região não se ativa: nossa incapacidade de pensar em nosso amanhã seria tal que é como se o cérebro estivesse pensando em outra pessoa. Enquanto país, talvez enfrentemos dificuldade semelhante. Encaramos uma reforma da Previdência como desnecessária e sequer questionamos a atividade dos grupos de interesse que atuam no debate. Fazer reforma da Previdência é ruim. A questão que devemos nos indagar é se não fazê-la é ainda pior, dando a Seu Jorge o destino de Seu Giorgos. Vamos deixá-lo chorando na calçada?

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3044 4
Por que fazer reforma da Previdência no meio de uma recessão? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-fazer-reforma-da-previdencia-no-meio-de-uma-recessao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927#comments Thu, 15 Dec 2016 15:15:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2927 Introdução: a reforma da Previdência

Em 2017, quando o pior momento da crise econômica for sentido no mercado de trabalho, o Brasil estará discutindo uma reforma da Previdência.  A reforma  compreende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC no 287, de 2016) e projetos de lei (ainda a serem enviados pelo governo), alterando, entre outros, regras de acesso a benefícios, forma de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

A opção do governo foi por uma proposta de reforma paramétrica, e não estrutural, mantendo as características essenciais dos regimes. Os regimes continuam sendo de repartição, em que os benefícios dos trabalhadores inativos são financiados pelos trabalhadores em atividade no mercado de trabalho. A mudança se dá nos parâmetros do regime, e não em sua estrutura, como seria uma mudança para um regime de capitalização (em que o benefício de cada trabalhador é custeado pelas suas próprias contribuições no passado, capitalizadas), típico da previdência privada no Brasil e da previdência pública em outros países emergentes1, e tipicamente considerado uma opção “neoliberal”.

Segundo o orçamento anual de 2017, as despesas com Previdência em todos os regimes, mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), corresponderão a cerca de 55% do total da despesa primária. Comparativamente, a participação das despesas com os servidores ativos será de 13%, saúde 7%, educação 3%, PAC 3% e Bolsa Família 2%. A soma das demais despesas corresponde a 17%. Esses dados são apresentados no Gráfico 1, a seguir, e evidenciam que a Previdência não é só uma questão relevante no futuro, mas também no presente, como a crise dos Estados também mostra.

Previdência e economia

A crise econômica, com a queda de arrecadação e a instauração de sucessivos déficits primários, trouxe à tona o crescimento estrutural da despesa previdenciária e abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a necessidade de reforma. Reformas anteriores foram feitas em 1998 e 2003. Em 2016 também o governo Dilma Rousseff anunciara a intenção de fazer uma reforma, tendo a Presidente afirmado que a Previdência era no momento “a questão mais importante para o país2.

Por um lado, as despesas previdenciárias têm evidentes efeitos em curto prazo sobre a demanda. O efeito multiplicador sobre o PIB de cada real despendido pelo RGPS seria de cerca de 0,5 (equivalente ao do RPPS). Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), o efeito seria de 1,23.

Por outro lado, a ênfase do governo em priorizar a reforma da Previdência durante a recessão é consoante com o diagnóstico de especialistas de que o crescimento da despesa previdenciária coloca e colocará mais restrições ao crescimento da economia no futuro.

Segundo essa visão, a Previdência estaria associada a um tripé de baixo crescimento4: carga tributária elevada, investimento público baixo e juros altos. Diante da tendência de aumento do gasto, esses efeitos só ficariam mais fortes no futuro.

Carga tributária

Na ausência de mudanças, a carga tributária seria cada vez mais pressionada. Em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a recriação da CPMF, desta vez não para custear a saúde, mas a  Previdência. Enquanto isso, especialistas calculavam que na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência5.

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava que sem reformas as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para 86% em 2050 a fim de cobrir os benefícios6. Tal majoração da carga sobre a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

Aceitando a noção de que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, mais impostos sobre ele apenas acentuariam seu efeito deletério sobre a economia7. Diante da urgência de arrecadação para cobrir o crescimento da despesa previdenciária e de dificuldades políticas, o provável é que as escolhas seriam no futuro elevar (ou criar) tributos com maior potencial arrecadatório, e não aqueles com efeitos distorcivos menores sobre a economia ou efeitos regressivos menores na distribuição de renda.

Investimento público

O segundo item deste “tripé” é o investimento público. Considera-se que é o investimento que aumenta a capacidade produtiva da economia no futuro. No entanto, investimentos, como os em infraestrutura ou ciência e tecnologia, por mais necessários que sejam para o país se desenvolver, constituem despesas “discricionárias”. Esse tipo de despesa se contrapõe à despesa obrigatória, que não pode ser reduzida e integra cerca de 92% do orçamento federal.

São exemplos de despesas obrigatórias a Previdência e os salários do funcionalismo. Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções principais8: elevar os impostos, aumentar o endividamento (que pressiona os juros, o que será visto a seguir) e reduzir outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais 30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram mais de 1% acima da inflação.

