Caderneta de Poupança – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Poupança cai e também estimula o PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3680&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=poupanca-cai-e-tambem-estimula-o-pib Fri, 07 Oct 2022 20:48:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3680 Poupança cai e também estimula o PIB

Maiores saques das cadernetas tiveram efeito expansivo sobre o Produto Interno Bruto, principalmente em 2022.

 

Por Roberto Macedo*

 

No ano mais crítico da pandemia de Covid-19, 2020, a captação líquida (depósitos menos retiradas) das cadernetas de poupança, conforme dados do Banco Central, foi recorde, atingindo R$ 166 bilhões no ano, e pela primeira vez o saldo final das contas superou R$ 1 trilhão. Isso resultou de três fatores principais. A pandemia levou muitos consumidores à reclusão doméstica, indo menos às compras de bens e serviços e recorrendo também ao comércio eletrônico, mesmo que em menor escala. Atuou, ainda, o efeito precaução, que expande a poupança em face de incertezas quanto ao que virá à frente. E veio o auxílio que o governo passou a pagar, parte do qual foi poupado nas cadernetas.

Nesse contexto, em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,9%. Em 2021, passou à recuperação, crescendo 4,6%, os consumidores começaram a voltar às compras e a captação líquida da poupança foi negativa em R$ 35,5 bilhões. Em 2022 esse movimento se acentuou, e até agosto a captação líquida negativa foi de R$ 85,2 bilhões, em razão do que no mesmo mês o saldo final caiu abaixo de R$ 1 trilhão – e só não caiu mais em razão do crédito de rendimentos, que o Banco Central não inclui na avaliação da captação líquida. Em agosto, esse crédito alcançou um total de R$ 6,6 bilhões.

Com isso, o crescimento do PIB se ampliou e as previsões de sua taxa de crescimento anual, segundo o boletim Focus, do Banco Central, divulgado semanalmente com estimativas de analistas do mercado financeiro, passaram de 0,28%, na primeira edição de janeiro, para 2,75%, na última de setembro.

O governo Bolsonaro vem apregoando que esse resultado decorre de suas políticas econômica e social, mas parece-me que o maior efeito veio do retorno da população às compras de bens e serviços.

A mais recente ampliação dos benefícios sociais veio em setembro, mas os citados dados da poupança correspondem ao período até agosto, quando a recuperação já se evidenciava. Lembro, também, que o citado movimento de queda da poupança começou em 2021, quando a captação líquida negativa alcançou o citado valor de R$ 35,5 bilhões, e acrescento que isso ocorreu principalmente no segundo semestre, já trazendo um estímulo ao PIB que se consolidou em 2022, com o referido valor de R$ 85,2 bilhões.

Para fins de comparação, segundo o site economania.com.br, em 13 de julho passado, a partir de fontes governamentais, o valor total dos novos benefícios – aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, aumento do vale-gás, do auxílio-caminhoneiro, transporte gratuito para idosos com mais de 65 anos, subsídio para a produção do etanol e auxílio para taxistas – foi estimado em R$ 40,8 bilhões, sendo que o primeiro benefício citado é o maior deles (R$ 26 bilhões).

Contudo, a questão sob análise não pode parar aqui, porque a dúvida que emerge é se a despoupança que vem acontecendo nas cadernetas tem sido toda dirigida ao consumo, uma vez que pode ser também destinada a outras aplicações em renda fixa e em renda variável. Quanto a isso, meu amigo e ex-professor o economista Carlos Antonio Rocca vem realizando uma análise ímpar do chamado fluxo de fundos da economia, ou seja, de onde o dinheiro vem e para onde ele vai.

Rocca lidera o Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec), ligado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (www.cemecfipe.org.br). A nota Cemec 05/2022, publicada em maio, trata da poupança financeira da economia no primeiro trimestre deste ano. Mostra que houve queda dos depósitos de poupança, conforme já assinalado, dos fundos de investimento, das ações e dos depósitos à vista, que se destinaram à compra de títulos da dívida pública, de títulos corporativos, mais depósitos a prazo e maior captação bancária, como via Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

O resultado final foi negativo, totalizando R$ 32,4 bilhões, com destaque para os depósitos de poupança, que, como já dito, devem ter contribuído para a expansão do PIB.