Juros reais

Finalmente, de modo simplificado, os juros reais estão associados à percepção de risco em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos9. A chance de insolvência no futuro, por conta de uma despesa estruturalmente crescente, pressionaria os juros para cima. Por sua vez, os juros reais altos sufocariam os empreendimentos que o país precisa para crescer.

A Figura 1 a seguir, sintetiza a lógica entre despesa previdenciária e seus efeitos no crescimento da economia, bem como na distribuição de renda.

Confiança

Ainda, segundo o diagnóstico do governo sobre a necessidade de ajuste fiscal, a reforma contribuiria para ganhos de confiança que induziriam a recuperação da economia. No mesmo sentido, o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, em declaração ao Fórum criado no governo Dilma Rousseff para discutir a reforma, entendia como benefício imediato da reforma a melhora das expectativas fiscais, que “reduz a volatilidade cambial, possibilita a queda das taxas de juros de longo prazo e incentiva o investimento e a geração de emprego10.

Poupança e produtividade

Por fim, outros efeitos no crescimento da economia relacionados ao desenho da Previdência (e não exatamente à despesa previdenciária) discutidos pela literatura incluem a redução da poupança doméstica11 e a retirada precoce de trabalhadores produtivos da força de trabalho12. Adicionalmente, o envelhecimento da população está associado a um menor nível de inovação e de crescimento da produtividade13.

 

Previdência e teto de gastos

A Emenda Constitucional do teto de gastos (antiga PEC no 55, de 201614) congela a despesa total do governo federal em termos reais por 10 anos (Novo Regime Fiscal). O teto será anualmente reajustado pela inflação (passados 10 anos outro indexador será escolhido). Podemos dizer que a reforma da Previdência é irmã gêmea da reforma fiscal.

Isso porque a despesa previdenciária cresce aceleradamente em termos reais. Para as despesas federais caberem no teto, outras despesas deverão ser reduzidas na mesma magnitude. Se cumprir o teto, o governo não poderá mais recorrer ao aumento do endividamento ou da arrecadação para cobrir suas despesas primárias15.

Assim, com o teto, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria o governo a cortes profundos em diversas outras áreas, o que tornaria a reforma da Previdência mais urgente. Nas palavras do relator da PEC do teto na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, o novo regime fiscal “não sobrevive sem a reforma da Previdência (…) É uma dependência biológica entre os pulmões e o coração, um não vive sem o outro.”16

O Gráfico 3, abaixo, apresenta um exercício do impacto, com a vigência do teto, do crescimento da despesa da Previdência nas outras despesas do governo federal. Consideramos 2017 o primeiro ano da aplicação integral do teto17. Sem mudanças, a participação dos gastos previdenciários no gasto total da União passaria gradualmente de cerca de 55% em 2017 (um valor já alto) para cerca de 75% em 2026.

Isso quer dizer que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas primárias do governo federal (excluída a Previdência), que em 2017 deveriam caber em 45% do orçamento, deverão caber em apenas 25% em 2026 – quase a metade. O corte em várias áreas deverá ser ainda maior, uma vez que outras despesas com elevada participação no gasto da União também não podem ser reduzidas, como a com o funcionalismo18. Este resultado coaduna com a visão de Paulo Tafner, um dos principais especialistas em Previdência do país, para quem o problema fiscal existente no Brasil é na essência um problema previdenciário.

Em verdade, mesmo com a reforma da Previdência o resultado pode ser próximo ao apresentado no Gráfico já que, para respeitar o planejamento das famílias de acordo com as regras vigentes, bem como para atenuar a oposição às alterações, a reforma da Previdência possui regras de transição para que as mudanças sejam graduais no tempo.

A partir de 2026 o teto poderá ser reajustado por outro indexador diferente da inflação, como o crescimento do PIB, atenuando os efeitos do crescimento da despesa previdenciária.  Como ilustração, apresentamos no Gráfico 5, tal qual o Gráfico anterior, a tendência de participação do gasto previdenciário nos últimos 10 anos do teto, caso não haja mudança de indexador.

Ressaltamos que este exercício é meramente ilustrativo, com o intuito de evidenciar a tendência de participação do crescimento da despesa previdenciária no total da despesa primária. A estimativa é sensível aos parâmetros escolhidos pelo governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (2017).

Evidentemente o cenário apresentado no Gráfico 4 é improvável: tanto o indexador quanto a legislação previdenciária seriam modificados antes de ele se concretizar. Entretanto, o exercício sugere que sem a reforma o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador. Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido).

Dessa forma, é útil revisitarmos a Figura 1, que apresentava os mecanismos pelos quais o crescimento da despesa afeta a economia. Conforme a Figura 2, a seguir, com o teto respeitado, a pressão sobre a carga tributária e a taxa de juros seria aliviada.

Entretanto, o impacto via redução do investimento público seria exacerbado, bem como se amplificaria a compressão de outras rubricas melhor posicionadas para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda. Este seria a concretização do cenário de “canibalização dos gastos sociais”19.

Chegamos a outro ponto sobre a interação do teto do gasto com a Previdência.  Até agora, nesta discussão, consideramos que o teto seria respeitado e que, por isso, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria reformar a Previdência e/ou promover profundos ajustes nas políticas públicas e investimentos feitos por despesa discricionária.

Entretanto, outro cenário provável é que a União não consiga cumprir o teto, o que acarretaria as vedações previstas pela Emenda até que o limite fosse reestabelecido. Essas vedações incluem inicialmente reajustes a remunerações do serviço público, criação de cargos e admissão de pessoal, entre outros itens afetos ao funcionalismo.

Todavia, o relatório do Deputado Darcísio Perondi, aprovado na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, criou uma última vedação adicional: o aumento real do salário mínimo. Esta possibilidade também constava da proposta de reforma fiscal do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa apresentada ainda no governo Dilma Rousseff (Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de 2016).

Como dois terços dos benefícios previdenciários estão hoje atrelados ao salário mínimo, esta vedação atingiria diretamente a Previdência Social, ao proibir a prorrogação da política de valorização do salário mínimo ou política semelhante. Atualmente, o salário mínimo é reajustado segundo a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes, componente real da fórmula prevista na Lei no 13.152, de 29 de julho de 2015, cuja vigência se estende até 2019.

Assim, caso o teto não seja respeitado e as medidas de contenção de gastos via funcionalismo não sejam suficientes, o reajuste dos menores benefícios da Previdência seria afetado. Dessa forma, sem alterações na Previdência, o que eleva a chance de descumprimento do teto, as vedações impostas Emenda Constitucional do limite dos gastos garantem parcialmente uma espécie de “reforma automática”.

Assim, resumidamente, temos dois cenários de interação entre o teto e a Previdência:

 

Cenário 1: teto é respeitado

  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias obrigará a aprovação de alterações na Previdência; e/ou
  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias reduzirá substancialmente o espaço fiscal para políticas públicas e investimentos financiados por despesas discricionárias.

 

Cenário 2: teto não é respeitado

  • Reajustes reais do salário mínimo são vedados, atenuando parte do crescimento da despesa da Previdência.

 Ainda, como o crescimento esperado para as despesas previdenciárias é decorrente principalmente da transição demográfica, e não apenas do aumento do salário mínimo, é plausível que elementos dos dois cenários sejam observados (reforma da Previdência; redução de despesas discricionárias; e reajustes apenas nominais aos menores benefícios da Previdência).

 

Considerações finais

O impacto da reforma nos dez primeiros anos, acumulado, seria de R$ 678 bi em relação à trajetória anterior, o que pode ser insuficiente para “caber” no teto de gastos20. Para Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a reforma seria adequada em relação ao ano de 2032 em diante, mas insuficiente para os próximos anos: “o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 202021. Já o Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, avalia que a aprovação da reforma apenas moderaria o crescimento da despesa até 2025, que subiria consistentemente dali em diante22.

É certo que a reforma da Previdência não soa como item de uma “agenda de crescimento”, na forma romântica que o termo é normalmente compreendido. Entretanto diante da situação dramática da trajetória do gasto previdenciário no Brasil, ela se apresenta como uma necessária correção de rota para evitar um cenário de instabilidade econômica e social muito pior do que o atual.

 

(Este texto é baseado no Boletim Legislativo nº 52 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

______________________

1 Como no Chile. O regime de capitalização se caracteriza por um menor risco demográfico, mas maiores riscos financeiros, do que o regime de repartição. Ainda, na capitalização os riscos envolvidos são mais individuais, enquanto no regime de repartição, mais solidário, os riscos recaem sobre os trabalhadores da ativa ou, em última instância, sobre toda a sociedade. Uma reforma estrutural que migrasse da repartição para a capitalização envolveria significativos “custos de transição”, decorrentes do fato do regime antigo continuar pagando benefícios enquanto as novas contribuições são vertidas para o novo regime. Há ainda um terceiro tipo de regime, o de contas nocionais, em que as contribuições individuais são remuneradas (como na capitalização), mas por “juros fictícios”, sendo elas na prática vertidas para financiar os benefícios dos inativos (como na repartição). Trata-se de um modelo utilizado há poucos anos, na Suécia, Itália, Polônia e Noruega. Ver, entre outros, Tafner (2007): TAFNER, P. Seguridade e Previdência: Conceitos Fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Org.) Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

2Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo.

3Comparativamente, os multiplicadores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família são, respectivamente, de 0,39; 1,06; 1,06 e 1,78. Ver Neri et al. (2013): NERI, M.; VAZ, F. M.; SOUZA, P. H. G. F. Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais. In: CAMPELLO, T. NERI, M. (Org.) Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

4Ver Giambiagi (2007). GIAMBIAGI, F. Reforma da Previdência, o encontro marcado:a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

5 O foco do problema. O Globo. 16 de setembro de 2015. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo. com/miriam-leitao/post/foco-do-problema.html.