O relatório do segundo trimestre ainda não foi publicado, mas Rocca teve a gentileza de adiantar dados de meu interesse, abrangendo o primeiro semestre como um todo. Desta vez, nos fluxos citados, do lado das saídas o maior destaque foi para os fundos de investimentos, com queda de R$ 109 bilhões, seguida pela da poupança, no valor de R$ 62 bilhões; e, do lado das entradas, o maior aumento foi na captação bancária, que cresceu R$ 91 bilhões. Soube que a alta de juros foi determinante do lado da captação, acrescida do fato de que papéis como LCIs e LCAs são isentos do Imposto de Renda.

Com os dados semestrais, o efeito da queda da poupança parece menor, porque foi de R$ 10,2 bilhões no segundo trimestre, o que contrasta com outros valores apresentados. Em retrospecto, creio ser claro o efeito do total das quedas ampliando o consumo, mas tenho mais a aprender com o professor Rocca, em particular como entra o aumento da renda em cálculos como os apresentados.

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 6 de outubro de 2022.

 

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O governo alterou corretamente a regra de correção da caderneta de poupança? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1198&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-governo-alterou-corretamente-a-regra-de-correcao-da-caderneta-de-poupanca https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1198#comments Mon, 14 May 2012 03:00:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1198 A rentabilidade  da caderneta de poupança, fixada em TR mais 6,17%, ao ano representava um obstáculo a novas reduções na taxa Selic.

Para resolver o problema do piso de rentabilidade o governo optou por um sistema híbrido, que manteve a regra antiga para os depósitos existentes, e criou, para os depósitos novos, a regra de 70% do valor da Selic + TR em vez dos atuais 6,17% + TR sempre que a Selic atingir 8,5% ao ano ou menos.

Havia grande temor, por parte das autoridades governamentais, de que se usasse politicamente a alteração, que é tecnicamente justificável, como argumento político. Afinal, ainda está fresca na memória da população o episódio do congelamento dos depósitos no Governo Collor.

A decisão tomada foi, portanto, costurada para que fosse dada a maior garantia possível aos poupadores de que nada mudaria em relação aos depósitos já existentes.

Ainda que se tenha em mente esse contexto político, cabe perguntar: haveria solução técnica melhor? A solução adotada está totalmente livre de causar efeitos colaterais negativos?

A rigidez da rentabilidade líquida da poupança tinha duas causas: a existência de um piso nominal, de 6,17% ao ano, e a isenção da tributação do IR para pessoas físicas.  Ambas elevavam a rentabilidade líquida da poupança. O governo optou por manter a isenção tributária e reduzir o piso nominal de remuneração.

Alternativamente, o governo poderia ter optado por reduzir paulatinamente a anacrônica e injustificada isenção de imposto de renda de que gozam esses depósitos. A segunda opção teria duas importantes vantagens em relação à adotada.

Em primeiro lugar, a nova regra irá criar uma indeterminação sobre o custo de funding entre as várias instituições, gerando incerteza sobre qual será o spread na poupança em cada instituição. Isso ocorrerá porque o custo para cada instituição individual dependerá da proporção em que se dividirá o total dos depósitos entre os antigos (TR + 6,17%) e os novos (70% da Selic + TR). Sendo uma aplicação fortemente regulamentada, com contratos de longo prazo e com subsídio fiscal implícito, essa circunstância poderá dar margem a disputas, inclusive judiciais.

Mutuários e suas associações poderão reivindicar condições de reequilíbrio do spread original, pressionando por redução de juros em seus contratos, e instituições com maior proporção  de depósitos antigos podem passar a demandar compensações. Isso acabará  levando a aumento das já excessivas arbitragens regulatórias existentes no Sistema Brasilieiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

Essa crescente regulação nem sempre consegue resolver todos os problemas que pretende solucionar e sempre corre o risco de criar novas brechas jurídicas e novas situações de conflito não imaginadas inicialmente. No mínimo será acrescentado um maior custo operacional para que as instituições financeiras e o Banco Central obedeçam e operem a nova norma, com impacto deletério sobre a produtividade do setor financeiro e da economia.

Segundo as estatísticas do SFH de fevereiro publicadas pelo Banco Central, 53% dos depósitos em poupança estão em instituições públicas e 47% em instituições privadas. Já os financiamentos a mutuários finais concedidos por essas instituições se dividem na proporção de 72% (com grande concentração na Caixa Econômica Federal) e 28%. Ou seja, bancos públicos e privados captam poupança quase que na mesma proporção, mas bancos públicos (em especial a CEF) têm empréstimos imobiliários em valor 172% superior ao dos bancos privados.

Os financiamentos habitacionais de instituições privadas a mutuários pessoas físicas representam apenas R$ 51,3 bilhões, enquanto os financiamentos à produção e os eufemisticamente chamados “desembolsos futuros”[1] correspondem a R$ 43,4 bilhões. Os financiamentos a compradores finais com recursos da poupança correspondem a somente 32,7% dos depósitos das instituições privadas.

Os percentuais de aplicação de recursos da poupança em financiamento habitacional devem ser comparados com o percentual de 65% que, em tese, seria o determinado na norma de direcionamento do SFH. As instituições privadas estão ofertando muito menos crédito subsidiado do que deveriam, capturando, portanto, a isenção fiscal. Já as públicas estão com excesso de aplicação, elevando o risco governamental implícito.

O novo modelo da poupança pode tornar esse cenário pior, caso as novas regras levem os bancos privados a demandar mais benefícios regulatórios sob a forma de não aplicação dos recursos da poupança em crédito habitacional. Tal situação é inconsistente com o objetivo governamental de reduzir  o spread bancário.

Por outro lado, a redução do incentivo tributário da poupança reduziria o grau de subsídio mal direcionado no SFH, poderia gerar receita pública imediatamente e caminhar na direção de reduzir a excessiva regulação do SBPE. Tornaria desnecessário o estranho privilégio que se concedeu aos depósitos antigos, que, além de continuar capturando rentabilidade superior àquela que seria determinada pelas novas condições da política monetária, continuarão gozando de incentivo fiscal para tanto!

Se, no momento atual, fosse imposta uma tributação de 5% sobre os rendimentos, a rentabilidade efetiva da poupança cairia, para o poupador pessoa física, de 6,17% ao ano para 5,86%, liberando igualmente a política monetária, sem discriminar novos e antigos poupadores e sem criar heterogeneidade no funding da modalidade. Do ponto de vista da receita pública, haveria uma expansão de aproximadamente 1,3 bilhão por ano, dos quais praticamente R$ 600 milhões seriam repartidos entre Estados e municípios, de acordo com as regras do FPE e do FPM.

Assim, a solução adotada pelo Governo faz pouco sentido, pois cria um modelo híbrido, complexo e que, principalmente, mantém uma isenção fiscal que não chega, na prática, aos que deveriam ser os principais beneficiários, continuando a vazar pelas brechas da arbitragem regulatória. Piora o quadro o fato de que os fortes subsídios tributários e creditícios concedidos à habitação parecem ter contribuído mais para a espiral de preços e valorização de terrenos do que para a redução do custo final aos adquirentes. . Além disso, parte significativa dos empréstimos (estoque de R$ 57 bilhões de créditos em dezembro de 2011) é feita na modalidade de taxas livres, destinada ao financiamento de imóveis de maior valor para as classe média e média alta.