6Baseado em estimativas do demógrafo Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Brazil’s pension system: Tick, tock. The Economist. 24 de março de 2012. Disponível em: http://www.economist.com/node/21551093.

7 Ver, entre outros, Afonso (2016). AFONSO, J, R. Ambiente de Negócios: Simplificação da Legislação Tributária. Apresentação no Seminário Ambiente de Negócios: Segurança Jurídica, Transparência e Simplicidade.  IBRE/FGV e Direito-Rio/FGV. Rio de Janeiro,23 de setembro de 2016.

8 Uma quarta opção seria emitir moeda e financiar o aumento do gasto via inflação. Por outro lado, umataxa de crescimento muito alta do PIB poderia atenuar o problema por um período de tempo, ao aumentar a arrecadação sem necessidade de aumento de tributos.

9Aqui, deve-se considerar o conceito de taxa implícita de juros, e não a taxa Selic, que não tem a mesma participação que tinha no passado na remuneração dos títulos públicos.

10Barbosa defende que reforma da Previdência seja feita agora, gradualmente. Correio Braziliense, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/17/internas_economia,518253/barbosa-defende-que-reforma-da-previdencia-seja-feita-agora-gradualme.shtml.

11 Ver, entre outros, Oliveira et al. (1998).  OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; DAVID, A. C. A. Previdência, Poupança e Crescimento Econômico: Interações e Perspectivas. Texto para Discussão no 607. Rio de Janeiro: Ipea, novembro de 1998.

12 Ver, entre outros, Paiva et al. (2016). PAIVA, L. H.; RANGEL, L. A.; CAETANO, M. A. O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros.Texto para Discussão no 2.211. Rio de Janeiro: Ipea, julho de 2016.

13 O que não corrobora o argumento de que o crescimento da produtividade poderia resolver o problema previdenciário. Não só o crescimento da produtividade gera um passivo previdenciário no futuro (como contrapartida do aumento da arrecadação), como ele seria restringido pelo próprio envelhecimento da população. Ver, entre outros, Maestaset al. (2016). MAESTAS, N.; MULLEN, K. J.; POWELL, D. The Effect of Population Aging on Economic Growth, the Labor Force and Productivity. NBER WorkingPaper No. 22452. Julho de 2016.

14Na Câmara, a matéria tramitou como PEC 241/2016.

15Evidentemente que a criação ou aumento de tributos não está proibida, mas elas serviriam, pelo menos nos dez primeiros anos do Novo Regime Fiscal, para melhorar o resultado primário: a princípio reduzindo o déficit e posteriormente gerando um superávit. Em verdade, a estabilização da relação dívida e PIB é o objetivo da proposta.

16Ver: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/so-nao-vai-ter-ganho-real-mas-e-reajuste-diz-perondi-sobre-pec-do-teto-dos-gastos-publicos-7729952.html.

17Na primeira semana de outubro o governo indicou que o teto só valeria para as áreas de saúde e educação a partir de 2018. Não consideramos essa mudança em relação à proposta original neste exercício, o que afeta os valores absolutos estimados, mas não a tendência do resultado.

18Diante desse cenário, alguns especialistas defendem que a PEC seja modificada para que seja dado um tratamento mais duro às despesas com funcionalismo, incluindo congelamento real de salários. Ver, entre outros http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1817880-para-analistas-teto-precisa-de-limite-para-despesa-com-pessoal.shtml?cmpid=compfb  e http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369.

19Proposto por Fabio Giambiagi. Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442935579_665784.html.

20Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1838400-reforma-da-previdencia-pode-gerar-economia-de-r-678-bi-diz-governo.shtml.

21 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-reforma-governo-federal-tera-de-cortar-mais-300-bi-20419663.

22 Ver: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN12Z2TR.

 

Download:

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=2927 2
Por que o governo tributa cada vez menos a produção de petróleo enquanto tributa cada vez mais os demais setores da economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-tributa-cada-vez-menos-a-producao-de-petroleo-enquanto-tributa-cada-vez-mais-os-demais-setores-da-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879#comments Wed, 30 Nov 2011 13:02:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=879 As mudanças na cobrança de tributos federais e das participações governamentais sobre a produção de  petróleo implicaram redução da carga tributária incidente sobre o setor. Esse fato se verifica desde meados da década passada, em uma tendência flagrantemente contraditória com o crescimento da carga tributária incidente sobre os demais setores da economia, inclusive famílias.

Por que motivos o governo estaria tributando cada vez mais a produção e consumo da maioria dos bens e serviços e, ao mesmo tempo, aliviando a carga tributária sobre o setor de petróleo?