Por fim, quando se considera o valor das operações (em contraposição ao número), observa-se que, em sua grande maioria, os poupadores pertencem à classe média. Para se ter uma ideia da distribuição, em dezembro de 2011, cerca de 85% das contas tinham saldo inferior a R$ 5 mil. Isso representava algo em torno de 10% do valor total dos depósitos. No outro extremo da distribuição, cerca de 0,5% das contas tinham valores acima de R$ 100 mil, que representavam mais de 30% do valor dos depósitos. Do ponto de vista distributivo, portanto, seria mais eficaz tributar os depósitos de poupança, isentando somente os de baixo valor (para maiores detalhes acerca da tributação da poupança ver, neste site, o texto A isenção do Imposto de Renda na poupança é um subsídio justo e eficiente?).

A introdução paulatina de imposto de renda sobre a poupança não só evitaria o problema da indeterminação do custo da poupança entre as várias instituições – o que, insisto, poderá, no médio prazo, suscitar conflitos jurídicos e regulatórios – como reduziria o grau de subsídio em um sistema que, patentemente, não tem dirigido recursos públicos da isenção fiscal para o público que  pretendia beneficiar.

Tal solução, tecnicamente superior, não poderia ser improvisada. Em vista da incidência do princípio da anterioridade sobre o imposto de renda, deveria ter sido, necessariamente, prevista em lei ainda em 2011.

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[1] Desembolsos futuros são as tranches de financiamento à produção já contratadas mas ainda não desembolsadas para as construtoras.

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A isenção do imposto de renda na poupança é um subsídio justo e eficiente? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=179&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-isencao-do-imposto-de-renda-na-poupanca-e-um-subsidio-justo-e-eficiente https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=179#comments Wed, 23 Feb 2011 00:30:54 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=179 Existe a idéia consolidada na sociedade brasileira de que a caderneta de poupança é um mecanismo que favorece as classes populares, tanto por oferecer um investimento simplificado, seguro e de boa rentabilidade, quanto por lastrear financiamentos habitacionais de caráter social. Talvez por isso se aceite como meritória a isenção do imposto de renda concedida aos seus rendimentos.

Essas crenças não resistem à análise, mesmo superficial. A avaliação mais atenta sobre a poupança, sua regulamentação e o modo como são aplicados seus recursos demonstram que:

a) a caderneta de poupança não é prioritariamente um “investimento dos pobres e da baixa classe média”, sendo uma opção a mais de investimento altamente competitiva em relação a outros instrumentos financeiros mais complexos (como os fundos de investimentos) e na qual, inclusive, se observou incremento recente[1] das aplicações de maior valor;

b) a isenção de Imposto de Renda concedida à poupança gera um subsídio bilionário que, ao contrário da crença geral, não beneficia somente a população de baixa renda, pois é também apropriado pelos construtores e vendedores de imóveis e pelas instituições financeiras que intermedeiam esses recursos;

c) os recursos efetivamente aplicados em habitação são a minoria dos recursos disponíveis, pois há uma série de canais previstos na regulamentação que permitem que as instituições financeiras façam aplicações alternativas com esses depósitos; além disso, mais de 70% dos recursos aplicados em habitação são destinados à compra de imóveis usados e, assim, pressionam a demanda sem aumentar diretamente a oferta de novos imóveis;

d) os valores que se deixa de arrecadar com a isenção do Imposto de Renda afetam não só a arrecadação da União, mas também a de Estados e Municípios, pois esses entes subnacionais têm direito à receita deste imposto por meio dos Fundos de Participação. Essa receita subtraída dos governos locais poderia ser mais bem aplicada em programas de expansão da oferta de terrenos e de moradias efetivamente voltados para os pobres. Essa focalização se mostra necessária especialmente em face dos graves riscos que a precariedade das moradias populares nas megalópoles impõe aos seus habitantes.

A caderneta é mesmo um investimento dos pobres?

A poupança é hoje um ativo financeiro com saldo total de R$ 368 bilhões[2], correspondente a 10% do PIB[3], resultado de expressiva expansão recente, que se deu em função de sua alta rentabilidade em comparação às demais opções de aplicação financeira disponíveis no mercado.

Embora cercados de uma aura quase mística, os depósitos de poupança são um ativo financeiro como outro qualquer. O investidor procura rentabilidade líquida máxima, ajustada pelo risco da aplicação.

Em uma aplicação financeira típica, para calcular a rentabilidade líquida, o investidor deve considerar como abatimentos da remuneração bruta: i) a taxa de administração – que costuma variar de 0,3% a 4% ao ano; ii) os custos de tributação, que podem variar de 15% a 22,5% sobre os juros brutos, a depender do prazo, além de eventual IOF; e iii) todos os chamados “custos de transação”, como, por exemplo, o custo de aprender as regras de tributação e eventuais perdas devidas à não observância de períodos de carência.

Os depósitos de poupança estão desonerados de boa parte desses custos. Em primeiro lugar, não sofrem tributação. Tampouco têm taxa de administração. Adicionalmente, não têm qualquer penalidade em caso de movimentação fora das datas de aniversário, além de apresentarem um conjunto de regras bastante limitado e simples no que diz respeito à sua movimentação, o que reduz o custo de transação.

Disso decorre que, à medida que caem as taxas de juros na economia em geral (um fenômeno observado na economia brasileira nos últimos anos), os depósitos de poupança vão se tornando muito competitivos em relação às demais opções de investimento, mesmo que sua remuneração bruta se mantenha em relativa desvantagem.

A rentabilidade bruta da poupança é bastante inferior, por exemplo, à dos Certificados de Depósito Bancários – CDB, mas a rentabilidade líquida (rentabilidade após a dedução dos custos e impostos) dos dois ativos é muito similar. Entre junho de 2006 e junho de 2010, a poupança rendeu 7,6% ao ano e os CDBs, 11,4% ao ano: uma diferença de 3,7% ao ano, certamente considerável. Porém, basta descontar o Imposto de Renda incidente sobre o rendimento dos CDBs para que as rentabilidades líquidas se equiparem. Supondo uma alíquota de IR de 22,5% (os CDBs da amostra são de curto prazo), o diferencial de rentabilidade cai para 1,2% ao ano, distância praticamente desprezível, quando se consideram os custos administrativos, tributários e de transação envolvidos nos CDBs.

Não surpreende, portanto, que os depósitos de poupança tenham crescido sua participação no PIB, de 8,5% para 10%, enquanto as cotas de fundos de renda fixa, com toda a crescente complexidade dessa indústria e a proliferação de alternativas de aplicação, viram sua participação declinar, ainda que marginalmente, de 30,6% para 29,5% do PIB.

Tem sido freqüente afirmar que o vigor renovado dos depósitos de poupança se explicaria fundamentalmente pela entrada da chamada nova classe média no mercado e sua conseqüente bancarização. Essa interpretação não parece a mais correta frente ao comportamento dos saldos. Quanto maior a faixa de valor por cliente, maior foi o aumento da participação relativa da respectiva faixa no saldo total de depósitos de poupança nos últimos 4 anos. O mesmo ocorreu com relação número de depositantes. Quanto maior o valor do saldo, maior o crescimento relativo da participação dos depositantes da respectiva faixa no total de depositantes da poupança.

Nas faixas de depositantes que possuem entre R$ 50 mil e R$ 200 mil reais, a poupança tem mais depositantes que os CDBs[4]. Além disso, um milhão e meio de depositantes da poupança têm saldo superior a R$ 50 mil, sendo que, desses, quase seis mil possuem mais de R$ 1 milhão em depósitos.

Quanto custa o subsídio à poupança?

Uma forma simples de calcular o subsídio dado à poupança é calcular qual deveria ser a rentabilidade bruta paga ao poupador para que sua rentabilidade líquida se mantivesse inalterada após a cobrança do imposto. Com base nos dados de junho de 2006 a junho de 2010, o custo do subsídio é de 1,9% sobre o saldo total. Seu custo financeiro é demonstrado na tabela abaixo.