É curioso como um setor fundamental para a geração de receita tributária não tem sido objeto de análises mais criteriosas, de maior debate público e, em especial, objeto de mais atenção e prudência na formulação e execução da política tributária, em especial no âmbito do governo federal. E isso apesar de toda atenção que despertou o recente conflito federativo em torno da divisão da receita de royalties de petróleo e gás.

Razões para o Relaxamento

Uma primeira explicação para  esse  relaxamento na tributação do petróleo seria o esforço do governo para tentar controlar a taxa de inflação ao segurar indiretamente o preço dos derivados de petróleo, que muito pesam no cálculo do custo de vida. O governo resiste a deixar que a estatal que domina o setor repassar os aumentos nos preços internacionais dos combustíveis para os preços internos, o que inevitavelmente impõe prejuízos à Petrobras. Possivelmente,  como uma compensação, se deixou a carga tributária do setor seguir ladeira abaixo – bem, ao menos, coincidiram as evoluções, de um lado do desalinhamento dos preços internos com os internacionais, de outro da diminuição da razão arrecadação/PIB do setor. No caso específico da CIDE, o governo federal nem esconde que joga com a sua alíquota para segurar preços ao consumidor – inclusive, na última decisão recente, declarou abertamente que a reduziu para melhorar a rentabilidade das empresas do setor.

Esse tipo de política gera vários problemas alocativos e distributivos. Em primeiro lugar, quando o preço do petróleo sobe, o preço dos seus derivados deve subir e, com isso, estimular os consumidores a comprar menos desse bem, de modo que a economia passe a usar com mais parcimônia um insumo mais caro (ou o substitua por fontes alternativas de energia). Manter o preço artificialmente baixo estimula a atitude ineficiente de se consumir mais de um insumo mais caro.

Em segundo lugar, a decisão tem efeitos sobre a distribuição de renda da economia: as petroleiras perdem com o não reajuste de preços e seriam  parcialmente compensadas pela redução tributária. Os demais contribuintes perdem porque o governo eleva outros impostos para compensar a menor tributação do petróleo. Os setores da economia que fazem uso intensivo de combustíveis podem ganhar com o congelamento de preços mas isso se passa às custas dos contribuintes.

Ademais, sabe-se que a melhor política para o controle da inflação, no longo prazo, é manter as contas públicas em equilíbrio. Tentar manter a inflação mediante retenção do reajuste de alguns bens é ineficiente (como deixaram claro os planos econômicos que congelaram preços). Fazê-lo em conjunto com a redução da receita pública é ainda mais sujeito a crítica.

A defasagem de preços do petróleo no Brasil pode ser medida de várias formas. Vale citar apenas os dois combustíveis mais relevantes e em relação ao preço interno: conforme Pires (2011), “… o aumento acumulado do preço da gasolina permanece abaixo do IPCA desde julho de 2009, enquanto o aumento do preço do óleo diesel está abaixo do índice de inflação desde junho de 2009.” [1] Essa defasagem impôs, obviamente, inegáveis e pesadas perdas às empresas que atuam no setor. Pires estimou as perdas da PETROBRAS na casa de R$ 10 bilhões em meados de 2011,[2] antes da desvalorização do Real. Tal prejuízo já foi até maior, como na virada de 2008 para 2009 – ver gráfico a seguir em que o referido especialista calcula o impacto dos preços depreciados.

Neste contexto, na origem das questões tributárias eventualmente pode estar uma visão imediatista de governo – isto é, priorizar acima de tudo o controle da inflação. Para tanto, foram congelados os preços internos de combustíveis, provavelmente por imposição do controlador da sociedade de economia mista (o Governo Federal), que, apesar de ser regida pelo direito privado e ter acionistas privados, parece que acabou transformada ou reduzida a um instrumento de política anti-inflacionária.

A essa razão de corte conjuntural se soma outra de natureza estrutural:  um  viés estatizante que passou a predominar nas decisões estratégicas do Governo Federal em relação ao setor, especialmente depois da descoberta das riquezas do pré-sal e que culminou na mudança do regime para sua exploração da concessão para a partilha da produção (a respeito das diferenças nos dois regimes ver, neste site, o artigo Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo?.

No novo regime de partilha a PETROBRAS foi definida como sócia obrigatória de qualquer campo que vier a ser explorado. Mais simbólico ainda do que seria uma intervenção direta e total do governo na produção seria a proposta que chegou a ser aventada, mas depois abandonada no Senado, durante a votação da proposta de redistribuição da receita de royalties, que permitiria a União se tornar diretamente sócia na exploração dos campos de petróleo que ela própria partilha no novo regime, ou seja, sem passar pela empresa estatal que controla. [3]

Não há a menor dúvida de que será monumental o esforço de investimento exigido da PETROBRAS para se extrair as riquezas recém-descobertas do pré-sal, seja qual for o regime, sejam quais forem as parceiras. A imperiosidade de gerar cada vez mais recursos próprios para inversões tão enormes só agrava o problema decorrente da defasagem de preços e induz a demanda da empresa por facilidades tributárias.