Saldos e renúncia fiscal dos depósitos de poupança 06/06 a 06/10


O benefício fiscal da poupança, como se vê, está crescendo de maneira rápida. Na soma dos dois últimos semestres chegou a R$ 6 bilhões.

A política de isenção do IR na caderneta de poupança ainda tem o inconveniente de retirar recursos dos Estados e Municípios, pois parte da arrecadação daquele imposto é redistribuída a esse entes por meio dos fundos de participação. Este dinheiro retirado das receitas das autoridades locais poderia ser empregado em programas de regularização fundiária que abrissem espaço para a construção de novas unidades habitacionais. Isso é ainda mais importante quando se percebe que um dos fatores críticos na elevação dos preços de imóveis tem sido a escassez de terrenos.

Com base nos dados da Tabela 1 é possível estimar que os Estados e Municípios deixaram de receber R$ 8,5 bilhões (que equivale a 45% da renúncia fiscal) entre junho de 2006 e junho de 2010.

A magnitude em si do subsídio não é razão para condenar sua concessão. O que importa é avaliar a sua destinação, quem dele se apropria e quais são os efetivos benefícios econômicos e sociais de sua concessão. É o que se procura analisar a seguir.

Quem se beneficia do subsídio à poupança?

O critério mais importante para verificar a justiça de um subsídio é averiguar a quem, de fato, ele está beneficiando.

A princípio imagina-se que o pagamento de uma taxa de juros bruta menor ao poupador (pela isenção do Imposto de Renda) gera recursos mais baratos para emprestar a quem toma um financiamento habitacional. Supondo-se que o típico mutuário do Sistema Financeiro da Habitação – SFH – seja um indivíduo de baixa renda, então o subsídio decorrente da isenção do IR constituiria uma política de distribuição de renda em favor dos mais pobres, por meio da oferta de crédito habitacional a juros baixos.

Ocorre que o aumento da demanda por imóveis gerada pelos financiamentos a juros subsidiados pode redundar em elevação dos preços desses imóveis. Ao final, o ganho recebido pelos mutuários na redução dos juros é anulado pela elevação dos preços dos imóveis que irão comprar. Nesse caso, o beneficiário final do subsídio tende a ser o vendedor do imóvel.

Embora não haja dados oficiais disponíveis sobre a evolução do preço do m2 quadrado de imóveis de vários padrões e em várias regiões do País, dados disponíveis para algumas regiões corroboram essa hipótese, como as pesquisas do Secovi/SP e de vários sindicatos de corretores de imóveis do País.

Para os imóveis financiados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, cujo valor máximo de avaliação é R$ 500 mil, o valor real médio de financiamento de imóveis novos elevou-se em 46%. No caso dos imóveis usados, pelo mesmo critério, a elevação foi de 62%.

Na chamada Carteira Hipotecária, voltada para imóveis com valor de avaliação superior a R$ 500 mil, a evolução real nos preços foi de 32% para imóveis novos e de 44% para os usados.

Há, portanto, evidências de que os subsídios aos financiamentos imobiliários estão, em parte, sendo apropriados pelos vendedores de imóveis, via elevação de preços.

Outro critério relevante para avaliar a eficácia do subsídio é mensurar que percentual dos saldos de depósitos é efetivamente usado em crédito para moradia popular.

A regulamentação da matéria pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) determina que 65% devem ser aplicados em empréstimos imobiliários (sendo 80% no SFH, voltado a imóveis mais baratos), 20% em depósitos compulsórios e 15% de forma livre. Portanto, 52% dos recursos da poupança deveriam ser aplicados em financiamentos imobiliários do SFH, aqueles supostamente de maior alcance social. Ainda assim, cabe lembrar que o SFH financia imóveis até R$ 500 mil, valor que, mesmo nas cidades mais caras, é mais que suficiente para adquirir um imóvel de classe média.

Uma observação mais cuidadosa, entretanto, mostra que a regulamentação do CMN permite que os recursos efetivamente aplicados em habitação sejam inferiores ao mínimo estabelecido de 52%.

Algumas formas de subestimar a exigibilidade são:

i)                   a base de cálculo considera a média dos depósitos dos últimos 12 meses ou o saldo mais recente, o que for menor. Em períodos de crescimento do volume de depósitos, a média dos saldos dos últimos 12 meses pode ser bem menor do que o último saldo registrado, o que faz com que o volume dos financiamentos concedidos, como percentual do saldo mais recente, fique abaixo dos 52%;

ii)                 permitir que sejam considerados financiamentos os chamados “desembolsos futuros”, que não necessariamente se transformarão em financiamentos efetivos. Em 2010 o saldo dos desembolsos futuros equivaliam a R$ 22,4 bilhões, quantia 13,7% superior aos financiamentos efetivamente concedidos às construtoras;

iii) o mecanismo conhecido como “multiplicador de exigibilidades”, previsto no art. 13 da Resolução nº 3.347 do CMN. Por esse mecanismo, a concessão de financiamentos a taxas de juros inferiores a 12% a.a. dá às instituições financeiras direitos de lançar o saldo do financiamento correspondente acrescido de um multiplicador. Com isso, a instituição financeira consegue liberar mais recursos da poupança para aplicações não-habitacionais, mais rentáveis.

Conclusão

Os subsídios concedidos por meio da não-tributação do IR nos depósitos de poupança não são capturados pela camada mais baixa da população ou dão suporte a operações que não têm qualquer ligação com financiamentos habitacionais.

A partir dessas constatações não parece ser justificada a manutenção da concessão de subsídios à poupança pelo mecanismo atual – por meio da isenção de imposto de renda sobre os rendimentos, cujo custo para o setor público entre julho de 2009 e junho de 2010 pode ser estimado em R$ 6,1 bilhões.

O argumento de que o fim do benefício prejudicaria os poupadores deve ser visto com cautela. O mercado financeiro brasileiro oferece um amplo conjunto de alternativas de aplicação. O pior cenário é a manutenção do status quo, que vem ajudando a inflar os preços dos imóveis por meio da concessão de taxas de juros artificialmente reduzidas, diminuindo a capacidade de o Estado prover melhores condições de habitação para a população de baixa renda por meio de programas mais focados nesse segmento.

Pior, a magnitude atual dos subsídios da poupança pode também estar associada à espiral de preços que hoje se verifica no mercado imobiliário, em razão da falta de foco dos subsídios, marcadamente pela ênfase na concessão de financiamentos a imóveis usados, que representam mais de 70% dos financiamentos à aquisição.

Essas distorções são bastante graves e já mereceriam, em condições normais, um amplo debate nacional no sentido de alterar o marco institucional que rege os depósitos de poupança e a aplicação de seus recursos. O agravamento das recorrentes tragédias que assolam as megalópoles brasileiras em período de chuvas, em boa medida decorrentes das péssimas condições de moradia da população mais pobre, só torna esse debate imperioso e inadiável.

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[1] Entre junho de 2006 e junho de 2010 as faixas de aplicação de maior valor tiveram crescimento na sua participação no total de depósitos bem maior que as faixas de menor valor. Esse deslocamento, por sua magnitude, não pode ser explicado simplesmente pelo aumento do valor nominal das aplicações.

[2] Posição de novembro de 2010.

[3] Exceto pela utilização do IPCA, cuja fonte é o IBGE, os demais dados utilizados neste artigo, quando não houver indicação em contrário, têm como fonte os quadros anexos às Notas à Imprensa sobre Política Monetária e as Estatísticas do Sistema Financeiro da Habitação, ambos publicados mensalmente pelo Banco Central do Brasil e disponíveis na página eletrônica da instituição.

[4] Segundo o Relatório do FGC de junho de 2010, disponível em http://www.bcb.gov.br/fis/fgc/estat/arquivos/InfoConsolidadas/FGC-062010.pdf

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