Por ambas óticas, controle conjuntural de preços e maior estatização da exploração do petróleo, podem ser apontadas razões para a flexibilização na tributação do setor, ou mesmo um eventual relaxamento na sua fiscalização.

No regime de partilha o óleo é de propriedade do Estado, ao contrário do regime de concessão, em que o petróleo é de propriedade da empresa concessionária. Essa diferença jurídica tende a reduzir ainda mais a base de incidência tributária no setor petróleo. Isso porque quando o petróleo se torna propriedade estatal ele deixa de ficar sujeito à tributação. O óleo que constituir um bem governamental deve se beneficiar da imunidade tributária recíproca, garantida pela Constituição e que o STF já julgou com clasula pétrea (de modo que nem mesmo emenda constitucional pode a mudar), como será discutido a seguir.

Evidências da Tributação

Poucos estudos tratam da tributação do petróleo, e costumam focar mais nas participações governamentais na extração.[4] Notícias recentes até mencionaram a redução ou a má tributação do setor.[5] Para uma avaliação mais acurada, aqui foram reunidos dados de 3 fontes: i) a receita administrada federal (RAD),[6] excluídas contribuições previdenciárias; ii) a arrecadação do Imposto Estadual sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);[7] e iii) as chamadas rendas de exploração – royalties e participações especiais na extração.[8] Entre 2000 a 2010, conforme tabela a seguir, a razão receita/PIB apresenta duas fases bem distintas –aumento da carga conjunta até 2006; decréscimo desde então. A oscilação foi mais explicada pela RAD e participações, enquanto o ICMS oscilou um pouco menos.

Ao confrontar essa evolução com a carga tributária global ao longo do mesmo período (mesmo excluída a CPMF), se observa que no ciclo de alta a carga tributária sobre o  petróleo cresceu mais que a nacional, de modo que o setor aumentou seu peso relativo, de 7,6% para 10,7% entre 2000 e 2006. Depois, o movimento foi inverso e muito rápido, recuando essa proporção para 7,5% em 2010. A carga de petróleo decresceu em 0.9 ponto do PIB entre 2007 e 2010 enquanto a do resto da economia cresceu em 2,7 pontos do PIB no mesmo período.

Não se pode falar que a queda da carga resultaria de má performance do setor. Ora, a tendência decrescente da carga se processou exatamente quando disparou a produção nacional de petróleo. De acordo com dados da PETROBRAS, a produção total de óleo e gás passou de 1.637 mil barris equivalentes de petróleo (boed)  em 2001 para 2.600 mil boed em 2011, um crescimento acumulado de pouco mais de 58,83% no período ou um crescimento médio de aproximadamente 4,74 % ao ano. É possível identificar ao menos dois fatos relevantes que conspiraram para reduzir a RAD de petróleo: primeiro, o intenso recurso a mecanismos de compensação tributária em 2009, muitas vezes no limite das regras tributárias; segundo, as mudanças na aplicação das contribuições sobre vendas (que passaram a ser cobradas na forma de um valor fixo por unidade de combustível; isso não seria uma distorção se o fixado para a COFINS e o PIS em abril de 2004 nunca mais tivesse sido alterado).

Tal leitura é reforçada ao examinar a evolução dos tributos pagos pela PETROBRAS, conforme ela informa aos investidores.[9] Convertidos em proporção do PIB, no longo prazo exposto na tabela seguinte, se destaca que entre 2003 e 2010 a sua carga total diminuiu em 0.64 ponto do PIB enquanto a carga nacional medida pelo Ministério da Fazenda aumentou em 2,15 pontos, o que significa que, para os demais contribuintes, o incremento foi ainda maior, de 2.78 pontos do produto.

No caso das participações governamentais (participação especial mais royalties), a carga paga em 2010 foi inferior à registrada em 2003: como a produção de óleo no País foi crescente, batendo recorde depois da crise global, se pode inferir que o desenho atual das participações governamentais não acompanhou a expansão da  produção física, das receitas e, sobretudo, de rentabilidade do setor. Já no caso das contribuições econômicas (os tributos clássicos), dados mais detalhados revelam que o pico da carga foi no já distante ano de 2003.

No que diz respeito às participações governamentais na receita de petróleo, é fato que  a  a chamada “participação especial”, incidente sobre os poços de alta produtividade, tem falhado em tributar a grande produção e a grande rentabilidade, até porque a sua atual fórmula não considera os preços na hora de definir as alíquotas progressivas.

No caso dos tributos em geral,  a legislação (não se pode acreditar em falha na fiscalização da maior empresa do País) parece ser inadequada pois não transformou o bom desempenho da produção, das vendas e dos lucros da citada empresa estatal em aumento de carga, como fez com os demais contribuintes do País nos últimos anos.

Subtributação do Pré-Sal

A discrepância recente na evolução da carga tributária, setor versus nacional,  será potencializada com o novo regime de partilha de produção, além de aprofundar a centralização de sua receita na divisão federativa. [10] O óleo será propriedade de um governo (União), e não mais de uma empresa (estatal ou privada), sendo que a administração pública não é contribuinte de muitos tributos (não gera lucro para pagar IR ou CSSL e nem fatura para pagar COFINS ou PIS) e nem pode um governo tributar o outro (caso do ICMS).[11]

Assim, a nova modelagem para explorar a maioria das riquezas do pré-sal reduzirá, por princípio, a incidência tributária sobre essa receita futura e, ao mesmo tempo, centralizará tal renda pública nas mãos do governo federal, em claro detrimento dos governos estaduais e municipais (sem lucro empresarial, por exemplo, não será gerado imposto de renda das empresas e nem ganhos para os fundos de participação – FPE e FPM), e também da aplicação compulsória na seguridade social, no amparo ao trabalhador e mesmo na educação e saúde (sem faturamento e lucro, não cabe cobrar contribuições sociais, como COFINS, PIS/PASEP e CSLL; se não houver incidência do ICMS e sem aumento do FPE/FPM, também os governos locais deixarão de aplicar mais recursos vinculados ao ensino e para a saúde).

Não é de se estranhar que as propostas do pré-sal escondam medidas e detalhes operacionais na tributação e no fisco que configuram a constituição de um paraíso fiscal no país. A proposta fiscal implícita para o futuro do pré-sal é só reedição escondida do desempenho tributário passado recente do pós-sal. O resto das empresas e todas as famílias brasileiras já pagam e devem continuar pagando mais impostos para subsidiar o setor de petróleo.

Conclusões

A atual política e prática tributária têm beneficiado indiretamente os consumidores de combustíveis e/ou os acionistas das empresas de petróleo  por conta da redução inegável da carga tributária do setor. Tais incentivos não são explícitos, e a perda de receita setorial não tem sido comentada nem mesmo pelos especialistas em tributação.

Se a leitura das estatísticas revela uma incontestável redução da carga tributária de petróleo no Brasil, puxada pela maior empresa do setor, e se as indicações são de que a tributação decrescente será ainda mais acentuada no novo regime de exploração por partilha de produção, cabe abstrair do debate localizado para uma posição geral de política econômica e mesmo de políticas públicas.

Controlar inflação manipulando preços de uma empresa estatal e, ainda, estatizar investimentos e produção de um insumo estratégico da economia pode ser uma opção da política econômica (talvez até mesmo de um suposto projeto de Estado Brasileiro), mas tal escolha deve ser feitas de forma aberta e assumida à sociedade. A democracia moderna cobra cada vez mais transparência na formulação e na execução das políticas públicas, especialmente das econômicas.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Referências Bibliográficas

Afonso, J. R., ICMS Estadual sobre Petróleo e Energia Elétrica. Audiência Pública no Senado Federal, 30/06/2010.  Disponível em: http://bit.ly/nWp28w

Afonso, J. R.; Almeida, V. (2011). Tributação do petróleo e federalismo brasileiro: a histórica oscilação na divisão da receita. Disponível em: http://bit.ly/qeQqkq

AFONSO, J. R.; CASTRO, K. P. (2010). Tributação do Setor de Petróleo: Evolução e Perspectivas. Texto para Discussão nº 12 da ESAF. Brasília, Jun/2010. p. 34. Disponível em: http://bit.ly/hOUv6N

AFONSO, J. R.; JUQUEIRA, G, G.; CASTRO, K. P. (2009). Desempenho da Receita Tributária Federal no primeiro semestre de 2000 a 2009: perdas temporárias ou rebaixamento estrutural? Texto para Discussão nº 9 da ESAF. Brasília, Out/2009. p. 31. Disponível em: http://bit.ly/qGERB2

Azevedo, J. S. G. O que pagamos não é pouco. O Globo, 10/04/2011. Disponível em: http://bit.ly/r3vGuI

Brahmbhatt, M.; Canuto, O. Natural Resources and Development Strategy after the Crisis, The World Bank, February 2010. Disponível em: http://bit.ly/nZFcAM

Davis, J. M.; Ossowski, R.; Fedelino, A. Fiscal policy formulation and implementation in oil-producing countries. 21/03/2003. Dispoível em: http://bit.ly/nOvfmt

DELOITTE. Brazilian E&P Concessions – Government Take. 2010.

FLORES, A. L. S. A. O Impacto do marco regulatório sobre o desenvolvimento das reservas do Pré-Sal. Seminários DIMAC/IPEA, mar/2010. p. 13.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV. Pré-Sal: potenciais efeitos do operador único. FGV/IBRE, 2010. p. 92.

GOBETTI, S. W.; ORAIR, R. O que explica a queda recente a receita tributária federal? Nota Técnica da Dimac IPEA. Brasília, ago/2009. p. 18. Disponível em: http://bit.ly/razowM

Goldsworthy, B.; Zakharova, D. Evaluation of the oil fiscal regime in Russia and proposals for reform. IMF Working Paper WP/10/33, February 2010. Disponível em: http://bit.ly/mUQUXb

INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, Estudos sobre o pré-sal. IEDI/Instituto Talento Brasil, Dezembro 2008. Disponível em: http://bit.ly/nKnVQY

ITAÚ-UNIBANCO. As Contas Externas e o Pré-Sal. Macro Visão: Relatório Semanal de Macroeconomia, nov/2009. p. 8.

KHELIL, c. Fiscal Systems for Oil. Privatesector, World Bank, May 1995. http://bit.ly/uJbwwL

Oliveira, C. W. A.; Coelho, D. S. C.; Bahia, L. D.; Filho, J. B. S. F. Impactos macroeconômicos de investimentos na cadeia de petróleo brasileira. Texto para Discussão nº 1657. Brasília: IPEA, Agosto 2011. Disponível em: http://bit.ly/qDp4T3

PIRES, Adriano. Preço do Petróleo e Defasagem dos Preços dos Combustíveis. Mimeo. Outubro de 2011.


[1] Segundo Pires (2011), “… considerando 2005 como ano base, os preços da gasolina e do diesel, praticados nas refinarias nacionais, registram um aumento acumulado até agosto de 2011 de 23,06% e 18,60%, respectivamente, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo Banco Central para fixar a meta de inflação no Brasil, registra aumento acumulado de 38,31% no período.”

[2] Explicando a conta de Pires (2011): “O custo de oportunidade da Petrobras se refere ao saldo líquido acumulado decorrente da diferença entre os preços praticados pela empresa no mercado interno e os preços internacionais da gasolina e do diesel. … desde janeiro de 2003, a Petrobras acumula um saldo líquido negativo de aproximadamente R$ 9,6 bilhões. A partir de janeiro de 2011, os preços internacionais do diesel e da gasolina ultrapassaram os praticados pela Petrobras, acarretando o acumulo de perdas mensais, conjuntura semelhante ao período anterior à crise econômica. Análises preliminares indicam que a manutenção da política de convergência de preços no longo prazo pela Petrobras resulta em um acumulo de perdas na ordem de R$ 4,2 bilhões até julho de 2011, sendo que a gasolina representou perda de R$ 1,7 bilhão e o diesel R$ 2,5 bilhões.”

[3] A proposta foi incluída pelo Relator, Senador Vital do Rêgo, em seu parecer original no projeto de lei nº 448/2011 (disponível em: http://bit.ly/tlqBfT ) , que pretendia até criar uma seção específica para joint venture a ser formada com (sic) recursos orçamentários da União. A justificativa era: “… o engajamento do Estado como sócio do contratante na assunção de custos e partilha de lucros na exploração e no desenvolvimento do projeto e, também, embora raro, na fase de produção. Apesar de não ser tão comum na experiência internacional, a maioria dos países resguarda para si o direito de iniciar uma joint venture por cláusula expressa no contrato de partilha de produção.”

[4] Vale citar Afonso e Castro (2010); Ramos (2004); Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (2008); Springer (2009); Gobetti e Orair (2009); Delloitte (2010); e Goldsworthy e Zakharova (2010) – este uma comparação internacional que trata do Brasil.

[5] Em 18/9/2011, O Globo publicou “Carga tributária cresce no país, mas fatia da PETROBRAS é cada vez menor”, e o Estado de S.Paulo, “Petroleiras usam brechas da legislação e importam até biquínis sem imposto” – ver http://bit.ly/pcnSMD e http://bit.ly/ratE4N .

[6] A RAD considerada contempla apenas a chamada receita administrada pela antiga Receita Federal, tais como tributos sobre lucros das empresas (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), vendas (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE), importações e retenções na fonte (Imposto de Renda (IR) dos empregados). Não são computadas as receitas de Simples, previdência social e compensações financeiras

[7] A arrecadação de ICMS proveniente de combustíveis é informada, mensalmente e por unidade federada, pelo CONFAZ, no portal do Ministério da Fazenda. Para uma análise específica sobre sua estruturação, inclusive importância regional, ver Afonso (2010).

[8] A fonte primária dessa informação é a ANP, que divulga relatórios periódicos e com máxima discriminação (inclusive de beneficiários) em seu portal na internet.

[9] Ver página sobre Tributos no portal da empresa – em: http://bit.ly/n4NURB Uma evolução histórica constou da exposição do seu Presidente no Senado em: http://bit.ly/o4VC6e .

[10] Como a tributação do petróleo se confunde com os ciclos de centralização e descentralização fiscal na Federação foi objeto da análise de Afonso e Almeida (2011).

[11] A Constituição da República sempre previu a imunidade recíproca de impostos, já a jurisprudência recente a expandiu para as contribuições.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=879 1